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Desindustrialização, rearranjo industrial e desemprego no Brasil. O caso do ABC paulista
flávio antunes estaiano de rezende*
flávio dos santos**
Resumo l Houve no Brasil vários planos de estabilização com o objetivo de controlar a inflação e suas
externalidades, e para alcançar o equilíbrio externo. Somente houve êxito na implementação do Plano
Real em 1994, que necessariamente só poderia alcançar os louros de seu sucesso com reestruturações
dos parques produtivos industriais nos moldes internacionais, já que anteriormente, no Brasil, as gestões
fabris não eram eficientemente comparáveis aos padrões internacionais. Com avanços tecnológicos cada
vez mais rápidos, ficaram evidentes a disparidade tecnológica do setor produtivo brasileiro, a desquali-
ficação do trabalhador em relação às novas formas e técnicas de trabalhos especializados e a crescente
necessidade de diminuição dos custos produtivos para se ter uma indústria mais competitiva, tendo
como conseqüência o aumento da taxa de desemprego, o que pode ser observado, por exemplo, no ABC
paulista. Diversas empresas, com vistas a diminuir seus custos, fecharam suas fábricas no ABC, causan-
do uma taxa desproporcional de desemprego em relação à geração de trabalho nas novas fábricas, em
outras regiões; nesse fenômeno de transferência industrial, verifica-se que dificilmente um trabalhador
desempregado encontrará novo emprego nas mesmas condições profissionais, e com os mesmos rendi-
mentos. Neste aspecto a desindustrialização mostra sua face, serve de ferramenta ao desenvolvimento
capitalista contemporâneo.
Palavras-chave l desindustrialização, reestruturação produtiva, desemprego.
* Aluno de graduação em Ciências Econômicas e Regime de Iniciação Científica (RIC) na USJT.E-mail: [email protected]** Professor da USJT, Doutor em Ciências Econômicas e orientador da pesquisa.E-mail: [email protected]
Nos últimos vinte anos foram implementados vários
planos de estabilização no Brasil, com destaque para
os planos Cruzado (1989), Collor (1990) e Real
(1994), com o objetivo de controlar a inflação, e
também de alcançar o equilíbrio externo.
No entanto, a despeito da propaganda política
que se fez em torno dos planos Cruzado e Collor,
estes mal lograram êxito. Somente em 1994, com
a implementação do Plano Real, é que a estabili-
zação obteve o sucesso desejado, com o controle
da inflação e o ajuste do setor externo, apesar de
este último ter sido alcançado somente na segun-
da fase do plano, que se realizou também no se-
gundo mandato do presidente Fernando Henrique
Cardoso, o responsável direto pela criação deste
plano. O sucesso alcançado por meio das políticas
implantadas com o Plano Real, com destaque para
as políticas voltadas para o setor externo, exigiram
uma substancial reestruturação do parque produ-
tivo, já que este necessitava modernizar-se para
adequar-se aos novos padrões de competitividade
internacional, uma vez que o modelo de gestão
anteriormente praticado no Brasil não se pautava
pela busca de eficiência nos moldes praticados nos
grandes centros produtivos internacionais.
Com os avanços tecnológicos cada vez mais
rápidos e a inserção do Brasil num novo cenário
de mercado mundial a partir dos anos 90, tornou-
se evidente a inegável disparidade tecnológica do
setor produtivo e a desqualificação do trabalhador
diante das novas técnicas exigidas no trabalho
especializado. Fortaleceu-se a consciência da ne-
cessidade de adequação da economia às novas
tecnologias e de diminuir os custos produtivos para
se ter uma indústria mais competitiva. Tudo isto
obrigou muitos setores da economia a buscarem
adaptar-se aos novos padrões de competitividade,
adotando políticas de gestão que implicaram uma
significativa reestruturação da indústria e o con-
seqüente aumento da taxa de desemprego.
