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DIÁLOGOS TEMÁTICOS 1
FORMAÇÃO DE PROFESSORES E LIVRO DIDÁTICO
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A PRÁTICA SOCIAL DO CÁLCULO ESCRITO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: A HISTÓRIA COMO POSSIBILIDADE DE PENSAR QUESTÕES DO PRESENTE
Eliana da Silva Souza
Coordenadora Pedagógica/ Prefeitura de Campinas (SP)
Professora da Rede Pública Estadual (SP)
Doutora pela FE/UNICAMP
Resumo: Este trabalho se refere à pesquisa desenvolvida, em nível de doutorado, sob a orientação do
professor Antonio Miguel, na área de Educação Matemática do Programa de Pós-graduação em Educação
da Faculdade de Educação da UNICAMP (Brasil); parte da pesquisa foi realizada em Portugal, sob
orientação do professor José Manuel de Matos, da Universidade Nova de Lisboa. A pesquisa foi financiada
pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. O trabalho situa-se no campo de pesquisa
que investiga a participação da História da Matemática e da Educação Matemática na formação de
professores das séries iniciais do Ensino Fundamental. Nossa questão central de investigação consistiu em
identificar os valores que estariam sustentando a naturalização do processo de transmissão da prática
social do cálculo escrito na instituição escolar. Tal identificação foi realizada através de uma
problematização do diálogo ocorrido, durante sessões interativas de investigação, entre a pesquisadora e
um grupo de professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental. Por sua vez, essa problematização
tomou como ponto referência alguns aspectos da história dos processos de apropriação da prática social do
cálculo escrito ao modo hindu-arábico. Os trabalhos de Michel Foucault constituíram fonte de inspiração
para o desenvolvimento da pesquisa.
Introdução
Este trabalho se refere à pesquisa desenvolvida de 1999 a 2004, na área de Educação Matemática
do Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP), Brasil. A pesquisa, realizada em nível de doutorado, foi orientada pelo professor
Antonio Miguel; parte dela foi realizada em Portugal, sob orientação do professor José Manuel de Matos, da
Universidade Nova de Lisboa. Ela foi financiada pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo).
Tratamos, na pesquisa, de uma prática muito corriqueira e comum: a de se fazer contas; contas estas
que, comumente, denominamos de contas ‘armadas’1 de adição, de subtração, de multiplicação e de
divisão. Tratamos também da história da realização dessas contas e do modo como ensinamos essas
contas atualmente. Denominamos esses procedimentos operatórios de contas escritas – ou também, de
cálculo escrito – pois queríamos tratar de diferenciá-las de outros recursos ou procedimentos de cálculo que
não recorrem ou utilizam-se de um registro visual sintético e duradouro (como, por exemplo, cálculo mental
exclusivo, técnicas digitais exclusivas, etc.) no qual possamos identificar etapas dos procedimentos mentais
acionados para a realização do cálculo.
1 Termo utilizado correntemente para designar a disposição numérico-espacial de um procedimento algorítmico para se realizar, por
escrito, as operações aritméticas elementares de adição, subtração, multiplicação e divisão.
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O que se poderia estudar e dizer acerca de coisas tão ordinárias, tão cotidianas, tão mundanas como
as contas escritas? O que ainda restaria a dizer sobre algo tão corriqueiro como o ato de ensinar e aprender
as contas escritas? Como as fazemos? Como as ensinamos? Ou melhor, como algumas professoras de
uma escola pública de nosso país as ensinam atualmente? Que regras elas relatam que fornecem a seus
alunos nos momentos da prática escolar do ensino do cálculo escrito das operações fundamentais? Essas
regras são essenciais para se realizar a conta escrita? São consideradas únicas ou necessárias? São
consideradas inerentes ao próprio modo de se calcular? Existiriam outras regras igualmente aceitáveis e
justificáveis? Tais regras alternativas teriam se tornado obsoletas porque seriam inadequadas, incorretas ou
piores do que as prevalecentes? Nesse caso, a história da realização de cálculos escritos envolvendo as
quatro operações aritméticas fundamentais teria sido uma história evolutiva, isto é, uma história de um
progresso constante?
Passamos, no decorrer do trabalho, a compreender – à medida que íamos nos envolvendo com
essas perguntas e com a história da apropriação dessas “contas escritas” – que a realização das contas
escritas constituía uma prática social; e daí, passamos a denominar tal prática de prática social do cálculo
escrito.
O que um grupo de professoras do Ensino Fundamental poderia pensar e problematizar acerca do
processo escolar de transmissão da prática social do cálculo escrito, se lhes apresentássemos, e com elas
discutíssemos, procedimentos históricos relativos a essa prática, que teriam se tornado obsoletos, bem
como alguns aspectos de constituição dessa prática na história a partir do modo prevalecente de se calcular
por escrito na instituição escolar? Que possibilidades de reflexão pedagógica uma tal história poderia
apresentar a estas professoras? Essas e outras perguntas geraram uma história. Alguns aspectos dessa
história encontram-se registrados na pesquisa que desenvolvemos. O texto que se segue consiste uma
síntese da pesquisa por nós produzida na tentativa de contar esta ‘história do presente’.
A pesquisa desenvolvida Foram experiências vividas como professora da disciplina Conteúdo e Metodologia de Matemática no
processo de trabalho com formação de professores das séries iniciais do Ensino Fundamental que
começaram a suscitar aspectos da problemática abordada na investigação. Essas experiências foram nos
mostrando que ocorria, no espaço institucional escolar, a sedimentação da idéia de que não haveria outra
forma de se realizar cálculos por escrito, senão por meio de uma bem determinada disposição numérica
espacial, isto é, por meio dos algoritmos usuais. Havíamos observado que nossas alunas – futuras
professoras –, quando solicitadas a falarem sobre os modos como poderiam explicar aos seus futuros
alunos das séries iniciais os procedimentos utilizados nas contas ‘armadas’, comumente apresentavam
regras que deviam ser seguidas à risca para se realizar essas contas. A questão que começou a chamar a
nossa atenção foi a de que as regras pareciam ser consideradas por elas como ‘naturais’, dado que
quando solicitávamos a elas dizerem o porquê de uma determinada regra, ficavam muitas vezes perplexas
(pois, diante do que é considerado ‘natural’, não faz sentido se perguntar o porquê).
E nossa preocupação passou se centrar na ‘naturalização’ do processo de transmissão da prática
social escolar do cálculo escrito no contexto brasileiro. Estávamos querendo tratar de nossos modos
habituais de realizarmos as contas ‘armadas’. Percebemos que estávamos falando de uma prática social: a
prática social do cálculo escrito. Passamos a entender que estaríamos tomando como objeto de
investigação não simplesmente a realização de algoritmos, mas a prática social de se calcular por escrito.
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Por práticas sociais2 entendemos um conjunto de atividades ou ações físico-afetivo-intelectuais que se
caracterizam por serem: 1. conscientemente orientadas por certas finalidades; 2. espácio-temporalmente
configuradas; 3. realizadas sobre o mundo natural e/ou cultural por grupos sociais no interior dos quais as
relações interpessoais se caracterizam por serem ou relações público-institucionais de trabalho organizado,
ou outros tipos de relações humanas não institucionalizadas; 4. produtoras de conhecimentos, saberes,
tecnologias, discursos, artefatos culturais ou, em uma palavra, de um conjunto de formas simbólicas3.
Pesquisas que se destinavam a abordar a problemática do cálculo escrito no contexto escolar
concebiam esta prática como de natureza estritamente psicológica ou epistemológica, e por conseqüência,
os desdobramentos (propostas para o tratamento da questão na formação de professores, dificuldades das
crianças, etc.) de tal concepção também sendo de ordem psicológica, cognitiva e formal.
Entendemos que as dificuldades enfrentadas pelas crianças não teriam a ver, na verdade, com uma
suposta incapacidade cognitiva para a compreensão de nosso modo de calcular, uma vez que, pensamos, a
apropriação deste objeto não seria uma apropriação exclusivamente cognitiva e neutra feita por um sujeito
exclusivamente cognitivo e não condicionado pelo ambiente sócio-institucional no qual o processo de
apropriação ocorre.
Ao invés disso, é uma apropriação sócio-institucional de uma forma simbólico-cultural não neutra,
historicamente constituída e, portanto, um processo complexo de apropriação permeado de valores e
relações de poder. Entendemos também que nenhuma apropriação significativa deste objeto por parte das
crianças poderia ocorrer se, em algum momento desse processo, não discutíssemos com elas as
características axiológico-normativa, alternativa e sócio-histórica das regras subjacentes ao sistema de
numeração decimal e que estão necessariamente presentes na constituição de nosso modo de calcular.
Ao longo da história, foram produzidos outros modos de se proceder no cálculo por escrito que:
apresentavam outros modos de se dispor os números envolvidos na operação; definiam de outros modos a
direção segundo a qual deveriam ser realizadas as operações com os algarismos dos números que estão
sendo operados; apresentavam formas diversificadas de se dispor espacialmente os registros dos números
que estão sendo operados e dos resultados intermediários e finais da operação; deixavam visíveis os riscos
sobre os algarismos dos números que estão sendo operados, etc.
Se há diferença em relação às formas de procedimento no enfrentamento de um mesmo problema,
esta “diferença não é uma característica natural”4; ela é, sobretudo, uma característica socialmente
produzida. Compartilhamos com Silva a compreensão de que “a contingência e a historicidade dos
presentes arranjos curriculares só serão postas em relevo por uma análise que flagre os momentos
históricos em que esses arranjos foram concebidos e tornaram-se ‘naturais’”5. As características axiológico-
normativa, alternativa e sócio-histórica das regras de nosso sistema de calcular não serão postas em relevo
através de uma criação ‘espontânea’ de procedimentos por parte dos alunos.
Entendemos tanto os algoritmos prevalecentes na escola quanto o estilo hegemônico de se ensiná-
los na atualidade como resultados naturalizados e cristalizados de um processo de construção social. E
passamos a entender também que dimensões quase sempre marginalizadas, ou mesmo ignoradas, desse
2 MIGUEL, 2003, pp. 27-28; MIGUEL e MIORIM, 2004. 3 John B. Thompson, professor e pesquisador da Universidade de Cambridge (Inglaterra), utiliza a expressão formas simbólicas para
se referir a “uma ampla variedade de fenômenos significativos, desde ações, gestos e rituais até manifestações verbais, textos, programas de televisão e obras de arte”. Em sua obra Ideologia e Cultura Moderna, distingue cinco características das formas simbólicas, quais sejam, os seus aspectos intencionais, convencionais, estruturais, referenciais e contextuais (Thompson, 2000, pp. 182-193).
4 SILVA, 1999, p. 87. 5 MOREIRA e SILVA, 2000, p. 31.
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processo, quais sejam, as dimensões histórica e axiológica, adquirem relevância, tanto na explicação das
dificuldades enfrentadas pelos professores no ensino dessas formas simbólicas matemáticas, quanto nas
dos estudantes em apropriarem-se significativamente das mesmas.
Apontamos para a necessidade de uma abordagem que considerasse a dimensão político-axiológica
do processo de apropriação e transmissão de tal prática pedagógica no presente e para a necessidade de
se considerar os procedimentos de cálculo escrito como historicamente produzidos, isto é, de que eles
constituem uma prática social histórica que ainda está em processo. Apontamos para a necessidade da
identificação dos valores que estariam sustentando a naturalização do processo de transmissão da prática
social do cálculo escrito na instituição escolar. Defendemos que se tornava necessário discutir o caráter
normativo e sócio-histórico das regras subjacentes ao sistema de numeração decimal hindu-arábico e que
estão necessariamente presentes na constituição de nosso modo de calcular.
As reflexões desenvolvidas pelo professor Miguel6 acerca da participação da história nas aulas de
matemática7 e, mais especificamente, do que denominou de estudos histórico-pedagógico temáticos,
começaram a se fazer presentes no trabalho de investigação, indicando-nos a possibilidade de realização
de uma constituição histórica, com fins estritamente pedagógicos, dos modos de se calcular por escrito. Tais
reflexões nos sugeriram a possibilidade de realizar uma problematização pedagógica dessa prática social
no trabalho de formação continuada de professores com base na história da apropriação da prática social
do cálculo escrito.
Propusemos uma problematização do processo de transmissão da prática social do cálculo escrito na
escola, com base no diálogo entre o modo como havíamos constituído tal prática na história e o modo como
ela se manifestava no discurso de um grupo de professoras que aceitaram participar como sujeitos de
nossa investigação. Partimos dos conjuntos de saberes relativos à pratica social do cálculo escrito
considerados adequados, por este grupo de professoras, e não dos conjuntos de saberes relativos a esse
objeto que seriam mais adequados sob o ponto de vista pedagógico. Nosso objetivo não era tentarmos
convencer as professoras de que agora lhe trazíamos a solução aos seus difíceis problemas.
A crença na potencialidade pedagógica do ato de se imprimir historicidade à percepção, por parte dos
professores, da ‘dimensão político-axiológica’ do processo de circulação da prática social do cálculo escrito
levou-nos, então, a definir um rumo para a nossa pesquisa. Tal rumo acabou nos remetendo ao terreno da
história, não só da matemática como também da educação matemática, e também da história tomada em
seu sentido mais amplo. Acabou nos remetendo também ao estudo da axiologia, entendida não apenas em
seu sentido filosófico mais amplo, mas, sobretudo, no sentido restrito de uma ‘axiologia subjacente ao ato de se ensinar matemática em ambiente institucional escolar’, e no sentido ainda mais restrito de uma
axiologia subjacente ao ato de ‘transmissão da prática social do cálculo escrito em ambiente institucional escolar’.
Os algoritmos prevalecentes (e o conjunto de saberes relativos à prática social escolar do cálculo
escrito) são saberes reconhecidos como verdadeiros e legitimados no interior da instituição escolar. Houve,
porém, no processo de produção dos saberes relativos à pratica social do cálculo escrito, escolhas e
exclusões. “Selecionar e excluir é uma operação de poder”8; este é um dos pontos de vista no qual o nosso
estudo se sustenta. Por essa razão, ele não se constitui em um trabalho de natureza estritamente
psicológica ou epistemológica. 6 MIGUEL, 1993; MIGUEL, 1996; MIGUEL e BRITO, 1996; MIGUEL, 2002; MIGUEL e MIORIM, 2002. 7 MIGUEL e BRITO, 1996. 8 SILVA, 1999, p. 16.
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Desse modo, a nossa busca de compreensão parcial9 desse problema orientou nossa questão central
de investigação que consistiu em identificar os valores que estariam sustentando a naturalização do
processo de transmissão da prática social do cálculo escrito na instituição escolar. Tal identificação foi feita
através de uma problematização do diálogo ocorrido, durante sessões interativas de investigação10, entre a
pesquisadora e um grupo de professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental. Por sua vez, essa
problematização tomou como ponto referência alguns aspectos da história dos processos de apropriação da
prática social do cálculo escrito ao modo hindu-arábico.
Estes propósitos implicaram uma tarefa fascinante, porém árdua: constituir uma história do processo
de apropriação da prática social do cálculo escrito das operações aritméticas elementares, com base
explicitamente em uma dimensão político-axiológica, e que procurasse destacar as escolhas e exclusões no
processo de produção e apropriação dos saberes relativos a esta prática. Devido à inexistência de uma
história assim constituída foi necessário, portanto, tentar constituí-la para que pudéssemos nos preparar
teoricamente e metodologicamente para a realização das sessões interativas junto às professoras
participantes da pesquisa.
Desse modo, a nossa investigação passou também a assumir uma natureza histórica. Dentre as
várias perspectivas teóricas constituídas nesse terreno, optamos por nos inspirar na genealogia
apresentada e praticada nos trabalhos de Michael Foucault. Estudos e leituras de reflexões realizadas por
Jorge Larrosa, Salma T. Muchail, Silvio Gallo, Tomaz Tadeu da Silva e Walter Kohan (todos, atentos leitores
dos trabalhos de Michel Foucault) também se tornaram ferramentas conceituais interessantes para a
abordagem da problemática.
Se entendemos o processo de transmissão escolar da prática social do cálculo escrito como um
dentre outros possíveis, o referencial teórico foucaultiano nos obrigou, de certo modo, a constituirmos a
nossa história orientada pelas relações de poder que estiveram envolvidas nesse processo particular de
apropriação da prática social do cálculo escrito, bem como a constituirmos a problematização das falas das
professoras ocorridas durante as sessões interativas de investigação com base nesse mesmo tipo de
relação. Obrigou-nos também a tentar compreender não apenas os modos obsoletos antecedentes de
cálculo escrito, mas também, as razões pelas quais acabaram sendo preteridos, no tempo, em favor de
outros considerados ‘melhores’ ou ‘pedagogicamente mais apropriados’.
Como se percebe, trata-se de um modo de se conceber a história como possibilidade de se pensar as questões do presente.
Não estávamos interessados em construir o passado para que ele se tornasse “objeto de
acumulação, trivialização e consumo”; e para que pudéssemos “nos desprender dele, de sua tirania, de tudo
o que tem de rotina, de hábito”, estávamos interessados que a constituição da história a que nos
propusemos possibilitasse pensar e problematizar o presente. É sob essa perspectiva, não por simples
curiosidade de saber sobre o que se passou, mas pela inquietude provocada pelas questões e
preocupações apresentadas, que nosso estudo procurou caminhar do presente para o passado.
O método que orientou a constituição de documentos para a realização da investigação pode ser
descrito em 4 etapas.
9 A palavra ‘parcial’ é tomada aqui tanto no sentido de ser a nossa compreensão restrita, incompleta e lacunar como também no
sentido de não imparcialidade, isto é, no sentido de nossa compreensão estar baseada e ser, portanto, dependente dos pontos de vista teóricos que sustentam a nossa investigação.
10 As sessões consistiram de encontros entre a pesquisadora e as professoras participantes da investigação, durante os quais as professoras tomaram conhecimento dos procedimentos obsoletos de cálculo escrito.
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A primeira etapa deste método consistiu em fazer um levantamento e um estudo dos procedimentos
de cálculo escrito com os numerais hindu-arábicos, utilizados para as operações aritméticas elementares,
presentes em algumas obras que circularam na Europa Ocidental até o final do século XVI, procedimentos
estes que, ao longo do tempo, acabaram sendo preteridos pelos utilizados no contexto escolar brasileiro da
atualidade. Na seqüência, procedemos a uma seleção dos algoritmos que seriam apresentados e discutidos
com as professoras.
A segunda etapa do método consistiu da realização de entrevistas com as professoras que
concordaram em participar como sujeitos desta investigação, com o objetivo de proceder a um
levantamento e caracterização dos procedimentos e das instruções que elas dizem que fornecem a seus
alunos nos momentos de ensino do cálculo escrito da adição, subtração, multiplicação e divisão. As
informações a que estava querendo ter acesso, nessa etapa, referiam-se ao tipo e à natureza dessas
instruções. A intenção principal da realização das entrevistas foi buscar fazer com que as professoras
realizassem uma descrição dos procedimentos e recursos a que elas lançam mão nos momentos de ensino
do cálculo escrito a seus alunos. Para a composição do grupo de professoras (seis) que aceitaram participar
como sujeitos de nossa investigação, optei por privilegiar professores de escolas públicas, no caso, da
cidade de Hortolândia, na região de Campinas (SP), Brasil.
A terceira etapa do método tratou da constituição histórica do processo de apropriação e circulação
da prática social do cálculo escrito das operações aritméticas elementares, envolvendo quantidades inteiras,
no sistema numérico hindu-arábico, nos séculos XV e XVI, em território português, sobretudo nos modos
como tal prática teria sido posta em circulação em obras escritas em língua portuguesa.
