71
Érica Antunes PEREIRA1
Priscila GENELHÚ2
RESUMO O presente artigo compara as obras poéticas do cabo-verdiano Arménio Vieira e do brasileiro João Cabral de Melo Neto, atentando para as concepções sobre o fazer poético – a poesia, o próprio poeta – presente com grande pertinência e para a maneira pela qual o espaço de onde cada um escreve repercute em suas obras. Como principal base teórica utilizada para tais investigações, destacam-se os conceitos de dialogismo e interdiscursividades, propostos por Mikhail Bakhtin, e o de intertextualidade, por Julia Kristeva. PALAVRAS-CHAVE: estudos comparados de literaturas de língua portuguesa, poesia, Cabo Verde, Brasil.
ABSTRACT This article compares the poetic works of the Cape Verdean Arménio Vieira and the Brazilian João Cabral de Melo Neto, attempting to the conceptions of the poetic work – poetry and the poet himself – that is present with great effect and the way in which the space from where each of the writes from affects their works. As the main theoretical frame for such investigations we highlight the concepts of dialogism and interdiscursivities, posed by Mikhail Bakhtin, and intertextuality proposed by Julia Kristeva. KEYWORDS: compared studies of portuguese language literature, poetry, Cape Verde, Brazil.
1 Doutora em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e Pós-Doutoranda na mesma universidade, com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) para o desenvolvimento do projeto “Travessias atlânticas: a literatura de Cabo Verde lê o Brasil”, sob a supervisão da Profa. Doutora Simone Caputo Gomes. Autora da obra De missangas e catanas: a construção social do sujeito feminino em poemas angolanos, cabo-verdianos, moçambicanos e são-tomenses (São Paulo: Annablume; FAPESP, 2013). 2 Graduanda em Letras na Universidade de São Paulo (USP) e bolsista de Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) para o desenvolvimento da pesquisa “Diálogos em língua portuguesa: relações intertextuais e interdiscursivas entre Arménio Vieira e João Cabral de Melo Neto”, sob a orientação da Profa. Doutora Érica Antunes Pereira, tendo como um de seus resultados o presente artigo.
72
Um poema é o que há de mais instável: ele se multiplica e divide, se pratica as quatro operações enquanto em nós e de nós existe.
João Cabral de Melo Neto
Da indiscutível maturidade das obras dos dois poetas objetos deste estudo, o cabo-verdiano Arménio
Vieira e o brasileiro João Cabral de Melo Neto, surgem tangências, caminhos compartilhados, a começar pelo
ofício da poesia. A trajetória literária de João Cabral tem início ainda em sua juventude em Pernambuco. No
poema “Descoberta da literatura”, de A escola das facas, o poeta conta um pouco sobre suas primeiras
experiências literárias, episódio curioso e bastante inesperado frente à erudição letrada presente em seus
versos:
No dia-a-dia do engenho, toda a semana, durante, cochichavam-me um segredo: saiu um novo romance. E da feira de domingo me traziam conspirantes para que lesse e explicasse um romance de barbante. Sentados na roda morta de um carro de boi, sem jante, ouviam o folheto guenzo, a seu leitor semelhante, com as peripécias de espanto preditas pelos feirantes. Embora as coisas contadas e todo mirabolante em nada ou pouco variassem nos crimes, no amor, nos lances, e soassem como sabidas de outros folhetos migrantes, a tensão era tão densa, subia tão alarmante, que o leitor que lia aquilo como puro alto-falante, e, sem querer, imantara todos ali, circunstantes, receava que confundissem o deperto com o distante, o ali com o espaço mágico, seu franzino com o gigante, e que o acabassem tomando
73
pelo autor imaginante ou tivesse que afrontar as brabezas do brigante. (E acabariam, não fossem contar tudo à Casa-grade: na moita morta do engenho, um filho-engenho, perante cassacos do eito e de tudo, se estava dando ao desplante de ler letra analfabeta de curumba, no caçanje próprio dos cegos de feita, muitas vezes meliantes.) (MELO NETO, 2008a, p. 83-84 – grifos nossos)
Este primeiro contato com a literatura vem a João Cabral por meio da literatura de cordel, comum
nas feiras nordestinas e que lhe era trazida pelos trabalhadores do engenho de seu pai. Traziam sempre um
“novo romance” para que João Cabral lesse e eles ouvissem em episódios ‘secretos‘. João Cabral relembra,
neste poema, o medo que tinha de que o pai descobrisse, de que seus ouvintes “fossem contar tudo à Casa-
grade”, o filho de engenho se “dando ao desplante de ler letra analfabeta”.
O “nobre artesanato” que ele observa de uma maneira na literatura de cordel, depois se concretiza em
sua leitura do espanhol “Gonzalo de Berceo, poeta de sua admiração”, do início do século XIII, “autor de versos
assemelhados à literatura de cordel” (NORÕES, 2011, p. 11). Porém, este princípio de formação literária entre
ouvintes analfabetos é o que motiva o poeta a questionar, em seu ensaio “Da função da poesia moderna” (1954),
como a literatura moderna poderia chegar a seu leitor, não só aquele capaz de compreender suas
complexidades, mas também o sem formação escolar, das letras analfabetas. A este projeto João Cabral nunca
chega a responder satisfatoriamente, pois sua literatura, por mais que trabalhe conceitos relacionados ao mundo
destes trabalhadores nordestinos, não atende a um público de formação escolar deficitária.
Na poesia de Arménio Vieira também veremos, de maneira diferente, a reação do pai frente ao filho
poeta:
Meu pai diz para os amigos (gente oca e rasteira, cabecinhas de alfinete): – tenho pena do meu filho: ele é doido, é poeta. Mas se um touro me ataca ou um bruto de matraca meu pai dá um pulo, mais lesto que uma pulga, e torce os cornos ao bovino. (VIEIRA, 1981, p. 28)
Se, para o pai do pernambucano, é loucura o filho misturar-se a gente não letrada, para o pai de
Arménio, um tanto mais radical, o universo das letras e o ser poeta torna o filho um louco: “tenho pena do
74
meu filho: ele é doido, é poeta”. Permanece, porém, o conceito familiar de proteção quando, mesmo com este
pensamento, seu pai o protege de qualquer perigo: “se um touro me ataca [...] meu pai dá um pulo [...] e torce
os cornos ao bovino”.
Em João Cabral, a questão do espaço assume grande importância, inclusive como o que o leva a
escrever. Ao longo de sua obra, falar dos lugares por onde passou – principalmente paisagens pernambucanas
e andaluzas (espanholas) – se constituirá como uma maneira de permitir ao leitor identificar o poeta por trás
da objetividade lírica. O falar das coisas do mundo, sem nunca falar de si, é, pelo eixo da memória, inscrever-
se em sua poesia:
Só duas coisas conseguiram (dês)feri-lo até a poesia: o Pernambuco de onde veio e o aonde foi, a Andaluzia. Um, o vacinou do falar rico e deu-lhe a outra desafio demente: em verso dar a ver Sertão e Sevilha. (MELO NETO, 2008a, p. 101)
Neste poema, está explícita a importância de Pernambuco e da Andaluzia, apontados como os dois
únicos elementos que o levaram até a poesia, ou seja, sua presença e sua ausência, respectivamente, o
feriram e desferiram até a poesia. Estes espaços constantemente presentes em seus versos são apontados como
algo que o movem a escrever a vida destes lugares, “em verso / dar a ver Sertão e Sevilha”.