Um exemplo concreto de desindustrialização e
desemprego em massa foi o ocorrido no ABC
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paulista. Diversas empresas, com vistas a diminuir
seus custos de planta de produção e na busca de
mão-de-obra mais barata, procuraram outras regi-
ões, que oferecessem mais subsídios fiscais e mobi-
liários. Com isto,fecharam suas fabricas no ABC e
abriram outras nas regiões mais favoráveis, conse-
guindo assim a reestruturação tão desejada das
plantas de produção, e com custos mais baixos.
O que se observou, no entanto, foi um aumen-
to desproporcional do desemprego em relação à
geração de trabalho nas novas fábricas, ou seja, não
só as empresas que saíram do ABC, mas as que
permaneceram, investiram em novas tecnologias
de produção para se tornarem mais competitivas
no mercado, aumentaram o nível de desemprego,
e criaram uma lacuna entre produtividade e gera-
ção de emprego. Ou seja, dificilmente um traba-
lhador desempregado encontrará novo emprego
nas mesmas condições profissionais, e com os
mesmos rendimentos.
Nesse contexto geral de rearranjos industriais,
que tendem a não absorver a crescente oferta de
mão-de-obra desempregada, não só no ABC, mas
no Brasil como um todo, causa espanto a afirmação
de que o Estado deve se retirar da economia, dei-
xando que o mercado se auto-regule. Mas surgiram
vozes pedindo que o governo não interfira onde é
necessário para criar oportunidades de emprego nas
localidades que precisam crescer e se desenvolver, e,
da mesma forma, não incentive as empresas a não
sair de onde elas estão instaladas, amenizando assim,
os inevitáveis impactos do desemprego.
Mas o que verificamos, na verdade, é a inevita-
bilidade do fenômeno de rearranjos industriais, e
diante isso não podemos negar a importância dos
mecanismos de ajustamentos das plantas as exi-
gências de competitividade das empresas no novo
ambiente econômico gerado com a estabilização e
abertura econômica.
Tendo em vista a extrema necessidade de inves-
tigar-se a fundo as tendências modernas em torno
do que se chama desindustrialização e as medidas
tomadas em política econômica pelos governos
atuais na América Latina a partir de 1990, com a
abertura econômica e os ajustamentos monetários
destes governos conjuntamente com a dinâmica
contemporânea dos mercados internacionais no
Brasil, torna-se urgente um esforço de conceitua-
ção e explicação do tema para futuras práticas de
políticas econômicas racionais.
O que se nota e se evidencia no Brasil, após o
sucesso da estabilização promovida pelo Plano
Real, é um vigoroso processo de ajustamentos
industriais, nos tamanhos das empresas, em bus-
ca de menores custos médios, que sejam suficien-
tes para encontrar condições propiciadoras de
economias de escala. Houve na maioria das gran-
des e médias empresas essa mudança estrutural
que pôde orientá-las a adentrarem o mercado
aberto mundializado e altamente competitivo,
reajustando-se a esse novo mercado graças às
políticas adotadas, principalmente, no governo do
presidente Fernando Henrique Cardoso. Nesse
período a entrada de investimentos externos foi
beneficiada por políticas de câmbio flexível e de
juros altos, possibilitando privatizações em larga
escala com o intuito de aumentar a eficiência das
empresas estatais, diminuindo o ônus do Estado
na economia e ajustando o Brasil ao “consagrado”
ideal promovido pelo chamado “Consenso de
Washington” na década de 1970 e mostrando ao
mercado o novo ideal brasileiro, no que se refere
às orientações políticas.
Nesse aspecto, ficou clara a necessidade de
ajustamentos industriais, e tornou-se evidente que
muitas das empresas não teriam condições de se
adequar a essa nova dinâmica mundial a partir da
abertura comercial de 1990.
