8/19/2019 Direito Processual Civil II - Miguel Teixeira de Sousa
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Professor Miguel Teixeira de Sousa
DireitoProcessualCivil II葡京法律的大学 |大象城堡
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Diogo Castro
1
Ressalve-se que todo o conteúdo
sublinhado a amarelo se trata de
artigos do anterior CPC que não
encontrámos correspondência e
que mantemos por
responsabilidade para com o leitor
e a obra do autor: pedimos,
porém, de vós uma leitura atenta,
critica e cuidada a tal atualização
sebenteira
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Capítulo I – O objeto do processo civil1
§1.º - Delimitação do objeto do processo
Sistemas legais:
1. Generalidades: num plano de política legislativa pode optar-se, quanto à apresentação
dos factos relevantes para a decisão da causa, entre
A disponibilidade privada: os factos relevantes para a decisão da causa devem ser
alegados pelas partes; e
A inquisitoriedade judiciária: os factos relevantes para a apreciação da ação podemser investigados pelo tribunal.
No regime da disponibilidade privada, as partes têm o ónus não só de formular o pedido,
mas também de indicar a causa de pedir, ou seja, os fundamentos de facto do pedido
formulado, pois que o tribunal apenas pode proferir uma decisão de procedência ou de
improcedência considerando os factos invocados pelas partes. A disponibilidade das
partes sobre o objeto processual conduz a um ónus de formulação do pedido e de
alegação da causa de pedir.
2. Concretização:
a.
Regra geral: a disponibilidade privada do objeto do processo encontra-seconsagrada tanto no que se refere aos factos nos quais o tribunal pode
fundamentar a sua decisão (artigo 3.º, n.º1 CPC), como no que respeita ao
pedido formulado (artigo 609.º CPC). Dada a vinculação ao objeto definido pelas
partes, não é permitido ao tribunal apreciar factos não invocados ou deixar de
se pronunciar sobre os factos alegados (artigo 615.º, n.º1, alínea d) CPC), nem
considerar procedente ou improcedente pedido diverso do formulado (artigo
615.º, n.º1, alínea c) CPC). Em especial, o tribunal não pode, quando condenar
em dívida de valor, proceder oficiosamente à sua atualização em montante
superior ao valor do pedido do autor. Mais em concreto, quanto aos factos
relevantes para a decisão da causa, o regime é o seguinte:
i. Os factos essenciais (isto é, os factos que integram a causa de pedir e
aqueles em que se baseiam as exceções) devem ser alegados pelas
partes e não podem ser investigados pelo tribunal (artigo 3.º, n.º1 CPC);
ii. Os factos complementares que resultam da instrução e decisão da
causa só podem ser utilizados pelo tribunal se a parte interessada der o
assentimento (artigo 5.º, n.º2, alínea b) CPC), pelo que estes factos
também estão submetidos à disponibilidade privada.
1 Sousa, Miguel Teixeira de; As partes, o objeto e a prova na ação declarativa. (as famosas folhas)
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b.
Exceções: o tribunal pode considerar os factos instrumentais que resultem da
instrução e discussão da causa (artigo 264.º, n.º2 CPC). Deste modo, o tribunal
não está vinculado a utilizar apenas os factos probatórios que foram invocados
pelas partes.
Elementos constitutivos:
1. Generalidades: o objeto do processo comporta dois elementos:
a. O pedido;
b. A causa de pedir .
A petição inicial requer a exposição da causa petindi (artigo 552.º, n.º1, alínea d) CPC) e
a formulação do pedido (artigo 552.º, n.º1, alínea e) CPC) e a identidade entre objetos
processuais pressupõe a identidade da causa de pedir e do pedido (artigo 581.º, n.1CPC).
2. Pedido:
a. Noção: o pedido é a forma de tutela jurisdicional que é requerida para uma
situação jurídica. No âmbito do processo declarativo, essa tutela pode visar a
apreciação da existência ou inexistência de um direito ou de um facto (artigo
10.º, n.º2, alínea a) CPC), a condenação na realização de uma prestação (artigo
10.º, n.º2, alínea b) CPC) ou a constituição, modificação ou extinção de uma
situação jurídica (artigo 10.º, n.º2, alínea c) CPC). Na medida em que a situação
jurídica se refere a um quid material, ele constitui o objeto mediato do pedido.b.
Características: o pedido formulado pelo autor (ou requerente) deve referir-se
à tutela de uma situação jurídica de direito material. Por exemplo: o autor não
pode requerer (apenas) o reconhecimento de legitimidade processual do
demandado. Esta situação equivale à falta do pedido e origina a ineptidão da
petição inicial (artigo 186.º, n.º2, alínea c) CPC). Em contrapartida, o reu (ou
requerido) pode formular um pedido relativo a um efeito meramente
processual: é o que sucede quando, por exemplo, o réu pede a absolvição da
instância com base na verificação de uma exceção dilatória (artigo 576.º, n.º2
CPC). O pedido deve referir-se a um efeito jurídico, ou seja, a uma consequência
extraída de uma norma jurídica. Dado que o tribunal não está vinculado àqualificação jurídica fornecida pela parte (artigo 5.º, n.º1 CPC), esse órgão pode
corrigir o pedido erradamente formulado por esta parte. Assim, por exemplo,
se o autor, numa ação de impugnação pauliana, em vez de pedir a ineficácia do
ato em relação a essa parte (artigo 616.º, n.º1 CC) tiver pedido a declaração de
nulidade ou a anulação do ato jurídico impugnado, o tribunal deve corrigir esse
erro na qualificação e apreciar aquela ineficácia. Quando formula o pedido, a
parte requer uma certa tutela jurisdicional para uma situação jurídica. Isto
pressupõe a possibilidade de tutela jurisdiciona, ou seja, exige que a situação
alegada pela parte tenha relevância jurídica e possa obter, em abstrato, uma
tutela jurisdicional. Por isso, não é admissível um pedido através do qual a partepede o cumprimento pelo réu de uma conduta pertencente, por exemplo, à
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ordem moral ou à ordem do trato social. Esta impossibilidade abstrata de tutela
jurisdicional justifica, se existir despacho liminar (artigo 226.º, n.º4 CPC), o
indeferimento liminar da petição inicial pela manifesta improcedência (ou
melhor, insusceptibilidade de procedência) do pedido formulado (artigo 590n.º1 CPC). Com exceção das situações em que é admissível a formulação de um
pedido genérico (artigo 556.º, n.º1 CPC), o pedido deve ser certo, quer dizer,
deve referir-se a um objeto individualizado e determinado. Assim, por exemplo:
a parte não pode pedir a reivindicação de uma parcela de terreno sem indicar a
sua área ou a sua demarcação e não pode requerer apenas a abstenção de
«todo e qualquer ato ofensivo de interesses», sem especificar a categoria desses
atos e dos interesses tuteláveis.
c. Identidade: a identidade entre vários pedidos depende da identidade dos
efeitos jurídicos decorrentes desses pedidos (artigo 581.º, n,º3 CPC): dois
pedidos são idênticos quando os efeitos produzidos pela sua procedência forem
coincidentes, total ou parcialmente. Assim, por exemplo: são idênticos dois
pedidos de condenação na realização de uma mesma prestação, tal como o são,
embora apenas parcialmente, o pedido de apreciação do direito de propriedade
e o pedido de reivindicação do mesmo prédio, porque a procedência deste
implica a procedência daquele pedido (artigo 1311.º, n.º1 CC). O critério que
define a identidade dos efeitos jurídicos (e, consequentemente, do pedido)
deve ser jurídico, o que pode implicar que essa identidade se verifique mesmo
que o objeto material seja distinto. Assim, por exemplo: o pedido de
reconstituição natural e o pedido de indemnização do dano são pedidos
idênticos, porque o efeito jurídico pretendido é o mesmo – a reparação doprejuízo (artigo 566.º, n.º1 CC).
3. Causa de pedir :
a.
Noção: a causa de pedir é constituída pelos factos necessários para
individualizar a situação jurídica alegada pelo autor, ou seja, é composta pelos
factos constitutivos da situação jurídica invocada por aquela parte.
b.
Função: a causa de pedir realiza uma função individualizadora, pois é
constituída pelos factos que individualizam a situação jurídica alegada pelo
autor. Assim, situações jurídicas individualizadas por diferentes causas de pedir
são sempre situações distintas. Em concreto, nas ações constitutivas, a causa de
pedir é o facto que gera o direito potestativo que o autor invoca e pretende
exercer (artigo 581.º, n.º4, in fine CPC) e, nas ações reais, a causa de pedir é o
facto que origina o direito real (artigo 581.º, n.º4, 2.ª parte CPC). Deste modo,
nas ações de reivindicação (que são ações propostas por um proprietário que
não é possuidor contra um possuidor que não é proprietário, artigo 1311.º, n.1
CC, a causa de pedir é o facto de que resulta a aquisição, originária ou derivada,
da propriedade.
c. Delimitação: a procedência da ação depende quer da verificação dos factos
alegados por uma parte, quer da não verificação dos factos excecionados pela
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contraparte. Isto mostra que existe uma repartição do ónus de alegação entre
o autor e o réu:
Ao autor compete alegar os factos constitutivos da situação jurídica (Artigo552.º, n.º1, alínea d) CPC);
Ao réu cabe invocar os factos impeditivos, modificativos e extintivos
daquela situação (artigo 571.º, n.º2, 2.ª parte CPC).
Pode, assim, concluir-se que nem todos os factos dos quais depende a
procedência da ação integram a causa de pedir: desta só participam os factos
constitutivos da situação subjetiva invocada pela parte, isto é, os factos
essenciais (artigo 5.º, n.º1 CPC). A causa de pedir coincide necessariamente com
um ou vários factos jurídicos (artigo 581.º, n.º4, 1.ª parte CPC). Isto é, com um
facto juridicamente qualificado. Um facto é sempre algo de construído a partir
da realidade através de um certo critério:
Por meio de um critério natural delimitam-se os factos naturais;
Através dos elementos de previsão das normas jurídicas definem-se os
factos jurídicos.
Assim, um mesmo facto natural pode constituir factos jurídicos distintos (a
morte de uma pessoa, por exemplo, é valorada como um facto jurídico distinto
quando constitui fundamento para uma obrigação de indemnização do culpado
e quando desencadeia o fenómeno para uma obrigação de indemnização do
culpado e quando desencadeia o fenómeno sucessório do de cuius). Pelo mesmomotivo, vários factos naturais podem constituir um único facto jurídico (por
exemplo: o enriquecimento sem causa pressupõe factos naturais tão distintos
como, por exemplo, o engano do merceeiro na morada em que as garrafas de
vinho deviam ser entregues e o consumo da bebida pelos moradores). Os factos
que constituem a causa de pedir devem preencher uma determinada previsão
legal, isto é, devem ser subsumíveis a uma norma jurídica, mas valem
independentemente desta qualificação, dado que ela não é vinculativa para o
tribunal (artigo 4.º, n.º1 CPC). Desta verificação resulta que não representa
qualquer alteração da causa de pedir a atribuição de uma diferente qualificação
jurídica aos mesmos factos e não obsta ao funcionamento das exceções delitispendência e de caso julgado a invocação num outro processo da mesma
causa de pedir com outra qualificação legal (artigo 580.º, n.º1 e 581.º, n.º4 CPC).
É discutível se a parte pode requerer que determinada causa de pedir seja
apreciada exclusivamente segundo uma determinada qualificação jurídica. Esta
restrição só pode ser admitida quando ela não implique a impossibilidade de o
tribunal apreciar certa medida de conhecimento oficioso e não retire nenhum
meio de defesa do réu. Quando seja admissível, essa restrição determina a
improcedência da ação, ainda que ela pudesse proceder com fundamento numa
outra qualificação, e não obsta a que o âmbito da exceção de caso julgado seja
apreciado em função da causa de pedir invocada (e não da sua qualificação). OS
factos que integram a causa de pedir estão necessariamente referidos a um
determinado momento. Deste modo, causas de pedir constituídas por factos
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ocorridos em momentos diferentes são causas de pedir distintas. Por exemplo:
se uma ação, em que o autor pedia a execução específica de um contrato-
promessa, improcedeu por falta de interpelação da contraparte, nada obsta a
que possa ser proposta uma nova ação, entre as mesmas partes e com o mesmopedido, fundada no incumprimento de uma interpelação posterior à decisão
daquela ação.
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Modalidades do pedido:
1. Pedido único e múltiplo: a parte pode formular um único pedido ou um pedido múltiplo.
Este pedido pode corresponder a uma cumulação ou a um concurso de objetosprocessuais.
2. Pedido certo e genérico:
a. Noção: o pedido certo é aquele cujo objeto é um aprestação individualizada ou
determinada. A prestação considera-se individualizada quando se reporta a um
bem concreto (um automóvel ou um prédio, por exemplo) e determina quando
está definida na sua espécie e quantidade. O pedido genérico é aquele que se
refere a uma quantidade indeterminada. Esta indeterminação pode resultar da
referência a uma universalidade de facto ou de direito (artigo 556.º, n.º1, alínea
a) CPC) ou a um montante pecuniário ainda não determinável (artigo 556.º, n.º1,alíneas b) e c) CPC). Não se deve procurar qualquer correspondência entre os
pedidos genéricos e as obrigações genéricas, que são aqueles cujo objeto se
encontra determinado apenas quanto ao género e quantidade (artigo 539.ºCC).
Um pedido de entrega de mil litros de vinho verde, embora corresponda a uma
obrigação genérica, não é um pedido genérico nos termos do artigo 556.º, n.º1
CPC.
b.
Admissibilidade: o pedido genérico quando o seu objeto for uma universalidade
de fato (v.g. uma biblioteca) ou de direito (v.g. uma herança indivisa) (artigo
556.º, n.º1, alínea a) CPC). O pedido genérico também é admissível quando
respeitar a danos indemnizáveis mas ainda não apurados (artigo 556.º, n.º1,alínea b) CPC e 564.º, n.º2, 2.ª parte e 569 CC); esta modalidade do pedido
genérico permite que o autor peça a condenação do réu no que se vier a liquidar
em execução de sentença (artigo 556.º, n.º2, n fine CPC e 609.º, n.º2 CPC). O
pedido genérico também pode ser formulado quando a fixação do seu
quantitativo estiver dependente de prestação de contas ou de outro ato que
deva ser praticado pelo réu (artigo 556.º, n.º1, alínea c) CPC). A mera
possibilidade de formular um pedido genérico, ainda que a parte não a tenha
utilizado, pode ter alguma relevância. Suponha-se que, numa ação de
indemnização, o autor quantifica os danos sofridos numa quantia certa; mesmo
que não consiga fazer prova deste quantitativo, a ação não deixa de proceder,pois a parte podia ter formulado um pedido genérico (artigo 556.º, n.º1, alínea
a) CPC) e a fixação do montante da indemnização pode ser remetida para a
execução da decisão (artigo 609.º, n.º2 CPC; artigo 564.º, n.º2, 2.ª parte CC).
Fora das hipóteses referidas, o pedido genérico não é admissível. Se for
indevidamente formulado um pedido genérico, pode verificar-se uma de duas
situações:
se o pedido for, pela sua indeterminação, ininteligível, verifica-se a
ineptidão da petição inicial (artigo 193.º, n.º2, alínea a) CPC), o que pode
fundamentar o indeferimento liminar da petição inicial (artigos 226.º, n.º4
e 590, n.º1 CPC);
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se o pedido for inteligível, mas necessitar de concretização ou
individualização, a petição inicial é deficiente e o tribunal pode convidar o
autor a concretizar ou individualizar o pedido (artigo 590.º, n.º2, alínea b)
CPC analogicamente).
c.
Concretização: o pedido pode concretizar-se e individualizar-se no próprio
processo pendente. No caso previsto no artigo 556.º, n.º1, alínea c) CPC, a
liquidação é realizada pelo próprio réu da ação ou resulta da sua atividade. Nas
situações previstas o artigo 556.º, n.º1, alíneas a) e b) CPC, a liquidação pode
ser realizada através do respetivo incidente (artigo 556.º, n.º2 CPC; sobre o
incidente de liquidação – conforme artigos 358.º a 360.º CPC)) ou mediante o
processo de inventário (artigo 556.º, n.º2). Nas eventualidades previstas no
artigo 556.º.º, n.º1, alíneas a) e b) CPC, a liquidação do pedido genérico pode
ser realizada no próprio processo declarativo, mesmo depois do proferimento
da condenação genérica (artigo 358.º, n.º2 CPC). Esta liquidação deve ocorrer
antes da propositura da ação executiva, já que, se a liquidação não puder ser
realizada por simples cálculo aritmético, a sentença de condenação genérica só
constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo (artigo 704.º,
n.º5 CPC).
3. Pedido total e parcial :
a. Noção: o pedido formulado pela parte pode abranger a totalidade do efeito
jurídico ou apenas uma sua parcela: nesta última hipótese, o pedido é parcial.
b.
Concretização: a formulação de um pedido parcial pode implicar a litigância demá fé da parte que desdobra um pedido em vários pedidos parciais, na medida
em que tal constitua um uso reprovável dos meios processuais (artigo 542.º,
n.º2, alínea d) CPC). Diferentemente, já se entendeu que a petição inicial é
inepta, por contradição entre o pedido e a causa de pedir (artigo 186.º, n.º2,
alínea b) CPC), se forem alegados prejuízos num determinado valor e apenas se
pedir que o réu seja condenado a pagar uma parcela desses prejuízos (RC –
26!10/1982, BML 322, 380).
4. Pedido de prestação vincenda:
a.
Noção: o pedido de prestação vincenda é aquele em que a parte formula opedido de condenação da contraparte numa prestação cujo cumprimento ainda
não é exigível, ou seja, é aquele em que a parte requer uma condenação in
futurum. As ações condenatórias in futurum encontram-se genericamente
previstas no artigo 10.º, n.º2, alínea b) CPC, mas a sua admissibilidade está
regulada no artigo 557.º CPC.
b. Consequências: para efeitos de determinação do valor da causa, o valor do
pedido de prestações vincendas cumula-se com o valor do pedido referido Às
prestações vencidas (artigo 300.º CPC).
c. Admissibilidade: a ação de condenação in futurum é admissível sempre que a
falta de título executivo no momento do vencimento da prestação possa causar
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grave prejuízo ao credor (artigo 557.º, n.º2, 2.ª parte CPC). Tal pode decorrer,
nomeadamente, de uma propalada contestação ou oposição do devedor ao
cumprimento da prestação no momento do seu vencimento. Um exemplo desta
situação encontra-se prevista na lei: trata-se da admissibilidade da ação decondenação in futurum quando se pretenda obter o despejo de um prédio no
momento em que findar o arrendamento (artigo 557.º, n.º2, 1.ª parte CPC). A
ação de condenação relativa Às prestações já vencidas mas não cumpridas,
pretender obter a condenação do comprador nas prestações vincendas (artigo
557.º, n.º1 CPC). Note-se que, nos termos do artigo 934.º CC, a falta de
pagamento de uma só prestação que não exceda a oitava parte do preço só
importa a perda do benefício do prazo relativamente às demais prestações se
existir convenção nesse sentido. Finalmente, o pedido de condenação numa
prestação vincenda também é admissível quando a parte pretender obter a
condenação da contraparte na sanção pecuniária compulsória prevista no artigo829.º-A CC. Apesar da falta de uma específica previsão legal no âmbito
processual, essa admissibilidade é imposta pela necessidade de permitir a
imposição judicial daquela sanção compulsória (artigo 265.º, n.º4 CPC). A
situação em que a exigibilidade da prestação está sujeita a uma condição
suspensiva (ainda não verificada) exige uma resposta diferente, pois que não é
admissível pedir a condenação no cumprimento de uma determinada prestação
para a hipótese de verificação de uma determinada condição. A incerteza da
verificação da condição é completamente distinta da exigibilidade futura, mas
certa, que o artigo 557.º CPC pressupõe. A inexigibilidade da prestação deveria
obstar À procedência da ação condenatória, exceto quando tivesse sido
requerida, dentro dos condicionalismos (artigo 557.º CPC, a condenação in
futurum. No entanto, o artigo 610.º, n.º1 e 2, alínea a) CPC, contém uma
exceção a essa improcedência, pois que a inexigibilidade da obrigação nunca
obsta À condenação in futurum do devedor, havendo apenas uma diferença
quanto ao pagamento das custas e dos honorários do advogado do réu:
Se o réu contestar a existência da obrigação e o tribunal concluir que ela
existe, mas só é exigível numa data futura, o réu é condenado in futurum
(artigo 610.º, n.º1 CPC) e paga, nos termos gerais, as custas do processo
(artigo 527.º CPC);
Se o réu contestar a existência da obrigação, é igualmente condenado a
realizar a prestação no momento do seu vencimento (artigo 610.º, n.º2,
alínea a) CPC), mas as custas do processo e os honorários do seu advogado
são da responsabilidade do autor (artigo 610.º, n.º3 CPC).
Diferentes são os efeitos quando o autor requer, ab initio, a condenação in
futurum e não se verificam os pressupostos definidos no artigo 557.º CPC. Neste
caso, como o artigo 557.º CPC define em que condições está assegurado o
interesse processual na ação condenatória in futurum, a falta deste interesse
constitui uma exceção dilatória, conducente à absolvição do réu da instância
(artigos 576.º, n.º2 e 278.º, n.º1, alínea e) CPC). Estes regimes não sãocompletamente coerentes. Como resulta do estabelecido no artigo 610.º, n.º1
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e 2, alínea a) CPC, a ação não improcede mesmo que o autor afirme na petição
inicial que a prestação é exigível e requeira a condenação do réu na sua
realização imediata, pois que, se o tribunal concluir que a obrigação, apesar de
existente, ainda não é exigível, é proferida uma sentença de condenação in futurum. O pior que pode suceder ao autor é, se o réu não contestar a existência
da obrigação, ficar responsável pelo pagamento das custas e honorários da
contraparte (artigo 610.º, n.º3 CPC). Portanto, se o autor não se quiser
preocupar com o interesse processual exigido pelo artigo 557.º CPC para o
pedido de condenação in futurum, basta-lhe apresentar a obrigação como
exigível e aguardar que o tribunal, se não admitir essa exigibilidade, aplique o
disposto no artigo 610.º, n.º1 e 2. Alínea a) CPC, e profira uma decisão de
condenação in futurum. Pode perguntar-se se o interesse processual exigido
pelo artigo 557.º, n.º2 CPC, também é imposto à parte demandada, isto é, se o
réu só pode invocar contra o autor, através do pedido reconvencional (artigo266.º, n.º1 CPC, direitos ainda não exigíveis se estiverem preenchidas as
condições referidas naquele preceito. Contra a imposição destas condições ao
demandado poder-se-ia argumentar que não se justifica que, não tendo a
iniciativa da ação partido do réu, esta parte não possa aproveitar a ação contra
ele proposta para fazer valer contra o autor, independentemente do interesse
processual exigido pelo artigo 557.º, n.º2 CPC, direitos ainda não exigíveis. Não
são muitas as hipóteses em que, por o réu ser titular de um direito a uma
prestação não exigível, interessa averiguar a admissibilidade de um tal pedido.
Isto porque a reconvenção só é admissível nos casos definidos no artigo 266.º,
n.º2 CPC, e, quanto a eles, verifica-se que a compensação não é possível se o
contra-crédito do réu não for exigível (artigo 763.º, n.º1, alínea a) e 766.º CPC).
E que o direito a benfeitorias dificilmente se pode referir a prestações ainda não
vencidas. Resta a hipótese de o réu pretender obter a condenação do autor na
prestação sinalagmática daquela que é pretendida por este último (situação em
que o pedido reconvencional é admissível por decorrer do fundamento da ação
(artigo 266.º, n.º2, alínea a), 1.ª parte CPC: nesta eventualidade, o réu pode
formular, através da reconvenção, o pedido de condenação in futurum no
cumprimento da prestação sinalagmático, independentemente da verificação
do interesse processual exigido pelo artigo 557.º, n.º2 CPC).
Vícios do objeto processual:
1. Casuística:
a. Vícios de causa de pedir: o objeto processual não se encontra devidamente
constituído se não existir causa de pedir ou se ela for totalmente ininteligível
(artigo 186.º, n.º2, alínea a) CPC). A nulidade resultante da ininteligibilidade da
causa de pedir é sanável através da ampliação da matéria de facto na réplica, se
o processo a admitir (artigo 265.º, n.º1 CPC). Não se verifica qualquer falta de
causa de pedir quando na petição inicial for indicado o facto concreto (simples
ou complexo) em que o autor fundamenta o seu pedido, apesar de ele ser
insuficiente para preencher a previsão de qualquer norma jurídica: nestahipótese, deva ser concedida à parte a faculdade de aperfeiçoar o seu articulado
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através da alegação dos respetivos factos (artigo 590.º, n.º2, alínea b) e 591.º,
n.º1, alínea c) CPC).
b.
Vícios do pedido: a petição inicial é inepta se o pedido faltar ou for ininteligível(artigo 186.º, n.º2, alínea a) CPC). A inexistência do pedido pode resultar da falta
de alegação de qualquer situação jurídica para a qual se pretende a tutela
jurisdicional. Por exemplo: o autor invoca, como causa de pedir, o
incumprimento contratual, mas não esclarece se, fundamentado nesse
incumprimento, pretende uma indemnização ou a realização da prestação em
dívida. O pedido também falta se a parte não requerer qualquer tutela
jurisdicional para a situação jurídica que invoca. Por exemplo: o autor alega ser
titular de um direito de propriedade sobre um imóvel ocupado pelo réu, mas
não indica se deseja a mera apreciação de existência desse direito ou a
condenação do réu na desocupação desse imóvel. A ininteligibilidade do pedido
decorre de uma formulação contraditória. Por exemplo: é ininteligível o pedido
em que a parte pede a execução específica de um contrato-promessa e a
condenação do réu a outorgar a escritura pública de transmissão da
propriedade.
c. Incompatibilidade intrínseca: a petição inicial é inepta se houver
incompatibilidade entre a causa de pedir alegada e o pedido formulado (artigo
182.º, n.º2, alínea b) CPC). Por exemplo: a alegação da existência de um
contrato nulo por falta de forma não pode fundamentar o pedido de resolução
do mesmo contrato; um contrato promessa de arrendamento não pode
fundamentar o pedido de resolução do arrendamento com fundamento na falta
de pagamento de rendas. Também aqui importa distinguir
A falta de compatibilidade jurídica entre a causa de pedir e o pedido: que é
motivo de ineptidão da petição inicial (artigo 186.º, n.º2, alínea b) CPC; da
Inabilidade ou insuficiência da causa de pedir para fundamentar o pedido:
situação que origina a improcedência da ação e que, sendo manifesta, pode
conduzir ao indeferimento da petição inicial (artigo 226.º, n.º4 e 590, n.º1
CPC).
2. Consequências: a consequência da ineptidão da petição inicial é a nulidade de todo o
processo (artigo 186.º, n.º1 CPC), a qual constitui uma exceção dilatória nominada
(artigo 577.º, alínea b) CPC). A ineptidão irreleva se, tendo o réu contestado, se verificar,
depois de ouvido o autor, que aquela parte interpretou convenientemente a petiçãoinicial (artigo 186.º, n.º3 CPC). A ineptidão pode ser conhecida oficiosamente pelo
tribunal (artigo 196.º CPC), mas as partes só a podem arguir até à contestação ou neste
articulado (artigo 198.º, n.º1 CPC). Os efeitos desta ineptidão são distintos no momento
do despacho liminar e em momento posterior da pendência da ação:
Naquele primeiro momento do despacho liminar , a ineptidão da petição inicial
determina o indeferimento liminar do articulado (artigo 590, n.º1 CPC);
Num momento posterior , essa ineptidão determina, normalmente no despacho
saneador (artigo 200.º, n.º2 CPC) a absolvição do réu da instância (artigo 577.º,
alínea b) e 278.º, n.º1, alínea b) CPC).
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§2.º - Relações entre objetos processuais
Relação de identidade:
1. Identidade total : a identidade total entre dois ou mais objetos processuais verifica-se
quando eles coincidem completamente na causa de pedir alegada e no pedido
formulado. Acrescida da identidade de partes, essa identidade conforma a exceção de
litispendência, se as ações estiverem pendentes simultaneamente (artigo 580.º, n.º1 e
581.º, n.º1 CPC), ou de caso julgado, se essa pendência se verificar em momento distinto
(artigo 580.º, n.º1 e 581.º, n.º1 CPC).
2. Relações de consumpção:
a.
Noção: a identidade parcial entre objetos processuais pode originar relações de
consumpção ou de prejudicabilidade. Existe uma relação de consumpçãoquando o objeto de uma ação posterior se inclui no objeto de uma ação anterior.
Suponha-se, por exemplo, que, quando está pendente uma ação de
reivindicação (no qual se pede o reconhecimento do direito de propriedade e a
restituição da coisa, artigo 1311.º, n.º1 CC), o autor propõe, contra o mesmo
réu, uma ação de apreciação da propriedade do imóvel reivindicado; aquela
ação de reivindicação consome esta ação de apreciação.
b.
Consequências: a relação de consumpção justifica a arguição da exceção de
litispendência ou de caso julgado (artigo 580.º, n.º1 e 581.º, n.º1 CPC).
3. Relações de prejudicabilidade:
a.
Noção: verifica-se uma situação de prejudicabilidade quando o julgamento deum objeto processual depende da apreciação de um outro objeto. Assim, por
exemplo, se, estando pendente uma ação de apreciação da propriedade de um
imóvel, o mesmo autor instaurar contra o mesmo réu uma ação de reivindicação
do mesmo imóvel (porque, entretanto, o réu ocupou), aquela ação de mera
apreciação é prejudicial perante esta ação de reivindicação.
b. Modalidades: a prejudicabilidade pode ser:
i. Homogénea: quando se verifica apenas entre objetos do âmbito do
processo civil; Por exemplo: a ação de condenação na restituição do
capital mutuado é prejudicial relativamente à ação de condenação no
pagamento de juros; a ação de apreciação do direito de propriedadesobre um imóvel é prejudicial perante a ação de indemnização pela
ocupação do mesmo imóvel; a ação de anulação da venda judicial do
estabelecimento comercial, proposta por arremate, é prejudicial
relativamente à ação de despejo por ele instaurada contra o inquilino e
dono do estabelecimento. A prejudicabilidade também se pode
verificar quanto a uma questão processual. Assim, por exemplo,
discutindo-se num processo a nulidade da citação por demência do
citado, é prejudicial relativamente a ela a decisão que vier a ser
proferida na ação de interdição por anomalia psíquica;
ii. Heterogénea: quando se constitui entre um objeto do domínio do
processo civil e um outro do âmbito diverso: é o caso, por exemplo,
daquela que se constitui entre um objeto do processo penal ou
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administrativo e um objeto processual civil (artigo 92.º CPC). Por
exemplo: estando pendente no tribunal criminal um processo relativo à
falsificação de um documento, o juiz de um processo civil no qual se
pede, com base nesse documento, a declaração de um direito depropriedade sobre um imóvel, pode suspender a instância até ao
proferimento da sentença naquela ação penal.
c.
Efeitos: a relação de prejudicabilidade pode verificar-se entre objetos de várias
ações: esta situação encontra-se prevista no artigo 272.º, n.º1 CPC, que
estabelece que o tribunal no qual foi instaurada a ação dependente pode
ordenar a suspensão da instância, aguardando a decisão da ação relativa ao
objeto prejudicial (também, artigo 269.º, alínea c) CPC). Por exemplo: estando
pendente uma ação de resolução do contrato de arrendamento, o juiz de uma
ação de uma ação de preferência de despejo. Nesta hipótese, a suspensão da
instância com fundamento na relação de prejudicabilidade justifica-seessencialmente pela necessidade de evitar decisões contraditórias e pela
economia processual decorrente de uma única apreciação da mesma questão.
A relação de prejudicabilidade que justifica a suspensão da instância verifica-se,
por exemplo, nos seguintes casos: quando o réu de uma ação de reivindicação
instaura anteriormente uma ação de interpretação do testamento de que
deriva o direito de propriedade alegado pelo autor; quando, paralelamente a
uma ação de preferência, estiver pendente uma outra ação em que se invoca a
nulidade por simulação, do contrato de compra e venda; quando, em
simultâneo com uma ação de reivindicação, correr uma outra ação em que se
discute o mesmo direito de propriedade e o arrendamento celebrado com base
nele; quando, durante a pendência de uma ação de preferência proposta pelo
locatário, for instaurada uma ação de despejo; quando, tendo sido instaurada
uma ação de reivindicação com base em usucapião, for proposta uma outra
ação com fundamento na presunção decorrente do registo predial. Esta relação
de prejudicabilidade pressupõe que as partes de ambas as ações (a prejudicial
e a dependente) sejam as mesmas ou que, pelo menos, a eficácia da decisão
proferida na causa prejudicial seja extensível às partes da causa pendente. É,
aliás, indiferente que a causa prejudical tenha sido instaurada antes ou depois
da ação dependente, exceto se entre as ações se verificar uma situação de
litispendência. A suspensão mantém-se até ao julgamento definitivo da causa
prejudicial (artigo 276.º, n.º1, alínea c) CPC). A suspensão da instância não deveser ordenada se houver fundadas razões para suspeitar que a causa prejudicial
foi proposta unicamente para se obter aquele efeito ou se a causa dependente
estiver tão adiantada que os prejuízos resultantes da suspensão superam as
suas vantagens (artigo 272.º, n.º2 CPC). O poder de suspender a instância é um
poder funcional do tribunal, isto é, um poder-dever e não um poder
discricionário, porque o artigo 272.º, n.º2 CPC enuncia taxativamente as
condições em que a suspensão não deve ser ordenada, não deixando qualquer
abertura para o uso pelo tribunal de critérios de conveniência ou de
oportunidade. A relação de prejudicabilidade também se pode verificar entre
elementos do objeto de uma mesma ação. Refere-se a essa situação o artigo92.º, n.º1 CPC, no qual se estabelece que, se o conhecimento do objeto da ação
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depender da decisão de uma questão que seja da competência do tribunal
criminal ou administrativo, o juiz da causa pode suspender a instância até à sua
decisão por um destes tribunais (artigo 269.º, n.º1, alínea c) CPC). Nesta
eventualidade, o juiz autonomiza do objeto da ação a questão prejudicial penalou administrativa e remete as partes para o competente processo penal ou
administrativo, que uma delas deverá instaurar no prazo de um mês após o
decretamento da suspensão (artigo 272.º, n.º2, 1.ª parte CPC). Esta suspensão
justifica-se pela vantagem respeitante à apreciação da questão penal ou
administrativa pelo tribunal materialmente competente, mas a opção no seu
decretamento constitui um poder discricionário do tribunal da ação.
Normalmente, a suspensão termina com o julgamento definitivo da causa
prejudicial (artigo 276.º, n.º1, alínea c) CPC), mas ela também finda se a ação
penal ou administrativa não for exercida dentro de um mês após o seu
decretamento ou se o respetivo processo estiver parado, por negligência daspartes, durante o mesmo prazo (artigo 92.º, n.º2, 1.ª parte CPC). Levantada a
suspensão por este último motivo, o juiz da ação decide a própria questão
prejudicial, embora a sua decisão não produza efeitos fora do processo
respetivo (artigo 92.º, n.º2, 2.ª parte CPC).
Relações de concurso:
1. Noção: verifica-se uma relação de concurso entre objetos processuais quando todos
eles se referem a um mesmo efeito jurídico. Assim, por exemplo, são concorrentes dois
direitos potestativos que permitem a anulação de um mesmo ato jurídico ou duas
pretensões que se referem à mesma prestação.2. Constituição: o concurso de objetos processuais pode verificar-se quanto a qualquer
efeito jurídico. Por exemplo: a propriedade sobre um imóvel pode fundamentar-se
simultaneamente num contrato de compra e venda e numa aquisição mortis causa; a
dissolução do casamento por divórcio pode ser fundamentada numa violação culposa
de um dever conjugal (artigo 1779.º, n.º1 CC) ou na separação de facto por três anos
consecutivos (artigo 1781.º, alínea a) CC); a publicação por um editor das memórias
pessoais antes de passados os cinco anos após a morte do autor que foram
contratualmente fixados origina responsabilidade contratual, por violação do estipulado
(artigo 798.º, n.º1 CC), e delitual, por invasão da propriedade privada do autor (artigos
77.º e 483.º, n.º1 CC).3. Modalidades:
a.
Concurso stricto sensu: quando o autor invoca duas situações jurídicas referidas
a um mesmo efeito jurídico, o resultado pretendido é obtido desde que a ação
proceda quanto a um deles. Por exemplo: se o autor alega, como fundamento
do pedido de divórcio, a violação dos deveres conjugais (artigo 1779.º, n.º1 CC)
e a separação de facto durante mais de três anos consecutivos (artigo 1781.º,
alínea a) CC), o divórcio é decretado se for procedente qualquer destes
fundamentos. Nesta situação, o concurso de objetos processuais traduz-se
numa relação de alternatividade entre esses objetos.
b. Concurso de títulos de aquisição: nem todo o concurso pode ser reconduzido a
uma alternatividade entre vários objetos. Admita-se, por exemplo, que o credor,
que é igualmente o sacador de uma letra de câmbio, invoca simultaneamente o
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contrato de mútuo e a relação cambiária como fundamento do pedido de
pagamento da quantia em dívida; as pretensões emergentes do contrato de
mútuo e da relação cambiária – que são concorrentes, porque se referem a uma
mesma prestação – não são autónomas entre si e, por isso, não ordem serconsideradas alternativas, porque, como se refere no artigo 17.º LLUL, as
exceções oponíveis pelo devedor à pretensão emergente do contrato de mútuo
também são invocáveis contra a pretensão cambiária. Quer dizer: em casos
como o apresentado, ambas as pretensões comungam de um mesmo destino,
porque o motivo de improcedência de uma delas também o é da outra
pretensão concorrente. Estas situações, nas quais as pretensões são
concorrentes, mas não são alternativas, constituem um concurso de títulos de
aquisição da prestação.
4. Admissibilidade: a função instrumental do processo civil perante o direito substantivo
e a consequente necessidade de permitir a expressão em processo de todas asrealidades deste direito justificam que não possa ser coarctada à parte de alegar numa
mesma ação todos os objetos concorrentes. Assim, a falta de qualquer previsão legal
específica não pode ser invocada contra a admissibilidade do concurso de objetos
processuais.
Relações de cumulação:
1. Definição: a cumulação de objetos verifica-se, quando, num mesmo processo, são
apresentados vários objetos processuais referidos a distintos efeitos jurídicos. É a
diferenciação entre estes efeitos que permite distinguir as hipóteses de cumulação
objetiva das situações de concurso de objetos processuais, pois que, neste último,também são apresentados vários objetos num único processo, mas todos eles respeitam
a um mesmo efeito jurídico.
2. Modalidades: a cumulação pode ser:
Inicial : se ela se verifica desde o começo da instância. É aquela que é apresentada
pelo autor na petição inicial da ação;
Sucessiva: se se constitui durante a pendência da causa. Enquadra todas as
hipóteses em que ao objeto inicial da causa se cumula, por iniciativa do autor ou
do réu, qualquer outro objeto.
3. Pressupostos processuais: em princípio, os pressupostos processuais (como, por
exemplo, a competência do tribunal ou a legitimidade das partes) devem ser aferidosseparadamente em relação a cada um dos objetos cumulados. Disto decorre que a
cumulação se pode desfazer pelo indeferimento liminar da petição inicial ou pela
absolvição do reu da instância quanto a um dos objetos cumulados, com o fundamento
de que, relativamente a ele, não se encontram preenchidos os pressupostos processuais.
À apreciação autónoma dos pressupostos processuais em relação a cada um dos objetos
constituem exceção aqueles pressupostos que são indexados ao valor da causa. Assim,
por exemplo, o patrocínio judiciária é obrigatório nas causas cujo valor excede a alçada
dos tribunais de primeira instância (artigo 40.º, n.º1, alínea a) CPC), pelo que, como na
cumulação simples o valor da causa é determinado pela soma do valor de todos os
objetos (artigo 297.º, n.º2, 1.ª parte CPC), o patrocínio pode ser obrigatório numa
situação em que o não seria se cada um dos pedidos cumulados fosse individualmente
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apresentado numa ação. Também quanto à competência relativa se verifica uma
exceção à apreciação autónoma dos pressupostos processuais para cada um dos objetos
cumulados. Isto porque a cumulação objetiva só exige a competência absoluta do
tribunal para apreciar todos os objetos cumulados (artigo 554.º, n.º2 e 55.º, n.º1, emreferência ao artigo 37.º, n.º1, 1.ª parte CPC), pelo que o tribunal que é relativamente
competente para apreciar um dos objetos cumulados é-o igualmente para todos os
demais objetos.
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§3.º - Cumulação objetiva inicial
Cumulação simples:
1.
Noção: na cumulação simples, o autor requer a procedência simultânea de todos os
pedidos cumulados e a produção de todos os seus efeitos (artigo 555.º, n.º1 CPC). Por
exemplo: o autor instaura uma ação pedindo a entrega de uma máquina e o pagamento
de uma indemnização pela mora na sua prestação; se a ação for julgada totalmente
procedente, o réu deve realizar ambas as prestações.
2.
Formulação: a cumulação objetiva é, em princípio, uma faculdade que assiste à parte.
Mas nem sempre assim sucede, pois que, em certas situações recai sobre a parte um
ónus de cumulação de pedidos. Por exemplo: o artigo 1792.º, n.º2 CC impõe que o
pedido de indemnização do cônjuge ofendido seja deduzido na própria ação de divórcio;os factos comprovados pelo registo não podem ser impugnados em juízo sem que seja
pedido o cancelamento ou retificação do registo (artigo 3.º, n.º2, CRc; artigo 8.º, n.º1
CRp).
3. Delimitação: na cumulação simples, os efeitos respeitantes a cada um dos pedidos
devem ser diferentes não só juridicamente, mas também economicamente. Isto é,
demonstrado pelo artigo 297.º, n.º2 CPC, o estabelecer que, cumulando-se na ação
vários pedidos, o seu valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles,
o que pressupõe que cada um dos pedidos representa uma diferente utilidade
económica. Por exemplo: numa ação de reivindicação – em que se pede o
reconhecimento da propriedade e a restituição da coisa (artigo 1311.º, n.º1 CC) – nãose verifica qualquer cumulação objetiva, porque os pedidos formulados não possuem
uma utilidade económica diferenciada e, por isso, não se soma, para determinação do
valor da causa, o valor do pedido de apreciação da propriedade ao do pedido de
restituição da coisa.
4. Pressupostos processuais:
a. Enunciado: a cumulação simples exige a não exclusão por lei, bem como a
compatibilidade processual (artigo 555.º, n.º1, com remissão para o artigo 37.º,
n.º1, 1.ª parte CPC) e substantiva (artigo 186.º, n.º2, alínea c) CPC) entre os
objetos cumulados. A compatibilidade processual respeita à competência
absoluta do tribunal e à compatibilidade entre as formas processuais adequadas
para os objetos cumulados (artigo 555.º, n.º1 e 37.º, n.º1 CPC).
b. Não exclusão: em certos caso, atendendo à natureza dos interesses envolvidos,
a lei exclui a cumulação de dois ou mais objetos num mesmo processo. É o que
acontece quanto às ações de investigação da maternidade e da paternidade,
dado que os artigos 1814.º e 1869 CC exigem que essas ações sejam
especialmente (entenda-se, exclusivamente) instauradas com essa finalidade.
c. Compatibilidade processual: a cumulação só é admissível se o tribunal for
absolutamente competente para todos os objetos apresentados (artigo 555.º, n.º1,
in fine CPC), isto é, se ele for material, hierárquica e internacionalmente
competente para apreciar todos os objetos. A cumulação simples também exige
que a forma do processo seja compatível para todos os pedidos cumulados (artigo555.º, n.º1, in fine CPC). A cumulação não é admissível se aos vários objetos
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corresponderem processos especiais distintos, exceto se a tramitação dos
processos não for manifestamente incompatível e o juiz autorizar a cumulação
(artigo 37.º, n.º2 CPC). O artigo 555.º, n.º2 CPC excetua expressamente da
observância desta compatibilidade entre as formas processuais a cumulaçãoconstituída pelos pedidos de divórcio litigioso e de prestação de alimentos.
d.
Compatibilidade substantiva: a compatibilidade substantiva entre os objetos
cumulados refere-se à concordância prática dos efeitos decorrentes dos objetos
cumulados (artigos 555.º, n.º1, 1.ª parte e 186.º, n.º2, alínea c) CPC). A cumulação
não é admissível se os efeitos resultantes de um ou de alguns dos objetos for
incompatível com os efeitos provenientes de outro ou outros desses objetos. Assim,
não se pode cumular, por exemplo, o pedido de apreciação do direito de
propriedade (plena) sobre um imóvel com o pedido de reconhecimento do direito
de usufruto sobre o mesmo imóvel, porque a propriedade (plena) não é conciliável
com o usufruto; também não é admissível a cumulação do pedido de declaração denulidade com o pedido de resolução do contrato.
e. Conexão objetiva: o artigo 555.º, n.º1 CPC não define, além da compatibilidade
processual e substantiva entre os objetos cumulados, qualquer outro pressuposto
da cumulação simples. Não é exigida, nomeadamente, qualquer conexão entre
esses objetos. Porém, se esta conexão não é requerida, isso não significa que ela
não seja desejável. A apreciação de pedidos completamente distintos e autónomos
implica uma maior complexidade da instrução, discussão e julgamento da causa.
Justifica-se, assim, a aplicação analógica do artigo 37.º, n.º4 CPC, às hipóteses em
que os objetos cumulados não apresentam entre si qualquer conexão e em que a
sua instrução, discussão e julgamento conjunto possa comprometer a boa
administração da justiça.
5.
Falta de pressupostos:
a.
Exclusão legal : se forem cumulados vários objetos numa situação em que a lei
exclui essa cumulação, deve ser aplicado, por analogia, o regime previsto no
artigo 37.º, n.º4 CPC. Se, todavia, o tribunal não for absolutamente competente
para os objetos cumulados ou a forma do processo não for compatível para
todos esses objetos, as consequências daquela cumulação ilegal são
consumidas pela falta destes requisitos.
b.
Incompatibilidade processual : a incompetência processual entre os objetos
cumulados resulta da incompetência absoluta do tribunal ou da inadequação
das formas do processo para algum ou alguns dos pedidos cumulados. Aincompetência absoluta determina, se houver despacho liminar (artigo226.º,
n.º4 CPC), o indeferimento parcial da petição quanto ao objeto ou objetos para
os quais o tribunal não é absolutamente competente (artigo 590, n.º1 CPC); no
momento do despacho saneador, essa incompetência absoluta, que é uma
exceção dilatória (artigo 577.º, alínea a) CPC), determina a absolvição do réu da
instância quanto ao objeto ou objetos para os quais o tribunal é absolutamente
incompetente (artigo 576.º, n.º2 e 278.º, n.º1, alínea a) CPC). A
incompatibilidade entre as formas do processo para algum ou alguns dos
objetos cumulados implica, se houver despacho liminar (artigo 226.º, n.º4 CPC),
o indeferimento parcial da petição quanto ao objeto ou objetos para os quais aforma processual indicada pelo autor (artigo 552.º, n.º1, alínea c) CPC) não for
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a adequada (artigo 590.º, n.º1 CPC). No momento do despacho saneador, a
inadequação formal, que é uma exceção dilatória inominada, determina a
absolvição do réu da instância quanto ao pedido ou pedidos para os quais a
forma usada não for a adequada (artigos 576.º, n.º2 e 278.º, n.º1, alínea e) CPC).c.
Incompatibilidade substantiva: a incompatibilidade substantiva entre os
objetos cumulados provém da falta de concordância prática entre os efeitos por
eles produzidos. A sua consequência é a ineptidão da petição inicial (artigo 186.º,
n.º2, alínea c) CPC).
Cumulação alternativa:
1. Noção: na cumulação alternativa, a parte requer a procedência de todos os objetos
cumulados, mas pretende obter apenas, segundo a escolha do réu, a produção dos
efeitos de um desses objetos (artigo 553.º, n.º1 CPC). Assim, sucede quando, por
exemplo, o autor pede a condenação do réu na entrega de um quadro ou de uma jóia;se a ação for considerada procedente, o demandado tem de realizar somente uma das
prestações a que foi condenado. É por isso que o valor de uma ação em que são
formulados pedidos alternativos é apenas o pedido de maior valor (artigo 297.º, n.º1,
1.ª parte CPC).
2. Delimitação: na cumulação alternativa, a parte requer a procedência de todos os
objetos alegados, não se confundindo, por isso, com a situação em que a parte formula
vários pedidos, sabendo, de antemão, que um ou vários não poderão proceder, mas
deixando ao tribunal a opção pela procedência de um ou alguns deles. Esta situação é,
aliás, inadmissível e conduz a ineptidão da petição inicial por indeterminação do pedido
(artigo 186.º, n.º2, alínea a) CPC).3. Pressupostos processuais:
a. Alternatividade substantiva: a cumulação alternativa exige que os pedidos
formulados possam ser apresentados em alternativa. Esta alternatividade
substantiva está assegurada no caso dos direitos alternativos por natureza ou
origem (artigo 553.º, n.º1, 1.ª parte CPC), como é a hipótese das obrigações
alternativas (artigo 543.º, n.º1 CC). Esta alternatividade também se verifica
quanto a direitos que se possam resolver em alternativa (artigo 553.º, n.º1, 2.ª
parte CPC), como acontece com as obrigações com faculdade alternativa
passiva, isto é, com as obrigações que se referem a uma prestação que o
devedor tem a faculdade de substituir por uma outra. Por exemplo: o autorpede que o réu seja condenado a entregar-lhe um automóvel ou a quantia
monetária que este devedor se reservou poder pagar em substituição daquela
prestação.
b.
Compatibilidade processual: apesar de a lei nada referir, a cumulação
alternativa deve exigir a compatibilidade processual entre os objetos alegados.
Isto significa que são analogicamente aplicáveis à cumulação alternativa os
pressupostos exigidos pelo artigo 55.º, n.º2 CPC, para a cumulação simples.
c. Conexão objetiva: a cumulação alternativa não exige, como requisito autónomo,
qualquer conexão entre os objetos alegados. A própria relação de
alternatividade substantiva, dispensa a necessidade de qualquer outra conexão
entre esses objetos.
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4. Falta de pressupostos:
a. Falta de alternatividade: a falta de alternatividade subsidiária verifica-se
quando os objetos não são alternativos, como sucede, por exemplo, quando o
autor instaura uma ação pedindo o cumprimento de um contrato de mútuo ouo reconhecimento da propriedade sobre um imóvel. A falta desta
alternatividade significa que, sob o ponto de vista substantivo, os objetos não
pode ser apresentados numa relação de alternatividade. Por isso, a essa falta
deve ser aplicada, por analogia, a consequência da contradição substantiva na
cumulação simples, que é a ineptidão da petição inicial (artigo 186.º, n.º2, alínea
c) CPC).
b. Incompatibilidade processual: a falta de compatibilidade processual entre os
pedidos alternativos produz as mesmas consequências que se verificam em
idêntica situação na cumulação simples.
Cumulação subsidiária:
1. Noção: a cumulação subsidiária é aquela em que o autor requer a procedência de um
objeto (que é o objeto principal) e, subsidiariamente, a de um outro (o objeto
subsidiário). Nesta cumulação, são apresentados vários objetos (um objeto principal e,
pelo menos, um objeto subsidiário), mas o objeto que é formulado subsidiariamente só
é apreciado se o objeto principal for julgado improcedente. O valor da causa em que é
apresentada uma cumulação subsidiária é apenas, por isso, o correspondente ao objeto
principal (artigo 297.º, n.º3, 2.ª parte CPC).
2. Caracterização:
a.
Delimitação: na cumulação subsidiária, a apreciação de um ou vários pedidossubsidiários é condicionada pela decisão de improcedência sobre o objeto
principal. Porém, a cumulação subsidiária não é uma cumulação condicional,
isto é, não se verifica penas quando, atendendo à improcedência do pedido
principal, houver que apreciar o objeto subsidiário. Todos os pedidos (mesmo
aqueles que são formulados subsidiariamente) estão pendentes desde o
começo da instância, pelo que aquela cumulação se verifica igualmente desde
este momento.
b. Concretização: a cumulação subsidiária encontra-se prevista no artigo 554.º,
n.º1 CPC. Podem referir-se os seguintes exemplos: o autor pode intentar uma
ação de reivindicação de um imóvel e pode pedir, subsidiariamente, oreconhecimento do seu direito de usufruto sobre o mesmo imóvel; o autor pode
pedir, a título principal, que o réu seja condenado, com fundamento no
incumprimento do contato promessa, a restituir o sinal em dobro e pode pedir,
a titulo subsidiário, a declaração de nulidade daquele contrato e a restituição
das quantias recebidas pelo réu. Em regra, a improcedência parcial do objeto
principal não justifica a apreciação do objeto subsidiário. Se, numa ação de
reivindicação, for reconhecida a propriedade do autor, mas não o dever de
restituição da coisa pelo réu (artigo 1311.º, n.º2 CC), não há que apreciar o
objeto subsidiário de reconhecimento do usufruto.
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3. Efeitos:
a. Generalidades: a cumulação subsidiária apresenta algumas especialidades.
Importa considerar, em particular, alguns problemas relacionados com a
pendência dos objetos cumulados e com a prescrição dos direitos invocados.b. Concretização: mesmo que, pela procedência do objeto principal, o objeto
subsidiário nunca venha a ser apreciado, verifica-se a pendência deste último
desde o início da ação. Isto pode ter relevância, por exemplo, para o
funcionamento da exceção de litispendência (artigos 580.º e 581.º, n.º1 CPC):
esta exceção opera se, durante a pendência da ação em que se formula o objeto
subsidiário, este mesmo for apresentado numa outra ação. O termo da
pendência do objeto subsidiário verifica-se com o trânsito em julgado da
decisão sobre o objeto principal, parecendo que, por analogia com o disposto
no artigo 276.º CC quanto à retroatividade da condição, ele deve ser reportado
ao momento da propositura da ação. Quanto ao prazo de prescrição a queeventualmente esteja submetido o direito alegado como objeto subsidiário,
pode questionar-se a sua interrupção (que decorreu da citação do réu para a
ação, artigo 323.º, n.º1 CC) é atingida pelo termo retroativo da pendência
daquele objeto. Segundo parece, sempre que a subsistência do objeto
subsidiário não seja prejudicada pela procedência do objeto principal, deve
aplicar-se analogicamente a essa situação o disposto no artigo 327.º, n.º2 CC,
com as seguintes consequências: durante a pendência da causa mantém-se a
interrupção da prescrição, decorrente da citação do réu, do direito alegado a
título subsidiário, mas, após a decisão de procedência proferida quanto ao
objeto principal, começa por correr um novo prazo prescricional para essedireito a contar do ato interruptivo,, ou seja, a partir daquela citação.
4. Pressupostos processuais:
a. Compatibilidade substantiva: a cumulação subsidiária não exige
compatibilidade substantiva entre os objetos cumulados, isto é, não requer a
concordância pratica dos efeitos do objeto principal e do objeto subsidiário, pois
que esses objetos podem ser contraditórios entre si (artigo 554.º, n.º2, 1.ª parte
CPC). Por exemplo: é admissível pedir, a título principal, que o réu seja
condenado, com fundamento no incumprimento do contrato promessa, a
restituir o sinal em dobro e, a título subsidiário, na hipótese da improcedência
do primeiro pedido, que seja declarada a nulidade daquele contrato e que o réu
seja condenado a restituir as quantias recebidas.
b.
Compatibilidade processual: a cumulação subsidiária exige a compatibilidade
processual entre os objetos cumulados (artigo 554.º, n.º2, 2.ª parte CPC), a qual
respeita, como resulta da remissão do artigo 554.º, n.º2, 2.ª parte CPC, para o
artigo 37.º, n.º1, 1.ª parte CPC, à competência absoluta do tribunal e à
compatibilidade entre as formas do processo adequadas para os objetos
cumulados.
c.
Conexão objetiva: aparentemente, entre o objeto principal e o objeto
subsidiário pode não existir qualquer conexão, porque um tal relação entre
esses pedidos não se encontra prevista no artigo 554.º, n.º2 CPC. Porém, não
pode ser assim. O artigo 297.º, n.º3, 2.ª parte CPC, estabelece que o valor daação em que é formulada uma cumulação subsidiária é apenas o
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correspondente ao objeto principal, pelo que não se justifica que, numa ação
cujo valor seja determinado pelo objeto principal, se possa apreciar um objeto
subsidiário totalmente diferente e autónomo daquele outro objeto. É o que
pode acontecer se, por exemplo, o autor pedir a condenação do réu nopagamento de um mútuo ou, subsidiariamente, o reconhecimento da
propriedade sobre um imóvel. Ainda que a exigência de uma conexão entre o
objeto principal e o subsidiário pareça razoável, é verdade que ela não é incluída
entre os pressupostos referidos no artigo 554.º, n.º2 CPC. Tal comos e propôs
quanto à cumulação simples, também para a cumulação subsidiária se justifica
a aplicação analógica do disposto no artigo 37.º, n.º4 CPC. Sem excluir outras
situações possíveis, a conexão entre o objeto principal e o objeto subsidiário
está assegurada se entre eles se verificar alguma das situações previstas no
artigo 36.º CPC. Por exemplo: o autor requer, com base numa mesma causa de
pedir (que é um contrato de compra e venda), o reconhecimento do seu direitode propriedade sobre um imóvel ou, subsidiariamente, a sua declaração como
usufrutuário do mesmo prédio.
d. Apreciação dos pressupostos: tal como sucede em qualquer das modalidades
da cumulação objetiva, a generalidade dos pressupostos processuais é
apreciada separadamente para o objeto principal e para o objeto subsidiário.
No entanto, como o objeto subsidiário só é apreciado se o objeto principal for
considerado improcedente, pode perguntar-se se, quanto ao objeto subsidiário,
a apreciação dos pressupostos processuais fica dependente daquela
improcedência. A pendência do objeto subsidiário desde o início da instância
justifica que os pressupostos processuais relativos a esse objeto devam ser
apreciados nos momentos normais – que são o despacho liminar e o despacho
saneador – portanto, mesmo antes de se conhecer qual a decisão sobre o objeto
principal.
e.
Falta de pressupostos: a cumulação subsidiária não é admissível se faltar a
compatibilidade processual entre os pedidos cumulados, isto é, verificando-se
a incompetência absoluta do tribunal ou a incompatibilidade entre as formas do
processo para algum ou alguns dos objetos cumulados. Esta falta de
compatibilidade processual produz as mesmas consequências que se verificam
em idêntica situação na cumulação simples.
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§4.º - Cumulação objetiva sucessiva
Configuração geral:
1. Noção: a cumulação sucessiva é aquela em que ao objeto inicial da ação é cumulado,
por iniciativa de uma das partes, um outro objeto. Isto significa que a cumulação
sucessiva inclui todas as situações em que se constitui, durante a pendência de uma
ação, uma pluralidade de objetos processuais.
2. Iniciativa:
a. Parte ativa: a cumulação sucessiva pode ser a iniciativa da parte ativa ou passiva.
O autor pode apresentar, no regime da cumulação simples, alternativa ou
subsidiária, um outro objeto e pode invocar, a par do objeto inicial, um outro
objeto concorrente. Esta situação, que é a que mais se aproxima da cumulaçãoinicial, é a cumulação sucessiva stricto sensu.
b.
Parte passiva: o réu pode alegar uma exceção perentória ou deduzir um pedido
reconvencional, o que implica, em ambos os casos, a apresentação de um
objeto distinto daquele que é invocado pelo autor. A exceção perentória é um
facto impeditivo, modificativo ou extintivo do efeito jurídico pretendido pelo
autor (artigo 576.º, n.º3 CPC), pelo que a sua alegação envolve a apreciação de
um objeto distinto daquele que foi invocado por esta parte. Suponha-se, por
exemplo, que o autor pretende obter a condenação do réu no cumprimento de
uma determinada prestação contratual; se o réu invocar que nada deve prestar
porque já cumpriu a prestação, está a alegar um facto extintivo do direitoapresentado pelo autor e, simultaneamente, um objeto que, sem essa
invocação, não seria apreciado na causa. O mesmo acontece no caso de o réu
deduzir um pedido reconvencional, isto é, formular um pedido, autónomo do
pedido normal de defesa (que é o de absolvição do pedido), contra o próprio
autor da ação (artigo 266.º, n.º1 CPC). Também nesta hipótese o réu apresenta
um objeto distinto daquele que é invocado pelo autor. Se, por exemplo, o réu
pedir a condenação do autor no cumprimento da prestação sinalagmática
daquela que este pretende (artigo 266.º, n.º2, alínea a), 1.ª parte CPC), torna-
se necessário apreciar um objeto diferente daquele que foi invocado pelo autor.
c. Ambas as partes: o artigo 267.º, n.º1 CPC permite que qualquer das partes
requeira a apensação de ações que foram propostas separadamente, quando
entre elas se verificarem os pressupostos do litisconsórcio, da coligação, da
oposição ou da reconvenção. Por exemplo: é admissível a apensação das várias
ações em que os lesados num mesmo acidente de viação pedem Às companhias
seguradoras a reparação dos respetivos danos.
3. Delimitação: convém estabelecer a distinção entre a cumulação sucessiva e a
modificação do objeto do processo, principalmente porque a inexistência de um regime
legal completo sobre aquela cumulação determina, em alguns casos, a aplicação
analógica da regulamentação desta modificação. Assim, pode dizer-se que, enquanto na
cumulação sucessiva se verifica a apresentação de um novo objeto a par do objeto inicial,
na modificação do objeto dá-se a substituição de um objeto por outro. Daí que a
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cumulação sucessiva determine a pendência de vários objetos e esta modificação
implique a permanência de um único objeto.
Cumulação stricto sensu:
1. Casuística: uma das circunstâncias que pode determinar a cumulação sucessiva é a
superveniência de factos suscetíveis de integrarem uma causa de pedir, isto é, a
ocorrência desses factos após o momento normal da sua invocação em juízo
(superveniência objetiva) ou o conhecimento pela parte, após esse momento, de factos
já ocorridos (superveniência subjetiva) (artigo 588.º, n.º2 CPC). Também se pode
conceber que a parte pretenda apresentar um novo objeto baseado em factos
anteriores à propositura da ação e de que nesse momento já tinha conhecimento.
Importa assim distinguir as hipóteses em que a cumulação sucessiva decorre da
superveniência de certos factos daquelas em que esta superveniência não se verifica.
2.
Admissibilidade:a.
Generalidades: compreende-se que o regime da invocação de factos passados
e conhecidos, que a parte poderia ter alegado e não alegou, seja mais restritivo
do que o de factos supervenientes, isto é, de factos que ocorreram ou de que a
parte só teve conhecimento durante a pendência da causa. Por isso, é aceitável
que a cumulação sucessiva baseada em factos supervenientes não deva ficar
sujeita aos condicionalismos definidos no artigo 265.º, n.º1 CPC, para a
alteração da causa de pedir2.
b.
Concretização: seguindo a distinção apresentada, a cumulação de um novo
objeto baseado em factos supervenientes é sempre admissível até ao
encerramento da fase de discussão e julgamento (artigo 588.º, n.º1, alínea c)CPC). Por exemplo: suponha-se que o autor invoca, como fundamento da
reivindicação de um prédio, a sua aquisição através de um contrato de compra
e venda; se, durante a pendência da ação, o autor se tornar herdeiro do
vendedor ou adquirir o bem por usucapião, aquela parte pode alegar, como
fundamento do seu direito de propriedade e em cumulação com a causa de
pedir invocada, qualquer daquelas formas de aquisição. Se os factos não forem
supervenientes, a cumulação sucessiva stricto sensu só é admissível nas
condições referidas nos artigo 264.º e 265.º CPC, aplicáveis analogicamente.
Assim, se houver acordo das partes, a cumulação sucessiva é admissível em
qualquer momento, em primeira ou em segunda instância, salvo se entre oobjeto inicial e o objeto sumulado não houver qualquer conexão e essa falta
perturbar inconvenientemente a instrução, a discussão e o julgamento da ação
(artigo 264.º CPC). Se esse acordo não existir, a cumulação de uma nova causa
de pedir só é admissível dentro dos condicionalismos referidos no artigo 265.º,
n.º2 CPC. Da aplicação analógica do artigo 265.º, n.º1 CPC, à cumulação
sucessiva baseada em factos que não são supervenientes resulta que esta
cumulação está ligada a uma certa atuação do réu. A cumulação é admissível na
réplica (artigo 265.º, n.º1, 1.ª parte CPC), mas, para que o autor possa
apresentar este articulado, é necessário que o réu tenha invocado uma exceção
ou deduzido um pedido reconvencional na contestação (artigo 584.º, n.º1 CPC),
2 Diferentemente, Castro Mendes
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pelo que o objeto cumulado tem de apresentar uma certa conexão com essa
exceção ou reconvenção. Por exemplo: o autor pede uma indemnização pelo
incumprimento de uma prestação contratualmente assumida; se o réu invocar
a nulidade do contrato, o autor pode pedir, como pedido subsidiário, que, seessa exceção for considerada procedente, o réu seja condenado a indemnizar o
interesse contratual negativo. Outro possível fator de conexão é a confissão
feita pelo réu e aceite pelo autor (artigo 265.º, n.º1, 2.ª parte CPC). Além dos
pressupostos específicos, a cumulação sucessiva stricto sensu exige todos os
pressupostos requeridos para a respetiva modalidade de cumulação inicial
simples, alternativa ou subsidiária.
Exceção perentória:
1. Noção: a defesa por exceção perentória consiste na invocação pelo réu de um facto que
obsta à produção dos efeitos decorrentes do objeto definido pelo autor e determina aabsolvição, total ou parcial, do pedido (artigo 576.º, n.º3, e 571.º, n.º2, in fine CPC). A
dedução desta exceção implica uma cumulação objetiva sucessiva, dado que o réu
delimita um objeto distinto daquele que é alegado pelo autor e cuja procedência impede
a produção dos efeitos pretendidos por esta parte. Por exemplo: o autor instaura uma
ação de condenação no cumprimento de uma prestação pecuniária; o réu pode opor,
como exceção perentória, o pagamento dessa quantia monetária.
2. Delimitação: na defesa por impugnação, o réu contradiz os factos articulados pelo autor
ou nega que deles possa decorrer o efeito jurídico pretendido por esta parte (artigo
571.º, n.º2, 1.ª parte CPC); diferentemente, na defesa por exceção perentória, o réu não
impugna os factos alegados pelo autor nem a sua adequação aos efeitos pretendidospor esta parte, antes invoca outros factos que constituem causa impeditiva, modificativa
ou extintiva do direito invocado pelo autor (artigo 571.º, n.º2, in fine CPC). Quer dizer,
o réu que alega uma exceção perentória invoca certos factos contra os factos
apresentados e os efeitos requeridos pelo autor. O réu que invoca uma exceção
perentória não impugna a veracidade dos factos alegados pelo autor, mas opõe ao
objeto definido por esta parte um outro objeto cuja procedência obsta à produção dos
efeitos pretendidos por aquela parte. Aliás, a exceção perentória é incompatível com
essa impugnação, pelo que, quando são cumuladas como formas de defesa do réu, uma
tem de ser subsidiária da outra. Se, por exemplo, o réu nega que tenha celebrado
qualquer contrato com o autor, só a título subsidiário pode alegar o cumprimento daobrigação que decorre desse mesmo negócio.
3. Características:
a.
Materialidade: as exceções perentórias são exceções materiais (artigo 576.º,
n.º3 CPC), distinguindo-se, através desta característica, das exceções dilatórias,
que são exceções processuais (artigo 576.º, n.º2 CPC). Mais em concreto: as
exceções perentórias derivam de normas substantivas que definem efeitos
contrários àqueles que decorrem das normas que fundamentam os efeitos
solicitados pelo autor, isto é, aquelas exceções baseiam-se em contra-normas e
produzem contra-efeitos. As exceções perentórias podem decorrer tanto de um
direito (ou melhor, de um contra-direito oponível ao direito invocado pelo
autor), como de uma situação jurídica. Assim, por exemplo, quando alega a
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anulabilidade do negócio jurídico, o réu invoca um direito à anulação e, quando
alega o pagamento da dívida, invoca uma mera situação jurídica.
b.
Alegação: o réu alega uma exceção perentória invoca um objeto distinto
daquele que é apresentado pela parte ativa e requer a sua procedência contraesta parte, comportando-se, desse modo como um autor. Esta posição do réu
que invoca uma exceção perentória costuma ser resumida no brocardo reus
excipiendo fit actor . Dado que pressupõe a invocação de certos factos e
fundamenta um pedido de absolvição do pedido, a exceção perentória está
subordinada – tal como sucede quanto ao objeto definido pelo autor – ao
princípio da disponibilidade das partes (artigo 5.º, n.º1 CPC). Assim, mesmo que
os factos suscetíveis de constituir uma exceção perentória constem do
articulado apresentado pelo autor, o tribunal não pode extrair deles qualquer
consequência se o réu não requerer, com base nesses mesmos factos, a
absolvição do pedido. Salvaguarde-se, naturalmente, a possibilidade doconhecimento oficioso dessa exceção, caso em que o tribunal pode decretar a
absolvição do pedido, ainda que não seja requerida pelo réu. A exceção
perentória pode consistir tanto na invocação de factos do quais o réu extrai, no
próprio processo, um efeito impeditivo, modificativo ou extintivo do objeto
apresentado pelo autor, como na alegação de um efeito impeditivo,
modificativo ou extintivo que já se produziu antes da pendência do processo.
Exemplificando: o réu pode invocar os factos que fundamentam a anulabilidade
do negócio jurídico alegado pelo autor e pedir, com base nessa invalidade, a
improcedência da ação; mas também pode alegar a extinção do crédito
invocado com fundamento no pagamento efetuado antes da propositura da
ação. Quando o efeito impeditivo, modificativo ou extintivo pode ser obtido
judicialmente, o réu pode utilizar o processo pendente para conseguir a
produção desse efeito e a consequente absolvição do pedido. Como a exceção
perentória produz um efeito extintivo, modificativo ou impeditivo do efeito
pretendido pelo autor, a sua dedução não implica qualquer alteração do valor
da ação.
4. Modalidades:
a. Generalidades: a exceção perentória baseia-se na invocação pelo réu de um
objeto cuja procedência obsta aos efeitos pretendidos pelo autor. Atendendo
aos efeitos sobre o objeto apresentado pelo autor, a exceção perentória pode
ter uma eficácia impeditiva, extintiva ou modificativa (artigo 571.º, n.º2, 2.ª
parte CPC).
b. Exceções impeditivas: as exceções impeditivas são aquelas que obstam ao
preenchimento de uma previsão legal e que, por isso, impedem uma certa
consequência jurídica, isto é, apesar de se verificarem todos os factos
necessários para realizar uma determinada previsão legal, existem certos factos
que obstam a essa realização. São exemplos de exceções impeditivas a nulidade
do negócio jurídico (v.g. artigos 240.º, n.º2, 280.º e 294.º CC), o erro na
declaração (artigo 247.º CC), o erro sobre a pessoa ou o objeto do negócio
(artigo 251.º CC), o dolo (artigo 253.º, n.º1 e 254.º CC) a coação moral (artigo
255.º e 256.º CC) e a incapacidade acidental (artigo 257.º CC). São igualmenteexceções impeditivas aquelas que se referem a situações excecionais perante
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determinado regime geral. Assim, por exemplo, o locatário, que é demandado
para responder pela perda da coisa locada, pode invocar que essa perda
resultou de causa que não lhe é imputável, nem a terceiro a quem tenha
permitido a sua utilização (artigo 1044.º CC).c.
Exceções extintivas: as exceções extintivas são aquelas que destroem as
consequências jurídicas decorrentes do preenchimento de determinada
previsão legal. Constituem exemplos de exceções extintivas a verificação de
uma condição resolutiva (artigo 270.º CC), a prescrição (artigo 298.º, n.º1 CC), a
caducidade (artigo 298.º, n.º2 CC), e ainda todas as causas de extinção das
obrigações, que são o cumprimento (artigo 762.º, n.º1 CC), a dação em
cumprimento e pro solvendo (artigo 837.º e 840.º, n.º1 CC), a consignação em
depósito (artigo 846.º CC), a compensação (artigo 847.º CC), a novação objetiva
e subjetiva (artigos 857.º e 858.º CC), a remissão de dívida (artigo 863.º, n.º1 CC)
e a confissão (artigo 868.º CC). A amplitude da eficácia extintiva pode variarsignificativamente. Nalguns casos, a eficácia extintiva atinge o próprio direito
do autor: é o que acontece, por exemplo, com o pagamento da dívida; noutras
situações, essa eficácia não extingue o direito do autor, mas somente a
possibilidade de exigir a realização da prestação: é o que sucede com a
prescrição, que extingue a faculdade de exigir a prestação (artigo 304.º, n.º1 CC),
mas não a faculdade de adquirir a prestação realizada espontaneamente pelo
devedor (artigo 304.º, n.º2 CC).
d. Exceções modificativas: as exceções modificativas são aquelas que determinam
uma modificação do objeto invocado pelo autor: este objeto, que
originariamente era um, passa a ser outro depois da invocação da exceção.
Constituem exemplos de exceções modificativas a exceptio non adimpleti
contractu (artigo 428.º CC), a condição suspensiva (artigo 270.º CC), a aceitação
da modificação do contrato oposta ao pedido de resolução com fundamento
em alteração anormal das circunstâncias (artigo 437.º, n.º2 CC) e o direito de
retenção (artigo 754.º CC). A arguição de uma exceção modificativa implica uma
absolvição do réu quanto ao pedido originário e uma condenação, normalmente
condicional, dessa mesma parte, em relação a um outro objeto. Se, por exemplo,
o réu invoca a exceptio non adimpletii contractus (artigo 428.º, n.º1 CC), o
tribunal, em vez de condenar simplesmente o réu, como o autor pretendia, a
cumprir a prestação, condena-o a cumpri-la se o autor realizar a correspondente
contraprestação. Portanto, as exceções modificativas, ao implicarem umamodificação do objeto da ação, determinam, de forma implícita, a
improcedência do pedido formulado pelo autor, embora não conduzam ao
proferimento de uma decisão de improcedência. Alguma doutrina,
fundamentada na circunstância de o artigo 576.º, n.º3 CPC, impor, na
caracterização das exceções perentórias, que elas conduzam à absolvição do
pedido, exclui do âmbito das exceções perentórias aquelas que, apesar de
serem igualmente materiais, não impedem a reapreciação, noutras
circunstâncias, do mesmo objeto ou só constituem causa de recusa do
cumprimento da prestação (e não fundamento da não condenação do réu).
Trata-se das chamadas exceções materiais dilatórias, que decorrem dacircunstância de o direito invocado pelo autor não existir ou não ser exercitável
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no momento da pendência da ação, mas pode vir a existir ou a ser acionável em
momento posterior3. Constituem exemplos destas exceções materiais dilatórias
a não verificação da condição suspensiva, a exceptio non adimpleti contractus
(artigo 428.º, n.º1 CC) e o direito de retenção (artigo 754.º CC). Aautonomização destas exceções materiais dilatórias perante as exceções
perentórias não se justifica, dado que, como acima se afirmou, também aquelas
exceções conduzem à improcedência do pedido formulado pelo autor. A
circunstância de a exceção modificativa conduzir à improcedência do pedido
formulado pelo autor, mas não à improcedência da ação, mostra que o artigo
621.º CPC não se refere à hipótese em que o réu invoca uma dessas exceções,
porque este preceito pressupõe o proferimento de uma decisão de
improcedência da ação. Para compreender este regime, importa distinguir duas
situações:
O autor alega, na petição inicial, a verificação da condição suspensiva, odecurso de certo prazo ou a prática de certo facto, mas vem a concluir-se
que a condição não se verificou, o prazo ainda não decorreu ou o facto não
foi praticado: o réu impugna os factos invocados pelo autor e a ação
improcede: é essa a situação prevista no artigo 621.º CPC;
O autor não alega nenhum desses factos ou circunstâncias, antes é o réu
que exceciona a não verificação da condição, o não decurso do prazo ou a
não prática de certo facto (como, por exemplo, o não pagamento pelo autor
das despesas efetuadas pelo réu com o depósito da coisa reivindicada): o
réu invoca uma exceção modificativa, pelo que a ação procede dentro dos
condicionamentos definidos por essa exceção (por exemplo: o réu é
condenado a entregar o automóvel quando o autor lhe pagar o custo da
sua reparação).
Justifica-se aplicar analogicamente à condenação proferida na sequência da
invocação de uma exceção modificativa o regime estabelecido no artigo 610.º,
n.º2, alínea a) CPC, quanto à condenação in futurum, pois que a alegação dessa
exceção significa que não há litígio relativamente à existência da obrigação, mas
tão-só quanto às condições do seu cumprimento. Consequentemente, apesar
da invocação dessa exceção e da procedência da ação, embora modificada em
relação ao pedido originário, o autor é responsável pelas custas e pelos
honorários do advogado do réu (artigo 610.º, n.º3 CPC).
3. Efeitos processuais:
a. Extensão da competência: o artigo 91.º, n.º1 CPC estabelece a extensão da
competência do tribunal da ação para apreciar qualquer exceção invocada pelo
réu. Assim, o tribunal comum que é competente para conhecer da questão
colocada pelo autor também é competente para conhecer de uma exceção
deduzida pelo réu, ainda que, por exemplo, para esta, considerada
isoladamente, fosse competente o foro administrativo.
b. Exercício do contraditório: a alegação de uma exceção perentória permite que
o autor conteste a matéria da exceção num articulado próprio, que é a réplica
3 Antunes Varela/Bezerra/Sampaio e Nora
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(artigo 584.º, n.º1, 1.ª parte CPC). A falta de contestação pelo autor da exceção
invocada pelo réu produz a admissão por acordo dos respetivos factos. Nada
impede que o autor oponha uma contra-exceção À exceção invocada elo réu, e
assim sucessivamente. Suponha-se que o réu alega na contestação a extinção,por novação objetiva (artigo 857.º CC), do crédito invocado pelo aturo e que
este deduz, na réplica, a anulabilidade, por erro na declaração (artigo 247.º CC),
daquela novação; o réu pode responder à contra-exceção alegada pelo autor
invocando a confirmação da novação (artigo 288.º, n.º1 CC) e o autor, por seu
turno, pode responder que essa confirmação está viciada por um erro
provocado por dolo (artigo 254.º, n.º1 CC).
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§ 14.º - Coligação4
Delimitação:
1. Noção: a coligação pressupõe uma pluralidade de partes principais e uma pluralidade
de pedidos que são formulados diferenciadamente por cada um dos autores ou contra
cada um dos réus.
2. Concretização: a coligação contém um cumulação de partes principais e uma cumulação
objetiva, mas eta última tem de ser repartida por cada uma das partes ativas ou passivas,
isto é, tem de haver uma distribuição de vários pedidos por cada um dos autores ou
réus. Por exemplo: um autor pede contra um dos réus a anulação de uma doação e
contra o outro demandado a restituição dos bens doados, entretanto transmitidos por
aquele a este último. Consequentemente, quando a ação comporta vários pedidos, masessa cumulação não é diferenciada, isto é, não se distribui por partes distintas, não há
coligação, mas litisconsórcio. Assim, apesar de haver uma cumulação objetiva, existe um
litisconsórcio se os vários pedidos são formulados por todos os autores ou contra todos
os réus. Por exemplo: se um autor pede contra dois réus a entrega de um automóvel e
o pagamento de uma indemnização, embora haja uma cumulação de pedidos (artigo
55.º CPC), não se conforma uma coligação, pois que os pedidos não são formulados
discriminadamente contra as partes distintas. A distinção entre o litisconsórcio e a
coligação também tem sido tentada através da unidade ou pluralidade de relações
jurídicas: conforma-se um litisconsórcio se uma única relação jurídica respeita a vários
interessados; constitui-se uma coligação se são várias as relações jurídicas e vários osinteressados (assim, Palma Carlos). Mas este critério é inaceitável desde logo porque ele
coloide com a admissibilidade da coligação, no próprio plano do Direito positivo, quando
a causa de pedir (dos vários pedido formulados) for a mesma e única (artigo 36.º, n.º1
CPC), o que demonstra que à coligação pode subjacer uma única relação jurídica.
Também existe um litisconsórcio (e não uma coligação) quando os pedidos, embora
formalmente discriminados por várias partes, apresentam um mesmo fundamento
substantivo e são essencialmente idênticos no seu conteúdo (assim, Castro Mendes).
Deste modo, por exemplo, numa ação respeitante ao pagamento de uma dívida
conjunta proposta contra dois devedores, não se verifica uma coligação, porque,
embora a obrigação conjunta se possa desdobrar em duas obrigações parcelares, os
correspondentes pedidos são idênticos na sua fundamentação e no seu conteúdo;
semelhante identidade verifica-se entre os pedidos de pagamento de uma certa quantia
que são formulados contra a sociedade e contra os seus administradores,
subsidiariamente responsáveis na falta ou insuficiência do património social. A hipótese
em que um credor demanda conjuntamente o subscritor de um título de crédito e o
devedor de uma obrigação extracartular, pedindo, contra ambos, o pagamento de uma
mesma quantia um certo montante relativo ao juros em dívida, tem suscitado algumas
dúvidas. Antunes Varela configura essa situação como uma cumulação de pedidos
contra uma única das partes demandadas e não como uma coligação passiva. Esta
4 Salta sistematicamente para a página 87 das folhas in As Partes, o Objecto e a Prova na AcçãoDeclarativa, mas ainda nas “folhas”
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orientação não parece defensável, desde logo porque a hipótese em que é formulado
um pedido contra um único dos réus constitui formalmente uma coligação.
Classificações:
1. Quanto à parte: quanto à parte em que se verifica, a coligação pode ser:
Ativa: se a cumulação subjetiva existe entre vários autores;
Passiva: se essa cumulação se constitui entre vários réus; ou
Mista: se existe simultaneamente uma pluralidade de autores e de réus.
2. Quanto à origem: a coligação pode ser:
Voluntária: quando a coligação se pode verificar por iniciativa de um ou vários
autores, sem que a falta de qualquer autor ou réu implique uma situação de
ilegitimidade. Nesta modalidade de coligação – e, naturalmente, apenas nela – o
tribunal declara sem efeito o processo se entender, oficiosamente ou a
requerimento de qualquer dos réus, que é preferível que as causas sejam instruídas,discutidas e julgadas em processos separados (artigo 37.º, n.º2, 1.ª parte CPC).
Nesta eventualidade mantêm-se os efeitos da pendência do primeiro processo se
as novas ações forem instauradas dentro dos trinta dias posteriores ao trânsito em
julgado do despacho que ordenou a separação dos processos (artigo 37.º, n.º2, 2.ª
parte CPC).
Necessária: quando todos os interessados se devem coligar ou devem ser
demandados no regime de coligação, sendo a falta de qualquer deles motivo de
ilegitimidade da parte que demanda ou é demandada desacompanhada das demais.
Por exemplo: numa ação de indemnização pelo risco decorrente de um acidente de
viação, em que a lei limita o montante global das indemnizações (artigo 508.º, n.º1CC), é necessária a intervenção de todos os lesados, porque pode ser indispensável
proceder a um rateio desse montante global entre todos os prejudicados. A
configuração desta situação como uma coligação (e não como litisconsórcio) resulta
da diversidade dos pedidos formulados, pois que cada um dos lesados invoca um
direito de indemnização específico, correspondente aos danos por ele sofridos.
Também constitui um exemplo de coligação necessária a demanda conjunta, numa
ação destinada à efetivação da responsabilidade civil respeitante a um acidente de
viação, da companhia seguradora e do sujeito responsável, quando o pedido
formulado exceder os limites fixados para o seguro obrigatório. Quanto a esta
modalidade de coligação a sua distinção perante o litisconsórcio pode servir-se doseguinte critério prático: no litisconsórcio necessário não é admissível a confissão,
desistência ou transação parcial (isto é, relativa a uma parcela do objeto da ação) e,
por isso, o artigo 288.º, n.º2 CPC dispõe que esses atos só produzem efeito quanto a
custas; em contrapartida, na coligação, ainda que necessária, é sempre admissível
uma confissão, desistência ou transação parcial, quando relativa a um dos pedidos
formulados por uma parte ou contra um dos réus. Portanto, verifica-se uma
coligação sempre que a pluralidade de partes é necessária, mas é admissível uma
confissão, desistência ou transação parcial. É discutível se à coligação necessária são
aplicáveis as especialidades do litisconsórcio necessário quanto à falta de citação de
um dos réus (artigo 190.º, alínea a) CPC) e à interposição de recurso ordinário (artigo
624.º, n.º1 e 635.º, n.º1 CPC). Não parece possível uma resposta inequívoca. O
princípio deve ser o de que, atendendo à diversidade de objetos, as partes coligadas
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mantêm uma posição de autonomia e, portanto, não são afetadas por vícios que
atingem outras partes e não beneficiam de comportamentos por elas assumidos.
Mas há que considerar que, apesar da coligação, podem existir circunstâncias (como,
por exemplo, a unidade da causa de pedir, artigo 36.º, n.º1 CPC) que justifiquem umtratamento comum de todas as partes coligadas.
3. Quanto à coligação objetiva: a coligação contém uma cumulação objetiva, porque,
sempre que se configura uma coligação, o processo comporta vários objetos. Tal como
as correspondentes cumulações objetivas, a coligação pode ser
Simples (artigo 555.º CPC): a coligação simples é aquela em que se pretende a
condenação do réu (no caso de coligação ativa) ou réus (no caso de coligação
passiva) em vários pedidos distintos e se deseja a satisfação de todos os pedidos
cumulados; ou
Alternativa (artigo 553.º CPC): que se verifica quando, nomeadamente em relação
a obrigações alternativas (artigo 543.º, n.º1 CC), se pede a condenação de cada umdos réus a realizar, em alternativa, uma prestação.
A cumulação objetiva também pode ser subsidiária (artigo 554.º CPC) mas uma
semelhante coligação não parece admissível. Essa coligação implicaria que um dos
pedidos formulados por um dos autores ou contra um dos réus só seria apreciado se
não fosse procedente um outro pedido (artigo 554.º, n.º1 CPC), o que criaria situações
de autores ou réus eventuais.
4. Quanto ao momento: atendendo ao momento em que se constitui, a coligação pode
ser:
Inicial: se se verifica desde o início da ação; ou
Sucessiva: se se constitui durante a pendência.
Pressupostos:
1. Enunciado: a coligação requer a compatibilidade processual e substantiva e a conexão
objetiva entre os pedidos coligados. A compatibilidade substantiva não é um requisito
específico da coligação, mas da cumulação objetiva que nela se contém. Como a
coligação contém uma cumulação objetiva, é isso que justifica que a compatibilidade
processual requerida na coligação (artigo 37.º, n.º1 CPC) seja igualmente exigida na
cumulação simples (artigo 555.º, n.º1 CPC) e na reconvenção (artigo 93.º e 266.º, n.º3
CPC).2. Compatibilidade processual : a compatibilidade processual, como pressuposto da
coligação, refere-se à competência absoluta do tribunal e à identidade de formas de
processo para todos os pedidos cumulados. A coligação requer que o tribunal seja
absolutamente competente para todos os pedidos cumulados (artigo 37.º, n.º1 CPC).
Assim, a coligação não é admissível se o tribunal não for material, hierárquica e
internacionalmente competente para apreciar todos os pedidos coligados. Quanto À
competência internacional, há que considerar que, dentro do âmbito de aplicação do
Regulamento (CE) n.º 1215/2012; ela pode ser aferida segundo o disposto no artigo 8.º,
n.º1 Regulamento: o requerido com domicílio num dos Estados Membros pode ser
demandado, se houver vários requeridos, perante o tribunal do domicilio de qualquerdeles. Releva para essa solução que a coligação (passiva) contém uma pluralidade de
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partes (demandantes). A coligação também exige que a forma do processo seja idêntica
para todos os pedidos cumulados, admitindo-se, no entanto, que a diversidade possa
resultar exclusivamente do valor da causa (artigo 37.º, n.º1, in fine CPC). Deste modo, a
coligação não é admissível se a um ou alguns dos pedidos corresponder processocomum e a outro ou outros desses pedidos processo especial ou se aos pedidos
cumulados corresponderem diferentes processos especiais. A admissibilidade da
coligação quando a diversidade da forma do processo resulta unicamente do valor da
ação sempre suscitou algumas dúvidas (assim, Castro Mendes). Segundo parece, a
melhor orientação é a que admite a coligação sempre que aos pedidos individualmente
considerados corresponda qualquer uma das formas do processo comum. A mesma
solução vale, por remissão, para a cumulação objetiva (artigos 554.º, n.º2 e 555.º, n.º1
CPC) e ainda para a reconvenção (artigo 266.º, n.º3 CPC).
3. Compatibilidade substantiva: a compatibilidade substantiva conforma-se
diferentemente consoante seja simples ou alternativa. Se a coligação é simples, acompatibilidade refere-se à coadunação ou não contradição entre os efeitos
decorrentes dos vários pedidos cumulados (artigos 555.º, n.º1 e 186.º, n.º2, alínea c)
CPC). Como essa coligação contém uma cumulação simples, a compatibilidade
substantiva exigida para a coligação, pelo que não é admissível se os efeitos decorrentes
de algum dos pedidos forem incompatíveis com os efeitos relativos a um outro pedido.
Por exemplo: não se pode cumular o pedido de declaração de nulidade de um contrato
contra um dos réus com o pedido de cumprimento de uma prestação desse contrato
contra um outro réu. Na hipótese da coligação alternativa, a compatibilidade
substantiva traduz-se na alternatividade entre os pedidos formulados. Também nesta
coligação valem os requisitos específicos da cumulação objetiva, neste caso alternativa(artigo 553.º, n.º1 CPC).
4. Conexão objetiva: a conexão objetiva refere-se à existência de uma relação entre os
vários pedidos cumulados. Como motivos de conexão objetiva entre os pedidos
cumulados a lei estabelece os seguintes:
a. A identidade da causa de pedir dos vários pedidos (artigo 36.º,n.º1, 1.ª parte
CPC): por exemplo, o autor pode demandar dois réus, pedindo contra um a
anulação de um contrato por coação e contra o outro uma indemnização pela
coação exercida;
b. A prejudicabilidade de um dos pedidos cumulados em relação aos demais
(artigo 36.º, n.º1, 2.ª parte CPC): por exemplo, o autor pode pedir a um réu a
anulação da doação de um automóvel e a um outro a restituição do automóvel
entretanto transmitido por aquele demandado;
c.
A apreciação, como causa de pedir dos pedidos formulados, de factos
essencialmente idênticos (artigo 36.º, n.º2, 1.ª parte CPC): por exemplo, dos
contratantes demandam um réu pedindo a anulação com base em usura (artigo
282.º, n.º1 CC) de dois contratos semelhantes;
d.
A aplicação das mesmas normas jurídicas na apreciação da fundamentação
dos pedidos cumulados (artigo 36.º, n.º2, 2.ª parte CPC): por exemplo, o autor
pode demandar dois réus, que são arrendatários de um mesmo imóvel,
formulando contra cada um deles o pedido de despejo com fundamento na
demolição do prédio para construção de um novo imóvel (artigo 69.º, n.º1,alínea b) RAU);
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e.
A aplicação de cláusulas contratuais totalmente análogas na apreciação da
procedência dos pedidos cumulados (artigo 36.º, n.º2, 3.ª parte CPC): por
exemplo, vários consumidores podem instaurar contra uma companhia
distribuidora de eletricidade uma ação em que pedem a declaração deinvalidade de uma cláusula contratual geral inserida nos contratos com ela
celebrados.
f.
Essa conexão objetiva também é estabelecida pela lei em certos casos
particulares: assim, os artigos 1820.º e 1872.º CC permitem a coligação de
investigantes em relação ao mesmo pretenso progenitor, respetivamente nas
ações de investigação da maternidade e da paternidade.
g. Deve ainda entender-se que existe uma conexão objetiva no caso de serem
formulados por ou contra partes diferentes pedidos distintos, mas respeitantes
a uma única e mesma prestação. Deste modo, por exemplo, o portador de um
título cambiário pode pedir o pagamento da quantia em dívida a um réu combase na relação cambiária e a um outro réu com fundamento na relação
extracartular. Nesta eventualidade conforma-se um concurso de pretensões,
pois que o credor, apesar de basear os pedidos em causas de pedir distintas, só
pode receber a totalidade da prestação de um único dos réus.
Falta de pressupostos:
1. Falta de compatibilidade processual : a falta de compatibilidade processual resulta da
incompetência absoluta do tribunal ou da inadequação da forma do processo para
algum ou alguns dos pedidos cumulados. Aquela incompetência absoluta determina, no
momento de despacho liminar, o indeferimento parcial da petição inicial quanto aopedido ou pedidos para os quais o tribunal é absolutamente incompetente (artigo 558.º,
n.º1, alínea b) e n.º2 CPC). Se essa incompetência só for apreciada no despacho
saneador, ela implica a absolvição da instância quanto ao pedido ou pedidos para os
quais a falta ou competência absoluta do tribunal (artigos 99.º, n.º1, 278.º, n.º1, alínea
a) e 577.º, n.º1, alínea f) CPC). O artigo 558.º, n.º2 CPC só admite o indeferimento liminar
parcial quando dele resulte a exclusão de algum dos réus. Nada impede esse
indeferimento quando a parte excluída for um dos autores, tanto mais que a alternativa
a esse indeferimento seria, logicamente, o indeferimento total. A inadequação da forma
do processo para algum ou alguns dos pedidos cumulados implica, no momento do
despacho liminar, o indeferimento parcial quanto ao pedido ou pedidos para os quais a
forma do processo indicada pelo autor (artigo 552.º, n.º1, alínea b) CPC) não é a
adequada (artigo 558.º, n.º3, in fine CPC). No momento do despacho saneador, essa
inadequação formal, que é uma exceção dilatória inominada, determina a absolvição da
instância relativamente ao pedido ou pedidos para os quais a forma do processo
empregue não é a apropriada (artigo 576.º, n.º2 CPC). Porque essa exceção respeita a
interesses públicos relativos à boa administração da justiça, aquela exceção inominada
é de conhecimento oficioso (artigo 578.º CPC). Há que considerar um regime especial,
respeitante à situação em que um dos pedidos cumulados é prejudicial relativamente
aos demais. Se o tribunal for absolutamente incompetente ou se a forma do processo
for inadequada para o pedido prejudicial (que é o pedido de cuja fundamentação
depende a procedência dos demais pedidos cumulados), o indeferimento liminar ou aabsolvição da instância abrange também o pedido ou pedidos dependentes, porque não
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faz sentido continuar o processo quanto a esses pedidos quando o pedido prejudicial
não pode ser apreciado.
