Direito das MinoriasE Ações Afirmativas
Da igualdade: formal, material (desigualdades
permitidas e proibidas) e de oportunidades. (ações
afirmativas, cotas). Direitos dos índios, negros,
deficientes físicos. Direito à diferença e exercício da
sexualidade. União homoafetiva.
Prof. Cezário Corrêa Filho
• I – Introdução:
• Pensamentos provocativos
Sou um homem doente... Um homem mau. Um homem
desagradável. Creio que sofro do fígado. Aliás, não
entendo níquel da minha doença e não sei, ao certo, do
que estou sofrendo. Não me trato e nunca me tratei,
embora respeite a medicina e os médicos. Ademais, sou
supersticioso ao extremo; bem, ao menos o bastante para
respeitar a medicina. (Sou suficientemente instruído
para não ter nenhuma superstição, mas sou
supersticioso).
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Memórias do subsolo.
Trad. de Boris Schnaiderman. Editora 34.
•Considerações prévias...
As “figurinhas”, os limites e as percepções darealidade/verdade para julgar:
•Como podemos definir quais sejam os limites dapercepção da realidade/verdade para que o intérpreteatribua o sentido mais adequado e justo para a norma?
•Antes de tudo, como se chega ao julgamento justo?...
Walter Benjamin, in Crítica da violência – crítica dopoder [v. Documentos de cultura, documentos de barbárie: escritos escolhidos... São Paulo:
Cultrix: Editora da Universidade de São Paulo, 1986] distingue os fins do direitonatural dos fins do direito positivo. E quais são esses fins?
Provocação...
•Enfrentemos, então, as “figurinhas”...
Como se define um triângulo?...
...Figura de três lados cuja soma dos ângulos internos é180º, correto?... Limites dessa definição
Espaços planos e curvos/visões de mundo e convicções
Geometria esférica - triângulo esférico: 180º < TE < 540º
Geometria hiperbólica – triângulo hiperbólico: TH < 180º
O lugar possível do EU
Depois de descobrirmos que nossas percepções/verdades, convicções e certezas sobre o mundo exterior são limitadas pelo tempo e pelo espaço, como será que acontece no nosso mundo interior?
Onde está o EU que fala e julga?
• Inspirados pelo texto acima, podemos dizer, também,que
“Somos suficientemente instruídos para não termosnenhum preconceito, mas somos preconceituosos.”
• Tratando de direitos das minorias, abordaremosquatro temáticas bem presentes na sociedadebrasileira, sem desconsiderar, é claro!, que o mesmoaconteça em outras sociedades.
• As temáticas são:
racismo
etnocentrismo
homofobia
sexismo.
• Sabemos que o Direito, como outras objetos dacultura, é produto da história... E o que nos ensina aHistória?
Retomemos, então, Walter Benjamin [in ....]:
Fustel de Coulanges recomenda ao historiador
interessado em ressuscitar uma época que esqueça tudo
o que sabe sobre as fases posteriores da história. [...]
Esse método é o da empatia. Sua origem é a inércia do
coração, a acedia, que desespera de apropriar-se da
verdadeira imagem histórica, em seu relampejar fugaz. [...]
A natureza dessa tristeza se tornará mais clara se nos
perguntarmos com quem o investigador historicista
estabelece uma relação e empatia. A resposta é
inequívoca: com o vencedor. Ora, os que num momento
dado dominam são os herdeiros de todos os que
venceram antes. A empatia com o vencedor beneficia
sempre, portanto, esses dominadores. [...] Todos os que
até hoje venceram participam do cortejo triunfal, em
que os dominadores de hoje espezinham os corpos
dos que estão prostrados no chão. [...] Esses despojos
são o que chamamos bens culturais. [...] Pois todos os
bens culturais que ele vê têm uma origem sobre a qual ele
não pode refletir sem horror. Devem sua existência não
somente ao esforço dos grandes gênios que os criaram,
como à corvéia anônima dos seus contemporâneos.
Nunca houve um monumento da cultura que não fosse
também um monumento da barbárie. E, assim como a
cultura não é isenta de barbárie, não o é, tampouco, o
processo de transmissão da cultura.