A quarta etapa (que ocorreu concomitantemente com a terceira), consistiu na realização de sessões
interativas de investigação, durante as quais, e tendo como horizonte o propósito desta pesquisa, procurei
discutir e problematizar com as professoras o processo de transmissão escolar da prática social do cálculo
escrito. Nestas sessões, procurei, junto com as professoras, analisar os saberes históricos relativos à
prática social do cálculo escrito tornados obsoletos, confrontando-os com os saberes pedagógicos
constituídos pelas professoras, na ação docente, em relação ao processo de transmissão da prática social
do cálculo escrito na instituição escolar. A dinâmica destas sessões procurou se pautar nessa relação
dialógica entre o passado e o presente. Tal destaque se justifica quando temos presente as finalidades que
orientaram as sessões interativas de investigação realizadas com as professoras, quais sejam, a tentativa
de identificar valores que estariam sustentando a naturalização do processo de transmissão da prática
social do cálculo escrito na instituição escolar.
Algumas conclusões
Constatamos que as razões que estariam na base do abandono de procedimentos obsoletos no
processo de transmissão do cálculo escrito na escola seriam menos de ordem técnico-conceitual (maior ou
menor grau de complexidade conceitual do procedimento) ou psicológico-cognitiva (de maior ou menor
dificuldade para o aluno aprender) do que de ordem político-axiológica. Por exemplo, um procedimento de
cálculo que tornasse visível o erro, algo desqualificado, ou mesmo que pudesse apenas sugerir que se
pudesse estar errando, não poderia ter sobrevivido no ambiente escolar. Dessa forma, em tal ambiente, a
sujeira e o erro acabam metaforicamente se conectando, uma vez que o erro passa a ser visto como a
‘sujeira cognitiva e/ou moral’.
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Constatamos que nos processos históricos de apropriação pragmática da prática social do cálculo
escrito, em tempos e contextos geopolíticos diferentes, a precisão do cálculo e a obtenção de resultados
corretos pareciam estar direta e conscientemente ligadas a objetivos e interesses postos por outras práticas
sociais como a astronômico-astrológica, a náutica, a comercial, a financeira, a administrativa, etc. E no
contexto escolar de referência, ao qual os discursos das professoras participantes de nossa pesquisa nos
remetem, a prática social do cálculo escrito parece não mais estar vinculada a outras práticas, parecendo
ter adquirido uma autonomia que faz com que as noções de precisão e correção nos cálculos escritos
passem a ser vistas como algo bom e desejável em si e por si mesmo. Desse modo, o pragmatismo
presente nos processos históricos de transmissão e apropriação da prática social do cálculo escrito parece
caracterizar-se bem mais pela utilidade e aplicabilidade dessa prática em outras práticas fortemente
valorizadas; em outras palavras, nos processos históricos de transmissão e apropriação da prática do
cálculo escrito, tal prática parece retirar indiretamente o seu valor da valorização atribuída a outras práticas
que ela ajudaria a promover e desenvolver.
Constamos que o processo de valorização, apropriação e re-significação da prática social do cálculo
escrito ao modo hindu-arábico por parte de portugueses e árabes parece não ter ocorrido de forma isolada
ou independente do processo de valorização, apropriação e re-significação de outras práticas sociais cujos
desenvolvimentos, a partir de certo momento, mostraram-se condicionados ao desenvolvimento da própria
prática social do cálculo escrito. No caso do contexto português, o processo de apropriação da prática social
do cálculo escrito ao modo hindu-arábico se mostrou fortemente condicionado pelas exigências e
necessidades colocadas, a partir de certo momento, pela prática social astrológico-astronômica e,
principalmente, pela prática social náutico-astronômica e, posteriormente, pela prática comercial. A
constituição dos diferentes processos de apropriação e re-significação da prática social do cálculo escrito ao
modo hindu-arábico nunca foi feita de forma desinteressada e fora de projetos políticos de grupos
dominantes que atuaram nos contextos geopolíticos nos quais esses processos de apropriação ocorreram.
Constatamos a existência de uma tradição metodológica que exerce um poder determinante sobre a
forma de transmissão da prática social do cálculo escrito no contexto escolar, poder este que parece não
estar situado em um ‘topos’ identificável, mas que, mesmo assim, parece exercer-se de fora para dentro da
instituição escolar, determinando condutas e escolhas pedagógicas e, portanto, impondo a apropriação de
determinados valores que, por sua vez, também seriam veiculados no processo de transmissão da prática
do cálculo escrito no contexto escolar. Tal poder se manifestaria com tal intensidade e força na formatação
padrão do processo já naturalizado de transmissão da prática social do cálculo escrito na escola que, tentar
desafiá-lo, seria um “ato de loucura”. Tal poder penetra e controla o ato cotidiano de fazer contas. Se há
uma tradição metodológica que insere em nossos corpos, automatismos e hábitos, resistir a isso requer,
antes de qualquer coisa: “um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que
correm”11, suspender o automatismo da ação, “parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar...”12.
Acreditamos que a investigação que realizamos poderá trazer contribuições tanto para a discussão
acerca da constituição histórica de nosso modo atual de se realizar cálculos por escrito, como também para
a discussão relativa à participação da história no processo de formação continuada de professores das
séries iniciais, no que diz respeito, especificamente, à problemática relativa à dimensão político-axiológica
do processo de transmissão da prática social do cálculo escrito na instituição escolar.
11 LARROSA, 2001, p. 5. 12 LARROSA, 2001, p. 5.
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RELATO DE EXPERIÊNCIA: PESQUISA E EDUCAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES COM O USO DA OBRA DE MALBA TAHAN
Juraci C.F.Oliveira - UNISAL-Lorena
Tânia M.V.S. Lacaz13 - FEG/UNESP
Resumo: O presente trabalho relata os resultados de pesquisas realizadas durante o ano de 2003
fundamentadas na obra de Malba Tahan. Essas pesquisas apoiaram dois projetos que envolveram a
organização e a execução de um curso de educação continuada oferecido aos professores da rede
municipal de Queluz/SP. Faz-se um breve histórico da vida do professor Júlio César de Mello Souza,
heterônimo Malba Tahan, algumas das suas idéias quanto às questões pedagógicas que envolvem a
prática docente e os resultados obtidos na execução dos projetos. Este trabalho possibilitou-nos transitar
pelas três vertentes que definem os objetivos da Universidade: ensino, pesquisa e extensão universitária,
além de oferecer aos alunos da Licenciatura em Matemática uma oportunidade de vivenciar a organização e
a prática docente no ambiente escolar. Partindo do princípio que valorizar as obras de nossos escritores e
ajudar os educadores a construir uma educação cada vez mais digna e preparada para oferecer as
melhores condições de aprendizagem é essencial, procuramos estabelecer a importância didática de Júlio
César de Melo e Souza. Conhecendo sua obra e confrontando-a com as angústias presentes nas
discussões atuais, podemos concluir que a sua didática, principalmente em matemática, é hoje não só
aceita como utilizada por diversos professores.
Introdução: a origem de Júlio César de Mello e Souza Júlio César de Mello e Souza nasceu no dia 06 de maio de 1895, na cidade do Rio de Janeiro. A
família Mello e Souza veio de Portugal para a Corte do Brasil no século XVIII, por volta de 1750. A
decadência da família veio após a morte do patriarca, Comendador Francisco José de Mello e Souza. Dos
três filhos, João de Deus de Mello e Souza – pai de Júlio César – trabalhava como escriturário numa
importante indústria no Rio. Lá conheceu Antonio Cinino, um rico fazendeiro de Queluz-SP, ao qual contou
uma história das dificuldades e do abandono do curso de Direito. João de Deus, aceitando o convite de
Antonio Cinino mudou-se para Queluz e trabalhou como funcionário do Ministério da Justiça. Em 1882
fundou, com o irmão Irineu, o “Colégio João de Deus”, em regime de internato. Em Queluz conheceu e
casou-se com Carolina Carlos de Mello e Souza, professora primária, que fundou a primeira Escola Pública
de Queluz. Em 1889, com a crise do café, fecharam o Internato. Em 1891, já com três filhos, mudaram-se
para o RJ. Em 1897, com seis filhos (entre eles o quinto filho, Júlio César) e novamente em dificuldades
financeiras, retornaram a Queluz, onde nasceram mais três filhos. Dos nove filhos, seis se dedicaram ao
Magistério. A infância tranqüila em Queluz, as peripécias de Júlio César e suas relações familiares foram
mais tarde descritas pelo irmão João Batista, autor do livro Meninos de Queluz (Mello e Souza, 1999).
Aos dez anos de idade, Júlio César foi enviado pelo pai ao Rio de Janeiro, onde deveria se preparar
para o Colégio Militar. Contrariando as previsões pessimistas do irmão João Batista, que julgava que o
13 Apoio:PROGRAD/FUNDUNESP
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menino escrevia mal e era uma negação em matemática, Júlio César ingressou no Colégio Militar do RJ em
1906, onde permaneceu até 1909, quando se transferiu para o Colégio Pedro II. Nesta época vendia
redações aos colegas, mas não era bom aluno de matemática. Criticava veementemente a didática da
época que classificava como “o detestável método da salivação”. Com vocação para o Magistério, concluiu
o curso de professor primário na Escola Normal do antigo Distrito Federal; depois diplomou-se em
Engenharia Civil pela Escola Politécnica em 1913.
Júlio César viveu sua adolescência e idade adulta no Rio de Janeiro, onde lecionou no Colégio
Pedro II, na Escola Normal, no Instituto de Educação, na Escola Normal da Universidade do Brasil e na
Faculdade Nacional de Educação, onde recebeu o título de Professor Emérito.
Além disso, também no Rio, trabalhou no jornal O Imparcial, nas Rádios Nacional, Clube e Mairynk Veiga, e
na TV Tupi. Trabalhou também no Canal 2 em São Paulo e editou duas revistas: Al-Kharism (de
Matemática) e Damião, dirigida à causa dos hansenianos.
Como escritor, publicou mais de 120 livros e não foi um matemático puramente algebrista, dedicou-se
também ao estudo da geometria, escrevendo sozinho, como Júlio C. M. Souza, os livros “Geometria
Analítica”, “Trigonometria Hiperbólica”, além de outros como “Funções Modulares”. Como Malba Tahan
publicou “Didática da Matemática”, “Antologia da Matemática” (em dois volumes), além de muitos livros
paradidáticos, entre eles seu mais famoso “O homem que Calculava”. Em parceria com outros matemáticos,
entre eles Euclides Roxo, Cecil Thiré, Célia Moraes, Jairo Bezerra, escreveu mais de 40 livros. Foi também
um orador magnífico, proferindo mais de duas mil conferências no Brasil (Lorenzato, 1995).
Morreu em 18 de junho de 1974 em Recife onde estava ministrando dois cursos no Colégio Soares Dutra,
“A Arte de Contar Histórias” e “Jogos e Recreações” . Seu corpo foi sepultado no Rio de Janeiro; Júlio
César havia recomendado para que as pessoas não usassem luto por causa de sua morte, citando Noel
Rosa “Roupa preta é vaidade/para quem se veste a rigor/ o meu luto é a saudade/ e a saudade não tem
cor”...
Apesar de ter dedicado sua vida à literatura infantil e à prática pedagógica, sua obra permanece
desconhecida das novas gerações, inclusive de Queluz, cidade tão ligada à sua família, que doou ao
Município todo o seu acervo.
As crenças e a didática de um Educador Júlio César fez curso de teatro com Procópio Ferreira e, mais do que um professor, tornou-se um ator.
Explorou o interesse lúdico da juventude para introduzir nas aulas, nas conferências e nos livros que
escreveu uma nova didática da matemática. Nas aulas, trabalhava com estudo dirigido, manipulação de
material concreto, e propôs a criação de laboratórios de matemática em todas as escolas. Segundo o
Professor Antonio José Lopes Bigode, ele estava muito além do seu tempo: “O resgate da sua didática pode
revolucionar o Ensino. Ainda hoje o ensino tradicional é responsável por metade das repetências”.
Em seu depoimento no Museu da Imagem e do Som, Júlio César admitiu não dar zeros: “Por que dar zeros,
se há tantos números? Dar zero é uma tolice!”. O professor encarregava os melhores da turma de ajudar os
mais fracos: “Em junho, julho, estavam todos na média”.
Foi um criativo e ousado professor, que praticava muito mais do que o ensino puramente teórico e
expositivo da época. Destacamos os seguintes aspectos de sua obra didática:
12
Foi um crítico severo da didática usual de matemática da primeira metade do século XX (contam-se
episódios de violentas discussões que travou em congressos e conferências). “O professor de matemática
em geral é um sádico”, acusava, “Ele tem o prazer de complicar tudo”;
Foi um pioneiro no uso didático da História da Matemática, na defesa de um ensino baseado na
resolução de problemas não-mecânicos, na exploração didática das atividades recreativas e no uso de
material concreto no ensino da matemática;
Foi um dos primeiros a explorar a possibilidade do ensino por rádio e televisão, antecipando o
ensino à distância;
Trabalhou com interdisciplinaridade e multiculturalismo, além de se dedicar às causas sociais,
exercendo as competências de um verdadeiro Educador, e deixando um legado de valor incalculável para
os cursos de formação de professores.
A criação de um personagem: Malba Tahan
Júlio César nunca visitou o Oriente, mas estudou a língua, a cultura, a história e a geografia árabes,
leu o Talmude e o Corão, e criou um personagem, Ali Iezid Izz-Eduim Ibn Salim Hank Malba Tahan. Tal
personagem nasceu na Arábia Saudita, herdou enorme fortuna e viajou muitíssimo, morrendo em 1921, em
luta pela libertação de uma tribo árabe. Foi também criado um tradutor dos livros de MT, Breno Bianco, que
iniciou publicando no Jornal “O Imparcial”, no qual Júlio César já trabalhava e já tentara publicar outros
artigos com outros pseudônimos, inclusive os Contos de Malba Tahan, junto com a biografia do suposto
autor.
O autor se consagrou e, mesmo após a revelação de sua verdadeira identidade, o então Presidente Getúlio
Vargas autorizou Júlio César a usar o nome Malba Tahan na sua cédula de identidade, criando então o seu
heterônimo.
Malba Tahan publicou quase sessenta livros. Além dos livros já citados, de didática e de matemática,
escreveu muitos contos sobre o oriente, contos religiosos e morais, além de temas diversos sobre o Brasil.
Hoje, muitos livros são usados como paradidáticos. Foi eleito membro da Academia de Letras de Recife,
mas, na Academia Brasileira, não ocupou cadeira, não sendo reconhecido como literato.
Pesquisa
A pesquisa em Educação Matemática (D'Ambrósio, 2002) acontece naturalmente na leitura e
análise dos livros de Malba Tahan. Linhas de pesquisa como história da matemática, etnomatemática,
modelagem matemática (Bassanezi, 2002), resolução de problemas (Dante, 1989), uso de materiais
concretos, montagem de laboratórios de ensino de matemática, jogos e recreações matemáticas, e temas
transversais como multiculturalismo, meio ambiente, cidadania, saúde pública, interdisciplinaridade
(Fazenda, 1995) e transdisciplinaridade (D'Ambrósio, 1993), (Machado, 2001), podem ser amplamente
estudados e explorados por professores na sua prática em sala de aula.
As pesquisas foram realizadas procurando conhecer as mais importantes obras do autor, entre elas
destaque especial para dois volumes de Didática da Matemática e o célebre “O homem que Calculava”. No
caso do livro “O homem que Calculava”, os alunos seguiram a seguinte metodologia: mediante a leitura e o
entendimento de cada problema do livro, os alunos discutiram a solução apresentada e modelaram o
problema, adequando-os aos conteúdos dados em sala de aula (SEF, 1996). Em alguns casos, sugeriram
para as classes iniciais a utilização de material concreto para a resolução e/ou compreensão do problema
13
matemático. Todos os problemas foram resolvidos, montando uma tabela dos exercícios e citações da obra
"O Homem que Calculava", com a indicação da série onde podem ser aplicados e o respectivo conteúdo
matemático envolvido na sua resolução.
Além dessas publicações demos ênfase também aos livros paradidáticos do autor.
As pesquisas realizadas orientaram os professores na utilização da obra de Malba Tahan em várias
atividades que extrapolaram as aulas de matemática, como: oficinas de leitura, dramatizações, dinâmicas de
grupo, projetos interdisciplinares, organização de eventos etc.
Curso de Educação Continuada de Professores: “A Escola vai à Malba Tahan”
Durante o ano de 2002 já havia sido oferecido, pelo Centro UNISAL Lorena, sob a coordenação da
Professora Juracy Conceição de Faria Oliveira, um curso de educação continuada para os professores da
Rede Municipal de Queluz, cujo objetivo foi a inserção cultural de Malba Tahan nas escolas do Município.
Tal curso recebeu o nome de “Malba Tahan vai à Escola”. Neste ano, como um movimento inverso,
denominamos o curso de “A Escola vai a Malba Tahan” a fim de ilustrar a busca, em sua obra, de novas
metodologias de ensino.
Malba Tahan afirma em seu livro Didática da Matemática, que uma "anedota histórica, uma curiosidade
geométrica, uma disposição numérica imprevista – citadas em momento oportuno pelo professor de
matemática – tornam o ensino gracioso e leve; atraem, para a ciência, a simpatia do estudante".
A partir dos resultados da avaliação diagnóstica realizada nas escolas da rede municipal de ensino de
Queluz às quais identificaram as necessidades pedagógicas de seus professores, bem como as
dificuldades apresentadas por seus alunos, criou-se um projeto pedagógico interdisciplinar, tendo como
tema gerador "Malba Tahan, que Luz!". Tal projeto desenvolveu, durante todo o ano de 2003, ações
didático-pedagógicas envolvendo todas as disciplinas do programa de 5a à 8a séries do ensino
fundamental.
O curso desenvolveu-se com encontros mensais de quatro horas de duração propondo uma dinâmica
dialética e contínua de ação-reflexão-ação, voltada para o pensar da própria prática pedagógica dos
professores, bem como para uma reflexão com o grupo sobre esta prática.
Os encontros na UNESP, realizados semanalmente, com a presença dos pesquisadores, objetivaram a
organização das ações em Queluz, a tabulação das avaliações realizadas em cada aula do curso com os
professores e a organização dos encontros mensais.
Novos projetos interdisciplinares que possam responder à ações didática e metodológicas proposta por
Malba Tahan em seu legado foram aplicados nas escolas por meio da hora do conto, dos jogos
matemáticos em sala de aula, dos problemas elaborados pelos alunos fundamentados na realidade
cotidiana do município de Queluz, da dramatização dos contos, das estórias e das lendas malbatahânicas e
também por meio da musicalização, da criação de jornais, de documentários, de revistinhas infantis ou de
projetos que contemplem a pluralidade cultural, a cidadania, a ética e a solidariedade. Todos os temas são
amplamente divulgados na obra deste exímio educador.
Dois eventos marcaram as atividades realizadas pelos professores e o envolvimento dos alunos das
Escolas: a I Semana Cultural e Olímpica Malba Tahan, realizada em setembro, sendo que todo o grupo de
pesquisadores participou ativamente oferecendo oficinas de pipa e caleidoscópio, e participando da
Gincana Cultural como membros da Comissão Julgadora; e o II Simpósio Malba Tahan, realizado no final
14
do ano letivo, com a conclusão do curso, a entrega da avaliação feita pelos professores e uma discussão
sobre as perspectivas futuras.
15
Ensino e Extensão Universitária Citamos como atividades de ensino e extensão universitária o oferecimento de oficinas durante a I
Semana Cultural e Olímpica Malba Tahan, realizada em Queluz, a participação na Semana de
Planejamento Escolar das Escolas Municipais daquela cidade, o trabalho de acompanhamento do Projeto
Interdisciplinar "Malba Tahan, Que Luz!" oferecido aos alunos de 5a à 8a séries da Escola Arco Íris, também
de Queluz, SP e a realização do Curso de Educação Continuada “A Escola vai à Malba Tahan”.