Observa-se nos dados fornecidos por institui-
ções de pesquisa como IBGE, Ipea, Sebrae, Acisa e
Dieese que houve o fechamento de muitas empre-
sas nas regiões metropolitanas. O fechamento
dessas empresas, contudo, não significou necessa-
riamente que elas não existam mais ou que não se
abriram outras no mesmo período. Muitas das
empresas fechadas nas regiões metropolitanas, por
exemplo, no ABC paulista, reabriram seus parques
industriais em outras localidades, realinhando seus
interesses de reajustamentos, do tamanho da em-
presa, com a chamada guerra fiscal, promovidas
pelos Estados em busca de novos investimentos
locais e receitas tributárias. Neste aspecto, a desin-
dustrialização ocorrida no ABC paulista promoveu
a industrialização em outros estados, e até mesmo
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em outras cidades do próprio estado, onde hou-
vesse a possibilidade de tais ajustamentos.
No que se refere ao Brasil como um todo, com
as industrializações e desindustrializações ocorri-
das, o que se verifica, na verdade, é que não houve
significativa desindustrialização (ver André Nas-
sif). Houve, sim, a diminuição dos ganhos médios
das empresas, graças à abertura comercial e à alta
competitividade de países como a China e a Índia,
grandes concorrentes comerciais do Brasil. É inte-
ressante notar, neste aspecto, que, com a estrutu-
ração das empresas no Brasil, o número de postos
de trabalho diminuiu, evidentemente, eliminando-
se quantidades consideráveis de consumidores.
Esta sensação de desemprego em massa só não foi
mais agravada, com piores condições de vida, além
daquelas sentidas naturalmente, com o desempre-
go, por causa de práticas monetaristas praticadas
nesses períodos. O incremento de crédito pessoal
conduziu ao fomento de bens de utilidade domés-
tica como nunca se viu na história, provocando a
sensação falsa de melhoria da relação salário/
consumo. Com isso, o número de inadimplentes
aumenta a passos largos, enquanto o número de
postos de trabalho continua diminuindo, ou,
quando são criados postos de trabalho, estes trazem
achatamentos cada vez maiores de salário e péssi-
mas condições de planejamento pessoal.
As empresas de setores diversos na economia,
como as de agropecuária avançada (agrobusiness) e
as indústrias de transformação, não têm as mesmas
condições de incentivo advindas dos investimentos
externos, a não ser quando objetivam atender às
demandas internacionais dos mercados consumi-
dores externos, como os da Europa e dos Estados
Unidos, por exemplo. O poder de consumo externo
ultrapassa o poder de consumo brasileiro por con-
ta das péssimas condições de renda nacional, redu-
ção da renda média per capita, somada à sua má
distribuição (Relatório Anual da ONU 2006)
É importante salientar que a análise do fenôme-
no da desindustrialização não deve, de modo, ne-
nhum, ser observada somente num aspecto regional,
e sim no conjunto da economia, relacionando-se,
de forma racional, os fatores de origem, ou seja, os
fatores que implicam mudanças de caráter estrutu-
ral na economia, e a forma como se manifestam
estes fenômenos. Somente assim podem ser efeti-
vamente postas em prática políticas de fomento
industrial de crescimento do produto em prol do
desenvolvimento econômico e social do país.
Dado esse cenário mundial, não devemos negar
a importância da grande empresa na contribuição
para a evolução e o desenvolvimento de novas
tecnologias, nem afirmar que esta nova tendência
de mudança dos padrões tecnológicos seja de todo
má. Pelo contrário, é por meio da geração de tec-
nologia que se percebe o nível de desenvolvimento
de um país. Os investimentos em tecnologia, na
criação de patentes, geram muitos empregos, tanto
diretos quanto indiretos. O Brasil sofre, porém, uma
tendência de queda do número de patentes, o que
é um mau sinal para a geração de novos postos de
trabalho e o aumento da renda nacional. Outro
agravante à piora das condições de vida da popu-
lação brasileira são as expectativas de queda na
produção de alimentos para consumo interno,
provocadas principalmente pela opção de produzir-
se para exportação, passando a responsabilidade
pela produção de alimentos para toda a população
ao pequeno agricultor, desfavorecido pelos incen-
tivos fiscais e pelo acesso ao crédito.
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