2. Falta de compatibilidade substantiva: a falta de compatibilidade substantiva entre os
pedidos cumulados pode traduzir-se, no caso da coligação simples, numa contradiçãoentre esses pedidos ou, na hipótese da coligação alternativa, na inexistência entre eles
de qualquer relação de alternatividade. Aquela contradição e esta falta de
alternatividade conduzem à ineptidão da petição inicial (artigo 186.º, n.º2, alínea c) CPC),
a qual determina o indeferimento liminar (artigo 558.º, n.º1, alínea a) CPC) ou a
absolvição do réu da instância (artigo 577.º, n.º1, alínea a) CPC, 186.º, n.º1 e 2, alínea c)
e 178.º, n.º1, alínea b) CPC).
3. Falta de conexão objetiva: a falta de conexão objetiva é uma exceção dilatória
nominada (artigo 577.º, n.º1, alínea f) CPC. Essa exceção não releva no momento do
despacho liminar (talvez por se ter pensado, não muito acertadamente, que essa falta
não pode ser manifesta), mas determina a absolvição da instância (artigo 577.º, n.º1,alínea f), 576.º, n.º2 e artigo 278.º, n.º1, alínea e) CPC).
Coligação sucessiva:
1. Modalidade: a coligação sucessiva é a que se constitui durante a pendência da causa.
Essa coligação pode resultar de um das modalidades da intervenção principal ou da
apensação de ações.
2. Regime: a coligação sucessiva pode constituir-se através da intervenção principal de um
terceiro. No caso da intervenção espontânea, permite-se a participação de um terceiro
que possa coligar-se com o autor da causa (artigo 321.º CPC), na hipótese de assistência,
a coligação sucessiva pode ser ativa ou passiva (artigo 326.º CPC) – ou aplicaçãoanalógica dos 311.º e 316.º CPC?. É através desta intervenção que se pode sanar a
ilegitimidade do autor ou réu que, numa situação de coligação necessária, se encontra
em juízo desacompanhado dos demais interessados (artigo 261.º, n.º1 CPC). Qualquer
das partes pode requerer a apensação de ações, isto é, a reunião num único processo
de ações distintas, quando entre elas se verificam os pressupostos da coligação (artigo
267.º, n.º1 e 3 CPC). Se o tribunal não considerar inconveniente a apensação (artigo
267.º, n.º1, in fine CPC), ela realiza-se no processo que estiver pendente há mais tempo
ou naquele cujo objeto for um pedido prejudicial relativamente aos demais (artigo 267.º,
n.º2 CPC).
Pedido reconvencional:1. Noção: a reconvenção consiste na formulação pelo réu de um pedido qu eé distinto do
pedido normal de defesa (que é a absolvição do pedido) e cuja procedência é requerida
contra o autor (artigo 266.º, n.º1 CPC). Por exemplo: o autor propôs uma ação, pedindo
a entrega do imóvel comprado ao réu; este pode formular, através da reconvenção, o
pedido de pagamento do preço da venda. Convém esclarecer alguns aspetos
terminológicos nesta matéria. Para expressar a formulação do pedido reconvencional é
o reconvinte e o réu o reconvindo.
2. Justificação: a justificação da reconvenção encontra-se em razões de economia
processual. Em regra, não existe qualquer ónus de formulação do pedido
reconvencional no processo pendente (e, por isso, esse pedido pode ser apresentadoautonomamente num outro processo), mas, dada a sua conexão com o objeto
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apresentado pelo autor ou a defesa deduzida pelo réu, torna-se aconselhável apreciá-
lo na mesma ação.
3. Delimitação: a diferença entre a dedução de um pedido reconvencional e a alegação de
uma exceção perentória consiste no seguinte: quando o réu invoca uma exceçãoperentória, o seu efeito é, se for procedente, o de obviar à procedência do objeto
apresentado pelo autor, pelo que essa exceção produz um efeito circunscrito à
improcedência da ação; em contrapartida, o réu que formula um pedido reconvencional
visa obter – como qualquer autor – um efeito positivo, que pode ser a apreciação de um
facto ou de um direito, a condenação da contraparte na realização de uma prestação ou
a constituição de uma situação jurídica. Esta distinção entre a exceção perentória e a
reconvenção redunda afinal em que, enquanto aquela exceção, apesar de conformar
um objeto distinto do apresentado pelo autor, se circunscreve ainda à área temática
deste último objeto, a reconvenção implica, pelo contrário, a apreciação de um objeto
autónomo e independente. É por isso que a invocação de uma exceção perentória nãodetermina qualquer alteração do valor da causa, mas a formulação de um pedido
reconvencional, quando distinto do deduzido pelo autor, implica a sua soma ao valor
inicial da ação (artigo 299.º, n.º2, 1.º parte CPC). Importa ainda referir uma outra
diferença entre a exceção perentória e a reconvenção, que se prende com a diversa
posição do réu perante a exceção perentória e o pedido reconvencional. Enquanto a
exceção, como matéria de defesa que é, deve ser deduzida na contestação (artigo 581.º,
n.º1 CPC) e, por isso, fica precludida a sua invocação em momento posterior ou em ação
autónoma (artigo 581.º, n.º2 CPC), a formulação de um pedido reconvencional é sempre
uma faculdade que só fica precludida no caso de a procedência da ação ser incompatível
com a procedência do objeto que poderia ter sido alegado através da reconvenção. Adedução da exceção perentória é um ónus, mas a formulação da reconvenção é uma
faculdade.
4. Pressupostos processuais:
a. Enunciado: a reconvenção, porque é um pedido autónomo do réu contra o
autor, requer o preenchimento de todos os pressupostos processuais exigíveis
na generalidade das ações. Além dos pressupostos processuais gerais, a
reconvenção exige ainda a conexão entre o objeto apresentado pelo autor e o
pedido reconvencional formulado pelo réu, bem como a compatibilidade
processual com o objeto definido pelo autor e a compatibilidade procedimental
com a tramitação da ação.
b.
Pressupostos gerais: como, em regra, o valor do pedido reconvencional se soma
ao valor do pedido do autor (artigo 299.º, n.º2 CPC) da alteração do valor da
causa podem resultar algumas consequências para a apreciação dos
pressupostos processuais. Assim, por exemplo, o patrocínio judiciário que não
era obrigatório, pode passar a sê-lo (artigo 40.º, n.º1, alínea a) CPC). NA
reconvenção, falta o interesse processual sempre que o efeito pretendido
através do pedido reconvencional coincide com aquele que resulta da
improcedência da ação. Assim, por exemplo, o reu não pode utilizar a
reconvenção para obter a declaração da inexistência do direito de crédito
alegado pelo autor, porque tal efeito decorre necessariamente da
improcedência da causa.
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c.
Conexão objetiva: a conexão objetiva verifica-se quando o pedido
reconvencional emerge da causa de pedir invocada pelo autor (artigo 266.º,
n.º2, alínea a), 1.ª parte CPC). Por exemplo: o autor instaura uma ação pedindo
o cumprimento de uma prestação contratual; o réu pode pedir, em reconvenção,a condenação do autor a realizar a prestação sinalagmática que decorre do
mesmo contrato. A conexão objetiva também existe quando o pedido
reconvencional provém do fundamento da contestação apresentada pelo réu
(artigo 266.º, n.º2, alínea a), in fine CPC). Por exemplo: o autor pede a
condenação do réu na realização de uma prestação contratual; se o réu invocar
a nulidade do contrato, pode pedir, através da reconvenção, a restituição do
que prestou (artigo 289.º, n.º1 CC); se o autor pedir a condenação do réu no
pagamento de determinadas prestações em dívida (num contrato de venda a
prestações), o réu pode excecionar o pagamento das prestações requeridas e
reconvencionar o pedido de apreciação do pagamento o pedido de apreciaçãodo pagamento da totalidade do preço; numa ação de divisão de coisa comum,
os réus podem pedir a improcedência da ação e, em reconvenção, o
reconhecimento da sua propriedade sobre todo o imóvel. Se o autor propuser
uma ação de reivindicação de um imóvel, o réu pode formular o pedido
reconvencional de restituição do sinal em dobro pelo não cumprimento do
contrato-promessa de venda do mesmo imóvel. Na verdade, quando invoca um
contrato-promessa de alienação do imóvel (com base no qual o promitente-
comprador o ocupava), o réu pode optar entre insistir no cumprimento do
contrato, requerendo, eventualmente, a sua execução específica (artigo 442.º,
n.º3 CPC), ou reconhecer o incumprimento pela outra parte e pedir a restituição
do sinal em sobro (artigo 442.º, n.º2 CC): naquele caso, a reconvenção decorre
do fundamento de defesa (artigo 266.º, n.º1, alínea a), in fine CPC); neste último,
do fundamento da ação (artigo 266.º, n.º2, alínea a), 1.ª parte CPC). A conexão
entre o objeto definido pelo autor e o pedido reconvencional também está
assegurada quando este último respeitar a benfeitorias ou a despesas relativas
à coisa cuja entrega é pedida pelo autor (artigo 266.º, n.º2, alínea b), 2.ª parte
CPC). Se, por exemplo, o autor propõe uma ação de reivindicação de um prédio,
o réu pode formular o pedido reconvencional do pagamento das benfeitorias
realizadas no prédio reivindicado (artigo 1273.º CC). O mesmo acontece, quanto
à conexão objetiva, quando o pedido reconvencional procura obter o mesmo
efeito jurídico decorrente do pedido formulado pelo autor (artigo 266.º, n.º1,alínea c) CPC). Por exemplo: se o autor instaura uma ação de divórcio, o réu
pode pedir, em reconvenção, o decretamento do divórcio a seu favor; se o autor
propõe uma ação de reivindicação de um imóvel, o réu, considerando que é ele
o proprietário, pode pedir a reivindicação do mesmo imóvel. A conexão objetiva
também se verifica quando o pedido reconvencional cisa conseguir a
compensação do crédito do autor sobre o réu com um contra-crédito do réu
sobre o autor (artigo 266.º, n.º2, alínea b), 1.ª parte CPC; artigo 847.º, n.º1 CC).
Se, por exemplo, o autor instaura uma ação pedindo o pagamento de um crédito,
o réu pode reconvencionar alegando um crédito sobre o autor e requerendo a
compensação, total ou parcial, dos referidos créditos. Quanto à dedução dacompensação através da reconvenção, há que diferenciar entre a invocação de
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uma compensação já efetuada num momento anterior à propositura da ação
(compensação extrajudicial) e a realização, no próprio processo pendente, da
compensação entre os créditos (compensação judiciária). No primeiro caso, o
réu afirma que o crédito invocado pelo autor já se encontra extinto por umacompensação efetuada extrajudicialmente: essa parte alega, por isso, uma
exceção perentória (artigo 576.º, n.º3 CPC); no segundo, o réu pretende
provocar a compensação entre os créditos: para conseguir essa compensação
judiciária, tem de se servir da reconvenção. Diferentemente do expoto, a tese
da compensação-exceção entende que a reconvenção só deve ser utilizada para
obter a condenação do autor quanto ao excesso do crédito do réu relativamente
ao crédito do autor. Quer dizer, se o contra-crédito do réu for do mesmo
montante ou de quantitativo inferior ao crédito do autor, o réu deverá limitar-
se a invocar a compensação como uma exceção perentória. Vaz Serra atribui à
compensação a natureza de uma exceção de apreciação incidental, o quesignifica que o réu que invoca a compensação deverá provocar
simultaneamente a apreciação do seu contra-crédito com a força de caso
julgado material prevista no artigo 91.º, n.º2 CPC. Contra esta orientação pode
argumentar-se que ela é incompatível com a admissibilidade legal da
compensação de crédito ilíquidos (artigo 763.º, n.º3 CPC), dado que não é
possível aferir se um deles é, quanto ao seu montante, maior ou menor que o
outro. Além disso, dado que, se a compensação for deduzida por via de exceção,
não há qualquer alteração no valor da causa, torna-se inadmissível, por exemplo,
que numa causa em que o valor do contra-crédito excede a alçada da Relação
seja dispensado o patrocínio judiciário (que deveria ser obrigatório: artigo 40.º,
n.º1, alínea a) CPC). Acresce ainda que aquela construção possibilita que sejam
deduzidos créditos para os quais o tribunal não é absolutamente competente,
dado que, sendo a compensação deduzida por exceção, lhe é aplicável a
extensão da competência determinada pelo artigo 91.º, n.º1. Por fim, importa
referir que o tratamento da compensação como qualquer outra exceção
perentória implica que, não sendo alegada num processo pendente, funciona a
preclusão estabelecida no artigo 573.º, n.º2 CPC: se o réu não alegar o contra-
crédito sobre o autor nessa ação, fica impossibilitado de o fazer, pelo menos até
ao montante em que os créditos são compensáveis, numa aceção autónoma.
d. Compatibilidade processual: a reconvenção só é admissível se o tribunal
competente para o pedido do autor for absolutamente competente para opedido reconvencional (artigo 93.º CPC). Assim, para que a reconvenção seja
admissível, é necessário que o tribunal da ação seja material, hierárquica e
internacionalmente competente para apreciar a reconvenção. Sobre a
competência internacional do tribunal da ação para apreciar o pedido
reconvencional, há que considerar o disposto no artigo 4.º Regulamento (CE)
1215/2012: se o pedido reconvencional derivar do contrato ou do facto em que
se fundamenta a ação principal, é competente para esse pedido o tribunal em
que esteja pendente essa ação, exceto se houver que respeitar a competência
exclusiva referida no artigo 24.º Regulamento. Por exemplo: o autor instaura
uma ação no competente tribunal de Lisboa (artigo 7.º, n.º1, alínea a)Regulamento), em que pede o cumprimento de uma prestação que, embora
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emergente de um contrato celebrado em Espanha, devia ser realizada nessa
cidade: o réu, que é credor de uma prestação sinalagmática que devia ser
cumprida em Madrid, pode deduzir o respetivo pedido reconvencional nessa
ação, porque esse tribunal é internacionalmente competente para o apreciar(artigo 8.º, n.º3 Regulamento). A reconvenção só é admissível se a forma do
processo adequada para o objeto definido pelo autor for compatível com aquela
que é própria para o pedido reconvencional (artigo 266.º, n.º3 CPC). Assim, o
pedido reconvencional não é admissível se a um dos objetos corresponder
processo comum e ao outro processo especial ou se para esses objetos forem
apropriados processos especiais distintos, salvo se o juiz puder adaptar as
respetivas tramitações (artigo 266.º, n.º3 CPC).
e. Compatibilidade procedimental: a formulação da reconvenção a reconvenção
nalguns processos especiais fica ainda dependente da sua compatibilidade com
a tramitação do processo, nomeadamente da possibilidade de resposta doautor ao pedido reconvencional do réu(????).
5. Falta de pressupostos:
a.
Falta de conexão: a reconvenção é inadmissível por falta de conexão objetiva e
de compatibilidade processual e procedimental. A falta daquela conexão resulta
da inexistência de uma relação entre o objeto definido pelo autor e o pedido
reconvencional do réu e, porque é uma exceção dilatória (embora inominada),
determina a absolvição do réu da instância reconvencional no despacho
saneador (artigo 576.º, n.º2 e 278.º, n.º1, alínea e) CPC).
b.
Incompatibilidade processual: a falta de compatibilidade processual provém da
incompetência absoluta do tribunal de ação ou da inadequação da forma deprocesso para o pedido reconvencional. Aquela incompetência absoluta
determina a absolvição do autor da instância reconvencional no despacho
saneador (artigos 577.º, alínea a) e 278.º, n.º1, alínea a) CPC) e a
incompatibilidade das formas de processo implica, como exceção dilatória
inominada, a absolvição do autor da instância reconvencional (artigos 576.º,
n.º2 e 278.º, n.º1, alínea e) CPC).
c. Incompatibilidade procedimental: incompatibilidade procedimental é uma
exceção dilatória inominada, que conduz à absolvição do autor da instância
reconvencional (artigo 576.º, n.º2 e 278.º, n.º1, alínea e) CPC).
6. Dedução:
a.
Generalidades: a reconvenção deve ser deduzida discriminadamente na
contestação (artigo 583.º CPC). Isto não significa que a reconvenção só possa
ser formulada se houver contestação, mas que, se a houver, a reconvenção deve
ser deduzida separadamente nesse articulado e que, se não existir tal articulado,
a reconvenção deve ser apresentada no prazo determinado para a contestação.
A parte da contestação em que o réu deduz o pedido reconvencional deve ser
equiparada a uma petição inicial, pelo que lhe é aplicável o regime previsto para
esta petição (artigo 552.º, n.º1 e 2 CPC). À reconvenção também é aplicável o
regime definido para o objeto processual. Assim, por exemplo, a reconvenção
tem de ser fundamentada numa causa de pedir própria, é permitido formular
um pedido reconvencional genérico, é admissível alterar esse pedido nascondições previstas no artigo 265.º, n.º2 CPC é possível aperfeiçoar a
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contestação na parte em que é deduzida a reconvenção (artigos 590.º, n.º2,
alínea b) e 591.º, n.º1, alínea c) CPC). À reconvenção deduzida pelo réu não
pode o autor opor outra reconvenção (artigo 584.º, n.º1, in fine CPC). É o que
se costuma exprimir através do brocardo reconventio reconventionis nonadmititur (cânone 1494, §2.º Código de Direito Canónico).
b.
Efeitos processuais: a dedução do pedido reconvencional produz os efeitos
gerais da pendência da ação. Assim, sucede, por exemplo, quanto à interrupção
da prescrição do direito alegado (artigo 323.º, n.º1 CC). Para garantir a
igualdade das partes e o princípio do contraditório, a dedução da reconvenção
implica a possibilidade de resposta à constestação em qualquer das formas do
processo comum em que ela é admissível (artigo 584.º, n.º1, 2.ª parte CPC). A
falta de contestação pelo autor dos factos alegados pelo réu como fundamento
do pedido reconvencional implica, em regra, a sua admissão por acordo (artigos
587.º e 574.º, n.º2 CPC). O valor do pedido reconvencional soma-se ao valorinicial da ação, exceto se a reconvenção não se referir a um pedido distinto
daquele que é formulado pelo autor (artigo 299.º, n.º2, 1.ª parte CPC). Assim se,
numa ação de divórcio, o réu requerer o decretamento do mesmo a seu favor
(artigo 266.º, n.º2, alínea c) CPC), o valor da ação não se altera. A eventual
alteração desse valor só produz efeitos nos atos e termos posteriores à
reconvenção (artigo 299.º, n.º2, 2.ª parte CPC).
c. Reconvenção e ação: em certos casos, a apreciação da reconvenção depende
da procedência da causa. É o que sucede, por exemplo, quando o réu pede o
pagamento das benfeitorias realizadas na coisa reivindicada (artigo 274.º, n.º2,
alínea b), 2.ª parte CPC): este pedido reconvencional só pode ser apreciado se
o réu for condenado a restituir aquela coisa. A procedência da reconvenção
também pode estar dependente da improcedência da ação (artigo 266.º, n.º6
CPC). Por exemplo: a reconvenção que decorre da defesa do réu (artigo 266.º,
n.º2, alínea a), in fine CPC). Sópode ser apreciada se a contestação proceder e a
reconvenção que se destina a obter o mesmo efeito que é pretendido pelo autor
(artigo 266.º, n.º2, alínea c) CPC) só pode proceder se improceder o pedido
desta parte. Quando a reconvenção é formulada como dependência da
procedência ou improcedência da ação, a circunstância de essa reconvenção
não chegar a ser apreciada, por não se verificar a procedência ou improcedência
da qual ela depende, implica a inutilidade superveniente da lide reconvencional.
Quanto ao pagamento das custas do processo, há que considerar, neste últimocaso, o seguinte:
Se a reconvenção depende da procedência da ação, o autor é responsável
pelas custas relativas à reconvenção se esta não chega a ser apreciada por
a ação improceder, porque foi o autor que deu causa a esse pedido
reconvencional (artigo 529.º, n.º1 CPC);
Se a reconvenção depende da improcedência da ação (e, portanto, da
procedência da defesa dor réu), esta parte é responsável pelas custas da
reconvenção, se esta não chega a ser apreciada pela improcedência desta
defesa (artigo 529.º, n.º1, 2.ª parte CPC).
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O pedido reconvencional não é afetado pela desistência do pedido formulado
pelo autor, exceto se a reconvenção for dependente da procedência deste
pedido (artigo 286.º, n.º2 CPC). Assim, se o autor desistir do pedido de
reivindicação da coisa, não se mantém o pedido reconvencional relativamenteao pagamento das benfeitorias realizadas pelo réu nessa mesma coisa (artigo
266.º, n.º2, alínea b), 2.ª parte CPC), mas continua pendente a reconvenção
respeitante a uma idêntica reivindicação formulada pelo réu (artigo 266.º, n.º2,
alínea c) CPC). A mesma doutrina vale para a desistência da instância, que, aliás,
se for requerida depois da contestação, exige a prévia aceitação do réu (artigo
286.º, n.º1 CPC).
d. Reconvenção e exceção: a reconvenção pode constituir, em conjunto com a
defesa por exceção perentória, uma cumulação simples ou subsidiária. O pedido
reconvencional constitui com a defesa por exceção perentória uma cumulação
simples, se for possível a procedência de ambos. Por exemplo: o autor propõe
uma ação pedindo o cumprimento de um contrato; o réu pode excecionar o
dolo na celebração do contrato e, cumulativamente, pedir, através de
reconvenção, o pagamento de uma indemnização pelo prejuízos sofridos. O
pedido reconvencional também pode ser um pedido subsidiário de um pedido
de absolvição que é baseado numa exceção perentória. Por exemplo, o autor
instaura uma ação em que requer a condenação do réu na realização de uma
prestação contratual; o réu pode defender-se por exceção, invocando a
nulidade do contrato e, subsidiriamente, pode reconvir, pedindo o
cumprimento da respetiva contraprestação.
7.
Reconvenção interveniente:a. Generalidades: segundo o recorte legal do artigo 266.º, n.º1 CPC, a
reconvenção é deduzida pelo réu contra o autor (ou contra um dos autores).
Esta é a configuração normal da reconvenção, mas ela não esgota todas as
hipóteses possíveis: o artigo 274.º, nº4 CPC, prevê a reconvenção interveniente,
que é aquela que é acompanhada da intervenção principal de um terceiro na ação
pendente e que, por isso, está sujeita aos pressupostos desta cumulação subjetiva.
b. Concretização: a reconvenção pode ser deduzida pelo réu não só contra o autor
da ação, mas também contra um terceiro, cuja intervenção no processo é
provocada pelo réu reconvinte (artigo 316.º, n.º1 CPC). Por exemplo: o autor
propõe uma ação pedindo a reivindicação de um imóvel; o réu, que se consideraproprietário do mesmo imóvel, pode deduzir um pedido reconvencional com
um conteúdo semelhante, mas, como o autor é casado e importa assegurar a
sua legitimidade (artigo 34.º CPC), há que provocar a intervenção do cônjuge
autor (artigo 316.º, n.º1 CPC). A reconvenção também pode ser deduzida
conjuntamente pelo réu e por um terceiro, que intervém no processo pendente
por iniciativa daquela parte (artigo 316.º, n.º 1 CPC). Suponha-se, por exemplo,
que o autor reivindica do réu um certo imóvel; este último, que se considera
comproprietário do mesmo prédio conjuntamente com um terceiro, pode
provocar a intervenção deste na ação e deduzir com ele o pedido
reconvencional de reconhecimento da propriedade. Finalmente, a reconvenção
pode ser formulada pelo réu apenas contra um terceiro, cuja intervenção no
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processo é provocada por aquele reconvinte (artigo 316..º, n.º1). Por exemplo:
a companhia de seguros demandada pelo pagamento de uma indemnização
relativa a um acidente de viação pode provocar a intervenção principal da
seguradora do autor e pedir a condenação desta no pagamento da quantia pelaqual era é (exclusivamente) responsável no âmbito do seguro obrigatório.5
Características da reconvenção Além do pedido de absolvição do pedido, que é um pedido moldado sobre o do autor edependente dele no seu conteúdo, o réu pode formular contra o autor um ou mais pedidosautónomos.
É um pedido no sentido restrito da palavra;
Pedido autónomo não necessariamente dependente da improcedência da ação;
Pedido autónomo contra o autor – o réu é o autor neste pedido.
A reconvenção em geral é puramente facultativa.
Valor da causa O valor do pedido reconvencional soma-se ao valor do pedido do autor, art. 308º. Nãosucede quando o pedido não for considerado distinto do pedido do autor, ou seja,quando o réu quiser obter os mesmos efeitos jurídicos 300º/2 e 477ºA nº.3.
Admissibilidade da reconvenção
Compatibilidade procedimental;
Não exclusão por lei expressa;
Conexão objetiva;
Compatibilidade processual.
Compatibilidade procedimentalÉ a inseribilidade na marcha do processo para ser admissível. Art. 501º/1. Tem de haverpossibilidade de princípio do contraditório.
A não exclusão legal art. 502º n.º1 – ao pedido reconvencional opõe-se uma novareconvenção.
Conexão objetiva, art 274º n.º 2, pode ser vista como mera ação cruzada ou defesa-ataque.
Identidade e fundamentos:A reconvenção emerge da própria causa de pedir – contrato sinalagmático;A própria reconvenção emerge do fundamento da defesa.
Compensação judiciária Art. 274º/2 alínea b) – o réu propõe-se a obter compensação;Art. 847º/1 CC tese da compensação/reconvenção.Diferente de – o crédito não existe porque já se extinguiu por compensação – exceçãoperentória.Art. 96º/2 A apreciação das exceções não tem força de caso julgado como um pedidoautónomo para efeitos de aumento do valor da causa.
5 Agradecemos à Isabel, a quem se deve a elaboração deste esquema (incluído na sua sebenta) a quetecemos louvores no seu labor.
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Compatibilidade processual Art. 98º/1 – extensão da competência – o tribunal que é competente para a ação também
é competente para a reconvenção.Art. 6º nº3 reg. 44/2001 – atualizaríamos para 8.º, n.º3 Reg. 1215/20126 Exigência da forma do processo ser adequada. 274º/3 incompatibilidade processual.A reconvenção com intervenção de terceiros – reconvenção interveniente 274º/4 éadmissível.A reconvenção pode não ser pedida contra o autor nas contra terceiro – matéria dosacidentes de viação.
Apreciação incidental:
1. Noção: a apreciação incidental é o pedido da parte para que, sobre uma questão
prejudicial ou incidental, recaia uma decisão com valor de caso julgado material (artigo
91.º, n.º2 CPC). À apreciação incidental requerida pelo réu chama-se reconvenção
incidental.
2. Função: a apreciação incidental destina-se a obter uma decisão com o valor de caso
julgado material quando a uma questão prejudicial ou incidental em relação ao objeto
em apreciação. A apreciação incidental permite atribuir força de caso julgado material
– isto é, eficácia vinculativa dentro e fora do respetivo processo (artigo 619.º, n.º1 CPC)
a uma decisão que, sem esse pedido, só gozaria da eficácia de caso julgado formal, ou
seja, só seria vinculativa no próprio processo. A apreciação incidenta previne futuros
conflitos ou litígios entre as partes, porque resolve, com uma força vinculativa extensível
a outros processos, uma determinada questão. É nesta função preventiva que encontraa sua justificação.
3. Regime:
a.
Pressupostos: a apreciação incidental exige a competência absoluta do o
tribunal para apreciação do respetivo objeto (artigo 91.º, n.º2 CPC). Assim, a
parte só pode requerer a apreciação incidental se o tribunal no qual a ação se
encontra pendente for material, hierárquica e internacionalmente competente
para apreciar a questão prejudicial ou incidental. Além disso, a apreciação
incidental requer que o objeto não exija uma ação específica para o seu
julgamento com força de caso julgado matéria. É por isso que, por exemplo, não
é admissível pedir, numa ação de alimentos, a apreciação incidental da relaçãode paternidade invocada pelo autor, porque ela só pode ser estabelecida numa
ação de investigação da paternidade (artigo 1869.º CC).
b. Objeto: a apreciação incidental pode recair sobre questões e incidentes
suscitados no processo (artigo 91.º, n.º2 CPC), ou melhor, sobre questões
prejudiciais ou incidentais. As questões prejudiciais podem referir-se ao
fundamento da ação ou da defesa: assim, por exemplo, o autor, que invoca um
contrato como fundamento da obrigação a que o réu está vinculado, pode pedir
a apreciação incidental da validade desse contrato, mas o réu, que exceciona a
nulidade do mesmo contrato, também pode solicitar a apreciação incidental
6 Quem atualiza é o大象城堡
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desta nulidade. As questões incidentais são aquelas que são apreciadas num
incidente próprio. Se, por exemplo, durante a pendência da ação, o réu falecer,
vindo a ser substituído pelos seus herdeiros, o autor pode pedir que o respetivo
incidente de habitação (artigos 351.º a 357.º CPC) seja decidido por umasentença com valor de caso julgado material.
c.
Dedução: a apreciação incidental equivale a uma ampliação do objeto do
processo, pelo que lhe deve ser aplicado, por analogia, o regime previsto no
artigo 265.º, n.º2 CPC, quanto ao momento da sua formulação na ação; a
própria parte pode requerer a apreciação incidental no articulado em que alega
o respetivo objeto (quanto à reconvenção, artigo 583.º, n.º1 CPC); a contraparte
pode fazê-lo no articulado da resposta. Por analogia, com o disposto no artigo
264.º CPC, a apreciação incidental pode ser requerida por acordo das partes em
qualquer momento da tramitação da ação em primeira ou segunda instância.
Embora o artigo 91.º, n.º2 CPC atribua a qualquer das partes a faculdade derequerer a apreciação incidental, o respeito pelos princípios da igualdade das
partes e do contraditório (artigos 4.º e 5.º, n.º1 CPC) impõe a audição da
contraparte. Pode discutir-se o que sucede à reconvenção incidental deduzida
pelo réu se o autor desistir do pedido (artigos 283.º, n.º1 e 285.º, n.º1 CPC).
Parece haver que aplicar o disposto no artigo 286.º, n.º2 CPC: essa reconvenção
incidental mantém-se, se ela não for dependente da procedência do pedido
formulado pelo autor. Por exemplo: o réu requereu a apreciação incidental da
exceção de nulidade por ele invocada; se o autor desistir do pedido de
condenação do réu, essa reconvenção incidental mantém uma utilidade
específica e, por isso, pode permanecer pendente.
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7 Esquema disponibilizado pela Professora Filipa Caldas aos seus alunos
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§5.º - Modificação do objeto processual
Delimitação:
1. Noção: a modificação do objeto do processo consiste na substituição do objeto inicial
por um outro objeto. Ao contrário da cumulação sucessiva – em que vários objetos se
tornam simultaneamente pendentes – na modificação objetiva o processo continua a
possuir um único objeto.
2. Termo a quo: a admissibilidade da modificação objetiva reflete a disponibilidade das
partes sobre o objeto do processo e constitui uma exceção ao princípio da estabilidade
da instância (artigos 260.º e 564.º, alínea b) CPC). O seu termo a quo é, portanto, a
citação do réu (artigo 564.º, alínea b) CPC), pelo que, antes deste ato, não existem
quaisquer restrições à modificação do objeto apresentado pelo autor. Assim, se, porexemplo, o tribunal proferir um despacho de aperfeiçoamento da petição inicial (Artigo
590.º, n.º1 e 2.º alínea b) CPC), o autor, ao apresentar uma nova petição, pode alegar
um novo objeto.
3. Modalidades: a modificação do objeto pode ser
Qualitativa: quando o objeto se altera na sua identidade, pelo que o objeto inicial
e o objeto modificado constituem dois objetos distintos;
Quantitativa: quando o objeto, embora continuando idêntico, se reduz ou amplia,
o que não determina qualquer alteração na sua identidade.
Esta distinção entre a modificação qualitativa e a modificação quantitativa tem especial
importância quanto aos seus efeitos. Se a modificação for quantitativa, o objeto
modificado é ainda o objeto inicial, embora com uma outra expressão quantitativa, pelo
que a causa de pedir e o pedido são ainda aqueles que foram inicialmente apresentados
ou formulados e, por isso, mantêm-se, quanto a esse objeto, os efeitos decorrentes da
pendência da ação. Se, pelo contrário, a modificação for qualitativa, o objeto inicial é
substituído por um objeto diferente, pelo que, como o objeto antes da modificação é
distinto daquele que resulta dessa alteração, extinguem-se os efeito da pendência do
objeto anterior e produzem-se novos efeitos relativos ao objeto modificado.
Modificação do pedido:
1.
Modalidades:
a.
Modificação quantitativa: a modificação do pedido consiste na substituição do
pedido formulado por um novo pedido. Na modificação qualificativa, o autor
substitui a situação jurídica invocada. Por exemplo: numa ação de
responsabilidade civil, o autor, que pediu inicialmente a condenação do réu no
pagamento de uma indemnização, pode alterar o pedido para a condenação
desta parte no pagamento de uma renda vitalícia ou temporária (artigo 265.º,
n.º5; artigo 567.º, n.º1 CC); o autor modifica o pedido de reconhecimento da
sua propriedade sobre um prédio para o pedido de apreciação do usufruto
sobre esse mesmo imóvel.
b.
Modificação quantitativa: a modificação quantitativa pode implicar umaampliação ou uma redução do pedido inicialmente formulado. A ampliação
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resulta de uma maior quantificação do pedido e a redução implica uma menor
quantificação do pedido. Também se verifica uma modificação quantitativa
quando o novo pedido se refere a uma forma de tutela jurisdicional que
representa um maius ou um minus relativamente à tutela antes requerida:assim, constitui uma ampliação do pedido a alteração de um pedido de mera
apreciação para um pedido de condenação e uma redução do mesmo a
operação inversa.
2. Pressupostos:
a. Modificação consensual: as condições de modificação do pedido variam com a
posição das partes perante essa modificação. Se as partes estão de acordo, o
pedido pode ser alterado ou ampliado em qualquer momento da tramitação da
ação em primeira ou em segunda instância (artigo 264.º CPC).
b. Modificação unilateral: se as partes não acordam na modificação do pedido,
este pode ser alterado ou ampliado na réplica, se o processo a admitir (artigo265.º, n.º2, 1.ª parte e 584.º, n.º CPC), ou até ao encerramento da discussão em
primeira instância (artigos 646.º a 657.º CPC), se a ampliação for o
desenvolvimento ou a consequência do pedido inicial (artigo 165.º, n.º2, 3ª
parte CPC). Por exemplo: o autor instaurou uma ação, pedindo a condenação
do réu no cumprimento de uma prestação de facto infungível; durante a
pendência da causa pode pedir a condenação do réu numa sanção pecuniária
compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação (Artigo 265.º,
n.º4 CPC; artigo 829.º-A, n.º1 CC). Como a redução equivale a uma desistência
parcial do pedido formulado (artigo 285.º, n.º1 CPC), o pedido pode ser
reduzido em qualquer fase da tramitação da causa (artigo 265.º, n.º1, 2.ª partee 283.º, n.º1 CPC). Note-se que esta redução não necessita de qualquer
homologação do tribunal, ao contrário da desistência parcial do pedido (artigo
290.º, n.º3 CPC).
Modificação da causa de pedir:
1. Modalidades:
a. Modificação qualitativa: a modificação da causa de pedir pode ser qualitativa
ou quantitativa. No primeiro caso, o autor substitui a causa de pedir invocada
por uma outra que é subsumível a uma diferente qualificação jurídica. Por
exemplo: o autor invoca inicialmente, como fundamento da ação de despejo, afalta de habitação pelo arrendatário durante um ano consecutivo (artigo 64.º,
n.º1, alínea i) RAU); pode modificar a causa de pedir, passando a fundamentar
aquele pedido na realização de obras não consentidas no andar arrendado
(artigo 64.º, n.º1, alínea d) RAU).
b.
Modificação quantitativa: na modificação quantitativa, a parte amplia ou reduz
a causa de pedir alegada. Esta modificação pode provir da invocação ou da
desistência de alegação de factos que integram uma causa de pedir complexa.
Suponha-se, por exemplo, que o cônjuge apresenta, como fundamento da ação
de divórcio, vários adultérios cometidos pelo seu cônjuge (artigo 1779.º, n.º1
CC); esse autor pode alegar outros adultérios praticados pelo seu cônjuge ou
desistir da invocação de alguns dos adultérios alegados.
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2. Consequências: apesar da modificação da causa de pedir, o pedido pode manter-se
idêntico. É o que se verifica quando, por exemplo, o autor invoca um diferente título de
aquisição de um mesmo direito real ou de uma mesma prestação. Porém, a modificação
da causa de pedir também pode implicar uma correspondente alteração do pedido: estamodificação simultânea da causa de pedir e do pedido é admissível, desde que ela não
implique uma convolação para uma relação jurídica diferente da controvertida (artigo
265.º, n.º6 CPC). Suponha-se, por exemplo, que numa ação de reivindicação de um
imóvel, o réu demandado invoca a sua qualidade de usufrutuário; o autor pode alterar
a causa de pedir, alegando o título constitutivo do usufruto, o que implica igualmente a
alteração do pedido, que passa a ser o do reconhecimento da nua propriedade.
3. Pressupostos:
a.
Modificação consensual: os pressupostos da modificação, qualitativa ou
quantitativa, da causa de pedir dependem – tal como acontece quanto à
modificação do pedido – da posição das partes perante a mesma. Se as partesacordam nessa modificação, a causa de pedir pode ser alterada ou ampliada em
qualquer momento da tramitação da ação em primeira ou em segunda instância,
exceto se da alteração resultar perturbação inconveniente para a instrução,
discussão e julgamento da causa (artigo 264.º CPC). As limitações à instrução
existentes nos recursos ordinários – que só admitem a prova documental dos
factos alegados – restringem significativamente a possibilidade de modificação
da causa de pedir na segunda instância.
b. Modificação unilateral: se as partes não concordam na modificação, a causa de
pedir pode ser alterada ou ampliada na réplica, se o processo a admitir (artigos
265.º, n.º1, 1.ª parte e 584.º, n.º1 CPC). Essa modificação unilateral tambémpode ser realizada em qualquer momento da pendência da ação, e o autor
pretender alterar ou ampliar a causa de pedir em consequência de confissão
feita pelo réu e aceite pelo autor (artigo 265.º, n.1º, 2.ª parte CPC). Por exemplo:
se o autor pede, com fundamento na celebração de um contrato de mútuo, a
restituição da quantia mutuada; se o réu confessar que receber efetivamente
aquela quantia, embora como doação realizada pelo autor, este pode modificar
a causa de pedir, passando a invocar a anulabilidade, por erro na declaração,
daquela doação. Embora não se encontre qualquer previsão legal, o autor
também pode reduzir a causa de pedir. Analogicamente com o disposto no
artigo 265.º, n.º2 CPC, quanto à redução do pedido, a redução da causa de pedir
pode ser realizada a todo o tempo.
Aspetos comuns:
1. Compatibilidade procedimental : a modificação unilateral do pedido ou da causa de
pedir pode ser realizada na réplica, se o processo a admitir (artigo 265.º, n.º1, 1.ªparte
e n.º2, 1.ª parte CPC). Essa modificação só poder ser realizada neste terceiro articulado
(artigo 584.º, n.º1 CPC).
2. Factos supervenientes: a modificação do objeto pode decorrer da superveniência
(subjetiva ou objetiva, artigo 588.º, n.º2 CPC) de certos factos, o que coloca o problema
da determinação do seu regime. A opção nesta matéria consiste em saber se essa
modificação resultante da superveniência de certos factos fica submetida ao regime do
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artigo 265.º CPC ou se ela dispensa os pressupostos exigidos neste preceito. A melhor
solução é a que propugna a não sujeição dessa modificação ao regime do artigo 265.º,
porque não se justifica impor a uma modificação baseada em factos supervenientes as
exigências constantes daquele preceito. Deste modo, se, por exemplo, o autor pede oreconhecimento da propriedade com base num contrato de compra e venda e adquire,
por usucapião, a mesma propriedade durante a pendência da ação, essa parte pode
alterar a causa de pedir, alegando agora este novo título de aquisição da propriedade;
se, noutro exemplo, o autor pede a condenação do réu na entrega de uma coisa e este
a destrói e, com isso, impossibilita o cumprimento, o autor pode modificar o pedido para
a indemnização pelos prejuízos sofridos.
3. Consequências:
a. Modificação quantitativa: a modificação quantitativa consiste na ampliação ou
redução do objeto inicial. Com esta modificação, o objeto não perde a sua
identidade, pelo que se mantêm, quanto a ele, todos os efeitos produzidos pelapendência da ação. Assim, por exemplo, se a prescrição se interrompeu com a
citação do réu (artigo 323.º, n.º1 CC), essa interrupção mantém-se quanto ao
objeto modificado.
b.
Modificação qualitativa: a modificação qualitativa é aquela em que se verifica
uma alteração na identidade do objeto da ação, pelo que, ao contrário da
modificação quantitativa, entre o objeto inicial e o objeto modificado não há
qualquer identidade. Daí que se imponha uma análise dos efeitos dessa
modificação sobre cada um desses objetos. Antes disso, convém esclarecer que
a parte que alega um certo objeto só pode evitar a sua apreciação se desistir da
instância ou do pedido (artigo 285.º CPC), pelo que a modificação objetiva temde envolver, quanto ao objeto inicial, uma dessas desistências. Só que,
enquanto a desistência do pedido (que tem por efeito extinguir o direito
alegado em juízo; artigo285.º, n.º1 CPC) pode ser realizada em qualquer
momento e não necessita da concordância da contraparte (artigo 283.º, n.º1,
1.ª parte e 286.º, n.º2 CPC), a desistência da instância, que apenas faz cessar o
processo pendente (artigo 285.º, n.º2 CPC), depende, quando seja requerida
depois da contestação, da aceitação do réu (artigo 286.º, n.º1 CPC). Se a
modificação for consensual (artigo 264.º CPC), tudo depende, quanto ao destino
do objeto inicial, da interpretação da vontade das partes. Estas podem ter
desejado que a modificação qualitativa produza, relativamente ao objeto inicial,
os efeitos da desistência do pedido (artigo 285.º, n.º1 CPC), o que obsta a que
o autor possa invocar novamente o mesmo objeto numa outra ação. Porém,
como existe acordo entre as partes, essa modificação também satisfaz o
requisito exigido pelo artigo 286.º, n.º2 CPC, para a desistência da instância,
pelo que dela também podem decorrer apenas os efeitos inerentes a esta
desistência (artigo 285.º, n.º2 CPC). Se a modificação for unilateral (artigos 265.º,
n.º1 e 2 CPC), nunca se satisfaz o acordo exigido pelo artigo 286.º, n.º1 CPC para
a desistência da instância após a apresentação da contestação. Deste modo,
aquela modificação só pode produzir os efeitos característicos da desistência do
pedido (artigo 285.º, n.º1 CPC) e, por isso, o autor não pode voltar a alega em
juízo o objeto que foi substituído (artigo 285.º, n.º1 CPC).
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50
c.
Tramitação: a modificação unilateral do pedido ou da causa de pedir na réplica
justifica que, o réu possa exercer o contraditório na audiência preliminar (artigo
3.º, n.º4 CPC).
4.
Modificação qualitativa:a. Conexão objetiva: a modificação qualitativa é a que consiste numa alteração da
identidade do pedido ou da causa de pedir. Esta modificação pressupõe uma
certa conexão entre o objeto inicial e o objeto modificado, pois que o objeto de
um processo não pode ser completamente alterado. Uma tal modificação
poderia implicar a inutilidade da defesa apresentada pelo réu e da atividade já
desenvolvida pelo tribunal, situação em que as vantagens inerentes à economia
processual que justificam a admissibilidade da modificação do objeto não
superariam as desvantagens resultantes desse desperdício. No entanto, os
fatores de conexão que se encontram ínsitos nos pressupostos específicos da
modificação objetiva são suficientes para evitar que o objeto modificado sejatotalmente autónomo e distinto do objeto inicial, pelo que não se justifica exigir
qualquer outra conexão entre o objeto inicial e o objeto modificado. Quando
essa modificação é realizada na réplica (artigo 265.º, n.º1, 1.ª parte e n.º2, 1.ª
parte CPC), são as próprias circunstâncias que determinam a admissibilidade
deste articulado que estabelecem a conexão necessária entre o objeto inicial e
o objeto modificado: a dedução pelo réu, na contestação, de uma exceção ou
de um pedido reconvencional (artigo 584.º, n.º1 CPC). Acresce que, quanto à
modificação da causa de pedir, também constitui elemento de conexão a
confissão feita pelo réu e aceite pelo autor (artigo 265.º, n.º1, 2.ª parte CPC) e,
quanto à ampliação do pedido, a conexão também é assegurada pelo facto deo novo pedido dever ser o desenvolvimento ou a consequência do pedido inicial
(artigo 265.º, n.º2, 3.ª parte CPC).
b. Compatibilidade processual: apesar do silêncio legal, a modificação qualitativa
do pedido ou da causa de pedir, além dos seus pressupostos específicos (artigos
264.º e 265.º CPC), requer igualmente a observância de um compatibilidade
processual entre o objeto inicial e o objeto modificado. Esta compatibilidade
respeita a competência absoluta do tribunal e à compatibilidade entre as
formas de processo adequada para os objetos apresentados durante a
pendência da ação (artigo 555.º, com remissão para o artigo 37.º, n.º1 CPC).
5. Falta de pressupostos:
a.
Enunciado: a modificação do pedido ou da causa de pedir é inadmissível se
faltarem os seus pressupostos específicos, mas a modificação qualitativa pode
ainda ser inadmissível pela falta de compatibilidade processual entre o objeto
inicial e o subsequente.
b.
Concretização: se o autor modificar unilateralmente o pedido ou a causa de
pedir sem a observância dos seus pressupostos específicos, o tribunal deve
rejeitar essa modificação, pelo que o processo deve continuar com o objeto
inicial, se o autor não quiser desistir dele (artigos 283.º, n.º1 e 285.º, n.º1 CPC).
Se o autor modificar a causa de pedir ou o pedido sem a observância da
compatibilidade processual entre o objeto inicial e o novo objeto, o réu deve
ser absolvido da instância em relação a este objeto, atendendo quer àincompetência absoluta do tribunal (artigos 577.º, alínea a), 278.º, n.º1, alínea
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a) CPC), quer à incompatibilidade entre as formas de processo (artigos 576.º,
n.º2 e 278.º, n.º1, alínea e) CPC): também neste caso o processo deve continuar
com o objeto inicial, exceto se o autor quiser desistir dele (artigo 283.º, n.º1 e
285.º, n.º1 CPC).
Modificações do objeto
Modificação livre
O art. 268º - consagra o principio da estabilidade da instância. Proíbe por via de regra quedesde a citação do réu ocorram alterações ao pedido e à causa de pedir
É livre a alteração convencional ao pedido ou da causa de pedir por acordo das partes, em
1ª ou 2ª instância, salvo se houver inconveniente à instrução e julgamento do pleito.
É livre na réplica 502º/1; 273º 1 e 2 1ª parte
É livre a alteração de pedido e de causa de pedir por redução, resultante da desistênciaparcial 293º nº1 e 296º/2
Modificação condicional
A alteração do pedido apenas se admite – e só até ao encerramento da discussão em 1ªinstância – quando o pedido novo seja o desenvolvimento ou a consequência do pedidoprimitivo 273º nº 2 2ªparte
Alteração na causa de pedir só se admite com base na confissão do réu. Art. 273º n.º1
8
8 Agradecemos à Isabel, a quem se deve a elaboração deste esquema (incluído na sua sebenta) a quetecemos louvores no seu labor.
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Capítulo II – A Prova em Processo Civil
§1.º - Aspetos gerais
Enquadramento geral:
1. Noção: a prova é a atividade realizada em processo tendente à formação da convicção
do tribunal sobre a realidade dos factos controvertida (artigo 341.º CC), isto é, a
atividade que visa formar na mente do julgador a convicção que resolve as dúvidas sobre
os factos carecidos de demonstração. Os meios de prova são os elementos que
fornecem a informação que permite a formação da convicção do tribunal sobre arealidade daqueles factos.
2. Função: a prova tem por função transformar, através de elementos racionais e
controláveis, a incerteza sobre um facto numa decisão sobre a sua veracidade ou
falsidade. Como os factos são alegados em juízo, a função da prova é a demonstração –
ou melhor, a demonstração convincente – de uma afirmação de facto9. Dado que a
verdade desta afirmação depende da sua correspondência com a realidade (ou seja, da
sua corroboração ou falsificação pelos factos), a prova de que uma afirmação de facto
pressupõe a formação da convicção do julgador sobre a correspondência entre o
afirmado e o acontecido. Para a demonstração da verdade de um facto pode ser
necessário utilizar certas regras técnicas ou científicas. Se estas regras não forem deconhecimento comum e não integrarem a experiência normal da vida, a parte e o
tribunal podem socorrer-se da prova pericial (artigo 358.º CC). Esta prova destina-se a
realizar a prova através de pessoas com especiais conhecimentos técnicos ou científicos,
que são os peritos. Para efeitos de prova considera-se qualquer facto jurídico, isto é,
qualquer facto que integra uma previsão legal. Neste sentido, podem constituir objeto
da prova, enquanto factos jurídicos, não só os acontecimentos suscetíveis de serem
determinados no tempo e no espaço (que são os factos materiais), mas também os
factos hipotéticos (como a situação do lesado se não tivesse existido a lesão) e ainda os
estados anímicos (que constituem os factos psíquicos), relativos, por exemplo, à
vontade (como a intenção do agente), ao conhecimento (como a substituição de erro
de um declarante) e ao sentimento (como a amizade ou a cólera). O objeto da prova
pode recair sobre factos positivos (que são aqueles que se referem a uma ação ou a algo
que aconteceu) ou negativos (que são os relativos a uma omissão ou a algo que não
sucedeu). A prova também pode incidir sobre um facto simples (como, por exemplo, a
velocidade do automóvel causador do acidente), mas frequentemente há a necessidade
de provar um facto complexo (como, por exemplo, a comunhão duradoura de vinda em
condições análogas às dos cônjuges referida no artigo 1871.º, n.º1, alínea c) CC). Poder-
se-ia pensar que, em certas circunstâncias, seria admissível a prova de uma qualificação
9
Castro Mendes define a prova como «o pressuposto da decisão jurisdicional que consiste na formaçãoatravés do processo no espírito do julgador da convicção de que certa alegação singular de facto é justificavelmente aceitável como fundamento da mesma decisão».
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jurídica. Nomeadamente, em relação a negócios jurídicos frequentes, poder-se-ia julgar
que a parte seria admitida a realizar diretamente a sua prova. Mas não é assim. Se essa
qualificação jurídica puder ser retirada do negócio celebrado através dos critérios
enunciados no artigo 236.º, n.º1 CC, toda a prova é dispensável, mas, se isso não suceder,a prova da qualificação jurídica só pode ser realizada através da prova de factos (como,
por exemplo, o conhecimento pelo declaratário da vontade real do declarante, artigo
236.º, n.º2 CC). Os juízos de valor que integram as previsões legais não constituem
objeto da prova, porque compete ao tribunal formar esses juízos no momento da
decisão. Assim, por exemplo, não há que provar o excesso manifesto dos limites
impostos pela boa fé que subjaz ao abuso do direito (artigo 334.º CC), a anormalidade
da alteração que justifica a resolução ou modificação do contrato (artigo 437.º, n.º1 CC),
o caráter manifestamente excessivo da cláusula penal que permite a sua resolução
(artigo 812.º, n.º1 CC) ou a gravidade da violação dos deveres conjugais que conduz ao
divórcio (artigo 1779.º, n.º1 CC).
Direito probatório:
1. Direito probatório material :
a. Noção: a prova é regulada pelo Direito probatório, que pode ser
i. Material : respeita à delimitação do objeto da prova, à repartição do
ónus da prova, à admissibilidade dos meios de prova e aos critérios de
avaliação da prova.
ii.
Formal .
Segundo uma tradição herdada da pandectística oitocentista, que se
fundamenta na importância dos aspetos regulados pelo Direito probatóriomaterial para o exercício dos direitos subjetivos, aquele direito probatório
encontra-se regulado na legislação civil (artigo 341.º a 396.º CC), embora a ele
se refiram também alguns preceitos da legislação processual civil (artigos 414.º
e 421.º CPC).
b. Meios de prova: os meios de prova podem ser típicos ou atípicos, consoante se
encontrem previstos na lei ou dela não sejam conhecidos. São os seguintes os
meios de prova típicos no ordenamento jurídico português:
i. A confissão (artigos 352.º a 361.º CC)
ii. Os documentos (artigos 362.º a 387.º CC);
iii. A peritagem (artigos 388.º e 389.ºCC);
iv. A inspeção judicial (artigos 390.º e 391.º CC);
v. As testemunhas (artigos 292.º a 396.º CC); e ainda;
vi. A apresentação de coisas (artigo 416º CPC).
Como resulta do disposto no artigo 345.º, n.º2 CC, as partes só em determinadas
condições podem excluir um destes meios de prova. Os meios de prova atípicos
são aqueles que não estão previstos na lei ou que podem ser utilizados sem a
observância do procedimento probatório. Os poderes inquisitórios do tribunal
permitem a utilização da prova atípica: assim, por exemplo, o artigo 986.º CPC,
admite que, nos processos de jurisdição voluntária, o tribunal possa coligir
provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, o que
pode ser feito sem restrições aos meios de prova típicos, por exemplo, o tribunalpode solicitar uma informação a um serviço oficial. Por vezes, a lei aceita a
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55
i.
Ilidíveis: são as presunções iuris tantum ou relativas, e são aquelas que
admitem prova em contrário do facto presumido;
ii.
Inilidíveis: são as presunções iuris et de iure ou absolutas, e são aquelas
que excluem mesmo a prova em contrário do facto presumido.As presunções legais conduzem à inferência de um facto de um outro facto (que
é o facto instrumental provado – artigo 349.º CC). A operação que conduz do
facto provado ao facto presumido é apenas gnoseológica: o juiz é levado a
inferir pela lei um facto desconhecido de um outro que é conhecido. É por isso
que as presunções legais não são meios de prova, dado que não formam a
convicção sobre a realidade de um facto, mas antes meios de dispensa da prova
(do facto presumido). O fundamento das presunções legais encontra-se na
normalidade das coisas, isto é, no que acontece normalmente (id quod
plerumque accidit ). Tome-se como exemplo a presunção da titularidade do
correspondente direito real com base na posse que se encontra estabelecida noartigo 1268.º, n.º1 CC: é porque quem está na posse de uma coisa é
normalmente titular de um direito real sobre ela que se estabelece a presunção
daquela titularidade. Não devem ser equiparadas a estas presunções aquelas
que se encontram referidas nos artigos 9.º, n.º3 e 12.º, n.º1 CC. Estas últimas
não permitem retirar qualquer facto desconhecido de um facto conhecido. Já
que não podem ser considerados como factos a consagração pelo legislador das
soluções mais acertadas e a expressão do seu pensamento em termos
adequados, nem a ressalva dos efeitos já produzidos na vigência da lei antiga.
Quando funciona uma presunção legal, a parte invoca um certo facto e prova
um facto diferente, que é um facto instrumental e relação àquele facto Ou seja,
a parte pode invocar o facto presumido e provar o facto instrumental, porque
deste se infere, por presunção legal (artigos 349.º e 350.º CC), aquele facto
presumido.
c.
Prova prima facie: a prova prima facie baseia-se no curso típico dos
acontecimento e assenta nas presunções naturais ou judiciais (ou
praesumptiones hominis – artigo 349.º e 351.º CC): é do que, segundo a
experiência da vida, acontece normalmente que é possível inferir a veracidade
do facto que deve ser provado. A prova de primeira aparência assenta, por isso,
nas regras ou máximas de experiência que permitem um juízo crítico incidente
sobre factos conhecidos. Embora as presunções naturais não sejam, dado o seu
casuísmo, legalmente catalogáveis, a lei pode tipifica algumas presunções, que,por serem ilidíveis mediante contraprova (e não através da prova do contrário:
artigo 350.º, n.º2 CC), podem ser qualificadas como presunções naturais: é o
que se encontra no artigo 1871.º, n.º2 CC quanto às presunções de paternidade,
dado que este preceito admite que uma contraprova qualificada (porque se
exige que a dúvida seja séria) é suficiente para ilidir a presunção de paternidade.
A prova prima facie é utilizada especialmente para a demonstração da relação
entre uma causa e um efeito (ou entre um efeito conhecido e a sua possível
causa) e para a prova da conduta negligente. Assim, por exemplo: a
circunstância de o incêndio ter começado junto de uma instalação elétrica que
se encontrava em mau estado faz presumir que ele se deveu a um curto-circuito.A prova prima facie pressupõe uma dupla oneração. Antes do mais, o tribunal
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deve verificar a adequação causal entre o facto instrumental e o objeto da prova,
isto é, deve certificar-se da aptidão daquele facto para a inferência do facto que
constitui o thema probandum. Depois, caso admita essa adequação, deve
apreciar e avaliar, nos termos gerais, a prova realizada quanto ao factoinstrumental. As presunções naturais não podem ser utilizadas nos casos em
que não é admitida a prova testemunhal (artigo 351.º CC). Com esta remissão –
talvez pouco intuitiva – para os artigos 393.º a 395.º CC pretende excluir-se a
utilização daquelas presunções para a prova de factos que só podem ser
provados documentalmente ou de factos contrários a outros que se encontram
plenamente provados por documento ou por outro meio com força probatória
plena (como, poe exemplo, a confissão judicial escrita, artigo 358.º, n.º1 CC).
Graus de prova:
1.
Generalidades:a. Enunciado: a finalidade da prova é a formulação da convicção do tribunal sobre
a realidade de um facto. Segundo o grau de convicção exigida ao tribunal – isto
é, segundo a exigência respeitante à fundamentação desta convicção –, pode
distinguir-se a prova stricto sensu, a mera justificação e o princípio da prova.
b. Equivalência do meio: o grau de prova não depende dos meios de prova
utilizados pelas partes, pois que qualquer destes meios é suscetível de
fundamentar qualquer convicção do tribunal. Assim, por exemplo, a prova
pericial é apta a formar no espírito do julgador uma convicção tão firma como a
prova documental. Os meios de prova regem-se pelo princípio da equivalência
ou substituição mútua.c.
Momento da relevância: o grau de prova estabelece a medida da convicção que
é necessária para que o tribunal possa julgar determinado facto como provado.
Ele releva apenas depois da produção e da apreciação da prova: só após o
tribunal considerar que a parte cumpriu o ónus da prova relativamente a certo
facto é que importa verificar se essa prova é suficiente para que o facto possa
ser dado como provado.
2. Prova stricto sensu:
a. Noção: a prova stricto sensu é aquela que se fundamenta na convicção da
realidade do facto. Isto significa que a prova stricto sensu exige uma convicção
que não é compatível com a admissão de que a realidade pode ser distintadaquela que se considera provada.
b.
Fundamento: a prova stricto sensu não impede que o tribunal forme a sua
convicção com base na probabilidade estatística da realidade do facto. O que é
relevante é que o grau de convicção permite excluir, segundo o padrão que na
vida prática é tomado como certeza, outra configuração da realidade que foi
considerada provada. A prova de um facto com fundamento numa regra de
probabilidade não implica que o tribunal considera que esse facto é provável,
mas que o facto é verdadeiro. Em vez de uma afirmação do tipo o facto x é
provável , o que é decidido pelo tribunal é que o facto x está provado ou que, o
que é equivalente, o facto x é verdadeiro. Portanto, a probabilidade fundamenta
a apreciação da prova, mas não é transposta para o facto dado como provado.
Um facto considerado provado com base numa regra de probabilidade é um
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facto verdadeiro e não um facto provavelmente verdadeiro. Por exemplo; a
realização de um teste de DNA permite estabelecer a filiação com uma alta
probabilidade, mas o tribunal declara que o autor é filho do réu ou da ré (e não
que ele o é provavelmente). São vários os preceitos legais que se referem a umaprova que, apesar de se basear numa probabilidade, não admite qualquer
dúvida do tribunal. Assim, por exemplo, o artigo 217.º., n.º1 CC define a
declaração negocial tácita como aquela que se deduz de factos que a revelam
com toda a probabilidade e o artigo 1839.º, n.º2 CC exige que o autor de uma
ação de impugnação da paternidade prove que, de acordo com as circunstâncias,
a paternidade do marido da mãe é manifestamente improvável.
3. Mera justificação:
a. Noção: a mera justificação basta-se com a demonstração de que o facto é
verosímil ou plausível, ou seja, ela só exige que o tribunal forme a convicção da
probabilidade do facto.b.
Delimitação: enquanto a prova stricto sensu exige uma convicção sobre a
realidade do facto, a mera justificação requer somente o convencimento da
verosimilhança ou plausibilidade do facto.. O que é verosímil ou plausível é
provável com uma certa margem de incerteza ou de dúvida, pelo que a mera
justificação exige do tribunal, não uma convicção sobre a realidade do facto,
mas sobre a sua probabilidade. Dito de outro modo: enquanto na prova stricto
sensu a probabilidade do facto é um meio para a formação da convicção do
tribunal, na mera justificação essa probabilidade é o próprio quid sobre o qual
incide a convicção do tribunal.
c.
Admissibilidade: a mera justificação, porque é um grau de prova menosexigente do que a prova stricto sensu, só é suficiente nas situações previstas na
lei. É o que acontece, atendendo à celeridade exigida para o seu decretamento
e ao seu caráter provisório, nas providências cautelares, que exigem apenas
uma probabilidade séria da existência do direito (artigo 368.º, n.º1 CPC e,
também, artigo 1884.º, n.º2 CC). É o que também se encontra no
reconhecimento pelo tribunal da averiguação oficiosa da viabilidade da ação de
investigação da maternidade ou paternidade (artigo 1808.º, n.º4 e 1865.º, n.º4
e 5 CC), no renascimento da presunção de paternidade através da prova de que
no período legal da conceção existiram relações entre os cônjuges que tornam
verosímil a paternidade do marido (artigo 1831.º, n.º1 CC) e ainda na prova,
realizada pelo perfilhante na ação de impugnação da perfilhação proposta pela
mãe ou pelo filho, de que é verosímil a sua coabitação com a mãe do perfilhado
no período da conceção (Artigo 1859.º, n.º3 CC). A mera justificação assenta
numa certa probabilidade sobre a verificação de um acontecimento. É por este
motivo que a mera justificação se encontra frequentemente prevista quando ao
tribunal for exigida uma certa prognose sobre um acontecimento futuro. Assim
sucede, por exemplo, nas providências cautelares quanto à probabilidade séria
do reconhecimento do direito na respetiva ação (artigo 368.º, n.º1 CPC) e no
cálculo da indemnização com base na situação hipotética que existiria se não
tivesse havido lesão de direitos (artigo 562.º CC).
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4. Princípio de prova:
a. Noção: o princípio (ou começo) da prova é o menor grau de prova: ele vale
apenas como fator corroborante para a prova de um facto.
b.
Admissibilidade: o princípio da prova não é suficiente para estabelecer, por sisó, qualquer prova, mas pode coadjuvar, em conjugação com outros elementos,
a prova de um facto. Assim, por exemplo, quando o regime de produção de
prova no processo onde a prova foi realizada oferecer às partes garantias
inferiores às do processo onde se pretende invocar essa prova, os depoimentos
e perícias produzidos naquele primeiro processo só valem no segundo como
princípio de prova (artigo 421.º, n.º1, 2.ª parte CPC). É o que se passa na
oposição à execução que suspende o processo de execução quando o opoente
tiver impugnado a assinatura do documento particular que serve de título
executivo e tiver apresentado um documento que constitui princípio de prova
da não genuídade dessa assinatura (artigo 733.º, n.º1 CPC). Como princípio deprova deve valorar-se igualmente a recusa da parte em prestar depoimento ou
esclarecimentos (artigo 357.º, n.º2 CC; artigo 417.º, n.º2, 2.ª parte CPC). Esta
conduta é livremente apreciada pelo tribunal, mas não é suficiente para
fundamentar, por si mesma, qualquer resultado probatório. Se assim não se
entendesse, essa recusa constituiria um meio de prova.
c.
Inadmissibilidade: por vezes, a lei exclui valor de princípio de prova. Assim, o
artigo 1603.º, n.º1 CC estabelece que a prova da maternidade ou paternidade
realizada no processo preliminar de publicação não vale como começo de prova
em ação de investigação de maternidade ou paternidade; os artigos 1811.º e
1868.º CC dispõem que as declarações prestadas durante o processo deaveriguação oficiosa da maternidade ou paternidade não constituem sequer
princípio de prova em qualquer outra ação.
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§2.º - Direito à prova
Enquadramento:
1. Exercício: o direito de acesso à justiça e aos tribunais (artigo 20.º, n.º1 CRP) e o direito
ao processo equitativo (artigo 20.º, n.º4 CRP) asseguram às partes a produção da prova
dos factos favoráveis (direito à prova) e a contradição da prova realizada pela outra
parte (direito à prova contrária). As partes têm o ónus de apresentar o rol de
testemunhas, de requerer quaisquer outras provas e de alterar os requerimentos
probatórios que tenham apresentado nos articulados (artigos 512.º, n.º1 e 787.º, n.º1
CPC), estando-lhes garantida, em contrapartida, a audiência contraditória em matéria
probatória (artigo 415.º, n.º1 CPC). O direito à prova não afasta os importantes poderes
probatórios do tribunal. Assim, no enquadramento mais vasto do artigo 411.º CPC (quepermite que o tribunal realize ou ordene as diligências que considere necessárias para
o apuramento da verdade a justa composição do litígio), o tribunal pode, por exemplo,
requisitar informações, pareceres técnicos, planas, fotografias, desenhos, objetos ou
outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade (artigo 436.º, n.º1 CPC),
ordenar a prova pericial (artigo 477.º e 487.º, n.º2 CPC), determinar a inspeção judicial
(artigo 490.º, n.º1 CPC) e ordenar a notificação de uma pessoa que não foi indicada
como testemunha (artigo 526.º, n.º1 CPC).
2. Limites:
a.
Generalidades: o direito à prova cede perante as provas lícitas e as provas
proibidas: as provas ilícitas são aquelas que são obtidas de forma ilegal ou cujaprodução constitui um ilícito; as provas proibidas são aquelas que, apesar de
não serem ilícitas, não podem ser produzidas em processo.
b. Provas ilícitas: as provas ilícitas são aquelas cuja obtenção ou produção
constitui um ilícito. São exemplos de provas ilícitas, atendendo ao modo da sua
obtenção, todas aquelas que são conseguidas pelos métodos previstos no artigo
32.º, n.º8 CRP (aplicável analogicamente ao processo civil), como é o caso do
depoimento de um detetive particular cuja atividade desrespeitou a privacidade
da pessoa observada e, em geral, de todas as situações em que a prova tenha
sido obtida com desrespeito da intimidade e da dignidade da pessoa humana.
São igualmente ilícitas as provas cuja produção em juízo constitui, ela própria,
uma ilicitude, como, por exemplo, aquela que implica a quebra do segredo
profissional ou aquela que consiste na junção de um diário íntimo, mesmo que
a parte o tenha obtido licitamente. As provas ilícitas são, em regra, insuscetíveis
de serem valoradas pelo tribunal, isto é, não podem servir de fundamento a
qualquer decisão10. Contudo, segundo o artigo 32.º, n.º8 CRP, a prova só deve
ser qualificada como nula quando a intromissão na vida privada, no domicílio,
na correspondência ou nas telecomunicações deva ser considerada abusiva.
Assim, não é nula a prova que resulta da junção de uma cassete que contém a
gravação das declarações ameaçadoras que uma das partes proferiu para que
10 Diferentemente, I. Alexandre, entende que as provas ilícitas constituem uma nulidade processual (inProvas ilícitas em Processo Civil ; Coimbra, 1998).
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ficassem gravadas no serviço de voice-mail do telemóvel da outra; também não
constitui uma prova ilícita a fotografia, obtida acidentalmente por um dos
cônjuges, que mostra o outro cônjuge numa cena amorosa com um terceiro.
c.
Provas proibidas: as provas proibidas também implicam, à semelhança dasprovas ilícitas, uma proibição da sua valoração. Por exemplo: a prova
testemunhal não é admitida para provar um facto contrário àquele que se
encontra plenamente provado por documento (artigo 393.º, n.º2 CC); as
declarações proferidas no processo de averiguação oficiosa da maternidade ou
da paternidade não podem ser utilizadas – e, por isso, não podem ser valoradas
– numa posterior ação de reconhecimento de maternidade ou paternidade
(artigos 1808.º, 1811.º e 1868.º CC).
3. Consequências:
a. Dever de colaboração: todas as pessoas, ainda que não sejam partes na causa,
têm, em matéria de prova, o dever de prestar a sua colaboração para adescoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-
se as inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os
atos que forem determinados (artigo 417.º, n.º1 CPC). Este dever de cooperação
no âmbito da prova é expressão do dever de colaboração com a administração
da justiça (Artigo 202.º, n.º3 CRP; quanto às partes artigo 7.º, n.º1 CPC) e pode
concretizar uma obrigação de informação (artigo 573.º CC), de apresentação de
coisas (artigo 473.º CPC) e de documentos (artigo 575.º CC). A violação do dever
de colaboração conduz à aplicação de várias sanções, nomeadamente a
condenação em multa e o recurso aos meios coercitivos que sejam admissíveis
(artigo 417.º, n.º2, 1.ª parte CPC), como a apreensão de documentos (artigo433.º CPC) e a comparência da testemunha sob custódia (artigo 508.º, n.º4 CPC).
No caso de o recusante ser uma das partes da causa, o valor da recusa é
livremente apreciada pelo tribunal, exceto se ela houver que implicar a inversão
do ónus da prova (artigo 417.º, n.º2, 2.ª parte CPC; artigo 344.º, n.º2 CC). O
direito à prova cede perante interesses superiores. É por isso que é legitima a
recusa de colaboração se a obediência importar violação da integridade física
ou moral das pessoas (artigo 417.º, n.º3, alínea a) CPC), intromissão na vida
privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações
(artigo 417.º, n.º3, alínea b) CPC) ou violação do sigilo profissional ou de
funcionários públicos ou do segredo de Estafo (artigo 417.º, n.º3, alínea c) CPC).
b.
Dever de motivação: o direito à prova implica um correlativo dever de
motivação da decisão de facto através de argumentos legais e racionais. Este
dever de motivação enquadra-se no dever geral de fundamentação das
decisões judiciais (artigo 205.º, n.º1 CRP; artigo 154.º, n.º1 CPC) e constitui um
elemento essencial para o controlo da correção da decisão pelo próprio tribunal,
pelas partes e pelo eventual tribunal de recurso. Nesta motivação, o tribunal
deve especificar os fundamentos que conduziram à formação da sua convicção
sobre a veracidade ou não veracidade de certo facto (artigo 653.º, n.º2, in fine
CPC). É necessário, por exemplo, que o tribunal indique os fatores que
corroboram a credibilidade atribuída a uma testemunha, sendo certo que para
tal fundamentação nunca pode bastar, mesmo quando tenha havido gravaçãodo depoimento (artigo 422.º e 155.º CPC), uma remissão genérica para a prova
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produzida pelas partes ou investigada pelo tribunal. É a solução que se pode
extrair do disposto no artigo 662.º, n.º5 CPC.
Contratos probatórios:
1. Noção: os contratos probatórios são os negócios processuais pelos quais as partes
regulam os factos carecidos de prova ou a repartição do ónus da prova de um
determinado facto ou indicam os meios de prova admissíveis para a prova de um certo
facto. Os contratos probatórios podem ser, por isso, contratos sobre o objeto da prova,
o ónus da prova e os meios de prova.
2. Conteúdo:
a. Objeto da prova: os contratos sobre o objeto dva definem quais os factos sobre
os quais deve recair a produção de prova das partes. Normalmente, as partes
indicam, em simultâneo, os factos que admitem por acordo e aqueles que
consideram controvertidos, restringindo, naturalmente, o objeto da prova aestes últimos.
b.
Ónus da prova: os contratos sobre o ónus da prova, previstos no artigo 345.º,
n.º1 CC, invertem a sua repartição legal e atribuem o risco da falta ou
insuficiência da prova à parte que não é a legalmente onerada. Por exemplo: as
partes acordem que, no caso de mau funcionamento da coisa vendida, cabe ao
vendedor a prova da inexistência de qualquer defeito.
c.
Meios de prova: os contratos sobre os meios de prova podem admitir um meio
de prova diferente daqueles que estão legalmente previstos para a priva do
facto ou excluir um meio de prova legalmente admissível para essa prova (artigo
345.º, n.º2 CC). As partes podem convencionar, por exemplo, que determinadofacto, apesar de para ele ser admissível a prova testemunhal, só pode ser
provado documentalmente; as partes podem convencionar que a comprovação
da autoria e integridade de um documento eletrónico pode ser realizada através
de uma assinatura digital que não satisfaz os requisitos legais (artigo 3.º, n.º4
Decreto-Lei n.º 290-D/99, 2 agosto).
3. Requisitos:
a. Requisito comum: os contratos probatórios apresentam certos requisitos que
são comuns a todos eles e outros requisitos que são específicos de alguns deles.
É requisito comum a todos os contratos probatórios a circunstância de só
poderem recair sobre situações jurídicas disponíveis (artigo 345.º, n.º1 e 2, 1.ªparte CC; artigo 2.º, n.º1 Decreto-Lei n.º211/91).
b.
Requisitos específicos: os contratos sobre o ónus da prova e os meios de prova
não podem agravar sensivelmente a posição probatória das partes (artigo 345.º,
n.º1 e 2, 1.ª parte CC). Quer dizer, à parte onerada não pode ser excessivamente
dificultada a prova do facto, porque isso pode traduzir-se na própria dificuldade
de exercer o correspondente direito. Os contratos sobre os meios de prova
também não podem contrariar disposições legais de ordem pública (artigo 345.º,
n.º2, in fine CC). São de ordem pública, e, portanto, convencionalmente
inderrogáveis, todos os poderes probatórios do tribunal (artigos 436.º, n.º1,
477.º, 487.º, n.º2, 490.º e 526.º, n.º1 CPC), a forma legal ad substantiam (artigos
220.º, 364.º, n.º1 e 393.º, n.º1 CC), a inadmissibilidade de prova testemunhal
em substituição de documento ad substantiam ou ad probationem (artigo 393.º,
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n.º1 CC) e ainda as inabilidades para depor como testemunha (artigos 495.º e
496.º CPC). Pelo mesmo motivo, estão excluídos os acordos pelos quais as
partes definem o valor probatório de um meio de prova. Às partes não é
permitido modificar o valor de prova legal ou de prova livre fixado pela lei paraos vários meios de prova (v.g. artigos 358.º, 371.º, 376.º, 377.º, 389.º, 391.º e
396.º CC). Os contratos sobre o objeto da prova não podem dispensar o
documento escrito que seja legalmente exigido para a prova do facto (artigo 2.º,
n.º1 Decreto-Lei n.º211/91). São ainda razões de ordem pública que justificam
esta solução.
4. Eficácia: os contratos probatórios, quando sejam válidos, são vinculativos não só para
as partes que os celebram, mas também para o tribunal da causa. Este órgão deve
respeitar objeto de prova definido pelas partes, os meios de prova por elas
convencionados e observar, numa situação de non liquet , a repartição convencional do
ónus da prova.
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§3.º - Objeto da prova
Necessidade da prova:
1. Objeto principal :
a. Generalidades: o objeto da prova é delimitado, nos regimes processuais em que
vigora o sistema da disponibilidade objetiva, pelos factos alegados pelas partes.
Os factos são invocados pelas partes, em cumprimento de um ónus de alegação,
com a expectativa de que, caso esses factos sejam controvertidos e relevantes
para a decisão da causa, elas possam cumprir o ónus da prova quanto a eles,
isto é, consigam convencer o tribunal da sua veracidade.
b. Factos relevantes: a apreciação do pedido formulado pela parte depende dos
factos que são invocados como causa de pedir ou como fundamento da exceção(artigo 5.º, n.º1 CPC) e dos respetivos factos complementares (artigo 5.º, n.º2,
alínea b) CPC), ou seja, dos factos que constituem, no seu conjunto, os factos
principais. Em contrapartida, essa apreciação não é condicionada pelos factos
instrumentais alegados pelas partes, não só porque o tribunal pode utilizar
outros factos probatórios (artigo 5.º, n.º2 CPC), mas também porque os factos
principais podem ser provados diretamente, ou seja, sem a mediação dos factos
instrumentais. Portanto, o objeto da prova só pode ser constituído pelos factos
principais alegados pelas partes.
c.
Seleção dos factos: apenas os factos principais invocados pelas partes podem
constituir o objeto probatório, mas nem todos eles necessitam de ser provados.Há factos alegados pelas partes que não se integram no objeto da prova, pois
que, dos factos invocados, só necessitam de ser provados os factos constantes
da base instrutória (artigo 410.º e 511.º, n.º1 CPC). Estes são, antes do mais, os
factos controvertidos, isto é, os factos que, tendo sido alegados por uma das
partes, foram impugnados pela contraparte (artigos 574.º, n.º1 e 587.º, n.º1
CPC). Assim, os factos alegados por uma das partes e não impugnados pela
outra não necessitam de ser provados. Note-se que, para que o facto seja
considerado não impugnado, não é necessário qualquer assentimento expresso
da parte; basta que esta não o conteste (artigo 574.º, n.º2, 1.ª parte CPC). Isto
significa que o objeto da prova se encontra na disponibilidade das partes, pois
que este é definido em função da conduta que estas assumem em juízo e não
de qualquer posição do tribunal da ação: ainda que este considere desejável a
realização de prova sobre um certo facto, ela está excluída se o facto não tiver
sido impugnado e se, portanto, houver que o considerar admitido por acordo
(artigo 547.º, n.º2 CPC). Apenas se o facto se referir a um direito indisponível ou
só puder ser provado por documento se torna irrelevante a falta da sua
impugnação (artigo 547.º, n.º2 CPC), pelo que, apesar desta não impugnação,
ele continua a dever ser provado e integra, por isso, o objeto da prova. Só os
factos que não devam ser considerados admitidos por acordo podem integrar o
objeto da prova, mas nem todos eles têm de ser provados. Desses factos
excluem-se do objeto da prova os factos não pertinentes, isto é, os factos quenão são relevantes para nenhuma das possíveis soluções de direito de ação, pois
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que estes factos devem ser selecionados para a base instrutória (artigo 596.º,
n.º1 CPC). Pode suceder que a pertinência do facto para a decisão da causa seja
estabelecida pelo tribunal de recurso, isto é, que este tribunal venha a verificar
que se impõe uma solução que não foi considerada pelo tribunal recorrido.Perante e insuficiência de factos para proferir a decisão, o Supremo deve
mandar baixar o processo à Relação para que a decisão de facto seja ampliada
em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito (artigo 682.º,
n.º3 e 683.º, n.º1 CPC).
d.
Caso julgado: dos factos também não carecem de prova, ainda que tenham sido
impugnados pela contraparte, aqueles que estão abrangidos pela força de caso
julgado de uma decisão anterior vinculativa para as partes. Tal situação pode
verificar-se nomeadamente quando esse caso julgado respeitar a um objeto
prejudicial relativamente ao objeto sub iudice. Se, por exemplo, ficou
estabelecida, em anterior ação, a propriedade do imóvel, não há que voltar aproduzir a prova desse facto numa ação posterior em que o proprietário solicita
uma indemnização pela sua indevida ocupação.
e. Modificação do objeto: a modificação do pedido ou da causa de pedir implica
uma modificação do objeto da prova se, em função do novo objeto do processo,
houver que provar factos novos ou se tornar desnecessária a prova de certos
factos. Também a alegação de factos supervenientes pode conduzir a uma
alteração do objeto da prova (artigo 588.º, n.º6 CPC).
2. Objeto acessório: a própria atividade probatória pode implicar a necessidade de realizar
prova sobre certos factos relativos aos meios de prova, isto é, pode originar um objeto
de prova acessório. Por exemplo: a parte contra a qual é apresentado um documentoautêntico pode arguir a sua falsidade, o que implica a necessidade de apurar se o
documento é falso (artigo 327.º CC); a parte pode arguir factos que tornam duvidosa a
credibilidade do depoimento de uma testemunha (artigo 346.º CPC) ou que implicam a
sua incapacidade ou inabilidade para depor (artigo 496.º e 497.º CPC).
Dispensa de prova:
1. Generalidades: os factos que não estão submetidos ao ónus de alegação não carecem
de ser provados pela parte: é o caso dos factos notórios e de conhecimento funcional
(artigo 412.º e 664.º, in fine CPC) e ainda os factos de conhecimento oficioso. O facto
que a parte não tem o ónus de alegar também não tem o ónus de provar, o que nãoquer dizer que, se o tribunal não os considerar provados, a decisão desse órgão não
deva ser contra a parte a que aproveitaria a respetiva prova (artigo 414.º CPC). A isenção
desse ónus significa apenas que o tribunal pode considerar certos factos ainda que estes
não sejam provados pela parte. Ao dispensar estes factos do ónus da prova, pretende-
se aumentar os poderes de investigação do tribunal, pelo que, verificando-se qualquer
contradição entre a posição das partes sobre esses factos e aqueles que o tribunal puder
considerar em função da prova por ele coligida, prevalece a versão deste órgão
jurisdicional. Uma das principais consequências desta afirmação é a irrelevância da falta
de impugnação pela contraparte de qualquer desses factos (artigo 574.º, n.º1 e 587.º
CPC), o que, quanto aos factos notórios, também resulta do disposto no artigo 354.º,
alínea c) CC).
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2. Factos notórios: os factos notórios não estão submetidos ao ónus de alegação e de
prova (artigo 412.º, n.º1 e 664.º, in fine CPC). São notórios os factos de conhecimento
de uma opinião pública medianamente informada no tempo e lugar da causa,
presumindo-se, por isso, que o tribunal tem igualmente conhecimento deles. Sãoexemplos de factos notórios os acontecimento históricos, económicos ou naturais,
mesmo que apenas conhecidos numa certa região ou localidade. Como exemplos de
factos notórios podem referir-se acontecimentos históricos como a verificação em
Portugal, no dia 25 de abril de 1974, de um golpe de Estado, factos da vida económica
como a desvalorização monetária devia à inflação e factos geográficos como a distância
entre duas localidades e a localização de um certo monumento; o dano resultante da
supressão do direto à vida também é um facto notório. Deve observar-se que a
notoriedade do fato pode não obstar à necessidade da sua demonstração, pois que o
facto notório não é aquele que é conhecido como tal pelo tribunal, mas aquele que o
tribunal, pela sua notoriedade geral, devia conhecer. A prova do contrário também épossível: ainda que a generalidade das pessoas tenha um certo facto por verdadeiro,
isso não obsta a que a parte interessada procure demonstrar que o facto não é real.
3. Factos funcionais: também não carecem de alegação e de prova os factos de
conhecimento funcional (artigo 412.º, n.º2 e 664.º , in fine CPC), ou seja, os factos
conhecidos do tribunal pelo exercício da função jurisdicional e que possam ser provados
por documento. Por exemplo: a morte de uma das partes provada por certidão junta a
um outro processo ou a interdição de uma das partes declarada num outro processo
pendente no mesmo tribunal. Diferentes destes factos de que o tribunal tem
conhecimento em virtude do exercício das suas funções são aqueles que pertencem ao
conhecimento privado (ou à ciência privada) do juiz. Suponha-se, por exemplo, que o juiz presenciou o acidente de viação em apreciação na ação; para que a versão do juiz
sobre os factos possa ser considerada no julgamento da açã, é necessário que uma das
partes o indique como testemunha, situação que implica o seu impedimento no
processo pendente (artigo 499.º, n.º1 e 115.º n.º1, alínea h) CPC). Portanto, ao contrário
do que sucede quanto aos factos de conhecimento funcional, a posição de juiz da causa
não é compatível com a consideração de factos do seu conhecimento privado.
4. Factos oficiosos: dispensam igualmente a alegação e prova os factos de conhecimento
oficioso, isto é, os factos de que, apesar de não serem notórios nem de conhecimento
funcional, o tribunal pode conhecer, por força da lei, independentemente de alegação
das partes (v.g. artigos 286.º, 333.º, n.º1, 334.º, n.º1 e 2, 370.º, n.º2, 372.º, n.º3 e 572.º
CC). Se as partes não têm o ónus da sua alegação, então também não podem estar
onerados com a respetiva prova, embora sujeitando-se às eventuais consequências
desfavoráveis decorrentes da falta de prova do facto.
Prova de direito:
1. Justificação: como exceção ao princípio iura novit curia (artigo 664.º, n.º1, 1.ª parte
CPC), a parte está onerada com a prova do direito consuetudinário, local ou estrangeiro
(artigo 348.º, n.º1, 1.ª parte CC). Este ónus justificado pela circunstância de não ser
exigível que o tribunal conheça o direito consuetudinário local ou estrangeiro.
2. Direito estrangeiro: por Direito estrangeiro deve entender-se todo aquele que não
vigora na ordem jurídica portuguesa. Não basta que o Direito não tenha uma fonte
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nacional para que possa ser considerado estrangeiro: pense-se, por exemplo, nas
normas e nos princípios do Direito Internacional Geral (artigo 8.º, n.º1 CRP), nas normas
constantes de Convenções Internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas (artigo
8.º, n.º2 CRP) ou ainda nas normas emanadas dos órgãos comunitários competentes(artigo 8.º, n.º3 CRP).
3. Regime da prova: no regime da prova do Direito consuetudinário, local e estrangeiro, é
irrelevante a posição assumida pelas partes. Assi, o tribunal pode substituir-se à parte
onerada (Artigo 3498.º, n.º1 CC) e, por maioria de razão, pode controlar a prova por ela
realizada. Além disso, o tribunal pode investigar esse direito, mesmo que a parte não o
tenha invocado (artigo 348.º, n.º2 CC), sendo também inoperantes a falta de
impugnação específica e a revelia da parte (artigo 348.º, n.º2, in fine CPC). A prova da
parte ou a investigação do tribunal não devem incidir exclusivamente sobre o texto do
Direito estrangeiro: importante é também o conhecimento da respetiva doutrina e
jurisprudência.
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§4.º - Ónus da Prova
Modalidades:
1. Ónus da prova objetivo:
a. Noção: o ónus da prova preenche uma função distinta consoante seja
entendido em sentido objetivo ou subjetivo. O ónus da prova objetivo respeita
às consequências da não realização da prova, isto é, da falta de convicção do
tribunal sobre a realidade de um facto A esta situação de dúvida chama-se non
liquet . Recorde-se que na linguagem coloquial 11 se diz, por vezes, que um
assunto “não é líquido”, querendo significar com essa expressão que ele não é
claro ou indiscutível.
b.
Relevância: a dúvida insanável sobre um facto pode verificar-se tanto emprocessos nos quais vigora o princípio da disponibilidade das partes sobre o
objeto do processo – como sucede, em regra, no Direito Português (artigo 664.º,
2.ª parte CPC) –, como em processos submetidos à inquisitoriedade do tribunal.
Mesmo que seja concedido ao tribunal o poder de investigar os factos
relevantes para a decisão da causa, podem surgir dúvidas irredutíveis sobre a
realidade desses factos, que devem ser superados através das regras do ónus
da prova objetivo.
c. Importância: a importância das regras sobre o ónus da prova objetivo decorre
da circunstância de a situação de dúvida insanável sobre a realidade dos factos
não isentar o tribunal do dever de proferimento de uma decisão (artigo 8.º, n.º1CC; artigo 3.º, n.º2 EMJ. Assim, atendendo a este dever de administração da
justiça mesmo numa hipótese de non liquet , há que determinar o conteúdo da
decisão sobre o facto: essa é a função das regras relativas ao ónus da prova
objetivo. Estas regras não permitem solucionar as situações de no liquet, ou seja,
não resolvem a dúvida do tribunal, mas definem qual a decisão que o tribunal
deve tomar apesar da dúvida sobre a realidade do facto. Elas são, por isso,
regras de decisão, com o seguinte enunciado: perante a dúvida irredutível sobre
a realidade do facto que é pressuposto da aplicação de uma norma jurídica, o
tribunal decide como se estivesse provado o facto contrário. Por exemplo: o
autor afirma que entregou ao réu uma certa quantia monetária: se o tribunalnão adquirir a convicção da veracidade desta afirmação, decide como se
estivesse provado que o autor não entregou qualquer quantia ao réu. O
funcionamento do ónus da prova objetivo implica uma ficção jurídica: perante
a falta de prova do facto, o tribunal ficciona que se encontra provado o facto
contrário e toma-o como fundamento da sua decisão. Quer dizer: em vez de
deixar em aberto a aplicação de uma norma pela impossibilidade de saber se os
factos que integram a sua previsão se verificaram realimento, o tribunal recusa
a aplicação da norma com o fundamento (ficcionado) de que esses factos não
se verificaram.
11 LOL é mesmo linguagem “coloquial” // quando juristas se propõem a invocar linguagem coloquial dá
sempre nisto: elitismos na perceção da realidade. (haja paciência!)
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2. Ónus da prova subjetivo:
a. Noção: o ónus da prova subjetivo refere-se à determinação da parte onerada
com a prova do facto, isto é, à repartição do ónus da prova pelas partes da ação.As regras sobre o ónus da prova subjetivo definem a atuação das partes em juízo,
sendo, por isso, regras de conduta.
b. Relevância: ao contrário do ónus da prova objetivo – cuja aplicação se estende
aos processos regidos pela disponibilidade das partes e pela inquistoriedade
judiciária – o ónus da prova subjetivo só é aplicável nos processos submetidos,
ainda que não exclusivamente, Àquela disponibilidade. Isto porque o ónus da
prova subjetivo define a conduta probatória da parte e delimita o âmbito do
conhecimento do tribunal (artigo 664.º, 2.ª parte CPC: iudex debet iudicare
secundum allegata et probata partium). Por isso, os poderes inquisitórios do
tribunal diminuem a importância do ónus da prova subjetivo.c.
Funcionamento: entre o ónus da prova objetivo e subjetivo existe a seguinte
relação: a decisão de um non liquet , de acordo com a regra do ónus da prova
objetivo, acompanha a repartição determinada pelo ónus da prova subjetivo,
pois que o tribunal, ao ficcionar como provado o facto contrário daquele que
devia ter sido provado, decide contra a parte onerada com a prova. É sobre a
parte sobre a qual recai a prova do facto segundo as regras do ónus da prova
subjetivo que o ónus da prova objetivo faz recair da falta ou insuficiência da sua
prova.
Repartição:
1. Generalidades: a repartição da prova condiciona a atividade probatória da parte que,
pois que, em coadunação com o ónus de alegação, incumbe à parte o ónus da prova
relativamente aos factos cuja subsunção a uma norma jurídica lhe atribui um efeito
favorável.
2. Critérios gerais:
a. Generalidades: os factos constitutivos devem ser provados pela parte que, com
fundamento neles, alega uma situação jurídica (artigo 342.º, n.º1 CC) e a prova
dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos incumbe à parte contra a
qual é invocada uma situação jurídica (artigo 342.º, n.º2 CC). Desta regra
decorre uma importante consequência: não é a parte que nega os factosinvocados pela contraparte que está onerada com a prova de que esses factos
não são verdadeiros, mas a parte que os alega que tem o ónus de provar que
eles são verdadeiros. Os factos impeditivos, modificativos ou extintivos devem
ser provados pela parte que, com esse fundamento, nega a situação afirmada
pela contraparte (artigo 342.º, n.º2 CC). Também quanto aos factos impeditivos,
modificativos vale a regra de que é sobre a parte que os alega em seu benefício
que recai o ónus da prova. Para além do paralelismo com a regra aplicável aos
factos constitutivos, releva igualmente uma razão de ordem prática: é que não
seria aceitável que recaísse sobre a parte que invoca uma situação jurídica o
ónus de provar não só que estão preenchidos todos os seus elementos
constitutivos, mas também que não se verificam nenhuns factos impeditivos,
modificativos ou extintivos. Assim, por exemplo, o mutuante que pede a
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restituição da quantia mutuada deve provar o respetivo contrato de mútuo, mas
não tem de demonstrar que esse contrato não está inquinado por nenhum vício
atinente á capacidade dos outorgantes, à forma da sua celebração ou à
formação e emissão das declarações negociais. Só perante a situação concretase pode determinar se o facto é constitutivo ou extintivo de uma situação
jurídica. Se na previsão da norma invocada pelo demandante se integra um
facto impeditivo, modificativo ou extintivo, esse facto funciona como facto
constitutivo da situação subjetiva decorrente daquela norma. Por exemplo: na
ação de apreciação do pagamento de uma dívida deve ser provado pelo autor
esse facto extintivo da obrigação, que, relativamente à situação alegada, é um
facto constitutivo.
b. Factos negativos: ainda que o facto constitutivo, impeditivo, modificativo ou
extintivo seja um facto negativo, continua a aplicar-se, quanto à sua prova, a
regra enunciada no artigo 342.º, n.º1 e 2 CC: essa prova incumbe à parte queinvoca o respetivo direito ou exceção. Deste modo, por exemplo, na ação de
resolução do contrato baseada no incumprimento da obrigação incumbe ao
autor provar este inadimplemento do devedor. Porém, há que ponderar que a
prova de um facto negativo pode ser muito difícil. Suponha-se que, com vista à
resolução do contrato com fundamento no inadimplemento do devedor, há que
provar esse incumprimento: se a prestação consistir num non facere, a prova do
incumprimento não será fácil, pois que, por exemplo, bastará mostrar a obra
que o devedor se obrigou a não realizar; todavia, se o obrigado estiver vinculado
a realizar uma prestação de dare ou de facere, não é fácil demonstrar o
incumprimento, dado que, se, nalguns casos, o que não sucedeu pode deixar
consequências visíveis, em muitas outras situações a omissão não desencadeia
quaisquer modificações percetíveis. Se, por exemplo, o médico não tratou a
tempo o seu paciente, o agravamento do estado de saúde deste indicia aquela
omissão, mas, se o comprador não pagar o preço devido, daí não decorrem, em
regra, quaisquer alterações no mundo exterior. Atendendo à dificuldade de
prova de alguns factos negativos, importa verificar se se justifica construir para
eles uma exceção à distribuição do ónus da prova imposta pelo artigo 342.º,
n.º1 CC. É claro que a exceção não pode valer nas hipóteses em que o facto
negativo pode constituir o próprio objeto do processo, o que sucede nas ações
de simples apreciação negativa, dado que isso teria como consequência
deslocar o ónus da prova do demandante para a parte demandada, o que seriacontrário à repartição do onus probandi determinada pelo artigo 343.º, n.º1 CC.