Considerações finais
A maior contribuição deste trabalho foi a de criar oportunidades aos alunos envolvidos em transitar
nas várias linhas de pesquisa: história da matemática no Brasil, didática da matemática, pedagogia de
projetos, prática docente e educação continuada, modelagem e resolução de problemas em matemática, e
a participação ativa destes alunos em um projeto de educação continuada, ouvindo os professores,
aprendendo com eles. O amadurecimento gerado, tanto no aspecto do conteúdo como o "como fazer" da
prática de sala de aula, dificilmente é alcançado durante as aulas do curso de graduação.
Partindo do princípio que valorizar as obras de nossos escritores e ajudar os educadores a
construir uma educação cada vez mais digna e preparada para oferecer as melhores condições de
aprendizagem é essencial, este projeto decidiu analisar a importância didática de Júlio César de Melo e
Souza (Malba Tahan). Conhecendo sua obra e confrontando-a com as angústias presentes nas
discussões atuais das quais participamos em vários minissimpósios de ensino que são oferecidos em
congressos científicos, podemos concluir que a sua didática, principalmente em matemática, é hoje não só
aceita como utilizada por diversos professores. Ou seja, desmistificar a matemática e apresentá-la de
forma fina, elegante e divertida é o que os professores atuais procuram fazer. Sem falar nas
reestruturações curriculares dos cursos de formação de professores, das novas Leis de Diretrizes que
incluem a prática como componente curricular nestes cursos, exigindo novas e desafiantes posturas
pedagógicas de todos nós, professores formadores de professores, de um novo olhar sobre as
competências para ensinar e aprender. Assim, Malba Tahan foi um ser humano muito além de seu tempo.
Pode até não ter sido reconhecido no século passado, mas acreditamos que as próximas gerações o
reconhecerão como um dos maiores educadores em matemática de todos os tempos, e uma referência da
pesquisa em educação matemática no Brasil.
A criação, em outubro de 2004, do Instituto Malba Tahan, que atualmente ocupa um espaço dentro
do Centro Cultural de Queluz, traz novas oportunidades de pesquisa na área de História e Educação
Matemática.
Bibliografia básica BARBOSA, Severino Antonio Moreira. Educação, sujeito e história. SP: Ed. Olho d'Água, 2001.
BASSANEZI, Rodney Carlos. Ensino-aprendizagem com Modelagem Matemática. SP: Ed. Contexto, 2002.
389p.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. Brasília:
MEC, SEF, 1998. 174p.
D'AMBRÓSIO, Ubiratan. Educação Matemática da Teoria à Prática. Campinas: Ed. Papirus, 2002.
D'AMBRÓSIO, Ubiratan. R. CREMA, R., WEIL, P. Rumo a nova transdisciplinaridade. Ed Summus, 1993.
DANTE, Luiz Roberto. Didática da resolução de problemas de matemática. SP: Ed Ática, 1989. 176p.
16
FAZENDA, Ivani (org). A pesquisa em Educação e as transformações do conhecimento. Campinas: Ed.
Papirus, 1995.
LORENZATO, Sérgio. Um re(encontro) com Malba Tahan. Zetetiké, Campinas, ano3, n.4, 1995.
MACHADO, Nilson José. Matemática e Realidade. SP:Ed. Cortez, 5a ed. 2001, 103 p.
PEREIRA, Michele. O homem que Calculava em Sala de Aula. 2001. 74p. Monografia Lato Sensu em
Educação Matemática, Universidade de Franca, Franca.
PERRENOUD, Pedro. Construir as competências desde a Escola. Ed ARTMED, 2000.
TAHAN, Malba. As maravilhas da matemática. SP: Ed Bolch, 1972.249p.
TAHAN, Malba. Didática da Matemática. SP: Ed. Saraiva, 1962.
TAHAN, Malba. Matemática Divertida e Curiosa. RJ: Ed. Record, 2002.
TAHAN, Malba. Matemática recreativa: fatos e fantasias. 2o vol. SP: Ed. Saraiva, 1965. 182p.
TAHAN, Malba. O Homem Que Calculava. RJ: Ed. Record, 2001. 224p.
VILLAMEA, L. Malba Tahan: o genial ator da sala de aula. Disponível em:
http://www.geocities.com/g10ap/matematicos/mat27.htm. Acesso em: agosto de 2003.
17
A PARTICIPAÇÃO DOS PROFESSORES DE MATEMÁTICA NA ELABORAÇÃO DAS DIRETRIZES CURRICULARES DO PARANÁ: A HISTÓRIA SE REPETE?
Lucilene Lusia Adorno de Oliveira 14
Mestranda no Programa Educação para a Ciência e o Ensino da Matemática – UEM
Maria das Graças de Lima15
Orientadora – DEG - UEM
Resumo: O professor de matemática é tema constante de estudos. Falar sobre professores de matemática
em meio a elaboração das Diretrizes Curriculares da Educação Fundamental da Rede de Educação Básica
do estado do Paraná, e da sua participação no processo, faz com que caminhemos em busca de uma
ponte, que possa ser capaz de ligar o que está acontecendo no momento com situações que nos fizeram
chegar até aqui. O presente trabalho tem a finalidade de perceber, por meio de entrevistas e estudos de
documentos, como se dá a relação do professor de matemática com o sistema de ensino, uma vez que as
políticas educacionais são instáveis e não oferecem condições de aperfeiçoamento, implementação e
formação permanente que realmente possibilitem aos professores a reflexão de sua prática e a partir daí,
sua transformação. Nossa investigação, no momento, está no acompanhamento “de perto” sobre o quanto o
professor de Matemática da escola pública do estado do Paraná, na região do Vale do Ivaí, está
colaborando ou não na elaboração das DCEs.
Palavras chaves: Diretrizes Curriculares – Políticas Educacionais – Formação
Introdução Este trabalho foi apresentado como uma proposta de pesquisa na Linha de Formação de
Professores, Renovação Curricular e Avaliação Escolar na área de Matemática apresentado ao Mestrado
em Educação para a Ciência e o Ensino da Matemática, oferecido pela Universidade Estadual de Maringá.
A princípio o estudo destinou-se a verificar como estava o fazer pedagógico do professor de
matemática, do NRE de Ivaiporã, após tantas supostas mudanças experimentadas ao longo dos últimos
anos. Fizemos um acompanhamento de perto durante as discussões para a elaboração das Diretrizes
Curriculares do Paraná, aplicando ainda questionários de entrevistas a uma amostragem destes
professores, pertencentes ao NRE de Ivaiporã , que é composto por quatorze municípios como segue:
14 email: [email protected] 15 email: [email protected]
18
MUNICÍPIO HABITANTES Nº DE ALUNOS MATRICULADOS NO ENS.FUND. E MÉDIO
NÚMERO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA
ARAPUÃ 4.172 601 6
ARIRANHA DO IVAÍ 2.883 415 5
CÂNDIDO DE ABREU 18.795 2.293 14
GODOY MOREIRA 3.836 581 4
GRANDES RIOS 7.868 1.108 6
IVAIPORÃ 32.270 5.227 32
JARDIM ALEGRE 13.673 1.870 13
LIDIANÓPOLIS 4.783 599 5
LUNARDELLI 5.668 921 6
MANOEL RIBAS 13.066 2.110 11
RIO BRANCO DO IVAÍ 3.758 738 6
ROSÁRIO DO IVAÍ 6.885 914 7
SÃO JOÃO DO IVAÍ 13.196 1.587 16
SÃO PEDRO DO IVAÍ 9.473 1.470 10
Fonte: Dados da Secretaria de Estado da Educação do Paraná. Matrícula 2004.
Como podemos observar o total de professores de Matemática do NRE em questão é de cento e
oitenta e seis, dos quais optamos por entrevistar vinte, garantindo a participação de pelo menos um
professor de cada município.
Com este campo delimitado partimos para nossa pesquisa, buscando fazer uma ponte entre o
passado e o presente, analisando algumas relações políticas/escolares, transformações sofridas desde a
implantação da I LDB, e como alvo principal a elaboração das Diretrizes Curriculares da Educação
19
Fundamental da rede de educação básica do estado do Paraná e a participação e reação dos professores
de matemática, do NRE/Ivaiporã, nesta construção.
***
O estado do Paraná vive um momento esperado por muitos professores que puderam ver na década
de 90 e início da atual, um descaso à educação e principalmente aos educadores que presenciaram cenas
de “vamos fazer de conta que tudo está bem”, distraídos por motivações e um “certo ar de cultura”, quando
na realidade o que havia eram professores cansados em salas de aulas, sem momentos para discussões,
ansiosos por mudanças e não sabendo por onde começar.
Isto tudo é reflexo de uma educação que vem sendo “planejada” há muitas décadas e que ao
observarmos um pouco mais de perto, tem uma seqüência “quase lógica”, onde é possível “adivinharmos” o
próximo passo.
Se tomarmos como ponto de partida o ano de 1961, quando foi promulgada a I LDB, algumas
décadas anteriores, e outras posteriores a esta data, poderemos fazer uma análise e verificarmos algumas
“coincidências” que mais parecem “cenas de reprise” ao longo de uma enorme novela.
Ao buscarmos essa relação dos aspectos do passado, consultamos Werebe, que trás um estudo
aprofundado pisando no chão da implantação da I LDB, traçando parâmetros estatísticos e políticos da
época que em muito clareiam o que acontece hoje, no Brasil, e especialmente no Paraná, objeto de nosso
estudo.
Buscamos ainda, em alguns estudos sobre as políticas públicas educacionais do Paraná, respaldo
para podermos comparar situações vivenciadas anteriormente com as que acontecem agora, verificando
que tais estudos em muito clareiam o presente, como diz Lizia Nagel sobre o discurso da indústria cultural
dos anos 90
[...] Negam-se quaisquer critérios que permitam reconhecer, se as práticas sociais, ou as crenças
culturais ou populares, são válidas ou não. Os educadores passam a exacerbar a valorização do
diferente, pelo diferente do pluralismo sem dimensão de classes sociais e da necessidade de tolerância
sem precisar credos, fanatismos, ideologias ou perversidades sociais. Negam o discurso genérico,
depreciam a ciência e, valorizando a opinião, conclamam a comunidade para a qualificação do ensino,
considerado impróprio por ser desvinculado da participação do popular! (Re) Constrói-se, com ênfase, o
altar para o endeusamento do prático e a negação do teórico, que garantirá aos países pobres (como
querem as potências de primeiro mundo) a necessidade crescente da compra de tecnologia
futura.(Nagel,2001,p.118)
Nos anos 90 há uma busca desenfreada por empréstimos para financiamentos de projetos a serem
desenvolvidos na educação, e segundo Nogueira, foram aprovados seis, sendo eles: Nordeste II e III, São
Paulo, Paraná, Minas Gerais e Espírito Santo.
Esses seis projetos expressaram em seus objetivos algumas semelhanças, além dos componentes
operativos e de carteira de empréstimo do BIRD. Todos esses projetos foram formulados e organizados
com base em componentes, ou programas de ação, abrangendo as áreas de treinamento em serviço, ou
reciclagens para professores e corpo administrativo da escola; construção e reforma física das escolas;
equipamentos de informática e mobiliário; e aquisição de livros didáticos. Além desses componentes de
conteúdo estritamente pedagógico e de ações centradas no interior da escola, todos esses projetos
20
incluem componentes que “sugerem” uma mudança na relação do Estado com as políticas sociais,
particularmente com o setor educacional em direção ao que vem se chamando, genericamente, na
acepção neoliberal de Estado “Mínimo”, ausente do setor produtivo e coordenador das políticas sociais
com a participação efetiva do setor privado, da sociedade civil, ou das ONGs e da propalada e
promovida cidadania, através do trabalho voluntário e de programas como: Comunidade Solidária e
Amigos da Escola, concepção esta de cidadania preconizada pelo liberalismo clássico, chamado
recentemente de neoliberal. ( Nogueira, p. 130-131, 2001)
Bem, se o que se buscava era tirar o ônus do Estado, tornando-o produtivo com a participação direta
do setor privado, isto foi conseguido em parte, uma vez que as escolas tornaram-se grandes competidoras
entre si, buscando mostrar quem podia mais, infelizmente, muitas delas observando somente a parte física.
À época tivemos escolas ganhando prêmios estaduais e nacionais por terem colocado “granito” em suas
escadas, “fontes de água” em seus pátios, “portais” maravilhosos, defendendo que uma escola “bonita”
produziria bons resultados escolares. E o professor? Continuava nestas escolas, frustrado,
completamente sem ânimo, porque as reformas aparentes não chegavam ao chão da sala de aula.
E neste contexto, chegamos ao século XXI, mais precisamente ao ano de 2003, em que o estado do
Paraná propõe aos professores da rede estadual a elaboração das Diretrizes Curriculares da Educação Fundamental da Rede de Educação Básica do Estado do Paraná como uma nova forma de retomar as
rédeas da educação básica.
[...] desde o início dessa Gestão 2003-2006, estabeleceu-se como linha de ação prioritária da SEED
retomada da discussão coletiva do currículo. A concepção adotada é de que o currículo é uma produção
social, construído por pessoas que vivem em determinados contextos históricos e sociais; portanto, não
almejamos construir uma proposta curricular prescritiva, mas uma intervenção a partir do que está sendo
vivido, pensado e realizado nas e pelas escolas. [...] Ainda como orientações de base curricular, o
trabalho de reformulação curricular é coletivo, de construção por parte de todos os profissionais da
Educação. [...] Para enfrentamento das discussões curriculares é fundamental que os problemas da
prática social sejam enfrentados e passem de uma ação assistemática para a da sistematização, com a
clareza e transparência necessárias à compreensão de todos os sujeitos envolvidos na dinâmica escolar.
(Arco-Verde,p.1-3,2004)
Segundo Yvelise Freitas de Souza Arco-Verde16, a construção das DCEs deveriam ser pensadas em
conjunto, por todos os educadores envolvidos no processo, e é este processo que passaremos a descrever
com o intuito de calcularmos o quanto essa construção é realmente realizada pelos educadores do estado
do Paraná.
Durante o ano de 2004, a Secretaria de Estado da Educação do Paraná reuniu cinco representantes
de professores de matemática de cada um dos trinta e dois núcleos regionais de educação do estado, em
Faxinal do Céu, para juntos começarem a pensar a elaboração das diretrizes curriculares estaduais de
matemática. O mesmo processo aconteceu com as outras disciplinas do currículo escolar.
Neste primeiro encontro, junho de 2004, foram apresentadas questões para os participantes
discutirem. Dois professores da Universidade Estadual de Ponta Grossa coordenaram os trabalhos. O
16 Superintendente da Educação da SEED- 2003-2006
21
encontro começou polêmico porque a SEED/PR não apresentou aos professores o referencial teórico que
embasaria os trabalhos. Segundo informações foi proposital, pois esse procedimento permitiria, segundo os
assessores, avaliar como estava sendo a prática pedagógico-didática.
Durante os três dias do Encontro, houve muitos desencontros. No último dia foram apresentadas ao
grupo de professores, questões, cujas respostas deveriam ser registradas e entregues,17 posteriormente
seriam apresentadas.
Em julho de 2004, aconteceu em cada núcleo regional de educação do estado do Paraná, a I
Reunião Técnica Preparatória - DCE Ensino Fundamental-Matemática, inclusive na cidade de Ivaiporã,
contando neste momento com a participação dos professores que estavam na primeira etapa e mais um
representante por município do núcleo (14), tendo este grupo a incumbência de estudar alguns textos e
responder algumas questões enviadas pela SEED. (Anexo 1)
Neste encontro os professores representantes dos quatorze municípios presenciaram o que tem sido
comum, nas formações oferecidas pelo estado: tempo insuficiente para os trabalhos, principalmente pelo
fato de nos últimos anos não ter havido oportunidade de discussões, de elaboração de idéias, de estudos
de fundamentação, ficando os professores por conta própria, isto é, sem apoio.
A preocupação em aprender era grande, principalmente pelo fato destes professores terem que fazer
este mesmo trabalho em seus próprios municípios, sozinhos, somente com a orientação que estavam
recebendo na Reunião Técnica. Estes professores realizaram o trabalho em seus respectivos municípios
em agosto de 2004. O curso duraria oito horas e reuniria todos os professores de matemática de suas
cidades. Como a SEED solicitou foram enviadas as sínteses dos municípios para a coordenação do NRE e
esta, fez uma síntese geral, encaminhando-a em seguida à SEED - Departamento de Ensino Fundamental
– Matemática.
A etapa seguinte foi realizada em Curitiba, em setembro; novamente cinco professores
representantes de cada NRE; foi apresentada a síntese das cinco questões discutidas por todos os
professores, nos trinta e dois NREs do estado, com os dados tabulados pela assessoria a UEPG e
DEF/SEED.
A partir das respostas dos professores de Matemática do Paraná, posteriormente sistematizadas pela
SEED, o grupo de professores produziu um texto.
Depois de muitas discussões nos grupos, os textos foram sendo redigidos, referenciados nas
“lembranças” de cada um, ou simplesmente nos “achismos” . Além dos textos sobre as perguntas
trabalhadas nos municípios do Paraná, os professores escreveram um texto sobre “O Valor Educativo da
Matemática”.
Posteriormente, os NREs, receberam os textos “revisados” pelos professores assessores
pertencentes à Universidade Estadual de Ponta Grossa-UEPG e pelo Departamento de Ensino
Fundamental-Matemática da SEED.
A segunda reunião técnica em cada NRE, em outubro de 2004, com o mesmo grupo da primeira
reunião, deveria proceder conforme orientação da SEED (Anexo 2).
Depois de cumprida esta etapa da tarefa, cada representante de município levou as sínteses para
seus professores e foi realizada a segunda reunião descentralizada em novembro de 2004, atingindo nesta
etapa todos os municípios do Estado do Paraná, novamente. 17 1.Na sua opinião, como deve ser o perfil do professor de matemática da rede pública do Paraná? 2.O que é importante constar no documento das Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná? 3.Qual é o referencial teórico que você utiliza no seu planejamento?
22
As sugestões foram enviadas à Curitiba, para a SEED, sendo prometido para o ano de 2005 a
continuidade dos trabalhos.
Em fevereiro de 2005, durante a semana pedagógica, foi discutido, por instrução da SEED/PR, em
todas as escolas paranaenses a “Versão Preliminar das DCE/EF”, enviada por Curitiba para novas análises
e discussões. Cada área do conhecimento recebeu a sua Versão Preliminar, como em Matemática. A Equipe de Matemática do Departamento de Ensino Fundamental da SEED, enviou questões a
serem respondidas pelos professores de matemática, durante aquela Semana Pedagógica. (Anexo 3)
Após essas discussões realizadas em todas escolas do Paraná, os trinta e dois NREs tiveram que
enviar uma cópia do que cada município discutiu, por área do conhecimento. Destacamos algumas dessas
discussões realizadas nos quatorze municípios do NRE de Ivaiporã.
(...) Nossa maior dificuldade está em organizar os conteúdos de forma a
contemplar todos os eixos. Tais dificuldades podem ser superadas através de
discussão e preparação de aulas nas horas atividades e também seria de grande
ajuda se a SEED nos proporcionasse cursos de capacitação nesse sentido.
(...) Após a leitura do texto preliminar da diretriz, acreditamos que os conteúdos
propostos pela mesma ainda ficaram com algumas lacunas relacionadas aos
trabalhos com os eixos matemáticos, ou seja, como trabalhar os mesmos juntos e
não de forma separada, portanto, gostaríamos que fosse elaborado de forma
mais clara a transmitir estes conteúdos. Se possível, oferecer alguns cursos de
capacitação onde envolvesse teoria e prática.
(...)Nossa maior dificuldade é trabalhar os eixos com atividades que envolvam o
cotidiano do educando, para que a matemática seja vista de maneira mais
interessante, pois em alguns conteúdos isso é possível, com outros não.