Vale um esclarecimento: o uso de outros saberes eagires não implica que, sempre e sempre, a decisão seráfavorável à efetivação do direito das minorias, já que ossaberes e agires são históricos, psicológicos e socialmenteconstruídos. Porém, será mais coerente buscá-los e usá-los do que, por preconceito ou ignorância, simplesmentenegar a efetivação de um direito minoritário sobargumento de que não há regulamentaçãoinfraconstitucional, embora aquele direito estejaexpressamente previsto na Constituição ou dela sejaclaramente dedutível.
Palavras problemáticas: 1 – poder; 2 – relações de poder;3 – fato social; 4 – mito.
1 e 2 – Poder e relações de poder – situação relacionalentre indivíduos ou grupos em que o detentor do podertem a capacidade de determinar a conduta ou ação dooutro.
3 – Fato social – E. Durkheim – 1895 – o descreve comosendo o fenômeno social exterior ao indivíduo, mas quecoage a sua ação. O fato social é externo ao indivíduo,coercitivo, objetivo, não sendo um produto de definiçõessubjetivas. A lei é um bom exemplo de fato social.
4 – Mito – uma representação simplificada da realidade.
Definições aproximativas – apesar de serem temasrecorrentes na mídia e nas conversas informais, énecessário apresentar as respectivas definições, para o fimde aproximarmo-nos com um rigor investigativo maior doque aquele presente nas referidas conversas informais.Observe-se que, diante da natureza do curso, as definições,sempre que possível, serão extraídas de documentosnormativos. Segue...
1 – Racismo (ou discriminação racial): toda distinção,exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor,descendência ou origem nacional ou étnica que tenha porobjeto ou resultado anular ou restringir o reconhecimento,gozo ou exercício em um mesmo plano (em igualdade decondição ou oportunidade) de direitos humanos eliberdades fundamentais nos campos político, econômico,social, cultural ou em qualquer outro campo da vidapública.[Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas asFormas de Discriminação Racial – ONU, 1965. Assinada peloBrasil em 07.03.1966, ratificada em 27.03.1968 (semreservas), e promulgada pelo Decreto 65.810, de08.12.1969. Entrou em vigor internacional em 04.01.1969]
O racismo é uma construção histórica e, ainda hoje,baseia-se na suposta existência de diferença[fundamental] entre raças... Pretende uma diferençahierárquica. No passado, sustentava-se em basescientíficas, como a Biologia. Contudo, já em 1958, aUnesco declarava a inexistência de fundamento científicopara legitimar essa pretensa diferença entre os diversosgrupos humanos. Reconhecendo pequenas diferençasgenéticas, inatas ou adquiridas, a Declaração ressalta quetais diferenças não são impeditivas da igual possibilidadede aquisição e desenvolvimento das potencialidadesindividuais, conforme as interações sociais sedesenvolvam. Hoje, superada a cientificidade dofundamento, intenta-se legitimar o racismo em(pre)conceitos enraizados na diferença de cultura,diferença estética, na localização geográfico-territorial ouna diferença de riqueza. Apesar de grande parte doscientistas, intelectuais, movimentos sociais e organizaçõesnacionais e internacionais considerar superado oargumento científico, não é raro reencontrar apelos àgenética para justificar a discriminação negativa entrepessoas, ou com o fim de afastar a possibilidade de umadiscriminação positiva, veja-se o exemplo no atual debatebrasileiro sobre cotas raciais para a universidade pública,onde alguns que lhes são contrários apresentamresultados de testes de DNA em pessoas [negras e não-negras] famosas, como Seu Jorge, compositor, cantor eator de pele negra, que apresentam percentis de origemafricana, européia e índia.
2 – Etnocentrismo: consideração ou atitude de que ascategorias, normas ou valores da própria sociedade oucultura são o parâmetro aplicável a todas as demais [v.Dicionário Aurélio]. E, como visto na definição anterior[racismo], também se inclui como racismo, a distinção,exclusão, restrição ou preferência [com fundamentação]étnica que tenha por objeto ou resultada anular ourestringir o reconhecimento, gozo ou exercício em ummesmo plano (em igualdade de condição ouoportunidade) de direitos humanos e liberdadesfundamentais nos campos político, econômico, social,cultural ou em qualquer outro campo da vida pública.
Grupo étnico é um conjunto de pessoas que seidentificam umas com as outras, ou são identificadas comotal por terceiros, com base em semelhanças culturais oubiológicas, ou ambas, reais ou presumidas.