Arménio Vieira, escritor cabo-verdiano nascido em 1941, participou, integrou e contribuiu para a
formação da literatura cabo-verdiana, sendo o primeiro e – até o presente – o único escritor cabo-verdiano a
ganhar o Prêmio Camões. A questão espacial em Arménio Vieira ocorre de maneira diferente. Sua obra o
posiciona muito mais como um cidadão do mundo do que como um cabo-verdiano, propriamente. Não o
identificamos facilmente como pertencente a tal país, a ocorrência de ‘versos cabo-verdianos‘ se dará em um
ou outro poema apenas, como em “Lisboa – 1971”:
Em verdade Lisboa não estava ali para nos saudar. Eis-nos enfim transidos e quase perdidos no meio de guardas e aviões da Portela. Em verdade éramos o gado mais pobre d‘África trazido àquele lugar e como folhas varridas pela vassoura do vento nossos paramentos de presunção e de casta.
75
E quando mais tarde surpreendemos o espanto da mulher que vendia maçãs e queria saber d‘onde... ao que vínhamos descobrimos o logro a circular no coração do Império. Porém o desencanto, que desce ao peito e trepa a montanha, necessita da levedura que o tempo fornece. E num camião, por entre caixotes e resquícios da véspera, fomos seguindo nosso destino naquela manhã friorenta e molhada por chuviscos d‘inverno. (VIEIRA, 1981, p. 17)
O poema começa a situar-se em um espaço determinado já pelo seu nome, Lisboa, capital do país
colonizador de Cabo Verde. Também pela dedicatória, “a Ovídio Martins e Osvaldo Osório”, ambos
escritores e figuras ativas na política, no jornalismo e na literatura em Cabo Verde durante a luta pela
independência deste país, ocorrida no período salazarista de Portugal. O poema, aparentemente, trata de uma
visita ou estadia em Lisboa, ressaltando o descaso da cidade (“coração do Império”) para com eles (“Lisboa
não estava ali para nos saudar”). “Em verdade éramos o gado mais pobre / d‘África trazido àquele lugar / e
como folhas varridas pela vassoura do vento / nossos paramentos de presunção e de casta”, nesta sociedade
lisboeta os cabo-verdianos são mirados como uma “casta” inferior, um “gado mais pobre” vindo da África e
sem nenhuma importância, como folhas indesejadas no chão sendo “varridas” pelo vento.
Este poema trata diretamente de um questionamento cabo-verdiano, contrariando a tendência geral
da obra de Arménio, pois além de tratar desta visita a Lisboa, em maior proporção, trata do próprio descaso
da metrópole portuguesa em relação à colônia que Cabo Verde era em 1971. Porém, raros serão estes casos
em sua obra, que tenderá muito mais ao universal do que ao particular.
Mapeando o livro Poemas (1981), encontramos muito mais do que um conjunto de poemas “cujo
traço de união [...] não será fácil descobrir” (VIEIRA, 1981, p. 7), como aponta o autor em texto semelhante a
um prefácio – sua obra obedece a pilares básicos que levarão ao individual de cada “teorema”, será constante
a aparição do humor, do satírico e do irônico em sua obra, por exemplo:
Arre de vida e sua codificação de gestos! O tempo que perdemos atrás dos mortos sem nunca pensarmos nos mortos que somos. (VIEIRA, 1981, p. 27) Enquanto eu te beijo Musa de axilas perfumadas
76
Vénus purificada em banho de espuma [...] ontem puta agora diva [...] o marquês-de-sade feito santo de alcova abençoa a nossa união. (VIEIRA, 1981, p. 40)
Neste último poema aparece o elemento da cultura grega clássica, muito explorado não somente
neste livro como em toda a sua obra. Por exemplo, neste poema de Mitografias (2007), “Nietszche versus
Schopenhauer versus Buda e J.C.”:
[...] Sempre que Dioniso se põe a dançar O Céu, suposta morada do Grande Espírito, Fica negro como as viúvas. Buda E Crista são mulheres vestidas de homens [...] Como posso aceitar um deus que dá nirvanas aos escravos? Morreu o grande Pã, viva o Super-Homem! (VIEIRA, 2007, p. 84)
Arménio parece estar sempre a zombar, ironizar e subverter os temas, não apenas da antiguidade
grega, como de crenças e religiões atuais, suas histórias e verdades absolutas mais parecidas com mitos do
que com realidades críveis. Ironiza ao mencionar as imagens de “Céu” (“suposta morada do Grande Espírito”),
“Buda” e “Jesus Cristo” numa mesma estrofe em que menciona o deus grego Dionísio e o elemento moderno
de poder e heroicidade: “Super-Homem”.
Há um “quê” de coerências na composição poética de Arménio Vieira, esta coerência relaciona-se às
características mencionadas, uma valorização da razão em detrimento da crença cega em dogmas de verdade e
religião, este valor da razão está também estendido aos conceitos sobre o fazer poético, como se observa no poema
“Arte poética”:
INTRODUZ MÉTRICA NOS TEOREMAS FAZ DA GEOMETRIA UM LIVRO DE POEMAS. (VIEIRA, 1981, p. 9)
Ou em “Construção na vertical”:
Com pauzinhos de fósforo Podes construir um poema. [...] Não tremas: o teu coração Ainda mais que a tua mão, Pode trair-te. Cuidado!
77
Um poema assim é árduo. Sem cola e na vertical, Pode levar uma eternidade. (VIEIRA, 2007, p. 28)
Aqui, semelhantemente a João Cabral, o tratamento e a sofisticação da poesia são dados pela
geometria, como a uma arquitetura ou engenharia, o poema pode ser construído “sem cola e na vertical”,
“com pauzinhos de fósforo”. É a isto que ele chama fazer “da geometria um livro de poemas”, trata-se do
constante trabalho da razão sobre as palavras, organizando-as e colocando-as em papel.
A respeito, João Cabral diz em entrevista a O Estado de S. Paulo no dia 19 de janeiro de 1986:
Eu não tenho ouvido musical para a melodia. Talvez tenha para o ritmo. O ritmo não é só
musical, existe um ritmo sintático. Você diante de uma obra de arquitetura vê que ela tem um
ritmo. Esse ritmo não é musical, porque a arquitetura é muda. Existe um ritmo visual, existe um
ritmo intelectual, que é um ritmo sintático. (In: ATHAYDE, 1998, p. 87)
Sobre o diálogo entre as obras dos dois poetas, veremos a seguir a culminância no que diz respeito à
concepção de poesia.