(...) A matemática em sala de aula traz para o nosso aluno a visão distorcida do
que a mesma representa, o correto seria que os conteúdos fossem organizados
através do amadurecimento do aluno, mas muitos conteúdos não satisfazem o
aluno em absolutamente nada. Aí surge o porquê estudar a Matemática, em que
nossos alunos irão usar tal conteúdo?
(...) As principais dificuldades em trabalhar a matemática organizada por eixos é
que, nem sempre temos condições de aplicar todos os eixos da forma
apresentada, porque os alunos mostram dificuldade já em números e operações,
ficando difícil o entendimento dos seguintes.
Está claro nas citações de relatórios enviados pelos diversos municípios que o professor de
Matemática não sente segurança em trabalhar os diversos eixos propostos na Versão Preliminar das
Diretrizes Curriculares de Matemática, tema este não debatido nos encontros anteriores, e agora
apresentado como tal.
As dificuldades apresentadas pelos professores apareceram claramente no momento de proporem
um conteúdo, a partir dos eixos ( números, operações, medidas, geometria e tratamento da informação)
propostos pelas diretrizes curriculares de Matemática, questão número quatro.
23
Há um pedido de ajuda implícito nas palavras dos professores que pedem que sejam promovidos
encontros, trocas de experiências, cursos de atualização entre outros. (...) cursos de capacitação
oferecidos pelos órgãos competentes, tais como: SEED, Equipe de Ensino, etc., para auxiliar os docentes
na elaboração do planejamento, como está proposto pelas diretrizes curriculares.(...) estudar a
fundamentação de matemática para o nosso entendimento quanto à aplicação prática de alguns conteúdos,
com a ajuda de cursos de capacitação.
Por isso é que, na formação permanente dos professores, o momento
fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a
prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática... quanto
mais me assumo como estou sendo e percebo a ou as razões de ser porque
estou sendo assim, mais me torno capaz de mudar, de promover-me, no caso, do
estado de curiosidade ingênua para a curiosidade epistemológica. (FREIRE,
1999, P.43-44)
A busca pela curiosidade epistemológica, como nos diz Freire, é necessária, contudo antes, é preciso
um apoio real para que ela aconteça, e este é o pedido dos professores do Paraná quando escreveram em
seus relatórios em resposta a terceira questão, pedindo contribuições para enriquecer o texto das diretrizes:
(...) o texto é rico em fundamentação e conhecimentos matemáticos e os eixos que norteiam, os professores
concluíram que o mesmo está completo, é só executá-lo. (...) com relação ao texto preliminar das diretrizes
de matemática, chegamos à conclusão que não precisa sofrer alterações.
O professor acredita realmente que não é necessário contribuir no texto, ou acha que não adianta, é
melhor concordar...
Estive diretamente envolvida no processo de elaboração das Diretrizes Curriculares de Matemática
do estado do Paraná. Trabalhei como professora formadora com os professores dos quatorze municípios do
NRE de Ivaiporã. No percurso deste processo, considerando nossa atuação como professora de
Matemática ao longo de vinte anos, nos flagramos, vamos dizer assim, em conflito. Ficava difícil acreditar
em mudanças quando as regras não eram claras. A impressão maior deste processo era a de condução;
parecia que éramos levados a pensar sobre, meus interlocutores, os professores de Matemática do Ensino
Fundamental do NRE de Ivaiporã, resumiram bem este sentimento: 1. Desde que entrei no magistério,
estamos passando por transformações, sem chegar a lugar algum (...)ou ainda 2. As diretrizes falam tanto,
tanto, e no fundo não trazem nada de novo para utilizar em sala de aula.
O sentimento que percebemos nas entrevistas com os professores é o de que (...) a escola não está
sendo mais atrativa para o aluno, e os pais lavaram as mãos. Os alunos de hoje não são como os de
antigamente, eles não ligam para o que o professor fala, para eles tanto faz, nota alta ou nota baixa. Essa
tal de inclusão, nós não estamos conseguindo entender bem como trabalhá-la. (...) olha, hoje é quarta-feira,
estão faltando muitos alunos, pois eles foram para a feira livre ( mataram aula) (...) o interesse maior está
sendo festas.
A expressão acima é comum a vários professores, que atuam em municípios diferentes,no NRE de
Ivaiporã. Muitos professores estão em busca de melhorias, solicitando capacitações, orientações. Em
levantamento realizado pela SEED, quando foi solicitado aos professores que apontassem cinco
24
problemáticas que deveriam constar das Diretrizes Curriculares de Matemática do estado do Paraná, o
pedido de capacitação continuada foi a primeira solicitação.
Partindo do pressuposto de que a Matemática forma cidadãos, e conseqüentemente o professor é o
mediador da formação, faz-se necessário um estudo junto a esse(s) professor (es) para que haja um
parâmetro de como tais educadores estão respondendo ao processo de repensar a educação matemática
como meio de integração e busca pelo conhecimento sistematizado.
A construção do conhecimento é um processo que demanda trabalho profundo de pesquisa, pois é
necessário construir estratégias de verificação e comprovação de hipóteses, até alcançar o ponto no qual
desenvolva-se um espírito crítico capaz de favorecer a criatividade, a compreensão dos limites, o
sentimento de segurança em relação às suas próprias capacidades.
Referências BICUDO, Maria Aparecida V. (org)- Educação Matemática.São Paulo, Editora Moraes,sd.
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25
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WEREBE, Maria José Garcia. Grandezas e Misérias do Ensino no Brasil.3ª ed. Difusão Européia do Livro:
São Paulo, sd.
ANEXO 1
GOVERNO DO PARANÁ
SECRETARIA DO ESTADO DA EDUCAÇÃO
DEPARTAMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL - EQUIPE DE MATEMÁTICA
Assunto: DOCUMENTO I
Considerando a necessidade de subsidiar a Reunião Técnica e Encontros Descentralizados nos Municípios
que envolverá os professores de Matemática, no processo de elaboração das Diretrizes Curriculares "do
Estado do Paraná, bem como a sistematização das discussões feitas nos referidos Encontros,
encaminhamos as seguintes orientações:
1. TEXTOS QUE COMPÓEM O DOCUMENTO I
. Formação para a exclusão ou para a cidadania? ROCHA, tara Cristina Bazanda.
. Como ensinar matemática hoje? D'AMBROSIO, Beatriz.
. Alguns modos de ver e conceber o ensino da matemática no Brasil. FIORENTINI, Dario. .
2. QUESTÕES PARA O ENCONTRO DESCENTRALIZADO
a) Na sua opinião, como deve ser o perfil do professor de
Matemática da rede pública do Paraná?
b) O que é importante constar no documento das Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná?
c) Qual é o referencial teórico que você utiliza no seu planejamento?
d) Tendo como referencial as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, o Currículo
Básico, os textos que compõem o Documento 1 e outros referenciais teóricos que você conhece, aponte, no
26
máximo, cinco problemáticas que precisam ser. contempladas no processo de elaboração das Diretrizes
Curriculares do Estado do Paraná, na Disciplina de Matemática.
e) Descreva os. fundamentos teórico-metodológicos que caracterizam o ensino de Matemática, enfatizando
a relação professor/aluno, ensino/aprendizagem e avaliação.
3. REGISTRO- SÍNTESE DAS REFLEXÕES DO GRANDE GRUPO NOS MUNiCíPIOS
As questões discutidas nos municípios deverão ser sintetizadas pelo grande grupo e, em seguida, enviadas
em forma de relatório para o coordenador do NRE, juntamente com as respostas originais dos professores.
4. DOCUMENTO-SÍNTESE
O Documento-Síntese será elaborado pelo coordenador do NRE a partir do Registro-Síntese dos municípios
e enviado ao Departamento de Ensino Fundamental para elaboração do Documento preliminar das DCE.
ANEXO 2
27
ANEXO 3
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCACÃO SUPERINTENDÊNCIA DE EDUCAÇAO DEPARTAMENTO DE ENSINO FUNDAMENTAL EQUIPE DE MATEMÁTICA Assunto: roteiro de estudo do texto preliminar das Diretrizes Curriculares de Matemática.
Prezado(a) Professor(a):
Após diversos momentos de discussão que aconteceram em 2004 no Estado do Paranáestamos
encaminhando para estudos a versão preliminar das Diretrizes Curriculares de Matemática para o Ensino
Fundamental. Esses encontros de discussão aconteceram em vários momentos: reuniões de assessores
pedagógicos com professores representantes de seus pares, reuniões e grupos de estudos
descentralizados nos municípios, envolvendo professores das escolas públicas do Paraná.
Durante esse processo, variados textos serviram de subsídios para os professores.
Agora, você está recebendo a Proposta já sistematizada na versão preliminar, com suas contribuições,
reflexões teóricas, indagações e sugestões.
No início do ano letivo, sua escola estará envolvida refletindo a prática que desenvolve nas
diferentes áreas do conhecimento. Você estará, junto com seus colegas de área, refletindo e analisando a
Diretriz que aborda a concepção, encaminhamento metodológico e processo de avaliação.
Entendemos que é o momento de fazer leituras pontuais, atrelando a teoria com a prática que
acontece na escola, a metodologia aplicada ao seu planejamento, o processo de avaliação, o projeto
político pedagógico da escola, e os encaminhamentos explicitados nas Diretrizes Curriculares.
Como versão preliminar, esta proposta não está fechada, acabada. Portanto, ainda é possível
acrescentar o que foi relevante dentro da concepção defendida neste documento, que venha explicitar
melhor o trabalho do professor, pois uma Diretriz só tem sentido se, na escola, houver alterações nas
práticas que elevem o compromisso de toda a escola, com a educação.
Para que esse documento possa ser melhorado, estamos enviando alguns questões para reflexão,
que irão encaminhar os trabalhos na Semana Pedagógica.
QUESTÕES
1) Considerando o ensino de Matemática na sua escola, a sua formaça(f e suas dificuldades de se efetivar
um ensino, conforme o que se propõe no texto da diretriz curricular de Matemática, discuta com os
demais professores propostas de estudo para serem realizadas na hora-atividade e sugestões para
grupos de estudo.
2) Tendo em vista a elaboração do seu planejamento para 2005, a partir do que propõe a diretriz, discuta
com os demais professores os principais entraves que você vem encontrando para organizar
metodologicamente o ensino de Matemática organizado por eixos. Reflita com os colegas da área
28
possíveis formas para superar tais dificuldades.
3) Após a leitura do texto preliminar da diretriz, discuta com seus colegas o seu conteúdo e registre as
contribuições dadas pelo grupo para enriquecer esse texto.
4) A partir dos eixos (números, operações, medidas, geometria e tratamento da informação) propostos pelas
diretrizes curriculares de Matemática, eleja com seu grupo um conteúdo da disciplina, sistematize uma
sugestão de encaminhamento metodológico que favoreça a apropriação deste conteúdo pelos alunos e
registre:
o encaminhamento proposto.
os eixos que foram contemplados. a articulação teoria-prática.
29
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA A PARTIR DA HISTÓRIA DA MATEMÁTICA18
Bernadete Morey19
Iran Abreu Mendes20
Resumo: Este projeto pretende contribuir na formação continuada de professores de matemática através
do uso de textos de história da matemática como elemento de superação das dificuldades conceituais
encontradas por professores de matemática quando ministram suas aulas. Para isso, desenvolveremos
uma proposta de pedagógica que contribua na superação dessas dificuldades com relação aos tópicos
matemáticos ensinados por eles, no nível fundamental e médio, de modo a justificar as origens e os
porquês matemáticos dos conteúdos ensinados na escola.
Introdução
O principal eixo norteador desse estudo é a utilização da história da matemática como
desencadeador da aprendizagem na formação continuada de professores de matemática. A referida
formação será concretizada através da realização de cursos de extensão cujos atos pedagógicos centrar-
se-ão no uso de textos de história da matemática como um elemento reorganizador cognitivo da matemática
escolar ensinada por esses professores. Pretendemos, com esse trabalho, ampliar o foco de abordagem
pedagógica da história da matemática, já estabelecido por outros estudiosos sobre o tema tais como são
evidenciados nos trabalhos de Mendes (1997; 1998; 2001a; 2001b; 2001c); Fossa (2001); Mendes & Fossa
(1996; 1997); Miguel (1993; 1997); Fauvel e Maanen (2000), entre outros.
O presente estudo visa a investigação das possibilidades cognitivas evidenciadas a partir do uso de
textos de história da matemática na formação continuada de professores de matemática. Tomaremos, para
isso, a elaboração e utilização de textos de história da matemática como elemento de superação das
dificuldades encontradas por professores de matemática com relação aos conteúdos que ministram em
suas salas de aula. Pretendemos, com isso, elaborar e testar uma proposta de ensino de matemática que
contribua na melhoria do ensino-aprendizagem da matemática escolar no ensino fundamental e médio.
No decorrer da realização do estudo verificaremos as dificuldades cognitivas de um grupo de
professores de matemática com relação aos tópicos matemáticos ensinados por eles no nível fundamental e
médio. Isso será feito a partir de uma sondagem inicial que nos permita elaborar e propor uma ação
pedagógica centrada no uso da história da matemática como um reorganizador cognitivo capaz de justificar
as origens e os porquês matemáticos dos conteúdos ensinados na escola.
A perspectiva de formação continuada dos professores de matemática, certamente, contribuirá para
que eles desenvolvam suas atividades docentes junto a suas turmas, sob um enfoque mais investigativo e
problematizador da matemática escolar. Além disso, acreditamos que nesse exercício de (re)criação da
história da matemática será possível oportunizarmos aos professores uma reflexão acerca das estratégias
cognitivas criadas ao longo da história da humanidade para explicar e compreender os mesmos fatos
matemáticos praticados pela sociedade ou criados por ela. 18 Projeto apoiado pelo CNPq e pela UFRN 19 Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, [email protected] 20 Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, [email protected]
30
Resultados preliminares que justificam o estudo
A partir de um estudo exploratório realizado por Mendes e Fossa (1996), percebemos que os
professores de matemática atuantes, principalmente, no ensino fundamental e médio, evidenciam a
necessidade de um aprofundamento acerca do desenvolvimento histórico de vários tópicos da matemática
abordada nos dois níveis de ensino. Diante desse fato, realizamos durante dois anos (1996/1997), um
estudo com a finalidade de elaborar, testar e avaliar, junto a professores de matemática, uma proposta
pedagógica para o ensino de trigonometria plana apoiado em atividades históricas (Mendes, 1997; 2001a).
Os resultados obtidos no referido estudo garantiram a validade da proposta, de acordo com a avaliação
positiva feita pelos professores envolvidos na experiência. Além disso, percebemos a importância de
ampliarmos tal proposta, reelaborando-a e testando-a com os estudantes do ensino médio. Para que fosse
possível concretizarmos mais essa etapa, decidimos elaborar um módulo de atividades para introdução à
trigonometria plana e testá-lo sempre que fosse necessário, visando deixá-lo em condições de uso com
estudantes da 1ª série do ensino médio. Acreditamos, portanto, que é de suma importância para a formação
dos professores de matemática, o exercício de uma abordagem para a matemática escolar centrada na
utilização das informações históricas como reorganizador cognitivo dos conteúdos previstos para o ensino
fundamental e médio.
Objetivos do estudo
A nossa finalidade é, primeiramente, investigar a utilização da história da Matemática como
reorganizador cognitivo da matemática escolar na formação continuada de professores de matemática,
tendo em vista a superação das dificuldades conceituais desses professores. Em seguida, analisaremos a
importância cognitiva do exercício da pesquisa bibliográfica em história da matemática, como meio de
compreensão dos conteúdos matemáticos ministrados no ensino fundamental e médio. Por fim,
elaboraremos e testaremos uma proposta de utilização de textos de história da Matemática como acionador
cognitivo na geração de conceitos matemáticos a serem ensinados no ensino fundamental e médio.
Caminhos e etapas da pesquisa
Iniciaremos a pesquisa investigando as concepções, atitudes e experiências dos professores de
matemática com relação à matemática e seu ensino, bem como acerca das possibilidades de uso da
história da matemática no seu desenvolvimento conceitual sobre a matemática a ser ensinada aos
estudantes. Nessa fase do estudo, pretendemos abrir um ambiente de diálogo com os professores visando
localizar as descontinuidades conceituais decorrentes de sua formação licenciada (formação inicial), tendo
em vista a superação dessas dificuldades através de um processo de formação continuada no qual a
história da matemática se constituirá em um elemento acionador dessa formação.
Com base nas informações obtidas nos instrumentos aplicados, realizaremos uma análise
qualitativa da situação visando elaborar um plano de trabalho para a formação continuada dos professores
envolvidos no estudo. A partir da análise dos resultados dessa fase do estudo, selecionaremos os tópicos
matemáticos a serem abordados nos cursos que ofereceremos aos professores envolvidos na pesquisa.
Será realizado um levantamento da produção bibliográfica relacionada à história da matemática,
publicada em língua portuguesa, visando a elaboração de um catálogo sobre o tema, a organização de
textos didáticos para professores, bem como a elaboração dos módulos de atividades para uso em sala de
31
aula. O levantamento já vem sendo feito desde o ano 2001 e parte dele levantamento já foi mencionado em
Mendes (2001a, p. 75-80) como indicações de leitura para os professores de matemática. Esse material
bibliográfico servirá de fonte para a elaboração de pequenos textos históricos, atividades manipulativas e
problematizadoras a serem usadas em cursos de aperfeiçoamento a serem realizados com os professores
durante a sua formação continuada.
Com base nas informações históricas pesquisadas para a elaboração do catálogo, serão elaborados
três textos didáticos sobre história da matemática para serem utilizados durante a realização de cursos de
extensão voltados para a formação continuada dos professores envolvidos na pesquisa. Tais cursos terão a
finalidade de superar as dificuldades conceituais apontadas pelos professores no estudo exploratório que
realizaremos inicialmente.
A partir dos estudos bibliográficos sobre história dos conceitos matemáticos, relacionados à
organização do catálogo, serão organizados os três textos didáticos que subsidiarão a elaboração das
atividades de ensino a serem utilizadas em cursos de formação continuada dos professores.
A partir dos textos históricos produzidos e das pesquisas bibliográficas realizadas, elaboraremos
três módulos de atividades para ensino de matemática. Tais módulos de ensino estão baseados no uso de
informações históricas para o desenvolvimento de atividades manipulativas e probletizadoras que visem a
construção de significados para a matemática escolar. Tais materiais serão elaborados, testados e
avaliados em cursos oferecidos aos professores visando a sua reformulação sempre que for necessário.
A partir dos textos e das atividades elaboradas, será planejado executado e avaliado um curso de
extensão visando a formação continuada dos professores envolvidos no estudo. Além disso, o curso servirá
de parâmetro para que possamos avaliar o desenvolvimento da proposta lançada por nós, assim como será
tomado como uma referência para avaliarmos a superação das dificuldades conceituais dos professores
envolvidos no projeto.
Os cursos serão realizados nas dependências da UFRN, conforme cronograma a ser elaborado
posteriormente, de acordo com o andamento das fases anteriores da pesquisa. Serão realizados em três
etapas, com carga horária de 40 horas-aula cada etapa. Durante o intervalo entre essas etapas serão
realizadas três sessões de acompanhamento e reorientação pedagógica dos professores envolvidos, tendo
em vista a concretização da proposta presente em nosso projeto. Cada fase de acompanhamento e
reorientação terá carga horária de 20 horas, totalizando 60 horas-aula.
Os cursos serão avaliados através da análise das informações obtidas durante os três módulos,
bem como nas sessões de acompanhamento e reorientação pedagógica. Além disso, será solicitado a cada
professor envolvido, um relatório da sua prática docente, tendo em vista a verificação do grau de efetivação
da proposta e da superação das dificuldades conceituais desses professores.