3 – Homofobia: é o medo, a aversão ou o ódio irracionalaos homossexuais, àqueles que têm atração afetiva e sexualpor pessoas do mesmo sexo.[www.seguranca.mt.gov.br/centroglbt.php?IDCategoria=896&PHPSESSID=3e848c8410cacfbe5a1911759eda3f50]
É a causa principal da discriminação e violência contragays, lésbicas, travestis, transexuais, bissexuais etransgêneros – GLBTT. Assim como o racismo e oetnocentrismo, a homofobia também pode ser expressadade modo velado, por meio de atitudes e comportamentossutis, que tentam disfarçar o preconceito, e envolvem adiscriminação.
4 – Sexismo: é a discriminação contra a mulher. Significatoda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e quetenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular oreconhecimento, gozo ou exercício pela mulher,independentemente do seu estado civil, com base naigualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos eliberdades fundamentais nos campos político, econômico,social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.[Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas deDiscriminação Contra a Mulher. ONU, 1979. Ratificada peloBrasil em 01.02.1984. Promulgada pelo Decreto 4.377, de13.09.2002.]
Preconceito: (de pré + conceito) é o que se forma
antecipadamente, sem conhecimento próximo – sensível ou ideal –
da pessoa, do objeto ou do fato sobre o qual incide; em relação à
pessoa [submetida ao preconceito], é o juízo antecipado e/ou
baseado em experiências próprias ou de terceiros, reais ou
imaginadas, que se haja tido com pessoa ou pessoas do grupo
daquela que sofre o preconceito. Enquanto tal, o preconceito pode
ser positivo ou negativo. Aqui, interessa-nos o negativo.
Discriminação: é o tratamento desigual, baseado ou
fundamentado em características ou circunstâncias objetivas ou
subjetivas. Pode ser positiva ou negativa. Está, geralmente,
fundamentada no preconceito. A discriminação negativa está
baseada na idéia de superioridade daquele que discrimina e
inferioridade do que é discriminado, ou seja, radica-se em
características ou circunstâncias subjetivas. A discriminação
positiva, reconhecendo a desigualdade resultante de fatores e/ou
condicionantes históricos, baseia-se em características ou
circunstâncias objetivas, e visa ao reequilíbrio, ou equidade, na
distribuição social de oportunidades e resultados.
Observação: na pauta dos estudos sobre direitos das minorias, fala-
se do Direito à Antidiscriminação [ou à não discriminação], onde as
ações afirmativas funcionam como instrumento para o efetivo
tratamento igualitário, focado no conteúdo da norma
antidiscriminatória, como os arts. 3°, IV, e 5°, caput, I, da
Constituição Federal de 1988.
A percepção do outro e a (des)construção do sujeito: osujeito social e histórico resulta da combinação da instânciapsíquicas, orgânico-fisiológica e social, ou, como diz MarcelMauss [in Sociologia e Antropologia – v. bibliografia], osujeito histórico e social é corpo, alma e sociedade. Comisso, se se tentar examinar o tema proposto somente comas categorias jurídicas, o exame será reducionista eprecário, com extrema tendência à prevalência dosaspectos formais-normativos sobre os aspectos materiaisprincipiológicos, contrariando a tendência proposta peloconstitucionalismo contemporâneo. De outro lado, quandose reconhece a integração daquelas três instâncias – corpo,alma [psique] e sociedade – com interferências recíprocas econdicionantes da percepção de si mesmo e do outro,constata-se que o si-mesmo do sujeito se referencia numoutro que lhe seja positivo, modelar. Isso que é positivo emodelar depende de fatores e de resultantes das relaçõessociais de poder estabelecidas num determinado contextohistórico. Se aquele que serve de modelo provocar nooutro um sentimento de auto-rejeição, decorrerá daí o queaqui se denomina desconstrução do sujeito. Essadesconstrução, muitas vezes, não é evidente e nem semprese o faz com recurso à violência real, como no passado;hoje, para tanto, predominam os tratos sutis do cotidianosocial, presentes os recursos simbólicos e imaginários.
Assim, uma simples referência midiática ao que deve serconsiderado belo ou bom pode interferir profundamentena psique de uma criança [pessoa em desenvolvimento,art. 6º c/c o art. 3º do ECA], causando-lhe intensa e, àsvezes, invencível propensão de tentar aproximar-sedaquilo que fora considerado belo ou bom.