Em seu terceiro livro de poesia Mitografias (2007), o escritor cabo-verdiano Arménio Vieira –
galardoado, em 2009, com o Prêmio Camões, mais importante prêmio literário de língua portuguesa –
distingue um conjunto de poemas dedicados a João Cabral de Melo Neto.
A poesia de Arménio “dialoga, explícita ou implicitamente” (GOMES, 2011, p. 2) com a concepção
de poesia e com os próprios versos de João Cabral de Melo Neto. Porém, nesse capítulo de Mitografias,
Arménio extrapola quaisquer ecos perceptíveis do que apreendeu das leituras feitas de João Cabral e não só
dedica, como direciona os seus versos a João Cabral, qual este fosse o interlocutor de um diálogo literário ou
até mesmo de um diálogo real. Observemos o que diz Bakhtin sobre o conceito de “diálogo real” e sua
extensão a outras esferas da comunicação verbal:
a forma mais simples e mais clássica da comunicação verbal. A alternância dos sujeitos
falantes (dos locutores) que determina a fronteira entre os enunciados apresenta-se no diálogo
com excepcional clareza. Ora, o mesmo sucede nas outras esferas da comunicação verbal,
[...] o autor da obra manifesta sua individualidade, sua visão do mundo, em cada um dos
elementos estilísticos do desígnio que presidia à sua obra. [...] as obras dos antecessores, nas
quais o autor se apóia, as obras de igual tendência, as obras de tendência oposta, com as quais
o autor luta, etc. (BAKHTIN, 2002, p. 298)
78
A maneira como Arménio estrutura os poemas funciona como uma resposta direta ao enunciado
proposto por João Cabral, como se numa conversa entre amigos este falasse e Arménio continuasse e
estendesse o diálogo a outros níveis, comentando, concordando, refutando, de maneira responsiva. Nesses
“Dez poemas mais um”, transbordam as imagens típicas a João Cabral nas referências e no diálogo direto
estabelecido – em que se destaca o último poema, intitulado “João Cabral”. Toda a obra de Arménio guarda
enigmas a serem descobertos, suas palavras estão dispostas a um leitor atento e capaz de descobrir mundos
inteiros em um verso; da mesma maneira esses onze poemas revelarão qual é a leitura que ele faz da obra do
poeta brasileiro.
Um poeta, ao escrever e publicar sua obra, não espera um leitor inerte, deseja um leitor que
concretize o caráter dialógico da linguagem, pois um enunciado pede um retorno. Como destaca Fiorin, “ele
espera uma compreensão responsiva ativa, constrói-se para uma resposta, seja ela uma concordância ou uma
refutação.” (FIORIN, 2006, p. 32). Nesse sentido, não há melhor leitor do que o representado por Arménio
Vieira, a relação entre os dois poetas ilustra perfeitamente a natureza dialógica da língua.
Observemos o primeiro destes onze poemas:
DEZ POEMAS MAIS UM para João Cabral de Melo Neto, pão sem miolo, apenas códea, se é que o finado Severino ainda pode ouvir. (VIEIRA, 2007)
Já neste poema-epígrafe, que explicita ser João Cabral de Melo Neto o destinatário e o homenageado
do conjunto, há o início de um emaranhado de referências a começar pelo próprio nome de João Cabral. A
este interlocutor Arménio dedica o “pão sem miolo, apenas côdea”, verso pertencente ao célebre poema do
pernambucano publicado em Quaderna, “Poema(s) da Cabra”:
[...] O negro é o duro que há no fundo da cabra. De seu natural. Tal no fundo da terra há pedra, no fundo da pedra, metal. O negro é o duro que há no fundo da natureza sem orvalho que é a da cabra, esse animal sem folhas, só raiz e talo,
79
que é a da cabra, esse animal de alma-caroço, de alma córnea, sem moelas, úmidos, lábios, pão sem miolo, apenas côdea. [...] (MELO NETO, 2008b, p. 80 – grifos nossos)
Vemos refletidos neste verso princípios básicos das obras de ambos: Arménio dedica a João Cabral a
casca (a côdea), aquilo que ocupa a superfície rígida e dura de uma realidade comparada ao “pão sem
miolo”, ou seja, não existe o que amorteça ou amenize essa rigidez da casca, e é também desta falta de
proteção que os outros poemas falam. A cabra, no poema de João Cabral, representa aquilo que é privado de
qualquer luxo, “sem orvalho”, qualquer adorno, “sem folha”, apenas existe o necessário, “só raiz e talo”. Esse
possuir o necessário é o que a faz forte, resistente, “no fundo da pedra, metal”, mais forte do que a própria
pedra que constrói e delineia a força da linguagem em João Cabral; o fundo da cabra é metal. É também desta
côdea sem excessos que estão compostos os versos e a essência poética cabralina:
A cabra deu ao nordestino esse esqueleto mais de dentro: o aço do osso. (MELO NETO, 2008b, p. 84)
“A cabra deu ao nordestino” a sua força e emprestou ao nordestino João Cabral a força de seus
versos que também têm “alma-caroço”, não há excessos em sua poesia, não há derramamento lírico, por trás
dela está o poeta racional que pesa cada palavra, mede cada significado e leva à exaustão o trabalho da
linguagem. É essa força que Arménio está remetendo a Cabral e é dessa força que se farão, em menor medida,
seus próprios versos.
Dessa forma é que, no verso “Se é que o finado Severino ainda pode ouvir”, Arménio nomeia
Severino, o próprio de Morte e vida Severina, obra mais conhecida de João Cabral, e nomeia também, de
acordo com o sentido que esta palavra leva consigo de sofrimento e força, o próprio poeta. Se o finado João
Cabral pode ouvir, estes versos são destinados a ele e a sua obra, como bem veremos a seguir.