Os resultados a serem obtidos em nosso trabalho serão extremamente importantes para
professores, estudantes do ensino fundamental e médio, bem como aos futuros professores de matemática,
além da comunidade de educadores matemáticos, em geral. Acreditamos que os textos a serem
elaborados, as atividades que comporão os módulos de ensino de matemática se constituirão nos
contributos do nosso estudo para que os professores possam avançar criativamente na sua prática de sala
de aula.
32
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33
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34
UMA REFLEXÃO SOBRE A PRESENÇA DA HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NOS LIVROS DIDÁTICOS – ALGUNS RESULTADOS
Maria Isabel Zanutto Bianchi 21
Mestrado em Ed. Matemática – UNESP – Rio Claro
Resumo: A reflexão sobre a presença da H.M. nos Livros Didáticos será realizada em coleções do
terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental. Em 1995 a H.M. nos Livros Didáticos foi analisada por
Vianna. Este trabalho foi o pioneiro e chegou a conclusões contrárias à realidade encontrada nos Livros
Didáticos nos dias de hoje. A presença da H.M. vem sendo inserida nos Livros Didáticos tanto para
acatar as indicações dos Parâmetros Curriculares Nacionais como para satisfazer as avaliações
realizadas pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), o atual programa que distribui e avalia
Livros Didáticos no Brasil. Mostra-se este movimento em torno da importância da H.M. como ferramenta
pedagógica juntamente com o alvoroço que causa os Parâmetros Curriculares Nacionais que
diretamente influencia os critérios do PNLD. Os livros analisados foram escolhidos por participarem das
três avaliações realizadas pelo PNLD para o terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental, utilizando
para algumas informações o Guia de Livros Didáticos, publicação que traz resultados das avaliações do
PNLD. Foram estabelecidas categorias próprias para a pesquisa com suas respectivas justificativas que
pretende discutir a forma como a H.M. vem sendo inserida nos Livros Didáticos.
A Pesquisa
A presente pesquisa visa verificar a presença da História da Matemática (H.M.) nos livros didáticos
dos terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental (5a a 8a série) a partir de 1998, período do início das
avaliações feitas pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) vinculado ao Ministério de Educação e
Cultura (MEC). O objetivo é investigar a forma como vem sendo abordada a H. M. nos Livros Didáticos ao
longo dos anos em que aconteceram as três avaliações do PNLD (1999, 2002 e 2005), percebendo um
movimento em torno da H. M., e em particular o promovido pelo lançamento e indicações dos Parâmetros
Curriculares Nacionais.
Há mais de uma década, vários grupos de pesquisa em História da Matemática foram instituídos e,
em 1999, foi fundada a Sociedade Brasileira de História da Matemática (SBHMat). Pretende-se mostrar a
consolidação desta linha de pesquisa no Brasil, e se a influência deste movimento reflete na forma da
presença da H.M. nos Livros Didáticos. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), em 1998, indicam a
História da Matemática como um recurso didático alternativo para o terceiro e quarto ciclos do Ensino
Fundamental, iniciando um processo de seguir as tendências nele contidas, como a H.M. O órgão atual
avaliador de Livros Didáticos, o PNLD, por influência do PCN, começou a avaliar a presença desta nos
Livros Didáticos. As editoras querem que os autores dos Livros Didáticos sigam os PCN objetivando ser
bem avaliado na avaliação do PNLD. Estes autores se “alimentam” da Institucionalização da História da
Matemática. Resumindo: O PCN indica a H.M., o PNLD consequentemente impulsiona sua inclusão e o
movimento em torno da História da Matemática “alimenta” os autores de Livros Didáticos.
21 Aluna regular do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da UNESP de Rio Claro, orientadora: Rosa Lúcia Sverzut
Baroni.
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O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) tem por objetivo adquirir e distribuir livros didáticos
para alunos da Rede Pública de Ensino. Estes livros são adquiridos após uma divulgação do resultado da
avaliação realizada pela Secretaria de Educação Fundamental do MEC, trienal.
Ao ser indicada pelos PCN e como item de avaliação do PNLD, a presença da H. M. nos livros
didáticos traz uma problemática: a sua forma de inserção. Alguns autores de Livros Didáticos, na tentativa
de acatar as diretrizes traçadas pela Secretaria de Educação Fundamental, incluem retalhos históricos no
desenvolvimento de seus textos, de maneira imprópria. Muitas vezes esta inserção se resume na
apresentação de biografias de alguns matemáticos, de datas ou curiosidades históricas, sem a devida
compreensão ou adequação desta abordagem, isto é, uma abordagem relacionada ao conceito a ser
ministrado, utilização de anedotas históricas para o entendimento do conteúdo ou o próprio conteúdo ser de
cunho histórico.
Fauvell e Maanen (2000) comentam sobre a importância da presença da H.M. como ferramenta
pedagógica e as dificuldades encontradas neste tipo de opção, os argumentos contra e a favor desta
inclusão, as formas em que a H. M. aparece no material didático e fontes utilizadas. Percebe-se que há uma
problemática envolvida na utilização da História da Matemática como recurso pedagógico. Os autores de
Livros Didáticos podem incorporar a História da Matemática em suas obras por saber que estas serão
avaliadas pelo PNLD e não porque realmente desejam e sabem introduzi-la da de forma adequada. Fatores
como este movimento atual em torno da H. M., as discussões acerca de sua importância como recurso
didático, os Livros Didáticos sendo avaliados pelo PNLD neste quesito são questões que impulsionaram o
desenvolvimento desta pesquisa.
Este trabalho é referente à dissertação que foi dividida em três capítulos correspondentes às
seguintes estruturas:
O primeiro capítulo faz-se referência à pesquisa, uma discussão acerca dos PCN, do PNLD, de
alguns procedimentos metodológicos adotados, da construção do objetivo, dos critérios de escolhas dos
Livros Didáticos a serem analisados, comentários acerca dos Livros Didáticos e dos principais trabalhos
relacionados com o tema desta pesquisa.
No segundo capítulo apresenta-se um possível movimento em torno da História da Matemática e a
importância da História da Matemática e seus recursos didáticos, focalizando principalmente autores como
Fauvell e Maanen (2000) e Miguel e Miorim (2004).
O terceiro traz a descrição dos dados da pesquisa e das categorias utilizadas e a análise dos Livros
Didáticos apontados abaixo:
BIGODE, A. J. L. Matemática Atual. 1994. 1. ed. São Paulo: Atual Editora e Matemática Hoje é
Feita Assim, 2002. 1. ed. São Paulo: FTD.
IMENES, L.M.P.; LELLIS, M. Matemática. 1997, 2001, 2004. 1.ed. São Paulo: Editora Scipione.
ONOGA, D. S.; MORI, I. Matemática: Idéias e Desafios. 2001. 10. Ed. São Paulo: Saraiva.
Os critérios de escolha estão estabelecidos no capítulo de procedimentos metodológicos.
A principal justificativa deste trabalho é a contraposição da idéia de Vianna (1995) com a da autora
desta pesquisa: (...) “em breve estaremos nos deparando com histórias e dissertações de mestrado onde se
analisará o abandono do uso da história da matemática por inócuo para a aprendizagem da Matemática.”
(VIANNA, 1995, p. 125). A primeira análise feita nos Livros Didáticos demonstra um aumento das inserções,
principalmente pela H.M. tornar-se item de avaliação do PNLD.
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Neste trabalho estarei detendo as atenções ao propósito da Pesquisa e alguns resultados da primeira
análise, das coleções dos autores Imenes e Lellis.
Descrição Das Categorias
Miguel e Miorim, (2004) destacam que
Com relação à presença de textos históricos que se propõem a fornecer ao aluno
informações históricas, presentes em muitos livros didáticos atuais brasileiros,
encontramos algumas diferenciações na forma como tais informações são
introduzidas bem como nos objetivos da introdução. (MIGUEL; MIORIM, 2004, p.
58).
Esta primeira análise é referente ao Livro Didático de Imenes e Lellis das edições para o PNLD de
1999 ao PNLD de 2005. Duas versões das coleções foram analisadas. De acordo com Imenes, a coleção
analisada em 1998 para ser lançada no Guia de Livros Didáticos de 1999, é a mesma coleção analisada e
descrita no Guia de 2002, salvo algumas pequenas correções em respostas de exercícios ou correções
conceituais. Portanto, ao invés de analisar doze livros, analisaram-se oito livros.
Este trabalho tem um antecessor que é o trabalho feito por Vianna (1995). A abordagem da
pesquisa é bem diferente, visto que além de analisar a presença da História ao longo de três avaliações
feitas pelo PNLD, isto é, em três momentos diferentes, muita coisa se fala a mais nesta época sobre a
História da Matemática do que em 1995, ano de término da pesquisa de Vianna. Apesar destas diferenças,
o trabalho de Vianna serviu primeiramente como uma base para esta análise.
Vianna (1995) procura mostrar como vinha sendo utilizada a História da Matemática nos Livros
didáticos, tomando como exemplo a coleção de livros didáticos de 5ª a 8ª série utilizada por vários
professores e adequando-se ao currículo básico do Estado do Paraná, já que o pesquisador reside no
estado. Além desta coleção, analisou duas coleções do terceiro grau e livros ditos paradidáticos.
Vianna (1995) fez um apanhado de todas as aparições de referências históricas que encontrou,
tanto em textos como em exercícios nos quatro volumes da coleção, fazendo as categorias dos livros do
Ensino Fundamental não coincidirem com as categorias do Terceiro Grau, já que a diferença de abordagem
tornaria impossível separar as aparições históricas nas mesmas categorias. Uma das conclusões de seu
trabalho é de que a H. M. encontrada é em pequena quantidade e tende a desaparecer. Outro comentário
feito pelo autor que é precisamente a justificativa deste trabalho é que chegou a conclusão, que por inócuo,
a presença da História da Matemática aos poucos iria desaparecer dos Livros Didáticos. Com todo este
alvoroço para adequar os Livros Didáticos aos PCN, a H.M. tem aumentado sua presença.
As categorias que Vianna (1995) estabeleceu e que a autora utilizou a priori foram:
1. História da Matemática como Motivação – Informação no início da Unidade. 2. História da Matemática como Informação – Informação no final da Unidade.
3. História da Matemática como Estratégia Didática – Utiliza-se a menção histórica para explicar
determinado conteúdo.
4. História da Matemática como parte integrante do desenvolvimento do conteúdo (Imbricado) –
Não há menções sobre a informação histórica, esta se “mistura” com o conteúdo, não podendo ser
separada do texto em que aparece a H.M.
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As categorias do trabalho de Vianna (1995) serviram de base para a primeira análise feita com os
dados em mãos e as categorias, por ser um trabalho pioneiro no assunto História da Matemática e Livros
Didáticos.
OBS: Não se exclui a utilização de duas categorias ou a inclusão de novas.
O resultado das separações das inserções encontradas no Livro do Imenes e Lellis, utilizando as
categorias definidas por Vianna (1995), não foi aceitável. A insatisfação veio tanto do fato de inserções
históricas presentes nas atividades e no conteúdo, não terem sido separadas quanto pela forma em que
foram definidas, pois foram nomeadas pelo local em que apareciam. Também a certeza de que as
categorias devem corresponder ao objetivo da pesquisa, ela deveria mostrar as diversas formas em que
apareceram a H.M. estas não serem suficientes para evidenciar o presente trabalho, resolveu-se estipular
novas categorias, formuladas para a necessidade da pesquisa.
O primeiro objetivo é separar aparições de H. M. no desenvolvimento do conteúdo, das menções
que aparecem nos exercícios (atividades). Ao separá-las, construir uma visão mais específica e
aprofundada das formas nas quais aparecem. Por exemplo, na coleção do Imenes e Lellis muitas vezes as
informações no interior de conteúdos não eram motivação (para Vianna as presenças da H.M. no início da
Unidade é considerada de motivação) e nem informações adicionais. Outro ponto foram as questões
contidas com o objetivo de testar conhecimentos sobre a própria História da Matemática, como questões
sobre um texto histórico contido na Unidade em questão do Livro Didático não obteria uma categoria
específica, surgindo então a necessidade de separarem-se todos os tipos de presenças dentro dos
exercícios (atividades).
Categorias para a História da Matemática presente na Parte Teórica:
Informação Geral; Informação Adicional; Estratégia Didática; Flash
Categorias para a História da Matemática presente nas Atividades:
Informação Estratégia Didática Questionamento sobre a História da Matemática
As categorias descritas abaixo se encontram na Parte Teórica:
A categoria Informação Geral traz a H. M. sob várias formas. Informam sobre acontecimentos,
datas, biografias de matemáticos ou pequenas anedotas. Podem aparecer no início ou no interior
do conteúdo, sendo importante ressaltar que o assunto em questão será ainda abordado no
decorrer da explanação do tópico.
As menções históricas contidas na categoria Informação Adicional estão presentes geralmente no
final dos capítulos, em forma de apêndices e nenhum trabalho embasado nestas informações é
proposto. Não colaboram com o entendimento do conteúdo.
Já na Estratégia Didática são utilizadas as menções históricas como um recurso para o
entendimento do conteúdo matemático a ser desenvolvido no Livro Didático e este objeto histórico
faz com que se entenda um desenvolvimento de conteúdo a ser discutido. Por exemplo, relacionar a
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circunferência com seu diâmetro utilizando um barbante. Utilizando a História da Matemática neste
contexto verificam-se progressos no entendimento do texto onde esta foi abordada.
O Flash de inserção de H.M. aparece de forma sutil e não é mencionada qualquer nota sobre esta
presença. Em meio a problemas e textos, insere-se discretamente alguma informação histórica.
São citações vagas e podem estar dentro de uma frase ou uma vaga citação sobre uma data ou a
menção sobre “Matemáticos”, por exemplo. É parte do que Vianna denominou como Uso imbricado,
porém esta denominação foi definida para quando a presença da H.M. se mistura ao conteúdo,
impedindo a separação desta menção histórica da própria parte teórica.
As categorias para a História da Matemática presente nas Atividades são: Informação: Atividade ou questão matemática na qual apresenta uma informação sobre a História
da Matemática e em seguida surge uma tarefa com objetivos da aprendizagem da Matemática.
Estratégia Didática: é a forma de inserir uma menção histórica na questão e aproveitá-lo para
cobrar algum outro conteúdo matemático.
Questionamento sobre a História da Matemática: Atividade ou exercício em que se cobra o
conteúdo de História da Matemática, geralmente vem em seguida de um texto que trata assunto da
História da Matemática.
Há casos nos quais se obtém mais de uma categoria, pode, por exemplo, ser um tipo de presença
da H. M. com informação geral e também ter o objetivo da estratégia didática.
Descrição dos Dados
Apresentam-se aqui, tabelas construídas pela autora, em que são apontadas páginas nas quais
foram encontradas discussões acerca da H. M. nos Livros Didáticos. Foram utilizadas duas edições (1997 e
2002) analisadas do Livro de Imenes e Lellis, separadas pelas categorias aqui estipuladas.
Tabela 1: Relação das páginas dos Livros Didáticos da 5ª série “Matemática” (1999) e “Matemática para
todos” (2005), de Imenes e Lellis, em que se encontram inserções da História da Matemática na Parte
Teórica e nas Atividades.
Parte Teórica Livro da 5ª série avaliado no PNLD 1999 (Pág.)
Livro da 5ª série avaliado no PNLD 2005 (Pág.)
Informação Geral 126 a 127 27, 59, 106
Informação Adicional 57 156 a 158, 197 a 198, 233
a 234.
Estratégia didática 126 a 127 106
Flash
Atividades Livro da 5ª série avaliado no PNLD 1999 (Pág.)
Livro da 5ª série avaliado no PNLD 2005 (Pág.)
Informação 29, 30
Estratégia didática
História da Matemática 128 108, 109
39
FONTE: Tabela elaborada pela autora, de acordo com as presenças contidas nos Livros Didáticos citados.
Tabela 2: Relação das páginas dos Livros Didáticos da 6ª série “Matemática” (1999) e “Matemática para
todos” (2005), de Imenes e Lellis, em que se encontram inserções da História da Matemática na Parte Teórica e nas Atividades.
FONTE: Tabela elaborada pela autora, de acordo com as presenças contidas nos Livros Didáticos citados. EXEMPLOS DOS DADOS, SEPARADOS PELAS CATEGORIAS Exemplo 1 - Informação Geral - 8ª série – PNLD 2005
(...) Só temos a contar mais uma coisinha: a fórmula de Bháskara, curiosamente, não foi deduzida
por Bháskara.
Exemplo 2 - Informação Geral – Estratégia Didática - 7ª série – PNLD 2005
Parte Teórica Livro da 6ª série avaliado no PNLD 1999 (Pág.)
Livro da 6ª série avaliado no PNLD 2005 (Pág.)
Informação Geral 7 a 8, 14, 183 a 185, 205 a
206.
6 a 8, 11, 15, 28 a 30, 91,
141 a 142, 173 e 227 a 228.
Informação Adicional 20 a 21, 61 a 62, 76 a 77, 95
a 96, 186 a 187, 239 a 240.
Estratégia didática 07 a 08, 183 a 185 6 a 8, 28 a 30
Flash 120 51
Atividades Livro da 6ª série avaliado no PNLD 1999 (Pág.)
Livro da 6ª série avaliado no PNLD 2005 (Pág.)
Informação 14, 185, 206 a 207 32, 228
Estratégia didática 143
História da Matemática 9 a 11, 206 8 a 10, 12, 143, 228
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CIRCUNFERÊNCIA:
A carne do peixe se deteriora com muita facilidade. Por isso, é preciso manter os peixes sob
refrigeração tão logo são pescados. Mas o que deve ser feito quando não há geladeira? Há muitos séculos,
os pescadores de Moçambique empregam a defumação para conservar o pescado. Eles fazem uma
fogueira na praia e espetam cada peixe em uma vara fincada na areia. O fogo desidrata os peixes que,
assim, demoram mais a se estragar. Se as varinhas fossem espetadas muito perto do fogo, os peixes
torrariam. Se ficassem muito distantes, o calor seria insuficiente para secá-los. Para que isso não aconteça,
é preciso dispor os peixes de modo que o calor os desidrate igualmente.
Os pescadores resolvem esse problema usando um cordão e dois pedaços de pau. Cravando uma das
estacas no chão e mantendo o cordão sempre esticado, desenham uma circunferência na areia. Depois,
fazem uma fogueira no centro, no local onde se fincou a estaca, e espetam as varas com peixes sobre a
curva desenhada. Assim, todos os peixes secam por igual. Dá para perceber o porquê, não é?
Repare que o tamanho da circunferência traçada pelos pescadores depende do comprimento do cordão.
Em matemática, esse comprimento corresponde ao raio da circunferência.O raio determina o tamanho da
circunferência.(...)
41
Exemplo 3 - Flash - 6ª série – PNLD 1999
DECOMPOSIÇÃO EM FATORES PRIMOS
Os números primos foram descobertos há muito tempo, mas até hoje os matemáticos
descobrem fatos interessantes sobre eles.
Exemplo 4 - Questão com informação - 6ª série – PNLD 2005
Os pescadores de Moçambique desenharam na areia uma circunferência de 3m de raio, na
qual fincaram as estacas para secar os peixes. Vamos fazer de conta que os peixes são pontos dessa
circunferência e que o centro dela representa a fogueira.
a) Qual a distância de cada peixe à fogueira?
b) Quanto mede o diâmetro dessa circunferência?
c) A distância entre dois desses peixes pode ser de 5 m? Pode ser de 7 m?
d) Qual é a maior distância possível entre dois desses peixes?
Exemplo 5 - Questão com Estratégia Didática - 7ª série – PNLD 2005
Albrecht Dürer, um artista alemão do Renascimento, explorou bastante a relação da matemática com a
arte. Veja a gravura, que ele chamou Melancolia. Observe a régua, o compasso, a esfera, o poliedro e o
quadrado mágico.