Quanto aos demais casos, na ausência de qualquer previsão legal, parece difícil
ir mais além de solicitar ao tribunal alguma razoabilidade na apreciação da
prova do facto negativo. Alguma jurisprudência entende que, quando a prova
do facto negativo não for possível oi se tornar muito difícil para a parte
normalmente onerada, essa prova incumbe à parte contrária.
c. Apreciação negativa: como nas ações de simples apreciação negativa a
alegação dos factos constitutivos da situação negada pelo autor compete à
parte passiva, é o réu a parte onerada com a demonstração desses factos
constitutivos (artigo 343.º, n.º1 CC), cabendo ao autor, nos termos gerais (poraplicação do artigo 342.º, n.º1 CC), a prova dos factos impeditivos, modificativos
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ou extintivos da situação jurídica para a qual é requerida a apreciação negativa
(artigo 584.º, n.º2 CPC). Portanto, a regra estabelecida no artigo 343.º, n.º1 CC
não isenta o autor de provar os factos que invoca como fundamento do seu
pedido de apreciação negativa. Assim, por exemplo, na ação negativa deservidão, incumbe ao autor provar os factos que fundamentam a inexistência
ou a extinção da servidão e ao réu demonstrar os factos dos quais resulta a sua
constituição. Isto significa que, nas ações de simples apreciação negativa, a
solução fornecida, quanto à repartição do ónus da prova, é a de distribuir a
prova dos factos por ambas as partes, consoante a sua relevância para a
procedência ou improcedência da ação. Esta repartição do ónus d aprova nas
ações de simples apreciação negativa compreende-se mais facilmente
lembrando que o réu deverá utilizar a reconvenção para pedir, caso o deseje, a
apreciação positiva do direto negado pelo autor (artigo 266.º, n.º2, alínea a), 2.ª
parte CPC). Isto é, para que o réu obtenha o reconhecimento do direito negadopelo autor, não basta que impugne o pedido do autor, pois que a improcedência
de uma ação de apreciação negativa não implica o reconhecimento de qualquer
situação jurídica, mas apenas o não reconhecimento da inexistência da situação
jurídica. Por exemplo: a improcedência da ação de apreciação negativa da
paternidade (ou maternidade) implica que não é reconhecido que o réu não seja
filho do autor, mas não determina o reconhecimento de que o é efetivamente.
3. Critérios especiais:
a.
Generalidades: em caso de dúvida – estabelece o artigo 342.º, n.º3 CC – os
factos devem ser considerados como constitutivos do direito. Isto significa que
o facto deve ser qualificado como constitutivo quando houver dúvidas sobre seé de exigir a sua prova (como facto constitutivo) àquele que alega o
correspondente direito ou (como facto impeditivo, modificativo ou extintivo)
àquele contra o qual o direito é invocado. Esta solução encontra a sua
justificação no intuito de, em conjugação com a regra enunciada no artigo 342.º,
n.º1 CC, impor a prova à parte que alega a situação subjetiva e não àquela que
a nega.
b. Prazo de caducidade: algumas das situações em que se poderiam suscitar sobre
a qualificação do facto são resolvidas pela lei. Assim, nas ações que devam ser
propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve
conhecimento de certo facto, cabe, em princípio, ao réu a prova de prazo já ter
decorrido (artigo 343.º, n.º2 CC). Quer dizer: o prazo de propositura da ação é
considerado pela perspetiva do seu decurso e, por isso, é qualificado como um
facto extintivo, pelo que, por exemplo, incumbe ao réu provar que já
decorreram dois anos a contar da data em que o cônjuge ofendido ou o seu
representante legal teve conhecimento do facto que fundamenta o pedido de
divórcio (artigo 1786.º, n.º1 CC).
c. Condição e termo: se o direito invocado pelo autor estiver sujeito a condição
suspensiva ou a termo inicial, cabe-lhe a prova de que a condição se verificou o
ou o termo se venceu, mas se o direito estiver sujeito a condição resolutiva ou
a termo final, incumbe ao réu provar a verificação da condição ou o vencimento
do prazo (artigo 343.º, n.º3 CC). Portanto, a condição suspensiva e o termoinicial são considerados factos constitutivos, mas a condição resolutiva e o
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termo final são qualificados como factos extintivos e, por isso, tratados,
também quanto ao ónus da prova, como exceções perentórias.
4. Inversão:
a.
Generalidades: verifica-se a inversão do ónus da prova quando não é sobre aparte normalmente onerada com a prova do facto que recai o ónus de o
demonstrar, mas sobre a contraparte que incide o ónus de provar facto
contrário. Se o ónus da prova se inverto, este ónus não acompanha o ónus de
alegação, pois que a prova não incumbe à parte favorecida com a demonstração
do facto e onerada com a sua alegação, mas à parte que pode beneficiar do
facto contrário. O ónus da prova inverte-se nas situações previstas no artigo
344.ºCC. inversão do ónus da prova implica uma modificação do thema
probandum, pois que a prova exigível a cada uma das partes é a contrária
daquela que pode ser imposta à contraparte. Por exemplo: se a inversão do
ónus da prova recai sobre um facto constitutivo do direito alegado pelo autor,incumbe ao demandado provar o contrário desse facto constitutivo. A eventual
dificuldade de prova não constitui, em si mesma, fundamento para a inversão
do onus probandi . Porém, a lei não permanece completamente insensível a esta
dificuldade, procurando preveni-la por uma de duas soluções. Uma delas
consiste no estabelecimento de presunções legais e, portanto, na dispensa da
prova dos factos presumidos (artigo 350.º, n.º1 CC), o que se traduz num
benefício para a parte onerada como a prova do facto presumido. A outra
consiste na permissão do julgamento segundo a equidade em situações em que
a prova do facto é difícil ou mesmo impossível: assim sucede, por exemplo,
quanto á avaliação de danos não patrimoniais (artigo 496.º, n.º3 CC) e àindemnização devida pela rutura da promessa de casamento (artigo 1594.º,
n.º3 CC).
b. Presunções legais: o ónus da prova inverte-se quando haja uma presunção legal
(artigo 344.º, n.º1 CC), pois que a parte tem a seu favor uma presunção legal
escusa de provar o facto a que ela conduz (artigo 350.º, n.º1 CC). Isto é, à parte
só incumbe provar o facto probatório (que é o facto que constitui a base da
presunção), porque da priva desse facto deduz-se, através da presunção, o facto
que constitui o thema probandum. À contraparte incumbe a ilisão de presunção
(artigo 350.º, n.º2 CC), que consiste na demonstração de que, apesar da prova
do facto probatório, o facto presumido não é verdadeiro. Assim, por exemplo,
a ilisão da presunção da titularidade do direito baseada na possa (artigo 1268.º,
n.º1 CC) implica a prova de que, apesar de a parte ser o possuidor da coisa, ela
não é titular de qualquer direito real sobre essa coisa.
c. Frustração da prova: o ónus da prova também se inverte quando uma das
partes tiver culposamente tornado impossível a prova à parte onerada (artigo
344.º, n.º2 CC). Por exemplo: se o médico, demandado numa ação de
responsabilidade civil, destruiu a ficha clínica de que o autor se poderia servir
para fazer prova da inadequação do tratamento, à àquele demandado que
incumbe a prova da sua adequação à situação clínica do demandante; idêntica
inversão se verifica quando a parte destrói o testamento de que a outra parte
se poderia servir para fazer a prova de um facto. A impossibilidade culposa daprova exige uma conduta negligente ou dolosa da parte, que pode verificar-se
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antes ou durante a pendência do processo onde a prova devia ser realizada.
Quanto à mera negligência, poder-se-ia objetar que a inversão do ónus da prova
constitui uma sanção demasiado pesada para o comportamento da parte. Mas
deverá atender-se a que essa inversão é determinada mais como umaconsequência da situação objetiva – que é a impossibilidade de a contraparte
usar certo meio de prova – do que como uma sanção para a conduta negligente
da parte. A inversão do ónus da prova sanciona mais o resultado causado do
que a conduta causadora. Há que demarcar a situação em que a parte torna
impossível, por culpa própria, a produção da prova pela contraparte (situação
prevista no artigo 344., n.º2 CC) da eventualidade em que a parte se recusa a
depor ou a prestar informações ou esclarecimentos (hipótese prevista no artigo
357.º, n.º2 CC). Esta distinção impõe-se pelas diferentes consequências
definidas para cada uma dessas situações. Enquanto aquela impossibilidade
culposa determina a inversão do ónus da prova (artigo 344.º, n.º2, 1.ª parte CC),a recusa do depoimento ou do esclarecimento é livremente apreciada pelo
tribunal para efeitos probatórios (artigo 357.º, n.º2, in fine CC). Ambas as
situações têm expressão no artigo 417.º, n.º2 CPC, pelo que este preceito é
aplicável tanto no caso em que existe a frustração culposa da prova pela parte
onerada, como na hipótese em que parte recusa o depoimento ou o
esclarecimento. Assim, por exemplo: se a parte recusa entregar um documento
que (provadamente) se encontra em seu poder, a remissão do artigo 430.º para
o 417.º, n.º2, ambos CPC, deve ser entendida como feita para a inversão do
ónus da prova imposta pelo aí referido artigo 344.º, n.º2 CC. Em contrapartida,
a recusa do depoimento pela parte é, como se dispõe no artigo 357.º, n.º2 CC,
livremente apreciada pelo tribunal, pelo que a referência à livre apreciação no
artigo 417.º, n.º2, 2.ª parte CPC se refere a essa mesma hipótese. Alguma
doutrina, em vez de aceitar o paralelismo entre os artigos 344.º, n.º2 e 357.º,
n.º2 CC e o artigo 417.º, n.º2 CPC, procura encontrar um diferente campo de
aplicação para cada um destes preceitos. Assim, Lopes do Rego entende que o
artigo 344.º, n.º2 CC se aplica nos casos em que se verifica uma frustração
culposa de um meio de prova de especial relevância e que o artigo 417.º, n.º2
CPC se destina a ser aplicado às situações em que uma das partes, através da
sua recusa ilegítima, inviabilize à outra a produção de um meio de prova entre
outros existentes. Lynce de Faria entende que o artigo 344.º, n.º2 CC é aplicável
à parte que não está onerada com a prova e que o artigo 417.º, n.º1 CPC seaplica à parte sobre a qual recai o ónus da prova. É indiscutível que o artigo
344.º, n.º2 CC sanciona a conduta da parte que não está onerada com a prova,
mas não é certo que o artigo 417.º, n.º2 CPC só seja aplicado à parte sobre a
qual recai o ónus da prova: basta pensar que o preceito deve ser aplicado
quando for requerido o depoimento do autor quanto a um facto extintivo da
obrigação que ele próprio invoca (que é um fato que deve ser provado pelo réu:
artigo 342.º, n.º2 CC).
d. Liberação do ónus da prova: o ónus da prova inverte-se quando haja dispensa
ou liberação do ónus da prova (artigo 344.º, n.º1 CC), que se verifica quando a
lei declara certo um facto até à prova do contrário. Assim, por exemplo, a parteque pretende provar a boa ou má fé da possa pode demonstrar, em sua
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substituição, o caráter titulado dessa posse (artigo 1260.º, n.º2 CC), recaindo
sobre a contraparte o ónus da prova do facto contrário (ou seja, a prova de que,
apesar do título ou da sua falta, a posse é de má ou de boa fé).
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§5.º - Apreciação da prova
Critérios legais:
1. Enunciado: a prova, enquanto atividade destinada a efetuar, perante o tribunal, a
demonstração convincente de certos factos, é realizada através dos meios de prova, isto
é, dos elementos sensíveis ou percetíveis nos quais o tribunal pode alicerçar a convicção
sobre a realidade do facto. Na avaliação da prova realizada através desses meios de
prova, é possível a consagração de um sistema de prova legal ou de prova livre.
2. Prova legal :
a.
Noção: no sistema da prova legal, o valor da prova realizada através de um dos
meios de prova está legalmente prefixado, pelo que o tribunal está vinculado a
atribuir a essa prova o respetivo valor legal. Quer dizer: no referido sistema, alei predetermina o valor da prova produzida por um certo meio de prova. Este
valor pode ser positivo ou negativo: é positivo quando a lei impõe que o tribunal
atribua à prova realizada um determinado valor; é negativo quando a lei proíbe
a atribuição de qualquer valor à prova produzida.
b.
Valor positivo: a lei pode atribuir à prova produzida um valor tarifado ou fixo.
Este valor é variável consoante a prova que for suficiente para impugnar aquela
prova, pelo que é possível estabelecer uma distinção entre
i.
A prova legal bastante: a impugnação da prova é conseguida através da
contraprova, a qual consiste na colocação em dúvida da veracidade do
facto (artigo 346.º CC), isto é, na criação no espírito do julgador dedúvidas sobre esta veracidade. É o que acontece, por exemplo, quanto
ao valor probatório da letra e assinatura de um documento particular,
cuja autenticidade pode ser questionada com a mera impugnação pela
parte contra quem o documento é apresentado (artigo 347.º CC), ou
seja, com a criação no espírito do julgador de dúvidas sobre essa
autenticidade.
ii. A proval plena: a impugnação da prova realizada só pode ser obtida
mediante a prova do contrário, isto é, através da demonstração da não
veracidade do facto (artigo 347.º CC). Por exemplo: os documentos
autênticos fazem prova plena quanto aos factos que referem comopraticados pela autoridade documentadora (artigo 371.º, n.º1 CC) e,
por isso, a sua força probatória só pode ser ilidida com base na falsidade
(artigo 372.º, n.º1 CC), nomeadamente através da prova de que o
notário atestou algo que não se verificou. Também as presunções iuris
tantum, que só podem ser ilididas mediante a prova em contrário
(artigo 350.º, n.º2 CC), têm o valor de prova plena. Por exemplo: a
presunção de culpa do devedor (artigo 799.º CC) só pode ser ilidida
mediante a prova da inexistência dessa culpa no incumprimento da
obrigação.
iii.
A prova pleníssima: contra a prova pleníssima não é admitida nem a
contraprova, nem a prova do contraditório. Na prova pleníssima
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integram-se as presunções iuris et de iure, isto é, as presunções
inilidíveis (artigo 350.º, n.º2, in fine CC). Por exemplo: a prova de que o
terceiro adquiriu o direito posteriormente ao registo da ação de
simulação, quando a este haja lugar, faz presumir, sem possibilidade deilisão, a má fé daquela adquirente (artigo 243.º, n.º3 CC); a prova de que
a posse foi adquirida por violência implica sempre a má fé do
adquirente (artigo 1260.º, n.º3 CC). Note-se que a contraparte pode
impugnar, qualquer que seja o tipo de presunção, a prova do facto
probatório e assim, embora sim ilidir a presunção (que, aliás, pode ser
inilidível), impugnar, mesmo por contraprova, a sua base. Por exemplo:
a presunção de má fé do terceiro que adquiriu o direito após o registo
da ação de simulação (artigo 243.º, n.º3 CC) não pode ser ilidida, mas o
interessado pode provar que adquiriu antes desse registo e, com isso,
impugnar a própria base da presunção e obstar ao seu funcionamento.c. Valor negativo: a lei pode proibir a atribuição de qualquer valor probatório a
um determinado meio de prova. É o que acontece, por exemplo, com as provas
ilícitas, designadamente as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da
integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no
domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações (artigo 32.º, n.º8 CRP).
3. Prova livre:
a.
Noção: no sistema da prova livre (que foi uma aquisição da codificação
oitocentista depois de uma longa evolução doutrinária e legislativa), o valor a
conceder à prova realizada através dos meios de prova não está legalmente
prefixado, antes depende da convicção que o julgador formar sobre a atividadeprobatória (artigo 607.º, n.º1 CPC). Quer dizer: a lei não predetermina o valor
da prova produzida através de um certo meio de prova, incumbindo ao tribunal
formar a sua convicção sobre a prova produzida.
b. Admissibilidade: a prova realizada através de alguns meios de prova é avaliada
segundo o princípio da livre apreciação, o que significa que eles não possuem
um valor probatório antecipadamente fixado pela lei: é o que sucede com a
prova pericial (artigo 389.º CC), a inspeção judicial (artigo 391.º CC) e a prova
testemunhal (artigo 396.º CC). Também são livremente apreciados pelo tribunal
a confissão judicial que não seja escrita e a confissão extrajudicial não constante
de documento, feita a terceiro ou contida em testamento (artigo 358º.º, n.º3 e
4 CC), o reconhecimento não confessório (artigo 361.º CC), o documento escrito
a que falta algum dos requisitos exigidos pela lei (artigo 366.º CC), os juízos
pessoais do documentado constantes do documento autêntico (artigo 371.º,
n.º1 CC), a importância dos vícios exteriores do documento para a sua força
probatória (artigos 371.º, n.º2, e 376.º, n.º3 CC) e ainda recusa de depoimento
ou de esclarecimento pela parte (artigo 357.º, n.º2 CC, artigo 417.º, n.º2, 2.ª
parte CPC). A livre apreciação está excluída quando a lei exija, para a existência
ou a prova do facto, qualquer formalidade especial (artigo 607.º, n.º2 CPC).
Assim, por exemplo, a prova livre não é admitida para a prova da transmissão
da propriedade de um imóvel, porque esta alienação exige escritura pública
(artigo 875.º CC; artigo 80.º, n.º1 CNot).
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c.
Avaliação: na impossibilidade de submeter a apreciação da prova a critérios
objetivos (como são os que exigem uma demonstração por leis científicas), a lei
apena à convicção intima ou subjetiva do tribunal. Essa convicção exigida para
a demonstração do facto deve respeitar as leis da ciência e do raciocínio eassenta frequentemente em regras ou máximas de experiência. Algumas destas
regras correspondem ao senso comum e baseiam-se na normalidade das coisas;
outras referem-se a conhecimentos específicos na área da ciência, da técnica,
da indústria ou do comércio. Como exemplo da utilização pelo tribunal de
máximas de experiência para a valoração da prova (sem discutir, contudo, a sua
justificação) pode citar-se a seguinte decisão (RE- 16/1/1992, BMJ 413, 634):
«É perfeitamente aceitável que, com base na prova testemunhal, o
tribunal conclua: que certo homem e certa mulher vivem
maritalmente um com o outro, o que facilmente pode ser observado;
que mantêm relações sexuais um com o outro, o que, maisraramente observável, se pode constatar pelo comportamento
normal entre pessoas normais; ou que a mulher só com aquele
homem, em certo período, manteve relações de sexo – o que
também se poderá concluir de um comportamento normal da
referida mulher ».
Ao contrário dos factos relevantes para a decisão da causa, as regras de
experiência podem ser usadas em tribunal, ainda que, como aliás sucede
normalmente, nem sequer sejam alegadas pelas partes. Elas integram o acervo
de conhecimentos necessários para a avaliação da prova, pelo que o tribunal
não pode ficar dependente, quanto a elas, das posições das partes: não releva
a falta de alegação das máximas de experiência pelas partes e não vale quanto
a essas máximas o ónus de impugnação (artigos 574.º, n.º1 e 587.º CPC), pelo
que nunca se consideram admitidas por acordo. Expressão da sua relevância
para a apreciação da prova e da sua subtração à disponibilidade das partes é a
faculdade de o tribunal ordenar oficiosamente a prova pericial (artigos 477.º e
487.º, n.º2 CPC). A convicção do tribunal extraída das regras de experiência é
uma convicção argumentativa, isto é, uma convicção demonstrável através de
um argumento. A regra de experiência que o tribunal pode utilizar para
fundamentar a sua convicção sobre a prova realizada e a mesma que pode ser
usada pela parte como argumento para a formação dessa convicção. Quer dizer:
a regra de experiência que pode convencer o tribunal da veracidade do facto éa mesma que pode ser utilizada para a fundamentação da decisão desse órgão
sobre a apreciação da prova. Algumas regras da experiência são retiradas da
experiência comum: a prova de que uma pessoa se encontrava em determinado
lugar num certo momento permite inferir que ela não se poderia encontrar em
qualquer sítio (prova de álibi); o facto confessado extrajudicialmente pela parte
deve ser considerado verdadeiro, porque não é normal reconhecer um facto
desfavorável se ele for falso. Outras regras implicam conhecimentos específicos,
que devem ser fornecidos ao tribunal através da prova pericial: é o caso, por
exemplo, da determinação da filiação através de testes de DNA. As regras de
experiência também revelam, na modalidade de presunções judicias, naavaliação da prova prima facie. Assim, por exemplo, se o autor instaurar uma
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ação de indemnização em que alega a negligência do cirurgião demandado, a
prova da existência de uma compressa e de vários instrumentos cirúrgicos no
corpo do autor pode demonstrar, segundo as normais regras de experiência, a
negligência daquele médico. * É indispensável não confundir as regras de
experiência com preconceitos ou pré-juízos. Não se baseia em nenhuma regra
de experiência, mas num mero preconceito, a infeliz afirmação de que a
conduta de duas estrangeiras no Algarve contribuiu para a violação de que
foram vítimas, pois que «não hesitaram em vir para a estrada pedir boleia a
quem passava, em plena coutada do chamado “macho ibérico” » (STJ –
18/10/1989, BMJ 390, 160 (165)). *
d. Valor: a prova livre, apesar de resultar da livre convicção do juiz, tem
necessariamente um valor: (embora não prefixado ou predeterminado pela lei):
se o tribunal formar a convicção sobre a realidade do facto, a prova realizada
cede perante contraprova (artigo 346.º CC), pelo que a prova livre é sempre
uma prova bastante. Toda a prova que resulta da liberdade de apreciação do
tribunal vale como prova bastante e, por isso, cede perante contraprova (como
se demonstra, por exemplo, pela possibilidade de contradita da testemunha,
artigo 521.º CPC).
Valoração da prova:
1. Prova documental :
a.
Noção: a prova documental consiste na apresentação de um objeto elaborado
pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto
(artigo 362.º CC). Assim, são documentos os registos fotográfico, fonográficos,
escritos, desenhados, tecnológicos ou de qualquer espécie que representem ou
reproduzem uma pessoa, coisa ou acontecimento, bem como todos os sinais
que patenteiam uma certa realidade (como, por exemplo, marcos divisórios ou
devações) ou exteriorizam uma ideia ou um pensamento (como, por exemplo,
uma marca ou um carimbo).
b. Documentos escritos: os documentos escritos são aqueles que corporizam, em
escrita normal ou cifrada, uma declaração de ciência ou de vontade. Estes
documentos podem ser autênticos ou particulares (artigo 363.º, n.º1 CC). Os
documentos autênticos são aqueles que são exarados por autoridades públicas,
notários ou outros oficiais públicos dotados de fé pública (artigo 363.º, n.º2, 1.ªparte CC; artigo 35.º, n.º CNot); todos os demais documentos são particulares
(artigo 363.º, n.º2, 2.ª parte CC). São exemplos de documentos autênticos, a
escritura pública (artigo 80.º CNot), a habilitação notarial de herdeiros (artigos
82.º a 88.º CNot) e as várias justificações notariais (artigos 89.º, 90, 91.º e 94.º
CNot). Os documentos particulares podem ser:
i. Autenticados: são aqueles que são confirmados pelas partes perante
notário (artigo 363.º, n.º3 CC; artigo 35.º, n.º3 CNot);
ii. Reconhecidos por notário: são aqueles cuja letra e assinatura, ou só
assinatura, estão reconhecidos pelo notário (artigo 35.º, n.º4 CNot);
iii.
Simples: são os restantes documentos que apenas contêm a assinaturado seu autor ou de outrem a seu rogo (artigo 373.º, n.º1 CC).
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Quando a lei exigir, como forma ad substantiam, documento autêntico,
autenticado ou particular, esse meio de prova não pode ser substituído por
qualquer outro ou por documento que não seja de força probatória superior
(artigo 364.º, n.º1 CC). Se, porém, resultar claramente da lei que o documentoé exigido apenas para prova da declaração – isto é, se a forma for ad
probationem –, esse documento pode ser substituído por confissão expressa,
judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de
documento de igual ou superior valor probatório (artigo 364.º, n.º2 CC).
c.
Valor probatório: na avaliação da prova realizada através de um documento
escrito, há que distinguir, quanto ao valor probatório, entre:
i. Força probatória formal: respeita ao valor probatório do documento,
isto é, à autenticidade ou genuídade do documento apresentado; Esta
força probatória (que respeita à sua autenticidade ou genuídade) é a de
prova plena (acta probat se ipsa), pois que se presume que odocumento provém da autoridade ou oficial público a quem é atribuído
(artigo 370.º, n.º1 CC). Esta presunção só pode ser ilidida através da
prova do contrário (artigo 370.º, n.º2 CC), isto é, da prova de que o
documento não provém da autoridade ou oficial público a quem é
atribuída a sua autoria, mas o tribunal também pode excluir aquela
presunção quando for manifesta, pelos sinais exteriores do documento,
a sua falta de autenticidade (artigo 370.º, n.º2 CPC).
ii. Força probatória material: refere-se ao valor probatório atribuído aos
factos praticados ou atestados pela entidade documentadora. Esta
força probatória dos documentos (que se refere ao valor probatório dos
factos exarados ou atestados pela entidade documentadora) é também
a de prova plena: esta prova só cede perante a prova do contrário
através da falsidade do documento (artigos 371.º e 372.º, n.º2 CC). A
falsidade documental inclui a falsidade material, se no documento se
considera praticado pela entidade responsável qualquer ato que na
realidade o não foi (artigo 372.º, n.º2, 2.ª parte CC), ou ideológica, se
nele se atesta como tendo sido objeto da perceção da autoridade ou
oficial público qualquer facto que na realidade não se verificou (artigo
372.º, n.º2, 1.ª parte CC). Conclui-se, assim, que a falsidade material não
pode ser confundida com a falta de autenticidade ou de genuídade do
documento: se, por exemplo, o notário refere que reconheceu aidentidade dos contratantes, o que, na realidade, não aconteceu, o
documento é genuíno, mas materialmente falso.
Importa referir, a propósito, um aspeto muito importante: só estão abrangidos
pelo valor de prova plena os factos praticados ou alegados pela entidade
documentadora (artigo 371.º, n.º1 CC). Aquela força probatória só abrange a
prática ou atestação de facto (quer dizer, só fica provado que foi praticado ou
atestado um determinado facto pela entidade documentadora), pelo que ela
não se estende à veracidade de qualquer desses factos. Assim, se, por exemplo,
o vendedor afirma perante o notário que recebeu o preço da coisa vendida e se
o notário atesta essa declaração, o valor de prova plena só abrange o facto deo vendedor ter emitido essa declaração e o facto de o notário a ter atestado,
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sem abranger o facto de o vendedor ter efetivamente recebido o preço da coisa.
Assim, o valor de prova plena limita-se às declarações visus et auditus
enunciadas pela entidade documentadora, mas não à sua sinceridade ou
veracidade, porque de tal não pode o documentador certificar-se com os seussentidos. O atestado de residência passado pelo Presidente de Junta de
Freguesia baseia-se nas informações prestadas por dois comerciantes e não em
factos de conhecimento direto e funcional do atestante, pelo que, embora se
trate de um documento autêntico (artigos 363.º, n.º2 e 369.º, n.º1 CC), não goza
de força probatória pela nos termos do artigo 371.º, n.º1 CC, estando, por isso,
sujeito à livre apreciação do tribunal. Do exposto decorre que há que distinguir
duas situações:
Se a entidade documentadora refere como praticado um determinado
facto que não praticou (situação de falsidade material) ou atesta um facto
que não se verificou perante ela (hipótese de falsidade ideológica), odocumento é falso e só pode ser atacado mediante a arguição da respetiva
falsidade (artigo 372.º, n.º1 e 2 CC);
Se, pelo contrário, a entidade documentadora atesta um certo facto que
perante ela foi declarado mas a declaração não corresponde à verdade, o
documento não é falso, mas o seu conteúdo não corresponde à verdade.
Este conteúdo não está coberto pelo valor de prova plena (exceto se o facto
documentado for um facto confessório, artigo 358.º, n.º2 CC), pelo que a
sua impugnação não só não tem de ser feita através da alegação da
falsidade do documento, como pode ser realizada através de qualquer
meio de prova (como as testemunhas, por exemplo: artigo 393.º, n.º2 CC).
Também se admite qualquer meio de prova para a interpretação do
documento e, nomeadamente, para a averiguação da vontade real dos
contratantes (Artigos 236.º, n.º2, e 393.º, n.º3 CC).
Os documentos particulares têm um valor probatório distinto consoante sejam
autenticados ou não autenticados. Os documentos autenticados, que são
aqueles cujo conteúdo é confirmado pelas partes perante o notário (artigo 363.º,
n.º3 CC; artigo 35.º, n.º2 CNot), têm a força probatória dos documentos
autênticos, pelo que fazem prova quanto aos factos praticados ou atestados
pela entidade documentadora (artigos 377.º e 371.º CC). Os documentos não
autenticados mas assinados têm força probatória formal quando a letra eassinatura, ou apenas a assinatura, forem, expressa ou tacitamente,
reconhecidas pela parte contra a qual o documento for apresentado (artigo
374.º, n.º1 CC; sobre a impugnação da letra ou assinatura dos documentos
particulares, artigo 444.º CPC). Desta força probatória formal retira-se uma
força probatória material plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor
(artigo 376.º, nº.1 CC), que só pode ser impugnada pela prova da falsidade do
documento (artigo 376.º, n.º1, in fine CC). Sobre a forma de impugnar a letra ou
assinatura do documento, importa distinguir três situações:
Se elas estiverem reconhecidas presencialmente (artigo 153.º, n.º5 CNot):
têm-se por verdadeiras e só podem ser impugnadas mediante a arguiçãoda sua falsidade (artigo 375.º, n.º1 e 2 CC);
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Se só estiverem reconhecidas por semelhança (artigo 153.º, n.º6 CNot): a
sua impugnação basta-se com a mera contraprova (artigo 346.º CC), porque
esse reconhecimento vale apenas como juízo pericial (artigo 375.º, n.º3 CC),
portanto livremente apreciável (artigo 389.º CC);
Se não estiverem reconhecidas notarialmente: a parte contra quem o
documento é apresentado pode limitar-se a impugnar a verdade da letra
ou assinatura ou a declarar que não sabe se são verdadeiras, incumbindo à
parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade (artigo 374.º,
n.º2 CC).
Os documentos particulares não assinados (ainda que escritos) são livremente
apreciados pelo tribunal. Por exemplo: as cotas, que são notas que dão conta da
execução de certos atos de expediente da secretaria do tribunal, correspondem
a documentos particulares sujeitos à livre apreciação do tribunal. É possível
encontrar algumas exceções a esta regra. Assim, os registos e outros escritos
onde habitualmente alguém tome nota dos pagamentos que lhe são efetuados
fazem prova contra o seu autor (portanto, a favor do devedor), se indicarem
inequivocamente o recebimento de algum pagamento (artigo 360.º, n.º1 CC); a
nota escrita pelo credor, ou por outrem segundo instruções dele, em
seguimento, à margem ou no verso do documento que ficou em poder do credor,
ainda que não esteja datada nem firmada, faz prova do facto anotado se
favorecer a exoneração do devedor (artigo 381.º, n.º1 CC); os livros de
escrituração comercial fazem prova entre comerciantes quanto a factos do seu
comércio (artigo 44.º CCom). Todos estes documentos fazem prova plena contra
o seu autor, que tem o ónus de realizar a prova do contrário (artigos 380.º, n.º1,in fine, e 381.º, n.º3, 1.ª parte CC; artigo 44.º, n.º2, §único CCom). As certidões
de teor (Que são aquelas que transcrevem literalmente o original, artigo 165.º,
n.º3 CNot) extraídas de documentos arquivados nas repartições notariais ou
noutras repartições públicas, quando expedidas pelo notário ou por outro
depositário público autorizado, têm a força probatória dos respetivos originais
(artigo 383.º, n.º1 CC). Esta força probatória pode ser invalidada ou modificada
pelo confronto com o respetivo original (artigo 385.º,n.º1 CC). As públicas-
formas (que são cópias de teor, total ou parcial, extraídas de documentos
estranhos ao arquivo do notário, artigo 171.º, n.º1 CNot) têm a força probatória
do respetivo original, se a parte contra a qual forem apresentadas não requerera exibição deste original (artigo 386.º, n.º1 CC). Requerida esta apresentação, as
públicas-formas perdem a força probatória do original se este não for
apresentado ou, sendo-o, se não se mostrar conforme com elas (artigo 386.º,
n.º2 CC). As fotocópias de documentos arquivados nas repartições notariais ou
noutras repartições públicas têm a força probatória das certidões de teor, se a
sua conformidade com o original for atestada pela entidade competente para
expedir estas últimas, isto é, têm a força probatória dos originais (artigos 387.º,
n.º1, e 383.º, n.º1 CC; artigo 171.º-A, n.º1 CNot). As fotocópias de documentos
estranhos aos arquivos públicos têm o valor de pública-forma, se a sua
conformidade com o original for atestada pelo notário, ou seja, têm a força
probatória dos respetivos originais (artigos 387.º, n.º2 e 386.º, n.º1 CC). A
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fotocópia de fotocópia vale como fotocópia do original se a fotocópia copiada
se encontrar legalizada. As fotocópias particulares, isto é, as fotocópias cuja
conformidade com o original não esteja atestada por uma autoridade, fazem
prova plena dos factos e das coisas que representam, se a parte contra quemforem apresentadas não impugnar a sua exatidão (artigo 368.º CC). Assim,
enquanto o valor probatório das cópias oficias só é ilidido mediante o confronto
com o original (artigos 385.º, 386.º, n.º2 e 387.º, n.º2, in fine CC), o valor
probatório das cópias particulares é destruído com a mera impugnação da sua
exatidão pela parte contra quem forem apresentadas (artigo 3687.º CC).
d.
Reproduções mecânicas12: as reproduções fotográficas ou cinematográficas, os
registos fonográficos e, de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas
de factos ou de coisas fazem prova plena dos factos e das coisas que
representam,, se a parte contra quem elas forem apresentadas não impugnar a
sua exatidão (artigo 368.º CC). Nesta hipótese, incumbe á parte que apresenta
o documento o ónus de provar a sua exatidão.
e. Documentos tecnológicos: os documentos tecnológicos são aqueles cuja
elaboração, reprodução ou transmissão resultam do uso de meios eletrónicos.
A determinação do seu valor probatório levanta vários problemas. Os
telegramas cujos originais tenham sido escritos e assinados, ou somente
assinados, pela pessoa em nome de quem são expedidos, ou por outrem a seu
rogo, são considerados para todos os efeitos como documentos particulares
(artigo 379.º CC). Assim, os telegramas não assinados pela pessoa em nome de
quem são enviados por outrem a seu rogo (como, por exemplo, os telegramastelefonados) não possuem essa força probatória. Excetuam-se, no âmbito das
relações comerciais, os telegramas que, apesar de não serem assinados pelo
expedidor, se provar haverem sido expedidos ou mandados expedir pela pessoa
designada como expedidor, os quais têm a força probatória reconhecida aos
documentos particulares (artigo 97.º, §1.º CCom). Por analogia, tudo isto vale
para os telefaxes. É duvidoso qual seja o valor probatório dos documentos
transmitidos por telecópia (ou telefax). Na falta de qualquer preceito específico,
há que distinguir consoante a telecópia seja oficial ou seja uma telecópia
particular. Se for uma telecópia oficial (isto é, enviada por um notário ou outro
depositário público autorizado), a sua força probatória é a do original (artigo
383.º, n.º1 CC). Se for uma telecópia particular, o seu valor probatório é o de
prova plena dos factos e das coisas que representa, mas essa força é ilidida com
a mera impugnação da sua exatidão (artigo 368.º CC). Os documentos
eletrónicos são aqueles que são emitidos por um computador ou por um seu
terminal com base em dados armazenados na sua memória ou numa memória
central, isto é, são os documentos que reproduzem estes dados de uma forma
que pode ser percebida pelos sentidos. Importa considerar, em especial, o
correio eletrónico, que é cada vez mais utilizado como forma de comunicação
quer entre os particulares e os serviços públicos (nomeadamente, entre as
12 Aplicadas por analogia às situações de reproduções eletrónicas/digitais (assim dito em aula teóricapelo Professor).
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partes e tribunal: artigo 144.º, n.º2, alínea c) CPC), quer entre os particulares.
Coloca-se, assim, o problema do valor probatório dos documentos eletrónicos
Este valor probatório é distinto consoante lhe seja aposta uma assinatura digital
por uma entidade credenciada – o que, naturalmente, aumenta o seu valorprobatório – ou ele tenha sido transmitido sem qualquer assinatura digital
(artigo 3.º, n.º2,3 e 5 Decreto-Lei n.º 290-D/99, 2 agosto). Em concreto, o valor
probatório dos documentos eletrónicos é o seguinte:
O documento eletrónico ao qual seja aposta a assinatura digital certificada
por uma entidade credenciada e cujo conteúdo seja suscetível de
representação como declaração escrita tem a força probatória do
documento particular assinado, nos termos do artigo 375.º CC (artigo 3.º
n.º2 do referido Decreto-Lei));
O documento eletrónico cujo conteúdo não seja suscetível derepresentação como declaração escrita (como uma fotografia, por exemplo)
e ao qual tenha sido aposta uma assinatura digital certificada por uma
entidade credenciada tema força probatória prevista no artigo 368.º CC
(artigo 3.º, n.º3 do mesmo Decreto-Lei);
O valor probatório dos documentos eletrónicos aos quais não seja aposta
uma assinatura digital certificada por uma entidade credenciada é
apreciado nos termos gerais de direito (artigo 3.º, n.º5 do Decreto-Lei
referido), isto é, fica sujeito à livre apreciação do tribunal.
2.
Prova por confissão:
a.
Noção: a prova por confissão consiste no reconhecimento pela parte da
veracidade de um facto desfavorável (contra se pronuntiatio) e favorável à parte
contrária (artigo 352.º CC).
b.
Admissibilidade: a confissão só é eficaz se for feita por pessoa com capacidade
e poder para dispor do direito a que o facto confessado se refere (artigo 353.º,
n.º1 CC): se, por exemplo, o credor confessar o recebimento da prestação
contratual realizada pelo devedor, a confissão equivale à disposição do seu
direito de crédito e, por isso, exige aquela capacidade e disponibilidade. A
confissão não é admissível se for declarada insuficiente por lei ou recair sobrefacto cujo reconhecimento ou investigação a lei proíba (artigo 354.º, alínea a)
CC), como sucede, por exemplo, quando a lei exige, como forma da declaração
negocia, documento autêntico, autenticado ou particular (artigo 364.º, n.º1 CC).
A confissão também não é admissível se recair sobre factos relativos a direitos
indisponíveis (artigo 354.º, alínea b) CC), como são, por exemplo, aqueles que
se referem ao estado das pessoas, ou se incidir sobre factos impossíveis ou
notoriamente inexistentes (artigo 354.º, alínea c) CC).
c. Modalidades: quanto ao modo da sua realização, a confissão pode ser (artigo
355.º, n.º1 CC):
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i.
Judicial : é aquela confissão feita em juízo (artigo 355.º, n.º2 CC), quer
de forma espontânea, se for realizada por iniciativa do confidente, quer
de maneira provocada, se for realizada em depoimento de parte (artigo
452.º, n.º1 CPC) ou em resposta a esclarecimentos pedidos pelotribunal (artigo 411º CPC)
ii.
Extrajudicial : é aquela confissão que é feita fora do processo (artigo
355.º, n.º4 CC).
Atendendo ao conteúdo, a confissão pode ser:
i.
Simples: é aquela confissão em que o facto é reconhecido sem qualquer
reserva ou condição ou sem a invocação de qualquer facto suscetível de
afetar o seu efeito;
ii.
Qualificada: é aquela em que o facto é reconhecido com outraqualificação ou eficácia jurídica (por exemplo: a parte reconhece que
recebeu a quantia pretendida pelo autor, mas como doação e não como
mútuo);
iii. Complexa: é aquela em que, conjuntamente com o reconhecimento do
facto, a parte alega um outro que destrói o efeito da confissão (por
exemplo: a parte reconhece o recebimento de uma quantia mutuada,
mas invoca que já a restitui ao credor).
d. Características: a confissão é irretratável e indivisível. A irretratabilidade
significa que a confissão uma vez realizada, não pode ser retirada (artigo 465.º,n.º1 CPC). Excetua-se a confissão feita nos articulados, enquanto a parte
contrária a não tiver aceite especificamente (artigo 465.º, n.º2 e também 46.º
CPC). Da indivisibilidade decorre que a confissão (qualificada ou complexa) só
pode ser aceite ou rejeitada na integra (artigo 360.º CC9. Assim, o autor ou o
réu que quer aproveitar-se da parte da confissão que lhe é favorável tem de
aceitar também a parte que lhe é desfavorável, embora possa fazer prova
contra a parte da confissão que lhe é desfavorável (artigo 360.º CC). Por
exemplo: se o réu confessar que comprou um automóvel ao autor, mas que já
pagou o preço, o autor não pode aceitar a confissão dessa compra e rejeitar a
afirmação do pagamento daquele preço, embora possa provar que esta últimaafirmação não é verdadeira.
e.
Valoração: o valor da confissão é diferente, consoante a confissão seja judicial
ou extrajudicial. A confissão judicial tem um valor probatório distinto consoante
seja escrita ou não escrita:
i.
A confissão judicial escrita tem o valor de prova plena contra o
confitente (artigo 358.º, n.º1 CC);
ii.
A confissão judicial não escrita tem o valor de prova livre (artigo 358.º,
n.º4 CC).
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Por isso, ainda que o depoimento da parte seja prestado na audiência final
(artigo 604.º, n.º3, alínea a) CPC), ele deve ser reduzido a escrito para que dele
se extrair a força probatória plena. A confissão extrajudicial tem um valor
probatório que depende do meio pelo qual é comunicada ao tribunal:
i.
a confissão extrajudicial exarada em documento autêntico ou particular
considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos
(artigos 369.º a 372.º e 373.º a 379.º CC), mas tem sempre força
probatória plena, se for dirigida à contraparte ou a um seu
representante (artigo 358.º, n.º2 CC), e força probatória livre, se for
feita a terceiros ou estiver contida em testamento (artigo 358.º, n.º4
CC);
ii. a confissão extrajudicial não escrita tem o valor de prova livre (artigo
358.º, n.º4 CC); finalmente,
iii. A confissão extrajudicial provada por testemunhas é livremente
apreciada pelo tribunal (artigo 358.º, n.º3 CC).
3. Prova pericial :
a. Noção: a prova perícial consiste na perceção e apreciação de factos através do
parecer de uma pessoa especialmente qualificada num certo domínio técnico
ou científico, que é o perito (artigo 388.º CC). A prova pericial é utilizada quando
seja necessário recorrer a regras de experiência que não são conhecidas do
tribunal ou quando os factos relativos a pessoas não devam ser objeto de
inspeção judicial (artigo 388.º CC; 490.º, n.º1 CPC).
b. Valoração: a prova pericial, que pode ser requerida pelas partes (artigos 475.º
e 487.º, n.º1 CPC) ou ordenada oficiosamente pelo tribunal (artigo 477.º e 487.º,
n.º2 CPC), tem uma força probatória que é livremente apreciada pelo tribunal
(artigo 389.º CC; artigo 489.º CPC).
4. Prova por inspeção judicial :
a.
Noção: a prova por inspeção judicial consiste na perceção direta e imediata pelo
tribunal dos factos relativos a coisas ou a pessoas, embora, quanto a estes
últimos, ela não possa ser utilizada quando haja que salvaguardar a intimidadeprivada e familiar e a dignidade da pessoa humana (artigo 490.º, n.º1 CPC). O
tribunal pode solicitar a assessoria técnica para a sua elucidação sobre a
averiguação e interpretação dos factos que se propõe observar (artigo 492.º,
n.º1 CPC).
b. Valoração: a força probatória da prova por inspeção judicial, que pode ser
ordenada oficiosamente ou realizada mediante requerimento das partes (artigo
490.º, n.º1 CPC), é livremente fixada pelo tribunal (artigo 391.º CC).
5. Prova testemunhal :
a.
Noção: a prova testemunhal consiste no depoimento de uma pessoa que emiteuma declaração de ciência relativa a um ou a vários factos.
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b.
Admissibilidade: a prova testemunhal é admissível em todos os casos em que
não seja direta ou indiretamente afastada (artigo 392.º CC). A prova
testemunhal está excluída nas seguintes situações:
i.
Contra ou em substituição do conteúdo de documento autêntico ou
particular , isto é, para prova de convenções adicionais ou contrárias ao
conteúdo desses documentos (artigo 394.º, n.º1 CC);
ii.
Contra meio de prova com força probatória plena, isto é, par aprova do
contrário do facto plenamente provado (artigo 393.º, n.º2 CC);
finalmente,
iii. Contra documento exigido pela lei ad probationem ou ad substantiam
(artigo 393.º, n.º1 CC).
O artigo 394.º, n.º2 CC proíbe a prova testemunhal para a demonstração, pelospróprios simuladores, do acordo simulatório e do negócio dissimulado.
Considerada textualmente, esta proibição pode produzir algumas
consequências iníquas, nomeadamente porque ela favorece que um dos
simuladores, conhecendo aquela limitação imposta à sua contraparte, se
aproveite dessa circunstância para retirar certos benefícios. Neste sentido,
admite-se, através de uma interpretação restritiva do artigo 394.º, n.º2 CC, que
a prova testemunhal possa ser utilizada para determinar o alcance dos
documentos referidos à simulação ou para completar ou consolidar o começo
de prova que neles se possa fundar.
c.
Valoração: a prova testemunhal é apreciada livremente pelo tribunal (artigo396.º CC). Dada a falibilidade do testemunho, a prova testemunhal exige do
tribunal a mais arguta perspicácia na sua apreciação.
6. Prova por apresentação de coisas:
a. Noção: a prova por apresentação de coisas consiste na exibição de uma coisa
móvel ou imóvel: tratando-se de coisa móvel que possa ser depositada na
secretaria do tribunal, é aí colocada à disposição da contraparte para exame e
fotografia (artigo 416.º, n.º1 CPC); se a coisa for imóvel ou não puder ser
depositada na secretaria, a parte contrária é notificada para exercer aquelas
mesmas faculdades de exame ou fotografia (artigo 416.º, n.º2 CPC).
b.
Valoração: na falta de qualquer disposição específica, deve entender-se que a
prova por apresentação de coisas é livremente apreciada pelo tribunal (artigo
607.º, n.º1 CPC).
7. Valor extraprocessual da prova:
a. Noção: a prova realizada num processo pode ser utilizada, por iniciativa das
partes, num outro processo pendente entre as mesmas partes: o resultado da
prova por confissão, por peritos e por testemunhas pode ser apresentado num
outro processo (artigo 421.º, n.º1, 1.ª parte CPC). Exclui-se desse valorextraprocessual a prova documental, dada a facilidade da sua produção no
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processo pendente, e a prova por inspeção judicial, atenta a insuscetibilidade
do tribunal que a realizou transmitir a sua perceção para outro tribunal. Quanto
à confissão, importa referir que a confissão feita num processo só vale como
judicial nesse processo (artigo 355.º, n.º3, 1.ª parte CC): se a confissão tiver sidorealizada num procedimento cautelar ou num incidente, ela só vale como
judicial na ação correspondente (artigo 355.º, n.º3, 2.ª parte CC). Portanto, a
confissão judicial só pode valer num outro processo como confissão
extrajudicial (artigo 358.º, n.º2 e 3 CC). Como uma hipótese especial de valor
extraprocessual da prova, importa considerar a situação prevista no artigo 279.º,
n.º4 CPC: quando o réu tenha sido absolvido da instância por uma exceção
dilatória que não seja a incompetência absoluta do tribunal, a ineptidão da
petição inicial, a falta de personalidade judiciária, a incapacidade judiciária ou a
ilegitimidade da parte, podem ser aproveitadas, na nova ação que corra entre
as mesmas partes, as provas produzidas no primeiro processo.
b. Condições: o valor extraprocessual da prova só é admissível se estiverem
preenchidas determinadas condições. Antes do mais, é indispensável que o
próprio processo em que as provas foram produzidas não exclua a possibilidade
do seu aproveitamento num outro processo; é por isso que, atendendo ao
disposto no artigo 364.º, n.º4 CPC, as provas realizadas nos procedimentos
cautelares nunca podem ser utilizadas noutros processos. Também é necessário
que tenha sido observada a audiência contraditória no processo em que elas
foram produzidas (artigo 421.º, n.º1. 1.ª parte CPC), pelo que, se o réu tiver
permanecido revel no processo em que a prova foi produzida, ela não pode ser
utilizada em nenhum outro processo. O valor extraprocessual da prova exigeainda que as garantias das partes, no processo em que ela foi realizada, não
sejam inferiores às do processo em que se pretende fazer valer a prova
produzida (artigo 421.º, n.º, 2.ª parte CPC). Finalmente, o valor extraprocessual
da prova requer que o processo em que ela foi realizada não tenha sido anulado
na parte referente à prova que se pretende invocar no outro processo (artigo
421.º, n.º2 CPC). Os motivos da anulação pela Relação do julgamento da matéria
de facto constam do artigo 662.º, n.º4 CPC.
Falta de prova:
1.
Consequências: nos processos regidos pela disponibilidade das partes, o ónus da provaobjetivo coincide com o ónus da prova subjetivo, no sentido de que a dúvida sobre a
realidade de um facto é resolvida contra a parte a quem o facto aproveita (artigo 414.º
CPC; artigo 346.º, in fine CC), ou seja, é resolvida contra a parte onerada com a sua prova
(Artigo 342.º, n.º1 e 2 CC). Assim, perante a falta ou insuficiência da prova, o tribunal
ficciona a prova do facto contrário e decide com base neste facto. Por exemplo: ao autor
da ação de indemnização incumbe a prova do dano (artigo 342.º, n.º1 CC), pelo que, se
o autor não provar esse facto, o tribunal decide como se estivesse provada a inexistência
de qualquer prejuízo. Diferentemente, em processo penal rege, como consequência da
presunção de inocência do arguido (artigo 32.º, n.º2 CRP), o princípio in dubio pro reo,
pelo que um non liquet em matéria probatória é sempre decidido a favor do arguido.
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2. Concretização:
a. Critério geral: é o tipo de ação declarativa instaurada pelo autor que determina
a ordem da apreciação pelo tribunal da prova quanto ao facto e quanto ao factoimpeditivo, modificativo ou extintivo. Se o autor instaura uma ação de
apreciação positiva (artigo 10.º, n.º2, alínea a) CPC), de condenação (artigo 10.º,
n.º2, alínea b) CPC) ou constitutiva (artigo 10.º, n.º2, alínea c) CPC), incumbe-
lhe a prova do facto constitutivo da situação jurídica alegada e apenas perante
esta prova se devolve à parte passiva a prova do facto impeditivo, modificativo
ou extintivo (artigo 342.º, n.º1 e 2 CC). Por isso, a posição probatória do réu
depende da prova produzida pelo autor. Se o autor não prova o facto
constitutivo, a ação é julgada improcedente segundo o princípio actore non
probante reus absolvitur (artigo 414.º CPC; artigo 346.º, in fine CC), mesmo que
o réu não prove qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo. Porém, se
o autor realiza a prova do facto constitutivo, o réu pode, em alternativa, assumir
uma das seguintes atitudes:
i. Impugnar, por contraprova (artigo 346.º CC) ou por prova do contrário
(artigo 347.º CC), a prova produzida pelo autor;
ii. Provar, com correspondência com o respetivo ónus de alegação, um
facto impeditivo, modificativo ou extintivo da situação jurídica invocada
pelo autor (artigo 342.º, n.º2 CC).
Se o autor não realiza a prova do facto constitutivo da situação jurídica que
invoca, a ação é julgada improcedente e o réu é absolvido do pedido (artigo414.º CPC; artigo 346.º, in fine CC). Neste caso, só fica estabelecida a
inexistência desse facto constitutiva e não a existência de qualquer facto
contrário ou incompatível. Assim, se o autor não prova o facto constitutivo do
alegado direito de propriedade sobre a coisa reivindicada, fica determinado que
ele não é o proprietário, mas não fica decidido que o demandado é o
proprietário; do mesmo modo, se o autor não prova o dever de cumprimento
do réu, fica decidida a inexistência desse dever obrigacional e não a existência
de qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo desse mesmo dever. Ao
autor de uma ação de apreciação negativa (artigo 10.º, n.º2, alínea a) CPC) cabe
a prova da inexistência da situação jurídica ou do facto impeditivo, modificativo
ou extintivo desta situação e somente perante esta prova se devolve à
contraparte a prova do facto constitutivo dessa situação (artigo s342.º, n.º2 e
343.º, n.º1 CC). Esta solução decorre do ónus de alegação da causa de pedir que
incide sobre o autor nessas ações de simples apreciação (como, aliás, em todas
as demais) (artigos 552.º, n.º, alínea d) e 186.º, n.º2, alínea a) CPC), o que, dada
a regra da correspondência entre o ónus da alegação e o ónus da prova, significa
que os respetivos factos constitutivos da situação jurídica negada pelo autor se
aquela parte pretender que, sendo a ação improcedente, se reconheça a prova
da existência da situação jurídica (e não apenas a falta de prova da inexistência
dessa situação), devendo para tal formular o correspondente pedido
reconvencional (artigo 266.º, n.º2, alínea a), 2.ª parte CPC). Se o autor da ação
de apreciação negativa não prova o facto impeditivo, modificativo ou extintivo
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que alega como causa de pedir, a ação é julgada improcedente (artigo 414.º CC;
artigo 346.º, in fine CC). Porém, neste caso, só fica decidida a falta de prova da
inexistência da situação jurídica (e não a prova da existência dessa situação),
pelo que o autor pode propor uma outra ação com fundamento num outro factoimpeditivo, modificativo ou extintivo da situação negada. Por exemplo: o autor
instaura uma ação de negação de uma servidão com fundamento no não uso
durante vinte anos (artigo 1569.º, n.º1, alínea b) CC); se o autor não prova esse
facto, a ação é julgada improcedente, ainda que o réu não faça prova de
qualquer facto constitutivo dessa servidão. Se, pelo contrário, o autor da ação
de apreciação negativa não consegue provar o facto impeditivo, modificativo ou
extintivo que invoca como causa de pedir e o réu prova o facto constitutivo da
situação jurídica alegada na reconvenção, a ação é julgada improcedente (artigo
414.º CPC; artigo 346.º, in fine CC) e, além disso, fica estabelecida a existência
da situação negada pelo autor. Por exemplo, o autor propõe uma ação deapreciação negativa da paternidade (não estabelecida) com fundamento na
falta de convivência e o réu alegar e provar a existência de escrito de pai (artigo
1871.º, n.º1, alínea b) CC), a ação de apreciação negativa é julgada
improcedente e fica assente a paternidade do investigado (por proceder a
reconvenção deduzida pelo réu).
b. Critérios especiais: a lei fornece alguns critérios especiais do julgamento do non
liquet , que se caracterizam por, diferentemente do que é definido pelo critério
geral (artigo 414.º CPC; artigo 346.º in fine CC), o tribunal não decidir a dúvida
sobre o facto contra a parte onerada com a prova. São vários os preceitos legais
que definem uma decisão distinta da decisão desfavorável à parte oneradanuma situação de dúvida sobre a realidade de um certo facto. Alguns desses
preceitos determinam, num caso de non liquet , a presunção de um facto: é o
que se encontra, por exemplo, no artigo 94.º, n.º2 CPC, e ainda nos artigo 942.º,
1145.º, n.º1, 1252.º, n.º2 e 1359.º, n.º2 CC. Não parece, todavia, que as
presunções estabelecidas nestes preceitos devam ser equiparadas às
presunções legais, dado que não é habitual referir estas presunções se destinam
a resolver uma situação de incerteza sobre o facto presumido. Portanto, a
dúvida a que se alude nesses preceitos só pode ser aquela que decorre de uma
contraprova que é oposta a uma prova (artigo 346.º CC9. Se assim é, então as
presunções referidas naqueles preceitos não invertem, quanto ao factopresumido, o ónus da prova, antes estabelecem qual o reflexo que a
contraprova produz na prova realizada sobre o facto. Quando, por exemplo, o
artigo 1145.º, n.º1 CC estabelece que, em caso de dúvida, o mútuo se presume
oneroso, isso implica uma de duas consequências:
i. Se a parte tiver realizado a prova do ser caráter gratuito, basta a
contraprova da outra parte (isto é, a dúvida levantada sobre qualquer
caráter gratuito) para que o mútuo se tenha por oneroso;
ii. Se a parte tiver provado que o seu caráter oneroso e a contraparte tiver
impugnado, por contraprova, esse caráter, esta contraprova não é
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suficiente para contrariar aquela prova, porque, na dívida, o mútuo é
sempre considerado oneroso.
Esta conclusão permite afirmar que não há qualquer distinção entre o sentidodos preceitos que estabelecem aquelas presunções e o daqueles que, embora
sem conterem uma referência literal a presunções, resolvem e forma
semelhante certas situações de dúvida sobre um facto. Estão nesse caso os
artigos 237.º, 279.º, 506.º, n.º2 566.º, n.º#, 1354.º, n.º2, 1565.º n.º2 e 2262.º C.
Todos estes preceitos definem qual a decisão do tribunal numa situação de
dúvida sobre a realidade de um facto, pelo que todos eles são aplicáveis numa
hipótese de non liquet . A lei define alguns outros critérios especiais de resolução
de um non liquet . Importa referir os seguintes:
Se, numa ação de indemnização, não puder ser averiguado o montante
dos danos, o tribunal deve fixá-los com base na equidade (artigo 566.º,n.º3 CC);
Se, numa ação de demarcação, não for possível determinar os limites
dos prédios ou a área pertencente a cada proprietário, a demarcação
faz-se distribuindo o terreno em litígio por partes iguais (artigo 1354.º,
n.º2 CC, contendo um interessante exemplo de uma decisão
salomónia);
Se, no incidente de liquidação, a prova produzida pelos litigantes não
for suficiente para determinar o quantitativo da obrigação exequenda,
o tribunal deve completá-la mediante indagação oficiosa (artigo 718.º,n.º3 CPC);
Se, na ação de anulação da venda executiva, não houver elementos
suficientes para apreciar, o comprador é remetido para a ação
competente (artigo 838.º, n.º2 CPC);
Se não for possível determinar o conteúdo do Direito consuetudinário,
local ou estrangeiro, o tribunal aplica as regras do Direito comum
português (artigo 348.º, n.º3 CC).
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Capítulo III – As Formas de Composição da Ação13
§1.º - Composição por negócio processual
Negócios processuais:
1. Noção e efeitos: os negócios processuais são os negócios jurídicos que produzem
diretamente efeitos processuais, isto é, são os atos processuais de caráter negocial que
constituem, modificam ou extinguem uma situação processual. Como atos de caráter
negocial, os negócios processuais requerem não só a vontade de produzir a declaração
negocial (vontade de ação) e de através desta exprimir um pensamento (vontade dedeclaração), como também a vontade de produzir um certo efeito (vontade de resultado)
num processo pendente ou futuro. Esses negócios podem ser unilaterais ou bilaterais,
falando-se, neste último caso, de contratos processuais. Os negócios processuais são
expressão da autonomia das partes em processo civil. É claro que essa autonomia só
pode manifestar-se no âmbito das normas dispositivas e está afastada da área das
regras injuntivas. Assim, por exemplo, as partes não podem alterar as regras sobre a
competência material (artigos 64.º e 65.º CPC), nem atribuir a um documento um valor
probatório distinto do legalmente fixado (artigos 371.º, 376.º e 377.º CC), mas podem
celebrar um pacto de competência (artigo 95.º CPC), uma convenção de arbitragem
(artigo 1.º LAV) ou uma transação (artigos 283.º CPC; 1248.º CC). É a disponibilidadesobre os efeitos processuais que afere a admissibilidade dos negócios processuais. Os
efeitos decorrentes dos negócios processuais podem ser constitutivos ou extintivos,
acontecendo com frequência que esses negócios produzem simultaneamente ambos
aqueles efeitos. Por exemplo, um pacto de competência, que define o tribunal
exclusivamente competente (artigo 95.º CPC), não só determina qual o tribunal
competente, como também retira a competência a qualquer outro tribunal. É também
normal que esse efeito extintivo só possa ser realizado através d invocação da
correspondente exceção. Por exemplo: se as partes excluíram a admissibilidade de certo
meio de prova (artigo 345.º, n.º2 CC) e uma delas o utiliza na ação pendente, a
contraparte pode invocar a respetiva exceção probatória. Os negócios processuais são
queles que produzem efeitos de caráter processual. Mas isso não significa que esses
negócios só possam realizar aqueles efeitos, pois que eles também podem produzir
efeitos obrigacionais. Pense-se, por exemplo, no caso da transação: este negócio (que
visa compor um litígio mediante recíprocas concessões das partes, artigo 1248.º, n.º1
CC) implica a modificação do pedido ou, mais frequentemente, a extinção da instância
(artigos 277.º, alínea b) e 284.º CPC), mas também pode impor certas obrigações às
partes, que podem incorrer, por isso, em responsabilidade contratual (artigo 798.º CC).
2. Classificações: os negócios processuais podem ser, atendendo ao momento da sua
conclusão:
13 SOUSA, Miguel Teixeira de; Estudos sobre o Novo Processo Civil ; Lex Editora.
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92
a.
Preparatórios: são concluídos antes da propositura da ação (como, por
exemplo, um pacto de jurisdição ou de competência: artigos 94.º e 95.º CPC;
25.º Regulamento 1215/2012);
b.
Interlocutórios: são realizados durante a pendência de uma causa (como, por
exemplo, a confissão do pedido, artigo 283.º, n.º1 CPC). Nos negócios
interlocutórios, alguns deles destinam-se a conformar a decisão do processo: é
o caso da desistência do pedido e da instância (artigos 283.º, n.º1 e 285.º, n.º2
CPC), da confissão do pedido (artigos 283.º, n.º1 e 284.º CPC). Dada esta sua
função, esses negócios constituem causas de extinção da instância e do
processo pendente (artigo 277.º, alínea d), e 284.º CPC).
Pelo contrário, não são negócios processuais, por não revestirem qualquer caráter
negocial, certos atos processuais que podem igualmente influir na decisão da causa: é o
caso, por exemplo, da admissão resultante da não impugnação pelo réu das afirmaçõesde facto realizadas pelo autor na petição inicial (artigo 574.º, n.º2 CPC). Também a falta
da prática de um ato processual não pode, pela sua essência, possuir qualquer caráter
negocial: é, por isso, que, por exemplo, a revelia do réu (que consiste na falta de
contestação dessa parte) não possui natureza negocial. A desistência do pedido e da
instância e a confissão do pedido são negócios unilaterais, mas a transação é um
contrato. Daí que a desistência e a confissão possam ser objeto de um contrato-
promessa unilateral em que a parte se vincula a desistir do pedido ou da instância ou a
confessar o pedido. Também a celebração de transação pode ser convencionada através
de um contrato-promessa bilateral ou sinalagmático. Questão de muito difícil solução é
a que consiste em determinar quais as consequências que se produzem se o promitentenão desistir do pedido ou da instância ou não confessar o pedido, bem como se algum
deles se recusar a celebrar a transação prometida. Embora a resposta seja discutível,
parece dever entender-se que a parte interessada pode socorrer-se da ação de
execução específica do contrato-promessa (artigo 830.º, n.º1 CC) e, simultaneamente,
solicitar a suspensão da instância no processo em que devia ser invocada a desistência,
a confissão ou a transação (artigos 269.º, n.º1, alínea c) e 272.º CPC).
3. Momento: a desistência e a confissão do pedido podem ser realizadas em qualquer
momento da tramitação da ação (artigo 283.º, n.º1 CPC); o mesmo vale para a transação
(artigo 283.º, n.º2 CPC). Mas esta regra sofre algumas derrogações quanto a esses
momentos:
a. Ad quem;
b. A quo.
O momento ad quem da admissibilidade da confissão do pedido é a citação do réu.
Apesar de a ação se considerar proposta logo que seja recebida a respetiva petição
inicial na secretaria (artigo 259.º, n.º1 CPC), os efeitos em relação ao réu só se produzem,
em regra, a partir da citação (artigo 259.º, n.º2 CPC), pelo que só após esse ato o réu
pode confessar o pedido. Quanto à participação do demandado numa transação, a
solução é distinta: dada a categoria substantiva desse negócio (artigo 1248.º, n.º1 CC),
o réu pode intervir em qualquer transação, que, se for realizada antes da sua citação, é
ainda uma transação extrajudicial. Podem levantar-se algumas dúvidas sobre se os
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negócios processuais podem ser concluídos depois do proferimento da decisão sobre o
mérito da causa, embora, naturalmente, antes do trânsito em julgado dessa decisão
(sobre este, artigo 628.º CPC). Restringindo a análise às situações mais viáveis na prática,
o que importa verificar é se o autor pode desistir do pedido depois do proferimento pelotribunal de uma sentença absolutória, se o réu pode confessar o pedido após a prolação
de uma sentença de condenação e se as partes podem transigir depois da pronúncia de
uma sentença de condenação e se as partes podem transigir depois da pronúncia de
uma sentença com qualquer desses conteúdos. A reposta deve ser negativa sempre que
esses atos reproduzam o conteúdo da decisão proferida, isto é, repitam o conteúdo
desta (como sucede quando, por exemplo, o réu confessa o pedido que o tribunal
considerou procedente), mas será, pelo contrário, positiva, se essa situação não se
verificar. A justificação daquela inadmissibilidade encontra-se na falta de interesse
processual da parte (ou das partes, no caso da transação), pois que, por exemplo, não
se descortina o interesse do autor em desistir do pedido após o tribunal ter reconhecidoa inexistência do direito por ele alegado. Pode defender-se, no entanto, a conversão
dessa desistência, confissão ou transação numa renúncia a interpor recurso ordinário
da decisão proferida pelo tribunal (artigo 632.º, n.º2 e 3 CPC). Quer dizer: os negócios
processuais que repetem o conteúdo daquela decisão convertem-se numa renúncia ao
recurso que a parte vencida podia interpor (artigo 631.º, n.º1 CPC). Quanto à desistência
da instância realizada após o proferimento da decisão sobre o mérito da causa, o
problema é distinto, porque esse ato nunca pode reproduzir ou repetir o conteúdo
dessa sentença. Diferente é também o enquadramento legal da questão, dado que,
quanto a essa desistência, não se encontra um preceito semelhante ao artigo 283.º CPC
e, por isso, existe uma lacuna quanto ao momento no qual o autor a pode realizar. Como
esta desistência depende da aceitação do réu quando seja requerida depois do
oferecimento da contestação (artigo 286.º, n.º1 CPC), a solução, quanto à
admissibilidade dessa desistência após o proferimento da decisão de mérito, varia,
antes do mais, consoante o réu, que contestou, dê o seu consentimento ou não aceite
essa desistência. Naquele primeiro caso (em que dá o seu consentimento), a desistência
da instância parece admissível; mas deve afirmar-se o contrário na outra hipótese
referida (não aceitação da desistência). Além disso, mesmo que o réu não tenha
contestado e, portanto, ainda que a desistência da instância não esteja condicionada à
aceitação dessa parte, deve entender-se que ela é inadmissível sempre que a sentença
proferida seja desfavorável ao autor, porque, de outra forma, constituiria um meio de o
autor impedir a produção dos efeitos dessa decisão.
4. Sujeitos: os sujeitos da desistência, confissão e transação são, em princípio, as partes da
ação. Mas há situações nas quais podem (ou até devem) participar terceiros estranhos
à ação. Assim, por exemplo, o cabeça de casal, que instaurou contra o administrador da
herança uma ação de prestação de contas, só pode desistir do pedido acompanhado de
todos os herdeiros, porque não está a exercer em juízo um direito próprio. Também
nada impede que as partes de uma transação incluam nesta um ou mais terceiros (como
no caso em que um terceiro assume uma obrigação perante uma das partes) ou
concluam através dela um contrato a favor de terceiro (artigo 443.º, n.º1 CC). A
desistência e a confissão só podem provir de partes principais (autor ou réu) e, se tiverintervindo uma parte acessória na ação (artigos 321.º, n.º1 e 326.º, n.º1 CPC), esta só
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pode celebrar uma transação se dela também participar a respetiva parte principal.. A
assistência nunca afeta a posição das partes principais quanto à liberdade de desistência,
confissão ou transação (artigo 331.º CPC), o que deve valer para todas as situações de
intervenção acessória.
5. Extinção: os negócios processuais pelos quais as partes conformam a decisão da causa
podem extinguir-se por iniciativa delas, observadas as condições aplicáveis a qualquer
ato negocial. Mas também há que considerar a relevância e os efeitos da sentença
homologatória desses negócios (artigo 290.º, n.º3 CPC). Assim, depois dessa
homologação, só a transação pode ser revogada, resolvida ou rescindida, embora a sua
extinção não afete os efeitos processuais produzidos (nomeadamente a extinção da
instância, artigos 287.º, alínea d) e 284.º CPC). O autor que desistiu do pedido ou da
instância ou o réu que confessou o pedido não podem revogar esses atos depois do
trânsito em julgado da sentença homologatória.
Requisitos de validade:
1. Requisitos gerais: a desistência, a confissão e a transação devem ser apreciadas
atendendo à sua qualidade como negócios processuais e como atos jurídicos. Como
negócios processuais, elas deveriam exigir os normais pressupostos dos atos
processuais (como a capacidade e a representação judiciárias, o patrocínio judiciário e
o interesse processual). Mas, como se pode concluir especialmente da invalidade
(substantiva) prevista nos artigos 290.º, n.º5 e 291.º, n.º1 e 3 CPC, esses pressupostos
só têm autonomia quando não sejam consumidos pelos requisitos gerais dos atos
jurídicos. Isto é, esses negócios processuais, quando não são tipificados como negócios
materiais – como sucede com a transação (artigo 1248.º, n.º1 CC) –, são tratados, no
seu regime, como os correspondentes negócios substantivos, produtores de idênticos
efeitos (ou seja, como, por exemplo, o negócio unilateral de reconhecimento de uma
dívida, artigo 458.º, n.º1 CC). Os negócios processuais que conformam a decisão da
causa exigem os requisitos gerais de qualquer negócio jurídico, nomeadamente quanto
aos sujeitos, à vontade e sua exteriorização e ao objeto negocial. É por isso que, por
exemplo, é nula a desistência, confissão ou transação cujo objeto seja contrário à ordem
pública ou ofensivo dos bons costumes (artigo 280.º, n.º2 CC). Expressão desse regime
comum é o disposto no artigo 291.º, n.º1 CPC: a confissão, a desistência e a transação
podem ser declaradas nulas ou anuladas como os outros atos de idêntica natureza
negocial, apenas com a especialidade de que, quanto à confissão, o erro, apesar dedever ser essencial, pode ser culposo. A esses negócios são igualmente aplicáveis as
disposições sobre a conclusão dos negócios (artigos 224.º a 235.º CC) e sobre a sua
interpretação e integração (artigos 236.º 239.º CC). A ação de nulidade ou de anulação
pode ser instaurada após o trânsito em julgado da sentença homologatória da confissão,
desistência ou transação (artigo 291.º, n.º2 CPC). Obtida essa declaração de nulidade ou
anulação depois do trânsito em julgado daquela sentença, parte pode impugná-la no
recurso extraordinário de revisão (artigo 696.º, alínea d) CPC). Se a fase rescindente da
revisão terminar com o reconhecimento do fundamento invocado, segue-se a fase
rescisória, que consiste, nessa hipótese, numa nova instrução e julgamento da causa,
aproveitando-se apenas a parte do processo que o fundamento da revisão não tenhaprejudicado (artigo 701.º, alínea c) CPC). Quando a transação seja nula, o direito de
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interpor recurso de revisão da sentença homologatória não caduca no prazo de 5 anos
a contar do proferimento da sentença homologatória que se encontra previsto no artigo
697.º, n.º2 CPC, dado que a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer
interessado (artigo 286.º CC). Numa situação plurilocalizada, a formação do negócioprocessual é regulada pela lei aplicável à substância do negócio (artigo 35.º, n.º1 CC;
artigo 8.º, n.º1 Convenção de Roma).
2. Representação: existem algumas especialidades quando a desistência, a confissão ou a
transação resultem de atos praticados por representantes de pessoas coletivas,
sociedades, incapazes ou ausentes. Conforme dispõe o artigo 287.º CPC, esses
representantes só podem desistir, confessar ou transigir com observância do âmbito e
limites dos seus poderes de representação e, em alguns casos, precedendo autorização
especial. Como exemplo das situações em que a lei exige ao representante legal uma
prévia autorização judicial pode referir-se que os progenitores, quando sejam
representantes judiciais do filho, não podem, sem autorização do tribunal, negociar
transação (artigo 1889.º, n.º1, alínea o) CC), regime que, por maioria de razão, vale
igualmente para a desistência e a confissão do pedido. A mesma autorização é exigida,
em idênticas circunstâncias, ao tutor (artigo 1938.º, n.º1, alínea a) CC) e ao
administrador de bens (artigo 1971.º, n.º1 CC). Para que o mandatário judicial possa
desistir, confessar ou celebrar transação, é necessário que lhe sejam conferidos poderes
forenses especiais (artigo 45.º, n.º2 CPC). Atendendo à importância desses atos e dos
seus efeitos, a lei não os incluiu no âmbito dos poderes forenses gerais (artigo 44.º, n.º1
CPC) e exigiu para eles poderes especiais do mandatário. A nulidade da confissão,
desistência ou transação, quando provenha unicamente da falta de poderes do
representante ou da insuficiência do mandato, é sanável (o que constitui uma situaçãoexcecional relativamente ao regime normal da nulidade: artigo 286.º CC). Sobre os
modos de obter essa sanação, há que distinguir entre as situações que se referem a um
representante geral e aquelas que respeitem ao mandatário judicial. Quanto àquelas
primeiras, há que provocar o respetivo regime substantivo (como, por exemplo, aquele
que consta do artigo 1893.º CC quanto aos atos anuláveis dos progenitores). Se a
nulidade do negócio processual resultar da falta de poderes do mandatário ou da
irregularidade do mandato, a sentença homologatória é notificada pessoalmente ao
mandante (ou ao seu representante), podendo este, nos 10 dias seguintes, declarar que
não ratifica o ato do mandatário; se nada fizer, o ato é havido por ratificado e a nulidade
considera-se sanada, mas, se o mandante declarar que não ratifica o ato do mandatário,este não produzirá qualquer efeito em relação a ele (artigo 291.º, n.º3 CPC). Nesta
hipótese, dispensa-se o recurso extraordinário de revisão (artigo 696.º, alínea e), in fine
CPC), embora, se não houver ratificação do negócio, se deva aplicar à tramitação
subsequente da causa, por analogia, o disposto no artigo 701.º, alínea e) CPC) para
obter a anulação da decisão homologatória.
3. Legitimidade: quanto à legitimidade, há que observar as especialidades impostas pelas
situações de litisconsórcio. Quanto a elas, o artigo 288.º, n.º1 CPC, não se pode referir
a qualquer litisconsórcio voluntário, é livre a confissão, desistência e transação por cada
um dos litisconsortes, quando limitada ao interesse de cada um deles; por sua vez, o
artigo 288.º, n.2º CPC, exclui a confissão, desistência ou transação proveniente oucelebrada por um único dos litisconsortes necessários. No entanto, a admissibilidade
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destes negócios processuais não pode depender da origem voluntária ou necessária do
litisconsórcio. O artigo 288.º, n.º1 CPC, não se pode referir a qualquer litisconsórcio
voluntário, mas somente àquele em que cada um dos litisconsortes possui um interesse
autonomizável perante o interesse dos outros litisconsortes, pelo que ele deve serentendido como referindo-se realmente ao litisconsorte simples (isto é, não unitário).
Por exemplo: apesar de o litisconsórcio entre os sócios que instaurem uma ação de
anulação de uma deliberação social ser voluntário (artigo 59.º, n.º1 CSC), nenhum
desses autores pode desistir do pedido, porque a decisão da causa tem de ser uniforme
para todos eles. Também sucede que nem todo o litisconsórcio necessário obsta à
participação de um único dos litisconsortes na confissão, desistência ou transação, pelo
que o artigo 288.º, n.2º CPC, não se refere a todo o litisconsórcio necessário, mas tão-
somente àquele que, além de necessário, é unitário. Pode mesmo encontrar-se um
exemplo legal de uma desistência do pedido proveniente de um único dos litisconsortes
necessários: se o direito de preferência pertencer simultaneamente a vários titulares,ele só pode ser exercido – dispõe o artigo 419.º, n.º1 CC – por todos eles, mas admite-
se que algum deles declare que não o pretende exercer; se esta declaração for emitida
durante a pendência da ação, conforma-se uma hipótese de desistência do pedido
realizada por um litisconsorte necessário.
4. Disponibilidade: a confissão do pedido e a transação não são admissíveis relativamente
a situações jurídicas indisponíveis (artigo 299.º, n.º1 CPC) isto é, a situações que não
podem ser constituídas, modificadas ou extintas por vontade das partes (também,
quanto à transação, artigo 1249.º CC). Como a desistência da instância não produz
nenhum desses efeitos sobre o objeto do processo (artigo 295.º, n.º2 CPC),
indisponibilidade deste objeto nunca a excluiu. Sobre algumas situações deindisponibilidade: artigos 731.º, n.º2, 1236.º, n.º2, 1398.º, n.º2, 1420.º, n.º2, 1468.º,
n.º4, 1765.º, n.º1, 1882.º, 2008.º, n.º1, 2101.º, n.º2 e 2311.º, n.º1 CC. A
indisponibilidade da situação jurídica pode ser:
a. Absoluta: se a situação não admite nenhum desses negócios processuais;
verifica-se, por exemplo, nas ações de investigação da maternidade (artigo
1814.º CC) ou da paternidade (artigo 1869.º CC). Dado o caráter irrenunciável
do estado de filho e a irrelevância da vontade para a sua constituição, nessas
ações não é admissível nem a desistência do pedido, nem a confissão do mesmo.
Por natureza, essas ações não admitem transação, porque a qualidade de filho
não é suscetível de ser negociada mediante qualquer contrapartida. Uma
mesma indisponibilidade absoluta afeta a ação de regulação do poder paternal,
dado o caráter irrenunciável deste poder (artigo 1882.º CC). Assim, na ação de
regulação do poder paternal não é valida a desistência do pedido; também é
nula, pelo seu objeto, a transação judicial em que a mãe renuncia às prestações
vencidas de alimentos devias pelo pai ao menor e este progenitor renuncia ao
direito de o visitar; ou,
b. Relativa: se for admissível algum ou alguns desses negócios; encontram-se,
igualmente, algumas situações de indisponibilidade relativa nas ações de
divórcio (artigo 1773.º CC) e de separação judicial de pessoas e bens (artigo1795.º-A CC): nestas ações, não são admissíveis a confissão do pedido e a
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transação, mas o autor pode desistir do pedido (artigo 289.º, n.º2 CC). Também
na ação de alimentos não é admissível a desistência do pedido, exceto quanto
a prestações vencidas (artigo 2008.º, n.º1 CC), mas o réu pode confessar o
pedido e as partes podem transigir quanto ao seu montante (a transação é umadas possíveis modalidades do acordo previsto no artigo 2012.º CC). Porque a
desistência do pedido leva à extinção do direito alegado (artigo 285.º, n.º1 CPC)
e porque a lei substantiva salvaguarda o direito de os comproprietários não
permanecerem para sempre na indivisão (artigo 1412.º, n.º1 CC), não é válida a
desistência do pedido na ação de divisão de coisa comum. A solução é duvidosa,
dado que o artigo 1412.º, n.º1 CC admite a indivisibilidade convencional, o que
demonstra que o direito (potestativo) à divisão é renunciável por ato jurídico.
Os negócios processuais não podem ser celebrados pela parte que, pela sua qualidade
processual, não possui qualquer disponibilidade sobre o objeto do processo. Dado oque
o substituto processual não pode dispor desse objeto (porque não é o seu titular ou não
o é em exclusividade), essa parte não pode desistir ou confessar o pedido, nem celebrar
a transação. Assi,, na ação de prestação de contas instaurada pelo cabeça de casal
contra o administrador da herança, aquele que não pode desistir do pedido sem estar
acompanhado dos demais herdeiros.
5. Limites substantivos: através da desistência, confissão ou transação não é possível
obter efeitos, que só podem ser produzidos através de uma sentença judicial. Assim,
por exemplo, atento o disposto no artigo 63.º, n.º2 RAU – que determina que a
resolução do contrato fundada na falta de cumprimento por parte do arrendatário tem
de ser decretada pelo tribunal –, não é válida a transação judicial que, no caso do nãopagamento pelo arrendatário das rendas vincendas, considera automaticamente
resolvido o contrato de arrendamento. Esses negócios são, todavia, admissíveis em
casos em que os efeitos por eles produzidos não poderiam ser obtidos no próprio
processo pendente. Suponha-se, por exemplo, que o autor reivindica a propriedade de
um imóvel, apresentando como título de aquisição um documento particular; a nulidade
desse contrato (artigos 220.º e 875.º CC) não obsta à validade da confissão do pedido
(nomeadamente, porque o contrato não é a única forma de aquisição da propriedade:
artigo 1316.º CC).
6. Forma e homologação: A desistência, a confissão e a transação podem fazer por:
a. Termo no processo;
b. Segundo as exigências de forma da lei substantiva, por documento autêntico
ou particular (artigo 290.º, n.º1 CPC).
Quanto à transação extrajudicial, o documento autêntico só é exigido quando dela possa
derivar algum efeito para o qual seja requerida a escritura pública (artigo 1250.º CC). A
transação também pode ser feita
c. Em ata, quando resulte de conciliação obtida pelo juiz (artigo 290.º, n.º4, 1.ª
parte CPC; artigos 591.º, n.º1, alínea a), 594.º, n.º1 e 604.º, n.º2 CPC).
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Lavrado o respetivo termo ou junto o documento, o tribunal examina se, considerando
o objeto e as partes do negócio, a desistência, a confissão ou a transação é válida (artigo
290.º, n.º3, 1.ª parte CPC). No caso afirmativo, o tribunal homologa o negócio
processual e condena ou absolve nos termos estipulados pelas partes: é esse o conteúdoda sentença homologatória (artigo 290.º, n.º3 CPC, 2.ª parte). Se a transação tiver sido
realizada el ata (artigo 290.º, n.º4 CPC), o tribunal homologá-la-á por sentença ditada
para ela, condenando a parte nos termos definidos naquele negócio (artigo 290.º, n.º4,
2.ª parte CPC). A sentença homologatória que aprecia uma transação não pode alterar
os precisos termos que foram objeto do acordo das partes. O mesmo vale quanto a
qualquer dos outros negócios processuais. Nada se refere na lei quanto ao controlo,
nessa sentença homologatória, dos pressupostos processuais. Parece haver que
distinguir duas situações:
a. Alguns desses pressupostos valem agora como pressupostos dos próprios
negócios processuais e são consumidos pelos pressupostos desses negócios
como atos jurídicos (pense-se, por exemplo, na capacidade judiciária da parte,
artigo 15.º CPC); mas,
b. Outros pressupostos processuais mantêm a sua autonomia e podem constituir
um obstáculo ao proferimento da sentença homologatória (que, exceto quando
referida à desistência da instância, é uma decisão sobre o mérito): é esse o caso,
por exemplo, da incompetência absoluta do tribunal (artigo 96.º CPC).
Com o trânsito em julgado da sentença homologatória (artigo 628.º CPC), a desistência,
a confissão e a transação ficam cobertas pela força de caso julgado dessa decisão. Mas
este trânsito não obsta à admissibilidade da ação destinada à declaração de nulidade ouà anulação de qualquer desses negócios (artigo 291.º, n.º2 CPC), nem impede que, na
oposição à execução baseada na sentença homologatória, o executado alegue qualquer
das causas que determinam aquela nulidade ou anulabilidade (artigo 730.º, n.º2 CPC).
Análise casuística:
1. Desistência da instância: a desistência da instância é o negócio unilateral através do
qual o autor renuncia da tutela jurisdicional requerida. Esta desistência não marca
qualquer posição do autor quanto à situação jurídica por ele alegada em juízo, pois que
apenas significa que essa parte desiste de procurar tutelar essa situação no processo
pendente. Por isso a desistência da instância não pode referir-se a uma fração do objetoda ação. Não é possível desistir da instância quanto, por exemplo, a uma parte do
montante da indemnização requerida. Quanto à desistência da instância de um dos
litisconsortes ativos ou em relação a um dos litisconsortes demandados, tal só é possível
no caso de litisconsórcio simples (ou não unitário), mas, na hipótese de o efeito de caso
julgado da decisão da causa se estender a essa parte demandada mesmo que se torne
terceiro perante a ação, tal desistência necessitará do seu consentimento se for
realizada depois do oferecimento da contestação; é a solução que é imposta pela
aplicação analógica do artigo 286.º, n.º1 CPC). A desistência da instância apenas faz
cessar o processo pendente (artigo 285.º, n.º2 CPC), isto é, extingue a instância sem
nada definir quanto à situação jurídica alegada. Importa, assim, tutelar os interesses doréu quanto à expectativa de obtenção de uma decisão de mérito favorável. É isso que
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justifica que a eficácia da desistência da instância, quando seja requerida depois do
oferecimento da contestação, fique dependente de aceitação do réu (artigo 286.º, n.º1
CPC). Essa concordância deve ser comunicada pelo réu ao tribunal. Se o réu tiver
formulado um pedido reconvencional, parece não dever deduzir-se do seuconsentimento para a desistência da instância uma semelhante desistência, da sua
parte, quanto à instância reconvencional. Isso só sucederá – por aplicação analógica do
disposto no artigo 286.º, n.º2 CPC – quando a reconvenção for dependente do pedido
formulado pelo autor. Os demais casos, deverá entender-se que a reconvenção subsiste
após a desistência da instância. Os efeitos da desistência da instância retroagem ao
momento da propositura da ação, pelo que, em regra, tudo se passa como se a ação
nunca tivesse estado pendente. Assim, extinguem-se todos os efeitos produzidos pela
pendência da causa e pelos atos praticados durante essa pendência. Por exemplo: se a
causa repetia uma ação idêntica e originava uma exceção de litispendência (artigo 580.º,
n.º1 e 581.º CPC), a desistência da instância determina a cessação dessa mesma exceção.Ressalva-se dessa destruição retroativa o efeito interruptivo da prescrição provocado
pela citação do réu (artigo 323.º, n.º1 CC) ou pelo decurso de 5 dias após a propositura
da ação (artigo 323.º, n.º2 CC): depois da desistência da instância, começa a correr um
novo prazo prescricional a partir do ato que provocou a interrupção (artigo 327.º, n.º2
CC), isto é, a contar da citação, real ou ficcionada, do réu.
2. Desistência do pedido: a desistência do pedido é o negócio unilateral do qual o autor
reconhece a falta de fundamento do pedido formulado. Diferentemente da desistência
da instância, a desistência do pedido representa o reconhecimento pelo autor de que a
situação jurídica alegada não existe ou se extinguiu (ou, no caso de uma ação de simples
apreciação negativa, de que a situação por ele negada realmente existe). A desistênciado pedido extingue a situação jurídica que o autor pretendia tutelar (artigo 285.º, n.º1
CPC) (ou constitui a situação que o autor negava). A desistência do pedido pode ser
(artigo 285.º n.º1 CPC):
a. Total; ou,
b.
Parcial.
Além disso, a extinção (ou constituição) da situação jurídica provocada pela desistência
do pedido releva em todas as situações nas quais a existência desse direito constitua
uma questão prejudicial para a apreciação de um outro objeto. Assim se decidiu no
Assento STJ – 15 junho 1988:
«O desistente do pedido de simples apreciação prescinde do conhecimento
do respetivo direito e, por isso, o caso julgado impedi-lo-á de estruturar nele
um pedido de condenação».
3. Confissão do pedido: a confissão do pedido é o negócio unilateral pelo qual o réu
reconhece o fundamento do pedido formulado pelo autor. A confissão pode ser (artigo
283.º, n.º1 CPC):
a. Total ; ou
b. Parcial .
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consoante o âmbito do reconhecimento realizado pelo réu. Parece também poder
classificar-se a confissão do pedido atendendo à posição assumida pelo réu. Segundo
esse critério, essa confissão pode ser:
a.
Simples: quando o réu reconhece o pedido tal como ele é formulado pelo autor;
ou,
b.
Complexa: quando o réu reconhece o pedido do autor, mas opõe-lhe um
contra-efeito. Assim verifica-se uma confissão complexa quando, por exemplo,
o réu confessa o crédito pretendido pelo autor, mas afirma que só o satisfará
quando essa parte cumprir a respetiva prestação sinalagmática. Ao contrário da
confissão simples, esta confissão complexa depende, atendendo aos seus
efeitos, da aceitação do autor: é o que se pode extrair, pro analogia, da regra da
indivisibilidade da confissão de factos (artigo 360.º CC).
A confissão do pedido implica, consoante seja total ou parcial, a extinção ou a
modificação da instância (artigos 284.º e 287.º, alínea d) CPC). Deve entender-se que
essa extinção ou modificação é acompanhada do efeito substantivo daquela confissão,
que é o reconhecimento, total ou parcial, da situação jurídica invocada pelo autor. A
confissão do pedido não pode ser submetida a qualquer condição. Mas, quanto à
confissão do pedido subsidiário (artigo 579.º, n.º1 CPC), deve entender-se que,
normalmente, ela só vale para o caso de o pedido principal vir a improceder.
4. Transação: a transação é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um
litígio mediante recíprocas concessões (artigo 1248.º, n.º1 CC). Quanto as partes
previnem um litígio futuro (o que significa que não há qualquer ação pendente), atransação chama-se preventiva ou extrajudicial; quando as partes terminam um litígio
(entenda-se, quando põem termo a um processo pendente), a transação chama-se
judicial. A transação pode ser:
a.
Quantitativa: é aquela em que as conceções recíprocas das partes se traduzem
numa modificação do quantum do objeto da causa. É o que sucede quando, por
exemplo, o réu e este desiste de obter a condenação do réu quanto À sua
totalidade ou quando o réu reconhece a propriedade do autor sobre uma
parcela do terreno reivindicado pelo autor e este aceita a propriedade do réu
sobre o restante; ou,
b.
Novatória: é aquela em que as concessões mútuas entre as partes implicam a
constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do objeto do litígio
(artigo 1248.º, n.º2 CC). Assim, por exemplo, numa ação de reivindicação com
base na propriedade de um imóvel, as partes podem celebrar uma transação
em que o autor reconhece o usufruto do réu sobre o imóvel e o réu aceita a
respetiva nua propriedade do autor sobre o mesmo bem; numa ação de dívida,
o autor pode desistir de obter o pagamento imediato da quantia devida pelo
réu em troca da constituição de uma hipoteca sobre um imóvel a esta parte.
A transação produz efeitos:
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101
c.
Materiais: são os que se referem à definição da situação substantiva entre as
partes, a qual, como se viu, pode resultar de uma alteração quantitativa do
objeto do litígio ou da constituição, modificação ou extinção de uma diferente
situação subjetiva; e,
d.
Processuais: traduzem-se, atendendo à amplitude da transação em relação ao
objeto do processo, numa modificação do pedido (normalmente, numa redução)
ou na extinção da instância (artigos 284.º e 277.º, alínea d) CPC)
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§2.º - Composição por revelia
Noção: a composição da ação pode ser decisivamente influenciada pela omissão de um ato
processual: trata-se da revelia do réu, que consiste na abstenção definitiva de contestação. Num
sentido mais amplo (mas algo impróprio) a revelia significa a omissão de um ato processual ou
a falta de comparência em juízo; por exemplo, artigos 7.º, n.º3, 385.º, n.º1, 594.º, n.º2 e 796.º,
n.º2 CPC. A contestação – na qual o réu pode impugnar as afirmações do autor ou deduzir uma
exceção (artigo 571.º, n.º1 CPC) – constitui um ónus da parte, não existindo, assim, qualquer
dever de contestar. Daí decorre que a revelia não determina a aplicação ao réu de qualquer
sanção (pecuniária, nomeadamente), mas antes certas desvantagens quanto à decisão da ação
(concretamente, a diminuição, ou mesmo exclusão, da probabilidade de uma decisão favorável
a essa parte). Testemunho curioso do dever de comparecimento do réu no processo era o que
se estipulava na Tábua I da Lei das XII Tábuas (451 a.C.):
«1. Se [o autor] chama [o réu] para se apresentar perante o tribunal, [o réu] deve ir.
Se não for, chamam-se testemunhas. E em seguida [o autor] deve capturá-lo.
«2. Se [o réu] mostra subterfúgios ou pretende fugir, [o autor] deve prendê-lo.
«3. Se a recusa se fica a dever a doença ou idade avançada, o autor deve fornecer
ao réu um carro simples. Se o réu o recusar, [o autor] não tem de fornecer um carro
coberto».
Modalidades:
1. Revelia absoluta e relativa: a revelia pode ser:
a. Absoluta: quando o réu não pratica qualquer ato na ação pendente; ; ou,
b. Relativa: se o réu não contesta, mas pratica em juízo qualquer ato processual,
designadamente a constituição de mandatário judicial.
O assistente é considerado substituto processual do assistido revel (artigo 329.º CPC),
mas, como não pode realizar atos que aquele tenha perdido o direito de praticar, não
pode sanar essa revelia. Por isso, essa substituição em nada interfere com a modalidade
da revelia do réu.
2. Revelia operante e inoperante: a revelia – quer a relativa, quer a absoluta – pode ser:
a.
Operante: quando produz efeitos quanto à composição da ação ; ou
b.
Inoperante: quando esses efeitos não se realizam, isto é, quando a falta de
contestação nada implica quanto à decisão da causa.
i.
A revelia é inoperante quando tenha havido citação edital (artigo 225.º,
n.º1 CPC), desde que o réu não constitua mandatário judicial no prazo
de contestação e permaneça na situação de revelia absoluta (artigos
567.º, n.º1 e 568.º, alínea b), 2.ª parte CPC). Se a citação edital se tiver
realizado dada a ausência do citando em parte incerta (artigos 225.º,
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n.º6 e 240.º CPC), a revelia só se verifica se o Ministério Público,
chamado a deduzir oposição nos termos do artigo 21.º, n.º1 CPC, não
contestar a ação. A inoperância justifica-se, como se compreende
facilmente, pela impossibilidade de garantir que, tendo havido citaçãoedital, o citando teve conhecimento efetivo da causa proposta contra
ele.
ii.
A revelia é ainda inoperante nos seguintes casos:
1.