Arménio inicia cada um dos nove poemas dedicados a João Cabral da mesma maneira: “Não há
guarda-chuva, João, / contra...”, o que, sem dúvida, dialoga diretamente com o poema de João Cabral “A
Carlos Drummond de Andrade”, composto por cinco estrofes iniciadas com o verso “Não há guarda-chuva /
contra”, em que as temáticas tratadas são “o poema”, “o amor”, “o tédio”, “o mundo” e “o tempo”, todas as
cinco também discutidas por Arménio Vieira em nove poemas:
Não há guarda-chuva contra o poema
80
subindo de regiões onde tudo é surpresa como uma flor mesmo num canteiro. Não há guarda-chuva contra o amor que mastiga e cospe como qualquer boca, que tritura como um desastre. Não há guarda-chuva contra o tédio: o tédio das quatro paredes, das quatro estações, dos quatro pontos cardeais. Não há guarda-chuva contra o mundo cada dia devorado nos jornais sob as espécies de papel e tinta. Não há guarda-chuva contra o tempo, rio fluindo sob a casa, correnteza carregando os dias, os cabelos. (MELO NETO, 2007a, p. 95)
A temática insistentemente perpassada em toda a obra de João Cabral de Melo Neto é a que discute
e reflete sobre conceitos poéticos. Mesmo quando aparentemente ela não está presente, há algum(ns) verso(s)
que nos permite(m) compreender melhor como o poeta a mira. Nas palavras de Lêdo Ivo, seu amigo e
companheiro na formação literária desde Pernambuco,
Desde o início do percurso o problema da expressão poética se impôs a João Cabral. A
organização do poema, sua forma e estrutura constituíam para ele verdadeira obsessão, e de
tal modo que a metapoesia – o poema em que se celebra a criação do poema ou a própria
poesia e que prolifera no lirismo ocidental desde Mallarmé – atravessa insistentemente a sua
obra. (IVO, 2009, p. 16)
A primeira estrofe de “A Carlos Drummond de Andrade” reflete exatamente sobre isso, o poema:
Não há guarda-chuva contra o poema subindo de regiões onde tudo é surpresa como uma flor mesmo num canteiro. (MELO NETO, 2007a, p. 95)
Por estes versos, percebemos que o poema, para João Cabral, é algo difícil, vem de regiões da
instabilidade “onde tudo é surpresa”, não se trata de uma inspiração que imediatamente transcrita ao papel
81
resolve-se em poesia. É desde sua origem trabalho racional, cabe ao poeta lidar com as surpresas, é necessário
atenção, estado de alerta sobre esta instabilidade. Como João Cabral postula em seu ensaio “Poesia e
composição”, fruto de uma conferência pronunciada em 1952,
O ato do poema é um ato íntimo, solitário, que se passa sem testemunhas. Nos poetas daquela
família, para quem a composição é procura, [...] diante do papel em branco, exercitam sua
força. Porque eles sabem de que é feita essa força – é feita de mil fracassos, de truques que
ninguém deve saber, de concessões ao fácil, de soluções insatisfatórias, de aceitação resignada
do pouco que se é capaz de conseguir e de renúncia ao que, de partida, se desejou conseguir.
(MELO NETO, 1998, p. 51)
O poema é algo a ser construído passo a passo, domando-o. Ao leitor, pode soar como uma “flor
mesmo num canteiro”; a simplicidade e naturalidade, porém, por trás deste gesto, há uma rede de
complexidades, por que e como nasce a flor/poema no canteiro só os poetas “sem testemunhas” sabem, só
eles “sabem de que é feita essa força”.
Enquanto bom leitor de João Cabral, seria inadmissível em Arménio Vieira a ausência de resposta a
essas proposições poéticas, e a resposta vem no último dos “dez” poemas, em tom mais do que satisfatório:
E, por último, sem que isto seja o fim, não há guarda-chuva, João, contra os enguiços do poema, o qual jamais é a deusa tal como o poeta a viu (em silêncio e na matriz). Razão por que, fingindo, ele inventa pedaços de um canto que ouviu por inteiro. (VIEIRA, 2007, p. 24)
“Sem que isto seja o fim” das relações entre Arménio e João Cabral, sem que seja o fim das coisas
para as quais não há “guarda-chuva” ou proteção, sem que seja o fim das próprias reflexões acerca do fazer
poético: apesar de só aqui Arménio falar diretamente do poema e de cada um dos poemas anteriores ter seu
próprio tema, ao fim veremos que tudo é uma reflexão sobre o fazer poético, como também é a obra de João
Cabral. Por trabalhar a palavra até o seu limite, por debruçar-se até dá-lo – o poema – como resolvido e,
principalmente, por ter plena consciência do ato de composição, o “poema” – como temática – está presente a todo o
momento, mesmo que ausente o tema da composição poética.
Conhecendo a literatura de Arménio Vieira, encaramos este poema como uma proposição irônica
em relação ao tema da deusa e da inspiração poética de seu canto. A inspiração a que João Cabral é tão
82
avesso provoca aversão também no cabo-verdiano. Admitir que não há nada que proteja “contra os enguiços
do poema” é imediatamente contrário à crença de que a poesia vem e toma, de modo irracional, o poeta que,
nesta concepção, seria apenas o instrumento pelo qual esta “força superior” inscreve versos no papel. Ambos
creem nestes enguiços, a poesia exige debruçar-se sobre o papel e, tal qual amanhar uma pedra, exige esforço
de quem a faz; é, portanto o trabalho racional.
A representação de uma inspiração que, na tradição da Grécia antiga, é possibilitada pela deusa ou
pelas musas, é subvertida nos versos de Arménio, que aponta esta deusa “em silêncio e na matriz” – ou seja,
apenas um objeto, não tem a capacidade de agir ou provocar ação, não tem qualidades de sujeito e
permanece estática e em silêncio. Os enguiços do poema jamais são relacionados a essa deusa estática, quem
finge e inventa é o próprio poeta, finge ter ouvido o canto da deusa e – ele mesmo e sua própria atividade
racional – “inventa pedaços” dessa poesia, fragmentos de poesia.
É exatamente pela chave do fragmento que leremos estes “Dez mais um” e a poesia moderna como
um todo.
A poesia moderna quebra com conceitos antigamente atribuídos a este gênero, de modo que uma
nova maneira de ver a poesia muito importante para nossa discussão é seu caráter dialógico. Cristovão Tezza
defende, em artigo intitulado “Poesia” (2008), uma atual “contaminação prosaica” que aponta ser “a marca
contemporânea obrigatória de toda poesia”:
vivemos num tempo prosaico [...], a consciência e valorização das linguagens alheias [...] está
presente; e, parece, é cada vez mais difícil a autoridade poética encontrar eco, isto é,
encontrar recepção e ressonância e uma entonação centralizada, marca absoluta do estilo
poético na sua voltagem máxima. (TEZZA, 2008, p. 206-207)
Esta tendência ao diálogo, à descentralização e quebra com a autoridade absoluta do discurso
poético são elementos que exigem um novo tipo de leitor. Além do domínio da linguagem, quem se propõe a
enfrentar textos poéticos modernos tem por necessidade uma erudição. João Cabral defende, em seu artigo
“Da função moderna da poesia” (1954), que “o poema moderno [...] exige do leitor um esforço sobre-humano
para se colocar acima das contingências de sua vida” (MELO NETO, 1998, p. 99). O esforço sobre-humano
vem do excesso de informação da modernidade vinculado à produção de novos recursos poéticos, como os
diálogos que passam a fazer parte do texto poético internamente: “A necessidade de exprimir objetiva ou
83
subjetivamente a vida moderna levou a um certo tipo especializado de aprofundamento formal da poesia, à
descoberta de novos processos, à renovação de processos antigos” (MELO NETO, 1998, p. 98).
A literatura dialógica exige a capacidade de estabelecer associações, semelhanças e disparidades
entre leituras, exige a erudição do leitor. É o próprio Cabral quem afirma, em seu ensaio “Da função moderna
da poesia”, que o poeta moderno tem na identidade de sua escrita a inserção da “pesquisa formal” e inserção
de novos conceitos, o poema deixa de ter uma função fixa de comunicar e cabe a cada poeta determinar
como e a que fim produzi-lo. Esta constante inclusão de pesquisas e diálogos traz para a poesia uma
diversidade de visões que está relacionada às “ressonâncias das múltiplas e complexas aparências da vida
moderna” (MELO NETO, 1998, p. 97).