Num de seus livros, ele apresentou construções geométricas para as letras:
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Agora propomos duas tarefas e você escolhe uma delas: Escreva seu nome em uma folha de papel
quadriculado, desenhando as letras grandes e mantendo o estilo criado por
Dürer.
Se você preferir, crie um estilo próprio de letras, mostrando geometricamente, em papel quadriculado,
como construir as letras de seu nome.
Exemplo 6 - Questão sobre a História da Matemática - 5ª série – PNLD 2005
PROBLEMAS E EXERCÍCIOS PARA CASA
Responda:
a) Em que época surgiu as frações?
b) Para que elas foram inventadas?
Considerações Finais Os autores analisados nesta pesquisa até o momento parecem preocupados com a forma da
presença da H.M. nos Livros Didáticos. Há uma diversidade de formas e propósitos. A hipótese
deste trabalho não está sendo confirmada, pois se pensava que a H.M. vinha sendo inserida sem a
devida preocupação.
Há um aumento das inserções de H. M. nos Livros Didáticos. Comparando a primeira coleção
avaliada pelo PNLD de 1999 com a coleção do PNLD 2005, percebe-se um aumento das inserções.
Não foi demonstrado neste trabalho, porém pode-se afirmar que há um movimento em torno da H.
M. como ferramenta pedagógica que se intensificou nos últimos anos.
43
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA: UM ESTUDO EM ESCOLAS TÉCNICAS AGRÍCOLAS PAULISTAS
Maria Ednéia Martins22
Antonio Vicente Marafioti Garnica (orientador)23
Resumo: Este artigo pretende apresentar uma pesquisa que vem sendo desenvolvida junto ao Programa
de Pós Graduação em Educação Matemática da Unesp, Rio Claro/SP. Utilizando a metodologia de
pesquisa História Oral, a partir de conversas com professores de Matemática que atuaram em escolas
técnicas agrícolas paulistas, nas décadas de 1950 e 1960 (ou anteriores), buscamos constituir uma história
de sua formação em Matemática, suas formas de atuação e especificidades dessas escolas. Com tal
pesquisa busca-se, também, trazer para o âmbito acadêmico discussões referentes a essa modalidade de
ensino, inserindo o discurso destes professores na História da Educação Matemática Brasileira.
Introdução Este trabalho é um desdobramento de pesquisa realizada em nível de iniciação científica24, durante
os anos de 2002 e 2003, apoiada pela FAPESP – Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São
Paulo. Com tal pesquisa, com o que julgamos ser seus acertos, lacunas, potencialidades e limitações,
surgiu a possibilidade de investigar a constituição das Escolas Agrícolas Paulistas. Tal interesse deu-se
devido às referências que os professores depoentes na pesquisa de Iniciação Científica fizeram em relação
ao “ensino típico rural”, que era por eles entendido como mais bem estruturado e ministrado por professores
com formação específica. Assim, surge no cenário a possibilidade de focar, em nova pesquisa, a formação
dos professores de Matemática das escolas agrícolas e sua especificidade, o campo de atuação de seus
professores, suas práticas, o público ao qual se destinava o ensino agrícola (uma vez que a pesquisa
anterior apontou-nos que a maioria dos alunos rurais não continuava os estudos para além do primário);
qual matemática era desenvolvida com alunos de um curso técnico cujo objetivo era prática agrícola etc.
Para implementar essa possibilidade, estabelecemos, ainda em 2003, contatos informais, por
telefone, com professores e funcionários de algumas das escolas agrícolas localizadas nos municípios de
Jaú, Cabrália Paulista e São Manoel, e percebemos que elas não se destinaram, como a escola básica, a
atender a população local. Atendiam (e atendem) alunos de toda a região do município e até mesmo de
outros estados.
As primeiras escolas agrícolas brasileiras foram implantadas regularmente no século XIX. A “Lei
Orgânica do Ensino Agrícola”, a primeira que regulamentou o ensino de nível médio agrícola, foi
estabelecida através do Decreto-Lei 9.613, de 20/08/46. No entanto, as alterações não se deram apenas
em relação ao ensino técnico, o sistema educacional brasileiro, como um todo, passou por diversas
reestruturações. A promulgação da primeira LDB – Leis de Diretrizes e Bases de Educação Nacional, Lei
4024/61 que trata sobre a estruturação e o funcionamento do ensino em quatro graus, estabeleceu os
22Mestranda no Programa de Pós Graduação em Educação Matemática da Unesp, Rio Claro, S.P. [email protected]. 23 Professor Doutor do Departamento de Matemática da Unesp, Bauru e do Programa de Pós Graduação em Educação Matemática da
Unesp, Rio Claro. [email protected]. 24 Resgate Histórico da Formação e Atuação de Professores de Escolas Rurais: um estudo no oeste paulista.
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níveis: Primário composto por quatro anos; Secundário ou Ginásio com quatro séries num total de quatro
anos; Colégio com três anos; e Superior. Com essa lei, o ensino agrícola passou a ser ministrado em dois
níveis: o ginasial agrícola e o colégio agrícola. É nesse período também que o MEC (Ministério de
Educação e Cultura) implanta o sistema escola-fazenda, cujo princípio era “aprender a fazer, fazendo”. Em
1971 a lei 5.692 altera a 4024/61, mas não a revoga, reestruturando o funcionamento do ensino em três
graus: 1º grau que foi a fusão do Primário com o Secundário em séries, num total de oito anos; 2º grau com
três anos; e Superior. Com esta reestruturação na legislação pretendeu tornar profissionalizante o 2º grau, a
qual dá base para uma regulamentação da profissionalização compulsória neste nível de ensino. Ainda na
década de 1970 foi criado a Coagri - Coordenadoria Nacional do Ensino Agropecuário - órgão do MEC que
tinha como objetivo assistir financeira e tecnicamente os estabelecimentos especializados em ensino
agrícola.
Na bibliografia inicialmente consultada identificamos a existência de vários programas do governo a
fim de desenvolver a escola rural, com foco no desenvolvimento agrícola, inclusive com programas
específicos em alguns estados brasileiros. De acordo com LEITE (2000, 36): “No início da década de 1950,
destacam-se, no desenvolver das atividades educacionais para as populações rurais, a criação da
Campanha Nacional de Educação Rural (CNER) e do Serviço Social Rural (SSR.)”. LEITE (2000) aborda,
também, a “Aliança para o Progresso” que foi um programa assistencial visando a atender as carências
rurais e urbanas no governo de John F. Kennedy firmado entre Brasil e Estado Unidos. Ao mesmo tempo,
foram desenvolvidos programas como a SUDENE, SUDESUL, INBRA, INDA e INCRA – programas setoriais
que buscavam conter o expansionismo dos movimentos agrários e das lutas camponesas. Na década de
1960 o governo também assinou acordo com a AID (Agency for International Development) tendo entre
seus objetivos a ampliação do currículo da escola para o desenvolvimento econômico produtivo, em
especial a profissionalização dos jovens brasileiros. Em 1966, o Ministério da Agricultura-CONTAP-USAID
também celebraram acordo que se destinava ao treinamento técnico e orientação vocacional na zona rural,
que foi ampliado e reforçado em 1967. A idéia do ensino técnico-profissionalizante foi incorporada à LDB –
Lei 5.692/71. Ainda na década de 1960 foi promulgado o Estatuto do Trabalhador Rural – lei 4.214 de 2 de
março de 1963, que segundo com Prado Júnior (2000) foi estabelecido a partir de pouca discussão a
respeito do corpo do estatuto, levando o legislador a uma tentativa de adequação da legislação do
trabalhador urbano para o rural, desconsiderando suas especificidades.
Daniel Bertaux (1979) já na introdução de seu texto Destinos Pessoais e Estrutura de Classe25,
nos dá indícios para interpretar obstáculos e impedimentos que, de tão comuns, acabam por configurar o
universo das escolas rurais. Trata-se do discurso da igualdade de oportunidades, um discurso que, segundo
o autor, sustenta um projeto social:
O projeto social daqueles que denunciam as desigualdades é um projeto de
moralização da sociedade capitalista: é um projeto reformista que se apresenta
como um projeto progressista mas está, desde o início, condenado à impotência.
[...] A idéia de desigualdade de oportunidades escolares é a expressão direta da
ideologia meritocrática que assim se pode resumir: uma sociedade justa é uma
sociedade que dá, a todos os seus filhos, oportunidades iguais – desde o ponto de
25 BERTAUX, Daniel. Destinos Pessoais e estrutura de classe: para uma crítica da antroponomia política. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1979.
45
partida. No ponto de chegada, pois bem, que ganhem os melhores! (E azar dos
vencidos). Essa forma ideológica está profundamente enraizada no aparelho
escolar e no ‘igualitarismo pequeno-burguês’. [...] Ao enfatizar a desigualdade de
oportunidades, a idéia meritocrática desvia a atenção do que é essencial: as
diferenças estruturais de condição, tais como resultam da estrutura de classe. [...]
Ou a igualdade de oportunidades traz consigo a igualdade de condições; ou então
– o que é muito mais provável – a desigualdade de condições, a curto prazo, leva
à desigualdade de oportunidades. (BERTAUX, 1979, p. 44-45).
Bertaux (1979) chama atenção de que estamos em uma ordem social na qual a identidade social é
conferida pela profissão, e no caso dessa pesquisa, as formas de relação de trabalho que se estabelecem
no campo, incluindo as relações com os técnicos agrícolas, caracterizarão as diferentes categorias de
profissionais rurais e, conseqüentemente, sua identidade social e econômica. Estas instituições de ensino, segundo julgamos, são importantes objetos de investigação a respeito
da História da Educação Matemática assim como para compreensão dos papéis que desempenharam na
história educacional do país. Considerando toda a complexidade das relações educacionais e de trabalho
na zona rural, esta proposta de pesquisa tem significativa importância, num contexto que pouco tem sido
explorado por pesquisadores, em especial com enfoque da Educação Matemática.
Com o desenvolvimento dessa investigação, além de trazer à tona um sistema de ensino pouco
pesquisado e que, ainda hoje, integra o sistema educacional, possibilita, com o uso de recursos
metodológicos da História Oral, o resgate de informações que estão apenas na memória daqueles que o
vivenciaram em um determinado período, sem que essas memórias ficassem registradas nos documentos
escritos. A intenção é dialogarmos com professores da disciplina Matemática que atuaram nesses núcleos
de ensino agrícola, em período anterior a 1970. O diálogo com professores de Matemática que atuaram
nessas instituições de ensino é fundamental para uma compreensão do desenvolvimento da disciplina
Matemática, nesse sistema de ensino técnico específico, focalizando o ensino e desenvolvimento dessa
disciplina nesses núcleos de ensino.
Nossas primeiras leituras sobre o tema foram suficientes para levantarmos as cinco escolas
agrícolas mais antigas do estado de São Paulo: as implantadas nos municípios de Piracicaba (em 1895),
atual ESALQ - Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”; Espírito Santo do Pinhal (em 1935), atual
ETE26 Dr. Carolino da Motta e Silva; Jacareí (em 1935), atual ETE Cônego José Bento; São Manuel (em
1939), atual ETE Dona Sebastiana de Barros; Presidente Prudente (em 1942), atual ETE Prof. Dr. Antônio
E. de Toledo. Os primeiros contatos e levantamentos visando levantar nomes de possíveis professores de
matemática que lecionaram nessas escolas, em particular nestas mais antigas, têm sido feitos através de
telefonemas, troca de mensagens eletrônica e visita a páginas virtuais e às sedes destas escolas.
Atualmente, a maioria das escolas técnicas agrícolas do estado de São Paulo está integrada ao
CEETPS – Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, órgão vinculado a UNESP –
Universidade Estadual Paulista. Algumas das escolas já não oferecerem mais o curso técnico agrícola,
sendo a do município de Espírito Santo do Pinhal está sem o oferecimento deste curso desde 2004, e a
implantada em Piracicaba, desde a década de 1930 foi transformada em nível superior e, em 1934, foi
incorporada à USP – Universidade do Estado de São Paulo.
26 Escola Técnica Estadual.
46
Os levantamentos e contatos iniciais confirmam a viabilidade de estudar o sistema de ensino técnico
agrícola em um “passado recente”, suas relações com as questões sociais e políticas do período e a forma
como uma disciplina específica (Matemática) era desenvolvida, uma vez que esta disciplina também passa,
nesse período, por diversas transformações como, por exemplo, aquelas que se originaram com o
Movimento da Matemática Moderna e aquelas do próprio sistema de ensino, reestruturado na década de
1970 para atender à Lei 5.692.
Essas diversas ocorrências no período vão configurando uma complexidade pela qual o sistema de
ensino agrícola também passou. A pretensão de abordarmos essas décadas em nossos estudos está
também em consonância com outras pesquisas desenvolvidas ou em desenvolvimento por membros do
grupo de pesquisa “História Oral e Educação Matemática”, o que permitirá um possível diálogo entre esses
trabalhos.
O desenvolvimento de pesquisas utilizando a História Oral é relativamente recente em Educação
Matemática. A História Oral não é meramente um recurso para preenchimento de lacunas em trabalhos que
utilizaram outras fontes, mas sim elemento vital para a constituição de outras versões dessa história. Gattaz
(1996) chama a atenção quanto à diferenciação entre aqueles que optam por uma abordagem em História
Oral e os que a utilizam apenas por falta de outras fontes.
Dentre pesquisadores que vêm realizando pesquisas e estudos em Educação Matemática,
utilizando-se da História Oral, destacam-se alguns procedimentos como os que seguem (ainda que
estabelecidos, pela comunidade de especialistas no tema, não de forma rígida e não necessariamente
nesta ordem): seleção dos depoentes, elaboração de um roteiro para entrevistas, entrevistas gravadas e/ou
filmadas, transcrição das entrevistas, textualização, conferências e assinatura de carta de aceite pelos
depoentes. As análises – seus fundamentos mais pormenorizados e seus procedimentos – são objeto da
própria pesquisa e, portanto, parte do trabalho a ser desenvolvido fica reservado a essa finalidade.
Referências BERTAUX, Daniel. Destinos Pessoais e estrutura de classe: para uma crítica da antroponomia política.
Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979, p.15-48.
GATTAZ, A.C. Pensando a História Oral. In: ______. Braços da Resistência: uma história oral da
emigração espanhola. São Paulo: Xamã, 1996.
LEITE, Sérgio Celani. Escola rural: urbanização e políticas públicas educacionais. São Paulo, 2002.
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47
O (NÃO) USO DE JOGOS NO ENSINO DA MATEMÁTICA: HISTÓRIA DAS PRÁTICAS DOS PROFESSORES
Susane Fernandes de Abreu Teixeira
Mestranda em Educação – Universidade de São Paulo
Antônio Carlos Brolezzi - Orientador
Resumo: O presente trabalho surgiu de nossa experiência prática enquanto educadora e da busca de
situações significativas da aprendizagem da Matemática. A busca de novas estratégias para o ensino da
matemática tem influenciado discussões no âmbito da Educação Matemática devido a uma necessidade de
adequar o trabalho escolar a uma nova realidade. Embora a recomendação do uso de recursos didáticos
seja feita em quase todas as propostas curriculares, na prática nem sempre há clareza sobre o papel
desses instrumentos no processo de ensino. Em contrapartida a esta situação, encontramos os jogos como
um instrumento mediador para promover esta aprendizagem. Pretende-se identificar o posicionamento do
educador a respeito da prática de ensino com jogos, bem como possíveis dificuldades de formação deste
profissional. Dentro dessa questão, procuraremos situar o uso (ou não) uso de jogos no ensino da
Matemática a partir da história das práticas dos professores, buscando identificar como este objeto cultural
vem sendo utilizado pelos professores nos diferentes espaços escolares em diferentes períodos.
Palavras-Chave: Educação Matemática, História, Práticas, Jogos.
Objeto e problema da pesquisa
A busca de novas estratégias para o ensino da matemática tem influenciado discussões no âmbito
da Educação Matemática devido a uma necessidade de adequar o trabalho escolar a uma nova realidade.
Embora a recomendação do uso de recursos didáticos seja feita em quase todas as propostas curriculares,
na prática nem sempre há clareza sobre o papel desses instrumentos no processo de ensino.
Em contrapartida a esta situação, encontramos os jogos como um dos instrumentos mediadores
para promover esta aprendizagem. Os jogos constituem uma forma interessante de propor problemas,
permitindo que estes sejam apresentados de modo atrativo, favorecendo a criatividade na elaboração de
estratégias de resolução e busca de soluções. Também podem contribuir para a construção de uma atitude
positiva perante os erros, uma vez que as situações sucedem-se rapidamente e podem ser corrigidas de
forma natural no decorrer da ação sem deixar marcas negativas. A expansão dos jogos na área da educação ocorreu no início do século XIX quando houve um
esforço em colocarem-se em prática princípios de Rosseau, Pestalozzi e Fröebel. Mas foi com Fröebel que
o jogo, entendido como objeto e ação de brincar, caracterizado pela liberdade e espontaneidade, passou a
fazer parte da história da educação infantil.
Entretanto, apesar dos estudos indicarem uma forte ligação entre o jogo e a aprendizagem, há
ainda muitas divergências em relação à utilização deste recurso didático por parte das pessoas que estão
diretamente ligadas à formação das crianças.
48
Pesquisadores do Laboratoire de Recherche sur le Jeu et lê Jouet, da Université Paris – Nord, como
Gilles Brougére começaram a desatar o nó deste conglomerado de significados atribuídos ao termo jogo ao
apontar três níveis de diferenciações: o jogo como um resultado de um sistema lingüístico, um sistema de
regras; e um objeto.
Neste trabalho, partiremos do jogo como o resultado de um sistema lingüístico que funciona dentro
de um contexto social.
Assumir que cada contexto cria sua concepção de jogo não pode ser visto de modo simplista, como
mera ação de nomear. Empregar um termo não é um ato solitário. Subentende todo um grupo social que o
compreende, fala e pensa da mesma forma. Toda denominação pressupõe um quadro sócio-cultural
transmitido pela linguagem e aplicado ao real.
Enfim, cada contexto social constrói uma imagem de jogo conforme seus valores e modo de vida,
que se expressa por meio da linguagem.
Na perspectiva da Nova História das Ciências para a escrita do trajeto histórico seguido pelo ensino
de matemática no Brasil, temos por objetivo investigar o uso (ou não) de jogos nas práticas dos professores
de matemática.
Embora não ocupe a parte principal deste estudo, abordaremos o papel da linguagem na
construção do Conhecimento. Além da influência da linguagem e a importância do jogo como instrumento
cognitivo em temas específicos, no caso, a Matemática, acabaremos por considerar concepções de
Conhecimento e Educação, em sua natural articulação como as ações docentes. Isso resultará,
acreditamos, em interessantes contribuições para a discussão de temas amplos da Educação, como
podemos destacar as políticas públicas que possibilitam (ou não) uma abordagem do ensino de matemática
que leve em conta esses objetivos.
Justificativa
Os jogos lingüísticos e os universos de discurso que apreendemos assentam-se em necessidades e
desejos ou, em outras palavras, em valores. Contemplamos as coisas sob certos prismas e com
determinados objetivos. Criamos a linguagem para nossas necessidades e propósitos. A própria instituição
educacional está posta a partir de certas concepções sobre sentidos do trabalho e da diversão, envolvendo,
portanto, uma perspectiva acerca do valor do jogo como distração ou instrumento mediador de
aprendizagem. Educação e jogo estão ligados nessas concepções.
O primeiro vínculo entre educação e jogo, da mesma natureza que entre trabalho e jogo, segundo
Aristóteles e depois Tomás de Aquino, é o do relaxamento. É a primeira inscrição do jogo no espaço
educativo através da recreação, e essa relação subsiste ainda hoje. O jogo é o momento do tempo escolar
que não é consagrado à educação, mas ao repouso necessário antes da retomada do trabalho.