Apresentação de contestação por um dos réus, embora a
inoperância se restrinja aos factos impugnados por essa parte
(artigo 568.º, alínea a) CPC);
2. Incapacidade do réu (artigo 568.º, alínea b) CPC), havendo que
referir que essa revelia, ainda que inoperante, só se verifica
após a oportunidade da sub-representação imposta pelo artigo
21.º, n.º1 CPC;
3. Indisponibilidade do objeto do processo (artigo 568.º, alínea c)
CPC), o que se justifica pela irrelevância da vontade do réu para
produzir quaisquer efeitos sobre esse objeto (artigo 345.º,
alínea b) CPC);
4. Finalmente, exigência de documento escrito para a prova dos
factos (artigo 568.º, alínea d) CPC; 364.º CC), a qual,
naturalmente, não pode ser suprida pela falta de contestação.
O disposto no artigo 568.º, alínea c) CPC e 354.º, alínea b) CC respeita
apenas à prova dos factos, pelo que, para efeitos de revisão de
sentença estrangeira (e, nomeadamente, do agora estabelecido no
artigo 983.º, n.º2 CPC), não ofende o direito privado português a
decisão estrangeira que considera provados os factos invocados na
petição inicial e não impugnados, mesmo num caso em que, segundo
o Direito nacional, a revelia devesse ser inoperante.
Efeitos:
1.
Composição da ação: a revelia operante implica uma importante consequência quantoà decisão da ação. Essa consequência, que – recorde-se – se produz ex lege e não ex
voluntate, consiste no seguinte: a revelia operante implica a confissão dos factos
articulados pelo autor (artigo 567.º, n.º1 CPC). Problema complexo é o de saber se a
confissão fica ou presumida que resulta da revelia operante pode ser declarada nula ou
anulada. A resposta deve ser, em princípio, afirmativa, talvez com a exceção do erro do
réu. Após a declaração de nulidade ou anulação daquela confissão, a parte pode solicitar
a revisão da decisão transitada (se a houver, naturalmente): o fundamento dessa revisão
é a aplicação analógica do disposto no artigo 696.º, alínea d) CPC, quanto à nulidade ou
anulação da semelhante confissão do pedido. Na evolução histórica encontram-se duas
soluções quanto aos efeitos da revelia. Segundo uma delas, mais antiga, a revelia éconsiderada uma contestação implícita dos factos alegados pelo autor, pelo que ela nad
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altera quanto ao ónus da prova que recai sobre esta parte(na História do Direito
Português; O.M. 3.14; O.F., 3.15.pr; artigo 200.º pr. CPC/1876). Segundo uma outra
solução, a revelia implica uma ficção de confissão dos factos articulados pelo autor, pelo
que esta parte está dispensada de os provar: foi o regime introduzido em Portugal peloartigo 15.º Decreto-Lei n.º 13.979, 25 julho 1927, mais tarde reproduzido para a futura
legislação processual. Convém esclarecer que o efeito cominatório realizado pela revelia
não prevalece sobre a matéria de conhecimento oficioso, nomeadamente as exceções
dilatórias de que o tribunal deva conhecer ex officio (artigo 578.º CPC) e que obstem à
apreciação do mérito da causa (artigo 278.º, n.º3 CPC). Assim, por exemplo, apesar de
o réu não ter contestado e de a revelia ser operante, o tribunal deve absolver o réu da
instância se for absolutamente incompetente (artigos 278.º, n.º1, alínea a), 577.º, alínea
a) e 578.º CPC). O efeito cominatório da revelia operante também não pode prevalecer
sobre os efeitos ilegais pretendidos pelo autor. Se a confissão ficta ou presumida que
resulta da revelia respeitar a factos impossíveis ou notoriamente inexistentes ou se oautor tiver formulado um pedido ilegal ou juridicamente impossível, essa confissão não
é admissível (artigo 354.º, alínea c) CPC) e o tribunal não os deve considerar admitidos
por acordo e deve abster-se de apreciar esse pedido.
2. Tramites da ação: a revelia produz efeitos sobre a tramitação da ação, atendendo quer
ao seu caráter absoluto ou relativo, quer à sua natureza operante ou inoperante. Se a
revelia for absoluta, o tribunal deve certificar-se de que a citação foi feita com as
formalidades legais e mandá-la-á repetir-se se encontrar irregularidades (artigo 566.º
CPC). Note-se que a não sanação da falta ou nulidade da citação (artigos 188.º e 191.º
CPC) permite que, se a revelia absoluta se mantiver, o réu impugne, através do recurso
extraordinário de revisão (artigo 696.º, alínea f) CPC), a decisão transitada em julgadoou se oponha à sua execução (artigo 728.º, alínea d) CPC). Se se verificar uma revelia
operante e relativa o processo é facultado para exame pelo prazo de 10 dias
sucessivamente ao advogado do autor e do réu e, em seguida, é proferida sentença
(artigo 567.º, n.º2 CPC). Assim, o efeito da revelia é, quando operante, a passagem da
fase dos articulados para a fase da sentença, apenas antecedida das alegações das
partes. Se, porém, a revelia for absoluta, o juiz profere imediatamente a sentença final
(artigo 567.º, n.º2, in fine CPC), sem prévias alegações de qualquer dos advogados,
solução que, como o réu não constituiu advogado, é imposta pelo princípio da igualdade
das partes (artigo 4.º CPC). A falta de notificação para a apresentação das alegações
referidas no artigo 567.º, n.º CPC, constitui uma nulidade processual, porque representauma irregularidade com influência na decisão da causa (artigo 195.º, n.º1 CPC). Revelia
inoperante dispensa a seleção da matéria de facto (artigos 591.º-B, n.º1, alínea a) CPC).
Essa revelia implica, sempre que ela não decorra do aproveitamento da contestação de
um litisconsorte (artigo 568.º, alínea a) CPC), que a audiência final se realiza perante um
tribunal singular e não, como aconteceria, em regra, sem essa revelia, perante o tribunal
coletivo (artigo 646.º, n.º1 e 2, alínea a) CPC).
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§3.º - Composição pelo tribunal
Decisão judicial:
1. Noção: a decisão é o ato do tribunal no qual este órgão julga qualquer matéria que lhe
compete apreciar, quer por iniciativa própria, quer mediante solicitação das partes. A
decisão é, assim, o ato processual que exprime, por excelência, o exercício da função
jurisdicional pelo tribunal.
2. Elementos: toda a decisão comporta dois elementos essenciais:
a. Os fundamentos: incluem a matéria de facto relevante e o regime jurídico que
lhe é aplicável;
b. A conclusão ou decisão em sentido estrito: contém a conclusão eu se extrai da
aplicação do Direito aos factos.
Para a individualizar, a decisão inicia-se com um relatório, em que se identificam o
processo a que respeita e as questões a resolver (artigo 607.º, n.º2 CPC), e, para
assegurar a sua genuídade, ela deve ser assinada e datada (artigo 153.º, n.º1 e 2, e 615.º,
n.º1, alínea a) CPC).O dever de fundamentação das decisões judiciais constitui um
imperativo constitucional, embora restringido aos casos e termos previstos na lei
ordinária (artigo 208.º, n.º1 CRP). O artigo 154.º, n.º1 CPC, impõe a fundamentação ou
motivação da decisão sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida
suscitada no processo, o que, embora sem englobar todas as decisões, abrange, semdúvida, a generalidade destas. Compreende-se facilmente este dever de
fundamentação, pois que os fundamentos da decisão constituem um elemento
essencial não só para a sua interpretação, mas também para o seu controlo pelas partes
da ação e pelos tribunais de recurso.
3. Modalidades: a principal diferenciação nas decisões judiciais distingue-as em (artigo
152.º, n.º1 CPC):
a. Sentenças: são, em regra, as decisões sobre o mérito da causa ou sobre um
incidente com a estrutura de uma causa (artigo 156.º, n.º2 CPC), mas também
podem conhecer de aspetos processuais (artigo 608.º CPC); das sentenças queconhecem do mérito da causa pode interpor-se recurso de apelação (artigo
644.º CPC);
b. Despachos: são, em princípio, decisões sobre aspetos processuais e, por isso,
são, em regra, decisões interlocutórias, embora também possam incidir sobre o
mérito (v.g., artigo 595.º, n.º1, alínea b) CPC) e, mesmo fora desse caso, possam
ser decisões finais (v.g. artigo 595.º, n.º1, alínea a) CPC) dos despachos que não
conhecem do mérito da causa cabe o recurso de agravo (artigo 733.ºCPC) e
daqueles que apreciam esse mérito pode apelar-se (artigo 644.º CPC).
Às decisões dos tribunais coletivos atribui-se a designação especial de acórdãos (artigo152.º, n.º3 CPC). Quando o acórdão da Relação conhece do mérito da causa, dele cabe
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revista (artigo 671.º, n.º2 CPC); quando isso não sucede, cabe agravo (artigo 754.º, n.º1
CPC). Alguns despachos incidem somente sobre aspetos burocráticos do processo e da
sua tramitação e, por isso, não possuem um conteúdo característico do exercício da
função jurisdicional, nem afetam a posição processual das partes ou de terceiros. Sãoos chamados despachos de mero expediente, que são aqueles que se destinam a prover
ao andamento regular do processo e nada decidem quanto ao conflito de interesses
entre as partes (artigo 152.º, n.º4, 1.ª parte CPC). Como exemplos de despachos de
mero expediente podem referir-se todos aqueles em que o juiz marca a realização de
um ato processual (artigos 591.º n.º2, alínea b), 507.º, n.º1 e 647.º, n.º1 CPC). São
igualmente despachos de mero expediente as ordens dadas pelo tribunal à secretaria
ou aos funcionários judiciais sobre atos de índole burocrática (artigo 175.º, n.º2 CPC).
Os despachos discricionários são aqueles cujo conteúdo é determinado pelo prudente
arbítrio do julgador (artigo 152.º, n.º4, 2.ª parte CPC), ou seja, por critérios de
conveniência e de oportunidade. Assim, são despachos discricionários todos aquelesque estabelecem prazos judiciais (artigo 138.º, n.º1 CPC), com ou sem limites legais (v.g.,
artigos 28.º, n.º2, 29.º, n.º1, 41.º, n.º2, 569.º, n.º4 e 5 e 590.º, n.º3 e 4 CPC). É
igualmente discricionário o despacho pelo qual o juiz atribui a representação do menor
a um único dos progenitores, a um curador especial ou ao Ministério Público (artigo 18.º,
n.º3 CPC), indifere a modificação do pedido ou da causa de pedir com fundamento na
inconveniência para a instrução, discussão e julgamento da causa (artigo 264.º CPC),
convida as partes a aperfeiçoarem os seus articulados (artigo 590.º, n.º2, alínea b) CPC),
requisita informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou
outros documentos (artigo 436.º, n.º1 CPC), decide inspecionar coisas ou pessoas (artigo
495.º, n.º1 CPC) ou inquirir testemunhas (artigos 505.º, n.º5, 526.º, n.º2 CPC) e adia a
audiência final (artigos 651.º, n.º1, alínea b) e 796.º, n.º5 CPC). Os despachos de mero
expediente e os despachos discricionários não admitem recurso (artigo 630.º CPC), nem
reclamação (como se comprova pelo disposto no artigo 652.º, n.º3 CPC). A justificação
dessa insusceptibilidade de impugnação é distinta. Os despachos de mero expediente
não são impugnáveis, porque não afetam a posição das partes; quanto aos
discricionários, eles são irrecorríveis considerando os critérios de conveniência e de
oportunidade que orientam a decisão do tribunal. As decisões judiciais podem ser:
a.
Provisórias: são aquelas que se destinam a ser substituídas por uma decisão
definitiva, cujo conteúdo pode ser idêntico ou diferente da anterior. São
exemplos de decisões provisórias todas aquelas que estão pendentes derecurso, assim como aquelas que decretam as providências cautelares (artigos
362.º a 409.º CPC), como se comprova pelas causas de caducidade destas
providências (artigo 373.º, n.º1 CPC); ou,
b. Definitivas.
Atendendo ao momento em que são proferidas e à sua influência sobre a tramitação do
processo, as decisões podem ser:
a. Finais: são aquelas que põem termo ao processo ou a um incidente; ou,
b.
Interlocutórias: são aquelas que não extinguem a instância (artigo 277.º, alíneaa) CPC).
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4. Efeitos: proferida a decisão, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz
quanto à matéria decidida (artigo 613.º, n.º1 CPC, aplicável a todas as decisões ex vi do
disposto no artigo 613.º, n.º3 CPC). Quer dizer: após o proferimento da decisão, o juiz
não pode alterar nem o sentido da decisão, nem nenhum dos seus fundamentos.Permite-se-lhe, no entanto, retificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer
dúvidas existentes na decisão e reformula-la quanto as custas, a multa (artigo 613.º,
n.º2; artigos 614, 615.º, n.º4 e 616.º, n.º1 CPC) e a erros de julgamento manifestos
(artigo 616.º, n.º3 CPC), bem como repará-la quando dela tiver sido interposto recurso
de agravo (artigo 744.º, n.º1 CPC). Se a decisão for final, ela produz ainda a extinção da
instância (artigo 277.º, alínea a) CPC). É claro que tal não se verifica se essa decisão for
passível de recurso e esse for interporto por quem tenha legitimidade para o fazer
(artigo 631.º, n.º1 CPC).
Vícios da decisão:
1. Generalidades: a decisão pode ser justa ou injusta, consoante a sua conformidade com
a matéria de facto apurada no processo e a correção da aplicação do Direito a esses
factos. Mas, abstraindo da sua injustiça ou justiça, a decisão judicial pode padecer de
vícios que afetem o seu valor como meio de composição da ação (ou de um aspeto dela).
Há que distinguir, com efeito:
a.
Error in iudicando: o erro na apreciação da matéria de facto ou na aplicação do
direito aos factos; do
b.
Error in procedendo: o erro proveniente da inobservância das regras do
procedimento.
O error in iudicando conduz ao proferimento de uma decisão injusta, sem que
necessariamente ela esteja afetada por qualquer error in procedendo; este error
improcedendo leva à prolação de uma decisão viciada, cujo desvalor é independente da
eventual justiça da decisão. Por exemplo: uma decisão a que falta a fundamentação
padece de um error in procedendo e é nula (artigo 615.º, n.º1, alínea b) CPC), mas isso
não significa que essa decisão seja injusta, isto é, que ela também esteja afetada por um
error in iudicando. Nos vícios da decisão incluem-se apenas aqueles que a ela respeitm
diretamente. Quer isto dizer que não é considerado um vício da decisão a realização de
um ato não permitido ou a omissão de um ato obrigatório antes do seu proferimento:
tais situações são nulidades processuais, submetidas, na falta de qualquerregulamentação específica, ao respetivo regime geral (artigo 195.º CPC). Igualmente
excluídos dos vícios (intrínsecos) da decisão são as causas (extrínsecas) que justificam a
sua impugnação através dos recursos extraordinários de revisão e de oposição de
terceiros (artigos 696.º e 778.º CPC).
2. Modalidades: os vícios da decisão podem ser:
a.
Nominados: são a incorreção material (artigo 614.º e 616.º, n.º1; 613.º, n.º3
CPC), a nulidade (artigo 615.º, n.º2; artigo 613.º, n.º3 CPC). O mesmo vale para
os Acórdãos da Relação proferidos nos recursos de apelação (artigo 666.º, n.º1
CPC) e de agravo em 1.ª instância (artigos 752.º, n.º3 e 666.º, n.º1 CPC) e para
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os Acórdãos do Supremo que decidem os recursos de revista (artigo 685.º CPC)
e de agravo em 2.ª instância (artigos 762.º, n.º1 e 752.º, n.º3 e 666.º, n.º1 CPC).
b.
Inominados.Independentemente de serem nominados ou inominados, os vícios da decisão podem
ser:
a.
Formais: são vícios formais aqueles que respeitam à forma do ato, isto é, a
decisão enquanto ato processual;
b.
Substanciais: são aqueles vícios que se referem ao conteúdo da decisão.
Vícios formais:
1. Inexistência formal : o vício mais grave que pode afetar a decisão judicial é a inexistência
jurídica. Esta inexistência verifica-se quando o vício subjacente à decisão proferida ou asua desconformidade com o modelo legal permite afirmar que se está presente uma
aparência de decisão. A decisão inexistente é uma decisão aparente. Assim, a decisão é
inexistente quando falta o poder jurisdicional do órgão ou entidade que a profere,
nomeadamente porque foi proferida após a extinção da instância (artigo 277.º CPC) ou
por um juiz que, por transferência, já não pertence ao tribunal. Também é inexistente a
decisão a que falta a conclusão ou parte decisória (artigos 607.º, n.º3, in fine, e 663.º,
n.º2 CPC). O fundamento desta inexistência encontra-se na falta absoluta de aptidão
dessa decisão para cumprir a sua finalidade. A decisão inexistente não produz quaisquer
efeitos, não adquirindo sequer valor de caso julgado. O reconhecimento da inexistência
da decisão pode ser realizado através de uma ação de simples apreciação (artigo 10.º,n.º2, alínea a) CPC). Se o Supremo reconhecer que o acórdão da Relação é inexistente
por lhe faltar a parte decisória, pode devolver-lhe o processo, para que esta profira a
decisão em falta.
2. Nulidade formal : a decisão é nula quando não contiver a assinatura do juiz (artigo 615.º,
n.º1, alínea a); 157.º, n.º1 CPC). Essa omissão pode ser suprida oficiosamente ou a
requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz
que proferiu a decisão (artigo 615.º, n.º2 CPC). Ainda que tenha sido interposto recurso
da decisão, essa nulidade pode ser arguida no tribunal que a proferiu (artigo 615.º, n.º3,
3.ª parte CPC). Constituem igualmente causa de nulidade formal da decisão a violação
de regras processuais a ela respeitantes (artigo 194.º, nº.1 CPC). Assim, por exemplo, é
nula a decisão verbal, sempre que a lei – como, aliás, é a regra – imponha a forma escrita
(artigo 153.º, n.º3, 607.º, n.º6 e 796.º, n.º7 CPC). Esta nulidade, que não é de
conhecimento oficioso (artigo 196.º, n.º3 CPC).
3. Ineficácia formal : a violação de algumas normas processuais determina a ineficácia
formal da decisão: é o que sucede se, por exemplo, a decisão não for notificada às partes
(artigo 638.º, n.º1, 1.ª parte CPC). O artigo 625.º, n.º2 CPC, ao considerar que, havendo
duas decisões contraditórias sobre a mesma questão concreta da relação processual, se
cumprirá a que primeiramente tiver transitado em julgado, mostra que a extinção do
poder jurisdicional provocada pelo proferimento da decisão (artigo 613.º, n.º1 e 3 CPC)também origina a ineficácia da segunda decisão sobre o mesmo objeto. Situação de
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ineficácia formal da decisão é também aquela que resulta do seu proferimento em
relação a sujeitos que não são partes da ação, que nunca existiram ou que deixaram de
existir durante a sua pendência. Note-se que esta eventualidade é distinta da prolação
de uma decisão numa situação de revelia absoluta que é justificada pela falta ounulidade da citação do réu (artigo 696.º, alínea f) CPC): nesta hipótese, a decisão não é
ineficaz, porque o réu, embora não tenha intervindo na ação pela falta ou nulidade da
citação, é realmente parte processual. Igualmente ineficaz é a decisão proferida contra
uma entidade ou pessoa que goza de imunidade de jurisdição.
Vícios substanciais:
1. Nulidade substancial :
a. Enunciado: as situações de nulidade da decisão encontram-se legalmente
tipificadas no artigo 615.º, n.º1 CPC (extensível aos despachos pelo disposto noartigo 613.º, n.º3, e aos acórdãos pelo estabelecido nos artigos 666.º, n.º1, 685.º,
752.º, n.º3 e 762.º, n.º1 CPC). A enumeração é taxativa e comporta causas de
nulidade de dois tipos:
i. Uma causa de caráter formal (artigo 615.º, n.º1, alínea a) CPC); e,
ii. Várias causas respeitantes ao conteúdo da decisão (artigo 615.º, n.º1,
alíneas b) a e) CPC).
Apenas se consideram agora estas últimas. A nulidade da decisão apresenta
algumas especialidades salientes. Ela não se submete ao regime geral das
nulidades processuais (artigo 195.º CPC) e só releva, em princípio, mediantearguição das partes (artigo 615.º, n.º3 CPC), não sendo, por isso, de
conhecimento oficioso.
b. Omissão de pronúncia: o tribunal deve resolver todas as questões que as partes
tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja
prejudicada pela solução dada a outras (artigo 608.º, n.º2 CPC). Este corolário
do princípio da disponibilidade objetiva (artigo 5.º, n.º1 e 664.º, 2.ª parte CPC)
significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas
partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com exceção apenas das
matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja execução
penas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja
apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela
resposta fornecida a outras questões. É o que sucede, por exemplo, no caso da
cumulação subsidiário (artigo 554.º, n.º1 CPC), quanto à desnecessidade (e
mesmo impossibilidade) de apreciação do pedido subsidiário quando o principal
for considerado procedente. Por isso é nula a decisão em que o tribunal deixa
de se pronunciar sobre questões que devessem apreciar (artigo 615.º, n,º1,
alínea d), 1.ª parte CPC), ou seja, quando se verifique uma omissão de pronúncia.
Luso Soares entende que
«toda a questão é fundamentalmente uma oposição de razões.Parece, pelo menos quanto ao âmbito da procedência definido nos
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artigos 608.º, n.º1 e 615.º, n.º1, alínea d), 1.ª parte CPC, um
entendimento demasiado restrito, porque o tribunal também deve
considerar, sob pena de cometer um omissão de pronúncia, as
questões não controvertidas».
Também a falta de apreciação de matéria de conhecimento oficioso constitui
uma omissão de pronúncia. Se, por exemplo, o tribunal condena o réu a restituir
a quantia mutuada e não considera a nulidade do respetivo contrato por
inobservância da forma legal (artigo 1143.º e 220.º CC), o não conhecimento
dessa nulidade (que é de apreciação oficiosa, artigo 286.º CC) origina uma
omissão de pronúncia e, por isso, gera a nulidade da decisão. Não existe uma
omissão de pronúncia, mas um error in iudicando, se o tribunal não aprecia um
determinado pedido com o argumento de que ele não foi formulado: aquela
omissão pressupõe uma abstenção não fundamentada de julgamento e não
uma fundamentação errada para não conhecer de certa questão. O tribunal não
tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos
apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas
fundamentais e necessários à decisão da causa. Verifica-se, pelo contrário, uma
omissão de pronúncia e a consequente nulidade (artigo 615.º, n.º1, alínea a),
1.ª parte CPC) se na sentença, contrariando o disposto no artigo 607.º, n.º3 CPC,
o tribunal não discriminar os factos que considera provados ou se abstiver de
apreciar a procedência da ação com fundamento numa das causas de pedir
invocadas pelo autor. Se o autor alegar vários objetos concorrentes ou o réu
invocar vários fundamentos de improcedência da ação, o tribunal não tem de
apreciar todos esses objetos ou fundamentos se qualquer deles puder basearuma decisão favorável à parte que os invocou. Suponha-se, por exemplo, que o
autor invoca a relação cambiária e o correspondente negócio subjacente; nesta
hipótese, a procedência da ação de condenação no cumprimento da dívid pode
basear-se em qualquer daqueles objetos. Em contrapartida, o tribunal não pode
proferir uma decisão desfavorável à parte sem apreciar todos os objetos e
fundamentos por ela alegados, dado que a ação ou a exceção só pode ser
julgada improcedente se nenhum dos objetos ou dos fundamentos puder
proceder.
c.
Falta de fundamentação: diferente da omissão da pronúncia – que resulta da
abstenção de conhecimento de questões suscitadas pelas partes ou de pedidos
por elas formulados – é a falta de indicação dos fundamentos de facto e de
direito que justificam a decisão (artigo 615.º, n.º1, alínea b) CPC). Esta causa de
nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um
pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia),
mas não específica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram
relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de
motivação ou fundamentação das decisões judiciais (artigo 208.º, n.º1 CRP;
artigo 154.º, n.º1 CPC). O dever de fundamentação restringe-se às decisões
proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dívida suscitada no
processo (artigo 154.º, n.º1 CPC) e apenas a ausência de qualquerfundamentação conduz à nulidade da decisão; a fundamentação insuficiente ou
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deficiente não constitui causa de nulidade da decisão embora justifique a sua
impugnação mediante recurso, se este for admissível. Assim, por exemplo, a
decisão é nula, por falta de fundamentação, se nela se afirma, sem qualquer
motivação, que não se aplica uma determinada taxa de juros moratórios ou quenão se descobrem as contradições apontadas nas respostas aos requisitos.
d.
Excesso de pronúncia: como corolário do princípio da disponibilidade objetiva
(artigos 5.º, n.º1 e 664.º, 2.ª parte CPC), a decisão é nula quando o tribunal
conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (artigo 615.º, n.º1,
alínea d), 2.ª parte CPC), ou seja, quando a decisão esteja viciada por excesso de
pronúncia. Verifica-se este excesso sempre que o tribunal utiliza, como
fundamento da decisão, matéria não alegada ou condena ou absolve num
pedido não formulado, bem como quando conhece de matéria alegada ou
pedido formulado, bem como quando conhece de matéria alegada ou pedido
formulado em condições em que está impedido de o fazer. Assim, por exemplo,
é nula a decisão que aprecia ex officio matéria que não é de conhecimento
oficioso (artigo 608.º, n.º2, 2.ª parte CPC), é nulo o acórdão que se pronuncia,
sem prévia reclamação da parte, sobre matéria apreciada no despacho relator
(artigo 652.º, n.º3 CPC), é nula a sentença que, depois de julgar igualmente
procedente e é também nula a decisão que aprecia uma condição resolutiva não
alegada pelas partes. O excesso de pronúncia pode ser parcial ou qualitativo,
consoante o tribunal conheça de um pedido que é quantitativa ou
qualitativamente distinto daquele que foi formulado pela parte. Este excesso de
pronúncia parcial ou qualitativo também conduz à nulidade da decisão (artigo
609.º, n.º1 e 615.º, n.º1, alínea e) CPC), mas ele é distinto do excesso depronúncia previsto no artigo 615.º, n.º1, alínea d), 2.ª parte CPC, pela seguinte
razão:
i. Se o tribunal condena no pedido formulado, mas utiliza um fundamento
que excede os seus poderes de conhecimento, a hipótese cabe na
nulidade prevista no artigo 615.º, n.º1, alínea d), 2.ª parte CPC;
ii.
Mas se o tribunal, mesmo utilizando os fundamentos admissíveis,
condena em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, o caso
inclui-se na previsão do artigo 615.º, n.º1, alínea e) CPC.
Assim, a decisão é nula, por exemplo, quando o autor pede a condenação do réu
a pagar as rendas vencidas e as vincendas na pendência da causa e o tribunal
condena-o a pagar as que se vencerem até à entrega do prédio, quando o autor
requer a resolução do contrato por perda do interesse resultante da mora e o
tribunal condena o réu no cumprimento da prestação e na indemnização pela
mora e ainda quando o autor pede a demolição de uma obra e o tribunal decide
mandar tapá-la. O artigo 609.º, n.º3 CPC, ao permitir que o tribunal decrete a
manutenção em vez da restituição da posse, e vice-versa, constitui uma exceção
a este fundamento de nulidade da decisão; uma outra exceção resulta da não
vinculação do tribunal à providência requerida (artigo 376.º, n.º3 CPC) e ainda
uma outra encontra-se prevista, no âmbito das providências cautelares, noartigo 376.º, n.º3 CPC, no qual se estipula que o tribunal não está adstrito à
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providência requerida. Os limites da condenação contidos no artigo 609.º, n.º1
CPC, entendem-se referidos ao pedido global e não Às parcelas em que, para
determinação do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do
prejuízo. Note-se que, apesar de o artigo 615.º, n.º1, alínea e) CPC, só referir acondenação do réu em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, o
mesmo vale para a hipótese – certamente rara – de uma decisão absolutória.
Por exemplo: é nula decisão que, numa ação em que o autor reivindica a
propriedade plena sobre um imóvel, absolve o réu quanto ao reconhecimento
do autor como usufrutuário.
e.
Contradição intrínseca: finalmente, a decisão é nula quando os seus
fundamentos estiverem em oposição com a parte decisória (artigo 615.º, n.º1,
alínea c) CPC), isto é, quando os fundamentos invocados pelo tribunal
conduzirem logicamente a uma conclusão oposta ou, pelo menos, diferente
daquela que consta da decisão. Esta nulidade é o correspondente, quanto à
decisão do tribunal, da ineptidão da petição inicial por contradição entre o
pedido e a causa de pedir (artigo 186.º, n.º1, alínea b) CPC)
f. Arguição: o regime da invocação da nulidade da decisão resultante de um vício
de conteúdo ou substancial (artigo 615.º, n.º1, alíneas b) a e) CPC) é o seguinte:
i. Se a decisão admitir recurso ordinário, a nulidade pode ser invocada como
fundamento dessa impugnação (artigo 615.º, n.º3, 2.ª parte CPC);
ii. Se o não admitir, a nulidade justifica a reclamação perante o próprio
tribunal que proferiu a decisão impugnada (artigos 615.º, n.º3, 1.ª partee 617.º, n.º1 CPC). Se a decisão admitir recurso, mas a parte reclamar
perante o tribunal que proferiu a decisão, isso significa uma renúncia
tácita àquele recurso (artigo 623.º, n.º3 CPC)
iii. Ainda que a nulidade seja arguida em recurso, o juiz que proferiu a
decisão pode supri-la (artigo 615.º, n.º4, 1.ª parte CPC). O regime de
reparação do agravo é aplicável, com as necessárias adaptações, à
arguição da nulidade em recurso (artigo 615.º, n.º4, 2.ª parte CPC), o que
envolve a remissão para o disposto no artigo 744.º, n.º1 e 5 CPC, quanto
À imposição ao juiz do dever de suprir a nulidade ou de sustentar a sua
decisão. Se a sustentar, o processo é remetido ao tribunal superior (artigo744.º, n.º2 CPC); se reparar a nulidade, a parte recorrida pode requerer
que o recurso suba, para que o tribunal superior se pronuncie sobre a
questão sobre a qual recaíram as duas decisões opostas (artigo 744.º, n.º3
CPC). A decisão nula que não for impugnada (por reclamação ou recurso)
transitada em julgado (artigo 628.º CPC). Isto é, como a nulidade da
decisão não é de conhecimento oficioso (artigo 615.º, n.º3 CPC), a sua não
impugnação implica a sanação dessa nulidade, pelo que ela torna-se
plenamente vinculativa e eficaz.
2. Incorreção material : a incorreção da decisão pode decorrer de erros materiais (artigo
614.º, n.º1 CPC) ou da sua obscuridade ou ambiguidade (artigo 616.º, n.º1, alínea a)
CPC). Os erros materiais podem referir-se, em especial, à omissão do nome das partes
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ou da condenação em custas e a erros de escrita ou de cálculo e, em geral, a quaisquer
inexatidões em custas e a erros de escrita ou de cálculo e, em geral, a quaisquer
inexatidões devidas a outas omissões ou a lapso manifesto do juiz (artigo 614.º, n.º1, 1.ª
parte CPC). A retificação destes erros materiais pode ser realizada por simples despachodo juiz, que pode ser da sua própria iniciativa (artigo 614.º, n.º1 CPC), mas, se for
interposto recurso, a correção só pode efetuar-se até à subida (artigo 614.º, n.º2, 1.ª
parte CPC). Se nenhuma das partes recorrer, a retificação pode realizar-se em qualquer
momento, cabendo agravo do despacho que a fizer (artigo 614.º, n.º2, 2.ª parte CPC).
Para que o juiz possa retificar um erro material, não é suficiente que afirme a sua
existência; é necessário que esse erro seja evidenciado pelo contexto da decisão. A
obscuridade e a ambiguidade da decisão permitem que qualquer das partes requeira o
seu esclarecimento ao tribunal que a proferiu (artigo 616.º, n.º1, alínea a) CPC). A
obscuridade traduz-se numa dificuldade de perceção do sentido da expressão ou da
frase; a ambiguidade na possibilidade de atribuir vários sentidos a uma expressão ou auma frase. Quando a parte requeira a correção do erro material (artigo 614.º, n.º1 CPC)
ou a aclaração da decisão (artigo 616.º, n.º1, alínea a) CPC), a secretaria,,
independentemente de despacho, notifica a parte contrária e, em seguida, o tribunal
decide (Artigo 617.º, n.º1 CPC). Do despacho que indeferir o requerimento de retificação
ou aclaração não cabe recurso autónomo (artigo 617.º, n.º2, 1.ª parte CPC), mas aquele
que o deferir considera-se, mesmo para efeitos de recurso, complemento e parte
integrante da decisão corrigida (artigo 617.º, n.º1, 2.ª parte CPC).
3. Erro manifesto: em princípio, o error in iudicando só pode ser apreciado no recurso
interposto da decisão. Mas a lei permite – talvez com pouca justificação – que qualquer
das partes requeira, em certas condições, a reforma da sentença com base num erro dedireito ou de facto: isso sucede, por exemplo, por lapso manifesto do juiz na
determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, a decisão tenha
sido proferida com violação da lei expressa (artigo 616.º, n.º1, alínea a) CPC) e quando
constem do processo documentos ou quaidquer elementos que, só por si, impliquem
necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, igualmente por lapso
manifesto, não haja tomado em consideração (artigo 616.º, n.º2, alínea b) CPC). Aquela
primeira situação constitui um erro de direito; ela verifica-se se, por exemplo, o juiz tiver
contabilizado o montante dos juros devidos através de uma taxa que não é a legal. Esta
última assenta num erro sobre os factos: é o que acontece se, por exemplo, o tribunal,
na determinação do montante total dos danos, não tiver somado uma das parcelasprovadas. Dado o disposto no artigo 616.º, n.º3, 1.ª parte CPC, a forma de arguição do
erro manifesto depende das seguintes circunstâncias:
a. Se a decisão admitir recurso ordinário (artigo 629.º CPC), a invocação desse erro
deve ser feita na própria alegação de recurso;
b. Se a decisão não for recorrível, a parte pode solicitar, em requerimento
autónomo, a reforma da sentença.
Se a decisão admitir recurso ordinário e se o recorrente tiver invocado o erro manifesto
na alegação de recurso, o tribunal a quo deve pronunciar-se sobre essa arguição e pode,
se assim o entender, corrigir esse lapso (artigo 616.º, n.º3, 2.ª parte CPC e 615.º, n.º4
CPC). Se o fizer, o recorrido pode requerer que o recurso suba ao tribunal ad quem, para
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que este se pronuncie sobre as duas decisões opostas do tribunal recorrido (artigos
616.º, n.º3, 2.ª parte, 615.º, n.º4 e 744.º, n.º3 CPC).
Decisão Forma de reação
Recurso ordinárioautónomo
Recursoordinário nãoautónomo
Indeferimento liminar daPI
234º-A/2
Recusa da PI secretaria(474º e 475º)
Reclamação erecurso dareclamação
Pré-saneador 508º/6 Nenhuma – decisãodiscricionária do juiz
Despacho Saneador:1) Exceção dilatória
que ARI2)
Exceção dilatóriaque não ARISe não é dacompetência otribunal.
3) Casos deinutilidade
4)
Que conhece omérito da causa
5) Que conhece parcialmente omérito da causa
691º/1691º/2 b)
691º/2 m)691º/1691º/2 h)
691º/3
(ou de algumaexceção dilatória)
Despacho de seleção damatéria de facto
691º/3 511º/2 e 3reclamação +recurso
Despacho de admissão 691º/2 i)
Despacho derequerimento daprovidência cautelarSe aceitar o requerimentoe conceder ou não a PI
234º-A/2692º/2 l)
Sentença 666º/114
14 Agradecemos à Isabel, a quem se deve a elaboração deste esquema (incluído na sua sebenta) a quetecemos louvores no seu labor
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Vícios da sentença
668º/4 Se não for possível recurso pode haver reclamação da sentença (vícios muitograves)
669º Erro judicial - reclamação
669º/3 Recurso
669º/2 Reclamação – vícios especialmente graves
667º Retificação
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§4.º - Composição provisória: providências cautelares
Aspetos gerais:
1. Justificação: nem sempre a regulação dos interesses conflituantes pode aguardar o
proferimento da decisão do tribunal que resolve, de modo definitivo, aquele conflito.
Por vezes, torna-se necessário obter uma composição provisória da situação
controvertida antes do proferimento da decisão definitiva. Essa composição justifica-se
sempre que ela seja necessária para assegurar a utilidade da decisão e a efetividade da
tutela jurisdicional (artigo 2.º, n.º2, in fine CPC) e, na medida em que contribui
decisivamente para o êxito dessa tutela, encontra o seu fundamento constitucional na
garantia do acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20.º, n.º1 CRP). Em alguns casos,visa-se garantir um (alegado) direito: se, por exemplo, o devedor está a dissipar o seu
património, é indispensável impedir a continuação dessa conduta, porque, se assim não
acontecer, o credor, mesmo que venha a obter uma sentença condenatória, perdeu
entretanto a garantia patrimonial do seu crédito (artigo 601.º CC). Noutras hipóteses,
procura-se encontrar uma regulação provisória até à composição definitiva da ação:
perante o esbulho da coisa, o esbulhado pode requerer a sua restituição até se
encontrar definida a titularidade do direito (artigo 1278.º, n.º1 CC). Finalmente, noutras
situações, antecipa-se a tutela requerida ou pretendida até se averiguar, através de uma
decisão definitiva, qual a verdadeira situação jurídica: é o que acontece quando, por
exemplo, o (alegado) credor de alimentos requer que lhe sejam concedidos alimentos
provisórios (artigo 2007.º, n.º1 CC).
2. Finalidades: a composição provisória realizada através das providências cautelares pode
prosseguir uma de três finalidades: ela pode justificar-se pela necessidade de
a. Garantir um direito: tomam-se providências que garantem a utilidade da
composição definitiva;
b. Definir uma regulação provisória: as providências definem uma situação
provisória ou transitória;
c. Antecipar a tutela pretendida ou requerida: as providências atribuem o mesmo
que se pode obter na composição definitiva.
3. Provisoriedade: as providências cautelares fornecem uma composição provisória. A
provisoriedade destas providências resulta quer da circunstância de elas
corresponderem a uma tutela que é qualitativamente distinta daquela que é obtida na
ação principal de que são dependentes (artigo 364.º, n.º1 CPC), quer da sua necessária
substituição pela tutela que vier a ser definida nessa ação. A diferença qualitativa entre
a composição provisória e a tutela atribuída pela ação principal decorre dos seus
pressupostos específicos e, nomeadamente, da suficiência da probabilidade da
existência doo direito acautelado ou tutelado para o decretamento da providência
(artigos 369.º, n.º1, 368.º, n.º1, 388.º, n.º2, 392.º, n.º1 e 405.º, n.º1 CPC). A suficiênciada mera justificação como grau de prova exigido para aquele decretamento constitui
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um indício seguro de uma tutela que é qualitativamente distinta daquela que exige uma
prova stricto sensu dos factos relevantes. Este aspeto também permite distinguir esta
composição provisória obtida através das providências cautelares daquela que resulta
de uma decisão sujeita a recurso com efeito meramente devolutivo (artigos 647.º, n.º2,676.º e 792.º, 1ª parte CPC): esta última é uma tutela provisória porque ainda deverá
ser confirmada ou revogada por uma outra decisão e não porque atribui uma tutela
qualitativamente distinta da decisão que a controla. Além disso, a composição
resultante do decretamento de uma providência também é provisória atendendo a que
ela se destina a ser substituída por aquela que vier a resultar da ação principal da qual
depende (artigo 364.º, n.º1 CPC). Esta ação nem sequer possui o mesmo objeto do
procedimento cautelar, pelo que, diferentemente do que se passa no caso do recurso,
ela não visa confirmar ou revogar a providência cautelar decretada. Por exemplo: se o
autor de uma ação de reivindicação requerer a restituição provisória da possa (artigo
377.º CPC), o objeto do procedimento cautelar é a verificação dos pressupostos destaprovidência e o objeto daquela ação é o direito de propriedade sobre a coisa e o dever
de a restituir (artigo 1311.º, nº.1 CC). Mesmo quando na ação principal se reconhece o
direito acautelado ou tutelado através da providência, esta, em regra, não subsiste e é
substituída pela tutela definitiva atribuída nessa ação. Por exemplo: os alimentos
provisórios decretados no procedimento cautelar (artigo 384.º, n.º1 CPC) são
substituídos pelos alimentos definitivos reconhecidos na ação principal (artigo 2007.º,
n.º1 CC). A exceção a esta substituição é o arresto, dada a possibilidade da sua conversão
em penhora durante a ação executiva (artigo 762.º CPC).
4. Instrumentalidade: a tutela processual é instrumental perante as situações jurídicas
decorrentes do Direito substantivo, porque o Direito processual é o meio de tuteladessas situações. A composição provisória realizada através das providências cautelares
não deixa de se incluir nessa instrumentalidade, porque ela também serve os fins gerais
de garantia que são prosseguidos pela tutela jurisdicional. Não, contudo, de uma forma
imediata, porque aquela composição provisória destina-se a garantir a eficácia e a
utilidade da própria tutela processual, pelo que ela é instrumental perante esta tutela e
só mediatamente o é perante as próprias situações jurídicas. A composição provisória,
mais do que tutelar estas situações, assegura a efetividade da tutela jurisdicional que
lhes for concedida. O objeto da providência cautelar não é a situação jurídica acautelada
ou tutelada, mas, consoante a sua finalidade, a garantia da situação, a regulação
provisória ou a antecipação da tutela que for requerida no respetivo procedimento. Estaverificação é clara quando a providência visa garantir um direito ou regular
provisoriamente uma situação: distinta do exercício judicial de um direito é a solicitação
de uma garantia ou de uma regulação transitória até à sua apreciação definitiva. Mas
essa distinção também se justifica quando a providência cautelar antecipa a tutela
jurisdicional: neste caso, o objeto da providência não é a situação cuja tutela se antecipa,
mas a própria antecipação da tutela para essa situação. É por isso que, mesmo nesta
eventualidade, o decretamento da providência não retira o interesse processual na
solicitação da tutela definitiva e não há qualquer contradição – entre a concessão
daquela antecipação através do decretamento da providência e a recusa da tutela
definitiva na ação principal. Essa distinção entre os objetos da providência cautelar e daação principal também justifica que a solicitação daquela providência não implique a
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pendência do próprio direito acautelado ou tutelado. É por essa razão que entre o
procedimento cautelar e a ação principal nunca se pode verificar qualquer exceção de
litispendência (artigo 580.º, n.º1 e 581.º, n.º1 CPC) e que a decisão proferida no
procedimento cautelar não é vinculativa na ação principal (artigo 364.º, n.º4 CPC).Contudo, apesar de não se verificar essa pendência, se o procedimento cautelar foi
instaurado antes da propositura da ação principal, os efeitos contra o réu decorrentes
dessa propositura produzem-se, nos termos do artigo 366.º, n.º6 CPC, logo a partir da
apresentação da petição inicial dessa ação e não, como deveria suceder normalmente,
do momento da sua citação (artigo 259.º, n.º2 CPC). Problema distinto é o de saber se a
solicitação do arresto (artigo 391.º, n.º1 CPC) determina, nos termos do artigo 323.º,
n.º1 C, a interrupção da prescrição quanto ao crédito garantido. Ainda que se entenda
que o requerimento da providência não envolve quaisquer efeitos quanto Àquele
crédito, parece dever aceitar-se que ele exprime, pelo menos de modo indireto, a
intenção de exercer esse direito, o que é suficiente para provocar aquela interrupção(artigo 323.º, n.º1 CC).
5. Summaria Cognitio: para atingir a finalidade de evitar a lesão ou a sua continuação, a
composição provisória tem de ser concedida com celeridade: as vantagens dessa
composição serão tanto maiores quanto mais cedo ela puder garantir o direito, regular
provisoriamente a situação ou antecipar a composição definitiva. Por isso, as
providências cautelares implicam necessariamente uma apreciação sumária (summaria
cognitio) da situação através de um procedimento simplificado e rápido. Dada a
estrutura simplificada e a sua finalidade específica, os procedimentos cautelares não se
coadunam com a admissibilidade de articulados supervenientes. Se com isso se
pretende obviar à invocação de factos supervenientes, a solução é muito discutível. Asummaria cognitio justifica que certas providências cautelares possam ser decretadas
sem a prévia audição da contraparte, isto é, sem ser concedida a esta parte o uso do
contraditório. Esta possibilidade – que é coberta pelo desvio ao princípio do
contraditório admitido pelo artigo 3.º, n.º2 CPC – encontra-se prevista em dois níveis:
a. Proíbe-se a audição do requerido (artigos 278.º e 393.º, n.º1 CPC; artigo 1279.º
CC);
b. Permite-se (mas não se impõe) que a providência seja decretada sem a audição
do requerido (artigo 363.º, n.º1 CPC).
A falta de audiência do requerido, quando ela não seja suscetível de pôr em risco o fim
da providência cautelar, constitui uma nulidade processual. Não parece que o uso
indevido pelo tribunal do poder discricionário de ouvir o requerido possa originar uma
tal nulidade. Aos procedimentos cautelares são subsidiariamente aplicáveis as
disposições gerais sobre os incidentes da instância (artigo 362.º, n.º3 CPC). Existem,
todavia, algumas especialidades, mesmo nos procedimentos onde são apreciadas as
providências comuns. Os procedimentos cautelares constituem uma das situações em
que a citação do réu depende de prévio despacho judicial (artigo 226.º, n.º4, alínea b)
CPC). Por conseguinte, o juiz, em vez de ordenar a citação, pode indeferir liminarmente
o requerimento, quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de
forma evidente, exceções dilatórias insanáveis e de que o juiz deva conhecer
oficiosamente (artigo 590.º, n.º1 CPC). Conjuntamente com a petição, o requerente
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deve fazer a prova sumária do direito ameaçado e justificar o receio da sua lesão (artigo
362.º, n.º1 CPC). O tribunal ouvirá o requerido sempre que a audiência não ponha em
risco sério o fim ou a eficácia da providência (artigo 363.º, n.º1 CPC), caso em que se
realiza a sua citação ou notificação, para que ele deduza a sua oposição (artigo 363.º,n.º1 CPC). Em seguida, procede-se, quando necessário, À produção das provas
requeridas ou determinadas oficiosamente (artigo 364.º, n.º1 CPC). A providência é
decretada se houver a probabilidade séria da existência do direito ameaçado e se se
mostrar suficientemente fundado o receio da sua lesão (artigo 368.º, n.º1 CPC), mas
deve ser recusada se o prejuízo imposto ao requerido exceder consideravelmente o
dano que com ela o requerente pretende evitar (artigo 387.º, n.º2 CPC). Se o requerido
não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência (artigo 363.º, n.º1 CPC), só
se procede À notificação da decisão que a ordenou (artigo 363.º, n.º5 CPC). O requerido
pode impugnar a providência através da interposição de recurso do despacho que a
decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados pelo tribunal, ela nãodevia ter sido deferida (artigo 372.º, n.º1, alínea a) CPC), isto é, quando considere que
esses elementos não constituem fundamento para o decretamento da providência. Mas
deverá deduzir oposição, quando pretenda alegar factos novos e meios de prova que
não foram considerados pelo tribunal e que afastem os fundamentos da providência ou
determinem a sua redução (artigo 372.º, n.º1, alínea b) CPC). Nesta última hipótese, o
próprio juiz do procedimento, após a produção da prova, decidirá da subsistência,
redução ou revogação da providência anteriormente decretada (artigo 372.º, n.º1,
alínea b), in fine, e 2 CPC).
Pressupostos:
1. Periculum in mora: dada a diferenciação entre o objeto da providência cautelar e o da
ação principal (que é a própria situação que é acautelada ou tutelada através daquela
providência), os elementos constitutivos daquele objeto não coincidem com os desta
situação. Na ação principal, há que apreciar os factos constitutivos da situação jurídica
alegada; no procedimento cautelar, em contrapartida, importa averiguar os
fundamentos da necessidade da composição provisória através do decretamento da
garantia, da regulação transitória ou da antecipação da tutela. A necessidade de
composição provisória decorre do prejuízo que a demora na decisão da causa e na
composição definitiva provocaria na parte cuja situação jurídica merece ser acautelada
ou tutelada. A necessidade da composição provisória decorre do prejuízo que a demora
na decisão da causa e na composição definitiva provocaria na parte cuja situação jurídica
merece ser acautelada ou tutelada. A finalidade específica das providências cautelares
é, por isso, a de evitar a lesão grave e dificilmente reparável (na expressão do artigo
362.º, n.º1 CPC) proveniente da demora na tutela da situação jurídica, isto é, obviar ao
chamado periculum in mora. Esse dano é aquele que seria provocado quer por uma
lesão iminente (indiciada nomeadamente por lesões passadas), quer pela continuação
de uma lesão em curso, ou seja, de uma lesão não totalmente consumada. Se faltar o
periculum in mora, ou seja, se o requerente da providência não se encontrar, pelo
menos, na iminência de sofrer qualquer lesão ou dano, falta a necessidade da
composição provisória e a providência não pode ser decretada. Quer dizer: esse
periculum é um elemento constitutivo da providência requerida, pelo que a suainexistência obsta ao decretamento daquela.
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2. Fumus boni iuris: uma das consequências da summaria cognitio é o grau de prova que
é suficiente para a demonstração da situação jurídica que se pretende acautelar ou
tutelar provisoriamente. Uma prova stricto sensu (ou seja, a convicção do tribunal sobre
a realidade dessa situação) não seria compatível com a celeridade própria dasprovidências cautelares e, além disso, repetiria a atividade e a apreciação que, por
melhor se coadunarem com a composição definitiva da ação principal, devem estar
reservadas para esta última. É por isso que as providências cautelares exigem apenas a
prova sumária do direito ameaçado, ou seja, a demonstração da probabilidade séria da
existência do direito alegado (artigos 365.º, n.º1, 368.º, n.º1, 388.º, n.º2, 392.º, n.º2 e
405.º, n.º1 CPC), bem como do receio da lesão (artigos 362.º, n.º1, 365.º, n.º1, 368.º,
n.º1, 391.º, n.º1, 392.º, n.º1, 403.º, n.º1 e 405.º, n.º1 CPC). As providências só requerem,
quanto ao grau de prova, uma mera justificação, embora a repartição do ónus da prova
entre o requerido e o requerente observe as regras gerais (artigos 342.º, n.º1 e 2 CC).
Assim, para o decretamento da providência cautelar exige-se apenas a prova de que asituação jurídica alegada é provável ou verosímil, pelo que é suficiente a aparência desse
direito, ou seja, basta um fumus boni iuris. Mas, se na ação principal já tiver sido
proferida uma decisão desfavorável ao autor (nomeadamente, uma decisão que está
pendente de recurso), não pode esta parte requerer, durante esse recurso, qualquer
providência cautelar, porque, nessas circunstâncias, não é possível fazer prevalecer a
probabilidade da existência da situação sobre a apreciação realizada naquela decisão. A
mera justificação também é suficiente para a demonstração pelo requerido de que o
dano que ele sofreria com o decretamento da providência excede consideravelmente
aquele que o requerente pretende evitar (artigo 368.º, n.º2 CPC) e, em geral, para a
prova de qualquer exceção por ele oposta. O mesmo vale para a contraprova realizadapelo requerido (artigo 346.º CC), para a qual basta que sejam demonstradas dúvidas
sobre a probabilidade dos factos alegados pelo requerente. Contudo, essa mera
justificação é insuficiente para a prova do contrário oposta pelo requerido a uma prova
plena produzida pelo requerente (artigo 347.º CC), porque esta prova não pode ser
contrariada por uma mera probabilidade do facto contrário. Os pressupostos
processuais que dependem da prova da situação que se pretende acautelar ou tutelar –
como, por exemplo, a competência territorial do tribunal (artigo 78.º CPC) ou a
legitimidade do requerente (artigo 30.º, n.º1 e 3 CPC) – bastam-se igualmente com a
mera justificação dos factos determinantes para a sua aferição. O fumus boni iuris
decorre da suficiência da mera justificação, mas não tem qualquer tradução numa
discricionariedade do tribunal quanto aos fundamentos do decretamento da
providência. Se esse fumus boni iuris se encontrar provado, o tribunal deve decretar a
providência; se isso não suceder, o tribunal não a pode decretar, ainda que isso se
pudesse justificar por outros fatores (como, por exemplo, o manifesto interesse do
requerente ou o pouco incómodo causado ao requerido).
3. Interesse processual : as providências cautelares exigem todos os pressupostos
processuais gerais. Especificamente quanto ao interesse processual, importa referir que
ele falta sempre que o requerente possa atingir a garantia do direito, a regulação
provisória ou a antecipação da tutela através de um meio mais adequado que o
procedimento cautelar, ou seja, quando, em função das circunstâncias, aqueleprocedimento não for o meio mais célere e económico para obter a tutela dos interesses
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do requerente. Assim, por exemplo, falta o interesse processual para requerer o arresto
(artigo 391.º, n.º1 CPC) quando o requerente possuir um título executivo (artigo 703.º
CPC) e o crédito for exigível ou se possa tornar exigível na própria execução, porque,
nessas circunstâncias, o credor pode instaurar uma ação executiva (artigo 45.º, n.º1 CPC)e obter nela a penhora de bens do executado (artigo 735.º, n.º1 CPC), da qual resulta,
tal como no arresto (artigo 622.º, n.º1 CC), a inoponibilidade ao credor de quaisquer
atos de disposição desses bens (artigo 819.º CC). Quanto às providências que realizaram
uma função de garantia – que são, dentro das especificadas, o arresto (artigo 391.º, n.º1
CPC) e o arrolamento (artigo 403.º, n,º.1 CPC) –, o interesse processual falta sempre que
o requerente possua uma outra garantia, nomeadamente uma garantia real. Assim, por
exemplo, o credor hipotecário não pode requerer o arresto de bens do devedor, nem
mesmo quando a hipoteca se tornar insuficiente para a garantia da obrigação (artigo
701.º, n.º1 CC).
Providências especificadas:
1. Tipologia: a regulamentação legal das providências cautelares assenta na seguinte
dicotomia: a lei define várias providências nominadas e admite, sempre que nenhuma
delas seja aplicável, uma providência comum de âmbito residual (artigo 362.º, n.º3 CPC).
As providências nominadas são a restituição provisória da posse (artigos 377.º a 379.º
CPC), a suspensão de deliberações sociais (artigos 380.º a 383.º CPC), os alimentos
provisórios (artigos 384.º a 387.º CPC), o arbitramento de reparação provisória (artigos
388.º a 390.º CPC), o arresto (artigos 391.º a 396.º CPC), o embargo de obra nova
(artigos 397.º a 402.º CPC) e o arrolamento (artigo 403.º a 409.º CPC). No grupo das
providê3nicas nominadas, algumas visam garantir a realização de um direito, outrasdestinam-se a regular provisoriamente uma situação e outras ainda procuram antecipar
a tutela jurisdicional que se pretende obter através da ação principal. O arresto e o
arrolamento são providências cuja finalidade é a garantia de um direito; a restituição
provisória da posse, o embargo de obra nova e a suspensão de deliberações sociais
instituem uma regulação provisória; os alimentos provisórios e o arbitramento de
reparação provisória antecipam a tutela definitiva. Esta tripartição será observada na
exposição subsequente.
2. Providências de garantia:
a.
Arresto: o arresto e o arrolamento são providências cautelares cuja finalidadeespecífica é garantir a realização de uma pretensão e assegurar a sua execução.
O arresto pode ser requerido pelo credor que demonstre a probabilidade da
existência do seu crédito (ainda que sujeito a termo ou a uma condição
resolutiva) e tenha justo receio de perda da sua garantia patrimonial (artigo
391.º, n.º1 CPC; artigos 601.º e 619.º, n.º1 CC). O arresto consiste na apreensão
judicial de bens do devedor (artigo 391.º, n,º2; artigo 619.º, n.º1 CC) ou de bens
transmitidos pelo devedor a um terceiro (392.º, n.º2; artigo 619.º, n.º2 CC).
Assim, por exemplo, existe um fundamento para decretar o aresto se o devedor
se furta ao contacto com o credor e diligência a venda de uma farmácia, que
constitui o único património que lhe é conhecido. Após a revogação (tácita) do
artigo 403.º, n.º3 do CPC/81, pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12
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dezembro, tornou-se admissível o arresto contra comerciantes. O arresto
justifica-se se o crédito estiver assegurado por uma garantia real e, em regra, se
o credor beneficiar de uma garantia pessoal ou o credor estiver protegido por
outra forma (como, por exemplo, a reserva de propriedade: artigo 409.º CC). Oarresto também não pode ser decretado se o credor estiver em condições de
nomear bens à penhora, porque esta determina a inoponibilidade à execução
de qualquer ato de disposição de bens (artigo 819.º CC) e atribui ao credor o
direito a ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha
garantia real anterior (artigo 822.º, nº.1 CC) e, portanto, constitui, nesta
hipótese, o meio idóneo de garantia do crédito. Em qualquer destes caso, falta
o interesse processual do requerente. O arresto é inviável quando o requerido
for apenas titular do direito e ação sobre uma parte indivisa de um conjunto de
lotes de terreno. Ao arresto são aplicáveis as disposições relativas à penhora
(Artigo 391.º, n.º2 CPC). Assim, só são suscetíveis de arresto os benspenhoráveis, o que exclui os bens que não podem ser penhorados tanto
absolutamente (artigo 736.º CPC), como relativamente (artigo 737.º CPC), bem
como queles que só o podem ser parcialmente (artigos 738.º e 739.º CPC).
Igualmente aplicável ao arresto é o regime relativo à efetivação da penhora
(artigo 755.º a 772.º CPC) e aos seus efeitos, nomeadamente o direito que o
arrestante adquire de ser pago com preferência a qualquer outro credor que
não tenha garantia real anterior (artigo 822.º CC; sobre a conversão do arresto
em penhora, artigo 762.º CPC) e a ineficácia em relação ao arrestante dos atos
de disposição ou oneração dos bens arrestados (artigos 501.º, n.º1 CPC e 819.º
CC). Nas disposições relativas à penhora não integram o acervo das que são
aplicáveis ao arresto aquelas que se referem à venda de bens, pelo que não é
possível, enquanto o arresto não se converter em penhora, proceder à venda
dos bens arrestados; tal como sucede quanto à penhora, também sobre um
bem arrestado pode recair um novo arresto. O arresto de navios (artigo 394.º
CPC) possui um regime específico, definido pela Convenção Internacional para
unificação de certas regras sobre o arresto de navios de mar, concluída em
Bruxelas em 10/5/1952 e aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 40.784,
de 24/9/1956.
b.
Arrolamento: enquanto o arresto visa assegurar a garantia patrimonial do
credor, o arrolamento destina-se a evitar o extravio ou a dissipação de bens,móveis ou imóveis, ou de documentos (artigo 403.º, n.º1 ), que, para esse efeito,
são descritos, avaliados e depositados (artigo 406.º, n.º2 CPC). Essa providência
visa a conservação de bens ou documentos determinados (artigo 404.º, n.º2
CPC), sendo por isso que os credores só a podem requerer quando haja
necessidade de proceder à arrecadação de herança ou dos próprios bens (artigo
404.º, n.º2 e 409.º, n.º2 CPC, e 90.º e 2048.º, n.º2 CPC). Assim, por exemplo,
justifica-se o arrolamento de uma fração de um prédio que é objeto de um
contrato-promessa se existir risco de o promitente vendedor a alienar a um
terceiro. O arrolamento também pode recair sobre contas bancárias. Como
preliminar ou incidente da ação de separação judicial de pessoas e bens,
divórcio, declaração de nulidade ou anulação do casamento, qualquer dos
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cônjuges poe requerer o arrolamento de bens comuns ou dos seus bens
próprios que sejam administrados pelo outro cônjuge (artigo 409.º, n.º1 CPC).
Por exemplo: a mulher pode solicitar, através desta providência, que se intime
o marido a entregar-lhe logo que seja apresentado a pagamento, metade daimportância da venda de um prédio do casal. Ao contrário do que sucede
quanto ao arrolamento comum, este arrolamento não depende da prova do
justo receio do extravio ou dissipação dos bens (artigo 409.º, n.º4 CPC).
3. Providências de regulação:
a. Restituição provisória da posse: o possuidor que for esbulhado com violência,
isto é, que for violentamente privado do exercício, da retenção ou da fruição do
objeto possuído, tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse,
desde que alegue e prove os factos que constituem a posse, o esbulho e a
violência (artigo 377.º CPC e 1279.º CC). A restituição provisória da posse é justificada não só pela violência ou ameaças contra as pessoas, mas também
por aquela que é dirigida contra coisas, como muros e vedações. Assim, por
exemplo, essa restituição pode ser requerida quando o ocupante mudou a
fechadura da porta e recusa a entrega das novas chaves ou quando o
requerente pretende reaver, com base no seu direito de habitação, a posse do
quarto de hotel que tem o direito de ocupar enquanto for vivo. A providência
de restituição provisória da posse é normalmente dependente de uma ação
possessória. Mas também pode ser de uma ação de reivindicação, porque
também esta visa obter a restituição da coisa.
b.
Embargo de obra nova: o embargo de obra nova pode ser judicial ouextrajudicial. O embargo judicial pode ser requerido por quem se sentir
ofendido no seu direito de propriedade (ou de compropriedade), num outro
direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra,
trabalho ou serviço, que lhe cause ou ameace causar prejuízo (artigo 397.º, n.º1
CPC). Esse interessado também pode realizar diretamente o embargo por via
extrajudicial, notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono ou o
encarregado da obra ou quem o substituir e requerendo posteriormente, em 5
dias, a sua ratificação judicial (artigo 397.º, n.º2 e 3 CPC). Este embargo pode
ser realizado por um núncio, gestor de negócios ou representante voluntário do
embargante. Em qualquer dos casos, trata-se de evitar a continuação de umaobra, trabalho ou serviço. Assim, por exemplo, o embargo de obra nova pode
ser utilizado para obstar à extração de areia e outros inertes do leito de um rio
ou das decorrentes do contrato de arrendamento, pode deduzir embargos de
obra nova contra uma construção que ofende essa posse; o titular de alvará de
loteamento pode embargar a realização de uma obra nova pelo comprador de
um outro lote, se não forem observadas as regras da respetiva urbanização; o
locatário, que tem no local arrendado um laboratório de análises clínicas, pode
embargar as obras efetuadas pelo senhorio no rés-do-chão do prédio, se estas,
além de provocarem fissuras no teto e paredes, perturbaram o requerente, o
pessoal que trabalha no laboratório e os utentes do mesmo por causa dalibertação de fases tóxicos, das vibrações e trepidações do compressor e das
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explosões para o desmonte de pedra. Para obviar aos prejuízos decorrentes,
não da obra em si, mas da forma como esta é executada e à ofensa do direito
ao repouso, não pode ser utilizada a providência cautelar de embargo de obra
nova; o embargo de obra nova também não pode ser utilizado se a obra já seencontra concluída ou como procedimento cautelar dependente de uma ação
de resolução de um contrato-promessa de compra e venda. A circunstância de
existir licenciamento e aprovação do projeto de construção, por parte das
competentes entidades administrativas, não impede que um terceiro recorra ao
tribunal comum para defesa dos seus direitos alegadamente violados com a
construção, sem necessidade de prévia impugnação ou anulação da deliberação
do ato do organismo que concedeu a licença e aprovou o projeto. Isto é, o
embargo de obra nova, requerido nos tribunais comuns, pode ser dependente
do recurso de anulação interposto ou a interpor no competente tribunal
administrativo. Quando careçam de competência para decretar um embargoadministrativo, podem o Estado e as demais pessoas coletivas públicas
embargar, nos termos da providência cautelar de embargo de obra nova, as
obras, construções ou edificações iniciadas em contravenção da lei ou dos
regulamentos (artigo 398.º, n.º1 CPC). Este embargo não está sujeito a qualquer
prazo (artigo 398.º,n.º2 CPC). Em regra, a providência de embargo de obra nova
não pode ser utilizada para embargar obras do Estado, das demais pessoas
coletivas públicas e das entidades concessionárias de obras ou serviços públicos
(artigo 399.º CPC).
c. Suspensão de deliberações sociais: se alguma associação ou sociedade tomar,
em assembleia geral, deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato,qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas
deliberações seja suspensa, desde que, além de provar a sua qualidade de sócio,
mostre que essa execução pode causar dano apreciável (artigo 380.º, n.º1 CPC).
Esse prazo conta-se da data da assembleia em que as deliberações foram
tomadas ou, se o requerente não tiver sido regularmente convocado para ela,
da data em que ele teve conhecimento delas (artigo 380.º, n.º3 CPC). O mesmo
regime vale para a suspensão de deliberações anuláveis da assembleia de
condóminos da propriedade horizontal (artigo 383.º, n.º1 CPC e 1430.º a 1422.º
CC). O dano causado deve ser apreciável, mas não tem de ser irreparável ou de
difícil reparação. Assim, por não poder causar qualquer dano considerável, nãopode ser requerida a suspensão da deliberação respeitante ao recebimento de
dividendos. Mas a providência pode não ser decretada, se o prejuízo resultante
da suspensão for superior ao que puder derivar da execução da deliberação
(artigo 381.º, n.º2 CPC). Além disso, a providência não pode ser concedida se a
deliberação já se encontrar executada, isto é, já tiver produzido os seus efeitos,
ou se, por possuir um conteúdo omissivo, não for suscetível de ser executada.
Alguma jurisprudência tem adotado uma orientação demasiado restrita quanto
à admissibilidade da providência cautelar de suspensão de deliberações sociais,
entendendo, por exemplo, que não pode ser suspensa, por já se encontrar
executada, a deliberação que destitui os membros do conselho de
administração ou um gerente ou que elege os novos corpos sociais; contra esta
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orientação temos Lobo Xavier e Carlos Olavo; corretamente, STJ, 12/11/1987:
podem ser suspensas as deliberações sociais já executadas, desde que sejam de
execução contínua ou permanente, ou, quando devam ser executadas através
de um único ato, produzam efeitos duradouros.
4. Providências de antecipação:
a. Alimentos provisórios: a providência de alimentos provisórios pode ser
requerida como dependência da ação em que, principal ou acessoriamente, seja
pedida uma prestação de alimentos (artigo 384.º, n.º1 CPC e 2007.º, n.º1 CC).
Essa causa pode ser, por exemplo, uma ação de reconhecimento da
maternidade ou paternidade (artigos 1821.º, 1873.º e 1884.º, n.º1 CC). Os
alimentos provisórios são fixados numa quantia mensal (artigo 384.º, n.º1 CPC),
tomando em consideração o que for estritamente necessário para o sustento, a
habitação e o vestuário do requerente e ainda par as despesas da ação, se oautor não puder beneficiar de apoio judiciário (artigo 384.º, n.º2 CPC). O autor
de uma ação de divórcio ou de separação de pessoas e bens, que pretende obter
alimentos provisórios, pode pedi-los através quer do procedimento cautelar
previsto no artigo 384.º, n.º1 CPC, quer do processo especialíssimo regulado no
artigo 1407.º, n.º7 CPC.
b. Arbitramento de reparação: como dependência da ação de indemnização
fundada em morte ou lesão corporal, pode o lesado, bem como aqueles que lhe
podiam exigir alimentos ou aqueles a quem o lesado os prestava no
cumprimento de uma obrigação natural, requerer o arbitramento de uma
quantia certa, sob a forma de renda mensal, como reparação provisória do dano(Artigo 388.º, n.º1 CPC). O mesmo pode ser requerido nos casos em que a
pretensão indemnizatória se funda em dano suscetível de pôr seriamente em
causa o sustento ou habitação do lesado (artigo 388.º, n.º4 CPC). A providência
requerida é decretada se se verificar uma situação de necessidade em
consequência das lesões sofridas e se estiver indiciada a existência da obrigação
de indemnizar a cargo do requerido (artigo 388.º, n.º2 CPC). O montante da
reparação provisória é fixado equitativamente e é subtraído ao quantitativo
indemnizatório que vier a ser apurado na ação principal (artigo 388.º, n.º3 CPC).
Providências comuns:1. Subsidiariedade: não cabendo nenhuma das providências nominadas, a garantia da
execução da decisão final, a regulação provisória e a antecipação da tutela podem ser
obtidas através de um providência cautelar não especificada (artigo 362.º, n.º3 CPC). As
providências não especificadas só podem ser requeridas quando nenhuma providência
nominada possa ser utilizada no caso concreto: nisto consiste a subsidiariedade dessas
providências. Esta subsidiariedade pressupõe que nenhuma providência nominada seja
abstratamente aplicável e não que a providência aplicável em abstrato deixe de o ser
por motivos respeitantes ao caso concreto. Isto é, se, por exemplo, o credor pretende
acautelar a sua garantia patrimonial, a única providência adequada é o arresto (artigo
391.º, nº1º CPC), pelo que, se, no caso concreto, não se encontram preenchidos todos
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os requisitos dessa providência, o credor não pode utilizar, para essa mesma finalidade,
nenhuma outra providência cautelar, nem mesmo uma providência não especificada.
2.
Requisitos: para que uma providência cautelar não especificada possa ser decretada sãonecessários, além do preenchimento das condições relativas à referida subsidiariedade
(artigo 362.º, n.º3 CPC), vários pressupostos específicos:
a. O fundado receio de que outrem, antes de a ação ser proposta ou na
pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito do
requerente (artigo 362.º, n.º2 e 368.º,n.º1 CPC);
b. A adequação da providência concretamente requerida à efetividade do direito
ameaçado (artigo 368.º, n.º1 CPC);
c. O excesso considerável do dano que se pretende evitar com a providência
sobre o prejuízo resultante do seu decretamento (artigo 368.º, n.º2 CPC).
3. Finalidades: dado o largo âmbito de aplicação do arresto (artigo 391.º, n.º1 CPC) e do
arrolamento (artigo 421.º, n.º1 CPC), as providências cautelares comuns destinar-se-ão
primordialmente a regular provisoriamente uma situação e a antecipar a tutela
definitiva. O artigo 362.º, n.º1 CPC, refere explicitamente providências com eficácia
conservatória e antecipatória do efeito da decisão principal, mas isso não parece
revestir-se de qualquer significado limitativo. Como exemplos de providências comuns
cuja finalidade é a regulação provisória de uma situação podem referir-se as seguintes
situações:
a.
O empreiteiro, que deseja evitar o risco de confissão entre a parte por eleexecutada e a acrescentada por outrem, pode pedir que o dono da obra se
abstenha de a continuar;
b.
O vendedor, que pretende anular o contrato de compra e venda, pode requerer
que o comprador se abstenha de realizar o registo da sua aquisição;
c.
O promitente-comprador pode requerer que o promitente-vendedor se
abstenha de alienar e onerar a outrem o prédio que foi objeto de promessa com
eficácia real;
d.
Se o proprietário se opuser à passagem pelo seu prédio do proprietário de um
prédio confinante, que está a realizar obras de reconstrução e que necessita
daquela passagem para as ultimar, pode o dono da obra socorrer-se para
ultrapassar esse impasse, de uma providência cautelar não especificada;
e. O inquilino, que, por acordo com o senhorio, desocupou para obras de
demolição e ampliação a fração de um imóvel, pode requerer a intimação do
locador parasse abster de vendê-la ou arrendá-la a outrem;
f. Um cônjuge casado no regime de comunhão de adquiridos, pode requerer que
o outro se abstenha de alienar, onerar ou arrendar uma quinta ou de sobre ela
constituir quaisquer outros direitos de gozo a favor de terceiros;
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g.
O depósito judicial é a providência comum adequada para evitar o perigo de
deterioração de uma coisa;
h.
A providência cautelar inominada pode ser utilizada para obter a suspensão doexercício da gerência de um sócio de uma sociedade comercial.
As providências cautelares não especificadas também podem ser utilizadas para obter
a antecipação da tutela de uma situação jurídica. Podem referir-se os seguintes
exemplos:
a.
Se a falta de reboco de uma parede provocar a infiltração de águas num prédio
vizinho, pode utilizar-se a providência cautelar não especificada para mandar
tomar as medidas que obstem a essa infiltração;
b. Tendo sido celebrado um contrato-promessa de cessão da totalidade das
quotas de uma sociedade e tendo os cessionários assumido a gerência eexploração de um hotel pertencente à sociedade, é adequado o uso da
providência cautelar não especificada se, resolvido o contrato por
incumprimento dos cessionários, estes não abandonarem aquela administração;
c. O inquilino de um prédio urbano, que reside num dos últimos andares e que
diariamente tem de subir as escadas com uma criança ao colo, pode requerer
que a dona do prédio repare e ponha em funcionamento elevadores;
d. Os moradores de um prédio, que instauraram uma ação em que pedem que a
ré finde, de forma total e duradoura, o uso de uma fração como laboratório
industrial de betão, podem requerer a imediata cessação dessa atividade;
e. A providência comum pode ser utilizada para prevenir as ameaças ao direito À
saúde e a um ambiente sadio e equilibrado das crianças de uma escola, quando
elas resultam da instalação de um posto de combustível num terreno contíguo;
f. O utente do serviço telefónico pode requerer, através de uma providência
inominada, a imediata ligação de um telefone que fora desliado pela respetiva
empresa.
Características:
1.
Dependência: as providências cautelares têm por função obter uma composiçãoprovisória. Essas providências são decretadas em processos especiais próprios (os
procedimento cautelares,, artigos 362.º a 409.º CPC) e, porque visam compor
provisoriamente a situação das partes, são dependência de uma ação cujo objeto é a
própria situação acautelada ou tutelada (artigo 364.º, n.º1 CPC; também artigos 388.º,
n.º1 e 403.º, n.º2 CPC). Essa ação pode ser declarativa ou executiva (artigo 364.º, n.º1,
in fine CPC), embora, nesta última, não sejam frequentes as hipóteses em que está
assegurado o interesse processual no decretamento da providência. A ação principal
pode decorrer perante um tribunal estadual ou arbitral. Dada essa dependência, as
providências caducam se a ação principal vier a ser julgada improcedente (artigo 373.º,
n.º1, alínea c) CPC) ou se o réu for nela absolvido da instância e o autor não propuser,dentro do prazo legal, uma nova ação (artigo 373.º, n.º1, alínea d) CPC; sobre esse prazo,
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artigo 279.º, n.º2 CPC). Se a ação principal for julgada procedente, verifica-se, em regra,
a substituição da composição provisoria pela definitiva resultante dessa decisão. A ação
da qual a providência cautelar é dependência não tem de ser uma ação judicial, podendo
ser uma providência administrativa. As providências cautelares podem ser requeridasantes da propositura da ação principal ou durante a pendência desta última (artigo 364.º,
n.º1, 2.ª parte CPC), mas nunca após o transito em julgado da decisão dessa ação. Como
dependência da mesma causa não pode ser requerida mais do que uma providência
relativa ao mesmo objeto, ainda que uma delas seja julgada injustificada ou tenha
caducado (artigo 362.º, n.º4 CPC). Este preceito deve ser entendido com algum cuidado:
é possível voltar a requerer uma nova providência que anteriormente foi rejeitada
sempre que surjam factos supervenientes que a possam justificar. Desta dependência
da providência cautelar perante a ação principal decorre uma relação necessária entre
aquela providência e o objeto desta ação. Essa relação determina que a providência
requerida condiciona e é condicionada pelo objeto da ação principal: assim, porexemplo, a restituição provisória da posse (artigo 377.º CPC) só pode ser requerida em
conjugação com uma ação na qual se discuta a titularidade do correspondente direito
(artigo 1278.º CC) e se exija a restituição da coisa, não bastando, por isso, uma ação de
mera apreciação desse direito. O artigo 362.º, n.º2 CPC, esclarece que o direito que se
pretende acautelar ou tutelar com a providência pode ser um direito já existente ou um
direito ainda a constituir. Mas, mesmo neste último caso, mantém-se aquela
dependência: a providência tem de ser adequada ao direito que se pretende constituir.
Se, por exemplo, estiver pendente uma ação de anulação de um negócio, o autor pode
requerer o arrolamento dos bens que, como consequência dessa anulação, lhe deverão
ser restituídos (artigo 289.º, n.º1 CC). As providências cautelares podem ser solicitadas
mesmo quando não esteja pendente nenhuma ação (artigo 364.º, n.º1, 2.ª parte CPC).
Isso possibilita a situação em que a providência é requerida, mas a ação principal nunca
chega a ser proposta pelo requerente. É certo que o artigo 373.º, n.º1, alínea a) CPC,
estabelece, para essa hipótese, a caducidade da providência, mas há que reconhecer
que essa caducidade nem sempre produz efeitos práticos. Suponha-se, por exemplo,
que o requerente obtém, num procedimento cautelar, a condenação de um
comerciante na abstenção da venda de um certo produto; apesar da caducidade desta
providência se a ação principal não vier a ser instaurada, o requerente pode ter atingido
completamente os seus objetivos. A omissão da propositura da ação principal pelo
requerente da providência fá-lo incorrer em responsabilidade perante o requerido
(artigo 374.º, n.º1 CPC). Isso acentua aquela possibilidade, mas nem sequer cobre todasas situações de caducidade das providências cautelares. Admita-se que os proprietários
obtêm a restituição provisória de um navio que os trabalhadores de um estaleiro
retinham durante uma greve; é muito improvável a propositura de qualquer ação
principal, bem como a fundamentação de qualquer indemnização contra os requerentes.
Isto mostra que a dependência da providência cautelar perante a ação principal não
impede que, em certas hipóteses, aquela providência possa substituir totalmente os
efeitos da respetiva ação principal. A providência cautelar também se pode tornar
definitiva através de um negócio celebrado pelas partes. Admita-se, por exemplo, que
o requerente solicita o arbitramento de uma reparação provisória (artigo 388.º, n.º1
CPC) e que os interessados acordam numa indemnização adequada do requerente;nesta situação, a providência cautelar tornou-se definitiva sem qualquer ação principal
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e a não propositura desta ação não envolve qualquer dever de restituição da quantia
recebida (artigo 390.º, n.º1 CPC). Generalizando, pode dizer-se que, sempre que a
providência seja acompanhada do reconhecimento do direito acautelado ou tutelado
ou de uma transação sobre esse direito, a definitividade da providência não ficadependente da instauração de qualquer ação principal. Segundo o disposto no artigo
35.º Regulamento n.º 1215/2012 (R), as medidas provisórias ou cautelares previstas na
lei de cada Estado-Membro podem ser requeridas nos tribunais desse mesmo Estado,
ainda que, por força das regras desses mesmos instrumentos convencionais, seja
competente para a ação principal um tribunal de outro Estado-Membro. Na sequência
desta possibilidade, o artigo 366.º, n.º5 CPC, estabelece que, nessa eventualidade, o
requerente deverá fazer prova nos autos do procedimento cautelar da pendência da
ação principal no tribunal estrangeiro.
2. Celeridade: as providências cautelares são apreciadas e decretadas nos procedimentos
cautelares. Dada a celeridade indispensável a essas providências, estes procedimentos
revestem sempre caráter urgente e os respetivos atos precedem qualquer outro serviço
judicial não urgente (artigo 363.º, n.º1 CPC); como consequência desta urgência, os
prazos processuais neles previstos não se suspendem sequer durante as férias judiciais
(artigo 138.º, n.º1 CPC). Segundo o disposto no artigo 363.º, n.º2 CPC, os procedimentos
cautelares instaurados perante o tribunal competente (artigos 78.º, n.º1, alíneas a) a c)
e 364.º, n.º3 CPC) devem ser decididos, em 1.ª instância, no prazo máximo de 2 meses
ou de 15 dias, se o requerido não tiver sido citado (artigos 366.º, n.º1, 378.º 1 393.º,
n.º1 CPC). A mesma celeridade justifica que, nos procedimentos cautelares, nunca se
proceda à citação edital do requerido (artigo 366.º, n.º3 CPC).
3. Modificação: o tribunal não está adstrito à providência requerida (artigo 376.º, n.º3, 1.ª
parte CPC), isto é, pode decretar uma providência distinta daquela que foi solicitada
(também artigo 609.º, n.º3 CPC). Esta faculdade concedida ao tribunal decorre da não
vinculação deste órgão à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito
(artigo 5.º, n.º1 CPC 15 ) e pressupõe, naturalmente, que os factos alegados pelo
requerente possibilitem essa conversão. Desse regime também decorre que uma
idêntica modificação da providência pelo próprio requerente não é condicionada pelo
disposto no artigo 265.º, n.º1 e 2 CPC.
4. Cumulação: o requerente pode solicitar o decretamento de várias providências
cautelares num mesmo procedimento cautelar, desde que a tramitação para cada umadelas não seja absolutamente incompatível e essa cumulação corresponda a um
interesse relevante ou seja indispensável para a justa composição do litígio (artigo 376.º,
n.º3, 2.ª parte CPC). Isso significa que se podem cumular tanto diferentes providências
especificadas, como providências nominadas e providências comuns. Podem cumular-
se duas ou mais providências cautelares se, na ação de que são dependentes (artigo
364.º, n.º1 CPC), for admissível a cumulação dos respetivos pedidos. Mais discutíveis
são as hipóteses em que se pretende o decretamento de várias providências
respeitantes a uma única situação jurídica. A admissibilidade de tal cumulação depende
15 No original aparece-nos o artigo 664.º, 1,ª parte CPC, o que interpretamos ser o atual artigo 5.º, n.ºCPC: atentei a este reparo de atualização em especial!
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necessariamente da compatibilidade prática entre os efeitos dessas providências.
Suponha-se, por exemplo, que o requerente pretende garantir o seu direito à
indemnização de um dano corporal e obter desde já o pagamento de parte dessa
indemnização: neste caso, o requerente pode solicitar o arresto de bens do devedorpara garantir aquele direito (artigo 391.º, n.º1 CPC) e o arbitramento de uma reparação
provisória (artigo 388.º, n.º1 CPC). Admita-se agora que o requerente alega um direito
à entrega de uma coisa: parece que, nesta situação, ele terá de optar entre o
arrolamento da coisa (artigo 403.º, n.º1 CPC) e o arresto dos bens suficientes para pagar,
pelo produto da sua venda, o valor dessa coisa (artigo 391.º, n.º1 CPC), pelo que não
poderá cumular essas providências.
5. Proporcionalidade: a provisoriedade das providências cautelares e a sua finalidade de
garantia, de regulação ou de antecipação justificam que as medidas tomadas ou
impostas devam ser as adequadas às situações que se pretende acautelar ou tutelar. As
relações entre aquelas medidas e estas situações devem orientar-se por uma regra de
proporcionalidade: as medidas provisórias não podem impor ao requerido um sacrifício
desproporcionado relativamente aos interesses que o requerente deseja acautelar ou
tutelar provisoriamente (artigo 362.º, n.º2 CPC; também os artigos 381.º, n.º2, 393.º,
n.º2 e 3, e 401.º CPC). Esta desproporção entre a medida requerida e a situação a
proteger conduz ao indeferimento parcial da providência. Se o requerido não for ouvido
antes do decretamento da providência (artigos 366.º, n.º1, 378.º e 393.º, n.º1 CPC) e a
medida se vier a mostrar injustificada em parte, o requerente é responsável pelos danos
que culposamente causar ao requerido (artigo 374.º, n.º2 CPC). Sempre que o julgue
conveniente em face das circunstâncias, o tribunal pode, mesmo sem a solicitação do
requerido, tornar a concessão da providência dependente da prestação de cauçãoadequada pelo requerente (artigo 374.º, n.º2 CPC). Cm a imposição desta caução
procura-se assegurar que os danos provocados pela eventual falta de justificação da
providência não deixam de ser indemnizados pelo requerente.
6. Eficácia relativa: uma das consequências da summaria cognitio e da suficiência da mera
justificação no julgamento da providência é a insusceptibilidade de a decisão proferida
no procedimento cautelar produzir qualquer efeito de caso julgado na respetiva ação
principal: o julgamento da matéria de facto e a decisão final proferida no procedimento
cautelar não têm qualquer influência no julgamento da ação principal (artigo 364.º, n.º4
CPC). Como a providência decretada caduca se a ação vier a ser julgada improcedente
por sentença transitada em julgado (artigo 373.º, n.º1, alínea c) CPC), também isso
demonstra que o seu decretamento não é vinculativo na ação principal (que, apesar
desse decretamento, vem a ser julgada improcedente). Pela mesma razão, a desistência
da providência e a confissão do pedido (artigo 283.º, n.º1 CPC) realizadas no
procedimento cautelar não podem condicionar a apreciação da ação principal. O objeto
da providência não pode ser qualificado como prejudicial relativamente ao objeto da
ação principal, pelo que aqueles atos não podem influenciar o julgamento realizado
nesta ação. Quanto à transação (artigos 283.º, n.º2 CPC; 1248.º CC), importa verificar
se, no caso concreto, ela vale apenas para a composição provisória ou se ela também
comporta um acordo sobre a própria situação acautelada ou tutelada, hipótese em que
a sua eficácia se estende à situação que seria objeto da ação principal.
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7. Substituição por caução: as providências cautelares destinam-se a obter uma
composição provisória que tutela ou acautela o interesse na efetividade da tutela
jurisdicional. Isso não impede, contudo, que esse interesse possa ser cautelado de outra
forma. Uma delas consiste na prestação de uma caução pelo requerido em substituiçãodo decretamento da providência: é o que é admissível nas providências cautelares não
especificadas (artigo 368.º, n.º3 CPC) e no embargo de obra nova (artigo 401.º, n.º1 CPC).
À prestação da caução pelo requerido é aplicável o disposto, entre outros, nos artigos
906.º a 915.º CPC e nos artigos 623.º e 626.º CC. A substituição da providência cautelar
pela prestação de caução pelo requerido pressupõe, no entanto, que através desta se
pode obter o mesmo efeito a que se destina aquela providência. Normalmente, a
providência cautelar pode ser substituída por caução, sempre que ela vise evitar um
prejuízo patrimonial. Mas, se, por exemplo, a providência decretada visa a abstenção de
uma atividade da qual resulta a produção de cheiros, detritos e grandes quantidades de
moscas e mosquitos, tornando o ar irrespirável e perturbando a saúde da requerente, aacuação não pode garantir a mesma proteção assegurada por aquela providência e, por
isso, não a pode substituir.
8. Garantia e execução: de molde a assegurar a efetividade da providência cautelar
decretada, é admissível a fixação de uma sanção pecuniária compulsória, se a
providência impuser uma prestação de facto infungível e esta não exigir especiais
qualidades científicas ou artísticas do requerido (artigos 365.º, n.º2 CPC e 829.º-A, n.º1
CC). Uma vez proferida, a providência cautelar merece tutela penal, dado que incorre
na pena de crime de desobediência qualificada quele que a infrinja, sem prejuízo das
medidas adequadas à sua execução coerciva (artigo 375.º CPC; sobre as consequências
daquele crime; artigo 348.º, n.º2 CP). As providências cautelares que se traduzem naimposição de uma obrigação são suscetíveis de ser executadas, valendo como título
executivo a decisão que as decreta (artigo 703.º, alínea a) CPC). Atendendo à finalidade
da prestação, essa execução seguirá, na falta de processo especial adequado, os
trâmites da execução para pagamento de quantia certa, para entrega de coisa certa ou
para prestação de facto (artigos 725.º a 877.º CPC).
Caducidade:
1. Casuísmo: as providências cautelares fornecem uma composição provisória, pelo que
elas caducam se a decisão que vier a ser proferida na ação principal não for compatível
com a medida provisória decretada. É o que acontece quando essa ação for julgadaimprocedente por uma sentença transitada em julgado (artigo 373º, n.º1, alínea c) CPC).
Se essa sentença for estrangeira, o que releva é o momento em que ela se tornar
exequível em Portugal, o que pode suceder automaticamente (artigos 36.º e seguintes
R) ou através do processo de revisão e confirmação (artigos 978.º a 985.º CPC).
Igualmente incompatível com a subsistência da providência decretada é a extinção da
própria situação subjetiva que se acautelou ou tutelou provisoriamente: também essa
extinção provoca a caducidade da providência cautelar (artigo 373.º, n.º1, alínea e) CPC).
Como apenas o trânsito em julgado da decisão de improcedência implica a caducidade
da providência (artigo 373.º, n.º1, alínea c) CPC), é irrelevante o efeito do recurso dela
interposto. Assim, mesmo que a Relação confirme a improcedência da causa e apesarde a revista interposta em ações patrimoniais ter efeito devolutivo (artigo 676.º CPC), a
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providência mantém-se até ao trânsito em julgado da decisão do Supremo. A
caducidade da providência cautelar decorrente da extinção do direito acautelado (artigo
373.º, n.º1, alínea e) CPC) é apenas uma das situações possíveis de inutilidade
superveniente dessa providência (artigo 277.º, alínea e) CPC), pelo que essa inutilidadepode decorrer de outros fundamentos. Assim, se, por exemplo, o arrestado enriqueceu
depois do decretamento da providência, desaparece o fundamento para a sua
subsistência e a providência deve ser levantada. Dado que as providências cautelares
concedem uma composição provisória, elas possuem uma vigência temporária. Além
disso, essas providências não se destinam a substituir a composição definitiva, isto é, as
medidas provisórias não podem eternizar-se e, por essa via, fornecer ao requerente
uma tutela tão eficaz e duradoura como a que resultaria de uma composição definitiva,
pois que o requerido não pode permanecer indefinidamente na incerteza quanto à sua
verdadeira situação perante o requerente. É isso que justifica que, se a providência
cautelar não for requerida durante a pendência da ação principal, ela caduque se orequerente não propuser a ação da qual é dependente (artigo 364.º, nº1 CPC) no prazo
de 30 dias, contados da data da notificação da decisão que a ordenou (artigo 373.º, n.º1,
alínea a) CPC). Mas se o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da
providência (artigos 366.º, n.º1, 379.º e 393.º, n.º1 CPC), esse prazo é mais curto: ação
principal deve ser instaurada no prazo de 10 dias a contar da notificação ao requerente
da realização da notificação ao requerido do decretamento da providência (artigo 373.º,
n.º2 CPC). É ainda o caráter provisório – e, por isso, necessariamente temporário – da
providência cautelar que justifica a sua caducidade se, por negligência do requerente,
se retardar a pronúncia da decisão sobre o mérito na ação principal. Assim, a
providência caduca se a ação principal tiver sido instaurada, mas esta estiver parada
mais de 30 dias por negligência do requerente (artigo 373.º, n.º1, alínea b) CPC), bem
como se o réu for absolvido da instância nessa ação e o autor não propuser nova ação
dentro dos 30 dias seguintes ao trânsito em julgado dessa decisão (artigo 373.º, n.º1,
alínea d) CPC) e 279.º, n,º2 CPC). Quanto ao arresto, há uma regulamentação especial.
Essa providência também cauda no caso de, obtida na ação de cumprimento sentença
com trânsito em julgado, o credor insatisfeito não promover a execução dentro dos dois
meses subsequentes ou se, promovida a execução, o processo ficar sem andamento
durante mais de 30 dias por negligência do exequente (artigo 395.º CPC).
2. Âmbito: normalmente, a caducidade da providência abrange-a na totalidade, mas
também são pensáveis situações de caducidade parcial da providência. Se, por exemplo,a ação for julgada parcialmente improcedente no despacho saneador (artigo 595.º, n.º1,
alínea b) CPC), a providência decretada só caduca na parte respetiva (Artigo 373.º, n.º1,
alínea c) CPC); o mesmo sucede se o direito acautelado se extinguir apenas em parte
(artigo 373.º, n.º1, alínea e) CPC).
3. Efeitos: a caducidade da providência não opera automaticamente e nem sequer é de
conhecimento oficioso. O levantamento da providência com fundamento na sua
caducidade depende de solicitação do requerido, que é apreciada após a audição do
requerente (artigo 373.º, n.º4 CPC). Conjuntamente com esse levantamento, o tribunal
pode ordenar as medidas necessárias a repor a situação anterior ao decretamento da
providência.
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Responsabilidade do requerente:
1. Pressupostos: pode suceder que a providência requerida venha a mostrar-se
injustificada pela falta quer do próprio direito acautelado ou tutelado, quer dofundamento para o seu decretamento (apesar da existência daquele direito); também
pode acontecer que a providência decretada, inicialmente justificada, venha a caducar
por facto imputável ao requerente (artigo 373.º, n.º1 CPC). Em todos estes casos, o
requerente, se não tiver agido com a prudência normal, é responsável pelos danos
causados ao requerido (artigo 374.º, n.º1 CPC; quanto ao arresto artigo 621.º CC). Essa
responsabilidade está instituída na lei como uma contrapartida da provisoriedade das
providências cautelares e é garantida pela caução que o tribunal, mesmo sem solicitação
do requerido, pode exigir ao requerente (artigo 374.º, n.º2 CPC). A responsabilidade
pelo decretamento injustificado da providência ou pelo seu levantamento com
fundamento em caducidade pressupõe a culpa do requerente, que, aliás, pode consistir
na falta da prudência normal que é exigida a quem solicita tal providência (artigo 374.º,
n.º1 CPC). Trata-se, por isso, de uma responsabilidade subjetiva, para a qual é suficiente
a negligência do requerente. Excetua-se a providência de alimentos provisórios, na qual
o requerente só responde pelos danos causados por má fé, isto é, por dolo ou
negligência grave (artigo 542.º, n.º2, proémio CPC), e na sequência da qual nunca é
exigível a restituição dos alimentos recebidos (artigo 387.º CPC; 2007.º, n.º2 CC). Se a
providência for considerada injustificada, o requerente não está impedido de provar, na
posterior ação de indemnização que contra ele for proposta, que o direito que se
pretendia acautelar ou tutelar realmente existe, o que, se tivesse sido devidamente
apreciado no procedimento cautelar, teria justificado o decretamento da providência.
Coo fundamento desta solução vale o princípio da independência da ação definitiva (nocaso, a ação de indemnização) perante o procedimento cautelar (artigo 364.º, n.º4 CPC).
A responsabilidade do requerente pressupõe que a providência é injustificada no
momento em que é requerida ou não vem a ser confirmada pela decisão proferida na
ação principal. Não afasta essa responsabilidade, por exemplo, a circunstância de o
direito acautelado não existir naquele momento, mas se constituir posteriormente.
Também a desistência da providência pelo requerente (artigo 283.º, n.º1 CPC) é
irrelevante para o isentar dessa responsabilidade. Em contrapartida, o requerente não
é responsável se a providência de tornar supervenientemente inútil por um ato do
requerido. Assim, se a providência caduca pela extinção do direito acautelado (artigo
373.º, n.º1, alínea e) CPC), o referido direito à indemnização não se constitui se foi orequerido que provocou aquela extinção. Se, por exemplo, o arrestado pagou a sua
dívida, a providência caduca por inutilidade superveniente, mas esse devedor não tem
direito a qualquer reparação. Pela mesma razão, essa responsabilidade também não
existe se o requerido tiver omitido, no procedimento cautelar em que a providência foi
decretada, a alegação de uma exceção oponível ao direito acautelado e apenas invocada
na ação principal.