Ambos, Arménio Vieira e João Cabral de Melo Neto, escrevem suas obras artísticas após a crise no
conceito de autoria, a crise do sujeito, e a queda da verdade absoluta, o rompimento moderno com conceitos
até então estáveis. Após a filosofia de Nietzsche, já não se aceita da mesma maneira a existência de uma
verdade absoluta – “as verdades são ilusões, das quais se esqueceu que o são, metáforas que se tornaram
gastas e sem força sensível” (NIETZSCHE, 1999, p. 57). Após a psicanálise com Freud e a descoberta do
inconsciente, já não existe um sujeito unificado e coerente, sua teoria de que nossas identidades, sexualidade
e desejos têm base em processos psíquicos e simbólicos do inconsciente abala o conceito de sujeito racional,
e identidade fixa e unificada, estes processos funcionam segundo uma lógica muito diferente da lógica da
Razão (HALL, 2005, p. 36).
Sob estas perspectivas e sob a multiplicidade da vida moderna, serão escritas as obras dos dois
poetas – céticos e críticos em relação a esta verdade absoluta, a esta coerência que já não existe no mundo
moderno, céticos no que diz respeito a crenças, a Deus e a religiões. Não há como colocar-se diante de um
único poema dessas vastas obras mirando-o como completude, uma proposição cerrada; o olhar desconfiado
nos mostra composições feitas de pedaços – os “pedaços” mencionados por Arménio Vieira no poema analisado
acima (“E, por último, sem que isto seja o fim”): “fingindo, / ele inventa pedaços / de um canto / que ouviu por
inteiro”. Porém, depois de escritos, estes pedaços não pertencem mais a quem os escreveu e o leitor passa,
então, a participar da composição do sentido.
O encadeamento da leitura do conjunto “Dez poemas mais um”, apesar de apresentar-se como uma
unidade, também constrói sentido na leitura individual, em que cada poema pode ser interpretado como um
pedaço ou fragmento. Em O gênero Intranquilo, o crítico literário português João Barrento elabora teorias
sobre a escrita em fragmentos:
84
Uma linguagem que é, para Schlegel, a do incompleto, alusivo, obscuro e inacabado, uma
fala própria que provoca uma “irritação” infinita, motor da busca incessante do sentido, fator
de ativação da imaginação e da inteligência do leitor. Do ‘leitor hábil‘‘, [...] já que a escrita do
fragmento é uma daquelas que realmente pensa no leitor e o valoriza. (BARRENTO, 2010, p.
67 – grifos nossos)
O “leitor hábil” referido por Barrento e o leitor erudito observado por João Cabral para a poesia
moderna são semelhantes, leitores que, no enfrentamento com o texto literário, precisam do raciocínio e da
busca de leituras anteriores para a compreensão efetiva do texto em análise.
Estes onze poemas de Arménio Vieira podem, sim, ser lidos e compreendidos sem a obra de João
Cabral. Porém, uma vez com a obra do brasileiro em mãos, os novos e incontáveis sentidos que ganham estes
textos têm imenso valor e expressividade. Cada poema isolado/descolado da “proposição inicial” à qual
responde – não apenas o poema “A Carlos Drummond de Andrade” e, sim, toda a obra do poeta que o
escreve – caracteriza-se enquanto fragmento de diálogo, um fragmento de pensamento literário. Ao realizar
uma leitura conjunta dos onze de Arménio Vieira e outros tantos de João Cabral, o sentido se torna um pouco
mais completo. A intervenção do leitor virá em dois momentos, primeiro o de juntar o fragmento de Arménio
Vieira ao fragmento de João Cabral de Melo e, em seguida, juntá-los com o fragmento próprio e único que
cabe a cada leitor, a interpretação individual da obra literária.
A proposta da leitura de seus poemas como fragmentos baseia-se no fragmento como um gênero
aberto e que assim deve permanecer. Nenhum dos dois autores se propõe a apresentar a obra posta e
definitiva, esta se efetiva como um fragmento pertencente ao mundo literário, o sentido do poema deve ser
dado pela leitura de quem com ele se depara. O fragmento exige a atuação do leitor. Sobre este tema, João
Cabral aponta: “Na sua literatura [do poeta moderno] existe apenas uma metade, a do criador. [...] Nessa
relação o leitor não é apenas o consumidor. O consumidor é, aqui, parte ativa.” (MELO NETO, 1998, p. 68-
69). Os dois poetas, em suas concepções literárias, compreendem que, depois de escrito e publicado, o
poema não deve ser assinado, não pertence ao poeta que o escreveu, há o compartilhamento da “autoria” da
obra com os leitores, veremos isto explicitado nos próprios versos:
Por João Cabral:
Saio de meu poema como quem lava as mãos. (MELO NETO, 2007a, p. 121)
Por Arménio Vieira:
Quando estiver concluído,
85
não assines, o poema não é teu. (VIEIRA, 2007, p. 28)
Diante desta postulação, passaremos a ler em modos de fragmentos os poemas de João Cabral e
Arménio Vieira, segundo as temáticas correspondentes.
Não há guarda-chuva contra o mundo cada dia devorado nos jornais sob as espécies de papel e tinta. (MELO NETO, 2007a, p. 95)
Aqui está a temática do “mundo”, João Cabral a trata pelo viés da modernidade, que para ele –
como vemos em seus ensaios mencionados acima – é devoradora em sua multiplicidade de informações
advindas de todas as direções e no tempo limitado que o indivíduo tem para dedicar-se à apreciação da arte.
Porém, o viés de fato explorado nesta temática é o social, principalmente se consideramos que o poema é
dedicado a Carlos Drummond de Andrade, o mundo que devora e “é devorado”, a banalização desta
humanidade por, dia após dia, estarem noticiados em jornais desastres e a má ventura humana, noticiadas
diariamente as mortes e vidas severinas, sofridas, “sob as espécies de papel e tinta”.
A esse tema do mundo devorado, Arménio responderá em mais de um poema; estes, quando lidos
em conjunto, chamam atenção pelo tom de miséria que prevalece. Observemos dois deles:
Não há guarda-chuva, João, contra o azar (que nem chega a ser falta de sorte) pois que, parando a roleta sobre o número com que havemos sonhado, tão parca era a moeda, que nem deu para jogar. (VIEIRA, 2007, p. 17)
O plural em “havemos” é o que leva a ler este poema como expressão de uma coletividade.
Arménio lança mão de imagens fortes acerca dessas vidas severinas, conforme defendemos: até mesmo a
sorte existente e que passa pelos olhos – a “roleta” para sobre o número que “havemos sonhado” – nunca
pode ser agarrada, a miséria é anterior e impede inclusive a possibilidade de “jogar”, por isso “o azar” aqui
“nem chega a ser falta de sorte”.