Se o jogo é necessário, está longe de ser valorizado como componente educacional em tal
pensamento. Ele delimita em relação ao trabalho o espaço do relaxamento necessário. Não deve ser
buscado por si mesmo, mas unicamente por seus efeitos sobre a atividade séria. O jogo surge como o
próprio paradigma do não-sério na medida em que não podemos ser sempre sérios.
Os usos da linguagem procuraram resolver ou dar respostas ao paradoxo do jogo. No século XX
surge a noção de jogo educativo, fazendo do jogo o meio de educar a criança. Aos exercícios recreativos
substitui-se a expressão “jogo educativo”. Nota-se que a solução proposta é, sobretudo da ordem do
vocabulário.
49
A expressão jogo educativo aparece como uma “boa solução” para resolver os múltiplos problemas
colocados, tanto pelo primado do jogo quanto por sua recusa. Ao incorporar algumas das características do
jogo educativo a escola cria a modalidade do jogo destinada a estimular o interesse, a descoberta e a
reflexão.
Porém, entre a teoria e a prática existe um conjunto de agentes complicadores enraizados em
nossos sistemas de ensino, e diante desta realidade, o professor considera-se como parte do problema,
pois não basta prover apenas de recursos pedagógicos.
Há concepções acerca da matemática e de seu ensino que parecem já consensuais na Educação
Matemática enquanto um campo de estudo e pesquisa. As técnicas de aprendizagem no ensino da
matemática enfatizaram a memorização de algoritmos e o emprego de modelos facilitadores, principalmente
na Matemática Moderna. A repetição deste quadro desestimulado e carente de desafios pode gerar um
sentimento generalizado de tédio e aborrecimento. Mesmo que sobre isso exista essa espécie de consenso
indicando que o ensino de matemática “deveria ser” aplicado nas escolas de forma atraente para os alunos,
esse ideal pode não acontecer na realidade das práticas dos professores.
Como o professor de matemática ensina? O professor que discorda de crenças mais tradicionais
sobre a matemática e o seu processo de ensino consegue, na sua prática pedagógica, implementar jogos
como instrumento mediador de ensino? Como os jogos estão inseridos nos livros didáticos? Esses livros
foram de fato utilizados nessa função, de incentivar o uso de jogos, ou na prática os livros didáticos têm
menos influência do que seria de se esperar?
Especificamente em relação ao uso dos livros didáticos, pesquisas recentes têm mostrado que o
estudo da prática deve ser colocado como central para a compreensão da forma como as concepções
acerca da própria Matemática e do seu ensino, mesmo incorporadas nos livros didáticos, alcançam
resultados.
Belhoste (1998) ressalta que tradicionalmente os historiadores consideram a comunicação, a
transmissão e a vulgarização do saber matemático como atividades secundárias e periféricas. Essa
concepção esconde, segundo o autor, a idéia de que a produção matemática pode ser comparada a
priori pelo historiador das condições de sua reprodução. A nova historiografia rejeita essa
concepção e considera que a reprodução é parte integrante da atividade de produção/invenção do
saber matemático. Assim, a pesquisa sobre o ensino, sobre a história da transmissão do saber
matemático, à luz da nova historiografia, refere-se a uma dimensão fundamental da própria
produção do saber matemático.27
Ou seja, historicamente, é no estudo das formas de reprodução, como, por exemplo, na forma de
utilização dos livros didáticos, é que podemos apreender como os professores de fato puderam ou se
sentiram incentivados a realmente fazer uso de jogos nas aulas de Matemática. Para essa pesquisa, é
preciso, portanto, recorrer a outras categorias de fontes que a própria história tem passado a valorizar.
O otimismo demonstrado pelos historiadores da educação, quanto às inovações pelas quais o
campo disciplinar vem passando nos últimos anos, tem sido acompanhado por uma ampliação das
fontes produzidas e mobilizadas pelos pesquisadores. Há uma unanimidade quanto a isto em todos
os balanços realizados no final dos anos 1990. Aponta-se a continuidade de utilização de fontes
tradicionalmente manipuladas pelos historiadores da educação, tais como a legislação e os 27 VALENTE WAGNER. (2002). História da Educação Matemática no Brasil, 1920-1960. Disponível em:
<http://www.fapesp.br/agencia/boletim> Acesso em 16.Fev.2003.
50
relatórios oficiais, ao mesmo tempo em que se saúda, com muito bons olhos, a utilização de outros
ainda não tão comuns ao meio: memórias e autobiografias, imagens, sobretudo fotografias, revistas
pedagógicas, jornais, livros didáticos e até mesmos filmes, musicas e materiais escolares.28
Justifica-se, assim, pesquisar sobre o uso, ou ainda sobre o não uso, de jogos no ensino da
matemática por meio do estudo da história das práticas dos professores, trabalhando sobre esse tipo de
fontes: memórias, por meio de entrevistas e estudo de arquivos pessoais, imagens que mostrem o uso de
jogos, livros didáticos (se foram de fato utilizados) que preconizavam a importância do uso de jogos, enfim,
todo material escolar de fato utilizado nas escolas.
Desse modo, ao dedicar-se ao estudo das interfaces entre educadores, professores e
pesquisadores, pensamos poder ampliar o diálogo entre a escola e a pesquisa, com base em estudos
históricos. A partir daí, pode-se constituir novos paradigmas de identidade para o professor, através de suas
interfaces de educador, pesquisador e crítico da sociedade onde vive.
Objetivo e hipóteses Muito tem sido feito no que se refere à pesquisa no campo da educação matemática, principalmente
após a criação da Sociedade Brasileira de Educação Matemática, em 1988. Entretanto, os resultados
desses esforços têm sido pouco visíveis, com escassa referência a uma verdadeira mudança de atuação do
professor na sala de aula. Aparentemente, a maioria do professores permanece atuando conforme suas
crenças sem expectativas de mudanças em suas práticas.
Temos por objetivo: investigar o (não) uso de jogos como instrumento mediador para a
aprendizagem da matemática, relacionados ao histórico das práticas dos professores.
Ao longo da pesquisa, como fonte de orientação para a condução dos trabalhos, apontamos as
seguintes questões:
- O (não) uso de jogos no ensino da matemática está relacionado ao resultado de um sistema lingüístico
que funciona dentro de um contexto social?
- O (não) uso de jogos no ensino da matemática está relacionado ao “Paradoxo do Jogo
Educativo?”
- Há uma relação entre a história das práticas destes educadores e os livros didáticos?
- Que contribuições o estudo das práticas dos professores pode trazer para a compreensão
dos processos de mudança de crenças e sua relação com as práticas escolares?
- Quais as fontes e procedimentos adequados para o estudo da história das práticas
escolares no que se refere ao uso ou não uso do jogo nas aulas de Matemática?
Quadro teórico
A história da matemática e das ciências, do ponto de vista da sua reprodução no ensino
fundamental e médio, isto é, a história dos ensinos elementares desses saberes, só muito recentemente
vem ganhando importância como uma das formas da história das ciências.
Nesse sentido, como descrevemos acima, o presente estudo irá se incorporar ao estudo mais amplo
sobre os livros didáticos do Projeto Livres, que segundo sua coordenadora, Profa. Dra. Circe Maria
Fernandes Bittencourt:
28 FARIA FILHO, Luciano Mendes; VIDAL, Diana Gonçalves. História da Educação no Brasil: A Constituição Histórica do Campo e sua
Configuração Atual (2002/2003). <http://www.fapesp.br/agencia/boletim> Acesso em 16.Fev.2003.
51
A história do livro didático, ao se constituir em campo significativo da área, introduziu a preocupação
de inventariar e preservar, o máximo possível, a produção escolar. (...) O banco de dados LIVRES
vem sendo constituído desde 2003 por intermédio de trabalhos de vários especialistas da história
das disciplinas e das edições escolares, promovendo intercâmbios com outros centros de pesquisa
nacionais e internacionais. 29
Neste trabalho, iremos investigar também os resultados desse trabalho, além de construir paralelamente
uma pesquisa sobre o tema específico “uso de jogos” e sua presença nos livros didáticos e nas práticas
dos professores.
Além disso, investigaremos a influência da linguagem e importância do jogo como instrumento cognitivo
em temas específicos como a matemática, colocando no centro das atenções a própria concepção de
Conhecimento e de Educação, em sua natural articulação como as ações docentes. Embora não seja o
objetivo principal deste estudo, consideraremos o papel da linguagem na construção do Conhecimento.
Segundo Wittgenstein as palavras não se limitam a nomear, só admitem significado como parte de
um certo contexto ou situação. Possuem significado como parte da linguagem e adquirem significado por
meio do uso que se lhe dá na linguagem. Com efeito, o significado é o uso.
Com referência a idéia de jogo, trata-se de ultrapassá-lo, de propor atividades que conservem o que
havia de incontornável no jogo, colocando-o a serviço de um projeto, de um objetivo pedagógico consciente.
Tudo depende da diversidade das práticas. (BROUGÉRE, 1998).
Assim, os teóricos pesquisados serão, entre outros a serem levantados durante a pesquisa inicial:
CHARTIER, CURY, GODOY, KAMII & DEVRIE, KISHIMOTO, SZTAJN, THOMPSON, WITTGESTEIN,
BITTENCOURT, FARIA FILHO & VIDAL, e VALENTE.
Esse alcance que o projeto visa a ter pode ser de grande utilidade para a discussão de questões
mais amplas na Educação.
Fontes, procedimentos e etapas
Em princípio consideramos que uma pesquisa qualitativa, bibliográfica e documental, permitirá que
alcancemos o objetivo de procurar entender o fenômeno em questão: o (não) uso de jogos nas aulas de
matemática, pois proporcionar-nos-á uma inserção na ação pedagógica do professor para assim
compreendê-la.
A abordagem qualitativa parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e
o sujeito, cabendo ao pesquisador despojar-se de preconceitos e estar predisposto a assumir uma postura
aberta a todas as manifestações que observar, sem conduzi-las pelas aparências imediatas, a fim de
alcançar uma compreensão global do fenômeno estudado. Assim, esperamos encontrar e propor novas
alternativas com uma conduta de participante, à medida que forem identificados os problemas e as
necessidades, ou que forem minimizados os obstáculos que interferiram na ação dos sujeitos.
Os procedimentos para a realização da coleta de dados serão:
- Coleta documental
- Entrevista
- Questionário
29 BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Em Foco: História, produção e memória do livro didático
<http://www.scielo.br/pdf/ep/v30n3/a07v30n3.pdf> Acesso em fevereiro de 2005.
52
Todas estas ações deverão partir de um aprofundamento teórico da Educação, da Educação Matemática
em particular, e da metodologia da pesquisa educacional.
Bibliografia BROUGÉRE, Gilles. Jogo e Educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988. Trad. Patrícia Chittoni Ramos
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa. Difel, 1990.
CURY, Helena Noronha (org.). Formação de professores de matemática: uma visão multifacetada. Porto
Alegre: Edipucrs, 2001.
GODOY, Arilda S.. Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. Revista de Administração de
empresas. São Paulo, v. 35, n. 2, mar. /abr. 1995a, p. 57-63.
KAMII, Constance & DEVRIE, Rheta. Jogos em grupo. São Paulo: Trajetória Cultural, 1991. Trad. Marina D.
D. Carrasqueira.
KISHIMOTO, Tisuko Morchida. O jogo e a educação infantil. 2 ed. São Paulo: Pioneira, 1998.
SZTAJN, Paola. Buscando um perfil da população: quais as crenças dos professores de matemática?
Zetetiké. São Paulo, v. 6, n. 10, jul./dez. 1998. p. 87-102.
THOMPSON, Alba G. A relação entre as concepções de matemática e de ensino de matemática de
professores na prática pedagógica. Zetetiké. São Paulo, v. 5, n. 8, jul. /dez. 1997. p. 9-44.
WITTGESTEIN, Ludwing. Investigações Filosóficas. São Paulo: Victor Civita, 1975.
www.scielo.br (Circe Maria Fernandes Bittencourt. Em Foco: História, produção e memória do livro didático.
acesso em fevereiro de 2005
www.fapesp.br. (Luciano Mendes de Faria Filho; Diana Gonçalves, História da Educação no Brasil: A
Constituição Histórica do Campo e sua Configuração Atual) acessado em 16.fev.2005.
www.fapesp.br. (Vagner Valente, História da Educação Matemática no Brasil, 1920-1960) acessado em
16.fev.2005.
53
O MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA NO RS: BUSCANDO SUAS MARCAS NAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DOS PROFESSORES
Maria Cecilia Bueno Fischer
UNISINOS – RS
Resumo: A pesquisa que apresentamos busca investigar as repercussões que o assim chamado
Movimento da Matemática Moderna (MMM) teve nas práticas pedagógicas dos professores no Rio Grande
do Sul. A pesquisa está inserida em um projeto que pretende estudar historico-comparativamente a difusão
do Movimento em diversos locais do Brasil. Os levantamentos já realizados pelo Grupo de Pesquisa em
História da Educação Matemática – GHEMAT, da PUC-SP, revelam a escassez das pesquisas no Brasil
acerca do MMM e a falta de estudos aprofundados sobre as conseqüências do Movimento quanto à sua
recepção nas práticas pedagógicas dos professores de matemática. Nesse sentido, insere-se a proposta
desta pesquisa sobre a matemática escolar do período 1960-1980, que se inicia por Porto Alegre e
arredores. Uma atenção especial para a investigação recai sobre os trabalhos desenvolvidos pelo
GEEMPA, que nos anos 70 constituía o Grupo de Estudos sobre o Ensino da Matemática de Porto Alegre.
O GEEMPA foi um dos grupos que, no Brasil, teve uma atuação expressiva entre os professores de
matemática nesse período. Os procedimentos metodológicos caracterizam-se por duas perspectivas:
história oral e pesquisa documental.
Apresentando a proposta da pesquisa
O Grupo de Pesquisa em História da Educação Matemática – GHEMAT, da PUC-SP, através de
estudos já realizados, aponta para a escassez de pesquisas no Brasil acerca do Movimento da Matemática
Moderna (MMM), especialmente de estudos voltados às conseqüências do Movimento nas práticas
pedagógicas dos professores de matemática. Pode-se dizer, pelas análises preliminares realizadas pelo
GHEMAT, que há uma lacuna histórica a ser preenchida, que possa contribuir para a construção de
referenciais da educação matemática em vigor em grande parte da segunda metade do século XX no Brasil
(VALENTE, 2005).
O estudo que apresentamos busca investigar as repercussões do Movimento da Matemática
Moderna nas práticas pedagógicas dos professores de matemática, no período 1960-1980, na região da
Grande Porto Alegre. Uma atenção especial a ser dada na investigação incide sobre os trabalhos
desenvolvidos pelo GEEMPA30, que nos anos 70 constituía o Grupo de Estudos sobre o Ensino da
Matemática de Porto Alegre.
O estudo, em desenvolvimento, visa contribuir com o projeto que pretende realizar estudos
históricos comparativos em estados brasileiros que mais incisivamente articularam propostas pedagógicas
para o ensino da Matemática Moderna. Nesse sentido, investigações similares a esta estão sendo
realizadas em outras cidades brasileiras31, posto que a proposta de pesquisa sobre a recepção do MMM no
Brasil aponta para a necessidade de escrita de uma história de educação matemática comparativa, já que o
30 O GEEMPA, criado em 1970, passa a denominar-se, a partir de 1983, Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia e Ação,
tendo por finalidade o estudo, a pesquisa e a ação para o desenvolvimento das ciências da educação. 31 É o caso de cidades nos estados do Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, São Paulo e Rio Grande do Sul.
54
movimento irradiou-se pelo país através de diferentes grupos de estudos. Tais grupos tornaram-se
referência das idéias do Movimento, o que, ao que tudo indica, resultou em formas diversas de apropriação
da Matemática Moderna no país. Dentre os mais atuantes voltados à temática do Movimento, destacam-se
o GEEM – Grupo de Estudos do Ensino da Matemática, de São Paulo, o GEPEM – Grupo de Estudo e
Pesquisas em Educação Matemática no Rio de Janeiro, o NEDEM – Núcleo de Estudos e Difusão do
Ensino da Matemática, do Paraná, além do GEEMPA, de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. A proposta
de estudos históricos comparativos busca, pelo estudo de práticas pedagógicas do ensino da matemática,
trabalhar com culturas escolares e analisar o significado que a matemática escolar tem para elas.
O Grupo de Estudos de Porto Alegre
O GEEMPA teve sua fundação em setembro de 1970, na sala do Laboratório de Matemática do
Instituto de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), quando reuniu profissionais
decididos a investir em pesquisas e ações voltadas à melhoria do ensino da matemática, vinculadas com a
formação e o desenvolvimento da inteligência, na perspectiva do construtivismo piagetiano. O GEEMPA,
enquanto constituiu-se como Grupo de Estudos sobre o Ensino da Matemática, realizou importantes
atividades de formação pessoal, de pesquisa e de divulgação do ensino da matemática, sob a influência dos
clássicos estudos piagetianos e das contribuições do prof. Zoltan Paul Dienes, que preconizava o estudo da
Didática da Matemática e o espaço da sala de aula como um laboratório de investigação. Em fins de 1973,
esta instituição já havia organizado, com outros pesquisadores do mundo, a construção de uma proposta
didática para o ensino da matemática nas oito séries de ensino de 1º Grau, através da sua participação num
projeto de pesquisa transcultural que reuniu países como Canadá, Estados Unidos, Hungria, além do Brasil.
Durante a primeira década de existência do GEEMPA, os professores discutiam entre si experiências de
sala de aula e buscavam novas práticas, aplicando as idéias pesquisadas em classes experimentais.
Conforme as palavras da professora Ana Luiza Carvalho da Rocha, que foi presidente do Grupo,
a época era fecunda. A fundação do GEEMPA sofria a inspiração do movimento
cultural de fins dos anos 60, que eclodiu no âmbito da política educacional mundial,
em maio de 1968, na França. A influência do movimento internacional na área da
Educação se fez, assim, presente no ato de fundação do GEEMPA. Um movimento
de contestação no âmbito das práticas culturais e educacionais que repercutiu num
movimento internacional de renovação do ensino da matemática, conhecido como
“Matemática Moderna” (ROCHA, 2000).
Na publicação comemorativa aos 30 anos de existência do GEEMPA, completados em 2000, a
professora Ana Luiza Rocha relembra que, ao se observar a trajetória profissional de seus fundadores,
constata-se a participação efetiva do GEEMPA neste movimento internacional que propunha alterações
significativas no ensino da matemática. Pesquisando os arquivos da instituição a respeito da participação de
seus membros em congressos internacionais, nos anos 70, segundo Rocha (2000), “visualizamos
perfeitamente a ressonância do processo mundial de reflexão em torno do processo de ensino-
aprendizagem da Matemática que configurou o ato de fundação do GEEMPA”.
A professora Esther Pillar Grossi, uma das fundadoras e atuante pesquisadora do Grupo, confirma a
participação do GEEMPA, em sua primeira década de existência, do movimento da Matemática Moderna,
55
que tinha como foco a reestruturação da matemática como ciência. Pode-se caracterizar este período,
segundo a professora, como um tempo de “depuração dos livros-texto de mil incorreções matemáticas, ao
mesmo tempo que bons matemáticos passaram a se ocupar do ensino, criando atividades didáticas
logicamente condizentes com os conteúdos visados, o que foi um avanço extraordinário” (GROSSI, 1994, p.
97). Ressalta a professora Esther, no entanto, que este período representava um nível da caminhada da
didática da matemática “marcado por uma incompletude que era o desconhecimento do processo de
aprendizagem do aluno” (op. cit., p. 97).