Quando a raça, a cor, a etnia, a descendência, a origemregional ou territorial, os elementos da cultura, aspreferências afetivas, ou o sexo permite essaaproximação, o processo se faz sem grandes angústias ouconflitos de ordem psicossomática; mas, quando adistância é grande, a intensidade de sofrimento é grave,levando a que, da psique, o corpo e a interação socialsejam afetados a ponto de haver um suposto auto-reconhecimento de incapacidade de ocupar os mesmoslugares-sociais ocupados por aquele, ou aqueles,considerado modelo.
As concepções (ou representações) científicas e apercepção do outro se encartam numa relação de poder. Aum só tempo, o direito é um dos instrumentos e uma dasresultantes da relação de poder para a terminação[1] (ou,como se diz na doutrina, composição) das lides. Por isso, ooperador e o indivíduo submetido ao direito partem de umlugar-sujeito determinado ou condicionado por aquelarelação de poder que antecede o direito. Somente quandose dão conta desse [seu] lugar de partida é que o operadore o indivíduo podem interferir como sujeitos na aplicaçãodo direito. Do contrário, continuam meros repetidores defórmulas adrede preparadas com uma finalidade muitasvezes inconfessável.
[1] Usamos, aqui, o termo terminação para indicar que, emregra, os conflitos, ou lides, apresentados ao Judiciário nãosão resolvidos por composição, como se costuma ler nosmanuais. Composição (de compositione), no sentidojurídico, denota acordo, transação entre as partes litigantes.Todavia, é sabido [falta reconhecer expressamente] que aterminação da lide se dá pelo poder (ou força) institucionalde que goza o juiz. Portanto, salvo no caso de verdadeiratransação ou renúncia do direito, as partes têm terminada acontrovérsia, sem significar que tenham aceitado ou seconvencido da justiça da decisão.
O pensamento complexo e a idéia decientificidade do direito.
Por derradeiro, antes de irmos aos conceitos formaisda matéria, convém ressaltar que, se nos limitarmos a“aplicar” o direito usando apenas das ferramentas –conceitos, definições e categorias – estritamentejurídicas (ou juridicizadas) vamos nos deparar comquestões que, naqueles estreitos limites, serãoracional e coerentemente insolúveis, deixando aojulgador somente a dissimulação do uso da força e daescolha arbitrária, voluntariosa. Ora, se toda ciênciatem como objetivo a descrição coerente, racional esimplificada da realidade, com o Direito não serádiferente. Entretanto, há de reconhecer-se, com EdgarMorin, in Introdução ao pensamento complexo [v.bibliografia], que existem pontos [pontos deindecidibilidade] que as puras categorias ou osferramentais estreitos de uma determinada ciêncianão permitem resolver. Para os que insistem naespecialização e na exclusividade de cada ciência,esse ponto de indecidibilidade pode receber o nomede aporia, paradoxo, dilema ou outro qualquer.Todavia, trata-se do limiar da inconsistência e daincoerência daquela ciência.
Como, então, resolver a aporia, o paradoxo, oudilema? Buscando auxílio em outras áreas do sabere do agir. Na aplicação prática do direito, isso é feitoconstantemente, quando o julgador se socorre deoutras ciências, conhecimentos ou agires. Mas,sempre, ou quase sempre, é presente a tentativa detransmitir ao jurisdicionado a idéia de que tudo forafeito só por meio das normas jurídicas, dando aentender que o sistema ou a estrutura normativabasta por si mesma. Com o tema proposto, seráimprescindível o socorro de outros saberes e agires,e o reconhecimento explícito de que se usa dosmesmos...
... Tudo pode ficar belo no sentido burguês...
...assim como a cultura não é isenta de
barbárie, não o é, tampouco, o processo de
transmissão da cultura.
Walter Benjamin
Conclusão.Depois de tudo... o que nos diz imagem acima?
Realidade, ficção e mercado......Esse, bem poderia ser o título da imagem...
Quem nessa imagem é real e quem é ficção? Quem ébronze e quem é carne? Quem é ser e quem é coisa? Oque media a realidade e a ficção presentes na imagem?Para o que lhes servem o juiz, o Direito, a Sociedade, oEstado e a História?