Outra expressão do “mundo devorado” em Arménio Vieira:
86
Não há guarda-chuva, João, contra a pedra que, amanhada embora, pesada cai, após o caixão, como se a terra (que não é terra somente), mas um cardume de bichos que na morte buscam seu dia de sorte, como se o pó, que já foi pedra, e do qual a pedra volta a nascer, fosse coisa pouca ou mesmo ruim, pois que a pedra (mais rija que a terra) serve melhor o que teima em não ter fim. (VIEIRA, 2007, p. 22)
Falar sobre pedra em palavras dedicadas a João Cabral nunca é despretensioso. A pedra representa
não só a razão e a força da composição poética, como a força no ser humano, a força do sertanejo
semelhante à força que vem da metáfora da “cabra” – discutida anteriormente. Nos versos do poema “A
educação pela pedra”:
No sertão [...] não se aprende a pedra: lá a pedra, uma pedra de nascença, entranha a alma. (MELO NETO, 2008b, p. 207).
Arménio não entra neste diálogo passivamente, subverte a valoração desta pedra presente em João
Cabral. O trabalho racional/cultivo da pedra de nada adianta na composição ou na vida em um contexto de
miséria (“amanhada embora / pesada cai, após o caixão”). A pedra representa a racionalidade humana, a
pedra é aquilo que “serve melhor / o que teima em não ter fim”, a miséria humana, como defendido no
poema anterior. A pedra – seja a que representa a racionalidade humana ou a que “cai, após o caixão” –
servirá a ignorar o que há de trágico nesse dia a dia de miséria, a apagar em “papel e tinta” diariamente nos
jornais, como diz o poema de Cabral, essas pessoas de vidas severinas. O “cardume de bichos / que na morte
buscam seu dia de sorte” não são bichos somente, são mesmo estas pessoas, vidas em que a morte é a única
saída de sorte.
Não há guarda-chuva contra o amor que mastiga e cospe como qualquer boca,
87
que tritura como um desastre. (MELO NETO, 2007a, p. 95)
Outro fragmento temático de diálogo entre os dois poetas é o amor que está na segunda estrofe de
“A Carlos Drummond de Andrade”. A visão de amor do sujeito poético nesta estrofe é muito semelhante a da
personagem Joaquim da obra Os três mal-amados (1943), que tem como epígrafe o famoso poema de
Drummond, “Quadrilha” (“João amava Teresa que amava Raimundo que amava Joaquim que amava Lili
[...]”). Em Drummond, Joaquim suicida-se; em Cabral, ele se expressa da seguinte maneira:
O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de
idade, minha genealogia, meu endereço. [...] O amor veio e comeu todos os papéis onde eu
escrevera meu nome. [...] O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de
meus cabelos. [...] O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. [...] O amor
voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome. [...]
Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. [...] Comeu meu silêncio, minha dor de
cabeça, meu medo da morte. (MELO NETO, 2007a, p. 57-64)
A visão de amor nestes versos de João Cabral é a do amor que consome o indivíduo, corrói. Pode-se
dizer que a revolta expressa em relação ao descontrole do sujeito frente ao amor vem exatamente da vontade
que tem João Cabral de medir e arquitetar tudo, de ter controle racional sobre as coisas. Porém, estes versos
demonstram uma falha da razão, caracterizando o amor – que “mastiga e cospe” – como inevitável, “um
desastre”. O amor priva Joaquim do domínio sobre sua própria “identidade”, sobre seu próprio corpo, seu
“futuro” e até mesmo seu “medo da morte”.
Em Arménio, o amor alcança outros patamares:
Não há guarda-chuva, João, contra quem não te ama já que o amor só se dá quando alguém, como um rio, se alonga e entra no mar, o qual, embora líquido e salgado, não é teu suor nem teu sangue. (VIEIRA, 2007, p. 18)
Estes versos reconhecem, como os de João Cabral, o amor inserido em um campo semântico da falta
de domínio: “só se dá quando alguém, como um rio,/ se alonga e entra no mar”, é incontrolável e inevitável,
o rio não escolhe seu destino ao mar, simplesmente “se alonga e entra”. Apesar de o destino ser “líquido e
salgado”, o que poderia estar em território da familiaridade, representada aqui pelo “suor” e “sangue”
próprios, o amor não está em território confortável e próprio do sujeito, ele deságua no mar – aquilo sobre o
que não se exerce controle jamais. Porém, aqui, o problema central contra o qual não há a proteção não é
88
precisamente o amor – este não é assumido como algo corrosivo por si só –, a vulnerabilidade está em “quem
não te ama”. Por mais que seja incontrolável, amar alguém ainda está no campo do sujeito, enquanto ser
amado por alguém se transfere ao campo do objeto, sobre o qual, de fato, não se pode atuar. Arménio
acrescenta à proposição fragmentária de João Cabral a figura do outro, necessária à concretização do amor e
contra a qual não há “guarda-chuva”.
Não há guarda-chuva contra o tempo, rio fluindo sob a casa, correnteza carregando os dias, os cabelos. (MELO NETO, 2007a, p. 95)
O tempo, em João Cabral, é temática frequente, inevitável e a tudo modifica. As imagens utilizadas
nestes versos para caracterizá-lo são dotadas de delicadeza: o tempo é como “rio fluindo” – o rio que,
inclusive como narrador, tanto povoou a obra de João Cabral Em O rio (1953), um dos três livros junto de
Morte e vida Severina (1954-55) e O cão sem plumas (1949-1950) que contam o nordeste através do
Capibaribe, “é o rio que conta a si próprio na primeira pessoa, e o poeta é visto pelo rio que cruza o Recife,
num distanciado vislumbre da memória” (TAVARES, 2007, p. 8).
Nos primeiros versos de O cão sem plumas:
A cidade é passada pelo rio como uma rua é passada por um cachorro; uma fruta por uma espada. [...] (MELO NETO, 2007a, p. 137)
O rio passa pela cidade como um cachorro atravessa a rua. “A cidade é passada pelo rio”, a vida
também o é, como um processo natural, o tempo é este rio lento pelo qual a vida é passada, “fluindo” e
levando consigo “os dias” e a juventude, “os cabelos”.
A naturalidade e suavidade de João Cabral ao tratar o tempo não se reproduz neste poema de
Arménio Vieira:
Não há guarda-chuva, João, contra esse antigo relógio, o qual, se parou de bater por uma avaria qualquer, permanece inteiro e presta,
89
com seus dois ponteiros marchando, suas duas pernas de insecto. Indiferente à ferrugem com que o tempo carimba (o homem, bem mais que o ferro). esse velho funcionário, zeloso e pontual, vai cobrando as rendas a que o Império obriga. (VIEIRA, 2007, p. 19)
Em oposição ao tempo tratado com delicadeza, suavidade e lentidão, como o rio, a abordagem pela
qual segue o cabo-verdiano é a de velocidade. O tempo consume o homem, o relógio é colocado como
metáfora, que se explicita no verso “o homem, bem mais que o ferro”, quando se torna ambígua a
caracterização do “velho funcionário”: relógio e homem. O homem confunde-se com o tempo no sentido de
dever, de cumprir obrigações, o tempo desempenha para a sociedade moderna função relacionada à
utilidade, assim também tem obrigações o homem. Se o relógio “parou de bater / por uma avaria qualquer”,
permanece em funcionamento, não há a possibilidade de o tempo parar, ele corre e tem sua produtividade.