Tendo sido um dos grupos de estudos de intensa atuação no Rio Grande do Sul na época,
interessa-nos buscar junto ao GEEMPA, em sua constituição inicial – voltado a atividades de estudo e
pesquisa relacionadas à melhoria do ensino da matemática – materiais e fontes documentais que possam
contribuir para a escrita da história da educação matemática no período 1960-1980, no Rio Grande do Sul,
especialmente voltada à recepção do Movimento da Matemática Moderna nas práticas pedagógicas dos
professores. A listagem de cursos, seminários e jornadas de estudos realizados, como se pode verificar no
material pesquisado até o momento, bem como de depoimentos já colhidos, atesta a importância da
investigação sobre o Grupo.
A metodologia e o momento atual da investigação Os procedimentos metodológicos da pesquisa se caracterizam por duas perspectivas: uma, da
história oral, valendo-se de pessoas fonte, como pesquisadores, docentes, orientadores pedagógicos e
discentes; e outra, da pesquisa documental, a partir do acervo encontrado na sede do GEEMPA e em
escolas e arquivos pessoais, além de material produzido pela mídia impressa e eletrônica acerca do MMM,
que tiveram um papel importante no convencimento da população sobre o esse novo tempo da matemática
escolar.
No momento, estamos tomando contato com os documentos arquivados na sede do GEEMPA,
onde constam atas de reuniões, polígrafos mimeografados referentes a inúmeros cursos dados a
professores e pais, entre outros materiais. Além disso, estamos realizando entrevistas com professores de
matemática que participaram, de diversas formas, das propostas implementadas pelo Grupo de Porto
Alegre, através de cursos, seminários, palestras e grupos de estudo organizados na época. Uma das fontes
tem sido a professora Monica Bertoni dos Santos, que foi uma das presidentes do Grupo na primeira
década de sua existência, com quem obtivemos muitos dados, além da indicação do nome de outros
professores, que tiveram importante contribuição no desenvolvimento e implementação dos cursos e outras
atividades, voltadas à formação dos professores de matemática, à época do Movimento. A professora
Monica esteve presente, de forma atuante, em toda a caminhada do GEEMPA, no período em que o Grupo
esteve voltado particularmente à matemática, ou seja, desde a sua fundação até o ano de 1983.
Estão em elaboração, neste ano de 2005, dois Trabalhos de Conclusão de Curso, realizados por
alunos da Licenciatura em Matemática, voltados ao tema. Um deles, centra-se mais nas produções do
GEEMPA e o outro, na divulgação e implementação do Movimento na cidade de São Leopoldo, RS, situada
na região da Grande Porto Alegre.
Além disso, estamos realizando leituras de outros textos de referência ao Movimento, como os
publicados por Búrigo (1989, 1990), Carvalho (1988), Kline (1976), Soares (2001), Sousa (1999), além do
aprofundamento teórico-metodológico em cultura escolar, escrita da história e história comparativa, como
Certeau (1982), Faria Filho (2004) e Julia (2001).
56
Algumas considerações preliminares O processo investigativo desenvolvido até o momento, embora ainda incipiente, já sinaliza a necessidade
de um árduo trabalho junto ao acervo do GEEMPA o qual, no momento, encontra-se em processo de
organização, contando com os serviços de um profissional da área de arquivologia. Na classificação do
acervo, a partir dos estudos exploratórios realizados junto aos materiais que nos foram até agora
disponibilizados – bem como pelos depoimentos coletados –, algumas questões já se colocam, como, por
exemplo, quanto às diferentes formas de recepção dos cursos e seminários realizados pelo GEEMPA pelos
professores: somente alguns dos participantes dos cursos integravam também grupos de estudos, onde
havia um aprofundamento quanto a conteúdos e metodologias de ensino, diferente dos demais, que
recebiam orientações em cursos ministrados em seus locais de trabalho, muitas vezes de forma imposta
pela Escola.
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VALENTE, Wagner Rodrigues. A Matemática Moderna nas escolas do Brasil: um tema para estudos
históricos comparativos. Porto, Portugal, Actas do V Congresso Ibero-americano de Educação Matemática, 2005, CD-ROM.
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MEMÓRIAS DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM CURITIBA: UMA PESQUISA DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE MATEMÁTICA MODERNA NA REDE MUNICIPAL
DE ENSINO DE CURITIBA
Luciane Krul
Resumo: Em razão das diversas críticas formuladas em relação à Matemática Moderna e de algumas
deficiências diagnosticadas nas práticas pedagógicas da Matemática Contemporânea na Rede Municipal de
Ensino de Curitiba, projetou-se como pesquisa uma investigação sobre as práticas pedagógicas de
Matemática Moderna na Rede Municipal de Ensino de Curitiba – pela forte influência do Movimento de
Matemática Moderna no mundo; e, em especial, no panorama educacional brasileiro. O Movimento de
Matemática Moderna originou-se e propagou-se pelo mundo entre 1950 e 1960, sob duas idéias principais:
a renovação pedagógica do ensino e a modernização dos programas da disciplina. Em 1962, influenciado
pelos propósitos do GEEM (São Paulo), é formado o grupo NEDEM (Paraná), cujo objetivo era fornecer
material de apoio às aulas de Matemática Moderna, além de cursos de aperfeiçoamento aos professores;
em especial, em Curitiba. Em 1963, é inaugurada a primeira escola da Rede Municipal de Ensino de
Curitiba, denominada Centro Experimental Papa João XXIII; é o início dos caminhos de Curitiba no
panorama educacional brasileiro. Entretanto, são poucas as considerações sobre as práticas pedagógicas
de Matemática Moderna na Rede Municipal de Ensino de Curitiba que, em ampla dimensão, foram
promulgadas sob influência do NEDEM – Núcleo de Difusão do Ensino da Matemática. Mas, pela rigorosa
investigação, alguns novos sinais já foram revelados.
IDÉIAS – CHAVE: − Práticas Pedagógicas de Matemática Moderna;
− Rede Municipal de Ensino de Curitiba.
A humanidade contempla a Matemática nas mais variadas versões de currículos escolares, em
similaridade à Língua Materna. MACHADO (1994, p.8) complementa essa informação declarando uma
espécie de senso comum em relação à importância designada ao processo de ensino e aprendizagem da
disciplina Matemática; formalizando que a falta de clareza sobre a função da Matemática, no rol de
conhecimentos sistematizados, é responsável pelas dificuldades crônicas que permeiam as práticas
pedagógicas da disciplina.
Em razão das diversas críticas formuladas em relação à Matemática Moderna e das inúmeras
deficiências diagnosticadas nas práticas pedagógicas da Matemática Contemporânea na Rede Municipal de
Ensino de Curitiba, é justificada a presente proposta de investigação – Memórias da Educação Matemática
em Curitiba: uma pesquisa das práticas pedagógicas de Matemática Moderna na Rede Municipal de Ensino
de Curitiba – pela forte influência do Movimento de Matemática Moderna no mundo; e, em especial, no
panorama educacional brasileiro.
KLINE (1976, p.147) questionou os programas de Matemática Moderna pela não erradicação dos
problemas associados ao ensino e à aprendizagem da Matemática Tradicional. Em relação ao Brasil,
SOARES (2003, p.139) afirma que as críticas de Kline foram incorporadas às reclamações feitas pelos
educadores matemáticos da época, em função das práticas de Matemática Moderna.
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Nessa perspectiva, em conexão à realidade da pesquisadora – educadora matemática na Rede
Municipal de Ensino de Curitiba – se define como problema de pesquisa: Como ocorreu a incorporação das
idéias do Movimento de Matemática Moderna nas práticas pedagógicas da disciplina Matemática na Rede
Municipal de Ensino de Curitiba, no período de 1960 até 1980? Por isso, foi designado como objetivo geral
da pesquisa: Investigar as práticas pedagógicas de Matemática Moderna em unidades escolares da Rede
Municipal de Ensino de Curitiba, no período de 1960 até 1980.
De onde, foram designados como objetivos específicos: Localizar e inventariar fontes históricas –
documentais e/ou orais – relacionadas ao Movimento de Matemática Moderna na Rede Municipal de Ensino
de Curitiba; Analisar as produções na área de Educação Matemática da Rede Municipal de Ensino de
Curitiba, elaboradas e disseminadas nas escolas, no período de pesquisa; Identificar conexões entre as
propostas curriculares de matemática realizadas na Rede Municipal de Ensino de Curitiba e as idéias
difundidas pelo Movimento de Matemática Moderna.
A presente pesquisa, cujo objetivo é investigar as práticas pedagógicas de Matemática Moderna na
Rede Municipal de Ensino de Curitiba, caracteriza-se, de maneira especial, pelo seu aspecto qualitativo em
função das contribuições que poderá oferecer à História da Educação Matemática no Brasil.
Nessa dimensão, a análise documental constitui-se em uma ação empreendedora dos objetivos
delineados; pois, pela relevância historiográfica da investigação, é fundamental examinar as publicações
sobre o Movimento de Matemática Moderna e os registros sobre a Educação Matemática na Rede
Municipal de Ensino de Curitiba.
Em busca de evidências das idéias propagadas pelo Movimento de Matemática Moderna
incorporadas nas práticas pedagógicas e nas propostas curriculares de Matemática da Rede Municipal de
Ensino de Curitiba, no período de 1960 até 1980, será desenvolvido um plano progressivo e flexível,
permeado por reflexões.
Tal plano, em razão da relevância historiográfica da pesquisa, possui em seu foco o processo de
produção das informações no contexto social e educacional em que foram elaboradas e disseminadas;
potencializando a coleta de dados na formulação de explicações à questão de pesquisa.
Nessa perspectiva, a investigação pressupõe uma revisão bibliográfica apropriada à apresentação e
fundamentação de seu objeto: as práticas pedagógicas de Matemática Moderna na Rede Municipal de
Ensino de Curitiba. As obras já consultadas sinalizaram a necessidade de análise dos documentos
conservados no Arquivo Geral da Secretaria Municipal de Educação de Curitiba, relacionados às práticas
pedagógicas de Matemática, de 1960 até 1980.
Tal análise pressupõe uma investigação profunda cujo produto final consiste em uma síntese: das
informações sobre o Movimento de Matemática Moderna no Brasil e as práticas pedagógicas da disciplina
na Rede Municipal de Ensino de Curitiba, nas décadas de estudo. Assim, visando aprofundar a
compreensão do objeto de pesquisa e fundamentar de maneira clara e objetiva a síntese, será realizado um
empenho na localização de professores que atuaram na Rede Municipal de Ensino de Curitiba na época
delimitada, para compreender os significados dados pelos próprios sujeitos ao Movimento de Matemática
Moderna.
Esse recurso promoverá um espaço de relação dialógica, dimensionando a pesquisadora à
interação com as práticas pedagógicas realizadas no contexto de investigação e à conexão dessas ações
com as idéias difundidas pelo Movimento de Matemática Moderna. A localização de sujeitos será feita
mediante o Departamento de Informações Educacionais da Secretaria Municipal de Educação de Curitiba,
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além de algumas aproximações por meio de pessoas do meio profissional e da comunidade científica da
pesquisadora.
Logo, é essencial informar que a presente proposta de pesquisa pressupõe que a prática
pedagógica não significa apenas um universo constituído em sala de aula; a prática pedagógica
compreende uma multiplicidade de aspectos, como por exemplo: as experiências em sala de aula, as
orientações pedagógicas elaboradas à ação educativa, as propostas apresentadas nos currículos, os planos
de aula, os critérios e os instrumentos de avaliação empregados pelos professores, os livros didáticos e os
guias pedagógicos; além de outros.
O contexto de pesquisas em relação às práticas pedagógicas de Matemática Moderna no panorama
educacional brasileiro apresenta um número limitado de publicações. MIORIM (1998, p.3) informa que é
possível analisar a Educação Matemática Contemporânea e orientar futuras propostas pedagógicas pela
compreensão das origens da Matemática Moderna e de sua influência na reforma do ensino da disciplina.
De acordo com FEHR (1971, p.28), é possível afirmar que amplas foram as transformações nos
fundamentos e na organização dos conteúdos das matemáticas clássicas. Ele indica que as idéias de
Lobachewsky, Bolyai e Rieman – seguida das filosofias intuicionista, logicista e formalista de Brower,
Russell e Hilbert; respectivamente – culminaram em uma concepção contemporânea das matemáticas da
época, ampliada por Bourbaki, um personagem simulado por um grupo de matemáticos franceses, em
meados do século XX, para a publicação de uma coleção denominada Éléments de Mathématique.
BOYER (2001, p.438) assinala que a apresentação do assunto feita por Bourbaki é caracterizada
pela forte adesão à axiomatização e à abstração, em razão da importância dada à estruturação lógica.
FEHR (1971, p.30) ainda apresenta que Bourbaki institui uma separação entre as matemáticas tradicional e
moderna; pois, diversas das produções designadas modernas são apenas uma síntese das elaborações
formuladas na história das disciplinas matemáticas. Nesse contexto, o autor destaca que as obras
publicadas por Bourbaki são fontes de orientação à investigação matemática, firmando, assim, uma
revolução no ensino dessa área.
Nessa visão, observou D’AUGUSTINI (1982, p.xxi), no prefácio de uma de suas obras, que a
expressão “matemática moderna” não é uma maneira apropriada para designar esse movimento nas
práticas; pois, um modo mais adequado seria “matemática revolucionária”, em razão da enorme revolução
que ocasionou no processo de ensino e na aprendizagem da disciplina Matemática; seja pela mudança na
prática pedagógica, seja pela reorganização dos programas.
Conforme apresenta SOARES (2001, p.45), a reforma denominada Matemática Moderna originou-
se e propagou-se pelo mundo entre 1950 e 1960, fundada em duas idéias principais: a renovação
pedagógica do ensino de Matemática e a modernização dos programas da disciplina.
MIORIM (1998, p.50) informa que a introdução de elementos da Matemática Moderna na escola que
precede à universidade foi um dos pontos defendidos pelas propostas de modernização do ensino da
disciplina; pois, a falta de linearidade entre os diferentes níveis de ensino foi um dos argumentos usados
para a introdução de novos conteúdos e novas práticas pedagógicas.
Em relação às práticas, é necessário relevar, nesse período, as influências desencadeadas pela
Psicologia da Aprendizagem; e, em especial, pelas formulações de Piaget sobre as estruturas
organizadoras do pensamento. PIRES (2000, p.24) aponta uma fusão entre Bourbaki e Piaget para a
compreensão das novas concepções de ensino e aprendizagem da Matemática, na perspectiva do novo
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ideário: de Bourbaki herdava o formalismo e a idéia de estrutura; e, de Piaget, os reformadores usavam as
diretrizes e as discussões sobre estruturas do pensamento.
PIAGET (1965, p.27), em uma de suas obras, define uma concepção de bases práticas: um objetivo
do ensino da disciplina Matemática será sempre alcançar um maior rigor lógico do processo, cuja
compreensão do formalismo reside na Psicologia. Assim, declara que a Matemática é construída sobre
estruturas e a didática da Matemática precisa pautar-se na organização progressiva dessas estruturas.
Mas, SOARES (2001, p.50) alerta que pesquisas mais profundas sobre as idéias de Piaget
demonstram que a superficialidade da análise dessas idéias, na época de difusão da Matemática Moderna,
provocou uma interpretação errônea sobre o processo de ensino e aprendizagem da Matemática. Agora, na
presente pesquisa, indicando um aspecto de investigação.
Assim, nessa “confusão” entre estruturas cognitivas e estruturas matemáticas, para uma melhor
compreensão da Matemática, uma solução usada foi a inclusão da Teoria de Conjuntos nos currículos da
disciplina demarcou a introdução da Matemática Moderna na educação. THOMACHESKI (2003, p.39)
apresenta uma síntese das formas de expressão da Educação Matemática na visão de Fiorentini e
caracteriza a Tendência Formalista Moderna em:
− uma concepção de educação dimensionada pela precisão e pelo rigor da linguagem matemática na
demonstração de propriedades estruturais;
− uma aprendizagem reduzida à sistematização de aspectos lógicos e estruturais, pressupondo a
introdução de elementos unificadores na progressão dos conteúdos;
− um currículo direcionado à formação de especialistas matemáticos, aptos à aplicação da estrutura
do pensamento em domínios diversos;
− uma relação pedagógica em que professor é transmissor e aluno é receptor e reprodutor de
raciocínios usando uma linguagem lógica.
Em resumo, a Tendência Formalista Moderna foi incorporada à educação brasileira visando
ultrapassar os problemas diagnosticados no ensino tradicional. SOARES (2001, p.78) aponta que o objetivo
da disciplina, antes da Matemática Moderna, era instrumentalizar os alunos com fórmulas e mecanismos de
cálculos sem aplicações desenvolvendo os conteúdos curriculares em parcelas separadas; e, o Movimento
de Matemática Moderna foi uma espécie de alternativa para a superação das dificuldades existentes no
ensino da disciplina.
Em 1961, é fundada em São Paulo, sob coordenação do professor Osvaldo Sangiorgi, uma
associação designada pela sigla GEEM – Grupo de Estudos do Ensino da Matemática – cujas ações
implicaram na divulgação do ideário proposto pelo Movimento de Matemática Moderna e no
aperfeiçoamento dos professores à nova prática pedagógica.
Em 1962, influenciado pelos propósitos do GEEM, é formado no Paraná um novo grupo
denominado NEDEM – Núcleo de Difusão do Ensino da Matemática – sob coordenação do professor Osny
Antonio Dacól. De acordo com MARTINS (1984, p.241), esse grupo era composto por pedagogos,
psicólogos e professores licenciados em Matemática, cujo objetivo era fornecer material de apoio às aulas
de Matemática Moderna, além de cursos de aperfeiçoamento destinados ao professorado da área; em
especial, em Curitiba.
Em 1963, é inaugurada a primeira unidade escolar da Rede Municipal de Ensino de Curitiba,
denominada Centro Experimental Papa João XXIII; é o início dos caminhos de Curitiba no panorama
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educacional brasileiro. “(...) os cinco grandes Programas de Educação da Rede Municipal de Ensino de
Curitiba revelam a predominância de um determinado tipo de educação em cada época.” (SME, 30 Anos de
Educação nos 300 Anos de Curitiba, 1993, p.58).
NEVES (1988, p.5) efetua uma sistematização do desenvolvimento histórico da Educação na Rede
Municipal de Ensino de Curitiba, informando que as práticas pedagógicas dessa época – 1960/1980 – eram
ainda dimensionadas por uma concepção tradicional do processo educativo; mencionando Château e
Durkheim como delineadores dessa visão educacional.
MARTINS (1984, p.199) e SOARES (2003, p.109) mencionam algumas transformações no ensino
em função da Lei 5692/71 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação do Brasil. NEVES (1988, p.5) informa
que, via implantação dessa lei, as práticas pedagógicas da Rede Municipal de Ensino de Curitiba assumem
uma nova dimensão, uma dimensão moderna; apresentando Dewey, Rogers, Brunner, Skinner, Bloom e
Piaget, como bases do moderno ideário pedagógico.
Mas, essas declarações nada especificam sobre as práticas pedagógicas de Matemática Moderna
na Rede Municipal de Ensino de Curitiba, nesse novo contexto; no qual, em ampla dimensão, foi
promulgada a Matemática Moderna sob influência do NEDEM – Núcleo de Estudos e Difusão do Ensino da
Matemática.
Assim, pela localização de sujeitos, alguns novos sinais foram revelados; por exemplo: a atuação da
professora Henrieta Dyminski Arruda na composição do Núcleo de Estudos e Difusão do Ensino da
Matemática e na coordenação do Grupo de Matemática da Rede Municipal de Ensino de Curitiba. As
informações e as declarações da professora Henrieta Dyminski Arruda são uma fonte de “novidades”; pois,
através da análise das memórias, é possível perceber o significado que foi dimensionado às práticas
pedagógicas de Matemática Moderna no tempo e no espaço delimitados à pesquisa.
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