2. Medida: o requerido tem direito a ser colocado na situação em que se encontraria se a
providência cautelar não tivesse sido decretada (artigo 562.º CC). O dano indemnizável
comporta, por isso, todos os prejuízos que o requerido sofreu não só com o
decretamento da providência, mas também com a sua execução, nomeadamente com
a realização ou omissão dos atos a que ficou vinculado. Por exemplo: o arrestado, que
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foi absolvido da ação condenatória proposta pelo arrestante, tem direito a ser
indemnizado dos danos emergentes da indisponibilidade dos bens indevidamente
arrestados (artigo 621.º CC). Nesse momento indemnizatório cabem igualmente as
custas e demais despesas forenses pagas pelo requerido. A indemnização devida pelorequerente de alimentos provisórios é fixada equitativamente e nunca há lugar à
restituição dos alimentos recebidos em cumprimento da providência (artigo 387.º CPC;
e 2007.º, n.º2 CC). Também quanto à indemnização devida pela caducidade da
providência de arbitramento de reparação provisória há uma especialidade: ela é
aferida pela medida do enriquecimento sem causa do requerente (artigo 390.º, n.º1 CPC;
artigo 473.º, n.º1 CPC).
As Providências Cautelares e a Inversão do Contencioso16
Aspetos gerais:
1. Justificação: os procedimentos cautelares – que, no Direito português, se encontram
regulados nos artigos 362.º e 409.º CPC – fundam-se numa justificação de ordem
temporal: o proferimento de uma decisão final é algo que pode demorar bastante
tempo (atendendo aos crónicos atrasos dos tribunais, esse proferimento tem mesmo
tendência para demorar muito tempo). Esta demora na satisfação da pretensão do
demandante origina o risco de um prejuízo para essa parte (artigo 362.º, n.º1, e 368.º,
n.º1 CPC): periculum in mora). É por isso que a lei permite que, através de umasummaria cognitio (artigo 365.º, n.º1 e 3 CPC) e depois de estar demonstrado, quanto
ao direito ameaçado pelo atraso na tutela jurisdicional, o fumus boni iuris (artigo 368.º,
n.º1 CPC), o tribunal possa decretar uma tutela provisória, que se destina a acautelar o
efeito útil da ação (artigo 2.º, n.º2, in fine CPC), isto é, a evitar que a composição
definitiva venha ser inútil. Como referia Chiovenda (1872-1937), as providências
cautelares baseiam-se no princípio de que o processo deve3 dar, na medida do
praticamente possível, a quem tem um direito tudo e precisamente aquilo a que ele tem
direito. Os atuais procedimentos cautelares inserem-se no muito antigo regime do
processo sumário cuja história é, aliás, bastante complexa. Alguma das suas
modalidades distinguiam-se de processo ordinário apenas pela sua formalidade; outras
divergiam do processo ordinário por uma menor exigência no grau de prova e no âmbito
do conhecimento do tribunal. O chamado processo sumário indeterminado ou regular
era um processo de cognição plena que podia ser utilizado para qualquer forma de
tutela (daí o seu caráter indeterminado), pois era apenas uma simplificação formal do
processo ordinário; a sua origem encontra-se na bula Saepe contigir ou Clementina
Saepe (1312/1314), na qual se mandava que os processos fossem tramitados simpliciter
et de plano, ac sine strepitu et figura iudicii (Clementina, 5.11.2; quanto ao antigo Direito
16 Foram as presentes folhas que resumimos submetidas no website academia.eu (e disponibilizadas
pelo nosso Professor Assistente); da autoria do Professor Miguel Teixeira de Sousa. ATENTE-SE! Estetexto não foi atualizado: encontra-se apenas copiado/resumido do artigo original, já elaborado à luz do presente CPC (2013).
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português, cf. AO 3.24, pr; OM 1.44.69; OF 1.65.7). O designado processo sumério
determinado ou irregular era um processo de cognição limitada e destinava-se a obter
determinadas formas de tutela; a relação entre a forma sumária, uma semiplena
cognitio e uma semiplena probatio foi estabelecida por Azo (1150 – 1230), tendo-se adoutrina posterior dividido entre as orientações que encontravam neste processo
sumário uma prima facie cognitio decorrente da limitação do objeto e dos meios de
prova e as orientações que baseavam a cognição sumária (summatim cognoscere) num
juízo de probabilidade. É esta característica a que se encontra no regime dos
procedimentos cautelares, que, salvo verificando-se a inversão do contencioso, são
procedimentos de cognição sumária e restrita (artigo 365.º, n.º1 e 368.º, n.º1 CPC).
Pode assim concluir-se que a consagração da inversão contencioso – isto é, da
possibilidade de a tutela cautelar se transformar em tutela definitiva (artigo 369.º, n.º1
CPC) – significa uma rutura com uma longa tradição histórica.
2.
Enquadramento:a.
Função preventiva: das características dos procedimentos cautelares resulta
que as providências cautelares que neles são decretadas realizam uma função
preventiva: elas destinam-se a prevenir a lesão de um direito. O modo como o
fazem é que é característico: elas visam evitar a mudança numa situação que
possa fazer perigar a utilidade da sentença que venha a ser proferida na ação
principal. Assim, para o decretamento da providência solicitada, não basta a
existência de um direito suscetível, de tutela judiciária, antes é necessário que
haja que assegurar, através da tutela cautelar e provisória, a utilidade da
posterior tutela definitiva. Importa precisar que a lesão que se pretende
prevenir é apenas aquela que resulta da demora na obtenção da tuteladefinitiva. Como referia Calamandrei (1889 – 1956), as providências cautelares
destinam-se a evitar o pericolo di infruttuosità e o pericolo di tardività da tutela
definitiva. Dito de outro modo: as providências cautelares não se destinam a
atribuir uma tutela de urgência a um direito que está na iminência de ser lesado,
nem a conceder tutela a um direito na previsão da sua violação (função que é
realizada pelas ações de condenação in futurum: artigo 557.º, n.º2 CPC), mas
antes a conceder uma tutela provisória destinada a assegurar a efetividade da
tutela definitiva no momento em que ela venha a ser concedida. A função das
providências cautelares é a de tutelar, de forma provisória, uma determinada
situação jurídica que se encontra em perigo pela falta de uma tutela imediata.
É realmente a necessidade desta tutela que justifica o decretamento de uma
providência cautelar. É realmente a necessidade desta tutela que justifica o
decretamento de uma providência cautelar. A iminência da violação da situação
jurídica é apenas um dos indícios possíveis da necessidade da tutela cautelar,
dado que nem todas as providências cautelares pressupõem a iminência dessa
violação: pense-se, por exemplo, nos alimentos provisórios (que são devidos
antes do reconhecimento do direito a alimentos) ou no arbitramento da
reparação provisória (que é a devida antes de ser reconhecido ao requerente
qualquer direito de indemnização). A justificação que se encontra no artigo
362.º, n.º1 CPC, para as providências cautelares – o fundado receio de lesão
grave e dificilmente reparável de um direito – tem de ser entendida, não emfunção de qualquer potencial violação, mas em função de demora na tutela
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definitiva desse direito. É por isso que, consideradas pela perspetiva da ação
principal de que são dependência, as providências cautelares visam assegurar a
utilidade dessa ação, pois que estas providências salvaguardam a utilidade da
decisão proferida nessa ação perante qualquer situação decorrente de factosocorridos antes do seu proferimento. Por exemplo: imagine-se que, atendendo
à delapidação de bens pelo devedor, o credor está em risco de perder a sua
garantia patrimonial; o arresto de bens do devedor (artigo 391.º, n.º1 CPC; 619.º,
n.º1 CC) assegura que a ação condenatória proposta pelo credor contra o
devedor ainda é útil, porque, em caso de necessidade, os próprios bens
arrestados podem ser penhorados e vendidos. Portanto, o que se acautela nas
providências cautelares não é a violação de um direito (coisa que, como é
evidente, nenhuma decisão pode evitar), mas a utilidade da decisão da tutela
definitiva. É também por este prisma que há que analisar a relação entre a
providência cautelar e a urgência na tutela. Muito frequentemente a tuteladefinitiva seria demasiado tardia, porque só poderia ser obtida depois de a
violação do direito se ter consumado ou mesmo depois de essa violação se ter
tornado irreversível. É esta inutilidade da tutela definitiva que justifica, nesse
caso, a tutela cautelar: esta tutela substitui, provisoriamente, a tutela definitiva.
Em geral, as providências cautelares visam combater o risco da irrealização do
direito que é provocado pela demora da decisão definitiva. Nesta perspetiva,
são dois os fatores que podem justificar uma providência cautelar:
A impossibilidade da realização do direito num momento futuro
(correspondente, na expressão de Calamendrei, ao pericolo di infruttuosità
da tutela definitiva); nesta hipótese, a providência cautelar visa obstar a
uma mudança que possa vir a impedir a realização do direito após a decisão
proferida na ação principal; por exemplo: se não se proceder ao arresto de
bens do devedor (artigo 391.º, n.º1 CPC; artigo 619.º, n.º1 CC), corre-se o
risco de, no momento do reconhecimento do seu crédito na sentença final,
o credor já não possui nenhuma garantia patrimonial; se não se embargar
a obra nova (artigo 397.º, n.º1 CPC), há o perigo de se criar uma situação
dificilmente reversível;
A necessidade da realização de um direito (correspondente, na terminologia
de Calamendrei, ao pericolo di tardività); nesta hipótese, a providência
cautelar visa obviar à inutilidade prática da realização do direito após a
decisão proferida na ação principal; por exemplo: se não foremassegurados ao credor os alimentos provisórios (artigo 384.º CPC), ele não
tem meios de subsistência até à concessão dos alimentos definitivos; se não
for realizada ao credor uma determinada prestação numa certa data, ele
perde o interesse no seu cumprimento.
b. Instrumentalidade funcional: a providência cautelar deve ser aquela que seja
funcionalmente adequada a acautelar o efeito útil da ação principal. Procurando
concretizar o seu escopo, pode dizer-se que ela pode prosseguir uma das
seguintes finalidades:
i. Uma finalidade de garantia de um direito (correspondente à providência
conservatória referida no artigo 362.º, n.º1 CPC); por exemplo: se odevedor está a dissipar o seu património, é indispensável impedir a
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continuação dessa conduta, porque, se assim não acontecer, o credor,
mesmo que venha a obter uma sentença condenatória do devedor,
perdeu entretanto a garantia patrimonial do seu crédito (artigo 601.º
CC);ii.
Uma finalidade de regulação de uma situação (também correspondente
à providência conservatória a que se refere o artigo 362.º, n.º1 CPC);
por exemplo: perante o esbulho da coisa, o esbulhado requerer a sua
restituição até se encontrar definida a titularidade do direito sobre a
coisa (artigo 1278.º, n.º1 CC);
iii. Uma finalidade de antecipação da tutela definitiva (corresponde à
providência antecipatória a que alude o artigo 362.º, n,º1 CPC); por
exemplo: o credor de alimentos pode requerer que lhe sejam
concedidos alimentos provisórios (artigo 2007.º, n.º1 CC).
Em geral, o objeto do procedimento cautelar é um minus e um aliud em relaçãoao objeto da ação principal: as providências cautelares não visam obter o
mesmo que se pretende alcançar através da ação principal. A exceção a esta
regra é constituída pelas providências com uma finalidade de antecipação: estas
providências constituem um tantus e um similis em relação ao objeto da ação
principal. Na verdade, a antecipação da tutela definitiva na tutela cautelar só se
pode verificar quando ambas as tutelas tenham o mesmo objeto, ou seja,
quando o que pode ser obtido na tutela cautelar é o mesmo que pode ser
conseguido na tutela definitiva. Pode assim afirmar-se que, quando a tutela
cautelar antecipa a tutela definitiva, aquela tutela cumpre uma função
satisfativa. Algumas ordens jurídicas conhecem formas de antecipação da tutela
autónoma das providências cautelares, ou seja, formas de antecipação da
própria tutela definitiva. O que se antecipa não é, portanto, uma tutela
provisória com o objetivo de acautelar o efeito útil da ação, mas a própria tutela
definitiva que, numa ação, é requerida pelo autor. Admitem esta antecipação
da tutela definitiva a ordem jurídica italiana e a brasileira. Na ordem jurídica
portuguesa, não se encontra nenhuma disposição que admita, em termos gerais,
a antecipação da tutela definitiva: apenas o artigo 565.º CC permite que, numa
ação de responsabilidade civil, o tribunal condene o devedor no pagamento de
uma indemnização, dentro do quantitativo que considere já provado. Isto
significa que, em termos gerais, a antecipação da tutela só é admissível no
âmbito das providências cautelares, o que releva tanto quanto aos seusrequisitos (como, por exemplo, a suficiência do bonus fumus iuris), como quanto
aos seus efeitos (designadamente, quanto ao caráter provisório da antecipação.
São dois os critérios pelos quais se afere da adequação funcional da providência
para assegurar o efeito útil da ação principal: a apropriação e a
proporcionalidade. A providência é apropriada se ela for adequada para
acautelar o efeito útil da ação principal (artigo 2.º, n.º2 CPC), isto é, se ela for
concretamente adequada para assegurar a efetividade do direito ameaçado
(artigo 362.º, n.º1 CPC). A providência pode coincidir com o que se pretende
obter na ação principal – como é o caso típico da providência de alimentos
provisórios (artigo 384.º CPC) –, mas também pode consistir na constituição deuma situação jurídica provisória – como acontece quando, perante a disputa do
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uso de uma parte comum do prédio, é requerido que a sua utilização seja
partilhada por todos os condóminos – ou ainda na produção de um efeito,
mesmo que definitivo, isto é, mesmo que, uma vez produzido, não mais possa
ser desfeito – como acontece quando um lojista requer que um seu concorrente,por violar um acordo de exclusividade, seja intimado a não abrir o seu
estabelecimento. A adequação da providência também não depende da sua
cobertura por qualquer regra substantiva. Embora algumas providências
cautelares tenham um apoio legal – como é o caso do arresto (artigo 619.º, n.º1
CC), da restituição provisória da posse (artigo 1279.º CC) e dos alimentos
provisórios (artigo 2007.º, n.º1 CC) –, a sua admissibilidade não depende de
qualquer previsão substantiva. As providências cautelares não são típicas, mas
abertas. São admissíveis aquelas que se enquadrarem na cláusula geral
constante do artigo 362.º, n.º1 CPC, isto é, aquelas que se mostrarem
concretamente adequadas a assegurar a efetividade do direito ameaçado pelademora na tutela definitiva. A providência só pode ser decretada se não impuser
ao requerido um sacrifício desproporcionado relativamente aos interesses que
o requerente deseja acautelar ou tutelar provisoriamente (artigo 368.º, n.º2
CPC). Isto é: a desvantagem imposta ao requerido com o decretamento da
providência não pode ser desproporcionada em relação à vantagem que o
requerente retira desse decretamento. Portanto, um interesse pouco relevante
do requerente não pode ser acautelado através da afetação de um interesse
muito relevante do requerido; mas um interesse muito relevante do requerente
pode ser acautelado através da afetação de um interesse muito relevante do
requerido. Quando os interesses forem equivalentes, há que procurar uma
compatibilização dos mesmos: por exemplo, se for viável, ainda que com
recurso a restrições justificadas, a compatibilização do direito à saúde e ao
descanso dos requerentes com o direito a desenvolver uma atividade comercial
por parte da requerida, nenhum desses direitos pode ser integralmente
sacrificado ao outro. Esta regra de proporcionalidade exige uma ponderação
dos interesses envolvidos e é independente da probabilidade séria da existência
do direito a acautelar (e, portanto, da probabilidade do sucesso da ação
principal): nem aquela proporcionalidade dispensa a probabilidade do direito a
acautelar, nem esta probabilidade isenta a verificação da proporcionalidade.
Assegurada a proporcionalidade entre os interesses a acautelar e a afetar, a
probabilidade pode ser aferida com maior ou menor intensidade consoante osinteresses afetados do requerido forem mais ou menos relevantes. Portanto, a
proporcionalidade é um critério invariável; a probabilidade, pelo contrário, é um
critério flexível.
3. Distinção: do que foi descrito pode retirar-se que, no ordenamento jurídico português,
há que distinguir, no âmbito mais geral de uma tutela urgente, entre uma tutela cautelar
e uma tutela urgente stricto sensu. A distinção resume-se no seguinte:
A tutela cautelar é uma tutela provisória ou uma tutela que só se
consolida se, tendo havido inversão do contencioso, o requerido não
propuser ação destinada a contrariar a providência decretada; a tutela
urgente stricto sensu é uma tutela definitiva que é obtida numprocedimento simples e célere.
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Esta distinção demonstra as duas perspetivas pelas quais a urgência da tutela é vista no
ordenamento jurídico português: essa urgência pode resultar da impossibilidade de
esperar pela tutela definitiva (para, por exemplo, obter os alimentos de que o credor
necessita para sobreviver); aquela urgência também pode decorrer da necessidade deobter uma tutela imediata (para, por exemplo, impedir uma violação iminente de
direitos de personalidade através dos meios de comunicação social). As relações entre
estas modalidades de urgência (a urgência-impossibilidade, induzida pela
impossibilidade de esperar pela tutela definitiva, e a urgência necessidade, decorrente
da necessidade de obter uma tutela imediata) não podem ser analisadas no presente
contexto, nomeadamente quanto à possibilidade de escolha pelo interessado entre a
importância, por exemplo, para delimitar o âmbito de aplicação do processo especial de
tutela da personalidade (artigos 878.º a 880.º CPC), em relação ao qual se pode
defender que ele exclui a possibilidade de recurso às providências cautelares ou que ele
é um meio concorrente com estas providências).
Inversão do contencioso:
1. Generalidade: as providências cautelares têm como finalidade a prevenção do
periculum in mora, já que elas visam obviar a que a decisão proferida na ação principal
se torne útil, isto é, a que seja conseguida uma tutela definitiva que seja ineficaz no
momento em que seja obtida. Desde há algum tempo vem-se discutindo se as
providências cautelares não podem também assumir uma outra função: a de se
substituírem à própria tutela definitiva, ou seja, a de consumirem a necessidade da
propositura de uma ação principal destinada a confirmar a tutela provisória obtida
através de uma dessas providências. Convém esclarecer que o que se pergunta é distintoda antecipação da tutela definitiva pela tutela cautelar. O que se pretende saber é em
que condições é que a tutela cautelar pode dispensar a tutela definitiva por aquela
tutela cautelar se convolar nesta tutela definitiva; problema diferente é o da
antecipação da tutela definitiva pela tutela cautelar, porque esta antecipação não
dispensa a propositura de uma ação principal destinada a obter a tutela definitiva e a
confirmar a tutela que foi antecipada no procedimento cautelar. Portanto, uma questão
é a de saber se a tutela cautelar pode antecipar uma tutela definitiva que não pode
deixar de ser requerida depois da sua antecipação no procedimento cautelar, outra
distinta é a de determinar se a tutela cautelar pode ser autossuficiente e dispensar a
tutela definitiva.
2. Desenvolvimento:
a.
Regime experimental: a primeira expressão no ordenamento jurídico
português da tutela cautelar em tutela definitiva consta do disposto no artigo
121.º, n.º1 CPTA (de 2002) no âmbito do contencioso administrativo. Pode
presumir-se que este regime inspirou o que veio a ser estabelecido, no âmbito
do processo civil, no artigo 16.º RPCE (de 2006), no qual se prescreve que
«quando tenham sido trazidos ao processo cautelar os elementos necessários à
resolução definitiva do caso, o tribunal pode, ouvidas as partes, antecipar o juízo
sobre a causa principal». Este último caracteriza-se pelos seguintes aspetos:
i.
Pressupõe que constem do procedimento cautelar todos os elementos
necessários à tutela definitiva, ou seja, exige que todos os factos
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relevantes para essa tutela constem do procedimento e estejam
provados;
ii.
Cabe ao tribunal a iniciativa de substituir a tutela cautelar pela definitiva,
devendo, no entanto, ouvir as partes antes de proferir a decisão detutela definitiva;
O regime instituído no artigo 16.º RPCE é criticável essencialmente pelos
seguintes motivos:
ii.
Coloca no juiz a iniciativa da substituição da tutela cautelar pela tutela
definitiva, o que suscita problema quanto à sua articulação com o
princípio do dispositivo;
iii. É omisso quanto às condições em que é admissível a convolação da
tutela cautelar em tutela definitiva, dado que não se define nenhuma
orientação quanto às providências em relação às quais se pode verificar
a requerida convolação.b. Regime aprovado: a versão do Código de Processo Civil na Assembleia da
República orienta-se, na sequência do proposto pela Comissão para a Reforma
do Processo Civil, por uma outra solução: em vez de se permitir a convolação ex
officio da tutela cautelar numa tutela definitiva, propõe-se, em certos casos e
verificadas certas condições, a dispensa do ónus de propositura da ação
principal pelo requerente da providência e a consequente atribuição desse ónus
ao requerido que pretenda evitar a consolidação da providência decretada.
Construiu-se assim um sistema assente na inversão do contencioso: em vez e
ser o requerente da providência cautelar a ter o ónus de propor uma ação
principal destinada a confirmar ou a consolidar a tutela cautelar, cabe ao
requerido instaurar uma ação de impugnação com a finalidade de obstar à
consolidação da tutela provisória. As providências cautelares que, atendendo
ao seu objeto, admitem a inversão do contencioso não deixam de ser
instrumentais perante a tutela definitiva; o que se verifica é que essas
providências se consolidam como tutela definitiva pela inação do requerido,
deixando de ser um instrumento de uma posterior tutela definitiva e passando
a ser a própria tutela definitiva. Isto significa que, se houver inversão do
contencioso, a consolidação da providência cautelar decorre da omissão da
instauração da ação de impugnação pelo requerido. Trata-se de uma solução
mais segura do que aquela que consta do CPC Italiano, no qual se estabelece
que as providências de caráter antecipatório e o embargo de obra nova nãoperdem eficácia se a ação principal não for proposta ou se extinguir, embora
qualquer das partes (portanto, também a parte requerida) possa vir a instaurar
essa ação. A inversão do contencioso proposta tem a vantagem de atribuir ao
requerido o ónus de definir a situação num prazo curto, evitando, assim, a
subsistência de uma tutela provisória com uma duração ilimitada: o requerido
ou impugna a providência decretada, procurando evitar a sua consolidação, ou
não impugna essa providência, permitindo a consolidação da providência
cautelar como tutela definitiva.
c. Concretização:
i.
Generalidades: o regime da inversão do contencioso assenta nodisposto no artigo 369.º, n.º1 CPC:
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«Mediante requerimento, o juiz, na decisão que decrete a
providência, pode dispensar o requerente do ónus de
propositura da ação principal se a matéria adquirida no
procedimento lhe permitir formar convicção segura acercada existência do direito acautelado e se a natureza da
providência decretada for adequada a realizar a
composição definitiva do litígio».
Este regime apresenta as seguintes características:
Pressupõe o requerimento da parte interessada; o artigo 369.º,
n.º2 CPC, define o momento em que esse requerimento pode ser
feito e em que o requerido a ele se pode opor:
«a dispensa (…) pode ser requerida até ao
encerramento da audiência final; tratando-se de
procedimento sem contraditório prévio, pode orequerido opor-se à inversão do contencioso
conjuntamente com a impugnação da providência
decretada».
Define as condições em que a inversão do contencioso pode ser
decretada pelo tribunal: este órgão tem de formar a convicção
segura sobre o direito acautelado e a natureza da providência
decretada tem de ser adequada a realizar a composição definitiva
do litígio; isto significa que a decisão sobre a inversão do
contencioso não é uma decisão tomada no uso de um poder
discricionário: o tribunal não inverte o contencioso segundo um
critério de oportunidade e de conveniência, mas de acordo com os
referidos critérios legais.
ii.
Condições: é da conjugação destas duas condições – e não da
consideração isolada de cada uma delas – que decorrem as
circunstâncias em que o tribunal pode decretar a inversão do
contencioso:
O juiz tem de formar a convicção segura da existência do direito
acautelado, o que implica que a prova sumária (ou seja, a prova de
que se basta com probabilidade séria da existência do direito
acautelado) que é suficiente para decretar a providência cautelar
(artigos 365.º, n.º1, 388.º, n.º2 e 405.º, n.º1 CPC) é insuficientepara decretar a inversão do contencioso; portanto, o que conta é
que o juiz forme a convicção segura da existência do direito que a
providência se destina a acautelar, não a convicção segura da
procedência da providência;
A providência decretada tem de ser, pela sua própria natureza,
adequada a realizar a composição definitiva do litígio; esta
condição é justificada pelo facto de, tendo sido decretada a
inversão do contencioso e não tendo o requerido proposto a ação
de impugnação, a tutela cautelar se convola ex lege em tutela
definitiva; logo, tem de se exigir que a providência decretada sepossa substituir à tutela definitiva que o requerente da providência
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poderia solicitar na ação principal se não tivesse sido decretada a
inversão do contencioso.
d.
Objeto:
i.
Inadmissibilidade da inversão: a necessidade de que a providência sejaadequada a realizar a composição definitiva do litígio delimita as
providências cautelares em que se pode verificar a inversão do
contencioso. Assim, esta inversão não é viável se, por a tutela cautelar
ser a distinta da correspondente tutela definitiva, ela não tiver a
potencialidade de compor o litígio entre as partes. Pense-se, por
exemplo, na providência cautelar de arresto: no respetivo
procedimento, o requerente solicita a apreensão judicial de certos bens
(artigo 391.º, n.º2 CPC) com fundamento no receio de perda da garantia
patrimonial (artigo 391.º, n.º1 CPC; artigo 619.º, n.º1 CC); na ação
principal, esse mesmo requerente, agora autor, solicita oreconhecimento e satisfação do seu direito de crédito. Pode assim
concluir-se que, nos casos em que a tutela definitiva e a tutela cautelar
cumprem uma função totalmente distinta e prosseguem objetivos
completamente diferentes, nunca se pode verificar a inversão do
contencioso; ou, dito pela positiva: a inversão do contencioso só é
admissível se a tutela cautelar puder substituir a tutela definitiva que,
se não tivesse havido inversão do contencioso, o requerente teria o
ónus de requerer na subsequente ação principal. É por isso que, por
exemplo, não tem sentido admitir a inversão do contencioso quanto à
providência de arresto, pois que a garantia da garantia patrimonial que
o credor obtém através providência não resolve o litígio entre ele e o
seu devedor (que respeita, não à garantia do crédito, mas ao próprio
crédito). O ponto mais discutível nesta matéria é aquele que se prende
com a possibilidade de requerer a inversão do contencioso numa
providência cautelar que constitui um incidente da causa principal. O
que se pergunta é se é admissível que, por exemplo, no procedimento
de alimentos provisórios que corre como incidente da ação de
alimentos definitivos se pode pedir a inversão do contencioso. Parece
impor-se uma resposta negativa, dado que não tem sentido utilizar um
mecanismo que conduz à possível dispensa de uma ação principal
quando a mesma já se encontra pendente.ii. Admissibilidade da inversão: concluído que a inversão do contencioso
não se pode verificar quando, portanto, a consolidação da tutela
cautelar não é suscetível de compor o litígio entre as partes, importa
analisar qual a proximidade que tem de existir entre essas tutelas para
que se possa considerar que a inversão do contencioso é adequada a
realizar essa composição. A resposta a esta pergunta é indiciada pelo
estabelecido no artigo 376.º, n.º4 CPC, no qual se dispõe que, no âmbito
das providências nominadas, o regime da inversão do contencioso é
aplicável à restituição provisória da posse, à suspensão de deliberações
sociais, aos alimentos provisórios, ao embargo de obra nova, bem comoàs demais providências previstas em lei avulsa que tenham caráter
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antecipatório dos efeitos da ação principal (como é o caso da
providência cautelar de entrega judicia do bem após finar o contrato de
locação financeira que se encontra regulado no artigo 21.º Decreto-Lei
n.º 149/95, de 24 junho). Isto demonstra que a inversão do contenciososó é admissível se a providência cautelar requerida – de caráter
nominado ou inominado – tiver um sentido antecipatório. Mais em
concreto, essa inversão depende da circunstância de a tutela que é
solicitada na providência em teoria, poder ser obtida como tutela
definitiva numa ação declarativa. Para se confirmar que assim é basta
confrontar, a título de exemplo, as providências cautelares de
arrolamento e de alimentos provisórios: o arrolamento – que consiste
numa descrição de bens que se encontram em risco de extravio,
ocultação ou dissipação (artigo 403.º, n.º1 CPC) – não antecipa
nenhuma tutela definitiva e, por isso, nela não se pode verificar ainversão do contencioso; em contrapartida, a providência de alimentos
provisórios – que consiste na realização ao requerente de uma
prestação alimentícia (artigo 384.º CPC) – antecipa o que pode ser
obtido numa ação de alimentos, pelo que nela é admissível a inversão
do contencioso. Importa ainda acrescentar que a inversão do
contencioso não pressupõe a consumpção de qualquer outra tutela, ou
seja, não pressupõe que, após a inversão, o requerente da providência
não possa solicitar mais nenhuma tutela. Considere-se, por exemplo, a
providência de restituição provisória da posse: no caso de esbulho
violento, o possuidor pode pedir que seja restituído provisoriamente à
sua posse (artigo 377.º CPC; artigo 1279.º CC); tendo-se verificado a
inversão do contencioso nessa providência, isso obsta naturalmente a
que o requerente solicite, na ação principal, a restituição da posse, mas
não impede que esse mesmo requerente solicite a reivindicação da
coisa de que foi reconhecido ser o possuidor.
iii.
Exceção de litispendência: entre o procedimento cautelar e o processo
no qual é requerida a tutela definitiva não se pode constituir a exceção
de litispendência, dado que a solicitação de uma tutela provisória não é
idêntica à solicitação de uma tutela definitiva. A circunstância de a
providência cautelar ter um caráter antecipatório não altera o afirmado:
não se constitui nenhuma exceção de litispendência entre, por exemplo,o procedimento cautelar no qual são pedidos alimentos provisórios e a
ação principal na qual são solicitados os alimentos definitivos. Importa,
no entanto, ter presente que a formulação pelo requerente do pedido
de inversão do contencioso altera os dados do problema, pois que não
pode estar simultaneamente pendente um procedimento cautelar no
qual o requerente solicita, através da inversão do contencioso, a
transformação da tutela definitiva e uma ação destinada a obter esta
mesma tutela definitiva. Assim, a partir do momento em que o
requerente da providência cautelar requer a inversão do contencioso
constitui-se a exceção de litispendência com a ação na qual é pedida amesma tutela definitiva. Utilizando, de novo, o exemplo da providência
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cautelar de alimentos provisórios, há que concluir que ocorre a exceção
de litispendência quando, estando pendente uma providência cautelar
de alimentos provisórios na qual foi requerida a inversão do
contencioso, se propõe uma ação de alimentos definitivos. Nestahipótese, a exceção de litispendência deve ser alegada na ação principal,
dado que foi nesta que o demandado foi citado em segundo lugar
(artigo 582.º, n.º1 e 2 CPC). Pode assim concluir-se que a formulação do
pedido de inversão do contencioso bloqueia a propositura de uma ação
principal pelo ser requerente, sempre que nesta ação não se possa
obter algo de diferente do que resulta da conversão da tutela provisória
em tutela definitiva. Por analogia com o disposto no artigo 564.º, alínea
c) CPC, há igualmente que entender que a formulação daquele pedido
inibe o requerido no procedimento cautelar de propor uma ação
destinada à apreciação da mesma questão jurídica. Assim, se, porexemplo, no procedimento cautelar de suspensão da deliberação social,
o requerente solicitar a inversão do contencioso, o requerido está
inibido, até à apreciação desse pedido, de propor uma ação visando
reconhecer a validade da deliberação.
e. Procedimento:
i. 1.ª Instância: dispensa da propositura da ação principal pode ser
requerida pelo requerente da providência até ao encerramento da
audiência final do respetivo procedimento (artigo 369.º, n.º2, 1.ª parte
CPC). Pode suceder que o exercício do direito que é acautelado através
da providência cautelar esteja sujeito a um prazo de caducidade: nessa
hipótese, de molde a não prejudicar o requerente da providência e da
inversão do contencioso, a caducidade interrompe-se com o pedido
daquela inversão, reiniciando-se a contagem do prazo a partir do
transido em julgado da decisão proferida sobre a inversão (artigo 369.º,
n.º3 CPC). Se o procedimento cautelar só admitir o contraditório
diferido – isto é, se o contraditório do requerido só puder ser exercido
depois do decretamento da providência –, pode o requerido opor-se à
inversão do contencioso conjuntamente com a impugnação da
providência decretada (artigo 369.º, n.º2, 2.ª parte CPC; também artigo
372.º, n.º3 CPC). Portanto, neste caso, é conjunta a impugnação da
providência decretada e a oposição à inversão do contencioso.ii. Fase de recurso: a decisão que decreta a inversão do contencioso só é
recorrível em conjunto com o recurso da decisão sobre a providência
requerida (artigo 370.º, n.º1, 1.ª parte CPC), ou seja, essa decisão não é
passível de recurso autónomo do próprio recurso que decreta a
providência requerida. Assim, o requerido só pode impugnar a decisão
de inversão do contencioso se impugnar simultaneamente o
decretamento da providência, pelo que não é admissível impugnar
apenas aquela decisão de inversão. Como é regra no âmbito dos
procedimentos cautelares, não cabe recurso para o Supremo Tribunal
de Justiça da decisão que determine a inversão do contencioso, semprejuízo dos casos em que esse recurso é sempre admissível (artigo
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370.º, n.º2 CPC). Em contrapartida, a decisão que indefira a inversão do
contencioso é irrecorrível (artigo 370.º, n.º1, 2.ª parte CPC), mesmo que
em conjunto com a decisão que tenha indeferido a providência
requerida. Portanto, o indeferimento do pedido de inversão docontencioso é sempre definitivo, não podendo o requerente impguná-
la em recurso. O regime também vale quando o requerente tenha
interposto recurso do indeferimento da providência requerida, o que
tem como consequência que a inversão do contencioso nunca pode ser
decretada em recurso.
f. Ação:
i. Generalidades: a ação que o requerido tem o ónus de intentar após a
decisão de inversão do contencioso é, na expressão do artigo 371.º, n.º1CPC, uma ação destinada a impugnar a existência do direito acautelado.
Trata-se de uma referência à finalidade da ação, não ao seu conteúdo,
dado que essa ação pode ser qualquer uma que, em caso de
procedência, produza um efeito que seja incompatível com a
providência decretada. Dito de outra forma: essa ação pode ser uma
ação destinada a impugnar os fundamentos em que se baseou a
inversão do contencioso, mas também pode ser qualquer outra ação da
qual resulte um efeito incompatível com a providência decretada. Uma
ação que tenha por finalidade a impugnação dos fundamentos da
decisão de inversão do contencioso é admissível, porque, segundo o
disposto no artigo 364.º, n.º4 CPC, o julgamento da matéria de facto na
providência cautelar não tem qualquer influência no julgamento da
ação principal, portanto, in casu na ação de impugnação. Isto é assim
apesar de a inversão do contencioso exigir a formação pelo juiz da
convicção segura da existência do direito acautelado (artigo 369.º, n.º1
CPC), o que significa que se exige ao juiz da inversão do contencioso
algo mais do que é suficiente para decretar a providência, mas, mesmo
este juízo, não é vinculado na ação de impugnação. O conteúdo mais
comum da ação de impugnação da decisão de inversão do contencioso
é o de uma ação de apreciação negativa: o requerido solicita a
declaração da inexistência do direito acautelado, com base nainexistência dos factos que levaram o juiz do procedimento cautelar a
inverter o contencioso. Por exemplo: o juiz do procedimento cautelar
inverteu o contencioso numa providência de embargo de obra nova; o
requerido pode requerer a apreciação da inexistência do obstáculo à
construção da obra. Impõe-se, no entanto, uma importante observação:
qualquer que seja o entendimento que se faça do disposto no artiga
343.º, n.º1 CC, quanto à distribuição do ónus da prova nas ações de
simples apreciação negativa – ou seja, independentemente de se
entender que nessas ações cabe ao réu demonstrar o facto constitutivo
do seu direito ou de se considerar que ao autor cabe a prova do factoextintivo, impeditivo ou modificativo que serve de causa petendi ao
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pedido de apreciação negativa – e respeitando a ressalva feita no artigo
371.º, n.º1 CPC, quanto à distribuição do ónus da prova, é claro que, na
ação de apreciação negativa que é instaurada pelo requerido para
evitar a consolidação da providência cautelar em relação à qual severificou a inversão do contencioso, o ónus da prova tem de pertencer
ao autor da ação. De outro modo a inversão do contencioso em nada
beneficiaria o requerente da providência: se, depois dessa inversão, lhe
incumbisse provar, na subsequente ação de apreciação negativa
instaurada pelo requerido, o direito acautelado, esse requerente (e
agora réu) encontrar-se-ia na mesma posição se não tivesse havido
inversão do contencioso e se fosse sobre ele que recaísse o ónus de
instaurar a ação principal. Portanto, há que entender que incumbe ao
autor da ação de impugnação (e requerido no procedimento cautelar)
o ónus de provar quer os factos impeditivos, modificativos ou extintivosdo direito acautelado, quer a inexistência dos factos constitutivos dos
factos desse direito. Finalmente, a ação de impugnação também pode
ter por objeto um direito incompatível com o direito acautelado através
da inversão do contencioso que foi decretada no procedimento cautelar.
Por exemplo: o juiz concedeu a inversão do contencioso em relação a
uma providência de restituição provisória da posse; o requerido pode
intentar uma ação em que solicita o reconhecimento de um direito
incompatível com a posse do requerente.
ii. Não preclusão: o objeto da ação de impugnação não é afetado por
nenhuma preclusão de algum facto que pudesse ter sido invocado pelo
requerido no procedimento cautelar em que foi decretada a inversão
do contencioso. Isto é: mesmo que o facto pudesse ter sido alegado no
anterior procedimento cautelar por aquele requerido, ainda assim nada
impede que ele seja usado como causa de pedir da ação de impugnação
por essa mesma parte. A solução é imposta pela circunstância de a
decisão sobre a matéria de facto não poder ter qualquer influência no
julgamento da ação principal (artigo 364.º, n.º4 CPC): se assim é,
também não pode haver nenhuma preclusão factual nesta ação.
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Providências e procedimentos cautelares17
Noção e características gerais: a parte final do artigo 2.º, n.º2 CPC refere-se à pretensão
destinada a requerer as providências necessárias a acautelar o efeito útil da ação. A lei processualdesigna estas providências como providências cautelares e as formas modeladas para a atividadesolicitada por procedimentos cautelares. A atividade cautelar caracteriza-se pela função e,também pela função, distingue-se das ações (declarativas ou executivas). A sua função não é a de
composição definitiva dos litígios, antes é uma função instrumental relativamente à decisão doconflito de interesses. A finalidade da tutela da situação jurídica a definir é realizada através demedidas provisórias que vigorarão enquanto decorre o processo de apuramento dos factosnecessários à composição definitiva. As providências conservatórias destinam-se a manter aestabilidade da situação jurídica objeto da pretensão enquanto não ocorra a decisão definitiva;
as providências antecipatórias já concedem ao requerente os efeitos práticos que resultariam daprocedência da ação principal, ou parte desses efeitos. Os procedimentos cautelares estãoregulados nos artigos 362.º e seguintes CPC. As características comuns a todos os procedimentoscautelares são as seguintes:
1) Porque visam acautelar o efeito útil da ação, são instrumentais em relação a uma ação jáproposta ou a propor;
2) Têm caráter urgente, pelo que os respetivos atos precedem sempre qualquer outroserviço judicial não urgente e a contagem dos prazos para a prática dos atos processuaisnão se suspende durante as férias judiciais;
3) Têm uma estrutura simplificada;4) A decisão do juiz, quanto à apreciação dos pressupostos da providência, pressupõe o
fundado receio do requerente de que a demora inerente ao normal desenvolvimentoprocessual da ação venha a implicar a lesão do direito que pretende tutelar com a ação(periculum in mora );
5)
A decisão do juiz, quanto à existência do direito invocado pelo requerente, basta-se coma verificação da probabilidade séria da existência do direito do requerente (fumus bonis
iuris );6) A decisão do juiz, quanto à produção e apreciação da prova, apoia-se numa análise
sumária das afirmações de facto apresentadas (summaria cognitio );7) A estrutura simplificada dos procedimentos, a que será inerente a diminuição da garantia
dos direitos do requerido, é contrabalançada pela responsabilização do requerente pelosdanos culposamente causados ao requerido, se a providência decretada vier a serconsiderada injustificada ou vier a caducar por facto imputável àquele, quando não tenha
agido com a prudência normal.
Providência inominada e procedimento cautelar comum: a lei processual distingue entre
o procedimento cautelar comum e os procedimentos cautelares especificados. O procedimentocautelar comum constitui a forma processual indicada para requerer o deferimento da providênciacautelar mais adequada à situação concreta, sempre que a lei não tenha previsto umprocedimento especificado para a mesma (providência inominada ou não especificada). O
17 Xavier, Rita Lobo, Folhadela, Inês e Castro, Gonçalo Andrade; Elementos de Direito Processual Civil,Teoria geral, princípios e pressupostos; 1.ª Edução; Universidade Católica Editora; 2014, Porto.
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procedimento cautelar comum é assim um procedimento residual (artigo 381.º, n.º3 CPC). Asdisposições previstas para este procedimento têm um caráter subsidiário (artigo 376.º, n.º1 e 2CPC). Em conformidade com a natureza e finalidade cautelar da pretensão, o procedimento
cautelar comum tem uma estrutura simplificada que propicia uma sequência de atos célere,sendo-lhe reconhecido caráter urgente (artigos 363.º, n.º1 e 2 CPC). A providência cautelarrequerida é instrumental, relativamente a uma ação em que se solicite a tutela do direito que sepretende acautelar, e provisória. Assim, o procedimento extingue-se e a providência que tiver sidodecretada caduca, nomeadamente se a ação não vier a ser proposta dentro de 30 dias, se vier aser julgada improcedente ou se o réu for absolvido da instância e o requerente não propusernova ação em tempo (artigo 373.º, n.º1, alíneas a), c) e d) CPC). A extinção do procedimento ou olevantamento da providência são determinados pelo juiz, com prévia audiência do requerente,logo que se mostre demonstrada nos autos a ocorrência do facto extintivo (artigo 373.º, n.º3 CPC).O procedimento cautelar é sempre dependente da causa que tenha como fundamento o direito
acautelado. O direito a acautelar pode já existir na titularidade do requerente ou vir a constituir-se pela sentença a proferir na ação (artigos 362.º, n.º2 e 364.º, n.º1 CPC). A providência pode serrequerida como preliminar da ação (declarativa ou executiva) a propor ou como incidente de umaação já proposta; neste caso, o incidente rege-se subsidiariamente pelo disposto nos artigos 292.º
a 295.º CPC (artigo 365.º, n.º3 CPC), e o tribunal competente será o tribunal onde foi proposta aação, sendo o incidente processado por apenso (artigo 364.º, n.º3 CSC). Se ainda não tiver sidoproposta a ação principal, o procedimento cautelar inicia-se em autor próprios, no tribunalcompetente nos termos do artigo 78.º, n.º1 CPC, verificando-se a apensação logo que aquelaação seja proposta (artigos 78.º, n.º1 e 364.º, n.º1 CPC). O decretamento da providência cautelarinominada ou não especificada depende da verificação dos seguintes pressupostos:
1)
Existe fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao direitodo requerente (artigos 362.º, n.º1, 365.º, n.º1 e 368.º, n.º1, in fine CPC);
2) Há probabilidade séria da existência do direito invocado pelo requerente (artigos 265.º,n.º1 e 368.º, n.º1 CPC);
3) Não está prevista uma providência cautelar especificada para acautelar o direito invocado(artigos 362.º, n.º3 CPC);
4) O prejuízo resultante do decretamento da providência para o requerido não excedeconsideravelmente o dano que co ela o requerente pretende evitar (artigo 368.º, n.º2CPC);
5) A providência requerida é a adequada para acautelar o direito invocado (o tribunal nãoestá adstrito à providência concretamente requerida) (artigo 367.º, n.º3 CPC);
6) Em princípio, o tribunal pode substituir a providência requerida ou decretada por caução,desde que a caução oferecida, ouvido o requerente, se mostrar suficiente para prevenir alesão ou repará-la integralmente (artigo 368.º, n.º3 CPC).
Em regra, o tribunal ouvirá o requerido antes de decretar a providência, exceto quando aaudiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência (artigo 366.º, n.º1 CPC). O
requerido será citado para deduzir oposição, seguindo-se, se for caso disso, a produção da prova(artigos 366.º, n.º2 e 367.º CPC). Quando o requerido não tiver sido ouvido antes de a providênciater sido decretada, será notificado após a sua realização (artigo 366.º, n.º6 CPC), podendo exercero seu direito ao contraditório por uma das formas previstas no artigo 372.º, n.º1 CPC.
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Breve descrição das fases da tramitação dos procedimentos cautelares : o
procedimento cautelar inicia-se com a apresentação de um requerimento (artigo 365.º CPC) quedeve seguir as indicações previstas para os atos processuais em geral, e para o articulado da
petição inicial, em particular (artigos 144.º, 147.º, 552.º e 558.º CPC), muito embora o artigo 365.º,n.º3 CPC se limite a remeter para a disciplina comum dos incidentes da instância prevista nosartigos 293.º a 295.º CPC. Seguir-se-á o despacho liminar, uma vez que este tem sempre lugar nocaso dos procedimentos cautelares (artigo 226.º, n.º4, alínea b) CPC). Se não houver lugar aoindeferimento liminar, nem para o despacho de convite à sanação ou aperfeiçoamento dorequerimento, e se o juiz não decidir dispensar o contraditório prévio do requerido (artigo 366.º,n.º1 CPC), proferirá despacho de citação do requerido (artigo 226.º, n.º4, alínea b) CPC); este, umavez citado, tem o ónus de deduzir oposição à pretensão do requerente (artigos 293.º, n.º2 e 366.ºCPC). Quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, poderádepois, em alternativa, deduzir oposição ou recorrer do despacho que a decretou (artigo 372.º,
n.º1 CPC). Se houver lugar à produção de prova será marcada audiência final (artigos 367.º e 295.ºCPC), sendo de seguida proferida a decisão.
Procedimentos cautelares especificados: os procedimentos cautelares especificados são as
formas processuais delineadas para o requerimento e decretamento de providências tipificadas.São essas as formas a seguir nas situações materiais que estão determinadas, precisamenteporque também estão identificadas as medidas destinadas a ocorrer ao periculum in mora
especificamente verificado em tais situações. Referem-se apenas os procedimentos especificadosprevistos no Código de Processo Civil. São eles:
1. Restituição provisória da possa (artigos 377.º e seguintes CPC e 1279.º CC) :
procedimento a seguir quando se requer a providência com a mesma designação e queantecipa a tutela possessória com efetiva restituição da coisa de que o requerente foiesbulhado. Trata-se de uma providência antecipatória, na medida em que o tribunal, seconcluir pelo deferimento da mesma, ordena as medidas necessárias para que orequerente obtenha a reposição da situação anterior ao esbulho. A ação principal poderáser uma ação possessória ou uma ação de reivindicação da propriedade. A providênciatem como finalidade proteger o possuidor (ou detentor equiparado) em situações deesbulho com violência: perante a violência a ordem jurídica responde com a manutençãoda situação anterior à mesma. Os pressupostos do decretamento da providência são:
a. A alegação e prova da qualidade de possuidor do requerente; eb. A legação e prova do comportamento de esbulho com violência por parte requerido.O caráter especialmente célere deste procedimento e a gravidade do comportamento dorequerido justificam a dispensa do contraditório prévio. Se não se apurar que odesapossamento foi obtido por meio de esbulho com violência, deverá ser decretada aprovidência adequada a enquadrar no procedimento cautelar comum, isto é, serálegítima a convolação do procedimento desde que estejam presentes os pressupostosdo decretamento das providências inominadas;
2. Suspensão de deliberações sociais (artigo 380.º e seguintes CPC): como preliminar deuma ação de declaração de nulidade ou de anulação de deliberação social. A providênciatem como finalidade paralisar a eficácia de deliberações sociais não executadas ou cujosefeitos se protelam ou renovam no tempo (fundamentalmente, deliberações tomadas
pelos órgãos das sociedades ou associações inválidas por contrariedade à lei, aosestatutos ou ao contrato) (artigos 56.º e 58.º CSC). Será assim uma providência que
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pressupõe a apreciação de certos aspetos da sentença que vier a ser proferida na açãoprincipal, muito embora a sua principal função seja inibitória. Os pressupostos dodecretamento da providência são:
a.
A alegação e prova da qualidade de sócio do requerente;b. O respeito pelo prazo de 10 dias estabelecido para solicitação da providência (artigo
380.º, n.º1 e 3 CPC);c. As razões de invalidade da deliberação;d. Os factos de onde resulte a possibilidade de ocorrência de dano apreciável causado
pela futura execução da deliberação;e.
A observância dos requisitos formais (n.º2).O artigo 383.º CPC prevê a aplicação da disciplina deste procedimento, com asnecessárias adaptações, à suspensão de deliberação da assembleia de condóminos comomeio processual instrumental em relação ao direito previsto no artigo 1433.º CC.
3.
Alimentos provisórios (artigos 383.º e seguintes CPC): medida requerida nadependência de uma ação constitutiva em que se pretenda a fixação de alimentos(definitivos), por exemplo, uma ação declarativa constitutiva da obrigação de alimentossubsequentes a divórcio ou separação de pessoas e bens, se a necessidade do alimentadosurgir ulteriormente. A providência tem como finalidade proteger antecipadamente ofuturo credor de uma prestação de alimentos (providência antecipatória). Ospressupostos do decretamento da providência são:a.
A alegação e prova da relação de que resulta o direito de alimentos, da situação denecessidade e da possibilidade do requerido para efeitos de determinação da
medida da prestação.Este procedimento é caracterizado pela celeridade e simplificação, pelo respeito pelocontraditório e pela preferência pela resolução consensual do litígio (artigo 385.º CPC).Sublinhe-se ainda o regime especial da responsabilidade do requerente (artigo 387.º CPC)e que, nos termos do artigo 2007.º, n.º2 CC, os alimentos provisórios recebidos não sãorestituídos, nem sequer quando tenha havido de má fé.
4. Arbitramento de reparação provisória (artigos 388.º e seguintes CPC) na
dependência de uma ação de indemnização por morte ou lesão corporal : aprovidência tem como finalidade remediar uma situação premente de carência provocadapela morte ou lesão corporal da pessoa a quem o requerente podia exigir alimentos ouque dele os recebia em cumprimento de uma obrigação natural (artigo 495.º, n.º3 CPC),ou lesão corporal do próprio requerente (providência antecipatória. Este procedimento é
também aplicável nos casos em que a pretensão indemnizatória se fune em danosuscetível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado (artigo 388.º,n.º4 CPC). Os pressupostos do decretamento da providência são:~a.
A alegação e prova dos factos que indiciem a existência da obrigação de indemnizar;e
b. A situação de necessidade do requerente em consequência dos danos sofridos
(artigo 388.º, n.º2 CPC).É aplicável a este procedimento, com as necessárias adaptações (artigo 388.º, n.º1 CPC),o disposto relativamente à providência de alimentos provisórios (artigo 385.º CPC). Nostermos do artigo 390.º CPC, as quantias que forem pagas deverão ser abatidas na
indemnização global e deverão ser restituídas quando a providência caducar ou a decisão
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proferida na ação principal não atribuir qualquer indemnização; se na ação principal forarbitrada uma indemnização inferior, o lesado deve ser condenado a restituir a diferença.
5. Arresto (artigos 391.º e seguintes CPC, 601.º e 619.º, n.º1 CC): medida requerida por
quem se arroga a qualidade de credor do requerido. A providência tem como finalidadeassegurar a garantia patrimonial do credor (providência conservatória). A sua inserçãosistemática no Código Civil manifesta a função de conservação de garantia patrimonialdo credor, destinando-se a uma atuação preventiva sobre os bens do devedor,assegurando que os bens se irão manter na esfera jurídica do devedor até ao pagamentoda dívida. O arresto consiste numa apreensão judicial dos bens à qual são aplicáveis asdisposições relativas à penhora, em tudo o que não contrariar o especialmente previstopara este procedimento (artigo 391.º CPC). Os bens são entregues a um depositário queos guarda em nome do tribunal. O arresto dá ao credor prioridade em face dos demaiscredores comuns no pagamento através de venda dos bens arrestados. O arresto pode
ser requerido na dependência de uma ação declarativa de condenação ou de uma açãoexecutiva. O arresto é decretado sem que o requerido seja ouvido (artigo 408.º, n.º1 CPC);só o será depois de notificado da concretização do mesmo (artigos 366.º, n.º6 e 372.º,n.º1 CPC), pelo que deve ser proferida decisão no prazo máximo de 15 dias (artigo 363.º,n.º2 CPC). Os pressupostos do decretamento da providência são:a. A alegação e prova de factos que tornam provável a existência de um direito de
crédito e de factos de onde resulte o justificado receio da perda da garantiapatrimonial;
b. O relacionamento dos bens que devem ser apreendidos (artigo 392.º, n.º1 CPC).
O CPC 2013 consagrou um procedimento de arresto especial com a possibilidade de ocredor obter o decretamento de arresto, sem necessidade de demonstração do justoreceio de perda da garantia patrimonial do bem que foi transmitido mediante negócio
jurídico quando estiver em dívida, no todo ou em parte, o preço da respetiva aquisição(artigo 396.º, n.º3 CPC).
6. Embargo de obra nova (artigo 397.º e seguintes CPC): a providência tem comofinalidade suster a ofensa a um direito real ou pessoal de gozo ou a violação da possa deuma coisa em consequência de obra, trabalhos ou serviço novo (providênciaconservatória, na medida em que se pretende obter a manutenção da situação de factoaté à resolução do litígio na ação principal). No âmbito das situações jurídicas tuteláveispor esta providência cabem os direitos reais (direito de propriedade, de servidão predial,de superfície, de usufruto, de uso e habitação); a referência a direitos pessoais de gozo
permite abranger todos os direitos com origem obrigacional mas que conferem ao seutitular o poder de fruição de um determinado bem, como o direito do locatário oucomodatário e o direito do promitente adquirente quando já tenha havido a entrega dacoisa. A tutela cautelar abrange ainda a defesa contra atos materiais ofensivos da situaçãode facto – para alguma doutrina, verdadeiro direito – traduzida na posse. Sendo deferidaa providência, o juiz ordena a suspensão dos trabalhos, A lei prevê um embargo
extrajudicial de procedimento mais célere mas dependente, para a sua subsistência, deratificação judicial (artigo 397.º, n.º2 e 3 CPC). Em regra, o requerido deve ser ouvido, nostermos do artigo 366.º, n.º1 CPC. O embargo da obra nova pode ser requerido nadependência de uma ação destinada a resolver o conflito sobre a titularidade do direito
real ou pessoal de gozo em causa ou da sua posse. Os pressupostos do decretamento daprovidencia são:
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a. Alegação e prova de factos de onde resulte o direito do requerente;b.
A ofensa a esse direito; ec.
Que essa ofensa (de ordem patrimonial) seja consequência de obra, trabalho ou
serviço novo e ainda não concluído.Ao contrário do que vimos acontecer na maioria das providências cautelares, neste casoexige-se que a obra, trabalho ou serviço já tenha ofendido o direito do requerente. Odecretamento da providência determina a proibição do prosseguimento da obra,prevendo a lei, por um lado, meios de reação contra inovação abusiva (artigo 402.º CPC),por outro lado, a dedução de um incidente de autonomização de continuação da obra(artigo 401.º CPC).
7. Arrolamento comum (artigo 403.º e seguintes CPC): a providência tem como
finalidade evitar o extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, oudocumentos que são objeto do direito do requerente (providência conservatória). O
arrolamento consiste na descrição, avaliação e depósito dos bens (artigo 406.º, n.º1 CPC).Pressupostos do decretamento da providência:
a. A alegação e prova de factos de onde resulte a probabilidade do direito; e
b. Prova de factos de onde resulte a probabilidade do direito relativo aos bens(ou a procedência da ação proposta ou a propor); e
c. O justificado receio do extravio ou dissipação de bens ou documentos; d. O relacionamento dos bens que devem ser arrolados (artigo 405.º, n.º1 e 2
CPC).O arrolamento pode ser decretado como preliminar ou incidente de qualqueração em que esteja presente um litígio sobre bens (por exemplo, inventário
relativo a herança indivisa, dissolução de sociedade, interdição ou inabilitação,nulidade de contrato ou de testamento) ou em que seja necessário garantir o nãoextravio de documentos (prestação de contas, apresentação de documentos)(artigo 403.º, n.º2 CPC). A regra é a de que o requerido deve ser citado paradeduzir oposição, cabendo ao juiz decidir, fundamentadamente, sobre ocumprimento do direito ao contraditório por parte do requerido, de acordo comas circunstâncias do caso e a avaliação sobre a questão de saber se a audiênciadeste porá em risco sério o fim ou a eficácia da providência, nos termos do artigo366.º, n.º1 CPC (igualmente, o artigo 363.º, n.º2 CPC).
8.
Arrolamento especial como preliminar ou incidente de processo de divórcio,separação de pessoas e bens ou declaração de nulidade, separação de
pessoas e bens ou declaração de nulidade ou anulação do casamento (artigo
409.º CPC): a especialidade desta providência reside no facto de a lei prescindirnestas situações da alegação e prova de factos de onde resulte o justo receio deextravio, ocultação ou dissipação, tendo em conta o conflito conjugal indiciadopela situação de cessação da vida em comum. Tem sido entendido que estearrolamento especial é decretado na dependência da ação de divórcio ou deseparação de pessoas e bens (e do processo administrativo de divórcio ou
separação de pessoas e bens por mútuo consentimento), ação de anulação docasamento ou causa de nulidade do mesmo (casamento católico). Por isso,
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quando o arrolamento é decretado como preliminar de uma ação de divórcio,por exemplo, apenas impende sobre o requerente o ónus de intentar tal ação,não o ónus de promover o inventário para a partilha subsequente.
Sublinhe-se, finalmente, que os procedimentos que relativos à restituição provisória dapossa (artigo 378.º CPC) e ao arresto (artigo 393.º, n.º1 CPC) dispensam a audiência daparte contrária. O disposto no artigo 374.º, n.º2 CPC, referente à possibilidade de o juizfazer depender a concessão da providência da prestação de caução adequada pelorequerente, apenas é aplicável ao arresto e ao embargo de obra nova (artigo 376.º, n.º2CPC). No caso dos procedimentos cautelares especificados previstos no CPC, o juiz nãopode recusar o decretamento da providência com fundamento em que o prejuízo delaresultante para o requerido excede consideravelmente o dano que com ela o requerentepretende evitar, não sendo de atender ao princípio da proporcionalidade contido noprocedimento comum (artigo 368.º, n.º2 CPC). Note-se que também neste âmbito o juiznão se encontra vinculado a decretar a providência concretamente requerida, podendodecretar uma providência distinta.
Instrumentalidade e provisoriedade das providências cautelares e a dispensa
do ónus da propositura da ação no CPC de 2013:
1. Aspetos gerais : no Código de Processo Civil de 2013, o procedimento cautelarmantém as características já apresentadas na legislação anterior: em regra, édependente de uma ação, proposta ou a propor pelo requerente, que tenha por
fundamento o direito acautelado, pelo que a medida decretada é instrumental eprovisória, estando destinada a caducar se a ação principal não for proposta ouse vier a ser julgada improcedente (artigos 364.º, n.º1 e 373.º CPC). Ainstrumentalidade e a provisoriedade da medida envolvem, em muitos casos,uma duplicação desnecessária de atos e um desperdício dos meios destinados àresolução do mesmo conflito. Com efeito, frequentemente estarão em causa aalegação e prova dos mesmos factos, repetindo-se, no contexto da ação principal,muitos dos atos que já tiveram lugar em sede de procedimento cautelar. Estaverificação levou à consagração do regime da inversão do contencioso no CPC
2013, regime da inversão do contencioso no CPC 2013, regime que permite quea providência decretada se possa consolidar como composição definitiva dolitígio, quebrando-se assim a regra da instrumentalidade e provisoriedade dasprovidências cautelares (artigos 369.º, n.º1 e 371.º, n.º1 CPC). Este regime tem oseguinte esquema simplificado: 1) Para além de decretar a providência, se tiver formado convicção segura acerca da
existência do direito acautelado a pedido do requerente, o juiz pode dispensá-lo doónus de propositura da ação principal, determinando a inversão do contencioso(artigo 369.º, n.º1 e 2 CPC);
2) O requerido fica, então, onerado com o ónus da propositura da ação principal no
prazo de 30 dias (artigo 371.º, n.º 1 CPC);
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3) Se o requerido não propuser a ação destinada a impugnar a existência do direitoacautelado, a providência decretada consolida-se como composição definitiva dolitígio (artigo 371.º, n.º1 CPC).
2.
Pressupostos e fundamentos da chamada inversão do contencioso : a de3cisão dedecretar a inversão do contencioso depende do requerimento da parte interessada(requerente) até ao encerramento da audiência final (artigo 369.º, n.º1 e 2 CPC). O juizapenas pode tomar esta decisão se a providência decretada for adequada a realizar acomposição definitiva do litígio. A este propósito, parece ser de convocar o disposto non.º4 do artigo 376.º CPC, relativo à aplicação do regime da inversão do contencioso àsprovidências previstas em legislação avulsa cuja natureza permita realizar a composiçãodefinitiva do litígio. O artigo 362.º CPC realiza uma distinção entre providênciasconservatórias e antecipatórias, parecendo não restar dúvidas de que a naturezaconservatória de uma providência excluirá que possa ter aptidão para realizar a
composição definitiva do litígio. Compreende-se assim que as providências nominadasde arrolamento e arresto estejam fora do âmbito de aplicação deste regime (artigo 376.º,n.º4 CPC, a contrario ). O requerido é ouvido sobre a questão, a não ser que se trate deprocedimento sem contraditório prévio; nesse caso, poderá opor-se à inversão docontencioso conjuntamente com a impugnação da providência decretada (artigos 369.º,n.º2 e 372.º, n.º2 CPC). Finalmente, o juiz tem de ter formado uma convicção seguraacerca da existência do direito acautelado, o que envolve uma convicção diversa daexigida para o decretamento da providência cautelar. Com efeito, para decretar aprovidência cautelar requerida, basta que o juiz se convença da probabilidade séria da
existência do direito (artigo 368.º, n.º1 CPC). Significa isto que, apesar de o procedimentocautelar continuar a manter as suas características próprias, nomeadamente de celeridadee de instrução sumária, para deferir o pedido de inversão do contencioso, o juiz terá deformar uma convicção similar à que é exigida para proferir uma decisão definitiva numaação. Muito embora a lei preveja o recurso conjunto da decisão que decreta a medida eda decisão que decreta a inversão do contencioso (artigo 370.º, n.º1 CPC), não há dúvidade que se trata de decisões autónomas, de natureza diferente, com pressupostos efundamentos distintos.
3. A dispensa do ónus de propositura da ação principal e a consolidação da
providência como composição definitiva do litígio : logo que transite em julgado adecisão que haja decretado a providência cautelar e invertido o contencioso, o requeridoé notificado para intentar a ação destinada a impugnar a existência do direito acautelado
nos 30 dias subsequentes à notificação, sob pena de a providência decretada seconsolidar como composição do definitiva do litígio (artigo 371.º, n.º1 CPC). O mesmoefeito se verificará no caso em que a ação seja proposta mas o processo venha a estarparado mais de 30 dias por negligência do autor ou o réu seja absolvido da instância(n.º2). Se o requerido propuser a ação e esta for procedente, a providência decretadacaduca depois de a decisão transitar em julgado (artigo 371.º, n.º3 CPC). Este regime
suscita algumas perplexidades, uma vez que pressupõe um momento em que o juizadquiriu uma convicção segura acerca da existência do direito acautelado e,ulteriormente, é procedente uma ação em que se impugnou a existência desse mesmodireito. Mesmo tendo em conta que aquela convicção foi adquirida nos termos de um
procedimento célere e assenta numa análise perfunctória, o regime supõe que a decisãoulterior vem afirmar o contrário do que a primeira afirmou. A epígrafe do artigo 371.º
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CPC refere-se à propositura da ação principal pelo requerido, mas, em rigor, não se tratapropriamente da ação principal. O texto da norma do n.º1 designa a ação a propor pelorequerido como ação de impugnação do direito acautelado. O requerido irá impugnar o
direito sobre cuja existência o juiz considerou haver convicção segura, quando inverteu ocontencioso. Em regra, esta ação de impugnabilidade do direito acautelado será umaação de simples apreciação negativa, embora não necessariamente. A parte inicial danorma do nº1 do artigo 371.º CPC – «sem prejuízo das regras sobre a distribuição do
ónus da prova » – remete para os artigos 342.º e 343.º CC. Assim, se estiver em causa umaação de simples apreciação negativa, competirá ao réu a prova dos factos constitutivosdo direito que se arroga. Repare-se que, em tal caso, o réu nesta ação de impugnação dodireito acautelado será o requerente da providência cautelar, sobre o que recairiam osónus de propor a ação principal e da prova dos factos constitutivos do seu direito, se nãotivesse sido decretada a inversão do contencioso.
4.
Contraditório diferido e recurso : no caso de a providência ter sido decretada semcontraditório prévio, o requerido pode optar por impugnar a decisão que tenha invertidoo contencioso, recorrendo do despacho que a decretou, ou por deduzir oposição sepretender alegar factos ou produzir meios de prova (artigo 372.º, n.º1 e 2 CPC). Dadecisão que decrete a inversão do contencioso não é possível interpor um recursoautónomo: o requerido apenas pode recorrer desta decisão se recorrer da decisão quedecrete a providência cautelar. Por outro lado, o requerente não pode recorrer da decisãoque indefira o pedido de inversão do contencioso (artigo 370.º, n.º1 CPC).
5. Antecedentes do regime da inversão do contencioso na lei processual civil
portuguesa : o regime da inversão do contencioso é uma novidade do CPC de 2013 que
constava da Proposta de Reforma do CPC. Teve ainda como antecedente, na leiprocessual civil portuguesa, o artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 108/2006, 8 outubro, queprocedeu à criação de um regime processual civil de natureza experimental aplicável àsações declarativas cíveis a que não correspondesse processo especial e a ações especiaispara o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos. Esta disposiçãopermitira que o juiz, para além de decretar a providência requerida, proferisse umadecisão sobre o objeto daquela que seria a causa principal, o que, embora incorretamente,se designava por antecipação do juízo sobre a causa principal. Sempre que o juizverificasse que constavam já dos autos os elementos necessários à resolução definitivado caso, oficiosamente ou a pedido da parte, podia antecipar a decisão sobre a causaprincipal. O que acontecia na prática era que o requerente vinha solicitar ao tribunal que
realizasse a possibilidade referida no artigo 16.º, formulado para o efeito o pedido deconvolação do procedimento cautelar em decisão final. O regime agora consagrado noCPC de 2013 é muito diferente, como foi evidenciado. Se o juiz decretar a medida cautelare inverter o contencioso, o primeiro efeito será o da dispensa do ónus de intentar a açãoprincipal pelo requerente. O ónus de propositura de uma ação – ação de impugnação dedireito acautelado – passará a onerar o requerido. O conceito de inversão do contencioso
reporta assim à inversão das posições das partes na ação ligada ao procedimento cautelar:em regra, o requerente será o autor na ação principal, sob pena de caducidade daprovidência; invertido o contencioso, passará a ser o requerido o autor na ação deimpugnação do direito acautelado. O segundo efeito ocorrerá por força da cominação
associada ao ónus da propositura da ação: se o requerido não propuser tal ação no prazoprevisto, a providência decretada consolida-se como composição definitiva do litígio.
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Sendo requerida a dispensa do ónus da propositura da ação, o tribunal pode entenderconceder a medida solicitada e, além disso, quando tenha alcançado um juízo de certezarelativamente à existência do direito, pode atribuir-lhe a virtualidade de dirimir
definitivamente o litígio, isto é, de produzir os seus efeitos indefinidamente no tempo,sem necessidade de confirmação por uma decisão ulterior. A propósito da inversão docontencioso, revisita-se a discussão há muito iniciada e ainda não finda sobre a naturezada tutela cautelar e sua articulação com a tutela plena. Alguns autores perfilham umaabordagem restrita deste novo instituto, no sentido de que se dirige apenas aos casosem que o juiz pode concluir que o conflito ficaria resolvido com o decretamento daprovidência. Só poderá ser adequada à composição definitiva do litígio quando o conflitoficar sanado com o decretamento da providência, e a ação principal desnecessária, apenasdestinada a satisfazer a exigência legal e evitar a caducidade da providência. O que a leiadmite é apenas que o juiz possa entender que a providência permite a composição
definitiva do litígio e, em conformidade, que a ação seja dispensável. Seja como for,parece que o juiz sempre terá de prever o resultado que seria obtido na ação principalpara verificar se a medida tem a virtualidade de se consolidar, pelo decurso do tempo,em resolução definitiva do litígio.
6. Aplicação do regime da inversão do contencioso no âmbito dos procedimentos
especificados : o regime da inversão do contencioso é aplicável, com as devidasadaptações, nos procedimentos de restituição provisória da posse, de suspensão dedeliberações sociais, de alimentos provisórios, de embargo de obra nova, bem como nasdemais providências previstas em lei avulsa que tenham caráter antecipatório dos efeitos
da ação principal (artigo 376.º, n.º4 CPC). Podem colocar-se algumas dúvidas quanto àutilidade do regime da inversão do contencioso em alguns dos procedimentosmencionados. No caso do procedimento de alimentos provisórios, o requerente poderáter interesse em solicitar ao tribunal que a pensão de alimentos fixada pelo juiz a títuloprovisório possa manter-se indefinidamente, se não for posta em causa em açãointentada pelo requerido no prazo previsto. Concebe-se que o seu interesse fiquesatisfeito pelo simples decretamento da providência, sobretudo para quem entenda queos pressupostos da constituição da pensão de alimentos provisórios e os critérios defixação da sua medida são idênticos aos dos definitivos. Nos outros procedimentoscautelares expressamente mencionados, já é mais difícil compreender como é que aprovidência solicitada pode ter aptidão para se consolidar como decisão definitiva dolitígio. A distinção entre a medida solicitada e a decisão que importaria a solução
definitiva do litígio é evidente no caso do procedimento do embargo de obra nova. Amedida solicitada é que a de que seja mandado suspender imediatamente a obra,
trabalho ou serviço novo (artigo 397.º, n.º2 CPC), e o decretamento do embargodetermina a proibição de prosseguimento da obra. No entanto, a ação principal teriasobretudo a ver com a discussão sobre a titularidade dos direitos reais envolvidos e opedido formulado incluiria a condenação do réu na obrigação de destruir a obra járealizada. Embora se possa conceber que o requerente se considere satisfeito com umembargo que permaneça indefinidamente no tempo se não for proposta a ação deimpugnação, parece que, pela sua própria natureza, o decretamento do embargo, por si
só, não terá aptidão para se consolidar como solução definitiva do litígio. A não ser que
o requerimento de inversão do contencioso possa incluir o pedido de que o tribunal,além de decretar a providência e inverter o contencioso, profira uma outra decisão, com
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um conteúdo distinto do embargo, com aptidão para compor definitivamente o litígio,se não for impugnada pelo requerido, o que não parece de admitir no contexto dasolução acolhida pelo CPC de 2013. No que diz respeito à restituição provisória da posse,
esta providência é um meio de defesa da posse, visando a reconstituição da situaçãoanterior ao desapossamento violento. Requer-se assim a tutela de uma situação de factoou de uma situação de aparência de direito, podendo ser requerida na dependência deuma ação em que se discuta a posse ou a titularidade do direito de propriedade ou outrodireito real. As dúvidas sobre a utilidade de um pedido de inversão do contenciososurgem quanto à própria identificação do direito acautelado de forma a permitir aconsolidação da decisão como definitiva, sabendo-se que o recurso à tutela possessóriaé muitas vezes motivado pela dificuldade em provar diretamente a titularidade do direito,uma vez que o possuidor goza da presunção da titularidade do direito (artigo 1268.º CC).Não será talvez impossível que, num procedimento com estas características, o tribunal
consiga alcançar uma certeza sobre a existência do direito de propriedade, por exemplo;no entanto, a composição definitiva do litígio, neste caso, consistiria numa declaraçãosobre o titular do direito de propriedade, que não pode ser obtida pela via da simplesconsolidação da medida cautelar. O requerente terá de propor uma ação com esse objeto.
1) O caso particular da providência de suspensão de deliberações sociais: a situaçãomais complexa será a do procedimento cautelar especificado da suspensão dedeliberações sociais (artigos 380.º a 383.º CPC). A providência de suspensão temcomo finalidade paralisar a eficácia de deliberações sociais inválidas porcontrariedade à lei, aos estatutos ou ao contrato (artigos 56.º e 58.º CSC). Será assimuma providência cujo decretamento pressupõe a apreciação de certos aspetos queterão de ser considerados na sentença que vier a ser proferida na ação principal. Os
pressupostos do decretamento da providência são:a. A alegação e prova da qualidade de sócio;b. O respeito pelo prazo de 10 dias estabelecido para solicitação da providência;c. A alegação das razões de invalidade da deliberação;d. A alegação e prova sumária de factos de onde resulte a possibilidade de
ocorrência de dano apreciável causado pela futura execução da deliberação(artigo 380.º, n.º1 e 3 CPC). ;
e.
A junção da cópia da ata da assembleia em que a deliberação foi tomada oudocumento comprovativo da deliberação no caso de a lei dispensar a reuniãode assembleia (artigo 380.º, n.º2 CPC).
A providência de suspensão de deliberações sociais é instrumental relativamente auma ação principal em que o sócio ponha em causa a validade da deliberação (açãoanulatória ou ação de simples apreciação da nulidade), ação esta que deve serproposta contra a sociedade (artigos 56.º, 58.º, 59.º e 60.º CPC). Para a ação deanulação, têm legitimidade ativa o órgão de fiscalização ou qualquer sócio que nãotenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente tenha aprovado adeliberação expressa ou tacitamente. A sentença que declarar nula ou anular umadeliberação é eficaz contra e a favor de todos os sócios, mesmo que não tenhamsido parte ou não tenham intervindo na ação (artigo 61.º CSC). É ainda de fazer notarque o prazo para a propositura da ação de anulação de deliberação social é de 30
dias a partir da data em que foi encerrada a assembleia geral; ou do 3.º diasubsequente à data do envio da ata de deliberação por voto escrito; ou da data em
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que o sócio teve conhecimento da deliberação, se esta tiver incidido sobre assuntoque não constava da ordem do dia (artigo 59.º, n.º2 CSC).
2)
Inversão do contencioso e propositura da ação de impugnação do direitoacautelado: o reconhecimento das especificidades da providência de suspensão dedeliberações sociais manifesta-se desde logo no facto de o CPC de 2013 incluir, nadisciplina relativa ao respetivo do contencioso. O artigo 382.º CPC refere-se ao inícioda contagem do prazo de 30 dias para a propositura da ação referida no artigo 371.º,n.º1 CPC (nº.1) e à legitimidade para a propor ou nela intervir (n.º2). Quanto aoprimeiro aspeto, o prazo de 30 dias para ser proposta a ação de impugnação dodireito acautelado conta-se a partir da notificação da decisão judicial que hajasuspendido a deliberação, e não da notificação do trânsito em julgado dessa decisão,como é a regra nos termos do artigo 371.º, n.º1 CPC (alínea a)); ou conta-se a partirdo registo, quando obrigatório, da decisão judicial (alínea b)). A alínea b) está
pensada para assegurar o conhecimento da decisão de inversão do contencioso dequem, não sendo parte, dela não foi notificado, mas que será afetado pelo efeito deconsolidação da providência. O n.º2 do artigo 282.º CPC refere que para propor aação de impugnação da existência do direito acautelado têm legitimidade, além dorequerido, aqueles que teriam legitimidade para a ação de nulidade ou anulação dasdeliberações sociais. Esta disposição tem de ser devidamente interpretada. Como foirequerido, a ação principal, se instaurada pelo requerente, seria uma ação deanulação ou de simples apreciação da nulidade. A ação de impugnação do direitoacautelado será uma ação em que o autor pugnará pela validade da deliberação emcausa: a procedência da ação determinará a caducidade da providência que
implicava a ineficácia daquela deliberação (artigo 371.º, n.º3 CPC). A legitimidadeativa para a propositura da ação de impugnação terá de ser estabelecida em termosde relação simétrica com os legitimados para a ação de nulidade ou de anulação.Como vimos, para a ação de anulação, têm legitimidade ativa o órgão de fiscalizaçãoe qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento nemposteriormente tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente (artigo 59.º,n.º1 CSC); a ação de declaração de nulidade pode ser requerida por qualquerinteressado, sendo de notar a especial intervenção do órgão de fiscalização dasociedade (artigo 57.º CSC). A legitimidade ativa para a ação de impugnação do
direito acautelado é, em primeiro lugar, de quem tenha legitimidade passiva paraintervir na ação de anulação, isto é, a própria sociedade (artigo 60.º, n.º1 CSC); mas,além disso, também deverá ser reconhecida legitimidade ativa aos que poderão terinteresse na caducidade da providência de suspensão e na eficácia da deliberação,ou seja, a qualquer sócio que tenha votado no sentido que fez vencimento ouposteriormente aprovou a deliberação, expressa ou tacitamente. A finalidade destaalínea b) será a de alargar o âmbito da legitimidade ativa para a ação de impugnação,para além da sociedade requerida, a outros sócios que terão interesse na eficácia dadeliberação. Compreende-se esta disposição na medida em que a inércia dasociedade requerida em propor a ação de impugnação pode ter como efeito aconsolidação da providência como definitiva, o que afeta todos os sócios que nãoestejam interessados na suspensão ad aeternum da deliberação. A ação de
impugnação do direito acautelado será, neste caso, uma ação de simples apreciaçãopositiva. Ao decretar a suspensão da deliberação e inverter o contencioso, o juiz terá
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formado convicção segura acerca da existência do direito acautelado, ou seja, dodireito de obter a anulação ou a declaração de nulidade da deliberação social. A açãode impugnação visará impugnar a existência do direito acautelado, ou seja, destinar-
se-á a declarar que a deliberação é válida, pelo que, para ser procedente, caberá aoautor o ónus de alegar e provar os factos que suportam a validade da deliberaçãoem causa.
3) O conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais e a
consolidação da providência como composição definitiva do litígio: é tambémdifícil de compreender neste caso o significado da consolidação da providência desuspensão como composição definitiva do litígio. Na verdade, o decretamento daprovidência de suspensão não importa a antecipação provisória dos efeitos dadecisão definitiva sobre a invalidade, apenas suspende a eficácia integral dadeliberação, inibindo a sua execução (artigo 383.º, n.º3 CPC). No caos de deliberação
anulável, o decretamento da providência determinará que os respetivos efeitos jurídicos fiquem num estado de quiescência até à sentença proferida na açãoanulatória que virá a operar a eliminação ou revivescência de tais efeitos. Apenas aanulação elimina os efeitos da deliberação, a suspensão não funciona como uma
anulação antecipada. Na hipótese de ser decretada a providência de suspensão einvertido o contencioso, o facto de não ser proposta ação de impugnação do direitoacautelado no prazo previsto, pela sociedade requerida (ou outro dos legitimados),importará a consolidação da decisão cautelar como definitiva, ou seja, a suspensãoad aeternum da deliberação, o que, embora possa equivaler em certos casos a umaanulação ou declaração de nulidade, não deixa de ser uma situação anómala. Sendoa providência de suspensão, em si mesma, transitória e temporária, como pode
consolidar-se como solução definitiva de um litígio que, no fundo, incide sobre avalidade de deliberação social? Parece assim que a inversão do contencioso noâmbito da providência de suspensão de deliberação social apenas poderá ter uminteresse diminuto. A consolidação da providência de suspensão terá interesse nocaso excecional das deliberações nulas, uma vez que não é necessário que a nulidadeseja declarada em ação especialmente intentada com esse fim. Poderá ainda terrelevância se com a própria suspensão se esgotar a modalidade de tutela requerida,por exemplo, quando o requerente apenas pretenda sustar a eficácia da deliberaçãoaté ter passado o dia em que teria lugar um evento nela previsto. Na maior partedos casos, porém, sendo a suspensão instrumental em relação à ação anulatória, não
se verificarão os pressupostos da inversão do contencioso, na medida em que asuspensão da deliberação social ad aeternum não será adequada a realizar acomposição definitiva do litígio, mesmo que o juiz alcance uma convicção segurasobre a anulabilidade da mesma.
Providências de jurisdição voluntária: como consequência da função que foi apontada às
normas do Direito Processual Civil, em rigor, situar-se-ia fora do seu âmbito as normas quemodelam formas de composição heterotutelares, como acontece nos chamados processosespeciais de jurisdição voluntária, muito embora alguns deles ainda seja regulados no Código deProcesso Civil (artigos 986.º e seguintes CPC). Estes processos são delineados de maneira apermitir que o tribunal ajuíze da oportunidade, da conveniência e da adequação da providência
requerida, tutelando o interesse fundamental que o Direito material faz prevalecer. A atividadeexercida pelo juiz será uma atividade administrativa e não propriamente jurisdicional, como nos
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processos de jurisdição contenciosa. Os elementos clássicos da distinção entre a jurisdiçãovoluntária e a jurisdição voluntária têm a ver com o posicionamento das partes, a atividaderealizada pelo juiz e os critérios de julgamento. A atividade de jurisdição voluntária caracteriza-se
fundamentalmente:
1) Pela consagração do princípio do inquisitório no plano da alegação dos factos e da prova(artigo 986.º, n.º2 CPC);
2) Por o juiz não estar subordinado a critérios de legalidade estrita mas por critérios deconveniência e oportunidade, devendo adotar a solução mais adequada à situaçãoconcreta (artigos 987.º CPC);
3)
Pelo facto de as decisões adotadas poderem ser alteradas quando circunstânciassupervenientes ou ignoradas justifiquem a modificação (artigo 988.º, n.º1 CPC);
4) Pelo facto de não ser admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (artigo 988.º,n.º2 CPC).
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Capítulo IV – A eficácia da composição da ação
§1.º - Caso julgado
Enquadramento:
1. Noção: o caso julgado é a insusceptibilidade de impugnação de uma decisão (despacho,
sentença ou acórdão) decorrente do seu trânsito em julgado (artigo 628.º CPC). O caso
julgado traduz-se na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão por
qualquer tribunal (incluindo aquele que a proferiu) em consequência da
insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário. O caso julgado torna indiscutível o resultado da aplicação do direito ao caso concreto que é
realizada pelo tribunal, ou seja, o conteúdo da decisão deste órgão. Só as decisões
suscetíveis de trânsito em julgado – que, aliás, constituem a grande maioria – podem
adquirir o valor de caso julgado. Insuscetíveis de trânsito em julgado, porque
intrinsecamente incapazes de admitir recurso ordinário, são, por exemplo, os despachos
de mero expediente e os proferidos no uso de um poder discricionário (artigo 630.º,
n.º1 CPC), os quais, por isso, não adquirem qualquer valor de caso julgado (artigo 620.º,
in fine CPC). Estas decisões tornam-se irrevogáveis devido ao esgotamento do poder
jurisdicional do juiz (artigo 613.º, n.º1 e 3 CPC). O trânsito em julgado da decisão decorre
da insusceptibilidade de interposição de recurso ordinário ou de reclamação (artigo628.º CPC). Esse trânsito pode resultar, por isso, de duas ordens de fatores:
Da inadmissibilidade de recurso ordinário, atendendo, nomeadamente, ao valor da
causa ou ao montante da sucumbência da parte (artigo 629.º, n.º1 CPC), ao decurso
do prazo de interposição (artigo 638.º, n.º1 CPC) e à renúncia ao recurso pelas
partes da ação ou pela parte vencida (artigo 638.º, n.º1, e 2 3 CPC);
Da insusceptibilidade de reclamação da decisão com fundamento na sua nulidade
(artigo 630.º e 615.º CPC) ou para retificação de erros materiais, esclarecimento ou
reforma quanto a custas ou a lapsos manifestos (artigos 630.º, 613.º, n.º3, 614.º e
616.º CPC).
Essa reclamação também pode ser formulada quanto a acórdãos proferidos pelostribunais superiores (artigo 666.º, n.º1, 685.º, 752.º, n.º3 e 762.º, n.º1 CPC) e a sua
preclusão ocorre, em qualquer caso, com o decurso do prazo geral de 10 dias durante o
qual a parte pode reclamar (artigo 149.º, n.º1 CPC). Note-se que mesmo que a decisão
não seja recorrível, ela pode ser suscetível de reclamação, pelo que, nesse caso, o
trânsito em julgado não se verifica antes do esgotamento do respetivo prazo.
2. Relevância: o caso julgado é uma exigência da boa administração da justiça, da
funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, pois que evita que uma
mesma ação seja instaurada várias vezes, obsta a que sobre a mesma situação recaiam
soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios que os tribunais são
chamados a dirimir. Ele é, por isso, expressão dos valores de segurança e certeza que
são imanentes a qualquer ordem jurídica. O caso julgado das decisões judiciais é uma
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consequência da caracterização dos tribunais como órgãos de soberania (artigo 113.º,
n.º1 CRP). Neste enquadramento, o artigo 208.º, n.º2 CRP estabelece que as decisões
dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas (nomeadamente, outros
tribunais e entes administrativos) e privadas, prevalecendo, por isso, sobre as dequaisquer outras entidades. Aquela obrigatoriedade, e esta prevalência são conseguidas,
em grande medida, através do valor de caso julgado dessas decisões. Expressão da
relevância constitucional do caso julgado é o limite à retroatividade da declaração de
inconstitucionalidade ou de ilegalidade de uma norma pelo Tribunal constitucional, O
artigo 282.º, n.º3 CRP determina que, em princípio, ficam ressalvados os casos julgados
produzidos durante a vigência da norma declarada inconstitucional ou ilegal, o que
significa que, no ordenamento jurídico português, não é constitucional uma
retroatividade extrema, isto é, uma retroatividade que destrua o valor de caso julgado
de uma decisão. Identicamente, a lei interpretativa, que é dotada de uma retroatividade
menos forte do que a da declaração da inconstitucionalidade ou ilegalidade, tambémdeve respeitar os casos julgados formados durante a vigência anterior da lei
interpretada (artigo 13.º, n.º1 CC). Um outro reflexo da importância concedida ao caso
julgado pelo ordenamento processual é a admissibilidade de recurso ordinário, qualquer
que seja o valor da causa, quando ele tenha por fundamento a ofensa de caso julgado
(artigo 629.º, n.º2 CPC). Assim, mesmo que a ação não exceda a alçada do tribunal que
proferiu a decisão (e, por maioria de razão, ainda que o valor da sucumbência da parte
não exceda metade desse valor), a parte pode recorrer dela se invocar o desrespeito do
caso julgado.
3. Modalidades: o caso julgado pode ser:
a.
Formal: só tem um valor intraprocessual, ou seja, só é vinculativo no próprioprocesso em que a decisão foi proferida (artigo 620.º CPC);
b. Material: além de uma eficácia intraprocessual, é suscetível de valer num processo
distinto daquele em que foi proferida a decisão transitada (artigo 619.º, n.º1 CPC).
Quer dizer: o caso julgado material é sempre vinculativo no processo onde a
decisão foi proferida, mas também o pode ser num outro processo.
As decisões proferidas numa ação pendente podem ser decisões de forma, se incidem
sobre aspetos processuais, ou decisões de mérito, se apreciam, no todo ou em algum
dos seus elementos, a procedência ou improcedência da ação. Esta distinção reflete-se
no respetivo valor de caso julgado: em regra, as decisões de forma adquirem apenas o
valor de caso julgado formal (artigo 620.º CPC); pelo contrário, as decisões de mérito
são, em princípio, as únicas que são suscetíveis de adquirir a eficácia de caso julgado
material (artigo 619.º, n.º1 CPC). Isto significa que tanto as decisões de forma, como as
decisões de mérito, são, quando transitadas, vinculativas no próprio processo em que
foram proferidas, mas que só as decisões de mérito podem ser obrigatórias num outro
processo. Esta diferente eficácia dessas decisões (decorrente do respetivo caso julgado)
explica-se pelo seu próprio objeto: como as decisões de forma recaem sobre aspetos
processuais (como, por exemplo, a apreciação de um pressuposto processual ou a
admissibilidade de um meio de prova), a sua eficácia restringe-se ao processo onde
forma proferidas; pelo contrário, as decisões de mérito confirmam ou constituem
situações jurídicas, que podem ser relevantes para a apreciação ou constituição de
outras situações (numa hipótese de relação de prejudicabilidade) e não podem sercontrariadas ou negadas noutro processo. Apenas algumas eventualidades constituem
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Efeitos:
1. Efeitos processuais: após o proferimento de uma decisão judicial, verifica-se a extinção
do poder jurisdicional do juiz (artigo 613.º, n.º3 CPC), o que significa que o tribunal nãopode, motu próprio, voltar a pronunciar-se sobre a matéria apreciada. Desta extinção
decorrem dois efeitos:
a. Um efeito negativo: insusceptibilidade de o próprio tribunal que proferiu a
decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar;
b. Um efeito positivo: vinculação desse tribunal à decisão por ele proferida.
Mas a extinção do poder judicial não obsta a que a decisão seja impugnada pela parte
interessada perante o próprio tribunal ou perante um tribunal de recurso; pelo contrário,
a admissibilidade dessa impugnação pressupõe que o juiz esgotou a possibilidade de se
pronunciar sobre a questão decidida, porque só podem ser impugnadas decisões
definitivas. É a essa impugnação que se vem opor o trânsito em julgado da decisão. O
caso julgado realiza, por isso, os seguintes efeitos:
a. Um efeito negativo: traduz-se na insusceptibilidade de qualquer tribunal
(mesmo, portanto, aquele que decidiu) se voltar a pronunciar sobre a decisão
proferida;
b.
Um efeito positivo: resulta da vinculação do tribunal que proferiu a decisão e,
eventualmente, de outros tribunais ao que nela foi definido ou estabelecido.
Estes efeitos característicos do caso julgado são os seus efeitos processuais. A
descoberta da dupla função do caso julgado foi realizada por F. Keller, que distinguiu
entre uma função positiva, que consiste na vinculação ao resultado do processo, e um
efeito negativo, que se traduz na consunção da actio. Pode suceder que estes efeitosprocessuais não venham a ser respeitados, situação que origina casos julgados
contraditórios (quer em processos distintos, quer num mesmo processo). Para aquela
eventualidade, o artigo 625.º, n.º1 CPC, estabelece que, havendo duas decisões
contraditórias sobre o mesmo objeto, vale aquela que primeiramente transitar em
julgado. Este princípio da prioridade do trânsito em julgado é igualmente aplicável, por
força do disposto no artigo 625.º, n.º2 CPC, às decisões que, num mesmo processo,
versem sobre a mesma questão concreta. Por isso, se tiver sido interposto recurso da
segunda decisão, o mesmo tem necessariamente de improceder, dada a vinculação do
tribunal e das partes ao caso julgado da primeira decisão. Se a contradição se verificar
entre uma sentença nacional e uma sentença estrangeira, a consequência é a
impossibilidade de reconhecimento desta última (artigo 980.º, alínea d) CPC; artigo 45,
n.º1, alínea c) R). Se existir contradição entre duas sentenças estrangeiras, só pode ser
reconhecida a que tiver sido proferida em primeiro lugar (artigo 45.º, n.º1, alínea d) R).
2. Efeitos substantivos: o caso julgado material produz efeitos substantivos, que são
diferenciados consoante a situação jurídica a que se refere a decisão transitada. O caso
julgado pode realizar um efeito confirmativo de uma situação jurídica preexistente:
nesta hipótese, o caso julgado fornece apenas um novo título para essa situação (como,
por exemplo, um direito de crédito resultante de um mútuo ou um direito de
propriedade proveniente de uma compra e venda). Mas o caso julgado também pode
manifestar-se num efeito constitutivo (lato sensu): nas ações constitutivas, isto é,
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quando através da ação se exerce um direito potestativo, o caso julgado da respetiva
decisão constitui uma nova situação ou modifica ou extingue uma situação preexistente.
3. Efeitos normativos: o caso julgado integra, por vezes, a previsão de uma norma jurídica
da qual decorrem, ipso iure, certas consequências jurídicas: esse é o seu efeitonormativo. Assim, por exemplo, o caso julgado material levanta a interrupção da
prescrição decorrente da citação do réu (artigo 323.º, n.º1 e 327.º, n.º1 CC) e sujeita o
direito reconhecido ao prazo ordinário de prescrição (artigo 311.º, n.º1 CC); o caso
julgado da sentença que decreta a separação judicial de bens implica que o regime de
bens do casal passa a ser o de separação (artigo 1770.º CC); o caso julgado da sentença
de divórcio marca o momento da dissolução do casamento (artigo 1789.º, n.º1 CC).
Sobre outros exemplos do efeito normativo do caso julgado: artigos 829.º-A, n.º4, 845.º,
n.º2, 2002.º-D, n.º1 CC; artigo 142.º, n.º4 CSC.
Caso julgado material:
1. Casuísmo: o caso julgado material pode produzir efeitos num processo distinto daquele
em que foi proferida a decisão transitada. Mas, abstraindo, por agora, dos problemas
relacionados com o seu âmbito subjetivo, esse caso julgado produz efeitos diferenciados
consoante a relação entre o objeto da decisão transitada e o do processo posterior.