O campo semântico deste poema de Arménio se completa quando tomamos em leitura conjunta o
fragmento de João Cabral sobre o “tempo” e o fragmento sobre o “tédio”:
Não há guarda-chuva contra o tédio: o tédio das quatro paredes, das quatro estações, dos quatro pontos cardeais. (MELO NETO, 2007a, p. 95)
Esta maneira de ver o tempo, ou melhor dizendo, “o relógio”, em Arménio Vieira, não está explícita
no poema “A Carlos Drummond de Andrade”, porém está em diálogo direto com o poema “Relógio”, de João
Cabral:
Ao redor da vida do homem há certas caixas de vidro, dentro das quais, como em jaula, se ouve palpitar um bicho. [...] Assim, que não são artistas Nem artesãos, mas operários [...] é simplesmente trabalho, trabalho rotina, em série, impessoal, não assinado, [...]
90
de operário que executa [...] proibido (ou sem querer) do mínimo variar. (MELO NETO, 2008b, p. 186-190)
Estes três poemas – “A Carlos Drummond de Andrade”, “Relógio” e “Não há guarda-chuva, João, /
contra esse antigo relógio” – em diálogo produzem sentido relacionado à obrigação, à cobrança de
funcionalidade para toda e qualquer existência no mundo moderno. Não só o homem tem que ser útil, como
o tempo deve estar a serviço como “operário” ou “funcionário” desta produtividade. O mundo de “tédio”
funciona sempre cheio das mesmas regras: “das quatro estações, dos quatro pontos cardeais” e as mesmas
maneiras em “quatro paredes”, está o homem preso entre elas e o tempo preso em uma “caixa de vidro” – ou
“jaula”, palavra do próprio poeta em versos seguintes.
A figura do relógio/tempo “operário” é semelhante à do “velho funcionário” que Arménio trabalha.
O relógio neste poema, assim como o homem, é “proibido [...] do mínimo variar”, está em “jaula” e
desempenha “trabalho rotina, em série”. É o que vemos em outro poema de João Cabral, “Difícil ser
funcionário”, escrito de um funcionário público a outro, Drummond:
Difícil ser funcionário Nesta segunda-feira. [...] É a dor das coisas, [...] É o regimento proibindo Assovios, versos, flores.[...] Carlos, dessa náusea Como colher a flor? Eu te telefono, Carlos, Pedindo conselho. (Cadernos, 1996, p. 60-61)
Assim como ao relógio é proibido variar sua rotina, ao homem, funcionário, há sempre “o regimento
proibindo / Assovios, versos, flores”, e este conjunto de regras e obrigações é motivo de incômodo e
inquietação a Cabral: “Eu te telefono, Carlos, / Pedindo conselho”. Novamente é a vida moderna que lhe
rouba o tempo da poesia para dar ao desempenho das funções, “da dor das coisas”, ou como diria o cabo-
verdiano, “a que o Império obriga”:
esse velho funcionário, zeloso e pontual, vai cobrando as rendas a que o Império obriga. (VIEIRA, 2007, p. 19)
91
JOÃO CABRAL Sabido que o voo não se prende ao chão, do qual não é unitário nem tão-pouco afim, já que o pássaro só no sonho encontra sua estação e a razão por que voa, diga-se que o bloco, pesado e concreto, não é substância que inspire quem ao voo se rende João Cabral, no entanto, sendo o Z de uma recta em que Dante é o A, encontra no feijão e na pedra, mesmo na cabra, isto é, na pele da cabra que a seca secou sua musa e seu canto Isso tudo, coisas enfim em que o sem jeito se junta à ausência do ponto em que a linha começa, e mesmo assim, sem que haja casca e gema, o pinto nasce. Sendo um pássaro, completo e canoro, sobe no ar e canta. (VIEIRA, 2007, p. 25-26)
Este poema intitulado “João Cabral” é o momento máximo da ‘homenagem‘ que o cabo-verdiano
presta ao pernambucano. Apesar de, em nenhum momento, Arménio usar palavras que remetem diretamente
à poesia como tema, o poema composto por três estrofes tem, na primeira, uma proposição de lírica oposta à
construção da obra de Cabral. Na segunda, há o postulado do que Arménio enxerga que seja esta construção
poética cabralina e a breve menção a três poemas essenciais da obra de João Cabral. Na terceira, há a síntese
92
dessas duas maneiras de ver a poesia: Arménio atribui à poesia de João Cabral característica que a princípio
este não pretendeu dar a ela. Vejamos.
A primeira estrofe lança imagens como “voo”, “pássaro”, “inspire” – estas palavras, usadas para retratar
a poesia, normalmente pertencem a um campo semântico que a considera fruto de uma inspiração, uma força
externa. A oposição entre “voo” e “chão”, “sonho” e razão”, inspiração” e “pesado e concreto” são a chave para
entender esta estrofe. Arménio mostra uma concepção de poesia que defende esta inspiração: “o voo / não se
prende ao chão” – ou seja, à razão, à estabilidade –, com ele não guarda afinidade, “já que o pássaro”, este que
concretiza o voo e, portanto, o poema, só encontra seu lugar no “sonho”, fora da realidade. “O bloco / pesado e
concreto”, que mais tem de chão e realidade que o voo leve do pássaro, “não é substância / que inspire”, a
realidade não é material para a poesia de “quem ao voo se rende”. Esta categoria de poesia é completamente
avessa à categoria na qual se enquadra o poeta da materialidade.
A segunda estrofe é onde Arménio expõe suas leituras e impressões acerca do brasileiro, como se
João Cabral encerrasse uma linha de leituras valorizadas por Arménio a começar por Dante. Fizemos uma
leitura anterior do “Poema(s) da cabra” onde sua côdea, casca, superfície, é representação dos valores de
força racional, na cabra só há o necessário, nenhum adorno está presente. “A seca secou” a pele desta cabra,
e “o nordestino, convivendo-a / fez-se de sua mesma casta” (MELO NETO, 2008b, p. 84), assim como o poeta
nordestino em questão, pois a seca torna seus versos enxutos, só aquilo que é objetivo se concretiza nessa
escrita, de maneira absolutamente consciente e controlada: a “seca secou sua musa e seu canto” – a
inspiração em João Cabral é músculo atrofiado que jamais entra no processo de composição.
As reflexões acerca da composição e os diálogos em pedaços nestes poemas enfatizam-se pelas
imagens da pedra (“A educação pela pedra”) e do feijão (“Catar feijão”) que Arménio menciona, forçando o
leitor novamente a buscar as referências das leituras anteriores:
Uma educação pela pedra: por lições; para aprender da pedra, frequentá-la; captar sua voz inenfática, impessoal [...] A lição de moral, sua resistência fria [...] a de poética [...] a de economia, seu adensar-se compacta [...] (MELO NETO, 2008b, p. 207) Catar feijão se limita com escrever: Jogam-se os grãos na água do alguidar E as palavras na folha de papel; E depois joga-se fora o que boiar. [...] Ora, nesse catar feijão entra um risco:
93
O de que entre os grãos pesados entre um grão qualquer, pedra ou indigesto, um grão imastigável, de quebrar dente. Certo, não quando ao catar palavras: A pedra dá à frase seu grão mais vivo Obstrui a leitura fluviante, flutual[...] (MELO NETO, 2008b, p. 222)
“Catar feijão” é retirar os grãos ou as palavras indesejadas, “o que boiar”, sempre em estado de alerta
para que nada escape à perfeição deste trabalho. Porém, com as palavras acontece algo contrário ao que
ocorre com o feijão: se um grão “pedra ou indigesto” permanece e “obstrui a leitura”, aí está uma vantagem,
pois garante a atenção e reflexão racional também do leitor sobre as palavras no poema, a reflexão sobre esta
“pedra”. Pedra da qual – o poeta defende em “A educação pela pedra” – se aprende a “lição de moral”, se
aprende sua voz “impessoal” que é a lição “de poética”, o não derramamento lírico, “economia” da
linguagem.
O que Arménio afirma é que a pedra, o feijão e a cabra – em tudo que suas metáforas carregam de
significação – cumprem, em João Cabral, papéis de substituição da inspiração da musa e do canto que há em
outros poetas. A realidade – dura e seca como ela é – é o objeto de sua escrita, o que o faz escrever.
A síntese deste poema que é a conclusão final desses “Dez poemas mais um” e palavra última de sua
literatura, até o presente, sobre João Cabral de Melo Neto, ocorre na terceira estrofe. A “isso tudo”, ou seja,
concepções poéticas, ele admite um “sem jeito” e a “ausência do ponto em que” tem início a linha dessa
discussão – pois mesmo que não discutida, a poesia sempre estará implícita e subentendida no poema,
principalmente ao falar do consagrado João Cabral. Porém, a necessidade de estabelecer de que maneira isso
ocorre não é objeto de Arménio Vieira com tamanha insistência como foi de João Cabral de Melo Neto. E
parecem não importar tanto as condições, pois de fato nasce o poema, que, ainda avesso às inspirações, torna-se
um pássaro capaz de concretizar o voo, o sonho e o canto. Arménio parece propor novamente que, uma vez
inscrito em livro e na mão do leitor, que este o interprete a seu modo, como voo ou como pedra presa ao chão.
Teoriza Bakhtin, em Marxismo e filosofia da linguagem:
O livro, isto é, o ato de fala impresso, constitui igualmente um elemento da comunicação
verbal. Ele é objeto de discussões ativas sob a forma de diálogo e, além disso, é feito para ser
apreendido de maneira ativa, [...] Além disso, o ato de fala sob a forma de livro é sempre
orientado em função das intervenções anteriores na mesma esfera de atividade, tanto as do
próprio autor como as de outros autores: [...]. Assim, o discurso escrito é de certa maneira
94
parte integrante de uma discussão ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa,
refuta, confirma, antecipa as respostas e objeções potenciais, procura apoio, etc. (BAKHTIN,
2006, p. 124-126 – grifos nossos)
Segundo os conceitos bakhtinianos de dialogismo, intertextualidade e interdiscursividade, Arménio
Vieira é um leitor de atitude ativa e responsiva em relação à literatura cabralina. Seu livro Mitografias, com
destaque a estes versos que nos ocupamos em analisar, concretiza-se como Bakhtin aponta como um
elemento de comunicação verbal e está, inevitavelmente, orientado em função das intervenções anteriores a
ele – entre elas as que foram mostradas por esta pesquisa. Arménio não está a retomar João Cabral
passivamente, em simples concordância e repetição de princípios, o que ele propõe é uma chave de leitura
para a poesia do nordestino: nesta leitura, mostra a sua própria maneira de fazer versos, os seus próprios
conceitos. Estende as discussões a patamares que não haviam sido alcançados pelo seu companheiro das
letras e abre espaço para a entrada do leitor em complementação, este podendo, em sua leitura ativa, chegar
a ainda novos patamares e fragmentos de leituras outras.
Um leitor desavisado que pretenda ler a poesia de Arménio Vieira encontrará incessantes
dificuldades no que diz respeito a sua universalidade, às referências constantes em sua obra a escritores e
demais artistas de todo o mundo. João Cabral propôs em “Da função moderna da poesia”:
O leitor moderno não tem a ocasião de defrontar-se com a poesia nos atos normais que pratica
durante sua vida diária. Ele tem, se quer encontrá-la, de defender dentro de seu dia um vazio
de tempo em que possa viver momentos de contemplação. (MELO NETO, 1998, p. 99)
Esta proposição é fato, principalmente ao lidar com obras tão vastas e complexas como são as destes
dois poetas, porém é uma grande oportunidade ao leitor disposto a pesquisar e entender tantos diálogos,
ultrapassar as limitações da vida moderna e adentrar no mundo literário. Foi isto que procuramos fazer ao
longo da pesquisa, passando de um princípio ingênuo de leitura à surpresa e deslumbramento que só a arte é
capaz de provocar.
ATHAYDE, Feliz de (Org.). As idéias fixas de João Cabral de Melo Neto. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/FBN; Mogi das Cruzes: Universidade de Mogi das Cruzes, 1998.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução de Maria Ermantina G. G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
______. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2006.
95
BARRENTO, João. O gênero intraquilo: anatomia do ensaio e do fragmento. Lisboa: Assírio & Alvim, 2010.
CADERNOS de Literatura: João Cabral de Melo Neto, n. 1. Rio de Janeiro: Instituto Moreira Salles, 1996.
FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006.
GOMES, Simone Caputo. Arménio Vieira: aulas magnas de arte poética.Mulemba: Revista Científica, n. 4, Rio de Janeiro: UFRJ, jul. 2011. Disponível em: <http://setorlitafrica. letras.ufrj.br/mulemba/artigo.php?art=artigo_4_4.php>. Acesso em: 13 jul. 2012.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
IVO, Lêdo. Os Jardins Enfurecidos. In: MELO NETO, João Cabral. Museu de tudo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.
MELO NETO, João Cabral de. Prosa. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1998.
______. O cão sem plumas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007a.
__________. Morte e vida Severina. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007b.
__________. A escola das facas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008a.
__________. A educação pela pedra. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008b.
NIETZSCHE, Friedrich. Obras incompletas. São Paulo: Nova cultural, 1999.
NORÕES, Everardo. A constante seta de um rio. In: MELO NETO, João Cabral. Crime na calle Relator, Sevilha andando. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.
TAVARES, Braulio. Arte de ver e de dizer. In: MELO NETO, João Cabral. Morte e vida Severina. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.
TEZZA, Cristovão. Poesia. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2008.
VIEIRA, Arménio. Mitografias. Mindelo: Ilhéu Editora, 2007.
______. Poemas. Lisboa; Praia: África; Ilhéu, 1981.
_____________________________________
Data de submissão: nov./2013. Data de aprovação: dez./2013.