2. Relações de identidade: se o objeto da decisão transitada for idêntico ao do processo
subsequente, isto é, se ambas as ações possuírem a mesma causa de pedir e nelas for
formulado o mesmo pedido, o caso julgado vale, no processo posterior, como exceção
de caso julgado (artigos 580.º, n.º1, in fine CPC e 581.º, n.º3 e 4 CPC). Essa exceção tem
como finalidade evitar que o tribunal da ação posterior seja colocado na alternativa de
contradizer ou de reproduzir a decisão transitada (artigo 580.º, n.º2 CPC). Isto é, essaexceção implica para este tribunal quer uma proibição de contradição da decisão
transitada, quer uma proibição de repetição daquela decisão. Coerentemente com a
dupla proibição de contradição e de repetição,, o tribunal da ação posterior deve abster-
se de qualquer pronúncia sobre o mérito. Ou seja, a exceção de caso julgado constitui,
tal como a litispendência, um pressuposto processual negativo e, portanto, uma
exceção dilatória (artigo 577.º, alínea i) CPC). A função da exceção de caso julgado é
tanto a de proibir que o tribunal da segunda ação, dada a sua vinculação ao caso julgado
da decisão transitada, profira uma decisão contraditória com a anterior, como a de
obviar que esse órgão seja obrigado, numa situação de identidade de causas, a repetir
a decisão transitada. A abstenção de pronúncia de qualquer decisão sobre o mérito é,por isso, a única coerente com a dupla função da exceção de caso julgado.
3. Relações de prejudicabilidade: a relação de prejudicabilidade entre objetos processuais
verifica-se quando a apreciação de um objeto (que é o prejudicial) cosntitui um
pressuposto ou condição do julgamento de um outro objeto (que é o dependente).
Também nesta situação tem relevância o caso julgado: a decisão proferida sobre o
objeto prejudicial vale como autoridade de caso julgado na ação em que é apreciado o
objeto dependente. Nesta hipótese, o tribunal da ação dependente esta vinculado à
decisão proferida na causa prejudicial. Assim, por exemplo, o reconhecimento da
propriedade na ação de reivindicação vale como autoridade de caso julgado num
processo posterior em que o proprietário requer a condenação da contraparte no
pagamento de uma indemnização pela ocupação indevida do imóvel; a autoridade de
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caso julgado da desistência de um pedido de simples apreciação de um direito (artigos
283.º, n.º1 e 285.º, n.º2 CPC) vincula o tribunal de uma posterior ação condenatória a
reconhecer que o direito não pertence ao autor e, nessa medida, impede que essa parte
instaure uma ação condenatória relativa ao mesmo direito.4. Relações de concurso: o concurso objetivo verifica-se quando vários objetos processuais
se referem a um mesmo efeito jurídico. Quanto à relevância do caso julgado nas
situações de concurso objetivo, importa distinguir entre as hipóteses em que os vários
objetos concorrentes se referem aos mesmos factos e aquelas em que os objetos,
apesar de concorrentes, se fundamentam em factos diversos. O caso julgado abrange
todas as possíveis qualificações jurídicas do objeto apreciado, porque o que releva é a
identidade da causa de pedir (isto é, dos factos com relevância jurídica) e não das
qualificações jur´diicas que podem ser atribuídas a esse fundamento (artigos 580.º, n.º1
e 581.º, n.º4 CPC). Assim, quando o objeto apreciado for suscetível de comportar várias
qualificações jurídicas – como sucede quando um mesmo facto preenchesimultaneamente a previsão da responsabilidade contratual e extracontratual –, o caso
julgado, ainda que referido a uma única dessas qualificações, abrange-as a todas elas,
porque o tribunal deve apreciar a procedência da caus segundo todas essas
qualificações. Nesta hipótese, a exceção de caso julgado impede que um efeito jurídico
pretendido ou obtido com fundamento numa qualificação jurídica possa ser requerido
com base numa outra qualificação dos mesmos factos. Por exemplo: se o autor não
conseguiu obter a condenação do demandado com fundamento na responsabilidade
contratual, a exceção de caso julgado impede a reapreciação da mesma situação
perspetivada como responsabilidade delitual. Ressalva-se, todavia, a hipótese de o
tribunal não ser competente para apreciar o objeto alegado segundo todas as suaspossíveis qualificações jurídicas: assim, se, por exemplo, a competência é determinada
pelo artigo 7.º, n.º2 R, o tribunal só pode apreciar a responsabilidade delitual do réu,
pelo que não fica precludida a apreciação, numa outra ação, da eventual
responsabilidade contratual do mesmo demandado. Se, contudo, os factos forem
distintos – isto é, se as causas de pedir se referirem a factos diferentes –, a exceção de
caso julgado não pode operar (artigos 580.º, n.º1 e 581.º, n.º4 CPC). Mas isso não
garante, por si só, a viabilidade de uma segunda ação sobre um objeto concorrente com
o da causa anterior. Há que distinguir entre as hipóteses em que a improcedência da
ação obstou a que se tenha produzido o efeito pretendido pelo autor e aquelas em que
da procedência da ação já resultou a produção desse efeito. Na eventualidade de a ação
relativa ao objeto concorrente ter sido improcedente, não existe, em princípio, qualquer
obstáculo à admissibilidade de uma segunda ação: se, por exemplo, o divórcio não foi
decretado com fundamento na violação culposa dos deveres conjugais (artigo 1779.º
CC), nada impede a admissibilidade de uma segunda ação de divórcio fundamentada na
situação de rutura da vida em comum (artigo 1781.º CC); se o credor não conseguiu o
pagamento com base na relação cambiária, nada obsta a que procure obtê-lo com
fundamento na relação subjacente que ainda subsista. As causas de pedir apresentadas
em cada uma daquelas ações dão distintas, pelo que a exceção de caso julgado não
opera (artigo 580.º, n.º1 581.º, n.º4 CPC). Mais complexa é a situação em que a
procedência da primeira ação determinou a produção do efeito jurídico pretendido pelo
autor. Em tal circunstância, em regra, a parte não possui interesse processual para apropositura de uma ação concorrente, pois que, após a procedência da primeira causa,
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ela não carece de qualquer tutela jurisdicional. Mas admitem-se exceções no âmbito
dos chamados efeitos duplos: nalguns casos, aceita-se que um efeito produzido com
base num certo fundamento possa voltar a ser realizado com base numa outra previsão
legal, isto é, admite-se que a parte mantenha o interesse na tutela jurisdicional depoisda produção do efeito numa ação anterior. Assim, por exemplo, um casamento
dissolvido por divórcio pode ser declarado inexistente ou anulado, porque,
diferentemente da dissolução, aquela declaração ou anulação produz uma eficácia
retroativa (artigos 1647.º e 1648.º CC).
§2.º - Limites do caso julgado
Tipologia: o caso julgado não se estende a todos os fundamentos da decisão e preclude a
invocação de questões relacionadas com o thema decidendum, só vale enquanto se mantiver
inalterada a situação apreciada na decisão e, em princípio, só vincula as partes da ação. Isso
significa que o caso julgado possui limites objetivos, temporais e subjetivos.
Limites objetivos:
1. Enquadramento: o problema do âmbito objetivo do caso julgado respeita à
determinação do quantum da matéria que foi apreciada pelo tribunal recebe o valor de
indiscutibilidade do caso julgado. Uma orientação restritiva, segundo a qual o caso
julgado cobre apenas a parte decisória da sentença (artigo 607.º, n.º3, in fine e 663.º,
n.º2 CPC), favorece a concentração da discussão e do julgamento da causa, mas, ao
admitir que os fundamentos da decisão sejam reapreciados numa outra causa, propicia
o proferimento de decisões contraditórias. Em contrapartida, uma orientação ampla,
segundo a qual toda a matéria apreciada (incluindo os fundamentos da decisão, artigo
607.º, n.º3 CPC) fica abrangida pelo caso julgado, favorece a harmonização de julgados,
mas aumenta o campo da litigiosidade entre as partes e, ao vinculá-las às apreciações
sobre aspetos colaterais ou acessórios da causa, pode trazer-lhes consequências
inesperadas.
2. Decisão: o caso julgado abrange a parte decisória do despacho, sentença ou acórdão,
isto é, a conclusão extraída dos seus fundamentos (artigo 607.º, n.º3, in fine CPC e 663.º,
n.º2 CPC), que pode ser, por exemplo, a condenação ou absolvição do réu ou odeferimento ou indeferimento da providência solicitada. Como toda a decisão é a
conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respetivo caso julgado
encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a
decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por
si mesma e independente dos respetivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto
conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio
silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como
conclusão de cetos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos
daquela decisão. Diferentemente, Castro Mendes entende que «a decisão tem vida
autónoma e faz caso julgado absoluto», exemplificando que, se a propriedade éreconhecida com fundamento numa compra e venda, fica coberto pelo caso julgado não
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que o autor é proprietário apenas na medida em que comprou a coisa, mas que o autor
e proprietário. O caso julgado da decisão também possui um valor enunciativo: essa
eficácia de caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela
que ficou definida na decisão transitada. Excluída está, desde logo, a situaçãocontraditória; se, por exemplo, o autor é reconhecido como proprietário, então não o é
o demandado; se o autor é reconhecido como herdeiro, o réu não pode instaurar uma
ação de apreciação negativa dessa mesma qualidade. Além disso, está igualmente
afastado todo o efeito incompatível, isto é, todo aquele que seja excluído pelo que foi
definido na decisão transitada. Se, por exemplo, o réu foi condenado, como devedor, a
cumprir uma prestação ao autor, aquele não pode demandar este último pedindo a
restituição, com base no enriquecimento sem causa, da quantia paga; se o réu foi
condenado a entregar uma coisa ao autor, aquele não pode instaurar uma ação pedindo
a restituição da mesma coisa; se o autor obteve a condenação do réu a cumprir a
prestação a que este se obrigou contratualmente, não pode invocar a invalidade docontrato na ação em que o réu pede o cumprimento da sua prestação sinalagmática. Se,
numa primeira ação, se reconheceu que o réu se encontrava na posse de um prédio por
força da vigência de um contrato de arrendamento, não pode, numa ação posterior,
entender-se que esse contrato fora revogado por acordo escrito anterior à propositura
da primeira ação.
3. Fundamento de facto: em regra, o caso julgado não se estende aos fundamentos de
facto da decisão. Ou melhor: estes fundamentos não adquirem valor de caso julgado
quando são autonomizados da respetiva decisão judicial. Esta solução justifica o
disposto no artigo 91.º, nº.2 CPC, sobre a apreciação incidental: pode inferir-se desse
preceito que, se só a apreciação incidental possibilita que os fundamento das decisãoadquiram valor de caso julgado fora do processo respetivo, é porque tais fundamentos
não possuem em si mesmos esse valor. Isto vale tanto para os fundamentos que
constituem a causa de pedir do pedido ou da reconvenção, como para os factos
(impeditivos, modificativos ou extintivos) que são invocados pelo réu como exceção
perentória. Portanto, pode afirmar-se que os fundamentos de facto não adquirem,
quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado. Esses
fundamentos não valem por si mesmos, isto é, não são vinculativos quando desligados
da respetiva decisão, pelo que eles valem apenas enquanto fundamentos da decisão e
em conjunto com esta. Por exemplo: a relação de paternidade constitui um dos
fundamentos de uma ação de alimentos (artigo 2009.º, n.º1 CC), mas a procedência de
uma ação de alimentos proposta contra um pretenso progenitor não implica que se
considere estabelecida, com força de caso julgado, essa paternidade a paternidade só é
indiscutível enquanto fundamento do dever de alimentos e uma tal indiscutibilidade
significa apenas que o devedor não pode isentar-se do cumprimento da obrigação com
o fundamento de que não é o progenitor do alimentado. A jurisprudência tem reiterado
que são abrangidas pelo caso julgado as questões apreciadas que constituam
antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da sentença. Importa acrescentar,
no entanto, que essas relações de prejudicabilidade ou sinalagmáticas só podem
conduzir à extensão do caso julgado aos fundamentos da decisão quando o processo no
qual ela foi proferida fornecer às partes, pelo menos, as mesmas garantias que lhe são
concedidas no processo em que é invocado o valor vinculativo daqueles fundamentos.A atribuição do valor de caso julgado com base numa relação de prejudicabilidade
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se estender à sua qualificação jurídica. Encontram-se algumas exceções a este princípio.
Elas podem ser agrupadas em dois conjuntos.
a.
Num primeiro cabem as exceções impostas pelo exercício da função
jurisdicional: é o que se verifica no âmbito de um processo pendente: asdecisões definitivas proferidas pelos tribunais superiores sobre o regime
jurídico aplicável são vinculativas para os tribunais recorridos (artigo 4.º, n.º EMJ;
concretizando esta vinculação numa situação especial, artigos 682.º, n.º1 e
683.º, n.º1 CPC);
b.
Um outro conjunto inclui as situações em que uma determinada qualificação
jurídica integra uma previsão legal e em que, portanto, o caso julgado produz
um efeito normativo: assim, por exemplo, são incompensáveis os créditos
provenientes de factos ilícitos (artigo 853.º, n.º1, alínea a) CC), pelo que o
tribunal da execução não pode aceitar a extinção de um desses créditos com
base num contracrédito alegado pelo lesante executado. Dessa circunstânciatambém se pode concluir que, se o tribunal considerar que o lesante agiu com
negligência, o lesado não pode invocar, contra os embargos deduzidos pelo
executado (artigo 728.º, alínea g) CPC) numa ação executiva instaurada por
aquele, que a compensação declarada pelo executado não pode operar, porque
a sua conduta foi dolosa.
Limites temporais:
1. Generalidades: o caso julgado incide sobre uma decisão que apreciou uma questão
concreta. O momento de referência do caso julgado não é, todavia, aquele em que a
decisão é proferida, mas o do termo da discussão na fase da audiência final (sobre essemomento, artigo 604.º, n.º3, alínea e) CPC): isso é demonstrado pela circunstância de
os factos supervenientes só poderem ser alegados ou considerados pelo tribunal até ao
encerramento da discussão (artigo 588.º, n.º1 e 611.º, n.º1 CPC) e de só serem
admissíveis, como fundamento de embargos de executado, os factos extintivos ou
modificativos da obrigação que sejam posteriores a esse momento (artigo 728.º, alínea
g) CPC). Quer dizer: para efeito do caso julgado, apenas os factos ocorridos depois do
encerramento da discussão são considerados factos novos e podem ser invocados como
uma nova causa de pedir numa ação posterior. Essa referência temporal do caso julgado
determina várias consequências:
a. Uma referida ao passado: a preclusão da invocação num processo posterior de
questões não suscitadas no processo findo, mas anteriores ao encerramento da
discussão na fase de audiência final e que nele podiam ter sido apresentadas;
b. Duas outras respeitantes ao futuro: a caducidade do caso julgado e a
suscetibilidade de modificação da decisão transitada se se verificar uma
alteração na situação de facto após o encerramento da discussão na audiência
final.
2. Preclusão: o caso julgado incide sobre uma decisão que deve considerar a matéria de
facto tal como ela se apresenta no momento do encerramento da discussão: a sentença
deve decidir de acordo com a situação existente nesse momento, mesmo que para tal
haja que considerar, dentro dos limites da identidade do objeto, factos constitutivos,
modificativos ou extintivos da situação jurídica posteriores à propositura da ação (artigo
611.º, n.º1 CPC). Identicamente, as partes podem invocar, até esse mesmo momento,
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todos os factos supervenientes à apresentação dos articulados. Também na liquidação
judicial, a data mais recente a que o artigo 566.º, n.º2 CC, manda atender para a fixação
do respetivo montante é o encerramento da discussão em 1.ª instância. Como o facto
constitutivo, modificativo ou extintivo é um facto principal, o tribunal não dispõe sobreele de qualquer inquisitoriedade e não pode considera-lo na sentença, pelo que o poder
que lhe é concedido pelo artigo 611.º, n.º1 CPC só pode referir-se à eventualidade em
que um desses factos foi alegado pelas partes e se constituiu, modificou ou extinguiu
durante o processo. Suponha-se, por exemplo, que o autor imputa a prática de um certo
ato ilícito ao réu; no momento da propositura da ação, essa parte ainda não o praticara,
mas vem a realizá-lo durante a pendência da causa; o tribunal deve considerar esse facto
constitutivo na sentença final. Além dos factos que podiam ter sido alegados nos
articulados normais (artigos 552.º, n.º1, alínea e), 573.º, n.º1, 584.º e 585.º CPC), ficam
igualmente precludidos os factos que o podiam ter sido em articulado superveniente
(artigo 588.º, n.º1 CPC) ou de que o tribunal podia conhecer até ao encerramento dadiscussão (artigo 611.º, n.º1 CPC). Daí que esteja precludida, num processo posterior
(incluindo a ação executiva, artigo 728.º, alínea g) CPC), a invocação de factos que
contrariam o decidido na sentença transitada. Por exemplo: após o decretamento do
divórcio a favor do cônjuge autor, não pode o ex-cônjuge demandado requerer que o
tribunal o decrete a seu favor. O âmbito da preclusão é substancialmente distinto para
o autor e para o réu. Quanto ao autor, a preclusão é definida exclusivamente pelo caso
julgado: só ficam precludidos os factos que se referem ao objeto apreciado e decidido
na sentença transitada. Assim, não está abrangida por essa preclusão a invocação de
uma outra causa de pedir para o mesmo pedido, pelo que o autor não está impedido de
obter a procedência da ação com base numa distinta causa de pedir. Isto significa que
não há preclusão sobre factos essenciais, ou seja, sobre factos que são suscetíveis de
fornecer uma nova causa de pedir para o pedido formulado. Mas está precludida a
invocação pelo autor de factos que visam completar o objeto da ação anteriormente
apreciada, mesmo que com uma decisão de improcedência. Portanto, quanto ao autor
a preclusão incide apenas sobre os factos complementares. Quanto ao âmbito da
preclusão que afeta o réu, há que considerar que lhe incumbe o ónus de apresentar
toda a defesa na contestação (artigo 573.º, n.º1 CPC), pelo que a preclusão que o atinge
é independente do caso julgado: ficam precludidos todos os factos que podiam ter sido
invocados como fundamento dessa contestação, tenham ou não qualquer relação com
a defesa apresentada e, por isso, com aquela que foi apreciada pelo tribunal. Suponha-
se que o autor alegou a prescrição do crédito do autor e não invocou o seu pagamento;a alegação deste último está definitivamente precludida, pelo que essa parte não pode
pretender a sua apreciação numa outra ação com o fundamento de que o tribunal da
causa anterior só desatendeu a prescrição invocada. A preclusão incide igualmente
sobre as qualificações jurídicas que o objeto alegado pode comportar e que não foram
utilizadas pelo tribunal. Se, por exemplo, a parte arguiu, num processo, a nulidade de
uma cláusula contratual, não pode invocar, em processo posterior, a conversão da
mesma cláusula (artigo 293.º CC).
3. Caducidade e substituição: a decisão reporta-se à situação de facto existente no
momento do encerramento da discussão (artigo 611.º, n.º1 CPC), mas não pode ser
indiferente uma alteração ocorrida posteriormente. Quer dizer: também o caso julgadose encontra submetido ao princípio rebus sic standibus e, por isso, deixa de valer quando
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se alterem os condicionalismos de facto em que a decisão foi proferida. O caso julgado
pode perder a sua eficácia por caducidade ou por substituição da decisão transitada. A
caducidade do caso julgado ocorre quando deixa de se verificar a situação de facto
subjacente à decisão. Se, por exemplo, o autor foi reconhecido como proprietário combase num contrato de compra e venda e se, posteriormente, essa mesma parte
transmitiu a coisa a um terceiro, é claro que o réu vencido deixa de estar vinculado a
reconhecer como proprietário o autor alienante, passando antes a dever reconhecer
como proprietário o novo adquirente (com o qual não pode discutir a validade do
contrato celebrado por ele com o agora alienante e que já fora apreciado em juízo).
Eventualidades de caducidade do caso julgado são também aquelas que se encontram
enumeradas no artigo 621.º CPC: se a aparte decaiu por não estar verificada uma
condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado
facto (como, por exemplo, a notificação para cumprimento), o caso julgado não obsta À
renovação do pedido numa ação posterior quando a condição se verifique, o prazo sepreencha ou o facto seja praticado. Convém observar que essa previsão vale tanto para
a parte ativa, como para a parte passiva: se, por exemplo, o réu invocou a verificação de
uma condição resolutiva (artigo 270.º CC) e o tribunal decidiu que a condição ainda não
se tinha verificado, essa parte não está impedida de a voltar a alegar num processo
posterior se essa condição se vier a verificar posteriormente. O âmbito de aplicação do
artigo 621.º CPC é algo mais restrito do que aparente. Na verdade, esse preceito
pressupõe que o autor alega que a condição se verificou, o prazo já decorreu e o facto
já foi praticado e que, pela impugnação realizada pela contraparte, o tribunal conclui
que isso não aconteceu e, com esse fundamento, profere uma decisão de
improcedência. Diferente é a hipótese quando essas circunstâncias são invocadas pelo
réu como exceção (perentória) modificativa: então a ação procede, mas o réu é
condenado a realizar a prestação apenas após o decurso do prazo ou na eventualidade
de a condição se verificar ou de o facto ser realizado. A substituição da decisão
transitada por uma outra pode ser requerida quando se altera a situação de facto a ela
subjacente: também esta substituição é um reflexo da regra rebus sic standibus sobre o
caso julgado. Assim, como se estipula no artigo 619.º, n.º2 CPC, se o réu tiver sido
condenado a prestar alimentos ou a realizar qualquer prestação dependente de
circunstâncias especiais quanto À sua medida ou duração, pode a sentença ser alterada
desde que se modifiquem as condições que determinaram a condenação. O artigo 282.º,
n.º1 CPC, dispõe que a alteração se realiza através de um pedido deduzido como
dependência da causa principal e mediante a renovação da instância extinta e o artigo282.º, n.º2 CPC, alarga este regime a todos os casos em que a decisão proferida acerca
de uma obrigação duradoura pode ser alterada em função de circunstâncias
supervenientes ao seu trânsito em julgado.
Limites subjetivos:
1. Eficácia inter partes: o caso julgado apenas vincula, em regra, as partes da ação, não
podendo, também em regra, afetar terceiros. Isto é: quanto ao âmbito subjetivo, o caso
julgado possui, em geral, uma eficácia meramente relativa. Estas regras são um dos
reflexos do princípio do contraditório (artigo 3.º, n.º1 a 3 CPC), no sentido de que, quem
não pôde defender os seus interesses num processo pendente, não pode ser afetadopela decisão que nele foi proferida. Nalgumas situações, a lei reforça o princípio da
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eficácia relativa do caso julgado com uma proibição expressa de vinculação de certos
terceiros: é o que se encontra, por exemplo, nos artigos 305.º, n.º3, 1819.º, n.º2, 1873.º,
1846.º, n.º2 e 2290.º, n.º3 CC. A mera possibilidade de desenvolver uma atividade
processual própria numa ação pendente é suficiente para justificar a inclusão dosterceiros no âmbito subjetivo do caso julgado, como se comprova pelo estatuído nos
artigos 328.º, n.º2, 323.º, n.º4 e 340.º, n.º2 CPC. Assim, os terceiros não podem ser nem
prejudicados, nem beneficiados pelo caso julgado de uma decisão proferida numa ação
em que não participaram, nem foram chamados a intervir (Paulus, D. 20.4.16: Nec res
inter alios iudicataa aliis prodesse aut nocere solet ). Dessa regra decorre, por exemplo
que, tendo, sido a ação proposta contra incertos (representados pelo Ministério Público,
artigo 22.º, n.º1 CPC), só aqueles que efetivamente tenham intervindo na ação ficam
abrangidos pelo caso julgado: é o que, de algum modo, se demonstra pelo disposto no
artigo 105.º CC, dado que este preceito admite que determinados incertos que
aparecem posteriormente possam preterir os herdeiros e demais interessadosreconhecidos como curadores definitivos. O processo de justificação da ausência é um
exemplo típico dos processos que são propostos contra incertos: artigo 881.º, nº.1 CPC.
Porque, ao analisar o âmbito subjetivo do caso julgado, se coloca o problema da
eventual vinculação de terceiros, convém referir que, nessa questão, muito depende da
própria situação jurídica apreciada e dos efeitos que ela pode produzir em relação a
esses terceiros. Por isso, importa diferenciar as hipóteses em que o caso julgado só pode
atingir terceiros se eles ficarem diretamente vinculados daquelas outras em que é
suficiente uma eficácia meramente reflexa do caso julgado. Isso depende, normalmente,
do objeto apreciado. Assim, por exemplo, enquanto a obrigação imposta ao adquirente
da coisa litigiosa de a restituir ao autor reivindicante (artigo 263.º, n.º3 CPC) só é
concebível através de uma vinculação direta ao caso julgado, já a oponibilidade erga
omnes do caso julgado de uma ação de estado (artigo 622.º CPC) – que, em princípio,
não se traduz para terceiros na constituição, modificação ou extinção de qualquer
situação jurídica – se basta com uma eficácia meramente reflexa. É, por exemplo, àquela
eficácia direta (para as partes e para terceiros) que o artigo 59.º CPC se refere ao
equiparar o âmbito subjetivo da exequibilidade da sentença condenatória ao do
respetivo caso julgado. Pode também questionar-se se a eficácia relativa do caso julgado
é compatível com o reconhecimento em juízo de um direito absoluto. Note-se que essa
compatibilidade pode ser negada tanto se houver que concluir que o caso julgado que
reconhece um direito absoluto é necessariamente oponível erga omnes, como se se
afirmar que um direito absoluto reconhecido in iudicio perde essa característica (isto é,torna-se, por essa circunstância, num direito relativo). A solução do problema assente
no correto atendimento do que qualifica o direito como absoluto. Os direitos absolutos
são aqueles que assentam em razões absolutas, ou seja, em razões que não se baseiam
em qualquer relação entre dois ou mais sujeitos. Portanto, as razões absolutas são
aquelas que podem ser alegadas pelo titular do direito (absoluto) contra qualquer outro
sujeito, ou, numa formulação processual, são as que valem como causa de pedir tanto
contra o sujeito que foi demandado, como contra qualquer outro eventual demandado.
Razão absoluta não significa, todavia, vinculação simultânea de todos os sujeitos e
eficácia erga omnes do respetivo caso julgado, pois que nada impõe que uma razão
absoluta invocada contra um sujeito implique uma vinculação não só desse demandado,mas também de quaisquer terceiros. O direito absoluto é aquele que se baseia numa
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razão absoluta e não o que, uma vez reconhecido em juízo, é oponível erga omnes.
Assim, não existe qualquer contradição entre a natureza absoluta do direito apreciado
em juízo e o seu reconhecimento inter partes (ou seja, entre a natureza absoluta do
direito e a eficácia relativa do caso julgado), nem existe qualquer implicação necessáriaentre aquela característica do direito e a eficácia absoluta do caso julgado.
2. Eficácia reflexa: além da eficácia inter partes – que o caso julgado possui sempre –, o
caso julgado também pode atingir terceiros. Tal sucede através de uma de duas
situações: a eficácia reflexa do caso julgado e a extensão do caso julgado a terceiros.
Aquela eficácia verifica-se quando ação decorreu entre todos os interessados diretos
(quer ativos, quer passivos) e, portanto, esgotou os sujeitos com legitimidade para
discutir a tutela judicial de uma situação jurídica, pelo que aquilo que ficou definido
entre os legítimos contraditores (na expressão do artigo 2503.º, §único CC/1867) deve
ser aceite por qualquer terceiro. Pelo contrário, a extensão do caso julgado a terceiros
justifica-se quando, mesmo que a presença de todos os interessados diretos permite aprodução do efeito reflexo, importa abranger pelo caso julgado os terceiros para os
quais ele implica a constituição, modificação ou extinção de uma situação jurídica. O
efeito reflexo do caso julgado não constitui propriamente uma exceção à sua eficácia
inter partes. Esse efeito mais não é do que o correlativo daquela eficácia relativa: como
as partes da ação esgotam aqueles que para ela possuem legitimidade processual (dado
que todos os interessados são partes nela, artigo 30.º, n.º1 CPC), aquilo que vale –
relativamente – entre as partes vale igualmente perante qualquer terceiro. Do afirmado
também se pode concluir que, se as partes da ação não coincidirem com todos os
interessados diretos (isto é, se existirem interessados que não tenham participado da
ação), o efeito reflexo não se produz e, por isso, não há, por essa via, terceiros atingidospelo caso julgado da ação. Independentemente de o caso julgado produzir a referida
eficácia reflexa (isso pressupõe, como se disse, a presença em juízo de todos os
interessados diretos), pode entender-se que é vantajoso ou necessário que o caso
julgado vincule diretamente certos terceiros. As situações de extensão do caso julgado
a terceiros destinam-se a obter essa vinculação direta. Para justificar aquela extensão é
irrelevante que a ausência do terceiro abrangido pelo caso julgado na ação julgada de
mérito tenha decorrido de uma opção do autor numa situação de litisconsórcio
voluntário (artigo 32.º CPC). Da circunstância de o efeito depender da presença em juízo
de todos os interessados diretos resulta que, numa ação em que é alegado um direito
absoluto, o caso julgado da respetiva decisão nunca pode realizar aquele efeito. Como
esse direito não é individualizado por qualquer sujeito vinculado (exatamente pela
ausência de qualquer relação), não é possível delimitar os interessados diretos que
devem ser demandados, para que se realize essa eficácia reflexa. Portanto, nenhum
titular de um direito incompatível fica vinculado a aceitar um direito absoluto
reconhecido em juízo entre terceiros. Assim, o âmbito subjetivo do caso julgado
determina-se, nessa hipótese, por um critério paralelo Àquele que vale na esfera
negocial: também nesta, o negócio relativo a um direito absoluto não é oponível a
terceiros que se arrogam uma posição jurídica incompatível. Diferente é a situação
quanto aos direitos relativos, porque as razões relativas em que se baseiam esses
direitos decorrem de uma relação entre sujeitos determinados e, por isso, só podem ser
invocadas por certos sujeitos contra outros igualmente determinados. Também aquivale a coincidência entre o âmbito subjetivo do caso julgado e a oponibilidade a
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terceiros de um negócio respeitante a um direito relativo: a regra é a eficácia reflexa do
caso julgado, que só não se verifica nas situações de inoponibilidade substantiva do
negócio celebrado e apreciado na ação (como acontece, por exemplo, na hipótese da
impugnação pauliana, artigo 610.º CC). O efeito reflexo do caso julgado baseia-se nopressuposto de que o que é definido em juízo entre todos os interessados diretos é
oponível a qualquer terceiro (que, por definição não é interessado direto). Como
primeiro exemplo de uma hipótese de efeito reflexo do caso julgado podem ser
referidas as ações de estado (que são aquelas que respeitam aos estados pessoais, como
a ação de divórcio, a ação de investigação da maternidade ou paternidade ou a ação de
interdição). Compreende-se a necessidade da eficácia absoluta do caso julgado nessas
ações, pois que, não podem ficar divorciados entre si mas casados em relação a terceiros.
Os requisitos dos quais depende essa eficácia absoluta estão enunciados no artigo 622.º
CPC. Um primeiro pressuposto exigido é o de que a ação tenha sido proposta contra
todos os interessados diretos (artigo 622.º, 2.ª parte CPC), ou seja, contra todos aquelesque têm interesse em contradizer e que, por isso, possuem legitimidade processual para
ser demandados na ação (artigo 30.º, n.º1 CPC). Em alguns casos, os interessados
diretos são facilmente delimitáveis: numa ação de divórcio, o interessado direto que
deve ser demandado é o outro cônjuge. Noutras hipóteses, todavia, a dificuldade da sua
delimitação é mais acentuada, o que justifica que a lei determine, para algumas ações
de estado, quais os interessados diretos que devem ser demandados: é o que faz nos
artigos 1819.º, n.º1, 1873.º e 1846.º e, ainda, 1831.º, n.º2 CC. Nem sempre, contudo,
apesar de terem sido demandados todos os interessados diretos na ação de estado, o
caso julgado da respetiva decisão realiza o seu efeito reflexo e vale erga omnes. Pode
suceder que, como exceção a esse efeito reflexo, a decisão não vincule certos terceiros
(artigo 622.º, in fine CPC). Assim, os herdeiros ou legatários cujos direitos sejam
atingidos pela procedência das ações de investigação da maternidade e paternidade e
de impugnação da paternidade – e que, por isso, são interessados indiretos – não são
abrangidos pelo âmbito subjetivo do caso julgado se não tiverem sido demandados
(artigos 1819.º, nº.1, 1873.º e 1846.º, n.º 2 CC). Dado o caráter excecional dessas
disposições, esses sujeitos são os únicos que não ficam submetidos à eficácia reflexa do
caso julgado se não tiverem sido demandados naquelas ações. Além da necessidade da
demanda de toos os interessados diretos (artigo 622.º, 2.ª parte CPC), a eficácia erga
omnes do caso julgado das ações de estado também depende – aliás, muito
discutivelmente, pois que se trata de uma situação de revelia inoperante (artigo 568.º,
alínea c) CPC) – de que nelas tenha sido deduzida oposição, isto é, tenha havidocontestação relativa ao mérito da causa (artigo 622.º, 3.ª parte CPC). Se existirem vários
demandados, basta que qualquer deles tenha contestado a ação. Considerando que o
regime constante do artigo 1819.º CC (aplicável à investigação da paternidade ex vi
artigo 1873.º CC) acautela suficientemente os direitos que podem ser afetados pela
sentença de reconhecimento da maternidade, a Relação do Porto, a 5 dezembro 1985,
entendeu que o caos julgado de uma ação de investigação de paternidade é oponível a
um donatário não demandado, mesmo que não tenha havido oposição. A exigência que
o artigo 622.º, 2.ª parte CPC faz quanto à demanda de todos os interessados diretos é
afloramento de um princípio geral: o de que a eficácia erga omnes do caso julgado da
ação de estado depende da presença em juízo, tanto na parte ativa, como na passiva,de todos os interessados diretos. O que resulta daquele preceito, como esta
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interpretação extensiva quanto à legitimidade das partes, é que a verificação de que a
ação não correu entre todos os sujeitos legitimados (ativa e passivamente) é suficiente
para obstar à eficácia absoluta do respetivo caso julgado, por impossibilidade de se lhe
reconhecer o efeito reflexo. Assim, se, por exemplo, por impossibilidade de se lhereconhecer o efeito do respetivo caso julgado, por impossibilidade de se lhe reconhecer
o efeito reflexo. Assim, se, por exemplo, entre dois pretensos cônjuges for apreciada a
validade do (pretenso) casamento entre ambos e se, posteriormente, se vier a verificar
que, afinal, uma dessas partes não é o verdadeiro cônjuge, isso implica que a decisão
proferida não vale erga omnes, porque não se pode verificar o efeito reflexo do
respetivo caso julgado. O exemplo é apresentado, mas não resolvido por Manuel de
Andrade. Alberto dos Reis procura resolvê-lo aceitando, algo contraditoriamente, que a
sentença tem eficácia erga omnes, mas que, com base numa interpretação restritiva dos
terceiros referidos no artigo 622.º CPC, o titular de uma posição jurídica incompatível
com a definida na sentença não fica privado de a fazer valer em juízo. Como se afirmou,a eficácia reflexa do caso julgado, realiza-se sempre que as partes da ação sejam todos
os interessados diretos. É uma situação frequente na área contratual, dado que nela as
partes da ação coincidem normalmente com todos os contraentes. Por exemplo: o
reconhecimento da qualidade de arrendatário que é obtida numa ação instaurada
contra o locador é oponível a terceiros, porque a ação correu entre todos os
interessados diretos – o locador e o locatário. Só excecionalmente, tendo sido
demandado o interessado direto, o caso julgado da decisão não produz o
correspondente efeito reflexo. Um exemplo dessa situação excecional encontra-se no
artigo 305.º, n.º3 CC: a falta de alegação da exceção de prescrição pelo devedor
demandado e a consequente condenação desse sujeito não afetam o direito de os seus
credores invocarem essa mesma prescrição (artigo 305.º, n.º2 CC). No Supremo Tribunal
de Justiça – a 1 fevereiro 1995 – decidiu-se que a sentença que, na ação ente o
promitente-comprador e o promitente-vendedor, declara a existência de um direito de
retenção a favor daquele primeiro, não constitui caso julgado contra o credor
hipotecário e fundamentou-se a decisão na prevalência (que, aliás, se julgou indesejável)
desse direito sobre aquela hipoteca (artigo 759.º, n.º2 CC). A exclusão do efeito reflexo
do caso julgado é muito discutível.
3. Extensão a terceiros:
a. Generalidades: a extensão do caso julgado a terceiros caracteriza-se pela
vinculação direta desses sujeitos. Ao contrário da eficácia reflexa – que vincula
qualquer sujeito a aceitar aquilo que foi definido entre todos os interessados
diretos –, a extensão do caso julgado implica uma vinculação de interessados
(diretos ou indiretos) à constituição, modificação ou extinção de uma situação
subjetiva própria. Quer dizer: na eficácia reflexa, trata-se de impor erga omnes
o resultado de uma ação que decorreu entre todos os interessados diretos, isto
é, entre todos os sujeitos com legitimidade processual para nela participar; na
extensão a terceiros, estabelece-se a vinculação de certos interessados às
consequências e efeitos de uma decisão. Também quanto ao âmbito subjetivo
há uma diferença significativa entre a eficácia reflexa do caso julgado e a sua
extensão a terceiros. Na verdade, aquela eficácia vale necessariamente erga
omnes e é sempre, por isso, absoluta, dado que, em função dela, todos estãovinculados a aceitar a situação reconhecida ou constituída entre as partes na
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decisão transitada. Várias circunstâncias podem justificar a extensão do caso
julgado a terceiros. Essa extensão pode fundamentar-se, designadamente, na
identidade da qualidade jurídica entre a parte e o terceiro, na situação de
substituição processual, na titularidade pelo terceiro de uma situação jurídicadependente do objeto apreciado e na oponibilidade resultante do registo.
b.
Identidade jurídica: vinculados ao caso julgado ficam todos aqueles que,
perante o objeto apreciado, possam ser equiparados, atendendo à sua
qualidade jurídica (artigo 581.º, n.º2 CPC), às partes da ação. Assim, a essas
partes são equiparados os terceiros que sucedem (inter vivos ou mortis causa)
na titularidade do objeto processual. Entre os herdeiros legitimários (que
podem impugnar por direito próprio, em vida do autor da sucessão, os negócios
realizados por este em seu prejuízo, artigo 242.º, n.º2 CC) e esse autor não há
identidade de sujeitos para efeitos de caso julgado
c.
Substituição processual: o caso julgado formado na ação em que intervémcomo parte o substituto processual é extensível à parte substituída. É o que
sucede com a vinculação do adquirente da coisa ou direito litigioso (artigo 263.º,
n.º3 CPC), a extensão do caos julgado favorável nas situações de solidariedade
(artigos 522.º e 531.º CC), o aproveitamento do caso julgado favorável pelo
credor de uma prestação indivisível (artigo 538.º, n.º2 CC) e a extensão do caso
julgado favorável ao devedor formado na ação entre o credor e o fiador (artigo
635.º, n.º2 CC). O mesmo pode ser afirmado da oponibilidade aos sócios da
sentença eu declara nula ou anula uma deliberação social (artigo 61.º, n.º1 CSC),
da oponibilidade a cada um dos sócios da sentença proferida relativamente à
generalidade dos sócios responsáveis pelo passivo superveniente de uma
sociedade liquidada e extinta (artigo 163.º, n.º2 CSC) e do aproveitamento pelos
liquidatários depois de encerrada a liquidação e de extinta a sociedade (artigo
164.º, nº3 CSC).
d.
Prejudicabilidade: a extensão do âmbito subjetivo do caso julgado também se
justifica quando o objeto apreciado for prejudicial relativamente a uma
situação jurídica de um terceiro. Assim, o caso julgado entre o credor e o
devedor beneficia o fiador (artigo 635.º, n.º1 CC) e o caso julgado entre o credor
e o devedor aproveita ao terceiro que haja constituído uma hipoteca a favor
daquele (artigos 717.º, n.º2 e 635.º, n.º1 CC). Pela mesma razão, o caso julgado
penal condenatório constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível da
prática da infração em qualquer ação civil em que se discutam relações jurídicasdependentes daquele ato (artigo 623.º CPC). Suponha-se que, por exemplo, o
condutor do veículo que provocou o acidente foi condenado por conduzir
embriagado; na ação de indemnização instaurada pelo lesado contra a
companhia seguradora, presume-se a prática desse ato. Regime idêntico vale
quanto à eficácia da decisão penal absolutória (artigo 624.º, n.º1 CPC).
e. Registo da ação: através do registo da ação obtém-se a oponibilidade do caso
julgado a terceiros. O registo da ação (a que se refere, no âmbito predial, o
artigo 3.º, n.º1 CRp) implica que o caso julgado é oponível a terceiros que hajam
adquirido ou constituído, na pendência da ação ou mesmo antes dela, um
direito incompatível com o reconhecido da decisão transitada. Assim, porexemplo, o registo da ação de declaração de nulidade ou de anulação de um
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negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo,
obsta à prevalência dos direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título
oneroso, por terceiro de boa fé, se aquele registo for anterior ao registo desta
aquisição (artigo 291.º, n.º1 CC); o registo da ação de execução específica docontrato-promessa instaurada pelo promitente-comprador torna oponível o
direito àquela execução a qualquer alienação do imóvel a terceiro que seja
posteriormente registada. Discute-se se, quando o contrato-promessa não
possui eficácia real, o registo da ação de execução específica produz esse
mesmo efeito relativamente a uma transmissão realizada para um terceiro
antes da propositura da ação (artigo 413.º CC). Na hipótese de transmissão da
coisa ou direito litigioso realizada por uma das partes durante a pendência da
causa, o registo da ação também assegura a oponibilidade do caso julgado ao
adquirente que não chega a intervir na ação (artigo 263.º, n.º3 CPC). É ainda
aquele registo que garante a oponibilidade a terceiros do caso julgado de umaação de preferência legal.
§3.º - Impugnação do caso julgado
Recursos extraordinários:
1. Função: os recursos podem ser (artigo 627.º, nº.2 CPC):
a.
Ordinários: constituem meios de impugnação de decisões ainda não transitadasem julgado;
b.
Extraordinários: são meios de impugnação de decisões, ainda que já transitadas,
quando o processo ou a decisão se encontrem afetados por vícios cuja
gravidade justifica que se sacrifique a segurança resultante do caso julgado à
justiça devida à situação apreciada. Estes recursos comportam-se como
verdadeiras ações com um duplo objetivo:
i.
Verificar a existência de algum vício na decisão transitada ou no
processo a ela conducente ( juízo rescindente);
ii.
Substituir a decisão proferida através da repetição da instrução e
julgamento da ação ( juízo rescisório).
2. Enunciado: os recursos extraordinários são a revisão e a oposição de terceiro (artigo
627.º, n.º2, 2.ª parte CPC). A revisão pode ter por fundamento:
a. Vícios in iudicando: integram-se nestes:
i. A prática pelo juiz da causa dos crimes de prevaricação (artigo 369.º CP),
concussão (artigo 379.º CP) e corrupção (peita ou suborno: artigos 372.º
e 373.º, n.º1 CP) (artigo 696.º, alínea a) CPC);
ii. A falsidade de documento, de depoimento ou de declarações dos
peritos (artigo 696.º, alínea b) CPC);
iii. A superveniência de documento essencial (artigo 696.º, alínea c) CPC);
iv. A declaração de nulidade ou anulação da confissão, desistência ou
transação (artigos 696.º, alíneas d) e e) e 291.º CPC);v.
A contradição com decisão anterior (artigos 696.º, alínea g) e 635.º CPC);
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b.
Vícios in procedendo: são:
i.
A falsidade de ato judicial (artigo 696.º, alínea b) CPC);
ii.
A falta ou nulidade da citação do réu (artigos 696.º, alínea f), conforme
188.º e 191.º CPC).O fundamento de oposição de terceiro é a simulação processual (artigo 778.º, n.º1 CPC).
O recurso extraordinário de oposição de terceiro pressupõe o reconhecimento, através
de uma decisão com trânsito em julgado, daquela simulação (artigo 780.º, n.º1 CPC),
tendo legitimidade para interpor esse recurso aquele que tenha sido prejudicado com a
decisão proferida no processo simulado (artigo 778.º, n.º1, in fine CPC).
Fases da tramitação: dado que os recursos extraordinários visam substituir a decisão
transitada por uma outra decisão – aquela que deveria ter sido proferida se não se tivesse
verificado o vício que fundamenta o recurso –, os recursos extraordinários comportam duas
fases:
1. A fase rescindente: na qual se verifica a existência do vício alegado como fundamento
do recurso e se revoga a decisão proferida (artigos 696.º e 779.º, n.º1 CPC);
2. A fase rescisória: na qual se reaprecia o processo julgado e se profere a decisão que
substitui a decisão anterior (artigos 701.º e 778.º, n.º.1 CPC).
Não ocorre a caducidade do direito de interpor recurso de revisão de sentença homologatória
de transação, mesmo que tenham decorrido mais de cinco anos depois de ter sido proferida
(artigo 697.º, n.º2, proémio), quando tal transação seja absolutamente nula.
§4.º - Preclusão e Caso Julgado18
Introdução:
6. Noção de preclusão: numa intervenção dedicada ao tema da preclusão e do caso
julgado, torna-se indispensável procurar tornar claro do que se vai tratar. A primeira
referência que importa deixar é sobre a noção de preclusão, que era assim definida por
Chiovenda: a preclusão é
« A perda, a extinção ou a consumação de uma faculdade processual ».
18 Texto igualmente disponibilizado pelo nosso Professor Assistente, publicado pelo Professor Regente emAcademia.eu, refere o autor:
« As reflexões [que serviram de base à intervenção no Colóquio Luso-Brasileiro de DireitoProcessual Civil, que ocorreu em Coimbra nos dias 24 e 25/2/2016] pretendem demonstrarque a preclusão pode atuar independentemente do caos julgado e que o caso julgado nãoconstrói nenhuma preclusão de um facto não alegado num processo anterior. O objetivo final da exposição é a demonstração de que a função de estabilização que é habitualmente
atribuída ao caso julgado é realmente produzida pela preclusão».ATENTE-SE! Este texto não foi atualizado: encontra-se apenas copiado/resumido do artigo original, já elaborado à luz do presente CPC (2013).
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Esta definição não está longe daquela que pode ser construída com base no disposto no
artigo 139º, n.º3 CPC (que estabelece que o decurso do prazo perentório extingue o
direito de praticar o ato), mas talvez seja preferível uma definição que acentue, não o
efeito que a preclusão causa sobre a faculdade ou o direito da parte omitente, mas oefeito que a preclusão produz sobre o próprio ato omitido. Neste contexto, a preclusão
pode ser definida como a exclusão (e a consequente inadmissibilidade) da prática de um
ato processual depois do prazo perentório fixado, pela lei ou pelo juiz, para a sua
realização. É possível reconduzir a preclusão a outras causas que não a omissão do ato,
ou seja, é possível construir outras modalidades de preclusão alem da preclusão
temporal. Por exemplo: pode dizer-se que a aceitação, tácita ou expressa, da decisão
(artigo 632.º, n.º2 e 3 CPC) preclude a interposição do recurso. Certo é que não vale a
pena aprofundar esta questão, dado que toda a preclusão tem, qualquer que seja a
respetiva causa, a mesma consequência: a inadmissibilidade da realização do ato
precludido. Em todo o caso, a aceitação, como hipóteses de trabalho, de que a preclusãopode ter outras causas além do decurso do tempo tem a vantagem de permitir salientar
que qualquer preclusão constrói um nullum: a consequência de qualquer preclusão é
sempre a irrelevância do ato precludido. Daí que o estudo da preclusão implique
necessariamente conhecer como é que a lei processual civil se coloca perante esse
nullum.
7. Função da preclusão: a preclusão realiza duas funções primordiais:
a.
Ordenatória: dado que a preclusão garante que os atos só podem ser praticados
no tempo pela lei ou pelo juiz;
b.
De estabilização: uma vez inobservado o ónus de praticar o ato, estabiliza-se asituação processual decorrente da omissão do ato, não mais podendo esta situação
ser alterada ou só podendo ser alterada com um fundamento específico19.
Por exemplo, se o réu não contestar, estabiliza-se a sua situação de revelia, que apenas
justifica a revisão da sentença proferida pelo tribunal se a citação do réu tiver faltado ou
for nula (artigo 696.º, alínea e) CPC).
8. Preclusão e ónus:
a. Generalidades: a preclusão é sempre correlativa de um ónus da parte: é porque a
parte tem o ónus de praticar um ato num certo tempo que a omissão do ato écominada com a preclusão da sua realização. A preclusão não decorre da omissão
de um dever da parte, porque as partes não têm nenhum dever de praticar um ato
em juízo e não cometem uma ilicitude se omitirem a realização de um ato
processual: não é mais possível falar de uma poena praeclusi . Poder-se-ia então
pensar que a preclusão recairia sobre um direito da parte. A verdade é que tal
também não é correto, não só porque a situação subjetiva relacionada com a
prática de atos processuais é o ónus (e não o direito), mas também porque os
efeitos do tempo sobre os direitos são a prescrição e a caducidade (e não a
19
Discutindo as vantagens da substituição de um parâmetro de imutabilidade por um de segurança-continuidade, Passo Cabral propõe a substituição da preclusão por cadeias de vínculos construídos apartir das interações decorrentes do contraditório.
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da não realização do ato no processo legalmente adequado. O processo civil
português contém um exemplo – aliás significativo – desta preclusão espacial. Em
matéria de efeitos da citação, o artigo 564.º, alínea c) CPC, determina que a citação
do réu inibe esta parte de propor uma ação destinada à apreciação da questão jurídica colocada pelo autor. Quer dizer: a propositura de uma ação impõe ao
demandado um ónus de concentração de toda a sua defesa na ação pendente,
obstando, portanto, à admissibilidade de uma ação destinada a contrariar o efeito
pretendido pelo autor. Por exemplo: se um demandante intentar uma ação de
reivindicação, a citação do demandado nesta ação preclude a propositura por este
réu de uma ação de apreciação negativa destinada a obter a declaração de que
aquele autor não é o proprietário da coisa reivindicada.
b. Intra vs. extraprocessual: a preclusão (temporal) obsta a que, num processo
pendente, um ato possa ser praticado depois do seu momento de realização
definido pela lei ou pelo juiz: é a preclusão intraprocessual. Por exemplo:
(i) Na petição inicial, o autor tem o ónus de alegar os factos que constituem a
causa de pedir (artigo 552.º, n.º1, alínea d) CPC); se o não fizer, não pode
alegar esses factos em momento posterior da ação;
(ii) No final da petição inicial, o autor tem o ónus de indicar o rol de
testemunhas e requerer outros meios de prova (artigo 552.º, n.º2, 1.ª parte
CPC); se não cumprir este ónus, esse demandante não pode entregar mais
tarde rol de testemunhas e requerer outros meios de prova.
A preclusão intraprocessual torna-se uma preclusão extraprocessual quando o quenão foi praticado num processo anterior também não pode ser realizado num
processo posterior. Importa salientar um aspeto essencial: a preclusão
intraprocessual e a preclusão extraprocessual não são duas modalidades
alternativas da preclusão (no sentido de que a preclusão é intraprocessual ou
extraprocessual), mas duas manifestações sucessivas de uma mesma preclusão:
primeiro, verifica-se a preclusão da prática do to num processo, torna-se
inadmissível a prática do ato num processo posterior. Portanto, a preclusão começa
por ser intraprocessual e transforma-se em extraprocessual quando se pretende
realizar o ato num processo posterior. Um exemplo simples mostra que assim é.
Utilize-se, novamente, o ónus de concentração da defesa do réu na contestação
(artigo 573.º, n.º1 CPC); suponha-se que, na contestação, o réu não invoca esta
invalidade naquele mesmo processo e também não pode alegar essa mesm
invalidade num processo posterior (designadamente, no processo executivo
proposto contra ele pelo credor vencedor na anterior ação condenatória – artigo
729.º, alínea g)). Isto confirma que a preclusão, antes de ser extraprocessual (ou
seja, antes de operar no posterior processo executivo) é intraprocessual, porque já
atuou no processo anterior (ou seja, na ação condenatória): a invalidade do negócio
não pode ser alegada no processo posterior porque também já não podia ter sido
alegada no processo anterior.
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Preclusão vs. caso julgado:
1. Generalidades: na análise das relações entre a preclusão e o caso julgado são duas as
questões a que importa procurar das resposta:
a. Saber se a preclusão só pode atuar através do caso julgado ; e
b. Determinar se o caso julgado produz algum efeito preclusivo.
2. Preclusão e efeito de caso julgado:
a. Irrelevância do caso julgado: a preclusão intraprocessual é, naturalmente,
autónoma de qualquer caso julgado, designadamente do caso julgado de
qualquer decisão interlocutória ou da decisão de mérito proferida no processo
em que se verificou a preclusão. Por exemplo: muito antes de haver qualquer
decisão no processo pendente, já se verifica a preclusão nesse processo quantoà junção pelo autor do rol de testemunhas não apresentado com a petição
inicial ou quanto ao fundamento de defesa não alegado pelo réu na contestação.
Poder-se-ia pretender concluir que, se a preclusão intraprocessual é
independente de qualquer caso julgado, a preclusão extraprocessual – isto é, a
preclusão da prática do ato omitido num processo posterior – estaria
dependente do caso julgado da decisão proferida na primeira ação. Noutros
termos: poder-se-ia pensar que a preclusão extraprocessual necessitaria do
caso julgado da decisão do processo anterior para poder operar no processo
exterior. No entanto, não é assim, como é possível comprovar de um exemplo
muito simples. Suponha-se que um credor intenta uma ação condenatória
contra o devedor e obtém uma decisão de procedência; o réu condenado
recorre, mas o credor vencedor instaura uma execução contra o devedor (isto é
possível porque uma apelação tem, em regra, efeito meramente devolutivo:
artigo 647.º, n.º1 e 704.º, n.º1 CPC); nesta execução provisória, o executado
defende-se, por embargos, invocando a nulidade do contrato que constitui a
fonte da obrigação; os embargos são inadmissíveis se esse fundamento de
invalidade já podia ter sido alegado na anterior ação condenatória (artigo 729.º,
alínea g) CPC). Quer dizer: apesar de a sentença que constitui título executivo
ainda não se encontrar transitada em julgado, não deixa de operar na execução
a preclusão de um fundamento de defesa que podia ter sido invocado na
anterior ação condenatória.
b. Primeira conclusão intermédia: o exposto terá demonstrado que a chamada
preclusão extraprocessual é independente do caso julgado, porque opera
mesmo que o processo no qual se produziu a correspondente preclusão
intraprocessual não esteja terminado com sentença transitada em julgado.
Sendo assim, pode concluir-se que a preclusão não necessita do caso julgado
para produzir efeitos num outro processo
3. Caso julgado e efeito preclusivo:
a.
Generalidades: na análise das relações entre a preclusão e o caso julgadoimporta verificar se – como constitui uma afirmação bastante comum – o caso
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julgado produz, em si mesmo, um efeito preclusivo. Se se impuser uma resposta
afirmativa a esta questão, então haverá que concluir que, apesar de, como já se
demonstrou, a preclusão ser independente do caso julgado, este caso julgado
também constitui uma fonte de preclusão. Se, em contrapartida, se impuseruma resposta negativa à questão de saber se o caso julgado produz um efeito
preclusivo, então a res iudicata não pode ser vista como uma causa da preclusão,
restando então analisar que relação pode ser estabelecida entre o caso julgado
e a preclusão.
b.
Análise jurídico-positiva: a demonstração de que o caso julgado não produz um
efeito preclusivo próprio pode ser realizada através da análise da sua referência
temporal. No processo civil português, o caso julgado toma como referência o
momento do encerramento da discussão em 1.ª instância, tal como decorre do
disposto no artigo 611.º, n.º1 CPC: a sentença deve tomar em consideração os
factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo autor
que se produzam posteriormente à propositura da ação, de modo que a mesma
corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.
Este regime é aplicável ao tribunal e às partes. Para o tribunal, o disposto no
artigo 611.º, n.º1 CPC impõe que este órgão considere na sentença final quer os
novos factos constitutivos, modificativos ou extintivos que se verifiquem até ao
encerramento da discussão em 1.ª instância (situação correspondente a uma
superveniência forte), quer a verificação superveniente de factos constitutivos,
modificativos ou extintivos alegados pelas partes no seus articulados (hipótese
respeitante a superveniência fraca). Para as partes, o estabelecido no artigo
611.º, n.º1 CPC significa que elas têm o ónus de alegar os factos supervenientesou a verificação superveniente de factos alegados que ocorram até ao
encerramento da discussão em 1.ª instância é, naturalmente, a preclusão da sua
alegação posterior. Nesse contexto, importa esclarecer que o encerramento da
discussão em 1.ª instância não é o único momento preclusivo, mas o último
momento preclusivo: é até esse momento que a parte tem o ónus de invocar os
factos constitutivos, modificativos ou extintivos que forem supervenientes ao
articulado apresentado pela parte (artigo 588.º, n.º1 CPC). No entanto, se o
facto superveniente ocorreu ou foi conhecido antes da audiência final, a
preclusão da alegação do facto verifica-se igualmente antes do encerramento
da discussão na 1.ª instância (que é o último ato daquela audiência). Porexemplo: se o facto extintivo ocorreu ou foi conhecido durante a audiência
prévia, é nesta que esse facto deve ser alegado (artigo 588.º, n.º3, alínea a) CPC);
se isso não acontecer, alegação do facto encontra-se precludida após o
encerramento da audiência prévia. O regime descrito demonstra que os factos
cuja alegação o caso julgado da decisão proferida na ação pode precludir não
são outros que não aqueles cuja invocação se encontra precludida por força do
disposto no artigo 611.º, n.º1 CPC. Tanto é assim que aquele caso julgado não
pode considerar precludida a alegação de um facto que seja posterior ao
encerramento da discussão em 1.ª instância. Se, por exemplo, o pagamento da
dívida ocorreu depois deste momento, este facto extintivo não pode ser
considerado na decisão do tribunal, mas não se encontra precludida a sua
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alegação numa ação posterior (nomeadamente, na execução na qual o credor
pretenda obter a satisfação do seu crédito: artigo 729.º, alínea g) CPC). Do
exposto decorre que o pretenso efeito preclusivo do caso julgado, já se tinha
produzido na ação pendente quanto a factos ou ocorrências supervenientesanteriores ao encerramento da 1.ª instância; essa preclusão já se produzia antes
de a sentença estar transitada em julgado, pois que a parte deixou de poder
invocar o facto ou a ocorrência a partir do encerramento da discussão (e não a
partir do posterior trânsito em julgado da decisão da ação). Fica assim
demonstrado que o caso julgado não produz nenhum efeito preclusivo próprio.
c.
Preclusão e estabilização: a referência temporal do caso julgado coincide com
um momento preclusivo: o encerramento da discussão em 1.ª instância (artigo
611.º, n.º1 CPC). Isto é suficiente, como se verificou, para que se possa concluir
que o caso julgado não produz nenhum efeito preclusivo próprio. Avançando
um pouco mais neste ponto, é possível afirmar que o caso julgado não produz
nenhuma função estabilizadora - isto é, a imutabilidade da decisão – que é
normalmente atribuída ao caso julgado não é afinal outra que não a função de
estabilização que decorre da preclusão. É o que se vai procurar demonstrar se
seguida. O encerramento da discussão em 1.ª instância é o momento até ao
qual podem ser invocados no processo pendente os factos supervenientes
(superveniência forte) ou a verificação superveniente de factos alegados
(superveniência fraca). O encerramento da discussão em 1.ª instância é também
o momento a partir do qual não podem ser invocados em juízo nem factos
supervenientes, nem ocorrências supervenientes de factos alegados. Isto
significa que o encerramento da discussão, mas nenhuma daquela que tenhaocorrido e, eventualmente, sido alegada após este momento. Por exemplo: a
sentença final deve considerar o pagamento de dívida que tenha sido alegado
até ao encerramento da discussão, mas não pode considerar nem o pagamento
que tenha ocorrido antes deste encerramento e que só tenha sido alegado
depois deste momento, nem o pagamento que se tenha verificado e alegado
depois daquele momento. No primeiro caso, a alegação do pagamento
encontra-se precludida pela circunstância de não ter sido realizada no tempo
adequado; no segundo caso, a alegação do pagamento não é admissível, não
porque a parte tenha desrespeitado um prazo perentório, mas porque o regime
legal não permite a alegação de nenhuns factos depois do encerramento dadiscussão. Poder-se-ia pensar que o que não pode contribuir para a sentença
não pode afetar o caso julgado desta sentença ou, dito de outro modo, que o
que é irrelevante para a sentença também é irrelevante para o seu caso julgado.
A verdade é que não é totalmente assim: os factos precludidos são irrelevantes
para a sentença e para o caso julgado, mas os factos posteriores ao
encerramento da discussão em 1.ª instância são irrelevante para a sentença,
mas não são irrelevantes para o caso julgado. Se, por exemplo, o réu pagar a
dívida depois do encerramento da discussão em 1.ª instância, esse pagamento
não pode ser alegado no processo pendente e não pode ser considerado na
sentença final deste processo; no entanto, esse mesmo pagamento permite vir
a modificar na sentença final deste processo; no entanto, esse mesmo
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pagamento permite vir a modificar ou a inutilizar o caso julgado da decisão
condenatória do devedor. Para que isto suceda, basta que o devedor
condenado invoque numa ação posterior (por exemplo, nos embargos
deduzidos em oposição à execução) esse pagamento. Quer dizer: oencerramento da discussão releva como um momento ad quem para a sentença
(porque esta só pode considerar os factos alegados até esse encerramento),
mas releva como um momento a quo para o caso julgado (porque este pode ser
afetado com base em qualquer facto que seja posterior a esse encerramento).
Do exposto decorre que um mesmo momento – que é o encerramento da
discussão em 1.ª instância – é perspetivado como um momento a partir do qual
a sentença fica estabilizada e o caso julgado fica instabilizado. O facto que, por
ser posterior ao encerramento da discussão, não pode ser alegado no processo
e não pode ser considerado na sentença final é exatamente aquele que pode
servir de fundamento para modificar ou inutilizar o caso julgado desta sentença.O afirmado permite concluir que o que há de estabilização (ou de imutabilidade)
no caso julgado é o que resulta da preclusão ou, mais em concreto, da preclusão
dos factos ou das ocorrências supervenientes verificadas até ao encerramento
da discussão em 1.ª instância, mas não alegadas em juízo até esse momento. A
medida da estabilização oferecida pelo caso julgado coincide com a medida dos
factos que estão precludidos e que, por isso, não podem atingir esse caso
julgado. O facto que não está precludido por ser posterior ao encerramento da
discussão é precisamente o facto que é suscetível de afetar o caso julgado.
Sendo assim, o caos julgado não oferece nenhuma estabilização diversa daquela
que resulta da preclusão. Quer dizer: na estabilização das situações processuais,
a centralidade não pertence ao caso julgado, mas antes à preclusão. Impõe-se
ainda uma última observação sobre este ponto. Se o que há de estável no caso
julgado é o que se encontra precludido esse o caso julgado pode ser afetado por
um facto não precludido, então há que concluir que a preclusão é um fator de
estabilização mais forte do que o caso julgado. Enquanto a preclusão não é
reversível e está adquirida para todo o sempre, o caso julgado pode ser a
afetado por um facto não precludido : um facto precludido nunca pode vir a ser
alegado em nenhum processo, mas o caso julgado pode ser atingido por um
facto não precludido. Neste contexto, é possível afirmar que nada é mais estável
do que a preclusão e nada é mais instável do que o caso julgado. Estas reflexões
suscitam uma questão importante. Se a preclusão produz uma tão importantefunção estabilizadora, cabe perguntar se não há que instituir meios de defesa
das partes contra preclusões injustificadas. No processo civil português, ocorre
mencionar, como meios de reação contra uma preclusão injustificada, a
invocação do justo impedimento (artigo 140.º CPC) e a apresentação de
documento novo superveniente como fundamento do recurso de revisão
(artigo 696.º, alínea a) CPC). O que se pode questionar é se não se deveria ir
mais além na proteção da parte afetada por uma preclusão, introduzindo,
designadamente, parâmetros de diligência na aferição da justificação para a não
realização do ato no tempo devido. Este aspeto – que constitui todo um
programa para um novo paradigma de processo civil – não pode ser agoraaprofundado.
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« A regra da consumção através do processo pode ser realizada
desde o momento da L[itis]. C[ontestation]. até ao da sentença
exclusivamente da Exc[eptio]. rei in iudicium deductae, mas depois
em parte ainda através desta, em parte através da Exc[eptio]. reiiudicatae; e ambas podem ser opostas, segundo a livre escolha do
demandado, à repetição da actio».
No Direito Romano, a actio tinha uma dupla identidade material e processual.
Esta perspetiva era concordante com a visão pragmática e com o pensamento
tópico (isto é, orientado para o problema) dos juristas romanos. A evolução
posterior não é linear, mas as sucessivas receções do Direito Romano
favoreceram um contínuo retorno ao classicismo romano. Na Idade Média,
depois de alguma tendência para uma separação entre o Direito material e o
Direito processual, a receção do Direito Romano voltou a privilegiar a conceção
unificada da actio. Este movimento pendular haveria de se repetir alguns
séculos mais tarde: depois de o Humanismo, o Usus Modernus Pandectarum e
a Escola do Direito Natural terem operado com uma separação entre o Direito
material e o Direito processual – e terem contribuído, de modo significativo, par
a evolução do Direito Processual Civil –, a Escola Histórica, muito como
consequência da redescoberta em 1816 das Institutiones de GAIUS em Verona,
voltou a defender uma conceção agregada da actio. A mudança fundamental foi
obra de Windscheid. Windscheid inverteu a relação entre a ação e o direito:
«Para a consciência jurídica atual, o direito (Recht) é o prius, a ação
(Klage) o subsequente, o direito é o producente, a ação o produzido».
Isto é: a actio clássica foi cindida numa parte processual e numa parte material,
originando na doutrina alemã uma distinção entre a ação e a pretensão e, num
plano mais geral, uma diferenciação entre um meio de tutela e um objeto de
tutela. Apesar de algumas tentativas de perspetivar de modo unitário o direito
material e o direito processual (de que a pretensão à tutela jurídica –
Rechtsschutzanspruch – de Wach e o direito judiciário material – materialles
Justizrecht – de Goldschmidt constituem as mais eloquentes expressões), os
Direitos de base romano-germância operam com uma distinção entre o Direito
Processual e o Direito material. Este breve bosquejo histórico permite concluirque hoje já não se opera com a actio romana (embora ainda se utilize a exceptio),
pelo que não tem sentido falar de uma consunção da actio através da
propositura ou da decisão da causa. A demonstração de que assim é encontra-
se no quase unânime abandono da teoria material do caso julgado material
(ligada a uma ideia de novação do direito reconhecido em juízo) e na sua
substituição pela atualmente prevalecente teoria processual (defensora de que
– como, aliás, se dispõe expressamente no artigo 580.º, n.º2 CPC – o caso
julgado impõe uma proibição de contradição ou uma proibição de repetição da
decisão transitada). Em vez de uma conceção material e, num certo sentido,
privada, prevalece hoje uma conceção processual e publicista do caso julgado,pelo que, como acentuava Schwartz, a antiga fórmula romana bis de eadem re
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ne sit actio deve ser substituída pela expressão bis de eadem quaestione ne
judicetur . No entendimento contemporâneo maioritário, a exceção de caso
julgado não consome nada e, por isso, também não cria em sua substituição.
b.
Terceira conclusão intermédia: muito possivelmente por influência da longa
tradição histórica antes referida, é costume falar-se, como já se salientou, de
um efeito preclusivo das exceções de litispendência e de caso julgado. A
afirmação apenas permite tirar a conclusão de que se identifica um efeito
preclusivo com a inadmissibilidade de uma duplicação de ações, dado que as
exceções dilatórias de litispendência e de caso julgado tornam inadmissível uma
segunda ação entre as mesmas partes com o mesmo objeto (artigo 580.º, n.º1
e 577.º, alínea I) CPC). Trata-se, portanto, da preclusão da duplicação de um
mesmo ato e destinada a evitar o ne bis in idem, não da preclusão da prática de
um ato omitido. Isto basta pra que se possa concluir que a preclusão que muitos
qualificam como um efeito da litispendência e do caso julgado nada tem em
comum com a preclusão que é efeito da omissão de um ato: uma não permite
a prática do mesmo ato duas vezes, a outra não permite a prática do ato uma
única vez. Estes resultados são totalmente concordantes com a conclusão já
acima enunciada de que o caso julgado não produz nenhuma preclusão de
factos não alegados. Todavia, estando afastado que a exceção de caso julgado
possa produzir a preclusão destes factos, não está excluído que essa a exceção
possa ser um meio dessa preclusão. É o que agora importa analisar.
Atuação da preclusão:
1.
Enquadramento do problema: a exceção de caso julgado serve para assegurar o ne bis
in idem e obstar à repetição de uma causa (artigo 580.º, n.º1 e 581.º, n.º1 CPC). Dado
que a preclusão incide sobre um facto diferente daqueles que foram alegados no
primeiro processo, parece que a exceção de caso julgado nunca pode operar se num
segundo processo for alegado um facto precludido, dado que o objeto deste segundo
processo é distinto do objeto do primeiro processo. A tarefa subsequente é a de
procurar verificar se assim é efetivamente.
2. Análise casuística:
a. Oposição à execução: em referência ao caso julgado da decisão proferida nos
embargos de executado, o artigo 732.º, n.º5 CPC, estabelece que a decisãoproferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado
quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda. Deste
regime decorre que, se o executado invocar, por exemplo, que a obrigação
exequenda se encontra prescrita (artigo 729.º, alínea g) CPC) e se o tribunal
considerar os embargos improcedentes com este fundamento, o executado não
pode invocar, nem na execução pendente, nem em qualquer outra ação,
nenhum outro fundamento que demonstre que a obrigação não existe, é
inválida ou é inexigível. Atendendo ao que já se referiu, do disposto no artigo
732., n.º5 CPC, não decorre que é o caso julgado da decisão proferida nos
embargos que preclude a invocação de um fundamento diverso daquele que oexecutado invocou nos embargos à execução. Posto isto, supõe-se que o
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sentido do estabelecido no artigo 732.º, n.º5 CPC, só pode ser este: a partir do
momento em que se verifica o trânsito em julgado da decisão de improcedência
da oposição à execução deduzida com um certo fundamento de inexistência,
invalidade ou inexigibilidade da obrigação exequenda, a preclusão da invocaçãode um fundamento distinto daquele que foi alegado pelo executado passa a
operar através da exceção de caso julgado. Quer dizer: a preclusão da alegada
de um fundamento distinto que já se verificava a partir do momento da entrega
da petição inicial dos embargos de executado passa a atuar através da exceção
de caso julgado, se esse fundamento for indevidamente alegado numa ação
posterior. Portanto, a exceção de caso julgado não origina a preclusão do
fundamento não alegado nos embargos de executado, mas é um meio para
impor a estabilização decorrente da preclusão desse fundamento num outro
processo. Fornecendo um exemplo: o executado embargou a execução com
fundamento no pagamento do crédito exequendo; os embargos sãoconsiderados improcedentes; numa outra execução para obtenção de uma
parcela restante do mesmo crédito, o mesmo executado opõe-se à execução
com fundamento na invalidade do contrato que constitui a fonte desse crédito;
contra esta invocação opera a exceção de caso julgado, dado que, nos primeiros
embargos, ficou decidido com força de caso julgado que nada obstava À
execução da obrigação exequenda. Como o exemplo demonstra, não é a
exceção de caso julgado que produz a preclusão, mas a preclusão que se serve
desta exceção para impor a sua função estabilizadora.
b. Providências cautelares: algo de semelhante pode ser afirmado quanto ao
estabelecido no artigo 362.º, n.º4 CPC: na pendência da mesma causa, não éadmissível a repetição de providência cautelar que haja sido julgada
injustificada (ou que tenha caducado). Também aqui se poderia procurar
encontrar uma preclusão decorrente do caso julgado da decisão de
improcedência do procedimento cautelar: quando a providência requerida não
pode ser decretada com base no fundamento alegado pelo requerente, este
mesmo requerente não pode voltar a requerer a mesma providência com um
outro fundamento. Mas também aqui o que se verifica é que a preclusão da
alegação de um fundamento instinto passa a operar através da exceção de caso
julgado após o trânsito em julgado da decisão que considerou improcedente o
procedimento cautelar. Portanto, a preclusão verifica-se antes do trânsito em julgado da decisão de improcedência do procedimento cautelar, mas essa
mesma preclusão passa a operar através da exceção de caso julgado depois do
trânsito em julgado daquela decisão.
c. Quarta conclusão intermédia: na oposição a execução e nos procedimentos
cautelares, o embargante e o requerente têm o ónus de concentrar na respetiva
petição ou no requerimento inicial todos os fundamentos que podem justificar
o pedido por eles formulado. A inobservância deste ónus de concentração
implica a preclusão dos fundamentos não alegados naquela petição ou naquele
requerimento. Após o trânsito em julgado da decisão proferida na oposição à
execução ou no procedimento cautelar, aquela preclusão, em vez de operar perse, atua através da exceção de caso julgado, apesar de não existir entre a
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primeira e a segunda ação identidade de fundamentos e, portanto, identidade
de objetos.
3.
Enquadramento dogmático:a. Solução proposta: da análise dos casos acima referidos resulta que a exceção
de caso julgado também opera quando a diferença entre o objeto da primeira
ação e o da segunda ação decorre da alegação nesta última de um fundamento
não invocado naquela primeira. A questão que se coloca é a de saber como se
compatibiliza esta conclusão com a afirmação comum de que a exceção de caso
julgado pressupõe a repetição de uma causa quanto às partes e ao objeto
(artigos 580.º, n.º1 e 581.º, n.º1 CPC). A resposta a eta questão tem tanto de
simples, como talvez de inesperado: a exceção de caso julgado através da qual
opera a preclusão de um facto não se compatibiliza com a exigência da
repetição de uma causa quanto ao objeto. A verdade é que aquela exceção decaso julgado através d qual opera a preclusão de um facto obsta à apreciação
de um aliud ; a exceção de caso julgado que impede a repetição de uma mesma
causa obsta a reapreciação de um idem. O que a solução mostra é que a exceção
de caso julgado pode ter um âmbito de aplicação mais vasto do que
habitualmente lhe é reconhecido. Normalmente, a exceção de caso julgado
cumpre uma função negativa: esta exceção garante, como se estabelece no
artigo 580.º, n.º2 CPC, a proibição de repetição de uma causa anterior. Basta
atentar, no entanto, no disposto no artigo 580.º, n.º2 CPC, para se perceber que
a exceção de caso julgado também pode realizar uma função positiva: não a
função de excluir a repetição do mesmo, mas a função – também referida noartigo 580.º, n.º2 CPC – de obstar à contradição do decidido numa causa
anterior. É precisamente isso o que sucede quando a exceção de caso julgado
impede a apreciação de um aliud num facto precludido. O afirmado pode ser
testado em três exemplos:
(i)
Um autor propõe uma ação de reivindicação com fundamento na
sucessão por morte e obtém o reconhecimento da sua
propriedade; depois do trânsito em julgado da decisão de
procedência, o réu instaura uma ação de apreciação negativa
contra o anterior reivindicante, procurando demonstrar a
invalidade do testamento que constituiu o título de aquisição porsucessão; esta segunda ação é inadmissível, porque, como nela se
invoca um facto precludido, opera a exceção de caso julgado;
(ii) Um credor propõe uma ação condenatória contra um devedor; a
ação é julgada procedente; depois do trânsito em julgado da
decisão, o devedor condenado propõe um ação destinada a fazer
valer um fundamento de extinção da dívida que já podia ter
alegado na anterior ação condenatória; dado que a invocação
deste fundamento se encontra precludida, a exceção de caso
julgado obsta à admissibilidade da segunda ação;
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(iii)
O objeto da segunda ação é igual ao objeto da primeira ação ;
nesta situação, o que importa excluir é uma repetição da
pronúncia do tribunal da primeira ação; para conseguir este
desiderato há que impor a proibição de repetição da decisãoanterior e a aplicação da exceção de caso julgado.
A diversidade das soluções encontra a sua justificação na finalidade primordial
do caso julgado: este instituto destina-se a garantir que sobre uma questão há
apenas uma decisão do tribunal. A proibição de contradição e a proibição de
repetição são apenas soluções deônticas destinadas a assegurar que, como já
referiam as fontes romanas, a uma única controvérsia corresponde a uma única
ação e, portanto, uma única decisão do tribunal. Até agora, a doutrina sobre o
caso julgado tem sido construída a partir da igualdade ou diversidade dos
objetos da primeira e segunda ação; talvez devesse antes ser construída
tomando como base a exclusão de uma nova pronúncia do tribunal sobre a
mesma questão ou sobre uma questão diferente, acentuando, portanto, não
tanto o caráter imutável da decisão proferida, mas mais o seu caráter único e
exaustivo. Esta metodologia é a única que consegue explicar todos os efeitos do
caso julgado, porque é a única que mostra a verdadeira extensão da exceção de
caso julgado: esta exceção opera repetição desta decisão. Além disso, aquela
metodologia tem ainda uma outra vantagem: ela permite conceber a exceção
de caso julgado como um meio de fazer valer a preclusão extraprocessual, ou
seja, dispensa a necessidade de operar com qualquer outra exceção dilatória
quando se trata de obstar à admissibilidade de uma ação na qual é alegado um
facto que se encontra precludido.
c. Extensão do regime: o que se disse sobre a exceção de caso julgado vale
igualmente para a exceção de litispendência (artigos 580.º, n.º1, 581.º, n.º1 e
577.º, alínea i) CPC). Esta exceção opera quando, encontrando-se ainda
pendente o processo no qual se originou a preclusão, a parte intenta uma
segunda ação na qual invoca o facto precludido.
d.
Conhecimento oficioso: a circunstância de a preclusão extraprocessual atuar
através das exceções de litispendência e de caso julgado garante o seu
conhecimento oficioso pelo tribunal da segunda ação. Qualquer dessas
exceções é conhecida oficiosamente por este tribunal (artigo 577.º, alínea i) e578.º CPC).
Preclusão e parte ativa:
1. Preclusão factual: como já houve oportunidade de afirmar, o autor não tem, no
processo civil português, o ónus de alegar todas as possíveis causas de pedir do
pedido que formula. Quer isto dizer que o ónus de concentração que vale para o
réu quanto à matéria de defesa (artigo 573.º,n.º1 CPC) não vale para o autor
quanto às várias causas de pedir. É isso que justifica que, não tendo obtido a
procedência da ação com base numa causa de pedir, o autor possa propor uma
nova ação na qual venha a invocar uma diferente causa de pedir. Deste regime
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não se pode retirar, contudo, que sobre o autor não recai nenhum ónus de
concentração. É verdade que esse ónus não se verifica quanto às várias possíveis
causas de pedir que podem fundamentar o pedido, mas também não deixa de
ser verdade que o autor tem um ónus de alegação de todos os factos que se
referem à causa de pedir invocada na ação. Assim, por exemplo, o autor de uma
nova ação destinada a obter a reparação dos danos não invocados (mas
invocáveis) na ação anterior. Se esta preclusão não for respeitada, a exceção de
caso julgado obsta à admissibilidade da segunda ação.
2. Preclusão jurídica:
a. Generalidades: a preclusão também pode incidir sobre a alegação de
uma qualificação jurídica: isso sucede quando um autor obtém um efeito
jurídico com base numa certa factualidade e depois procura conseguirum efeito incompatível com base nessa mesma factualidade. Suponha-
se, por exemplo, que um autor invoca um determinado título de
aquisição de um direito real e pede com base nele o reconhecimento de
que é usufrutuário de uma coisa; depois de obter uma decisão de
procedência, o mesmo autor instaura uma outra ação, pedindo agora,
com fundamento no mesmo título de aquisição, o reconhecimento de
que é proprietário daquela mesma coisa; nesta hipótese, não pode deixar
e se entender que o reconhecimento do autor como usufrutuário
preclude o seu reconhecimento como proprietário. O mesmo há que
entender se o autor, após ter obtido a condenação do réu na
indemnização de um dano, pretender obter desse mesmo réu a
restituição do quantum (mais elevado) do seu enriquecimento sem causa.
Também nestas situações opera, na segunda ação proposta pelo mesmo
autor, a exceção de caso julgado: não a exceção de caso julgado que
pressupõe a repetição de causas e obsta à reapreciação de um idem, mas
a exceção de caso julgado que, com base na preclusão, obsta à apreciação
de um aliud .
b.
Dívidas dos cônjuges: no Direito português, a preclusão da qualificação jurídica pode ser ilustrada com um exemplo retirado da execução das
dívidas dos cônjuges. Estas dívidas podem ser comuns, mesmo que
tenham sido contraídas por um único cônjuge (artigo 1691.º, n.º1, alíneas
b) a d) CC); esta circunstância possibilita que, apesar de se formar um
título executivo apenas entre esse cônjuge e o respetivo credor, ainda
assim a dívida seja comum. Nesta eventualidade, o artigo 741.º, n.º1 CPC,
permite que o exequente, apesar de possuir título executivo apenas
contra o cônjuge que contraiu a dívida, alegue na execução que a dívida
é comum. Depois da citação do cônjuge do executado, o tribunal da
execução decide se a divida é da responsabilidade de ambos os cônjugesou apenas da responsabilidade do cônjuge inicialmente executado
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(artigo 741.º, n.º5 e 6 CPC): no primeiro caso, a execução prossegue
também contra o cônjuge não (inicialmente) executado (artigo 741.º,
n.º5 CPC). O regime é distinto se o título de que o credor dispõe for uma
sentença condenatória obtida por aquele credor apenas contra o cônjuge
que contraiu a dívida. Nesta situação, conforme resulta expressamente
do disposto no artigo 741.º, n.º1 CPC, ao credor já não é reconhecida a
faculdade de alegar o caráter comunicável da dívida. Isto é: a não
demanda do cônjuge que não contraiu a dívida na anterior ação
declarativa preclude a alegação, numa posterior ação executiva, de que
a dívida é comum. Também nesta hipótese a preclusão ( in casu, da
alegação da comunicabilidade da dívida) é anterior ao trânsito em
julgado de qualquer sentença: essa preclusão ocorre quando o credor
demanda, na ação declarativa, apenas um dos cônjuges e, por isso, deixade poder invocar o caráter comunicável da dívida nessa mesma ação.
Ainda assim, a preclusão da qualificação da dívida como comum opera,
depois do trânsito da decisão de mérito proferida na ação declarativa,
através da exceção de caso julgado. Quer dizer: depois de o credor ter
demandado apenas um dos cônjuges e ter obtido uma sentença
condenatória somente contra este cônjuge, é a exceção de caso julgado
que obsta à invocação do caráter comunicável da dívida na ação
executiva.
Conclusão: das reflexões anteriores terá resultado que a preclusão extraprocessual podeoperar num outro processo antes de se constituir qualquer caso julgado nesse processo:
portanto, os efeitos dessa preclusão não estão dependentes do caso julgado. Dessas mesmas
reflexões poderá também extrair-se que o caso julgado e a exceção de caso julgado não
produzem nenhum efeito preclusivo distinto daquele que, quanto aos factos não alegados, se
verifica no processo em que é proferida a decisão transitada em julgado. Supõe-se que também
ficará demonstrado que, depois de haver no processo uma decisão transitada em julgado, a
preclusão extraprocessual deixa de operar per se, passando a atuar através da exceção de caso
julgado. Em suma: pode falar-se de preclusão e caso julgado, mas não de caso julgado e
preclusão.
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Capítulo V – A Tramitação Processual
§3.º - Fases do processo comum
20
Os atos da sequência processual ordenam-se em fases sucessivas, findas as quais pode precludir
a possibilidade de praticar atos que, nelas se integrando, não hajam sido praticados. São as
seguintes as fases do processo comum na ação declarativa em primeira instância e os atos que
as integram:
Fase dos articulados
: ao longo da qual as partes alegam a matéria de facto e de direito
relevante para a decisão e requerem os meios de prova (artigo 147.º, n.º1 CPC): petiçãoinicial (artigo 552.º CPC), distribuição (artigos 203.º e 204.º CPC), citação do réu (artigos
219.º, n.º1 e 225.º CPC), contestação (artigos 569.º, n.º1 e 571.º e 572.º CPC) e a sua
notificação ao autor (artigo 220.º, n.º2 CPC); eventualmente, a seguir, réplica (Artigo
584.º CPC); excecionalmente, despacho judicial liminar após a apresentação da petição
inicial, precedendo a citação (artigos 226.º, n.º1 e 590.º, n.º1 CPC).
Fase da condensação: visando verificar e garantir a regularidade do processo, identificar
as questões de facto e de direito relevantes (com a possibilidade de serem suprimidas as
insuficiências e imprecisões na alegação da matéria de facto), decidir o que possa já ser
decidido, enunciar os temas da prova a efetuar subsequentemente e preparar as
diligências probatórias: despacho pré-saneador (artigo 590.º, n.º2 a 6 CPC), notificaçãodas partes para a audiência prévia (artigo 220.º, n.º1 CPC) e audiência prévia (Artigo 591.º
CPC); não havendo lugar a esta, despacho saneador autónomo (artigo 595.º CPC),
despacho de identificação do objeto do litígio e enumeração dos temas da prova (artigo
596.º, n.º1 CPC), despacho a marcar a data da audiência final (artigo 593.º, n.º2, alínea
d) CPC), notificação desses despachos às partes (Artigo 593.º, n.º3 CPC), eventuais
reclamações e alterações dos requerimentos de prova (artigos 593.º, n.º3, 596.º, n.º2 e
598.º, n.º1 CPC), notificação das partes, havendo reclamação, para audiência prévia
(artigo 593.º, n.º3 CPC) e realização desta (artigo 593.º, n.º3 CPC).
Fase da instrução: repartida por atos de produção de cada meio de prova,
tendencialmente concentrados na audiência final (artigos 604.º, n.º3, alíneas a) a d) e
607.º, n.º1 CPC), mas tendo lugar antes dela quando a natureza do meio de prova, como
é o caso da perícia, ou outras circunstâncias (a urgência, a impossibilidade da
comparência da testemunha ou da parte no tribunal, a qualidade de testemunha, a
conveniência em realizar a inspeção antes da audiência: artigos 419.º, 456.º, 457.º, 490.º,
491.º e 503.º a 506.º CPC, conforme o imponham ou aconselhem).
Fase da discussão e julgamento
: em que as partes expressam os seus pontos de vista
sobre as decisões, de facto e de direito, a proferir e o tribunal decide: alegações
(sucessivas) do autor e do réu, com possibilidade de réplica (artigo 604.º, n.º3, alínea e)
CPC), sentença (artigo 607.º CPC), notificação desta às partes (artigo 220.º, n.º1 CPC),
20 Freitas, José Lebre de; A Ação Declarativa Comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013; 3.ªedição; Coimbra Editora, setembro 2013, Coimbra.
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eventuais reclamações das partes, quando não seja admissível recurso (artigo 615.º, n.º4
e 616.º, n.º3 CPC), e sua decisão (artigo 613.º, n.º2 CPC), seguidamente notificada (artigo
220.º, n.º1 CPC).
Assim terminado o processo em 1.ª instância, pode abrir-se, no prazo do artigo 638.º CPCinstância de recurso ordinário dirigido à Relação. O processo seguirá então novas fases, mediante
o encadeamento de atos processuais igualmente tipificados na lei de processo.
§4.º - Articulados
Conteúdo: a fase dos articulados recebe o nome das «peças em que as partes expõem os
fundamentosdaaçãoedadefesae formulamospedidoscorrespondentes» (artigo 147.º, n.º1
CPC). Através dos articulados, autor e réu (representados ou não por advogado, cuja constituiçãoa lei impõe nas ações com valor superior à alçada do tribunal de comarca: artigo 40.º, n.º1, alínea
a) CPC) introduzem no processo os factos principais da causa. Havendo mandatário constituído,
sela ele advogado ou solicitador (artigo 42.º CPC), é feita dos factos uma narração seca e concisa,
subordinada, tal como os textos legais, a artigos, cada um dos quais deve conter um facto (artigo
147.º, n.º2 CPC). Além destes fundamentos de facto, devem as partes, já sem obrigatoriamente
o deverem fazer por artigos (embora, na prática forense, usem fazê-lo), invocar as razões que, no
entender de cada uma delas, deverão constituir fundamento de direito da decisão, por aplicação
das normas jurídicas aos factos por elas alegados. Destes fundamentos (de facto e de direito)
extraem, deduzindo pedidos (sempre, o autor contra o réu; eventualmente, o réu contra o autor),
dizendo da improcedência dos pedidos contra sido deduzidos ou entendendo não ser possível,por se verificar uma exceção dilatória, o conhecimento de mérito.
Espécies: constituem articulados normais do processo ordinário a petição inicial, em que o autor
deduz o pedido, e a contestação, com que o réu dele se defende. Constitui articulado eventual a
réplica com que o autor responde à reconvenção, quando haja, ou à contestação da ação de
simples apreciação negativa. Constituem articulados supervenientes; também eles de caráter
eventual, aqueles em que qualquer das partes alega factos supervenientes, os que, a convite do
juiz, completam os articulados deficientes e os de resposta às exceções deduzidas no último
articulado apresentado.
§5.º - Petição Inicial
Conteúdo e forma:
1. Pedido: o processo inicia-se com a apresentação da petição inicial, considerando-se a
ação proposta logo que o ato é ou se tem por praticado (artigo 259.º, n.º1 CPC). Constitui-
se assim a instância, como relação jurídica entre o autor (solicitante da tutela jurisdicional)
e o tribunal (a quem a solicitação é dirigida), dizendo-se a partir daí pendente a ação, e é
impedida a caducidade do direito, através dela feito valer, que só judicialmente possa serexercido (artigo 331.º, n.º1 CC). A iniciativa do autor é insubstituível, pois ó a ele cabe
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solicitar a tutela jurisdicional, que não pode ser oficiosamente concedida (artigo 3.º, n.º1
CPC). Perante uma situação de violação do seu direito, uma ameaça de violação, a mera
incerteza sobre a existência ou o conteúdo dum seu direito ou dever, ou sobre a
verificação dum facto jurídico, ou a vontade de exercer um direito potestativo que só judicialmente possa ser exercido, o autor requer a providência jurisdicional adequada
para, respetivamente, reparar a violação consumada, prevenir a violação ameaçada,
declara a existência ou inexistência do direito, ou do facto, ou alterar as situações
jurídicas das partes em conformidade com o direito exercido. O autor formula, assim, na
petição inicial, um pedido (artigo 552.º, n.º1, alínea e) CPC), o qual se apresenta
duplamente determinado: por um lado, o autor afirma ou nega uma situação jurídica
subjetiva, ou um facto jurídico, de direito material, ou manifesta a sua vontade de
constituir uma situação jurídica nova com base num direito potestativo; por outro lado,
requer ao tribunal a providência processual adequada à tutela do seu interesse. O pedido
do autor, conformando o objeto do processo, condiciona o conteúdo da decisão demérito, com que o tribunal lhe responderá: o juiz, na sentença, «deveresolvertodasas
questõesqueaspartestenhamsubmetidoàsuaapreciação », não podendo ocupar-se de
outras (Artigo 608.º, n.º1 CPC), e «nãopodecondenaremquantidadesuperiorouem
objetodiversodoquesepedir » (artigo 609.º, n.º1 CPC), sob pena de nulidade (artigo
615.º, n.º1, alíneas d) e c) CPC). O pedido pode não ser único: ao autor é facultado deduzir
mais de um pedido contra o mesmo réu, em cumulação (artigo 555.º CPC) ou em relação
de subsidiariedade (artigo 554.º CPC), ou, em certas condições, discriminadamente
contra réus diversos, também em cumulação (artigo 36.º CPC) ou em relação de
subsidiariedade (artigo 39.º CPC). Há, além disso, lugar à dedução de pedidos alternativos
(artigo 553.º CPC), quando o direito que se quer fazer valer é, por sua natureza ou origem,
alternativo ou pode resolver-se em alternativa. A lei permite também a dedução de
pedido genérico, ou ilíquido, isto é, de pedido respeitante a um bem não rigorosamente
determinado. De acordo com o artigo 556.º CPC, é admitido o pedido genérico
respeitante a uma universalidade, de facto ou de direito, à indemnização decorrente de
facto ilícito ou a um quantitativo dependente de prestação de contas ou de outro ato a
praticar pelo réu. No primeiro caso, o autor não tem de individualizar os elementos que
integram a universalidade. No segundo caso, o autor pede uma indemnização cujo
quantitativo não precisa, quer por tal lhe ser ainda impossível (não é ainda conhecida
toda a extensão do dano), quer por querer usar da faculdade que lhe confere a 1.ª parte
do artigo 569.º CC (a de não indicar a quantia exata em que avalia ao dano). No terceiro
caso, é pedida a condenação do réu no saldo que venha a resultar das contas queapresente ou no montante resultante de outro ato que deva praticar. Por seu lado, o
artigo 557.º, n.º1 CPC admite o pedido de condenação em prestações vincendas, que
configura igualmente um pedido genérico. Este só pode ter lugar nos casos excecionais
em que a lei o admite. A determinação do objeto a que o pedido respeita faz-se: nos
casos da universalidade e da indemnização por facto ilícito, mediante o incidente de
liquidação, a deduzir, na ação declarativa, até ao momento do início da discussão da
causa em 1.ª instância (artigo 358.º, n.º1 CPC).
2. Fundamentação do pedido: ao autor não basta formular o pedido: este tem de ser
fundamentado, de facto e de direito (artigo 552.º, n.º1, alínea d) CPC). Por um lado, o
autor há-de indicar os factos constitutivos da situação jurídica que quer fazer valer ounegar, ou integrantes do facto cuja existência ou inexistência afirma, os quais constituem
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a causa de pedir (artigo 581.º, n.º4 CPC). Esta corresponde ao núcleo fáctico essencial
tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material
pretendido. Pela própria natureza das coisas, essa indicação não tem, nas ações de
simples apreciação negativa da existência de um direito, o mesmo rigor que naquelas emque o autor afirma a existência dum seu direito. O autor observa, assim o ónus da
substanciação. A causa de pedir exerce função individualizadora do pedido para o efeito
da conformação do objeto do processo. Por isso, o tribunal tem de a considerar ao
apreciar o pedido e não pode basear a sentença de mérito em causa de pedir não
invocada pelo autor (artigo 608.º, n.º2 CPC), sob pena de nulidade da sentença (artigo
615.º, n.º1, alínea d) CPC). Por isso também, a sentença de mérito que venha a ser
proferida só vincula no âmbito objetivamente definido pelo pedido e pela causa de pedir
(artigo 581.º, n.º1 CPC). Por outro lado, o autor deve, na petição, invocar as razões de
direito pelas quais entende que o seu pedido merece acolhimento. Trata-se de aplicar o
direito aos factos que constituem a causa de pedir, de modo que permita a conclusãoconstante do pedido. Ao contrário do que acontece com a causa de pedir, a
fundamentação de direito da petição não condiciona o conteúdo da sentença: o juiz
permanece livre na indagação, interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º3 CPC).
Mas a fundamentação de direito, não tendo embora função individualizadora da
pretensão, não deixa de constituir um ónus, na medida em que o autor, se não fizer, no
mínimo, a indicação da norma jurídica ou do princípio jurídico que tenha por aplicável,
não poderá vir a arguir a nulidade da sentença que venha a ser proferida, sem prévia
audião das partes, com fundamento jurídico que elas não tenham anteriormente
considerado.
Vícios da petição inicial:
1.
Ineptidão: a falta de formulação do pedido ou de indicação da causa de pedir, traduzindo-
se na falta do objeto do processo, constitui nulidade de todo ele por ineptidão da petição
inicial, o mesmo acontecendo quando, embora aparentemente existente, o pedido ou a
causa de pedir é referido de modo tão obscuro que não se entende qual seja ou a causa
de pedir é referida em termos tão genéricos que não constituem a alegação de factos
concretos (artigo 186.º, n.º1 e 2, alínea a) CPC). Pode também acontecer que o pedido
tenha sido claramente formulado e a causa de pedir claramente indicada, mas entre eles
haja contradição, caso que te igualmente o tratamento da nulidade por ineptidão da
petição inicial (artigo 186.º, n.º1 e 2, alínea b) CPC), pois gera também a inexistência do
objeto do processo. Não está aqui em causa a inconcludência jurídica, situação em que éalegada uma causa de pedir da qual não se pode tirar, por não preenchimento de
qualquer previsão normativa, o efeito jurídico pretendido, improcedendo a ação com
consequente absolvição do réu do pedido; o que integra a ineptidão da petição inicial é
a contradição lógica entre o pedido e a causa de pedir. Esta distinção, que o direito
comum não estabelecia, pois exigia que só quando há uma negação recíproca entre o
pedido e a causa de pedir, por o pedido brigar com a causa de pedir, opondo-se-lhe, não
jurídica, mas logicamente, é que se verifica a contradição geradora de nulidade.
Finalmente, podendo o autor deduzir contra o réu vários pedidos em cumulação, para
serem todos eles atendidos, e fundar o mesmo pedido, também cumulativamente, em
causas de pedir diversas, gera também a nulidade por ineptidão da petição inicial a
incompatibilidade material que haja entre esses pedidos ou essas causas de pedir (artigo
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186.º, n.º1 e 2, alínea c) CPC), pois também aqui a contradição no objeto do processo
(pedido individualizado pela causa de pedir) impede a sua necessária identificação. A
nulidade do processo por ineptidão da petição inicial é sanável quando, resultando da
ininteligibilidade (ou, mais dificilmente, da falta) do pedido ou da causa de pedir, o réuconteste, ainda que arguindo a ineptidão, e se verifique, após a audição do autor, que
interpretou convenientemente a petição inicial, a despeito do vício verificado (artigo
186.º, n.º3 CPC). Finalmente, o disposto no artigo 6.º, n.º2 CPC leva a que o tribunal deva
convidar o autor a aperfeiçoar a petição inicial em que tenha deduzido pedidos
incompatíveis, mediante a escolha daquele que pretende que seja apreciado na ação ou
a ordenação de ambos em relação de subsidiariedade. Fora destes casos, a ineptidão da
petição inicial dificilmente deixará de constituir nulidade insanável cuja ocorrência cabe
ao juiz verificar oficiosamente no despacho saneador, absolvendo o réu da instância
(artigos 196.º, 200.º, n.º2, 278.º, n.º1, alínea b) CPC) e 595.º, n.º1, alínea a) CPC) – sem
prejuízo de o poder fazer no despacho liminar, indeferindo liminarmente a petição inicial,se ele, excecionalmente, tiver lugar (artigos 226.º, n.º2, alíneas c) e f) e 590.º, n.º1 CPC),
e de o réu poder arguir a nulidade na contestação (artigos 198.º, n.º1, 571.º, n.º2 e 577.º,
alínea b) CPC).
Atos subsequentes:
1. Distribuição: recebida na secretaria a petição inicial, há que determinar, quando na
instância (central ou local) do tribunal de comarca haja mais do que uma, a secção em
que o processo há de correr seus termos. Esta determinação faz-se através do ato da
distribuição, o qual visa, por um lado, igualar o número ode processos que corre em cada
secção e, consequentemente, a repartição do serviço entre juízes e funcionários (artigo
203.º CPC) e, por outro, evitar a intervenção da vontade na determinação do juiz doprocesso, que há de ser o juiz natural. A distribuição, que é automática, tem lugar
diariamente (artigo 208.º CPC). O despacho pelo qual o juiz recusa a distribuição é, nos
mesmos termos que o proferido em reclamação do ato de recusa do recebimento,
suscetível de recurso até à Relação, aplicando-se analogicamente o artigo 559.º, n.º2 CPC.
O autor goza, também neste caso, da possibilidade de apresentar nova petição (artigo
560.º CPC, este bem expresso em equiparar a recusa da distribuição da petição à recusa
do seu recebimento).
2.
Despacho liminar: em casos excecionais, o processo é, após a distribuição, apresentado
ao juiz para despacho liminar. Tal acontece quando o autor tenha requerido a
intervenção principal de terceiro para com ele constituir litisconsórcio necessário equando a secretaria se afigure manifesto que ocorre fundamento de indeferimento
liminar, por manifesta improcedência do pedido ou falta insanável dum pressuposto
processual de conhecimento oficioso (artigo 590.º, n.º1 CPC). Levando o processo ao juiz,
este pode indeferir liminarmente a petição inicial, quando o pedido seja manifestamente
improcedente e quando ocorra uma exceção dilatória (artigo 278.º, n.º1 CPC) e a falta do
pressuposto não seja suscetível de sanação. O despacho de indeferimento liminar é
sempre suscetível de recurso até à Relação (artigo 629.º, n.º3, alínea c) CPC). Havendo
recurso, o réu é citado para nele se assegurar o contraditório, mas com eficácia também
para os termos subsequentes da causa em 1.ª instância (artigo 641.º, n.º7 CPC). Quando
se torne definitiva a decisão de indeferimento liminar, o autor pode, tal como no caso de
recusa da petição, continuar a beneficiar dos efeitos da propositura da ação, se
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apresentar nova petição dento de 10 dias (artigo 590.º, n.º1, infine CPC). Mantém-se a
distribuição efetuada e aproveita-se a taxa de justiça já paga. Duvidosa é a
admissibilidade do despacho liminar de aperfeiçoamento: será também admissível que o
juiz, quando verifique a falta sanável dum pressuposto processual, ou uma irregularidadeou deficiência da petição, profira, aproveitando o momento em que o processo lhe é
concluso, uma decisão que, respetivamente, promova a sanação da falta, nos termos do
artigo 6.º, n.º2 CPC, ou convide o autor a sanar a irregularidade ou a insuficiência? Na
falta de despacho liminar, o momento adequado para estas atuações é o do despacho
pré-saneador (artigo 590.º, n.º2 CPC); mas, nos casos de exceção dilatória e de petição
irregular, não há razão alguma para não permitir, desde logo, a prática, com evidente
economia processual, dum ato judicial que o juiz não deixará de praticar ulteriormente;
já no caso da petição deficiente, é invocável contra tal procedimento a igualdade das
partes, pois melhor poderá o juiz analisar todas as deficiências dos articulados de ambas
as partes depois de todos terem sido apresentados. A citação urgente tem lugar, arequerimento do autor, quando se justifique que, excecionalmente, a citação deva ter
prioridade sobre as restantes a realizar pela secretaria; a petição, uma vez distribuída, é
logo apresentada a despacho do juiz (artigo 226.º, n.º4, alínea f) CPC), o qual, se julgar
justificadas as razões apresentadas pelo autor, ordenará a precedência requerida (artigo
561.º CPC).
§6.º- Citação
Finalidade, conteúdo e formalidades gerais: há agora que dar conhecimento ao réu da ação que
contra ele foi proposta, proporcionando-lhe o exercício do direito de defesa. É este um direito
fundamental, que, tal como o direito de ação, integra o direito de acesso aos tribunais, e a sua
garantia pressupõe um ato que dê ao réu o conhecimento efetivo do processo contra ele
instaurado. Esse ato fundamental de comunicação entre o tribunal e o réu, com a tripla função
de transmissão de conhecimento, de convite para a defesa e de constituição do ´reu como parte,
é a citação (artigo 219.º, n.º1 CPC), misto de declaração de ciência e de ato jurídico constitutivo.
Pelo ato de citação, faz-se chegar ao réu o duplicado da petição inicial que a ele se destinava e a
cópia dos documentos que a acompanharam. Mas não só: há que lhes dar as indicações
necessárias para que ele fique consciente do alcance do direito de defesa e do modo como
poderá exercê-lo. Constam do artigo 227.º CPC estes elementos imprescindíveis do conteúdo do
ato: ao réu é comunicado que fica citado para a ação a que o duplicado se refere, identificada
mediante indicação do tribunal e secção por onde corre o processo; são-lhe indicados o prazo
dentro do qual pode contestar; as cominações em que incorre se não o fizer a obrigatoriedade
se fazer representar por advogado.
Modalidades:
1. Enunciação: desejável seria que, para haver a certeza do que o réu toma efetivo
conhecimento da ação, a citação se fizesse por contacto pessoal do funcionário dela
encarregado. É o modo tradicional de a fazer, que em outros sistemas jurídicos continua
a ser a regra. Mas a complexidade das relações sociais hodiernas tem levado a recorrer,cada vez mais insistentemente, a modalidades de citação que não podem garantir com o
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mesmo grau de segurança que o réu tome conhecimento da ação contra ele proposta.
No nosso Direito atual, começa por ser tentada a citação por via postal (artigos 228.º e
246.º, n.º2 CPC) e só se essa via se frustrar é eu tem lugar a citação por agente de
execução ou funcionário judicial (artigo 231.º CPC), que, porém, frequentemente toma aforma de citação com hora certa (artigo 232.º CPC); como último recurso, surge a citação
edital (artigo 240.º e 243.º CPC); modalidade existente desde a revisão do CPC de 1961,
possível de ser utilizada a todo o tempo, mas raramente o sendo, é a citação promovida
por mandatário judicial (artigo 237.º CPC).
Oficiosidade e intervenção do juiz: fora o caso da citação promovida por mandatário judicial, a
iniciativa e a prática do ato cabem, em princípio, à secretaria do tribunal, que, nos termos do
artigo 226.º, n.º1 CPC, para tanto não necessita que o juiz lho ordene e deve remover, ela própria,
as dificuldades práticas que obstem à realização do ato. Esta atuação da secretaria é, porém,
sujeita a um duplo controlo: pelo autor, que, ao fim de 30 dias sem que o ato esteja efetuado, é
informado das diligências efetuadas e dos motivos por que a citação não foi feita, a fim decolaborar com as informações que possa obter para a prática do ato (artigo 226.º, n.º2 CPC); pelo
juiz, a quem, passado mais 30 dias, o processo é concluso com semelhante informação, a fim de
ordenar à secretaria o procedimento a adotar (artigo 226.º, n.º3 CPC), sem prejuízo do novo
regime geral de controlo do artigo 162.º, n.º5 CPC. Só nos casos excecionais da citação edital e
da citação urgente é que ao juiz cabe previamente ordenar a citação.
Efeitos: com a citação, a instância iniciada com a propositura da ação converte-se de bilateral em
triangular: o ato de propositura, agora do conhecimento do réu, estende-lhe a sua eficácia (artigo
259.º, n.º2 CPC) e a instância estabiliza, ficando, em princípio, definida quanto aos sujeitos e ao
objeto do processo (artigos 260.º e 564.º, alínea b) CPC). O termo instância traduz, a partir daqui,
a ideia da relação, por natureza dinâmica, existente entre cada uma das partes e o tribunal, bemcomo entre as próprias partes, na pendência da causa. Não é esse o único efeito da citação. Outro
seu efeito é o de inibir o réu de propor contra o autor ação destinada à apreciação do mesmo
objeto processual (artigo 564.º, alínea c) CPC), isto é, de um pedido normalmente deduzido ao
contrário, mas não necessariamente. Se o fizer, haverá litispendência e a segunda ação não
poderá prosseguir (artigos 580.º, n.º1 e 582.º CPC).
§7.º - Contestação
Prazo: no prazo de 30 dias contados da citação, ou do termo da dilação que tenha lugar, o réu
pode contestar a ação contra ele proposta (artigo 569.º, n.º1 CPC). Havendo, porém, vários réus
e terminando em duas diferentes o prazo para a respetiva defesa, beneficiam todos do prazo que
termine em último lugar, podendo contestar até esse limite (Artigo 569.º, n.º2 CPC). Podem, por
isso, os réus citados aguardar a última citação para, quando ocorra, ficarem a saber até quando
poderão efetivamente contestar; mas, se o autor entretanto desistir da instância ou do pedido
relativamente a um réu não citado, serão os que ainda não contestaram notificados da
desistência, a partir do que corre o prazo para a sua contestação (artigo 569.º, n.º3 CPC). O
decurso do prazo da contestação, como prazo perentório que é, faz precludir o direito a contestar
(artigo 139.º, n.º3 CPC), salvo o caso de justo impedimento (artigos 139.º, n.º4 e 140.º CPC) eressalvada a possibilidade da prática do ato nos três dias úteis imediatos ao termo do prazo,
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mediante o pagamento de multa (artigo 139.º, n.º5, 6 e 7 CPC). No entanto, pode o juiz,
excecionalmente e sem audição do autor, prorrogar o prazo da contestação por período não
superior a 30 dias, quando motivo ponderoso impeça ou dificulte anormalmente a organização
da defesa (artigo 569.º, n.º5 CPC), para tanto bastando, quando o réu é representado peloMinistério Público, que este careça de informação que não possa obter dentro do prazo ou tenha
de aguardar resposta a consulta feita a instância superior (artigo 569.º, n.º4 CPC).
Ónus da contestação e revelia:
1.
Noção
: vimos que a citação constitui o réu, em regra, no ónus de contestar. Se este ónus
não for observado, não apresentando o réu qualquer defesa, constitui-se ele em situação
de revelia. Quando, dentro do prazo da contestação, o réu intervém de outro modo no
processo, nem que seja apenas para constituir, por procuração, mandatário judicial, a
revelia diz-se relativa é absoluta quando o réu não intervém de modo algum no processo
(artigo 566.º CPC). A revelia produz, em regra, efeito probatório; mas há casos em que,excecionalmente, o efeito não se produz. É corrente denominar de revelia operante o
regime regra e de revelia inoperante o que o exceciona.
2. Regime regra da revelia: a revelia tem, em regra, como consequência que os factos
alegados pelo autor se consideram provados por admissão (artigo 567.º, n.º1 CPC). É
prova desconhecida nos sistemas ditos de fictalitiscontestatio, ou contestação ficta, em
que a omissão de contestar não tem o valor de prova legal e mantém incólumes as
normas sobre a distribuição do ónus da prova. Entre nós, fica definitivamente adquirida
no processo: não pode o réu vir posteriormente negar os factos sobre os quais se
manteve silencioso. Não é assim em todos os sistemas de fictaconfessio, porém.
3.
Exceções: o efeito de prova nem sempre se produz, pois o artigo 568.º CPC introduz-lheexceções. Além disso, por aplicação analógica do artigo 574.º, n.º2 CPC, não podem ser
dados como provados os factos física ou legalmente impossíveis e os notoriamente
inexistentes (artigo 354.º-C CC).
Conteúdo e forma:
1. Sentido material e sentido formal da contestação: a contestação é, em sentido material, a
peça escrita com que o réu responde à petição inicial, deduzindo os meios de defesa que
tenha contra a pretensão do autor. Em sentido forma, é um articulado de estrutura
semelhante à da petição inicial: começa por um intróito, em que basta que o réu
identifique o processo (individualizar a ação); segue-se a narração, em que são expostos
os factos, mediante a tomada de posição perante os alegados pelo autor e a alegação denovos facos trazidos ao processo pelo réu, e as razões de direito, por aplicação da norma
jurídica aos factos expostos; segue-se a conclusão, em que o réu remata dizendo se deve
ser absolvido da instância, por proceder uma exceção dilatória, ou do pedido, por
improceder a ação; finalmente, há que propor os meios de prova constituendos, sem
prejuízo de o réu poder ainda, no caso de reconvir, alterar o requerimento probatório
que apresente, no prazo de 10 dias contados da notificação da réplica (artigo 572.º CPC).
Após este núcleo essencial, há lugar a indicações complementares, tais como a menção
do número de duplicados, dos documentos e da procuração eventualmente
apresentados, a eventual escolha de domicílio para notificações, a eventual indicação de
valor diferente do indicado pelo autor, do qual o réu discorde (artigo 305.º, n.º1 CPC).Com a contestação, há que fazer prova documental de que o réu pagou a taxa de justiça,
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de que lhe foi concedido apoio judiciário ou de que o requereu, sem que tenha tido ainda
despacho o requerimento (artigo 570.º, n.º1 CPC). Mas tem sido assinalado: por um lado,
que não deixa de ser contestação em sentido formal, não o sendo em sentido material,
o articulado, apresentado no prazo e sob forma de contestação, em que o réu se limita aconfessar o pedido contra ele deduzido (artigo 283.º, n.º1 CPC) ou os factos alegados
pelo autor (artigo 356.º, n.º1 CC), ou a reconvir; por outro lado, que deve ser admitida
como contestação, embora não obedeça às exigências do articulado, a mera
apresentação, pelo réu, no prazo da contestação, de documentos que provem não ser
verdadeiros os factos alegados pelo autor ou provem factos impeditivos, modificativos
ou extintivos do efeito dos que o autor tenha alegado, constituindo-se assim contestação
em sentido material que não o é em sentido formal. Ao controlo formal externo da
contestação pela secretaria não faz a lei qualquer referência. Tratando-se de ato a
praticar em prazo perentório, a recusa só é admissível quando seja inevitável. Tal
acontece quando não é identificado o processo (através do seu número ou de outroselementos que o individualizem), quando o articulado é entregue em tribunal diverso do
do processo, quando ele não se apresente assinado, quando não esteja redigido em
língua portuguesa e quando não tenha sido utilizado o papel regulamentar (caso exista).
Em todos os outros casos, o controlo há de ser feito pelo juiz, no despacho pré-saneador.
2. Modalidades de defesa: duas são as modalidades de defesa ao alcance do réu: a defesa
por impugnação e a defesa por exceção (artigo 571.º CPC). A impugnação pode ser de
facto ou de direito. É de facto quando o réu se opõe à versão da realidade apresentada
pelo autor, negando os factos alegados na petição inicial. É de direito quando o réu
contradiz o efeito jurídico (normalmente, o direito subjetivo material por eles constituído)
que o autor deles pretende extrair, pondo em causa a determinação, interpretação ou
aplicação da norma de direito feita pelo autor na petição inicial. A exceção é dilatória ou
perentória. É dilatória quando é invocada a falta dum pressuposto processual, isto é,
duma das condições (relativas às partes, ao tribunal, ao objeto do processo ou à relação
entre as partes e o objeto) exigidas para que o tribunal se possa ocupar do mérito da
causa, respondendo ao pedido formulado pelo autor. É perentória quando é alegado um
facto impeditivo, modificativo ou extintivo da situação jurídica que o autor se arroga ou,
na ação de mera apreciação da existência de factos, um facto impeditivo da existência do
facto jurídico que o autor pretende que seja declarada. Todos os meios de defesa
(impugnações e exceções) que o réu tenha contra a pretensão formulada pelo autor
devem, em princípio, ser deduzidos na contestação. Este princípio da concentração da
defesa, que a necessidade dum processo quanto possível célere explica e que o artigo573.º, n.º1 CPC, na sua 1.ª parte, estabelece, é, em princípio, alargado aos incidentes que
o réu queira levantar e excecionado nos casos de defesa diferida do artigo 573.º, n.º2
CPC: meios de defesa supervenientes, abrangendo quer os casos em que o facto em que
eles se baseiam se verifica supervenientemente (superveniência objetiva), quer aqueles
em que esse facto é anterior à contestação, mas só posteriormente é conhecido pelo réu
(superveniência subjetiva), devendo em ambos os casos ser alegado em articulado
superveniente (artigo 588.º, n.º2 CPC); meios de defesa que a lei expressamente admita
posteriormente à contestação; meios de defesa de que o tribunal pode conhecer
oficiosamente, abrangendo a impugnação de direito (artigo 5.º, n.º3 CPC) e a maioria das
exceções dilatórias (artigo 578.º CPC) e perentórias (artigo 579.º CPC), sem prejuízo deos factos em que as exceções se baseiem só poderem ser introduzidos no processo pelas
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partes (salvo nos casos excecionais em que é permitido o seu conhecimento oficioso:
artigo 412.º CPC), na fase dos articulados ou com os limites definidos para a alegação de
facto em articulado superveniente. Corolário do princípio da concentração é a preclusão.
O réu tem o ónus de, na contestação, impugnar os factos alegados pelo autor, alegar osfactos que sirvam de base a qualquer exceção dilatória ou perentória (excetuadas apenas
as que forem supervenientes) e deduzir as exceções não previstas na norma excecional
do artigo 573.º, n.º2 CPC. Se não o fizer, preclude a possibilidade de o fazer.
Exceção:
1.
Classificação
: ao conceito de exceção subjaz a ideia de defesa indireta, que, sem pôr em
causa a realidade dos factos alegados como causa de pedir nem o efeito jurídico que o
autor deles pretende extrair, consiste na alegação de factos novos dos quais o réu
entende que se retira que o tribunal em que a ação foi proposta não poderá declarar o
efeito pretendido – ou porque tais factos impedem que esse tribunal aprecie o pedido
formulado pelo autor (exceção dilatória) ou porque levam o tribunal, ao apreciá-lo, a
julga-lo improcedente (exceção perentória).
2. Exceção dilatória: sabemos já que, para que o tribunal se possa ocupar do mérito da causa,
decidindo-a, é necessário que se verifiquem determinadas condições, que são os
pressupostos processuais, e que, quando algum deles não se verifica, ocorre uma
exceção dilatória. Se a falta do pressuposto não for sanada (artigos 6.º, n.º2 e 278.º, n.º2
CPC), o juiz deverá proferir sentença de absolvição (do réu) da instância (artigos 278.º,
n.º1 e 576.º, n.º2 CPC), salvo se o processo dever ser remetido para outro tribunal (artigo
99.º, n.º2, 105.º, n.º3, 278.º, n.º2 e 576.º, n.º2 CPC) ou ocorrer a situação prevista no
artigo 278.º, n.º3 CPC. Pressuposto processual e exceção dilatória constituem, assim, o
ve3rso e o reverso da mesma realidade. A exceção dilatória é, em regra, de conhecimentooficioso (artigo 578.º CPC; mas, mesmo sendo-o, o réu pode argui-la na contestação e,
embora possa também fazê-lo posteriormente, enquanto não houver decisão (artigo
573.º, n.º2 CPC), é dele o ónus de alegar os factos em que se baseie, quando ela não se
funde apenas na versão apresentada pelo autor. O artigo 57.º CPC contém um elenco
extenso, mas não taxativo («sãodilatórias,entreoutras,asexceçõesseguintes»), das
exceções dilatórias. Entre as exceções dilatórias inominadas, é polémica a do interesse
processual ou interesse em agir.
3.
Exceção perentória: constitui exceção perentória, segundo o artigo 576.º, n.º3 CPC, a
invocação de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do efeito jurídico dos factos
articulados, como causa de pedir, pelo autor. Ao contrário da exceção dilatória, fundadano Direito processual, a exceção perentória vai buscar o seu fundamento ao Direito
material: tal como o efeito do facto constitutivo, o dos factos que o impedem, modificam
ou extinguem é determinado pelas normas de Direito substantivo, constituindo
problema de interpretação destas a individualização dos respetivos tipos. Por isso, a
procedência da exceção perentória leva à absolvição do pedido (artigo 571.º, n.º2, infine
CPC). Os factos modificativos e os factos extintivos são de ocorrência posterior ao
momento da constituição do direito e por isso a sua distinção dos factos constitutivos é
mais fácil. O efeito do facto modificativo pode produzir-se no objeto do direito, no plano
da sua oponibilidade ou no da possibilidade do seu exercício.. Mais difícil é, por vezes,
identificar o faco impeditivo, distinguindo-o do constitutivo, pois um e outro são
contemporâneos e o facto impeditivo inibe ab initio os efeitos do facto constitutivo
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mesma estrutura formal da petição inicial (fundamentos de facto; fundamentos de
direito; pedido; valor da causa; elementos complementares eventuais). A contestação
não pode ser recusada pela falta de indicação do valor da reconvenção; mas esta não
será atendida se o reconvinte, convidado a indicá-lo, não o fizer (artigo 583.º, n.º2 CPC).A reconvenção pode ser inepta, como a petição inicial; mas a consequência da ineptidão
não é, evidentemente, a nulidade de todo o processo, mas a nulidade circunscrita da
própria reconvenção, com a consequente absolvição do reconvindo da instância
reconvencional. Veiculando, tal como a petição inicial, o exercício do direito de ação (do
reconvinte contra o reconvindo). O reconvindo é absolvido da instância quando o
prosseguimento da ação reconvencional esteja dependente de qualquer ato a praticar
pelo reconvinte e este não o pratique (artigo 583.º, n.º3 CPC). Pra que a reconvenção
seja admissível, terá de se verificar algum dos elementos de conexão com o pedido do
autor indicados no artigo 26.º, n.º2 CPC e não poderá verificar-se nenhum dos requisitos
negativos de compatibilidade processual a que se refere o artigo 266.º, n.º3 CPC, semprejuízo do disposto no artigo 37.º, n.º2 e 3 CPC). A absolvição do réu (do pedido ou da
instância) não obsta à apreciação do pedido reconvencional, a menos que este seja
dependente do formulado pelo autor (artigo 266.º, n.º6 CPC).
§8.º - Réplica
Funções: quando o réu haja deduzido reconvenção, o autor tem, para lhe responder, um outro
articulado: réplica (artigo 584.º, n.º1 CPC). Esta tem também lugar quando, em ação de simplesapreciação negativa, o réu tenha legado, na contestação, os factos constitutivos do direito, ou os
elementos constitutivos do facto negado pelo autor na petição inicial (artigo 584.º, n.º2 CPC). No
CPC 2013, a réplica deixou de ter lugar para resposta às exceções deduzidas na contestação,
função esta que anteriormente também desempenhava. Nela o autor impugnava os factos que o
réu tivesse alegado como fundamento das exceções deduzidas, sob pena de se terem por
provados por admissão, em termos idênticos e com as mesmas exceções que vigoram para o réu
na contestação. O autor estava, pois, sujeito, na réplica, ao ónus da impugnação dos factos
constitutivos das exceções deduzidas pelo réu. Na réplica tinha ainda o autor, com sujeição ao
mesmo regime de preclusão a que está sujeito o ́ reu, a contestação, o ónus de deduzir as contra-
exceções (exceções às exceções deduzidas pela parte contrária) que tivesse a opor à contestação,
alegando os factos impeditivos, modificativos ou extintivos dos efeitos alegados pelo réu em sede
de exceção. Finalmente, cabia ao autor invocar os fundamentos jurídicos que tivesse a opor às
exceções deduzidas pelo réu, bem como aq1ueles em que fundasse as contra-exceções que
deduzisse, com a vantagem, quanto a estes, de preservar a faculdade de arguir eventual nulidade
por violação judicial do princípio do contraditório. Com outro regime, a função desaparecida é
agora desempenhada pelo articulado do artigo 3.º, n.º4 CPC, sem prejuízo de, havendo réplica
(num dos casos em que a lei a continua a admitir), o autor a dever aproveitar para antecipar esse
articulado de resposta às exceções (se o quiser apresentar), com manifesta economia processual.
Desaparecida esta função, a réplica desempenha, em face da reconvenção, o mesmo papel que
a contestação (defesa) do réu em face da petição inicial: é, por sua natureza, uma contestação
da reconvenção, inteiramente sujeita, ressalvadas as devidas adaptações, ao regime da
contestação. Também nas ações de simples apreciação negativa o autor tem o ónus de impugnar,
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na réplica, os factos constitutivos alegados pelo réu, bem como o de deduzir as exceções
perentórias, baseadas em factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo
réu ou em elementos impeditivos do facto jurídico cuja existência o réu haja afirmado. Havendo
réplica (num dos dois casos em que a lei a continua a admitir), nada exclui que o autor nela possareduzir o pedido ou ampliá-lo em desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo (artigo
265.º, n.º2 CPC) e alterar ou ampliar a causa de pedir com factos confessados pelo réu, por ele
aceites na réplica ou nos 10 dias anteriores (artigo 265.º, n.º1 CPC), bem como completar ou
concretizar a matéria de facto alegada na petição inicial (Artigo 590.º, n.º4 CPC). O autor pode,
na réplica, alterar o requerimento probatório inicialmente apresentado (artigo 552.º, n.º2 CPC).
Tal como o réu com a contestação, o autor deve pagar, antes da réplica, reforço da taxa de justiça
idêntico ao pago pelo réu por ter reconvindo, ressalvando o regime do apoio judiciário.
Prazo: o prazo para a réplica é de 30 dias, contados da data da notificação da contestação ao
autor (artigo 585.º, n,.º3 CPC). Este prazo, igual ao da contestação, justifica-se pela natureza (da
contra-ação) da reconvenção. Na ação de simples apreciação negativa, tendo o réu nela alegado
os factos constitutivos do seu direito, também o autor está em situação semelhante, embora não
idêntica, à do réu perante a petição inicial. Se, havendo vários réus, a secretaria notificar
separadamente as contestações apresentadas, embora não deva fazê-lo, o prazo para a réplica
só se inicia com a última notificação, sem prejuízo de valer, quanto às contestações já notificadas,
a réplica que o autor apresente antes de ela ser efetuada. O prazo par a réplica é prorrogável nos
mesmos termos em que o é o prazo para a contestação (artigo 586.º CPC).
Revelia do reconvindo: a falta de réplica implica a revelia do reconvindo quanto ao pedido
reconvencional. Aplicando-se o regime cominatório (regra e exceções) predisposto para a revelia
do réu, o pedido reconvencional será decidido no despacho saneador se, consequentemente,todos os factos relevantes alegados pelo reconvinte deverem ser considerados provados.
§9.º - Articulados supervenientes
Espécies: terminada a fase dos articulados, em três casos é ainda admissível a apresentação, pelas
partes, de peças com a função de articulado:
a. Havendo sido deduzida uma exceção no último articulado (normal ou eventual) integrado
na respetiva fase a parte contrária pode responder-lhe na audiência preliminar ou na
audiência final (artigo 3.º, n.º4 CPC);
b.
Havendo insuficiências ou imprecisões na alegação da matéria de facto (articulado ou
articulados deficientes), o juiz pode convidar a parte a supri-las, com direito a parte
contrária (artigos 590.º, n.º2, alínea b) e 4 e 591.º, n.º1, alínea c) CPC);
c.
Ocorrendo factos supervenientes, a parte a quem aproveitam pode alega-los em
articulado superveniente (strictosensu), com direito a resposta da parte contrária (artigo
588.º CPC).
No caso da alínea c., a superveniência da matéria alegada acarreta a superveniência
(relativamente à fase dos articulados) da apresentação do articulado. Nos outros dois casos, oconteúdo da peça não é superveniente, só o sendo o momento da sua apresentação. Embora a
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lei continue a reservar par aa primeira figura, existente desde 1961, a denominação de articulado
superveniente pode, com base nesta característica comum de superveniência da apresentação
do articulado, ser estendida às duas restantes figuras, ambas oriundas da revisão de 1995-1996.
Falaremos porém, de articulado superveniente strictosensu apenas quanto à primeira.
A garantia do direito ao contraditório: as exceções (incluindo, embora muito limitadamente no
novo Código, as contra-exceções) podem suceder-se na fase dos articulados, podendo acontecer
que o último articulado do processo contenha uma exceção, a que o princípio fundamental do
contraditório impõe que seja assegurado o direito de resposta. O artigo 3.º, n.º4 CPC visa essa
finalidade. Sempre que se realize, na fase da condensação, a audiência prévia (Artigo 591.º CPC),
a resposta à última exceção terá aí lugar. Quando ela não se realize em causa que prossiga após
a fase da condensação (artigo 593.º CPC), a resposta é dada no início da audiência final, isto é,
antes de começar, nela, a produção da prova (artigo 604.º, n.º3 CPC). Ter a resposta lugar em
audiência implica que seja dada oralmente e consignada na ata. É o que a lei dispõe para o
articulado superveniente strictosensu (artigo 589.º, n.º2 CPC) e que deve igualmente aplicar-se
ao articulado apresentado nos termos do artigo 3.º, n.º4 CPC. Mas constituiria formalismo
excessivo negar a admissibilidade da apresentação escrita do articulado, desde que seja lido na
audiência e fique anexo à ata que desta for elaborada. Na falta de norma legal que sujeite a parte
ao ónus de impugnação, deve entender-se que a apresentação deste articulado constitui uma
faculdade e não um ónus. Não é assim por constituir um ato a realizar em audiência, pois não há
nenhuma conexão necessária entre a forma escrita do articulado e a cominação; mas, dado o
momento tardio da sua apresentação, designadamente quando só tenha lugar na audiência final,
a cominação já não se justificaria. A parte pode, por isso, responder às exceções, mas não deve,
como o réu ao contestar (artigo 574.º, n.º1 CPC) ou o autor ao replicar (artigo 587.º, n.º1 CPC).
O completamento de articulados deficientes:
1.
Quando tem lugar: o convite ao aperfeiçoamento pode ser dirigido, quer ao autor (para
completar ou concretizar a causa de pedir), quer ao réu (para completar ou concretizar
uma exceção), considerado o conjunto dos articulados por cada um deles apresentado.
Constitui um remédio para casos em que os factos alegados por autor ou réu (os que
integram a causa de pedir e os que fundam as exceções) são insuficientes ou não se
apresentam suficientemente concretizados. No primeiro caso, está em causa a falta de
elementos de facto necessários à completude da causa de pedir ou duma exceção, por
não terem sido alegados todos os que permitem a subsunção na previsão da norma
jurídica expressa ou implicitamente invocada. No segundo caso, estão em causaafirmações feitas, relativamente a alguns desses elementos de facto, de modo conclusivo
(abstrato ou jurídico) ou equívoco. Fora da previsão do preceito estão os casos em que a
causa de pedir ou a exceção não se apresentem identificadas, mediante a alegação de
elementos de facto suficientes para o efeito, casos esses que são de ineptidão da petição
inicial ou de nulidade da exceção. Excluída está também a utilização do despacho de
aperfeiçoamento para suscitar a invocação, pela parte, de nova, ou diferente, causa de
pedir ou de nova, ou diferente, exceção. O despacho de aperfeiçoamento e o
subsequente articulado da parte deverão conter-se no âmbito da causa de pedir ou
exceção invocada.
2.
Regime: o convite do juiz é feito na base da condensação: em regra, no despacho pré-saneador (artigo 590.º, n.º1, alínea a) e 4 CPC); se aí não o tiver feito, na audiência prévia
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(artigo 591.º, n.º1, alínea c) CPC). No primeiro caso, é fixado prazo à parte para a
apresentação do articulado de aperfeiçoamento (artigo 508.º, n.º4 CPC). No segundo
caso, o aperfeiçoamento é feito verbalmente e ditado para a ata (artigo 155.º, n.º1 CPC),
sem prejuízo de a audiência poder ser suspensa para o efeito e o articulado serapresentado por escrito (como a lei expressamente admite para o despacho saneador:
artigo 595.º, n.º2 CPC),. Aplicam-se as regras gerais sobre contrariedade e prova (artigos
590.º, n.º5 CPC), de onde se retira que:
a.
Constituindo o articulado apresentado um complemento de articulados (normais
ou eventuais) do processo, a parte contrária pode sempre responder, sem
prejuízo de, quando o articulado-complemento tenha por objeto o
aperfeiçoamento exclusivo do último articulado admitido na forma processual
em causa, a resposta se fazer nos termos do artigo 3.º,n.º4 CPC;
b. Fora deste último caso, o prazo para a resposta é de 10 dias (artigo 149.º, n.º1
CPC), contados, quando o convite é feito no despacho pré-saneador, a partir danotificação do articulado (artigo 149.º, n.º2 CPC) e, quando é feito na audiência
prévia e, nela apresentado o articulado, a parte contrária não prescinde do prazo
para responder, da data da apresentação, com imediato conhecimento da parte
contrária;
c. Fora também desse caso, observa-se o ónus de impugnação;
d. Com o articulado de aperfeiçoamento e a resposta, são propostas as provas
relativas aos novos factos alegados.
Se o juiz não fizer o convite ao aperfeiçoamento, carecendo dele os articulados, a parte
pode, na audiência prévia, ou enquanto não é proferido o despacho saneador, se ele não
tiver lugar, fazê-lo por sua iniciativa, sujeita, evidentemente, ao controlo judicial. Por
outro lado, constituindo hoje o despacho de aperfeiçoamento um despacho vinculado, a
sua omissão, quando deva ter lugar, está sujeita ao regime das nulidade processuais.
Os factos supervenientes:
1.
Quando são admissíveis: podem, depois do último articulado da parte, ocorrer novos
factos – ou elementos de facto – constitutivos da situação jurídica do autor (ou do facto
objeto da ação de simples apreciação) ou factos modificativos ou extintivos dessa
situação (superveniência objetiva). Pode também ocorrer que só depois do seu último
articulado o autor tenha conhecimento de outros factos – ou elementos de facto –
constitutivos, ou o reu conhecimento de factos impeditivos, modificativos ou extintivos,
embora uns e outros tivessem ocorrido anteriormente (superveniência subjetiva). Em
ambos os tipos de situação, pode ter lugar articulado superveniente, em que a parte a
quem o facto é favorável o alegará (artigo 588.º, n.º1 e 2 CPC), juntamento, se for caso
dela, com a superveniência subjetiva. Relativamente ao réu, não joga a preclusão do
artigo 573.º, n.º1 CPC para estas exceções supervenientes (artigo 573.º, n.º2 CPC).
Quanto ao autor, tem sido controvertido se a alteração ou ampliação da causa de pedir
é admissível fora do circunstancialismo dos artigos 264.º e 265.º CPC (Casto Mendes, em
sentido negativo). O princípio da economia processual e a consideração de que o alcance
do preceito seria quase nulo se a sua previsão fosse reduzida, quanto ao autor, aos factos
que completem a causa de pedir já invocada, atendendo ao que a alegabilidade desses
factos já está prevista em outras disposições, leva a perfilhar a solução de não o limitarpelo disposto nos artigos 264.º e 265.º CPC. A alegação superveniente do facto está
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sujeita, sim, a momentos de preclusão específicos, dependentes do momento da sua
ocorrência ou conhecimento, que o artigo 588.º, n.º3 CPC indica: audiência prévia; termo
do prazo de 10 dias contados da notificação da data da realização da audiência final;
audiência final.2.
Regime: apresentado o articulado, com oferecimento da prova relativa aos factos
alegados, o juiz profere despacho de admissão, ordenado a notificação da parte contrária
para responder em 10 dias, ou rejeição, podendo esta ter um de dois fundamentos:
apresentação fora de tempo, por culpa da parte; manifesta inviabilidade. Notificada a
parte contrária, esta está sujeita ao ónus de impugnação, pelo que, quando não responda
ou não impugne todos os factos alegados, estes ou aqueles que não forem impugnados
são dados como provados por admissão (artigo 588.º, n.º4, infine CPC). Com a resposta
é oferecida priva. Os factos impugnados e aqueles relativamente aos quais não jogue a
cominação, nos termos do artigo 574.º CPC, vão ser objeto de prova (artigo 588.º, n.º6
CPC).
Outras peças supervenientes: além destes articulados supervenientes, há outras peças que, fora
da fase dos articulados, desempenham algumas das funções dos articulados e, por isso, alguma
doutrina denomina ainda como articulados supervenientes. É o caso do requerimento de
modificação unilateral do pedido, por redução ou ampliação, nos termos do n.º2 ou do n.º4 do
artigo 265.º CPC; é o caso da dedução de exceção que, não sendo superveniente, a lei admita
depois da fase dos articulados ou seja de conhecimento oficioso (artigo 573.º, n.º2 CPC); é o caso,
por fim, da alteração do pedido ou da causa de pedir por acordo (artigo 264.º CPC).
§10.º - A condensação
Terminada a fase dos articulados, em que os atos do processo são fundamentalmente praticados
pelas partes e pela secretaria, segue-se uma fase em que o juiz tem papel predominante. Até
agora, as partes, dirigindo-se ao juiz, definiram o objeto do processo e tomaram posição sobre
ele, alegando os factos da causa e dizendo como, em seu entender, a eles se deve aplicar o direito
constituído. Na nova fase, o julgador toma conhecimento do que se passou na fase anterior e,
assumindo a direção do processo, vai, em diálogo com as partes, controlar a regularidade da
instância, convidar autor e réu a colmatar deficiências dos articulados e passar pelo seu crivo as
posições das partes, decidindo aquilo que pode desde já ser decidido, definindo as grandes
questões, que vão ser objeto da prova e julgamento e tomando as medidas que se imponham
para que, adequada a forma processual abstrata ao caso concreto, a justa composição do litígio
tenha lugar em prazo razoável. Se nesta sua intervenção, verificar que o processo contém já os
elementos suficientes para que o litígio possa, com segurança, ser decidido de mérito, ou que
ocorre a falta de um pressuposto insuscetível de sanação, o juiz julga imediatamente a causa e,
neste caso, a fase da condensação acaba por absorver, sob forma simplificada, a de discussão e
julgamento. Caso contrário, quando as partes nela não transijam, são fixados nesta fase os termos
essenciais da causa, funcionando a audiência prévia, sempre que tem lugar, como o pivot de
ligação entre a fase anterior, que agora se completa, e as fases ulteriores do processo, que nela
são programadas. A denominação desta fase processual como fase da condensação é suficientee pode manter-se, desde que nela se compreenda, não só o peneirar de que, após eventual
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aperfeiçoamento de articulados deficientes, resulta o apuramento das questões essenciais da
causa, mas também o saneamento do processo, isto é, a verificação da sua regularidade, com
eventual correção das irregularidades dos articulados e sanação das nulidades e da falta de
pressupostos processuais, gerais ou específicos.
§11.º - Despacho pré-saneador
Função: apresentando o último articulado do processo ou terminado o prazo para o apresentar,
o processo é concluso pela secretaria ao juiz, que, sendo caso disso, profere despacho destinado
a providenciar pela sanação da falta de pressupostos processuais e (ou) a convidar as partes ao
aperfeiçoamento dos articulados (artigo 590.º, n.º2 CPC). A este despacho chama o novo Código
despacho pré-saneador, considerada a sua finalidade de regularização da instância processual edas irregularidades dos articulados, em momento lógica e cronologicamente anterior ao do
despacho saneador. Desempenha uma quádrapla função:
Sanação da falta de pressupostos processuais (artigo 590.º, n.º2, alínea a) CPC);
Correção das irregularidades dos articulados (artigo 590.º, n.º2, alínea b) e 3 CPC)M
Junção de documento que perita a imediata apreciação de exceção dilatória ou o
imediato conhecimento do pedido (artigo 590.º, n.º2, alínea c) CPC);
Completamento dos articulados deficientes (artigo 590.º, n.º2, alínea b) e 4 CPC).
É, porém, de acrescentar duas notas. O novo Código atribui ao juiz um poder vinculado, que o
juiz tem o dever de exercer quando ocorram nos articulados «insuficiências ou imprecisões na
exposição ou concretização da matéria de facto alegada». A omissão do despacho constitui, pois,
nulidade processual, sujeita ao regime dos artigos 195.º, 197.º, 199.º, 200.º, n.º3 e 201.º CPC.
Proferido o despacho de aperfeiçoamento, ele não é recorrível (artigo 590.º, n.º7 CPC) porque
reveste natureza provisória: convidada a aperfeiçoar os articulados, a parte corresponde ou não
ao convite do juiz; em qualquer dos casos, a ação prossegue, correndo a parte o risco, quando
não aperfeiçoa ou o aperfeiçoamento é insuficiente, de que a decisão de mérito lhe seja
desfavorável, por inconcludência ou falta de concretização da causa de pedir, se for o autor (ou
o reconvinte), ou dos factos em que se funda a exceção. Quanto à não sanação da falta do
pressuposto ou da irregularidade do articulado, as suas consequências diretas são, em princípio,
processuais.
Sanação da falta de pressupostos processuais: a preocupação da lei com a realização da função
processual, mediante a pronúncia de decisão de mérito, leva a estabelecer o dever do juiz de
providenciar pela sanação da falta de pressupostos processuais que seja sanável: o juiz deve
determinar a realização dos atos necessários à regularização da instância e, quando não o possa
fazer oficiosamente, por se estar no campo da exclusiva disponibilidade das partes, convidar estas
a praticá-lo (artigo 6.º, n.º2 CPC). A lei é expressa quanto à sanabilidade da falta de determinados
pressupostos e ao modo de a sanar. Mas a norma geral do artigo 6.º, n.º2 CPC não se limita a
remeter para estas e outras disposições específicas: abrange todos os pressupostos cuja falta
possa, por sua natureza, ser sanada, sem que tal necessariamente implique a inutilidade de tudo
o que se tiver processado, pois a ideia que a ela preside é que devem ser removidos todos osimpedimentos da decisão de mérito que possam sê-lo. Algumas vezes, a sanação pode ter lugar
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oficiosamente; mas na maior parte dos casos, a iniciativa oficiosa tem de ser seguida por um ato
da parte, do seu representante ou curador ou do terceiro titular do poder de autorizar ou
consentir. E há casos em que, por estar em causa a conformação subjetiva ou objetiva da instância,
o juiz mais não pode fazer do que convidar a parte a determiná-la. Se o juiz não providenciar, nodespacho pré-saneador, pela sanação, pode a parte – ou a pessoa cuja falta origina o vício –
praticar espontaneamente o ato que dela dependa, com o que o pressuposto fica verificado. Pode
ainda acontecer que só na audiência preliminar, nomeadamente quando convocada para os fins
do artigo 591.º, n.º1, alínea c) CPC, se torne patente a falta do pressuposto; ou ainda que o juiz
só dela dê conta no momento em que vai proferir o despacho saneador. O artigo 6.º, n.º2 aplica-
se em qualquer caso e, antes de proferir o despacho saneador, o juiz deve providenciar pela
sanação.
Correção das irregularidades dos articulados:
1.
Regime: o despacho de aperfeiçoamento proferido perante articulado irregular é umdespacho vinculado, que, como tal, o juiz tem o dever de proferir, pelo que, se não o fizer,
a omissão constitui nulidade processual, nos termos do artigo 195.º CPC. Mas, se for
proferido, ele não é recorrível (artigo 590.º, n.º7 CPC), porque reveste natureza
provisória: convidada a aperfeiçoar os articulados, a parte corresponde ou não ao convite
do juiz; no primeiro caso, este verifica se o aperfeiçoamento é suficiente e, se assim for,
o processo prosseguirá, sem que o juízo emitido constitua caso julgado; se o
aperfeiçoamento não for suficiente ou a parte nada aperfeiçoar, o juiz proferirá novo
despacho, em que tirará as consequências que se impõem, despacho este recorrível. As
consequências do não aperfeiçoamento variam consoante o tipo de situação que se
verifique:a. Quando falte um requisito legal : o tribunal deve rejeitar, por nulidade, o
articulado ou a parte dele que esteja inquinada pelo vício;
b. Quando falte documento essencial à verificação dumpressupostoprocessual :
este deve ter-se por não verificado;
c.
Quando falte documento essencial ao prosseguimento da ação: esta não
prossegue sem que o documento seja junto, o que terá como consequência,
quando a falta respeite ao autor, a suspensão da instância e, quando respeite ao
reconvinte, a absolvição do reconvindo da instância (artigo 583.º, n.º3 CPC);
d.
Quandofaltedocumentoessencialàprovadumpressupostodasituaçãojurídica
que se quer fazer valer em juízo: a consequência é, normalmente, a
improcedência da ação ou da exceção.
Excetuada a suspensão da instância, que deve ser ordenada logo que decorra o prazo
concedido (inicialmente ou em prorrogação do prazo inicial), as outras consequências do
não aperfeiçoamento devem ser extraídas pelo juiz no despacho saneador.
§12.º - Audiência prévia
Designação: após os atos praticados em execução do despacho pré-saneador ou, não tendo este
lugar, logo que o processo lhe vai concluso no fim da fase dos articulados, o juiz designa dia paraa audiência prévia, observando o preceituado pelo artigo 151.º, n.º1 a 3 CPC, e indicando o seu
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objeto e finalidade (artigo 591.º, n.º2 CPC), de entre os constantes do artigo 591.º, n.º1 CPC,
salvo:
a Quando ocorra revelia inoperante do réu ou, havendo vários réus, de todos eles (artigo592.º, alínea a) CPC);
b Quando o processo deva findar no despacho saneador pela procedência da ação de exceção
dilatória já debatida nos articulados
(artigo 592.º, n.º1, alínea b) CPC);
c Quando, destinando-se a audiência apenas aos fins enunciados nas alíneas d a f do artigo
591.º, n.º1 CPC
: o juiz a entenda dispensável (artigo 593.º, n.º1 CPC), ressalvada, porém,
neste caso, a possibilidade da sua ulterior realização por iniciativa de parte reclamante.
A realização da audiência previa constitui, portanto, regra no processo ordinário e para ela são
sempre convocados os mandatários das partes, e ainda estas próprias quando o objeto da causa
se contenha no âmbito do direito disponível, a tentativa de conciliação constitua um dos fins para
os quais a audiência é realizada e se verifique o condicionalismo do artigo 594.º, n.º2 CPC.
Finalidades: constituem finalidades principais, cumulativas ou alternativas, da audiência prévia,
as seguintes, que, quando cumulativas, definem, mas só em princípio, a ordem pela qual têm
lugar os atos que nela são praticados:
a Tentativa de conciliação das partes (artigo 591.º, n.º1, alínea a) CPC): o juiz promove o
encontro das partes, que se podem fazer representar por advogado com poderes
especiais para o efeito (artigo 45.º, n.º2 conforme artigo 290.º, n.º3 CPC), para uma
negociação de que possa resultar, no campo do direito disponível (artigo 289.º, n.º1 CPC),
auto-composição do litígio, ou de parte dele, mediante transação (artigo 277.º, alínea d),
283.º, n.º2, 284.º e 290.º, n.º4 CPC);
b Discussão sobre as exceções dilatórias (artigo 591.º, n.º1, alínea b) CPC): o despachosaneador constitui o momento tipicamente adequado à verificação dos pressupostos
processuais e, portanto, ao conhecimento das exceções dilatórias decorrentes da sua
falta (artigo 595.º, n.º1, alínea a) CPC). Sem prejuízo da sanação que possa ter tido lugar
na sequência do despacho pré-saneador, ou por iniciativa da parte, o juiz terá de se
pronunciar, não só sobre as exceções que tenham sido suscitadas pelas partes, mas
também sobre aquelas que deva conhecer oficiosamente, não as tendo as partes
suscitado. Estas últimas devem ser objeto de prévia discussão, em obediência ao
princípio do contraditório, excetuado apenas o caso em que a falta do pressuposto seja
de tal modo evidente – e insanável – que é manifesta a desnecessidade da discussão
(artigo 3.º, n.º3 CPC). Quanto às restantes, pode acontecer que a exceção tenha sidoinvocada no último articulado, tendo então a contraparte o direito de responder na
audiência prévia (artigo 3.º, n.º4 CPC); mas, mesmo quando já tenha tido resposta em
articulado posterior àquele em que fora invocada, a ulterior discussão em audiência pode
trazer novos argumentos ou esclarecer os já utilizados pelas partes. O CPC de 2013,
apesar da intenção do legislador de revigorar a audiência prévia, optou pela solução de
dispensar a sua realização quando, havendo o processo de findar no despacho saneador
pela procedência da exceção dilatória, eta já tinha sido debatida nos articulados.
Parecerá que o preceito implica estar vedado ao juiz convocar a audiência sempre que
alguma, mesmo que insuficiente, discussão da exceção tenha tido lugar entre as partes,
desde que entenda que a exceção procede, e que, ao invés, deve coloca-la quandoentenda que a exceção dilatória debatida nos articulados improcede. Ora, por um lado,
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a prolação do despacho saneador é sempre dispensável pelo juiz (artigo 593.º, n.º1 CPC)
e normalmente não se justificará quando esse seja o seu único fim concreto.
g Determinação da adequação formal, da simplificação ou da agilização processual
(artigo
591.º, n.º1, alínea e) CPC): proferido o despacho saneador, deve o juiz verificar se a formalegal do processo carece de ser adaptada, tidas em conta as especificidades da causa, e
adotar, sendo caso disso, a tramitação rocessual adequada, bem como adaptar o
conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, em obediência à dupla
finalidade de assegurar um processo equitativo e de garantir a justa composição do litigio
em prazo razoável (artigo 6.º, n.º2 e 547.º CPC). Esta adequação é particularmente visada,
com intuito de simplificação, nas causas cujo valor não exceda metade da alçada da
Relação (artigo 597.º CPC), mas pode, ao invés, tornar mais complexa a tramitação das
causas para as quais, por razão de economia processual ou de equidade, o modelo legal
se revele insuficiente.
h Despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova (artigo591.º, n.º1, alínea f) CPC): proferido após contraditoriedade, o despacho, no qual o juiz
identifica o objeto do litígio e enuncia os temas da prova (artigo 596.º, n.º1 CPC), as
partes podem ainda reclamar (artigo 596.º, n.º2 CPC), nomeadamente com fundamento
em deficiência, excesso ou obscuridade. O juiz decide na própria audiência e o despacho
que profere não é sanável de recurso autónomo, só podendo ser impugnado no recurso
que seja interposto da sentença final (artigo 596.º, n.º3 PC). O juiz pode dispensar a
audiência prévia para este fim (artigo 592.º, n.º1, alínea a) CPC).
i Programação da audiência final (artigo 591.º, n.º1, alínea g) CPC): o juiz designa, por
acordo com as partes presentes, nos termos do artigo 151.º, n,º.1 CPC, a data da
audiência final – ou as datas, se se previr mais do que uma sessão –, tendo para o efeito
em conta a duração provável das diligências probatórias a efetuar antes dela (perícias,
diligências por carta rogatória e outras). Os atos a realizar em audiência são programados,
mediante o estabelecimento do número de sessões e da sua provável duração. No
exercício do poder de gestão processual, o juiz, ouvidas as partes, pode determinar um
limite razoável de tempo folgado) para os depoimentos a prestar em audiência, desde
que com flexibilidade suficiente para que seja plenamente respeitado o direito à prova.
§13.º - Despacho saneador e despacho do artigo 596.º CPC
Despacho saneador:
1.
Função
: o despacho saneador, seja ditado para a data da audiência prévia, seja proferido
por escrito quando esta não se faz ou, fazendo-se, a complexidade das questões a
resolver o justifiquem (artigo 595.º, n.º2 CPC), tem uma dupla finalidade: a verificação da
regularidade da instância, mediante o apuramento da ocorrência dos pressupostos
processuais ou de uma exceção dilatória, e a apreciação de nulidade; o conhecimento
imediato do mérito da causa. A primeira constitui função normal do despacho saneador
e razão de ser da sua própria designação; a segunda é uma função eventual, destinada a
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evitar o retardamento da decisão de mérito quando ela é, com segurança, já possível na
fase da condensação.
2.
Conhecimento das exceções dilatórias
: dizia-se, em primeiro lugar, na redação primitiva
do artigo 510.º, n.º1, alínea a) CPC (de 1961), que o despacho saneador se destinava aoconhecimento das exceções dilatórias, segundo a ordem por que eram enumeradas no
então artigo 288.º (atual 278.º CPC), e das nulidades. Com a revisão de 1995-1996 passou
a dizer-se, quer quanto às exceções dilatórias, quer quanto às nulidades processuais, que
o juiz deve conhecer das que hajam sido suscitadas pelas partes e das que, face à matéria
de facto lhe cabia apreciar oficiosamente. Este texto passou para o artigo 595.º, n.º2,
alínea a) do atual CPC. Esse texto não impõe, como aliás, na melhor interpretação, o
anterior também não impunha, que seja referida no despacho saneador a ocorrência de
todos os pressupostos processuais (e a inocorrência de qualquer nulidade), ainda que só
dos que a lei enumera; impõe tão só que expressamente sejam apreciadas as exceções
dilatórias e as nulidades que as partes tenham suscitado e as que o juiz entendaoficiosamente que concretamente se verificam ou são de verificação duvidosa, entre as
não excetuadas pela norma agora no artigo 578.º CPC. De qualquer modo, se o juiz referir
genericamente que se verificam determinados pressupostos, dos constantes do artigo
577.º ou outros, o despacho saneador não constitui, nessa parte, caso julgado formal,
pelo que continua ser possível a apreciação duma questão concreta do que resulte que
o pressuposto genericamente referido afinal não ocorre ou que há nulidade (artigo 595.º,
n.º3 CPC). Verificado que ocorre uma exceção dilatória, quando a falta ou irregularidade
que a origine não possa ou não tenha sido sanada, o juiz profere a absolvição do réu da
instância, a menos que a lei determine a remessa do processo para outro tribunal (artigo
278.º, n.º1 e 2 CPC) ou que seja possível o conhecimento de mérito antecipado, nos
termos do artigo 595.º,n.º1, alínea b) CPC e a decisão deva ser inteiramente favorável à
parte cujo interesse o pressuposto se destina a tutelar (artigo 278.º, n.º3 CPC).
3.
Conhecimento de nulidades processuais: entre as nulidades processuais de que cabe ao
juiz conhecer no despacho saneador, contam-se as decorrentes do não aperfeiçoamento
de articulado irregular. Quando este for a petição e a nulidade for total, configura-se a
nulidade de todo o processo, que tem, tal como a ineptidão da petição inicial, o
tratamento das exceções dilatórias. Nos outros casos, há nulidade, total ou parcial, do
articulado irregular, que o juiz declarará. Com a exceção do caso em que, por nada se
aproveitar do processado (nomeadamente porque tal representaria diminuição das
garantias do réu), constitui a exceção dilatória do artigo 278.º, n.º1, alínea b) CPC, o erro
na forma do processo deve também ser conhecido no despacho saneador, sob pena desanação, se não o tiver sido anteriormente, em omento em que o processo seja concluso
ao juiz, nomeadamente para despacho liminar ou no fim dos articulados (artigo 590.º,
n.º1 e 2 CPC). O juiz anulará então aí os atos que tenham de ser anulados, praticará e
mandará praticar aquele3s que forem necessários para que o processo se aproxime da
forma estabelecida na lei e fará seguir, para o futuro, a forma adequada (artigo 193.º,
n.º1 CPC). Deve ainda o juiz conhecer no despacho saneador das nulidades da
contestação e dos atos subsequentes praticados pelo réu, quando falte um seu
pressuposto. Das que não são oficiosamente cognoscíveis (artigo 196.º, 2.ª parte CPC),
conhece logo que sejam reclamadas (artigo 200.º, n.º3 CPC) e, portanto, tal só
acontecerá o despacho saneador quando a reclamação da parte, a fazer no prazo geraldo artigo 199.º CPC, imediatamente o anteceda.
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4.
Conhecimento de mérito: o juiz conhece do mérito da causa no despacho saneador, total
ou parcialmente, quando para tal, isto é, para dar resposta ao pedido ou à parte do
pedido correspondente, não haja necessidade de mais provas do que aquelas que já
estão adquiridas no processo.5.
Valor do despacho saneador
: é diferente a força do despacho saneador consoante nele
se julguem questões processuais (exceções dilatórias e nulidades) ou questões de Direito
material (conhecimento de mérito, incluindo toda a apreciação sobre exceções
perentórias). No primeiro caso, a decisão é vinculativa apenas no âmbito do processo
(artigo 620.º CPC), podendo consequentemente repetir-se uma ação com o mesmo
objeto e entre as mesmas partes. No segundo, produz também, tal como a sentença final
de mérito, caso julgado material (artigo 619.º e 621.º CPC); equiparado à sentença,
impede a repetição da causa (artigos 577.º, incisivo i), 580.º, n.º1 e 581.º CPC) e impõe a
sua autoridade nas causas relativamente às quais a primeira seja prejudicial.
Despacho do artigo 596.º CPC:
6. Matéria de facto e matéria de direito: a seleção dos factos da causa pressupõe a distinção
rigorosa entre matéria de facto e matéria de direito. Trata-se de uma distinção
fundamental, que atravessa todo o Processo Civil, desde a fase dos articulados, em que
fundamentos de facto e fundamentos de direito devem ser tratados de modo
estruturalmente distinto, porque cumprem funções distintas, até à fase do julgamento,
em que o tribunal começa por apurar os factos da causa para só a seguir lhes aplicar o
direito, e ainda à fase de recurso. Sabido que a norma jurídica se decompõe em previsão
(hipótese de facto, fattispécie ou Tatbestand ) e estatuição (efeito jurídico), a delimitação
entre esta e os factos que, uma vez julgado que se verificaram, integram a previsão
normativa não é normalmente complicada, embora algumas questões possa colocar noplano da interpretação da lei. Mais difícil é, por vezes, estabelecer a fronteira entre o
conceito jurídico utilizado pela lei na sua previsão e o facto que nele se subsume. O facto
é um acontecimento ou circunstância do mundo exterior ou da vida intima do homem,
pertencente ao passado ou ao presente, concretamente definido no tempo e no espaço
e como tal apresentando as características de objeto (designadamente, da alegação
processual e da prova feita em juízo). A previsão legal e, em certa medida, a própria
estatuição recorrem, por sua vez, a tipos de facto, gerais e abstratos, e descrevem-nos
utilizando conceitos de direito, que resultam do tratamento de outros tipos de facto por
outras normas do sistema, como seu efeito jurídico. A pura descrição dos factos, a que
depois, se aplica a norma jurídica, deve abstrair, não só do efeito da norma, mas tambémdos conceitos utilizados na operação de subsunção. Mas – e aqui começa a dificuldade –
na descrição corrente dos factos da vida são utilizados conceitos jurídicos vulgarizados,
quer porque o envolvimento jurídico da vida social impregna a linguagem corrente de
termos jurídico, quer porque a própria norma jurídica surge por utilização, pelas partes
nos articulados e pelo juiz na decisão de facto, de conceitos jurídicos simples e
inequívocos, correntemente utilizados na linguagem vulgar, desde que não incidam
sobre o ponto dúbio do litigio.
7. Identificação do objeto do litígio e enumeração dos temas da prova: a revisitação da
seleção da matéria de facto no Código revogado não foi gratuita, pois, não só ajuda a
entender a evolução que levou à opção do legislador de 2013, mas também contribui
para fixar, com maior rigor, o sentido desta nova opção, tida por fundamental. O projeto
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proveniente da comissão encarregada da reforma do CPC de 1961, em momento em que
ainda não se se aventura a hipótese da elaboração dum novo Código, visava voltar à ideia
que levara, em 1995-1996, a substituir o questionário pela base instrutória, mas
suprimindo a seleção dos factos assentes e determinando que o juiz, após o despachosaneador, proferisse, quando a ação tivesse sido contestada, um
«despacho destinado a fixar os temas controvertidos, segundo as várias
soluçõesplausíveisdedireito,easquestõesessenciaisdefactocarecidasde
prova».
Estaformulaçãofoicriticada: questões essenciais de facto e temas controvertidos não
estão no mesmo plano e entre eles havia que optar. Numa segunda formulação, optou-
se por dizer que o despacho a proferir se destinaria a
«identificaroobjetodolitígioeaenunciarasquestõesessenciaisdofacto
queconstituemtemadaprova».
Finalmente,comarevisãoministerialmanteve -se a identificação do objeto do litígio, masdeixou de ser feita referência às questões essenciais de facto: são enunciados, mais
simplesmente, os temas da prova. Ficou assim arredada a ideia de elencar factos
descritos segundo a perspetiva do juiz, ainda que por natureza provisória, sobre a
distribuição do ónus da prova. As questões fundamentais (causa de pedir e exceção)
controvertidas constituem os grandes quadros de referência desta enunciação. Com isto,
a prova não deixa de incidir sobre os factos concretos que o autor alegou como
constitutivos do seu direito, tal como plasmados nos articulados (petição, réplica,
articulado superveniente), bem como sobre os factos probatórios de onde se deduza, ou
não, a ocorrência desses factos principais e sobre os factos acessórios que permitam ou
vedem esta dedução, uns e outros denominados no artigo 5.º, n.º2, alínea b) CPC como
factos instrumentais. Nesta medida, a norma geral do artigo 410.º CPC não é rigorosa,
como aliás resulta das normas, também gerais, dos artigo 412.º CPC e 420.º, n.º1 CPC e
das normas especiais, entre outras, dos artigos 452.º e 454.º, 456.º, 475.º e 487.º, n.º3,
495.º, n.º1 e 503.º, n.º3 CPC, bem como das normas de direito material contidas no
Código Civil (máxime, as normas gerais dos artigos 341.º e 347.º CC). Os articulados
continuam a realizar a sua função de meio de alegação dos factos da causa, essencial no
que respeita aos factos principais e facultativo no que respeita aos factos instrumentais.
Por sua vez, a decisão de facto continua a incluir todos os factos relevantes para a decisão
da causa, quer sejam os principais (dados como provados ou não provados), quer sejam
os instrumentais, trazidos pelas partes ou pelos meios de prova produzidos, cuja
verificação, ou não verificação, leva o juiz a fazer a dedução quanto à existência dos factosprincipais: o tribunal relata tudo o que, quanto ao tema controvertido, haja sido provado,
ainda sem qualquer preocupação quanto à distribuição do ónus da prova. Sobre esta
distribuição apenas a decisão de direito se preocupará. Consequentemente, se o tribunal
de recurso, em apelação ou em revista, vier a fazer uma interpretação diferente da do
tribunal de 1.ª instância, da norma, geral ou especial, de distribuição do ónus da prova,
os factos que interessem a esta nova perspetiva constarão todo da decisão de facto, que
por esse motivo não terá de ser alterada ou completada. A distinção entre matéria de
facto e matéria de direito esbate-se no despacho do artigo 596.º CPC, que poderá
enunciar os temas da prova usando qualificações jurídicas que ana anterior base
instrutória eram inadmissíveis. Quanto à identificação do objeto do litígio, consiste naenunciação dos pedidos deduzidos (objeto do processo) sobre os quais haja controvérsia.
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221
2.
Preparação das fases seguintes: nem todos os atos que se praticam na fase da
condensação se dirigem à realização de funções próprias da condensação do processo.
Nela têm também lugar os atos preparatórios das fases seguintes. Assim, os fins da
audiência prévia referidos nas alíneas e) e g) do artigo 591.º, n.º1 CPC, bem como afaculdade de nela alterar o requerimento probatório (artigo 598.º, n.º1 CPC), destinam-
se, com caráter preparatórios, à prossecução de objetivos da fase de instrução e da
subsequente fase de discussão e julgamento. Quando seja dispensada a audiência prévia,
o despacho saneador e o despacho do artigo 596.º, n.º1 CPC, bem como os despachos
de adequação, simplificação ou agilização e de programação da audiência final, são
notificados às partes pela secretaria. Se a parte quiser reclamar de algum destes
despachos (coma exceção do saneador), requererá, em 10 dias, a realização de audiência
prévia, onde as questões suscitadas serão apreciadas (artigo 593.º, n.º3 CPC). Se não for
feita reclamação, as partes têm a faculdade de, no mesmo prazo, alterar o requerimento
de prova constituenda.
§14.º - Instrução
Noção de prova:
1.
Aceções: o termo prova tem sentidos diferentes, consoante a perspetiva em que é
utilizado. Num estudo, hoje clássico, sobre o conceito de prova, Castro Mendes
distinguiu e analisou sucessivamente três sentidos principais: a prova como atividade;
a prova como meio; a prova como resultado. Julgamos preferível, em sinonímia, aliás,com a definição do meio de prova em Castro Mendes, reduzir a dois esses sentidos:
fundamentalmente, a prova pode ser tomada como meio ou como resultado.
2.
Fonte de prova e fator probatório: enquanto meio, a prova pode ser considerada em
duas perspetivas: na perspetiva estativa da fonte de prova e na perspetiva dinâmica
do ato de produção, em que se manifesta como fator probatório. A fonte de prova é
uma pessoa ou uma coisa. Constituem fontes de prova pessoal a parte e a
testemunha, enquanto conhecedoras de factos relevantes para o processo. Não se
trata já do papel das partes enquanto sujeitos da relação processual, aos quais
fundamentalmente se deve a introdução dos factos na causa, mediante a alegação
constante dos articulados. Trata-se, sim, de saber se os factos introduzidos severificaram ou não e a essa verificação interessa o conhecimento que as pessoas
humanas deles têm. De qualquer modo, não se podendo, no capítulo da prova,
abstrair da qualidade de parte processual, por definição interessada no objeto do
litígio, a parte ou o seu representante legal (artigos 452.º, 453.º, n.º1 466.º CPC) e a
testemunha, terceiro relativamente ao processo recrutado entre todos aqueles que
não podem depor como parte (artigos 495.º e 496.º CPC), constituem fontes de prova
pessoal distintas. Distinto é ainda o papel da pessoa que serve à prova enquanto
portadora, não dum conhecimento, mas dum indício natural do facto relevante: é o
caso da parte que, vítima dum acidente de viação, apresenta uma perna partida ou
uma cicatriz. Constituem fontes de prova real os documentos e os monumentos. Nosprimeiros encontram-se registados, com alguma semelhança com o registo na
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memória da parte ou da testemunha, factos relevantes para o processo por via duma
intervenção humana intencional (artigo 362.º CC). Os segundos são coisas portadoras
de indícios naturais do facto relevante (o objeto semidestruído pelo fogo; o vídeo
com uma impressão digital). Este percurso pelas fontes de prova pessoal e real revelaoutra distinção entre as fontes de prova. De um lado, estão aquelas em que o facto
a provar está registado, representando ou reproduzindo: são as fontes de prova
representativa, também chamadas históricas, que permitem extrair do registo que
contêm a ilação sobre a realidade do facto a que ele se reporta.. De outro lado, estão
as fontes de prova que, não contendo um registo do facto a provar, que não
representam nem reproduzem, permitem a extração de ilações sobre a ocorrência
desse facto a partir de indícios de que são naturalmente portadoras: são as fontes de
prova indiciária, também chamadas críticas. Numas e noutras, há o recurso a ilações,
ou presunções, que permitem a conclusão sobre a realidade do facto a provar, o qual,
instantâneo ou duradouro, ocorreu no passado. Só assim não é quando se trata deindagar da realidade de factos de natureza duradoura presentes na própria fonte de
prova (a composição dum bem imóvel, a constituição física duma pessoa), casos estes
em que esta funciona como fonte de prova direta. A fonte de prova de nada servirá
se não revelar os factos relevantes para o processo: o documento escrito tem de ser
lido; a fotografia tem de ser vista; o filme tem de ser exibido ou a gravação
reproduzida; a testemunha ou a parte tem de narrar os factos que a sua memória
regista; a parte, o prédio ou o bem móvel tem de ser examinado ou inspecionado.
Neste ato de revelação ou manifestação dos factos que dele resulta, o meio de prova
torna-se fator probatório. No caso da prova real, tal como no da prova pessoal
indiciária, o contacto com a fonte probatória, que se mantém passiva, revela, ainda
que só após descodificação ou análise, o conteúdo do seu registo ou os indícios de
que é portadora, podendo parecer artificiosa, quando a ela aplicada, a distinção entre
fonte de prova e fator probatório. Mas a produção da prova pessoa representativa
exige uma atitude ativa da parte ou da testemunha, que consiste no seu depoimento,
através do qual o registo existente na sua memória é comunicado: a distinção entre
a fonte de prova (a pessoa) e o fator probatório (o depoimento que ela produz) ganha
nitidez. E, se bem virmos, nítida também ela se torna quando, entre a fonte de prova
e o juiz, se verifica a intermediação do perito (artigo 388.º CC), necessária em virtude
dos seus conhecimentos técnicos e (ou) apreciando o registo ou os indícios da fonte
de prova, o perito intervém no processo da sua manifestação como fator probatório.
3.
A prova como resultado: a produção dos meios de prova no processo visa demonstrar
a realidade dos factos alegados pelas partes, em outra perspetiva, demonstrar a
verdade da alegação por elas feita. Esse resultado probatório, alcançado por um meio
de prova isolado ou pelo conjunto dos meios de prova produzidos sobre um facto,
pode ser ainda denominado como prova. Quer na linguagem vulgar, quer na
linguagem jurídica, estas aceções são utilizadas. Assim, quando se diz que o autor
detém importantes provas dos factos que alegou ou que a prova por testemunhas
está tendo lugar, está-se usando o termo no sentido de meio de prova (no primeiro
caso, como fonte; no segundo, como fator); mas, quando se diz que o autor
conseguiu provar, ou que o juiz deu como provado, determinado facto, está-se
reportando o termo ao resultado probatório alcançado. Diz o artigo 341.º CC que «asprovas têm por função ademonstração da realidade dos factos», definição que,
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fazendo coincidir o resultado com a função da prova, apela para o conceito da prova
como meio probatório. Fiéis a este conceito permanecem os artigos 388.º e 390.º CC,
bem como os artigos 413.º, 415.º, 420.º, 421.º, 604.º, n.º8 CPC; mas já quando trata
do ónus da prova a lei utiliza prevalentemente o prisma do resultado, o mesmoacontecendo quando trata da força probatória legal de alguns meios de prova e ao
tratar do julgamento sobre a matéria de facto.
Objeto da prova: a prova tem por objeto os factos pertinentes para o objeto do processo; do seu
objeto são excluídos os conceitos de direito. Eliminadas a especificação (matéria de facto
considerada como assente na fase da condensação) e a base instrutória (factos controvertidos e
aqueles que, apesar de não imputados, não podiam ser objeto de admissão), os temas da prova
constituem apenas quadros de referência, dentro do quais há que recorrer aos factos alegados
pelas partes. Esses factos são, em primeira linha, os factos principais da causa. Mas, com os factos
instrumentais se constituindo a via a seguir, de acordo com as regras da experiência, para atingir
a prova dos factos principais, também eles são objeto de prova. Temos assim, por exemplo, que,
numa ação em que haja de apurar se autor e réu fizeram as declarações negociais constitutivas
de determinado contrato verbal, o depoimento das testemunhas pode versar sobre factos tais
como as declarações das partes e o seu comportamento posteriores à data em que o contrato
terá sido celebrado, os atos pelos quais deram cumprimento às obrigações nele contraídas, o
relato que lhes tenha sido feito por terceiros, etc., e não sobre a sua própria observação direta
do momento da celebração do contrato. Ponto é que os factos instrumentais se situem na cadeia
dos factos probatórios que permitem chegar aos factos principais que as partes tenham alegado,
ou constituam factos acessórios relativamente a esses, sem prejuízo dos casos excecionais (factos
notórios, factos de que o juiz conhece no exercício das suas funções e factos de que resulte a
fraude ou a simulação processual) em que o juiz pode oficiosamente introduzir factos principaisna causa. Assim, é incorreção terminológica que o artigo 410.º CPC diz que a instrução tem por
objeto os temas da prova enunciados e, pleonasticamente, que, só na falta dessa enunciação o
seu objeto são os factos necessitados de prova. Provam-se factos; não se provam temas.
Ónus da prova:
1.
Articulação com o ónus da alegação
: sabemos que o autor, bem como o réu reconvinte e
aquele contra quem é proposta ação de simples apreciação negativa, têm o ónus de
alegar os factos constitutivos da sua situação jurídica, ou os elementos constitutivos do
facto jurídico cuja existência querem que seja declarada, ao passo que o réu, bem como
o autor reconvindo e o que move ação de simples apreciação negativa, têm o ónus dealegar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos dessa situação jurídica, ou os
elementos impeditivos daquele facto, voltando ainda aos primeiros a ter o ónus de alegar
os factos que impeçam, modifiquem ou extingam os efeitos dos que a contraparte alegue.
Ora, em princípio, quem tem o ónus de alegar (os factos que constituem a causa de pedir
e os que fundam as exceções) tem também o ónus de provar os factos que do primeiro
são objeto (artigos 342.º, n.º1 e 2 e 343.º, n.º1 CC). Mas esta coincidência do âmbito do
ónus da prova com o do ónus da alegação cessa quando a lei ou as partes determinam a
inversão primeiro. Tal pode acontecer em consequência de:
a. Presunção legal artigo 344.º, n.º1 CC): consiste na ilação que a lei tira de um facto
conhecido para firmar um facto desconhecido (artigo 349.º CC). Este não tem deser provado, bastando que o seja o facto (exterior à previsão normativa em que
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se integra o facto presumido) que serve de base à ilação. Embora toda a prova
indireta se baseie em presunções, isto é, em ilações tiradas dum facto para outro
até se chegar ao facto principal, o que inclusivamente acontece quando a lei
impõe que de um meio de prova (o documento, a confissão, a admissão) se retirea prova de determinados factos, o preceito abrange tão-só os casos em que a
presunção legal constitui um meio de prova autónomo (presunção strictosensu),
que são os diretamente visados pelo artigo 349º CC. Veja-se os exemplos de
presunção strictosensu dos artigos 68.º, n.º3, 312.º, 458.º, n.º1, 830.º, n.º2 CC
e 7.º CRPr. A presunção legal apela sempre a regras da experiência que, atendido
o elevado grau de probabilidade ou verosimilhança da ligação concreta entre o
facto que constitui base da presunção e o facto presumido, permitem dar este
por assente quando o primeiro é provado.
b. Dispensa ou liberação legal do ónus da prova artigo 344.º, n.º1 CC): ao passo que
a presunção legal se baseia na prova do facto que lhe está na base, a dispensaou liberação do ónus da prova traduz-se na obtenção dum resultado probatório
sem a apresentação dum meio de prova ou qualquer atividade probatória: o
facto dispensado de prova é dado por assente por razões diversas duma regra da
experiência. Assim, por exemplo, o artigos 68.º, n.º2, 779.º e 360.º CC.
c. Dispensa ou liberação convencional do ónus da prova artigo 344.º, n.º1 CC e 345.º,
n.º1 CC): também as partes podem, no âmbito do direito disponível,
convencionar a inversão do ónus da prova, dela dispensando a parte de outro
modo onerada, salvo se tal tornar excessivamente difícil a posição da parte
contrária. Esta convenção do ónus da prova atua normalmente no âmbito dos
factos constitutivos e impeditivos, onerando o titular do direito com a prova da
inocorrência dum facto impeditivo ou o titular do dever com a prova da
inocorrência dum elemento da fattispecie constitutiva; mais dificilmente, por
tornar excessivamente difícil a posição do titular do direito, poderá traduzir-se
na estipulação de que lhe incumbe a prova da inocorrência dum facto extintivo.
d.
Impossibilidade culposa da prova pela contraparte do onerado artigo 344.º, n.º1
CC): o preceito aplica-se quando, por exemplo, o condutor do automóvel destrói,
após a colisão, os indícios da sua culpa no acidente de viação, quando uma das
partes impede a testemunha oferecida pela outra de se deslocar ao tribunal,
quando a parte notificada para apresentar um documento não o apresenta
(artigo 430.º CPC) ou declara que não o possui, tendo-o já possuído e não
provando que ele desapareceu ou foi destruído sem culpa sua (artigo 431.º CPC),quando o réu em ação de investigação de paternidade se recusa a permitir o
exame do seu sangue e quando, duma maneira geral, a parte recusa colaborar
para a descoberta da verdade (artigo 417.º, n.º2 CPC).
Em nenhum destes casos a inversão do ónus da prova dispensa do ónus de alegação, que
se mantém.
2.
Alcance: ter o ónus da prova não significa que se tenha o exclusivo da prova. Por um lado,
paralelamente ao que acontece no plano da alegação, a parte não onerada pode provar
os factos que lhe são desfavoráveis, os quais, uma vez provados, ficam definitivamente
adquiridos no processo (artigo 413.º CPC). Por outro lado, diversamente do que acontece
no plano da alegação (artigo 5.º, n.º1 CPC), o juiz pode oficiosamente –
e deve –
tomariniciativas de prova (artigo 411.º CPC). Mas ter o ónus da prova implica a conveniência
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de prova, cuja função não se limita ao processo jurisdicional. Desta natureza substantiva
da figura do meio de prova, que importante corrente doutrinária contesta, resulta a
inserção no Código Civil, além das que distribuem o ónus da prova, das normas que
estabelecem o quadro geral dos meios de prova e das que regulam a sua admissibilidadee força probatória. Constituem elas o Direito probatório material.
2.
Procedimento probatório: ao direito probatório material contrapõe-se o Direito
probatório Formal cuja sede é, no Direito interno, o Código de Processo Civil. Trata-se
agora do conjunto de normas que rege os chamados procedimentos probatórios,
sequências de atos processuais que, respeitando à utilização da prova em juízo, se iniciam
com a prática de um ato comum aos diversos meios de prova (a proposição das provas)
e continuam com atos próprios de cada meio de prova (admissão; produção; assunção).
No seu núcleo específico (admissão e produção), o esquema do procedimento probatório
varia consoante o meio de prova é produzido no processo (prova constituenda) ou fora
do processo ao qual é subsequentemente trazido (prova preconstituída). No primeirocaso, oferecida a prova pelas partes, o juiz pronuncia-se sobre a sua admissão, seguindo-
se os atos respeitantes à produção da prova (atos preparatórios e de produção
propriamente dita), que se realizam em contraditório, isto é, ambas as partes são para
eles convocadas e podem neles ter intervenção; no segundo caso, uma vez que já não
têm de ter lugar atos de produção de prova, a fase da admissão ganha maior relevo e,
devendo ser assegurado o contraditório, a parte contra a qual a prova é oferecida pode,
antes da admissão pelo juiz, tanto impugnar a admissibilidade como atacar a força
probatória do meio (artigo 415.º CPC). Quanto à assunção ou receção da prova no
processo, com efetiva integração neste, não tem autonomia do ato de produção, nos
próprios autos, da prova constituenda, só a ganhando quanto à prova préconstituida ouà prova constituenda produzida fora dos autos. A tramitação do procedimento sofre
adaptação quando a iniciativa da prova é do juiz, ao abrigo do princípio do inquisitório. A
proposição da prova tem lugar nos articulados, após a notificação da contestação e da
réplica e nos momentos do artigo 598.º, n.º1 CPC. Têm regime especial o documento e
o monumento (a apresentar, em princípio, com os articulados, mas ainda, com sujeição
a multa, até 20 dias antes da data em que se realiza a audiência final: artigos 423.º e
416.º, n.º1 CPC), bem como as testemunhas (até 20 dias antes da data em que se realiza
a audiência final, quando em aditamento ou alteração ao rol primitivo: artigo 598.º, n.º2
CPC) e as declarações de parte (até ao início das alegações orais em 1.ª instância: artigo
466.º, n.º1 CPC). O juiz pode a todo o tempo ordenar oficiosamente diligências de prova
(artigo 411.º CPC), sendo, porém, aconselhável que o faça na fase da condensação, sem
prejuízo das diligências que só depois dela entenda serem necessárias. Nenhuma norma
geral impõe que se indique, no ato da proposição de prova, os factos a provar. No entanto,
a exigência é feita relativamente a alguns meios de prova: o artigo 423.º, n.º1 CPC exige-
o indiretamente, para o documento, que deve acompanhar o articulado em que se
alegue os factos que através dele se pretende provar, e os artigos 429.º, n.º1 e 432.º CPC
exigem-no quando se requer a junção de documento em poder da contraparte ou de
terceiro; o artigo 452.º, n.º2 CPC exige-o quando se requer o depoimento de parte; os
artigos 475.º n.º1 e 477.º CPC exigem-no para a prova pericial; o artigo 503.º, n.º3 CPC
exige-o para a prova testemunhal a produzir por entidades com o privilégio de serem
ouvidas na sua residência ou na sede dos respetivos serviços, ou por escrito, o mesmotende de se entender para as testemunhas a ouvir por carta rogatória, ou por carta
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precatória expedida para consulado português, quando não haja possibilidade de as ouvir
por teleconferência. Além disso, o artigo 420.º, n.º1 CPC impõe a indicação dos factos a
provar em caso de produção antecipada de qualquer meio de prova. A admissibilidade
do meio de prova pode ser posta em causa por impugnação, quando a parte se limita acontradizer os factos alegados, explícita ou implicitamente, no ato da apresentação e
estes não devam ter-se por legalmente provados. Quando, ao invés, a parte alega factos,
diversos dos que a constituem, que impedem a admissibilidade do meio probatório,
destróiem21 a sua força probatória ou ilidem a presunção de que resulta a sua natureza
de meio de prova legal, encontramo-nos perante exceções probatórias. Porque
respeitam À admissibilidade ou à força do meio de prova, estes meios fundam-se no
Direito Civil, mas os atos processuais a que dão lugar são regulatórios no Direito
Processual Civil.
3.
Registo da prova: o ato de produção da prova constituenda é registado, quando:
Tratando-se de depoimento de parte ou testemunha), ele deva ter lugar
antecipadamente, por haver o justo receio de vir a tornar-se impossível ou muito
difícil a sua obtenção artigo 419.º CPC), por carta, precatória ou rogatória, ou na
residência ou sede dos serviços da testemunha artigos 503.º, n.º1, 504.º, n.º5 e 505.º,
n.º1, in fine CPC): do depoimento há-de forçosamente ser feito e conservado registo,
por gravação, ou na sua impossibilidade, por redução a escrito (artigo 422.º CPC).
Seja prestado na audiência final: que é gravada, em regra por sistema sonoro (artigo
155.º CPC).
O registo da prova tem, além do mais, a utilidade de permitir ao tribunal, em caso de
dúvida no momento da decisão da matéria de facto, a reconstituição do conteúdo do ato
de produção da prova e a função de permitir às partes o recurso dessa decisão, que deoutro modo escaparia ao controlo do Tribunal da Relação.
4.
Valor extraprocessual da prova: norma de Direito probatório material, apesar de constar
da lei processual, é a do artigo 421.º CPC. A prova preconstituida admitida em
determinado processo pode, sem problema, ser também proposta em outro processo;
mas, sendo a prova constituenda produzida no processo em que é proposta, põe-se a
questão de saber se pode ser invocada em outro processo. A esta questão dá resposta o
artigo 421.º CPC: quer os depoimentos (de parte ou testemunha), quer a prova pericial,
podem ser invocados em processo diverso daquele em que tenham sido produzidos,
desde que:
a. Tenha havido audiência contraditória, nos termos do artigo 415.º CPC: a parte
contra quem a prova é produzida, isto é, aquela que resulte desfavorecida com
o resultado probatório, há-de ter tido possibilidade de intervenção no ato de
produção ou no procedimento de admissão da prova.
b.
Seja a mesma, nos dois processos, a parte contra quem a prova é produzida.
c.
O ato de produção da prova não tenha sido atingido por nulidade processual feita
valer, trate-se da nulidade de todo o processo, que necessariamente o atingirá,
trate-se de nulidade parcial da qual resulte, nos termos do artigo 195.º CPC, a
anulação desse ato.
21 Atentamos ao regionalismo da grafia por parte do autor ao desviar-se da forma (hegemónica euniformizadora) de Lisboa: destroem.
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A prova invocada no segundo processo tem, em princípio, o mesmo valor (de prova legal
ou de prova livre) que tinha no primeiro. Mas, se o segundo processo oferecer às partes
garantias superiores às do primeiro, a eficácia da prova neste produzida é resuzida à de
mero princípio de prova. Por princípio de prova entende-se um resultado insuficientepara a prova do facto, mas suscetível de, combinado com o de outros meios de prova
que sejam produzidos no processo, a ela conduzir; trata-se dum contributo para o
resultado probatório final sem força autónoma, mas concretamente relevante quando
os meios de prova com que se combine não sejam, por si só, suficientes para gerar no
julgador a convicção de que o factoprobando se verificou. A introdução do registo da
prova no processo civil conferiu ao preceito do artigo 421.º CPC condições de aplicação
de que anteriormente carecia. Na falta de gravação, o juiz do segundo processo é, no
caso de depoimento não escrito, confrontado com o resultado da prova, em
conformidade com a convicção formada, mas não com o conteúdo do ato da sua
produção. Apenas lhe chega a resposta sobre a realidade do facto que nela se baseie. Porsua vez sujeita à livre apreciação do juiz do novo processo, a resposta deve ser valorada
em conjunto com os meios de prova com que ele é diretamente confrontado e
dificilmente constituirá mais do que um princípio de prova (tal como no caso de as
garantias oferecidas pelo regime de produção de prova do primeiro processo serem
inferiores às do segundo processo): se ao juiz, impossibilitado de apreciar o conteúdo do
depoimento, fosse consentido assentar uma decisão de facto na mera resposta dada por
outro tribunal sobre a realidade do facto – isto mesmo pressupondo a total identidade
da configuração do facto em causa e a não produção sobre ele de outras provas no
segundo processo – à livre formação da sua convicção estar-se-ia substituindo o exercício
dum poder, vinculado (se se entendesse que teria de concluir como no processo anterior)
ou discricionário (se se entendesse que apenas podia fazê-lo), que em qualquer dos casos
a lei não lhe atribui e que teria como base a formação da convicção de outrem. Só
poderíamos ter mais do que um mero princípio de prova, por aplicação da norma do
artigo 412.º, n.º2 CPC, se o segundo processo corresse no mesmo tribunal e perante os
mesmos juízos. Havendo registo do depoimento, por meio de gravação ou por redução a
escrito, já o juiz do segundo processo pode ser confrontado com o seu conteúdo, que
pode valorar, de acordo com a sua convicção e tal como faz o Tribunal da Relação em
instância de recurso. O mesmo se passa no caso da perícia, em que o juiz é confrontado
com o relatório pericial (artigos 484.º e 485.º, n.º3 e 4 CPC), embora a eventual prestação
de esclarecimentos em audiência (artigo 486.º CPC) só seja cognoscível quando registada.
Elenco dos meios de prova: encontramos elencados no Código Civil, como meios de prova, os
seguintes:
Presunções (artigo 349.º CC);
Confissão (artigo 352.º CC);
Prova documental (artigo 362.º CC);
Prova pericial (artigo 388.º CC);
Prova por inspeção (artigo 390.º CC);
Prova testemunhal (artigo 392.º CC).
À exceção da presunção, que não é verdadeiramente um meio de prova, mas uma etapa no iter probatório, necessária sempre que a prova é indireta, todos estes meios de prova são também
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tratados no Código de Processo Civil. Contém este também, na secção das disposições gerais
sobre a prova, uma relativa à apresentação de coisas móveis ou imóveis (artigo 416.º CPC), a qual
usa ser tida na doutrina como constituindo outro meio de prova, mas que, rigorosamente, se
reduz a uma prova por inspeção, por documento ou pericial, não constituindo uma categoriaautónoma no elenco legal das provas- A lei processual consagra, porém, outros meios de prova:
A admissão;
A conduta processual da parte;
A sentença penal; e
A sentença estrangeira não revista.
Segundo o artigo 345.º,n.º2 CC é nula a convenção que exclua algum meio legal de prova ou
admita um meio de prova diverso dos legais, quando isso torne excessivamente difícil a uma das
partes o exercício do direito se trate de direito indisponível ou a determinação legal quanto À
prova tiver por fundamento razões de ordem pública. Desta disposição resulta: por um lado, queo elenco legal das provas não é oficiosamente alterável pelo tribunal; por outro, que, no campo
do Direito disponível, é admissível, com esses limites, a sua restrição ou alargamento pelas partes.
Em primeiro lugar, podem as partes, com esses limites, restringir a certo meio a prova dum facto
ou excluir certo meio para a prova dele. Em segundo lugar, podem as partes, com os mesmos
limites, criar um meio de prova diverso dos legais. No âmbito do Direito probatório tradicional,
dificilmente se imaginará um meio de prova que não integre alguma das categorias legais. Mas,
com os avanços da eletrónica, é possível que tal aconteça.
§15.º - Prova documental
Conceito e classificação dos documentos:
1.
Conceito: o artigo 326.º CC define o documento como «qualquerobjetoelaboradopelo
homemcomofimdereproduzirourepresentarumapessoa,coisaoufacto». Esta ampla
definição abrange, não só os documentos escritos, cujo traço distintivo é conterem uma
declaração, de ciência ou de vontade do conteúdo representativo exprimem-se pela sua
subscrição, quando se trata de documentos assinados, e, nos não assinados, pela feitura
material da declaração, direta (escrevendo-) ou indireta (mediante instruções fornecidas
– ou autorização concedida – para essa feitura). Nos documentos não escritos, a autoria
humana respeita à formação dum conteúdo representativo de outra natureza, por ato
material próprio ou de outrem a quem ele é ordenado ou por predisposição das
condições de natureza técnica necessárias a essa formação. Pessoa, coisa ou facto, o
objeto do documento, sendo-lhe exterior, é nele representado através de sinais (gráficos,
sonoros, luminosos, eletrónicos) que ficam constituindo como que o registo de um
momento (ou de sucessivos momentos) da pessoa ou da coisa ou da ocorrência do facto.
Esta afirmação da exterioridade da porção da realidade representada no documento não
pode fazer esquecer, quando se trate de documento escrito, que a declaração do autor
assume, ela própria, a forma escrita, não sendo normalmente possível dela autonomizar
uma equivalente declaração, mesmo quando ela reveste apenas a forma escrita, e o factode a declaração, mesmo quando ela reveste apenas a forma escrita, e o facto de a
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declaração ficar registada no documento. No documento fica assim representado, com
permanência, um facto – de natureza instantânea, de que ele dá notícia: a leitura,
audição, visão ou impressão do documento permite deduzir do facto do registo a
realidade do facto nele representado. O elemento teleológico do conceito de documentoem geral não vai além da vontade de que ela tenha um conteúdo representativo, sendo
irrelevante que o seu autor queira que ele tenha eficácia (jurídica) probatória. Uma
fotografia tirada numa festa de aniversário ou durante uma viagem turística não é
querida para provar coisa alguma; e, no entanto, pode, independentemente da vontade
de quem a tirou, vir a desempenhar função probatória de factos relevantes no âmbito de
certa relação jurídica ou dum processo civil determinado. Mas, dentro da categoria dos
documentos autênticos, há aqueles que provêm de oficial público provido de fé pública
e esses, sem prejuízo da finalidade de garantia da validade dos atos jurídicos para os quais
constituam forma necessária, são, por definição, formados para a prova (atestação) de
certos factos, gozando de destinação probatória que os outros não têm.2.
Classificação: entre os documentos, têm tradicionalmente maior importância os
documentos escritos, isto é, aqueles que incorporam declarações, de ciência ou de
vontade. Distinguem-se entre autênticos e particulares (artigo 363.º, n.º1 CC), havendo
ainda a distinguir, entre estes, os assinados (artigo 373.º CC) e os não assinados que não
é costume assinar (artigos 380.º CC a 383.º CC). São equiparados aos documentos
escritos particulares os documentos eletrónicos suscetíveis de representação como
declaração escrita (artigo 3.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 290-D/99, 2 agosto). Constituem
documentos não escritos as reproduções fotográficas ou cinematográficas, os registos
fonográficos e, de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas de factos ou coisas
(artigo 368.º CC), assim como os documentos eletrónicos não suscetíveis derepresentação como declaração escrita (artigo 3.º, n.º3 Decreto-Lei n.º 290.º-D/99, 2
agosto). As cópias de documentos escritos e eletrónicos têm, quando expedidas ou
atestadas por entidade competente, o valor dos documentos escritos (artigos 383.º a
387.º CC e artigo 4.º Decreto-Lei n.º290-D/99, 2 agosto) e, fora disso, o valor das
reproduções mecânicas.
Documentos escritos:
1.
Documentos autênticos: dizem-se autênticos os documentos escritos que provêm de
oficial público provido de fé pública, dentro do círculo de atividades que lhe é atribuído,
ou duma autoridade pública que os exare, com as formalidades legais, nos limites da sua
competência (artigo 363.º, n.º2 CC). Oficial público e autoridade pública têm,
naturalmente, de ser funcional e territorialmente competente e não impedidos (artigo
369.º, n.º1 CC), condições sem as quais o documento não é autentico: ao conceito de
documento autêntico é essencial a sua formação no exercício da atividade pública do
documentador e, portanto, dentro dos limites em que a lei a circunscreve. Tão-pouco o
documento e autêntico se não se apresentar assinado pela autoridade pública ou pelo
oficial público documentador. Todos estes são requisitos da autenticidade do documento,
cuja verificação a lei presume quando a assinatura do documentador se apresente
notarialmente reconhecida, na respetiva qualidade, ou o documento tenha aposto o selo
do respetivo serviço (artigo 370.º, n.º1 CC); trata-se duma presunção ilidível mediante a
prova de que o autor aparente do documento não é o seu autor real (contrafação dodocumento) ou de que, sendo-o, carecia de competência ou estava impedido à data em
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que o formou (artigo 370.º CC). Faltando algum destes requisitos de autenticidade, o
documento, se contiver as assinaturas das partes, como normalmente acontece no ato
notarial, vale como documento particular (artigo 363.º, n.º1, infine CC). Diversamente, a
falta duma formalidade legal diversa da da assinatura, tal como a de outro requisitoexigido por lei, não afasta a autenticidade do documento, apenas afetando a sua força
probatória: o documento deixa de ter força probatória plena e passa a estar sujeito à livre
apreciação do julgador (artigo 366.º CC). Se este entender que é de lhe atribuir valor
probatório dos fatos que, a ter força de prova legal, ele provaria por via desta, o
documento, uma vez que continua a ser autentico, manterá a sua eventual eficácia como
elemento constitutivo dum negócio jurídico formal. O documento autêntico faz prova
plena dos factos (declarações e outros) que nele são referidos como praticados pela
autoridade ou oficial público documentador, bem como dos que nele são atestados como
objeto da sua perceção direta; mas não daqueles que constituem objeto de declarações
de ciência perante ele produzidas ou constantes de documentos que lhe sejamapresentados, nem tão-pouco dos que sejam objeto de apreciações ou juízos pessoais
seus (artigo 371.º, n.º1 CC). Entre os atos praticados pelo documentador contam-se as
declarações de vontade que ele próprio tenha produzido em documento dispositivo:
embora o artigo 371.º, n.º1 CC abranja, na sua letra, apenas documentos narrativos e
nem quanto a estes confira força probatória plena à declaração (de ciência) do próprio
documentador, da sua aproximação ao artigo 376.º, n.º1 CC, relativo à força probatória
plena de documento particular, resulta que as declarações do autor do documento
(declarações atribuídas ao seu autor) são plenamente provadas pelo documento
autêntico, quer sejam de ciência, quer sejam de vontade. Sem prejuízo de o julgador
poder determinar livremente a exclusão ou redução da força probatória do documento
que apresente vícios externos, não ressalvados, para os quais lei especial não determine
a consequência da nulidade, a força probatória plena do documento autêntico só pode
ser ilidida mediante a arguição e a prova de falsidade, isto é, de que um ou mais factos
abrangidos pela força probatória do documento na realidade não se verificaram, não
sendo, portanto, quanto a eles, verdadeira a declaração do documentador (artigo 372.º,
n.º1 CC). O documento autêntico narrativo é, assim, falso quando o documentador não
tenha praticado um facto que atesta ter praticado ou quando não se tenha verificado um
facto que ele atesta ter sido objeto da sua perceção (artigo 372.º, n.º2 CC); narrativo ou
dispositivo, o documento autêntico é ainda falso quando a própria declaração que dele
contra como tendo sido feita pelo respetivo autor na realidade não teve lugar. É
irrelevante que a desconformidade entre o conteúdo do documento, na data em que éutilizado deste ou a alteração posterior ao momento da documentação. A falsidade é um
status (estado de facto) do documento, cuja causa não releva. É tradicional, porém,
distinguir a falsidade material da falsidade ideológica: a primeira respeita à própria
materialidade do documento, pode ocorrer quer nos documentos narrativos quer nos
dispositivos e consiste na sua alteração em momento posterior àquele em que foi
formado; a segunda respeita ao conteúdo da declaração do documentador, traduzindo
uma falsa atestação, contemporânea da formação do documento e só possível nos
documentos (autênticos) narrativos. A parte contrária ao apresentante do documento
pode arguir a falsidade (material ou ideológica) no prazo de 10 dias contados da
apresentação, se estiver presente no ato, ou da notificação dela (artigo 427.º CPC), nocaso contrário (artigo 446.º, n.º1 CPC), propondo logo a prova (artigo 449.º, n.º1 CPC);
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mas, se só mais tarde vier a ter conhecimento da falsidade, tem, para o fazer, 10 dias
sobre o momento desse conhecimento (artigo 446.º, n.º2 CPC). Ao apresentante é
facultada a arguição, no ato da apresentação:
a.
Da falsidade parcial do documento que apresente, por se querer valer da parte
não viciada artigo 447.º, n.º1 CPC);
b.
Da falsidade total de documento em seu poder que seja notificado para apresentar
nos termos do artigo 429.º CPC.
Pode, além disso, o apresentante arguir supervenientemente a falsidade (total ou parcial)
de documento que não era, ou ele não sabia que era, falso à data da apresentação (artigo
447.º, n.º2 CPC). Arguida a falsidade, seguem-se os termos dos artigos 448.º e 449.º CPC.
O tribunal pode oficiosamente declarar falso o documento, quando a falsidade é evidente
em face dos seus sinais exteriores (artigo 372.º, n.º2 CC), o que é dificilmente verificável
fora do caso de falsidade material manifesta (alteração do documento).
2.
Documentos particulares: são particulares os documentos escritos que não reúnam osrequisitos de origem respeitantes aos documentos autênticos (artigo 363.º, n.º2, infine
CC). Diferentemente do que acontece com o documento autêntico, em que, à exceção
dos que sejam anteriores ao século XVIII, vigora a presunção de autenticidade, a
genuídade do documento particular carece de ser provada por meios que estão para
além da apresentação do próprio documento. A genuídade do documento consiste na
coincidência entre autor real e autor aparente, reportada ao facto da subscrição, e pode
fundar-se na desconformidade entre o nome do autor real do documento e aquele que
nele figura como sendo o do subscritor (o autor real assina com o nome do autor
aparente) ou na imputação do documento a uma pessoa que, embora com o mesmo
nome do subscritor, realmente não o subscreveu (o autor real tem o mesmo nome queo autor aparente). No primeiro caso, dá-se a contrafação, idêntica à dos documentos
autênticos. No segundo, encontramo-nos perante uma situação não configurável no
documento autêntico, que explica a utilização do termo autoria para também a abranger.
A apresentação do documento contém em si, expressa ou implicitamente, a afirmação
de que provém da pessoa a quem é imputado. Se a parte contrária, confrontada com a
apresentação, expressamente reconhecer a assinatura do documento como verdadeira,
ou não a impugnar, esta confissão (no primeiro caso) ou admissão (no segundo caso) da
verdade da afirmação feita pelo apresentante tem como consequência a prova da autoria
do documento, sem a ulterior possibilidade de prova em contrário (artigo 374.º, n.º1 CC).
A prova da autoria do documento pode também ser estabelecida por reconhecimento
presencial da assinatura. Considerado em si mesmo, o ato de reconhecimento presencial
constitui um verdadeiro documento autêntico (o termo de reconhecimento), aposto ao
documento particular cuja subscrição é reconhecida: nele, o notário atesta que a
assinatura é produzida na sua presença ou que o signatário está presente no ato de
reconhecimento, assim como a forma como verificou a sua identidade (artigos 153.º, n.º4
CNot e 155.º, n.º2 CNot), pelo que estas atestações, relativamente às quais se têm de
verificar os requisitos essenciais (de origem) do documento autêntico, são dotadas da
mesma força probatória deste, provando a autoria do documento. Se a parte contrária
negar que a assinatura do documento é da pessoa (ela própria ou terceiro) a quem é
imputada, ou, no caso de a autoria ser imputada a terceiro, declarar desconhecer que a
assinatura é dele, a prova da autoria constituirá ónus do apresentante (artigo 347.º, n.º2CC), contra ela podendo o impugnante oferecer contraprova ou, se for caso disso, prova
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do contrário. Uma vez estabelecida a veracidade da subscrição do documento particular
pela pessoa a quem é atribuído, dela resulta a veracidade do respetivo conteúdo: o
documento particular faz prova plena das declarações atribuídas ao seu autor (artigo
376.º, n.º1 CC). De âmbito mais restrito do que a força probatória do documentoautêntico, a do documento particular nunca abrange os factos que nele sejam narrados
como praticados pelo subscritor do documento ou como objeto da sua perceção direta:
apenas as declarações, de ciência ou de vontade, nele constantes ficam
documentalmente provadas. Daqui resulta que, sem prejuízo da sujeição da falsidade do
reconhecimento presencial da assinatura que nele seja aposto ao regime da falsidade dos
documentos menos autênticos, a utilização como meio de prova do documento
particular cuja assinatura seja da pessoa a quem é imputado só pode ser posta em causa
alegando-se e provando-se:
a. A alteração do documento: o texto escrito pelo subscritor, ou preexistente à
subscrição, é graficamente alterado, pelo que o conteúdo do documento à datada apresentação já não é o inicial, ocorrendo falsidade material.
b. O preenchimento abusivo de documento assinado em branco, em violação de
pacto estabelecido com o signatário ou em consequência de subtração artigo
378.º CC): o detentor do documento insere neste, imputando-a ao signatário,
uma declaração que ele na realidade não fez e que o autor do preenchimento
não estava autorizado a inserir; se tiver havido um pacto de preenchimento, que
assim é violado, a declaração (real) do subcritor, que no documento devia ter
sido exarada, diverge da que nele se vê inserta à data da apresentação,
configurando-se outro caso de falsidade material do documento; se o
documento tiver sido subtraído, a assinatura nele aposta não tem qualquer
significado, não se podendo sequer dizer que quem assinou emitiu um
documento escrito, visto que este contém, por definição, ou é destinado pelo
seu atuor a conter, uma declaração, razão por que, rigorosamente, o
preenchimento por terceiro constitui contrafação.
c.
Que o signatário não sabia ou não podia ler à data da subscrição, não tendo esta
sido feito nem confirmada perante notário após leitura do documento ao
subscritor artigo 373.º, n.º3 CC): a falta da intervenção notarial determina não
poder o documento valer como documento particular (stricto sensu), mas
apenas como meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador (artigo 336.º
CC).
Em todos estes casos, é um ónus da parte contra quem o documento é apresentadoalegar e provar os vícios que impedem a utilização do documento como meio de prova
com força probatória plena. A arguição do vício e os termos subsequentes do incidente
processam-se do mesmo modo que nos casos de impugnação da autenticidade e de
arguição de falsidade do documento autêntico. O âmbito definido para o documento
particular pelo artigo 363.º, n.º2 CC, por exclusão do documento autêntico, abrange,
além daquele que é assinado, o documento particular não assinado que não é costume
assinar. Trata-se dos registos e outros escritos em que alguém habitualmente tome nota
dos pagamentos que lhe são efetuados (artigo 380.º CC), das notas escritas pelo credor
em documento em seu poder ou em poder do devedor (artigo 381.º CC) e dos livros de
escrituração comercial (artigo 44.º CCom). Contendo, como qualquer outro documentoescrito, uma declaração, esta não se apresenta subscrita pelo seu autor, pelo que a
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autoria dum documento deste tipo é estabelecida por outros meios. Autor do documento
é quem o escreve (o autor da letra a que se refere o artigo 374.º CC, que exige que, no
caso de impugnação, ela seja provada) ou manda escrever (sendo então necessário
provar, não só a autoria da letra, mas também as instruções com base nas quais odocumentos manuscritos, a impugnação da autoria, nos termos gerais dos artigo 374.º,
n.º2 CC e 444.º, n.º1 CC, tem o alcance de forçar o apresentante a prova-la por outro
meio que não a veracidade da letra do seu autor material. Dz a lei que, estabelecida a
autoria destes documentos, eles fazem prova contra o seu autor (artigos 380.º, n.º1 e 2,
381.º, n.º1 e 2 CC e 44.º, n.1 CCom). Os livros de escrita comercial fazem-na ainda a favor
do comerciante seu titular, quando estejam regularmente arrumados e o comerciante
contra quem forem apresentados não apresentar, por sua vez, assentos opostos em
livros igualmente arrumados (artigo 44.º, n.º2 e 4, §único Ccom). Neste último caso, a
prova resulta duma cominação (pela não observância do ónus de boa arrumação dos
livros); nos restantes, as declarações desfavoráveis do autor do documento constituemum meio de prova plena simples (nos termos do artigo 347.º CC), ilidível mediante a prova,
por qualquer meio, de que os factos que são seu objeto na realidade não se verificaram
(artigos 380.º, n.º1, infine e 381.º, n.º3 CC), em regime menos apertado do que aquele
para que aponta a norma, aliás deslocada porque respeitante à prova por confissão, do
artigo 376.º, n.º2 CC.
3.
Documentos eletrónicos: é equiparado ao documento particular o documento eletrónico
cujo conteúdo seja suscetível de apresentação como declaração escrita (artigo 3.º, n.º1
Decreto-Lei n.º 290-D/99, 2 agosto). O documento eletrónico é equiparado, no seu valor,
ao documento particular assinado, quando:
Lhesejaapostaumaassinaturadigital,medianteutilizaçãodumachaveprivadacujalegítimautilizaçãoseja verificável pelodestinatário,medianteumachave pública
assimétrica,ambasaschavessendoemitidas,comexclusividadeeinterdependência,
por entidade certificadora credenciada ou pelos meios técnicos por esta
disponibilizadosparaoefeitoaotitular(artigos2.º,alíneasd)eg),3.º,n.º2e28.º,
n.º1DL290-D/99;artigo9.ºDReg25/2004,15julho);
Lhesejaapostaoutramodalidadedeassinaturaeletrónicaavançadaquesatisfaça
exigências de segurança idênticas às da assinatura digital e seja igualmente
certificadaporentidadecertificadoracredenciada(artigos2.º,alíneasc)e g),3.º,
n.º2e28.º,n.º1DL290-D/99;artigo9.ºDReg25/2004,15julho).
O documento nessas condições, dito dotado de assinatura eletrónica qualificada, goza
das presunções de que a aposição da assinatura foi do respetivo titular ou seu
representante, de que foi feita com a intenção de subscrever o documento e de que este
não sofreu alteração posterior (artigo 7.º, n.º1 DL 290-D/99). Estas presunções são
ilidíveis, nos termos gerais. A presunção de que a assinatura foi feita com a intenção de
subscrever o documento e de que este não sofreu alteração posterior decore já da
equiparação ao regime do documento particular, cabendo ao subscritor alegar e provar
que não sabia ou não podia ler, que a assinatura foi aposta em branco ou que o
documento foi posteriormente alterado, nos termos do artigo 446.º CPC. Quanto à
presunção de genuinidade (presunção de que a assinatura foi do respetivo titular ou seu
representante), característica do documento eletrónico paralela à presunção de
autenticidade do documento autêntico, é ilidida mediante a prova do contrário, nostermos gerais do artigo 347.º CC. Na falta de assinatura eletrónica qualificada, em
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conformidade com o regime descrito, a autoria e a integridade do documento eletrónico
podem ser estabelecidas por outro meio que tenha sido convencionado pelas partes,
dentro dos limites definidos no artigo 345.º,n.º2 CC, ou seja aceite pela pessoa a quem
for oposto o documento (artigo 3.º, n.º4 DL 290-D/99). Não havendo neste casopresunção legal a considerar, a autoria da sua integridade é reportada ao conteúdo de
todo o documento, não se distinguindo da sua integridade; mas as partes podem ter
convencionado um meio de prova da assinatura eletrónica e, neste caso, mostrando-se
o documento assinado e estabelecida a autoria, ao apresentante cabe apenas provar a
sua integridade. O documento eletrónico desempenha, quando assinado, a função
constitutiva do documento particular legalmente exigido como forma do negócio jurídico
(artigo 3.º, n.º1 DL 290-D/99). Nos outros casos, o valor probatório do documento
eletrónico está sujeito à livre apreciação do tribunal (artigos 3.º, n.º3 DL 290-D/99 e 366.º
CC); mas se for comunicado por meio de telecomunicação e contiver validação
cronológica emitida por uma entidade certificadora, têm-se por provadas as datas da suacriação, expedição e receção (artigo 6.º, n.º2 DL 290-D/99).
4.
Cópias: cada vez se recorre hoje mais à cópia e à reprodução do documento para fim de
prova. No caso do documento autêntico, a menos que constitua um documento avulso
que, uma vez formado, é entregue ao particular (procuração, testamento cerrado,
autorização, licença, etc.), a cópia é mesmo o único meio que este tem para provar a sua
celebração: designadamente, o notário e o conservador guardam nos seus livros os
documentos originais, dos quais emitem certidões ou fotocópias para os particulares.
Quanto aos documentos particulares, quem os detém tenderá a conservá-los, deles
extraindo fotocópia para apresentação extrajudicial ou em juízo. No caso do documento
eletrónico, dele são impressos tantos exemplares quanto os necessários. Muitoimportante também é hoje a reprodução por telecópia. Põe-se assim o problema de
determinar a força probatória destas cópias. Têm tratamento especial as cópias emitidas,
nos termos da lei, por oficial público ou depositário de documentos públicos para tanto
autorizado. Constitui certidão a cópia de documento, autêntico ou particular, arquivado
em repartição notarial ou outra repartição pública, cujo teor reproduz por meio não
fotográfico (artigo 383.º, n.º1 CC). É-lhe equiparada em valor a cópia fotográfica
(fotocópia, microfilme) cuja conformidade com o original seja atestada pela entidade que
guarda o original (artigo 387.º, n.º1 CC). Constitui pública-forma a cópia, expedida por
oficial público autorizado (máxime o notário), de documento avulso, autêntico ou
particular, cujo teor reproduz por meio não fotográfico (artigo 386.º, n.º CC). É-lhe
equiparada em valor a cópia fotográfica cuja conformidade com o original o oficial
público ateste (artigo 387.º, n.º2 CC). A qualquer destas cópias é atribuída a força
probatória do original; admite-se ainda a emissão de certidões, que ficam com a mesma
força probatória das certidões de que são extraídas (artigo 384.º CC). Há, porém, uma
diferença importante a ter em conta entre a certidão (ou cópia fotográfica equivalente)
e a pública-forma(ou cópia fotográfica equivalente): apresentada a certidão, a parte
contrária tem a faculdade de exigir o confronto com o original ou com a certidão de onde
ela foi extraída e, feito o confronto, a força probatória da certidão é invalidada ou
modificada na medida em que se verifique desconformidade com o documento com que
é confrontada (artigos 385.º e 387.º, n.º1 CC); apresentada a pública-forma, não lhe será
reconhecido o valor probatório do original se a parte contrária requerer a sua exibição eele não for apresentado ou, sendo-o, se mostrar desconforme com ela (artigos 386.º,
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n.º2 e 387.º, n.º2 CC). Todas estas cópias, expedidas por entidades a tanto autorizadas,
são, na parte relativa à atestação da sua conformidade com o original, documentos
autênticos. O problema da sua força probatória coloca-se em dois planos: no das relações
entre a cópia e o original (ou a cópia de onde aquela foi extraída) e no das relações entreestes e os factos por ele provados. No primeiro plano, a cópia prova, com força probatória
plena, o teor do próprio original; no segundo, e em consequência, a cópia assume a força
probatória do original. Em ambos os planos podem surgir questões de falsidade. No
primeiro plano, tratar-se-á de falsidade da própria cópia, na medida em que a atestação
de conformidade dela constante (e por lei presumida verdadeira) não corresponde à
realidade. Três são as situações possíveis: emissão de cópia dum original inexistente;
emissão de cópia desconforme com um original existente; alteração de cópia emitida
sem vícios. Nos dois primeiros casos, a falsidade é ideológica, enquanto no terceiro é
material. Limitando-se a lei civil a referir, como meio de ilisão da força probatória da cópia,
o pedido de confronto com o original, este é o único meio, simultaneamente mais simplese seguro, consentido, na generalidade dos casos, para fazer valer a falsidade da cópia, no
prazo do artigo 444.º, n.º3 CPC. Mas, tratando-se de certidão ou cópia fotográfica
equivalente, no caso de original inexistente, tal como quando o original tenha sido
destruído ou extraviado, não existindo a possibilidade de confronto, só resta estabelecer
por outros meios a falsidade, nos termos do incidente dos artigos 446.º a 449.º CPC. No
plano da prova dos factos abrangidos pela eficácia legal do documento original, é
admissível a arguição da falsidade deste perante a própria cópia apresentada, sem
prejuízo de o original poder ser apresentado sempre que tal seja conveniente para o
efeito de prova. Do mesmo modo, podem ser levantadas perante a cópia apresentada as
questões respeitantes à genuídade do documento original, seja este autêntico, gozando
da presunção de autenticidade, seja ele particular e sujeito à mera impugnação de
autoria. A fotocópia (ou microfilme) de documento, autêntico ou particular,
desacompanhada da atestação da sua conformidade ao original por entidade a tanto
autorizada, integra o âmbito de previsão do artigo 368.º CC, de que a seguir tratamos:
não sendo impugnada a exatidão, assume a força probatória do original; sendo ela
impugnada, não tem qualquer valor probatório. Quando não impugne a exatidão, a parte
contrária pode sempre impugnar, através dela, a genuinidade do original ou deduzir uma
exceção contra a força probatória deste. A assunção da força probatória do original não
pode, porém, suprir o documento (original) que a lei exija para a forma do negócio
jurídico (artigo 364.º, n.º1 CC), não se podendo considerar assente o desempenho da
função constitutiva do documento exigido. No entanto, a lei tem evoluído no sentido depresumir a fidelidade da cópia não impugnada, quando ela é transmitida eletronicamente,
mas conferindo ao juiz o poder de ordenar, em qualquer momento, a exibição, para
confronto, do original. O controlo oficioso da validade do ato jurídico formal, sem se
perder, é assim fortemente restringido. No caso de documento eletrónico, o exemplar
que constitua sua representação escrita tem, tal como a sua reprodução eletrónica, o
valor da pública-forma, se a sua conformidade com o original se mostrar certificada nos
termos exigidos para a equiparação do documento eletrónico ao documento particular
assinado (artigo 4.º DL 290-D/99).
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Documentos não escritos: sobre os documentos não escritos rege o artigo 368.º CC:
« Asreproduçõesfotográficasoucinematográficas,osregistosfonográficose,deum
modogeral,quaisqueroutrasreproduçõesmecânicasdefactosoudecoisasfazemprovaplenadosfactosedascoisasquerepresentam,seapartecontraquemos
documentossãoapresentadosnãoimpugnarasuaexatidão».
Expressamente sujeitos a este regime estão os documentos eletrónicos cujo conteúdo não seja
suscetível de representação como declaração escrita, quando lhes tenha sido aposta assinatura
eletrónica qualificada certificadora credenciada (artigo 3.º, n.º3 DL 290-D/99). A lei prescinde,
quanto a todos estes documentos, da determinação da autoria: uma vez apresentados, a
impugnação facultada à parte contrária é, não uma impugnação de autoria, mas uma impugnação
da sua exatidão. À lei não interessa a autoria do documento, mas apenas a correspondência da
representação nele contida à realidade. A sua força probatória está inteiramente dependente da
não impugnação da sua veracidade. Tal como no caso do documento particular (quanto à autoria),bem como no da certidão e da pública-forma (quanto à fidelidade da cópia), a contraparte do
apresentante tem o ónus de impugnação e o seu silêncio tem o valor probatório próprio da
admissão: fica provado que o documento apresentado é exato, isto é, que o facto reproduzido se
verificou ou que a pessoa ou coisa representada (designadamente em fotografia) existia, tal qual,
no momento da reprodução. Quando a reprodução constitui a cópia dum documento escrito
(fotocópia desprovida de atestação, microfilme ou telecópia), este é tomado como coisa para os
efeitos do preceito e a fidelidade da cópia fica estabelecida, sem prejuízo de a parte contra quem
é apresentada poder, através dela, impugnar a genuinidade do original ou atacar, quando ele a
tenha, a sua força probatória plena. Sendo impugnada a exatidão da reprodução, cabe ao
apresentante dela convencer o tribunal.Proposição e admissão da prova documental: os documentos destinados a provar os fundamentos
da ação e da defesa (factos principais), bem como os factos instrumentais que constituam a base
duma presunção legal ou facto contrário ao legalmente presumido, devem ser apresentados com
o articulado em que sejam alegados os factos correspondentes (artigo 423.º, n.º1 CPC). A violação
deste dever dá lugar a multa, mas, não se tratando de um ónus (salvo quando o documento seja
essencial ou a lei dele faça depender o prosseguimento da causa), as partes continuam a poder
apresentar os documentos que provem os factos principais da causa, tal como os que provem
factos instrumentais, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final (artigo 423.º,
n.º2 CPC). Posteriormente, e até ao encerramento da discussão em 1.ª instância (artigo 604.º,
n.º3, alínea e) CPC), são ainda admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sidopossível até àquele momento, bem como os que provem factos posteriores a ele ou que,
provando factos anteriores, se formem posteriormente ou se tornem necessários por virtude de
ocorrência posterior (artigos 423.º, n.º3 CPC). Por iniciativa oficiosa (artigo 436.º CPC) ou
mediante requerimento de parte (artigos 429.º e 432.º CPC), deve o tribunal ordenar que as
partes ou terceiros, incluindo organismos oficiais, sejam notificados para juntar ao processo
documentos como interesse para a decisão da causa que estejam em seu poder, sob pena de
multa (artigos 417.º, n.º2, 430.º e 437.º CPC), com possibilidade do uso de meios coercitivos
(mesmo artigos e artigo 829.º-A CC) e da apreensão da recusa ou omissão injustificada para
efeitos probatórios e até da inversão do ónus da prova, nos termos do artigo 344.º, n.º2 CC
(artigos 417.º n.º2 e 430.º CPC). Se o notificado declarar que não possui o documento, a parteque tiver requerido a junção poderá provar que a declaração é falsa (artigos 431.º, n.º1 e 433.º
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CPC) sem prejuízo de o notificado que seja parte poder demonstrar que, sem culpa sua, ele
desapareceu ou foi destruído (artigo 431.º, n.º2 CPC). Se alegar justa causa para não efetuar a
entrega, o terceiro possuidor deverá facultar o documento para o efeito de ser examinado,
fotografado ou de outro modo reproduzido (artigo 434.º CPC). Ressalvam-se os casos de recusalegítima (da parte ou do terceiro) enunciados no artigo 417.º, n.º3 CPC e o regime de exibição de
livros de escrita comercial (artigos 42.º, 43.º CCom e 1048.º e 1049.º, n.º3, alínea a) CPC). A
apresentação do documento e sempre notificada à parte que não o tiver apresentado (artigo
427.º e 439.º CPC), a qual pode, no prazo de 10 dias, deduzir, conforme os casos, o incidente
probatório dos artigos 444.º e 445.º CPC ou o dos artigos 546.º e 549.º CPC. Seja ou não
deduzindo um incidente probatório, o juiz admite a junção ou rejeita-a, mandando restituir o
documento ao apresentante, se verificar que o documento ao apresentante, se verificar que o
documento é impertinente para a matéria da causa ou desnecessário (artigo 443.º, n.º1 CPC),
sem prejuízo, quando posta em causa a sua genuinidade ou força probatória, da decisão que
venha a ser tomada. Sendo deduzido o incidente dos artigos 446.º a 449.º CPC, a parte contrária,quando notificada da arguição, pode declarar que não quer fazer uso do documento, caso em
que ele não e atendido para efeito algum, o mesmo ocorrendo se não responder (artigo 448.º,
n.º2 CPC); apresentada a resposta, o juiz negará seguimento ao incidente se a arguição for
manifestamente improcedente ou meramente dilatória, bem como se o documento não puder
ter influencia na decisão da causa (artigo 448.º, n.º3 CPC).
§16.º - Prova por confissão
Conceito e modalidades:
1.
Conceito
: diz-se confissão o reconhecimento da realidade dum facto (passado, ou
presente duradoiro) desfavorável ao declarante (artigo 352.º CC), isto é, dum facto
constitutivo dum seu dever ou sujeição, extintivo ou impeditivo dum seu direito ou
modificativo duma situação jurídica em sentido contrário ao seu interesse, ou, ao invés,
a negação da realidade dum facto favorável ao declarante, isto é, dum facto constitutivo
dum sei direito, extintivo ou impeditivo dum seu dever ou sujeição ou modificativo duma
situação jurídica no sentido do seu interesse. Com base na regra de experiência segundo
a qual ninguém mente contrariamente ao se interesse, esta declaração de ciência
constitui presunção da realidade do facto (desfavorável ao confitente) ou, ao invés, da
inocorrência do facto (favorável ao confitente) que dela é objeto. Esta presunção, que
explica a prova por confissão, não pode, evidentemente, jogar quando a declaração tem
por objeto um facto fisicamente impossível ou notoriamente inexistente (artigo 354.º,
alínea c) CC): a afirmação da sua existência encerra um absurdo que impede que seja
erigida em meio de prova. Semelhante, quando a lei proíbe o reconhecimento ou a
investigação dum facto, encontramo-nos perante a impossibilidade legal de este ser dado
como provado (artigo 354.º, alínea a), 2.ª parte CPC): alei considera-o total e
absolutamente irrelevante, pelo que inviabiliza a eficácia jurídica da sua representação
pelo confitente. Além destes casos, em que estamos perante factos insuscetíveis em
absoluto de constituir objeto de prova (por confissão ou outra), outros há em que a leiadmite que, por outros meios, seja provada a realidade de factos que tem por inidóneos
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para objeto da declaração confessória. É o caso dos factos relativos a direitos
indisponíveis (artigo 354.º, alínea b) CC): sempre que a disposição dum direito subjetivo
atribuído pelo ordenamento não possa ter lugar a confissão dum facto que tenha
semelhante efeito dispositivo, pois caso contrário, produzir-se-ia, através do ato(voluntario) da confissão, um efeito prático (indireto) que as partes não poderiam
diretamente atingir por via negocial. É também o caso quando a lei declara a confissão
insuficiente (artigo 354.º, alínea a), 1.ª parte CPC), seja por exigir forma escrita ad
constitutionem (artigo 364.º, n.º1 CC), seja por reconhecer a convenção das partes sobre
a forma do negócio jurídico (artigo 223.º, n.º1 CC).
2. Modalidades: a confissão pode ser judicial ou extrajudicial (artigo 355.º, n.º1 CC): é
judicial (meio de prova constituenda) quando produzida em processo que corra perante
um tribunal do Estado ou em juízo arbitral, ainda que se trate de processo de jurisdição
voluntária (artigo 355.º, n.º2 CC); é extrajudicial (meio de prova preconstituida) quando
produzida fora dum processo (artigo 355.º, n.º4 CC); mas, no primeiro caso, passa aextrajudicial quando invocada fora do processo em que é produzida, considerado este
como englobando os respetivos incidentes e procedimentos preliminares (artigo 355.º,
n.º3 CC). A confissão judicial pode ser feita, espontaneamente, nos articulados, pela parte
ou pelo seu advogado, ou em outro ato do processo, mas neste caso só pela parte ou por
procurador com poderes especiais para o efeito; e pode ser feita, provocadamente, em
depoimento de parte ou em ato de prestação de informações ou esclarecimentos ao
tribunal (artigo 356.º CC). A confissão judicial pode ser feita, espontaneamente, nos
articulados, pela parte ou pelo seu advogado, ou em outro do processo, mas neste caso
só pela parte ou por procurador com poderes especiais para o efeito; e pode ser feita,
provocadamente, em depoimento de parte ou em ato de prestação de informações ou
esclarecimentos ao tribunal (artigo 356.º CC). O depoimento de parte tem lugar por
iniciativa oficiosa (artigo 452.º, n.º1 CPC) ou a requerimento da parte contrária ou dum
seu comparte (artigo 453.º, n.º3 CPC), devendo, neste caso, ser logo indicados os factos
sobre que há de recair (artigo 452.º, n.º2 CPC). Estes devem ser factos pessoais ou de
que o depoente deva ter conhecimento (artigo 454.º, n.º1 CPC), em delimitação análoga
à que o artigo 574.º, n.º3 CPC faz dos factos sobre os quais o réu tem, na contestação, o
ónus de tomar posição definida; não podem, além disso, ser factos criminosos ou torpes,
de que a parte seja arguida (artigo 454.º, n.º2 CPC). Obtida a confissão dum facto, o
depoimento deve, nessa parte, ser reduzido a escrito (artigo 463.º, n.º1 CPC). Em
conformidade com a nossa tradição jurídica, o CPC 191 não admitia que o depoimento
da parte pudesse ser probatoriamente valorado na parte em que lhe fosse desfavorável,ao contrário da opção feita por sistemas jurídicos, máxime os de tradição anglo-saxónica,
que o sujeitam à livre apreciação do julgador, em juízo reportado à sua globalidade e
abrangendo, por conseguinte, também o conteúdo favorável ao depoente. Já o CPC de
2013 admite a prova por declaração de parte (artigo 466.º CPC). Embora as tenha como
ato de prova distinto do depoimento de parte, afigura-se que, no ato de produção deste,
o depoente poderá manifestar a vontade de que as declarações favoráveis que faça
sejam valoradas como prova sujeita à livre apreciação do julgador, desde que a parte
contrária esteja presente, ou lhe seja dada a possibilidade de igualmente ser ouvida. A
prestação de informações e esclarecimentos ao tribunal tem lugar a convite oficioso,
tendente à clarificação das posições das partes sobre a matéria de facto ou de direito dacausa, quando não tenha tido lugar no despacho pré-saneador (artigo 590.º, n.º4 CPC),
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constituindo a audiência prévia o momento processual para ela mais adequado (artigo
591.º, n.º1, alínea c) CPC), mas pode ser ordenada em qualquer estado do processo
(artigo 452.º, n.º1 CPC). No plano da matéria de facto, visa-se o esclarecimento da
alegação e não um fim probatório. No entanto, o esclarecimento prestado que resulteno reconhecimento, pela parte, da realidade de um facto que lhe é desfavorável é
aproveitado como confissão. Deve, neste caso, tal como no de depoimento de parte, ser
reduzido a escrito.
Confissão com força probatória plena:
1.
Requisitos: o artigo 358.º CC atribui à confissão força probatória plena:
Quandojudicial,escritaoureduzidaaescrito(n.º1);
Quando,sendoextrajudicial,constededocumento,autênticoouparticular(subscrito
peloconfitente),esejafeitaàpartecontráriaouaquemarepresente(n.º2).
Este ultimo requisito tem como razão de ser a consideração de que a declaraçãoconfessória é, em regra, mais credível quando feita, por escrito, à parte favorecida pela
realidade do facto confessado. Com ele, a confissão extrajudicial não se torna, ainda que
só para surtir eficácia probatória plena, uma declaração recetícia: baseando-se o
requisito na maior probabilidade de seriedade da declaração, a exigência da sua direção
à contraparte do confitente visa uma finalidade que prescinde da efetiva receção pelo
destinatário, esgotando-se com o sentido que lhe é imprimido pelo declarante ao dirigi-
la; basta, por isso, a iniciativa por este tomada, independentemente de a declaração
chegar efetivamente à esfera de controlo da parte contrária; a declaração confessória
feita à parte contrária, na previsão do artigo 358.º, n.º2 CC, é uma declaração dirigida,
mas não uma declaração recetícia. Consequentemente, deve ser tido comorepresentante, para o efeito do mesmo artigo, não só o efetivo titular de poderes de
representação (representante em sentido técnico), mas também toda a pessoa que atue
no interesse da contraparte no âmbito do conflito de interesses a que se reporta o facto
confessado ou que, pela sua proximidade dela, deva ser reputada, por um indivíduo
normal colocado no lugar do confitente, como normal transmissário da declaração
confessória. Para que a confissão, judicial ou extrajudicial, tenha força probatória plena,
é ainda necessário que se verifiquem os requisitos de capacidade e de legitimidade do
artigo 353.º CC:
O confitente há de ter capacidade para dispor do direito, ou para constituir a
vinculação, a que o facto confessado se refira (n.º1). Não tem, por isso, força
probatória plena o reconhecimento, pelo incapaz de exercício, da realidade dum
facto com eficácia ou mera relevância impeditiva, modificativa ou extintiva dum
direito subjetivo de que ele não possa dispor, ou constitutiva ou modificativa duma
vinculação em que não se possa constituir, ou ainda da inocorrência de um facto
com relevância inversa a alguma destas;
Oconfitentehádeteropoderdedispor,oudeconstituiravinculação,aqueofacto
confessado se refira (n.º1). Não te, por isso, força probatória plena o
reconhecimento, por uma pessoa casada em regime de comunhão geral ou de
adquiridos, sem o consentimento do cônjuge, ou, no campo da incapacidade, o
reconhecimento pelo inabilitado sujeito ao regime de assistência do artigo 153.º,
n.º1 Cc, sem o consentimento do curador, dum facto de que resulte a perda dumdireito de que o confitente não podia dispor, só por si, por ato entre vivos. A ideia a
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reter, paralela à que explica o regime dos factos referentes a direitos objetivamente
indisponíveis, é a de que a autorização ou o consentimento deve ser exigido par a
confissão sempre que a eficácia do facto confessado (eficácia indireta do ato de
confissão) seja semelhante a do ato negocial que dele carece. Noscasosdecontitularidadedesituaçõesjurídicas,ativasoupassivas,cadaumdos
contitularespodeconfessarisoladamente,semprequeoefeitodofactoconfessado
possasercindidodemodoarestringir-seaointeressedoconfitente,comoacontece
noscasosquepodemdarlugaralitisconsórciovoluntário: podendo dispor sozinho,
da sua situação jurídica (artigo 288.º, n.º1 CPC), o litisconsorte pode também fazer
confissões de factos com efeito dispositivo prático idêntico.. Já nos casos de
contitularidade de situações jurídicas em que esse fracionamento não se possa dar,
como acontece nos que devem dar lugar a litisconsórcio necessário, a confissão
isolada de um dos contitulares não é admissível com eficácia indireta equivalente à
do ato que, isoladamente, ele não pode praticar (artigo 288.º, n.º2 CPC). Assim, porexemplo, o devedor solidário pode confessar o facto constitutivo da obrigação, o
que só perante ele e o credor surtirá efeito, mas o cocontraente ou o credor da
obrigação indivisível não pode confessar, por si, facto de que resulte a nulidade do
contrato. A norma do artigo 353.º, n.º2 CC deriva da natureza contra se da
declaração confessionária.
Noscaosdesubstituiçãoprocessual,emqueháumarelaçãodedependênciaentre
asituaçãojurídicadosubstitutoeadosubstituído,osubstituto,sendoadmitidoa
litigarsobrerelaçãojurídicaalheia(ouinteressejurídicoalheio),nãopodeproduzir
confissãoeficazperanteosubstituído,queéo titulardarelação(oudointeresse)
controvertida(artigo353.º, n.º3 CC): a substituição dá-se em virtude da inércia do
substituído no exercício ou na defesa dos seus direitos; não faria sentido que servisse
para o substituto deles dispor ou realizar, através da confissão, um ato com efeito
pratico semelhante ao de uma disposição.
2.
Irretratabilidade: a confissão é irretratável (artigo 465.º, n.º1 CPC). Aplicada à confissão
judicial, ou à confissão extrajudicial invocada no processo, esta norma resulta já, em parte,
do princípio da aquisição processual (artigo 413.º CPC): uma vez produzidos, os meios de
prova já não podem ser retirados, devendo ser considerados pelo tribunal na decisão
sobre a matéria de facto. Neste sentido, é tão irretratável a confissão com força
probatória plena como a que tem força de prova livre. Mas a irretratabilidade te, quanto
à primeira, maior alcance: o de tornar inadmissível uma nova declaração de ciência sobre
o mesmo facto que possa pôr em causa os efeitos legais resultantes, ou suscetíveis de
resultar, da anterior, sem prejuízo da possibilidade de impugnação desta. Em regra – só
assim não é quando a confissão se integra numa declaração indivisível –, a confissão
produz imediatamente o seu efeito probatório e, consistindo este na prova plena do facto
confessado, não faria muito sentido admitir posteriores declarações, com conteúdo
diverso e podendo até não ser confessórias, por parte do confitente. Um caso, porém,
há em que a confissão é retratável: a confissão em articulado, quando feita pelo
mandatário do confitente, pode ser retirada ou retificada enquanto a parte contrária não
a aceitar expressa e especificadamente (artigo 46.º e 465.º, n.º2 CPC). A razão de ser
desta exceção reside na menor intensidade com que a regra da experiência joga no caso
da confissão feita, pelo mandatário judicial, com base em poderes forenses gerais:embora a confissão se suponha inspirada pela parte ou feita em conformidade com as
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instruções e informações por ela fornecidas, o que explica a sua força probatória, o
mandatário pode ter compreendido mal as informações do seu constituinte; de qualquer
modo, não é a própria parte a fazê-la.
3.
Impugnabilidade: a forma probatória da confissão só pode ser destruída nos termosrestritos determinados na lei (artigo 347.º, infine CC). Além dos casos em que não se
verifique algum dos requisitos (elemento do ato ou seu pressuposto) de que a lei faz
depender a sua força probatória plena, o ato da confissão só pode ser impugnado nos
termos constantes do artigo 359.º CC. O artigo 359.º, n.º1 CC sujeita a confissão ao
regime de nulidade e anulabilidade dos negócios jurídicos, resultante da falta ou de vícios
da vontade, sem prejuízo de o artigo 359.º, n.º2 CC dispensar a anulação por erro dos
requisitos, salvo o da essencialidade, exigidos para o negócio jurídico. Também esta
equiparação tem na sua base a ideia de que, através do ato da confissão, é possível atingir
um resultado prático semelhante ao do negócio jurídico. Mas a confissão não é uma
declaração de vontade e, por isso, na aplicação do preceito à confissão há que ter emconta a natureza desta, como declaração de ciência. Assim é que a confissão, como ato
para cuja definição não releva a vontade do efeito, própria das declarações de vontade,
mas apenas a consciência da declaração, como declaração de ciência, e do seu concreto
conteúdo representativo:
a.
Não suscetível, em si, de ser simulada, mas pode ser predisposta, por afirmação
da realidade dum facto que não se verificou, num esquema de fraude á lei ou de
simulação negocial.
b.
Pode ser produzida por coação física, com falta de consciência ou de seriedade
da declaração ou com erro na declaração, vícios estes que, excluindo elementos
subjetivos (a vontade de ação, a consciência de que se esta fazendo umadeclaração de ciência, a consciência do conteúdo representativo concreto desta
declaração) exigidos para qualquer declaração, de ciência ou de vontade, privam
de eficácia a declaração confessória, independentemente da realidade do facto
que é afirmado como se tendo verificado.
c. Pode dever-se a erro-vício, que consiste ou num erro sobre o objeto da confissão,
isto é, sobre a representação da realidade que constitui o próprio conteúdo da
declaração, e que, por isso, uma vez provado que esse conteúdo diverge da
realidade e que o confitente tinha formado erradamente a sua convicção sobre
ele, é causa de anulação da confissão, independentemente da verificação de
outros requisitos, ou na ignorância de que se verificou também um facto sem
cuja verificação o facto confessado não poderia, natural ou fisicamente, influir
numa situação jurídica do confitente, o que constitui ainda erro sobre a
configuração dos factos, no plano da causalidade natural, estando sujeito ao
mesmo regime do erro sobre o objeto; mas nunca pode relevantemente consistir
em erro sobre as consequências jurídicas diretas (erro sobre o efeito probatório)
ou indiretas (erro sobre os efeito do facto confessado) da confissão.
d. Pode dever-se a dolo ou coação moral, que atuam como vícios da vontade de
declarar um certo conteúdo querido como representativo (ou de cujo significado
representativo se tem consciência) e cuja invocação dispensa,
consequentemente, a prova de que não se verificou na realidade o facto
confessado.
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243
O artigo 464.º CPC prevê a propositura duma ação autónoma para a declaração da
nulidade ou a anulação da confissão. Transitada em julgado a sentença que venha a ser
proferida no processo em que a confissão judicial e feita ou a confissão extrajudicial
invocada, esse foi, até ao Decreto-Lei n.º 38/2003, 8 março, o único meio de fazer valera nulidade ou a anulação da confissão que tivesse determinado a decisão (artigo 359.º,
n.º1 CC), ao qual se seguia, em caso de procedência, o recurso de revisão da sentença,
com fundamento na norma hoje constante do artigo 629.º, alínea b) CPC: na ação,
atacava-se a declaração confessória; no recurso de revisão, a sentença com base nela
proferida. Atualmente, é imediato o acesso ao recurso de revisão, cujo prazo se
compadece mal com a propositura daquela ação (artigo 697.º, n.º2, alínea c) CPC). A
nulidade da confissão pode também ser feita valer, até ao trânsito em julgado da
sentença e sem prejuízo do artigo 613.º, n.º1 CPC, no processo em que é produzida ou
invocada, mediante uma exceção probatória a que há que, analogicamente, aplica, com
as devidas adaptações, o disposto nos artigo 446.º, 448.º e 449.º CPC quanto às exceçõesprobatórias deduzidas contra os documentos. O pedido de anulação há de ser deduzido
no prazo de um ano do artigo 287.º, n.º1 CC, entendendo-se como cumprimento, para o
efeito do artigo 287.º, n.º2 CC (arguição sem dependência de prazo), a produção dos
efeitos do facto confessado, dependa ele ou não dum ato ato das partes. Mas, transitada
em julgado a sentença proferida no processo em que a confissão foi feita ou invocada,
há que contar também com os prazos do artigo 697.º, n.º2 CPC: o recurso de revisão tem
de ser interposto no prazo de cinco anos, contados do trânsito em julgado da decisão, e
no de 60 dias, contados do conhecimento do fundamento de nulidade ou anulação que
se faz valer.
4.
Indivisibilidade: segundo o artigo 360.º CC, se a declaração confessória for acompanhadada narração de factos ou circunstâncias tendentes a infirmar a eficácia do facto
confessado ou a modificar ou extinguir os seus efeitos, a parte que dela quiser aproveitar-
se como prova plena tem de aceitar também a realidade desses factos ou circunstâncias,
salvo se provar a sua inexatidão. Esta norma, tradicionalmente conhecida como princípio
da indivisibilidade da confissão ou da confissão indivisível, respeita, na realidade, a uma
declaração complexa que, contendo a afirmação de factos desfavoráveis ao declarante,
mas também de factos que lhe são favoráveis, só em parte é confessória e é na outra
parte meramente assertória: dado que uns e outros desses factos são objeto da mesma
declaração, entende-se que a contraparte que se queira aproveitar da parte da
declaração que lhe e favorável deve igualmente aceitar a realidade dos factos que lhe
são desfavoráveis. Para isso, não basta a unidade formal da declaração, sendo preciso
que factos favoráveis e factos desfavoráveis estejam entre si em relação: o declarante
afirma, por um lado, a realidade de factos constitutivos que lhe são desfavoráveis e, por
outro, a realidade de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito dos
primeiros. Ao contrário da simples confissão, que produz logo o seu efeito probatório,
este declaração complexa só faz prova depois de a parte contrária se pronunciar. Três
vias lhe são possíveis:
a.
Prescindir da confissão, com o que esta não terá eficácia de prova plena, mas só
a de meio de prova sujeito a livre apreciação do julgador (artigo 361.º CC);
b.
Aceitar, como tendo-se verificado, os factos e circunstâncias que lhe são
desfavoráveis, caso em que a confissão ganha eficácia de prova plena e, por sua
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244
vez, a declaração de aceitação corresponde a uma segunda confissão, em sentido
inverso, desses factos ou circunstâncias;
c.
Declarar que se quer aproveitar da confissão, mas se reserva o direito de provar
a inexatidão dos factos ou circunstâncias que lhe são desfavoráveis, caso em quea confissão tem também eficácia de prova plena, mas a realidade desses factos
ou circunstâncias só ficará definitivamente estabelecida se não for feita prova do
contrário.
No último caso, uma vez que cabia ao autor da declaração complexa provar o facto
impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da parte contrária – ou de outro efeito
jurídico resultante do facto constitutivo – dá-se a inversão do ónus d aprova, que passa
a caber à contraparte. O mesmo acontece quando, confrontada com a declaração
complexa (feita em documento escrito junto ao processo, por ela própria ou pelo autor
da declaração, ou em ato de depoimento de parte reduzido a escrito, nos termos do
artigo 463.º, n.º1 CPC), a parte contrária não toma, no prazo que tem para se pronunciarsobre o documento (artigo 444.º, n.º1 e 2 CPC por analogia) ou no prazo geral do artigo
149.º CPC, qualquer das três atitudes referidas, silenciando uma tomada de posição
sobre a declaração. Tenho entendido que o princípio da indivisibilidade não é observável
no plano da confissão judicial espontânea em articulado, dado o tratamento
individualizado que tem cada facto dele constante: a exposição dos factos e feita em
artigos separados (artigo 47.º, n.º2 CPC); têm-se por admitidos os factos não impugnados
(artigos 574.º, n.º2 e 587.º, n.º1 CPC); há que fazer separadamente a defesa por exceção
(artigo 572.º, alínea c) CPC). Esse afastamento do princípio era, porém, mais nítido
quando, na fase da condensação, havia que selecionar os factos assentes e os factos
controvertidos. Perante o CPC de 2013, a opinião contrária torna-se também defensável.
Confissão com força de prova livre: quando é feita sem os requisitos exigidos para que tenha
eficácia probatória plena, a declaração de reconhecimento de factos desfavoráveis pode
constituir meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador (artigo 361.º CC). É assim, em
princípio, quando falte algum dos pressupostos do artigo 353.º CC. É-o também quando a
confissão não seja escrita ou reduzida a escrito e quando falte o requisito da direção à arte
contrária (artigo 358.º, n.º3 e 4 CC). É-o ainda quando a confissão conste duma declaração
complexa, nos termos do artigo 360º CC, e a parte contrária não se queira dela prevalecer como
meio de prova plena. Já nos casos em que a confissão com eficácia probatória plena é declarada
nula ou anulada nos termos do artigo 359.º CC, a declaração feita não pode, em regra, ser
aproveitada com valor de prova livre, pois não se vê como pode a regra de experiência segundoa qual não se mente contra o próprio interesse jogar em casos em que a confissão é desviada da
sua função (simulação, fraude à lei, reserva mental, usura), ocorre falta ou desvio da vontade
(coação física, falta de consciência da declaração, incapacidade acidental, falta de seriedade, erro
na declaração) ou se verifica na formação da representação de confitente (erro-vício) ou na
formação da vontade (erro em confissão baseada em declaração indivisível, dolo ou coação
moral): em alguns destes casos, há que produzir prova de facto contrário ao confessado para
destruir a eficácia probatória da confissão; nos outros, mostra-se falseada a liberdade de
apreciação pelo confitente, que a regra da experiência pressupõe. Apenas num caso se justifica
o aproveitamento da confissão, com o valor de prova livre: quando o confitente a dirige à parte
contraria, julgando dirigi-la a terceiro. A confissão com valor de prova livre constitui um ato
distinto do da confissão com valor de proa plena, que tem requisitos de forma e pressupostos,
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necessários à sua validade, mais amplos do que os daquela. A sua eficácia probatória exige que o
juiz a confronte com todos os outros elementos de prova produzidos sobre o facto confessado
para que tire a sua conclusão sobre se este se verificou ou não.
Produção da confissão judicial: quando extrajudicial, a confissão é, enquanto facto que constitui
um meio de prova, preconstitutido, trazido ao processo, mediante a apresentação do documento,
escrito ou outro, que a contem (o documento que prova a declaração de ciência da parte e esta,
por sua vez, prova a realidade do facto confessado), pelo que os atos de produção de prova que
têm lugar no processo são os respeitantes, respetivamente, à prova documental ou testemunhal.
Mas a confissão judicial produz-se no processo – nos articulados ou em outro ato do processo,
quando espontânea; em depoimento de parte ou ato de prestação de informações ou
esclarecimentos ao tribunal, quando provocada. Requerido (artigos 452.º, n.º2 e 453.º, n.º3 CPC)
ou ordenado (artigo 452.º, n.º1 CPC) o depoimento da parte, e esta convocada para comparecer
– em regra, na audiência de discussão e julgamento (artigo 456.º, n.º1 CPC), mas antes dela, se
houver urgência no depoimento (artigos 419.º e 420.º CPC) ou impossibilidade de comparência
(artigo 457º, n.º2 CPC) ou o juiz ordenar a prestação do depoimento na audiência prévia (artigo
456.º, n.º3 CPC). Quando a parte resida fora da comarca ou da ilha das Regiões Autónomas em
que corre o processo, a prestação do depoimento tem lugar por teleconferência (artigo 456.º,
n.º2 CPC). A parte jura dizer a verdade (artigo 459.º CPC) e é seguidamente interrogada pelo juiz
sobre os factos indicados como objeto do depoimento (artigo 460.º CPC). Os advogados do
depoente e da parte contrária podem pedir esclarecimentos, ou solicitar ao juiz eu os peça, para
concretização ou complemento das respostas (artigos 461.º, n.º1 e 462.º, n.º1 CPC). Ao
esclarecimento pretendido por um dos advogados pode opor-se o advogado da parte contrária,
com fundamento em que a pergunta e inadmissível, pela sua substância ou pela forma como (no
caso de ser o advogado a fazê-lo) é feita: gera-se então um incidente probatório, que o juiz decide(artigo 462.º, n.º2 CPC). Na falta de comparência da parte, bem como no caso de ela recusar o
depoimento, sem provar justo impedimento, ou o responder que não se recorda ou nada sabe,
o tribunal aprecia livremente o valor da conduta para efeitos probatórios (artigo 357.º, n.º2 CC).
As declarações de parte: o CPC de 2013 introduziu, ao lado da prova por confissão, mas como
meio de prova autónomo, a figura da prova por declarações de parte. Através dela, a parte (autor
ou o reu, ou o seu representante legal) pode, até ao início das alegações orais em 1.ª instância,
requerer a prestação de declarações sobre factos em que tenha tido intervenção pessoal ou de
que tenha conhecimento direto (artigo 466.º, n.º1 CPC), isto e, sobre factos pessoais, na aceção
que a esta expressão é dada nos artigos 454.º, n.º1 e 574.º, n.º3 CPC. As declarações de parte
não podem ser ordenadas oficiosamente nem, obviamente, ser requeridas pela parte contraria.
A sua valoração esta sujeita à regra da livre apreciação da prova (artigo 466.º, n.º3 CPC). Do
requerimento deste meio de prova por uma parte tem de ser dado conhecimento à outra,
nomeadamente quando as declarações de parte tenham sido requeridas na audiência final. Se a
outra parte estiver presente no ato, poderá igualmente usar da faculdade de ser ouvida. Mas,
não estando, tem de ser notificada para o efeito, na pessoa do seu advogado (ou pessoalmente,
se não tiver advogado constituído e o patrocínio não for obrigatório). Assim o impõe o princípio
da igualdade de armas (artigo 4.º CPC). A apreciação que o juiz faça declarações de parte
importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e,
quando outros não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido
efetivamente ouvidas.
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§17.º - Prova testemunhal
Admissibilidade e direito de escusa:
1. Admissibilidade
: fonte de prova pessoal representativa, a testemunha é um terceiro em
face da relação jurídica processual, ainda que não perante a relação jurídica material ou
os interesses que no processo se discutem, estando, pois, excluída como tal a parte
(artigo 452.º, n.º2 e 453.º,n.º3 CPC) e o seu representante legal (artigo 453.º, n.º2 CPC),
aos quais é reservado o depoimento de parte (artigo 496.º CPC), bem como o juiz que
não se declare ou seja declarado impedido (artigo 115.º, n.º1, alínea h) e 499.º, n.º 1CPC).
Não obstante qualquer terceiro poder, em princípio, depor como testemunha (artigo
392.º CC), desde que não interdito por anomalia psíquica e com capacidade natural, física
e mental, para depor sobre o objeto da prova (artigo 495.º, n.º1 CPC), há factos sobre osquais não é admissível depoimento testemunhal. Tal acontece, em primeiro lugar, como
consequência indireta da exigência de determinado meio de prova, por disposição da lei
ou estipulação das partes. As declarações negociais que devam revestir a forma escrita
(artigo 223.º, n.º1 e 364.º, n.º1 CC), bem como aquelas que só possam ser provadas por
documento ou confissão documentada (artigo 364.º, n.º2 CC), não podem, obviamente,
ser objeto de prova por testemunhas (artigo 393.º, n.º1 CC), tal como não podem ser
objeto de prova por outro meio que não o exigido. Tal não impede, porém, o recurso à
prova testemunhal para a prova do facto material da declaração, não já enquanto
elemento constitutivo do negocio jurídico, mas como elemento de facto produtor de
outros efeitos de direito, designadamente da responsabilidade decorrente de, dolosa ou
culposamente, se ter emitido uma declaração nula. Tal não impede tão pouco o recurso
à prova testemunhal para:
a.
A interpretação do negócio jurídico (artigo 393.º, n.º3 CC), designadamente
mediante o apuramento da posição do real destinatário (artigo 236.º, n.º1 CC),
da vontade real do declarante (artigos 236.º, n.º2 e 238.º, n.º2 CC), do seu
conhecimento pelo declaratário (artigo 236.º, n.º2 CC) e do próprio sentido do
documento;
b. A prova de divergência relevante entre a vontade real e a vontade declarada
(salvo tratando-se de provar o acordo simulatório e o negócio dissimulado,
invocados pelos simuladores, mas já não quando invocados por terceiros: artigo
394.º, n.º2 e 3 CC) ou de vicio relevante da vontade real;c. A ilisão, nos termos admitidos por lei, da genuinidade do documento, ou a sua
reforma (Artigo 367.º C).
O mesmo se aplica quando a lei exige determinado meio de prova (não documental) para
a prova do facto (ex. só por confissão se pode provar o incumprimento no caso de
prescrição presuntiva: artigo 313.º CC). Tal acontece, em segundo lugar, e com os
mesmos limites, em consequência, também indireta, de um facto que podia ser provado
por meio sujeito à livre apreciação do julgador estas já plenamente provado por
documento, confissão ou admissão (artigo 393.º, n.º2 CC), fora os casos em que alei
admite a ilisão da força desse meio de prova. Em terceiro lugar, no caso de haver
documento autêntico ou particular (strictosensu), seja ele exigido pela lei ou pelas partes,seja formado voluntariamente, não é admissível a prova por testemunhas de (outras)
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convenções que sejam contrárias ou adicionais ao seu conteúdo, ainda que tais
convenções não sejam contemporâneas da formação do documento, mas anteriores a
ela ou até posteriores (artigo 394.º, n.º1 CC). Esta proibição, que tem por objeto atos não
abrangidos pela força probatória do documento e pressupõe que eles não sejam nulospor via do artigo 221.º CC ou do artigo 222.º CC, não é aplicável a terceiros (artigo 394.º,
n.º3 CC). Ao documento particular é sempre equiparado o documento eletrónico
suscetível de representação escrita, em que seja aposta assinatura digital certificada por
entidade certificadora credenciada e com os requisitos previstos no DL 290-D/99 (artigo
3.º, n.º2). Em quarto lugar, não é admitida prova testemunhal para prova do
cumprimento, da remissão (artigo 863.º CC), da novação (artigos 857.º e 858.º CC), da
compensação (artigo 847.º CC) e, de modo geral, de contrato extintivo da relação
obrigacional (designadamente, a dação em cumprimento: artigo 837.º CC), sem prejuízo
também de a proibição não jogar quando a invocação do facto extintivo seja feita por
terceiros (artigo 395.º CC) nem quando circunstâncias objetivas, diversas dumaconvenção entre as partes, tornem esta verosímil, limitando-se a prova testemunhal a
completar ou esclarecer o significado de tais circunstâncias.
2.
Direito de escusa: a testemunha tem, de acordo com a normal geral do artigo 417.º, n.º1
COC, o dever de prestar depoimento, salvo nos casos indicados no artigo 497.º, n.º1 CPC,
em que pode recusar-se a depor, e no caso previsto no artigo 497.º, n.º3 CPC, em que
tem o dever de não depor sobre determinados factos. A testemunha pode recusar-se a
depor quando entre ela e uma das partes haja uma relação de parentesco ou afinidade
na linha reta (artigo 497.º, n.º1, alíneas a) e b) CPC), de casamento, ainda que extinto
(artigo 497.º, n.º1, alínea c) CPC), ou de união de facto análoga à dos cônjuges (artigo
497.º, n.º1, alínea d) CPC). Devem escusar-se a depor os que estejam adstritos a sigiloprofissional, de funcionário público ou de Estado, quanto aos factos por ele abrangidos
(artigo 497.º, n.º3 CPC). No entanto, o dever de sigilo, uma vez verificada a legitimidade
da sua invocação, nos termos dos artigos 135.º n.º2, 136.º, n.º2, 137.º, n,.º3, 1.ª parte
CPP, pode ser dispensado, nos termos dos artigos 135.º, n.º3, 136.º, n.º2 CPP, ou cessar
nos termos do artigo 137.º, n.º3, 2.ª parte PP (artigo 417.º, n.º4 CPC).
Valor probatório: a testemunha narra ao tribunal factos passados de que teve perceção e que,
consequentemente, ficaram registados na sua memória. Mesmo fora dos casos em que procede
a um depoimento parcial, ocultando ou até deturpando os factos sobre os quais é chamada a
depor, erros de perceção e falhas de memória podem falsear as declarações de ciência que
produz, não constituindo meio de prova representativa tão fidedigno como o documento. Porisso, o depoimento testemunhal está sujeito à livre apreciação do julgador (artigo 396.º CC), que
o valorará tendo em conta todos os factos que abonam ou, pelo contrário, abalam a credibilidade
do depoimento, quer por afetarem a razão de ciência invocada pela testemunha, quer por
diminuírem a fé que ela possa merecer (artigo 521.º CPC), e no confronto com todas as outras
provas produzidas (artigo 607.º, n.º5, 1.ª parte CPC; em especial artigo 523.º CPC). Neste
contexto, os advogados das partes, além de interrogarem e instarem a testemunha (artigo 516.º,
n.º2 CPC) e de, mais tarde, após a produção da prova, se pronunciarem sobre o resultado do seu
depoimento (artigo 604.º, n.º3, alínea e) CPC), podem, uma vez o interrogatório terminado,
deduzir os incidentes de acareação, que também pode ter lugar oficiosamente, e de contradita,
este sempre a requerer pela parte contrária à que ofereceu a testemunha. O primeiro consisteno confronto (cara a cara) duma testemunha com a outra ou com a parte que tenha deposto,
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para resolução de contradições verificadas ente os respetivos depoimentos (artigos 523.º e 524.º
CPC). O segundo consiste na alegação de circunstâncias que possam afetar a razão de ciência
invocada ou a fé que a testemunha mereça, podendo a parte que o requer oferecer documentos
ou testemunhas sobre essas circunstâncias, se a testemunha as negar (artigos 521.º e 522.º CPC).
Procedimento probatório:
1.
Proposição e admissão: a iniciativa da prova testemunhal é correntemente tida como
devendo ser das partes, constituindo uma zona remanescente do princípio do dispositivo
no âmbito da instrução do processo, largamente dominada pelo inverso princípio do
inquisitório (artigo 411. CPC). No entanto, a norma do atual artigo 526.º CPC, cuja
redação data da revisão de 1961, constitui o juiz no dever de ordenar a notificação para
depor de qualquer pessoa que não tenha sido proposta como testemunha, quando haja,
no decurso da ação, razões para presumir que tem conhecimento de factos importantes
para a boa decisão da causa. Fora desta margem de iniciativa oficiosa, a proposição daprova testemunhal cabe às partes, que a farão nos termos gerais, mas com a
possibilidade de aditamento ou alteração do rol nos termos do artigo 598.º, n.º2 CPC, da
possibilidade de desistência, em qualquer altura, da inquirição da testemunha (artigo
498.º, n.º2 CPC) e da possibilidade de substituição daquelas que, depois de propositas,
fiquem impossibilitadas para depor, mudem de residência, não sejam notificadas por
omissão do tribunal, não compareçam por outro motivo justificado ou, não
comparecendo sem motivo justificado, não sejam encontradas para vir depor sob
custódia (artigo 508.º, n.º3 CPC). As testemunhas são designadas pelos seus nomes,
profissões, moradas e outras circunstâncias eventualmente necessárias à sua
identificação (artigo 498.º, n.º1 CPC). Em regra, não é preciso indicar logo os factos a quedeporão; mas tal e exigido quando:
a.
Residindo a testemunha no estrangeiro, o tribunal ou o consulado da área da sua
residência não disponha dos meios técnicos necessários para a sua inquirição por
teleconferência (artigo 500.º, alínea b) e 502.º, n.º4 CPC).
b. Seja proposto o testemunho de alguma das entidades constantes do artigo 503.º,
n.º1 CPC, que gozam do privilégio de ser inquiridas na sua residência ou na sede
dos respetivos serviços ou por escrito, ou do artigo 503.º, n.º2 CPC, que gozam
privilégio de depor primeiro por escrito (artigo 503.º, n.º3 CPC);
c. Haja lugar à antecipação do testemunho, nos termos gerais do artigo 419.º
(artigo 420.º, n.º1 CPC).
O rol não pode exceder, por cada parte, o total de 10 testemunhas, quanto à matéria da
ação, e de outro tanto quando haja reconvenção, sendo este número reduzido a cinco
nas ações de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância; consideram-se não
escritos os nomes das testemunhas em excesso (artigo 511.º, n.º1 a 3 CPC). Pode, porém,
o juiz, atendendo à extensão dos temas da prova, admitir, por decisão irrecorrível, a
inquirição de testemunhas para além desse limite (artigo 511.º, n.º4 CPC). Proposta a
prova testemunhal, o juiz decide sobre a sua admissão e determina o local e a forma de
prestação do depoimento, se este não dever ter lugar, como e regra, na audiência afinal,
quer por ocorrer algum dos casos que acabam de ser referidos (artigo 500.º, alíneas a) a
c) CPC), quer por a testemunha estar impossibilitada de comparecer no tribunal (artigo
500.º, alínea d) CPC). Neste último caso, verificada a impossibilidade, a inquirição realiza-se no local que o juiz designar (artigos 457.º, n.º2 e 506.º CPC, a aplicar analogicamente
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fora dos casos de doença), sem prejuízo da possibilidade de autorização de depoimento
escrito (artigo 518.º, n.º1 CPC) ou de esclarecimentos a prestar pelo telefone ou outro
meio de comunicação direta (artigo 520.º, n.º1 CPC).
2.
Produção: as testemunhas são notificadas pela secretaria para depor, salvo se a parte secomprometer a apresenta-las (artigo 251.º, n.º1 e 2 CPC). Havendo mais do que uma
testemunha a inquirir na mesma sessão, os depoimentos são produzidos pela ordem da
sua menção no rol, primeiro as do autor e depois as do réu, salvo determinação do juiz
ou acordo das partes em contrário (artigo 512.º, n.º1 CPC). Prestado juramento e feito o
interrogatório preliminar do artigo 513.º CPC, destinado a identificar a testemunha,
verificar a relação entre ela e as partes e confirmar a admissibilidade do depoimento,
sem prejuízo do incidente de impugnação que a parte contrária À que a ofereceu pode
seguidamente deduzir (artigo 514.º e 515.º CPC), a testemunha é interrogada pelo
mandatário da parte que a ofereceu, podendo a seguir o mandatário da parte contrária
dirigir-lhe perguntas (instâncias), visando completar ou esclarecer o deu depoimento(artigo 516.º, n.º2 e 4, e 40.º, n.º3 CPC), e o juiz, no final, interroga-la como melhor
entenda para o apuramento da verdade (artigo 516.º, n.º4 CPC). Podem seguir-se os
incidentes probatórios de contradita e de acareação. O depoimento é, em princípio, oral,
só assim se garantindo a imediação mínima que o princípio da livre apreciação da prova
postula. Mas nem sempre é presencial: as testemunhas residentes fora da comerca ou
da ilha das Regiões Autónomas em que o julgamento se realiza são ouvidas por
teleconferência; para tanto, deslocam-se ao tribunal de comarca da área da sua
residência, onde a comunicação com o tribunal da ação é estabelecida (artigo 502.º, n.º1
a 3 CPC); o mesmo se faz com o depoimento da testemunha residente no estrangeiro,
quando, na área da sua residência, o tribunal (no caso de expedição de carta rogatória)ou o consulado (no caso de expedição de carta precatória) disponha dos meios técnicos
necessários para a inquirição (artigo 502.º, n.º4 CPC). Tem, porém, ligar por escrito
quando:
a. Seja testemunha alguma das entidades referidas no artigo 503.º, que opte por
essa forma de o prestar. A atuação do princípio do contraditório limita-se então
à faculdade de as partes formularem pedidos de esclarecimento escritos (artigo
505.º, n.º3 CPC), que, no caso do Presidente da República, só lhe são
endereçados com o consentimento do tribunal (artigo 504.º, n.º3 CPC). Mas,
salvo no caso do Presidente da República e no de existência de norma de Direito
internacional que imponha outro procedimento para os agentes diplomáticos
estrangeiros, essas entidades podem vir a ser convocadas para depoimento oral
a prestar na audiência de discussão e julgamento, em esclarecimento do
depoimento escrito, quando tal seja necessário, a requerimento da parte que as
ofereceu como testemunhas ou oficiosamente (artigo 505.º, n.º1, 4 e 5 CPC).
b. Se verifique impossibilidade ou grave dificuldade de comparência da testemunha
no tribunal, haja acordo das partes e o juiz o autorize. Prestado o depoimento
nos termos dos artigos 518.º, n.º1 e 519.º, n.º1 a 3 CPC, o juiz pode determinar,
oficiosamente ou a requerimento das partes, a prestação, de novo por escrito,
dos esclarecimentos que esse revelem necessários, bem como a renovação do
depoimento na sua presença (Artigo 518.º, n.º4 CPC).
c.
As partes acordem na prestação do depósito no domicílio profissional de um dosmandatários, ficando o depoimento a constar em ata, assinada pelo depoente e
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pelos mandatários das partes, aplicando-se o regime descrito em b. quanto à
renovação do depoimento (artigo 517.º CPC).
O artigo 639.º-B, n.º1 CPC permite ainda que, ocorrendo impossibilidade ou grave
dificuldade de comparência atempada de testemunha que deva depor em audiência, o juiz determine, com o acordo das partes, que sejam prestados pelo telefone, ou por outro
meio de comunicação direta com o tribunal, os esclarecimentos indispensáveis à boa
decisão da causa, desde que a natureza dos factos a averiguar ou a esclarecer se mostre
compatível com a diligência. O tribunal pode determinar que o depoente seja
acompanhado por oficial de justiça durante a prestação do depoimento, de cuja
autenticidade e plena liberdade se deve assegurar e que ficará registado na ata da
audiência (artigo 639.º-B, n.º2 CPC). Do mesmo modo como no caso de prestação de
depoimento escrito, o juiz pode determinar a prestação de esclarecimentos e a
renovação do depoimento na sua presença (artigo 639.º-B, n.º3 CPC).
§18.º - Prova pericial
Função: a manifestação da fonte de prova real representativa ou da prova, real ou pessoal,
indiciária pode carecer da intermediação dum perito que, pelos seus conhecimentos
especializados, permita ao tribunal apreendê-la em todo o seu alcance. Tem então lugar a prova
pericial (artigo 388.º CC). Distinguiam-se expressamente no CPC 1961, até à revisão de 1995-1996,
três modalidades de prova pericial: o exame, a vistoria e a avaliação. O exame e a vistoria tinham
por fim a averiguação de factos, por inspeção ou exame ocular, em coisas móveis ou pessoas(exame) ou coisas imóveis (vistoria); a avaliação tinha por fim a determinação do valor de bens
ou direitos. A distinção deixou de dar lugar a subespécies de prova pericial, com o que deixou de
ser explícita; mas o termo exame continua a ser usado, com o sentido anterior, em algumas
disposições (artigos 478.º, n.º2 e 482.º, n.º1 e 600.º CPC). A prova pericial tanto pode visar a
perceção indiciária de factos por inspeção de pessoas ou de coisas, móveis ou imóveis, como a
determinação do valor de coisas ou direitos, ou ainda a revelação do conteúdo de documentos
ou o reconhecimento de assinatura, letra (artigo 482.º CPC), data, alteração ou falta de
autenticidade de documentos.
O perito: a perícia é realizada, sempre que possível e conveniente, por estabelecimento,
laboratório ou serviço oficial apropriado e, quando assim não seja, em regra por um único perito,
nomeado pelo juiz (artigo 467.º, n.º1 CPC) ou acordado pelas partes, sem que haja razão para
duvidar da sua idoneidade e competência (artigo 467.º, n.º2 CPC). Mas é feita por um colégio de
dois ou três peritos quando, sendo a perícia da iniciativa da parte, ela ou a parte contrária o
requeira (artigo 468.º, n.º1, alínea b) CPC) e quando o juiz oficiosamente o determine, por
complexidade da perícia ou necessidade do conhecimento de matérias distintas (artigo 468.º,
n.º1, alínea a) CPC). É aplicável aos peritos, com as necessárias adaptações, o regime de
impedimentos e suspeições que vigora para os juízes (artigo 470.º, n.º1 CPC), havendo ainda
causas de dispensa ou exercício da função de perito (artigo 470.º, n.º2 CPC). Verificada uma causa
de impedimento (artigo 115.º, n.º1 e 117.º, n.º1 CPC), de suspeição (artigo 120.º, n.º1 CPC) ou
de dispensa (artigo 470.º, n.º2 CPC), o próprio perito e as partes podem invoca-la nos prazos doartigo 471.º, n.º1 e 2 CPC. Oficiosamente, o juiz deve dela conhecer até à realização da diligência
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(artigo 471.º, n.º1, in fine CPC). Afastado o perito, procede-se a nova nomeação. Esta tem
também lugar quando o perito seja negligente no desempenho do cargo (artigo 469.º, n.º2 CPC).
A nova nomeação é feita pelo juiz, a menos que o afastamento do perito primitivo se deva a causa
superveniente que não lhe seja imputável nem, por maioria de razão, à parte que o designou(artigo 472.º CPC).
Procedimento probatório:
1.
Proposição e admissão: a perícia pode ser oficiosamente ordenada pelo juiz, ou requerida
por qualquer das partes (artigo 467.º, n.º1 CPC) em momento processual de proposição
da prova. Quando a ordene oficiosamente, o juiz indica no mesmo despacho as questões
de facto que constituirão o seu objeto, podendo depois as partes sugerir o alargamento
a outra matéria (artigo 477.º CPC); mas, salvo quando requisite a perícia a
estabelecimento, laboratório ou serviço oficial, só procede à nomeação do perito depois
de ouvidas as partes (Artigo 467.º, n.º2 CPC). Quando a perícia tem lugar a requerimentosda parte, esta indica nele as questões de facto que pretende ver esclarecidas (artigo 475.º,
n.º1 CPC) e requer, se o entender, a perícia colegial (artigo 468.º, n.º1, alínea b) CPC),
designando então logo o respetivo perito (artigo 468.º, n.º3 CPC). A parte contrária,
seguidamente ouvida, pode aderir ao objeto proposto ou propor a sua ampliação ou
restrição (artigo 476.º, n.º1 CPC), e requerer, se o proponente da prova não o tiver feito,
a perícia colegial (artigo 468.º, n.º1, alínea b) CPC), designando, neste caso, logo o seu
perito só dois ou acordar sobre a escolha do terceiro perito (artigo 468.º, n.º1 e 2 CPC).
Segue-se o despacho que ordena a realização da diligência, em que o juiz determina o
respetivo objeto, indeferindo as questões propostas pelas partes que considere
inadmissíveis ou irrelevantes e aditando outras que considere necessárias (Artigo 476.º,n.º2 CPC), nomeia o terceiro perito (artigo 468.º, n.º2 CPC) e designa a data e o local para
o começo da diligência (artigo 478.º, n.º1 CPC) ou, quando esta tenha ligar em
estabelecimento, laboratório ou instituto oficial, o prazo em que deve ser efetuada
(artigo 478.º, n,º.2 CPC). Como não podia deixar de ser, o objeto da perícia recorta-se
sempre no âmbito dos factos alegados pelas partes (artigo 475.º, n.º2 CPC, aplicável
também à perícia oficiosamente ordenada).
2.
Produção: feitas as notificações para o efeito necessárias (artigos 247.º, n.º1, 249.º, n.º1
e 251.º, n.º1 CPC), os peritos reúnem e, depois de prestarem o compromisso de
cumprirem conscientemente a sua missão (artigo 479.º CPC), procedem às inspeções e
averiguações necessárias (artigo 480.º, n.º1 CPC). A elas podem assistir o juiz e as partes,
podendo estas fazer observações e, quando o juiz esteja presente, requerer o que
entendam conveniente em relação ao objeto da diligência (artigo 480.º n.º2 a 4 CPC). Os
preitos podem requerer ao juiz que ordene a realização de diligências e a prestação de
esclarecimentos, solicitar eles próprios esclarecimentos às partes que estejam presentes
e aceder a quaisquer elementos constantes do processo (artigos 480.º, n.º4, 481.º, n.º1
e 482.º CPC). Quando a perícia deva ainda prosseguir, o juiz fixa o prazo para a diligência,
que não pode exceder 30 dias, prorrogáveis por uma só vez, se para tal ocorrer
justificação (artigo 483.º, n.º2 e 3 CPC).ç Elaborado pelos peritos, e notificado às partes,
relatório em que se pronunciam fundamentadamente sobre o objeto da perícia (artigos
484.º e 485.º, n.º1 CPC), o juiz pode determinar, oficiosamente ou sob reclamação das
partes, a prestação de esclarecimentos e aditamentos, por deficiência, obscuridade,contradição ou falta de fundamentação, o que os peritos farão por escrito adicional
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(artigo 485.º, n.º2 a 4 CPC). Podem ainda as partes requerer segunda perícia, no prazo
de 10 dias sobre o conhecimento do resultado da primeira, isto é, sobre a notificação do
relatório ou dos esclarecimentos adicionais, havendo-os, alegando fundamentadamente
as razões por que discordam desse resultado (artigo 487.º, n.º1 CPC). Também o juizpode ordenar oficiosamente, e a todo o tempo, uma segunda perícia (artigo 487.º, n.º2
CPC). A segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que a
primeira incidiu (artigo 487.º, n.º3 CPC). Nela não pode participar nenhum dos peritos
que tenha participado na primeira (artigo 488.º, alínea a) CPC). É colegial, sempre que a
primeira o tenha sido (artigo 488.º, alínea d) CPC).
Valor probatório: a prova pericial é sempre livremente apreciada pelo tribunal, juntamente com
as restantes provas que forem produzidas sobre os factos que dela são objeto (artigo 389.º CC).
Não tem, inclusivamente, de haver qualquer prevalência dos resultados da segunda perícia sobre
os da primeira e, embora aquela se destine a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta
(artigo 487.º, n.º3 CPC), os resultados de ambas são valorados segundo a livre convicção do
julgador (artigo 489.º CPC).
§19.º - Meios de prova de âmbito processual
Inspeção judicial:
« Aprovaporinspeçãotemporfimaperceçãodiretadefactospelotribunal ».
(artigo 390.º CC). Através dela, por sua iniciativa ou a requerimento das partes, o tribunal,
«sempre que o julgue conveniente», confronta-se, sem intermediário, com fontes de prova
indiciária (pessoal ou real), assim se esclarecendo sobre a realidade de factos duradouros,
normalmente instrumentais, que interessem à decisão da causa (artigo 490.º, n.º1 CPC).
Tratando-se de coisas móveis facilmente deslocáveis ou de pessoas não impossibilitadas de se
deslocar, a inspeção tem lugar no tribunal e, sempre que possível, na audiência final. Mas, se
assim não for, inclusivamente por se tratar de coisas imóveis, o tribunal pode deslocar-se ao local
em que a fonte de prova se encontre (artigo 490.º, n.º1 CPC), incumbindo à parte que tiver
requerido a diligência fornecer ao tribunal os meios adequados para o efeito, salvo se gozar de
isenção ou dispensa de custas (artigo 490.º, n.º2 CPC). Tal como no ato da inspeção pericial (artigo
480.º, n.º3 e 4 CPC), as partes, notificadas para o efeito, podem estar presentes no de inspeção
judicial, aí devendo prestar ao tribunal os esclarecimentos de que ele careça e podendo fazer as
observações que reputem de interesse para a finalidade da diligência (artigo 491.º CPC). O
resultado da diligência fica a constar em auto, que conterá todos os elementos úteis para a prova
dos factos da causa, isto é, os factos principais de natureza duradoira que o juiz observe e os
factos instrumentais relevantes para aprova dos factos principais (artigo 5.º, n.º2, alínea a) CPC),
sem prejuízo de serem tiradas fotografias para junção ao processo (artigo 493.º CPC) ou
documentação da parte contrária (artigo 416.º, n.º1, infine CPC, interpretado extensivamente).
A inspeção tem como limite a ressalva da intimidade da vida privada e familiar e da dignidade
humana (artigo 490.º, n.º1 CPC), bem como o sigilo profissional, de funcionário-público ou de
Estado (artigo 417.º, n.º3, alínea c) CPC por analogia). O resultado da inspeção está sujeito À livredo julgador (Artigo 391.º CC). Insuscetível de produzir efeito extraprocessual, que o artigo 421.º
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CPC reserva aos depoimentos e perícias, circunscreve ao processo a sua relevância e eficácia e,
tendo também lugar no processo todos os elementos do respetivo Tatbestand , não pode deixar
de ser considerado que o meio de prova por inspeção judicial tem natureza exclusivamente
processual, não obstante a aparência decorrente da sua regulamentação no Código Civil. Nocapítulo da inspeção, trata o novo Código daquilo que denomina verificação não judicial
qualificada. Aí se diz que, sendo legalmente admissível a inspeção judicial, mas entendendo o juiz
que concretamente não se justifica fazê-la pessoalmente, pode ele incumbir um técnico ou
pessoa qualificada de proceder aos atos de inspeção de coisas ou locais ou de reconstituição de
factos e de apresentar o seu relatório, aplicando-se subsidiariamente, devidamente adaptado, o
regime da inspeção judicial (artigo 494.º CPC). Mas não se trata do que de uma perícia
oficiosamente ordenada, com um só perito e sem a possibilidade de alargamento, pelas partes,
do respetivo objeto nem de reclamações contra o relatório apresentado. Qualificada pode ela,
rigorosamente, ser dita quando a pessoa designada tenha poderes de atestação e o relatório
constitua documento autêntico; mas esta situação, ressalvada na parte final do n.º2 do artigo494.º CPC, configura prova documental.
Outras provas: de natureza também exclusivamente processual, porque inteiramente formados
no processo e sem eficácia extraprocessual, são o meio de prova por admissão, o resultante da
conduta processual da parte e os decorrentes da sentença penal e da sentença estrangeira não
revista. A prova por admissão constitui a consequência normal do silêncio da parte sobre uma
alegação de facto em articulado, mas produz-se também perante o silêncio da parte sobre a
apresentação de determinados meios de prova, como é o caso dos documentos particulares e
dos não escritos (artigos 368.º, 374.º, n.º1, 386.º, n.º1, 387.º, n.º2 CC e 444.º CPC). Constituem
preceitos que consagram como meio de prova a conduta processual da parte os artigos 417.º,
n.º2, 430.º, 612 CPC e 357.º, n.º2 CC. A conduta da parte é, em todos os casos, livrementevalorada para efeitos probatórios – sem prejuízo de poder levar à inversão do ónus da prova, nos
termos conjugados dos artigos 344.º, n.º2 CC e 417.º, n.º2 CPC. A sentença proferida em processo
penal constitui presunção ilidível da existência dos factos constitutivos em que se tenha baseado
a condenação, bem como da existência dos factos impeditivos, dados como assentes, em que se
tenha baseado a absolvição, em quaisquer ações de natureza civil em que sejam discutidas
relações jurídicas dependentes ou relacionadas com a pratica da infração (artigos 623.º e 624.º
CPC). Não se trata, diretamente, da eficácia extraprocessual da prova produzida no processo
penal, mas da eficácia probatória da própria sentença, independentemente das provas com base
nas quais os factos tenham sido dados como assentes. Por outro lado, a presunção estabelecida
difere das presunções strictosensu, na medida em que a ilação imposta ao juiz cível resulta do juízo de apuramento dos factos por um ato jurisdicional com trânsito em julgado. A sentença
estrangeira não revista pode ser invocada em ação que corra em tribunal português como meio
de prova dos factos que nela são dados como provados, mas com sujeição à livre apreciação do
julgador (Artigo 978.º, n.º2 CPC). Também este meio de prova produz a sua eficácia com
independência relativamente aos meios de prova que tenham levado o julgador estrangeiro a dar
como provados os factos em que a decisão tenha assentado.
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§20.º - Discussão
Au
diência final:
1.
Conteúdo: a instrução do processo termina, como sabemos, na audiência final, cuja data
é designada na audiência prévia (artigo 591.º, n.º1, alínea g) CPC) ou, quando ela seja
dispensada, em despacho proferido nos termos do artigo 593.º, n.º2, alínea d) CPC – em
qualquer caso tendo em conta a duração provável das diligências de prova a efetuar
antes dela. Feita uma tentativa inicial de conciliação, que se realiza sempre que o objeto
do processo se contenha no âmbito do direito disponível (artigo 604.º, n.º2 CPC), têm
sucessivamente lugar na audiência final, quando devam realizar-se, os depoimentos de
parte, a exibição de documentos não escritos, os esclarecimentos dos peritos para
complemento da prova pericial e a inquirição de testemunhas (artigo 604.º, alínea a) a d)CPC), sem prejuízo de esta ordem poder ser alterada por decisão do juiz que a ela preside
(artigo 604.º, n.º8 CPC). Terminada a produção da prova, entra-se na fase da discussão
da causa (artigo 604.º, n.º3, alínea e) CPC). Na audiência final, reúnem-se o tribunal, as
partes e os intervenientes acidentais necessários à produção da prova, assim como à
ajuda técnica ao tribunal e Às partes, para com imediação, oral e concentradamente, bem
como em contraditório, realizarem os atos conducentes ao apuramento da prova da
matéria de facto. Nela passou também a ter lugar a discussão, entre as partes, da matéria
de direito da causa.
2. O tribunal: a audiência final decorre, no CPC de 2013, sempre perante juiz singular (artigo
599.º CPC), haja ou não prova a produzir. Cabe às leis de organização judiciáriadeterminar o juiz singular competente (artigo 599.º CPC), que na LOSJ é sempre o da
causa. A audiência é sempre gravada (artigo 155.º, n.º1 CPC).
3. Procedimento: o novo Código só admite o adiamento da audiência com três fundamentos:
Impedimentodotribunal;
Faltadeadvogado,quandoojuiznãotenhaprocedidoàmarcaçãodaaudiência
medianteprévioacordocomosmandatáriosjudiciais,nostermosdoartigo151.º,
n.º1a3CPC;
Justo impedimento, isto é, evento, não imputável à parte nem aos seus
representantesoumandatários,que impeçaapresençadepessoaquetenhasido
convocada(artigo140.ºCPC).
Realizando-se a audiência, nela têm – ou podem ter – lugar os seguintes atos:
Tentativa de conciliação (artigo 604.º, n.º2 CPC);
Atos de instrução a ter lugar, como é regra, na audiência final (artigo 604.º, n.º3,
alíneas a) a d) CPC);
Discussão sobre a matéria da causa, de facto e de direito (artigo 604.º, n.º3, alínea
e) e 5 e 6 CPC).
Discussão: o início dos debates, englobando alegações de facto e de direito pressupõe a prévia
produção de todas as provas constituendas, assim como a apresentação de todas as provas
preconstituídas cuja manifestação, como fator probatório, não seja imediata. Na parte das
alegações relativa à matéria de facto, farão os advogados a análise crítica da prova produzida, demodo a concluir sobre os factos que, na sua opinião, devem – e os que não devem – ser dados
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como provados. Segue-se, na mesma alegação, a perspetiva do advogado sobre a seleção das
normas jurídicas aplicáveis ao caso, a sua interpretação e a subsunção, nelas, dos factos por ele
considerados assentes, prevenindo embora a probabilidade de entendimento diversos sobre a
prova dos factos. Na parte de direito das suas alegações, os advogados não estão condicionadospela fundamentação jurídica que tenham invocado nos articulados: não estando o juiz sujeito, na
sentença, às alegações de direito das partes (artigo 5.º, n.º3 CPC), tão pouco estas o estão, ao
expressarem o que, no seu entender, deve ser o conteúdo jurídico da sentença. É dada primeiro
a palavra ao advogado do autor e depois ao advogado doo réu, podendo seguir-se resposta de
cada um deles (artigo 604.º, n.º3 CPC). As alegações têm, para cada advogado, o limite de tempo
de uma hora e cada uma das respostas o de 30 minutos, sendo, porém, estes períodos reduzidos
para metade nas ações de valor não superior à alçada do tribunal da 1.ª instância; pode, porém,
o juiz permitir, a requerimento do advogado no uso da palavra, a continuação da alegação,
quando tal se justifique em consequência da complexidade da causa (artigo 604.º, n.º5 CPC).
Concluídos os debates, a audiência é encerrada e o processo é concluso ao juiz. Mas, se esteentender que há ainda que esclarecer algum ponto da matéria de facto, pode ordenar a
reabertura da audiência para nela se complementar qualquer meio de prova produzido ou até
produzir novo meio de prova (artigo 607.º, n.º1 CPC).
§21.º - Sentença
Conteúdo:
2. Julgamento da matéria de facto: no novo Código, a sentença engloba a decisão de facto,
e já não apenas a decisão de direito. Na decisão de facto, o tribunal declara quais os
factos, dos alegados pelas partes e dos instrumentais que considere relevantes, que julga
provados (total ou parcialmente) e quis os que julga não provados, de acordo com a sua
convicção, formada no confronto dos meios de prova sujeitos à livre apreciação do
julgador; esta convicção tem de ser fundamentada, procedendo o tribunal à análise
crítica das provas e à especificação das razões que o levaram à decisão tomada sobre a
verificação de cada facto (artigo 607.º, n.º4, 1.ª parte, e 5 CPC). A sua análise crítica
constitui um complemento fundamental da gravação; indo, nomeadamente, além do
mero significado das palavras do depoente (registadas em audiência e depois transcritas),
evidencia a importância do modo como ele depôs, as suas reações, as suas hesitações e,
de um modo geral, todo o comportamento que rodeou o depoimento. Por outro lado, a
necessidade de fundamentação séria leva, indiretamente, o juiz a melhor confrontar os
vários elementos de prova, não se limitando à sua intuição ou às impressões mais fortes
recebidas na audiência decorrida e considerando, um a um, todos os fatores probatórios
submetidos à sua livre apreciação, incluindo, nos casos indicados na lei, os relativos à
conduta processual da parte. A fundamentação exerce, pois, a dupla função de facilitar
o reexame da causa pelo tribunal superior e de reforçar o autocontrolo do julgador,
sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao ato
jurisdicional. Além dos factos cuja verificação está feita à livre apreciação do julgador, o
juiz deve considerar na sentença aqueles cuja prova resulte da lei (artigo 607.º, n.º4, 2.ªparte CPC. Factos dados como provados em aplicação da regra da livre apreciação da
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prova e factos provados como provados por existência dum meio de prova legal
constituem o substrato, reportado ao momento do encerramento da discussão de facto
(artigo 604.º, n.º3 CPC), da operação de subsunção que ao juiz cabe seguidamente
efetuar.3.
Julgamento de direito
: a aplicação do direito pressupõe a delimitação das parcelas da
realidade a subsumir na norma jurídica, isto é, o apuramento de todos os factos da causa
que, tidos em conta os pedidos e as exceções deduzidas, sejam relevantes para o
preenchimento das respetivas previsões normativas, sejam elas de normas processuais,
sejam de normas de direito material. Aos factos assim assentes o juiz aplica o direito, sem
sujeição ao que as partes tiverem sobre isso alegado (artigo 5.º, n.º3 CPC), pois iuranovit
curia, mas com respeito pelo artigo 3.º, n.º3 CPC, que proíbe as decisões-surpresa. A
verificação dos pressupostos processuais já teve, em princípio, lugar no despacho
saneador (artigo 595.º, n.º1 CPC); mas, por falta de apuramento de elementos de facto
para tanto necessários, pode ter sido relegada para a decisão final (artigo 595.º, n.º4 CPC).Por outro lado, as exceções dilatórias que, como é regra, sejam de conhecimento oficioso
(artigo 578.º CPC) podem ser arguidas pelas partes (Artigo 573.º, n.º2 CPC) ou
oficiosamente suscitadas pelo tribunal a todo o tempo (artigo 97.º, n.º1 CPC para a
incompetência absoluta), salvo nos caos em que a lei determine, para tanto, um
momento limite, sendo que o despacho saneador só constitui caso julgado formal quanto
às questões que concretamente aprecie (artigo 595.º, n.º3 CPC). A sentença final deve,
por isso, começar pelo conhecimento das questões processuais que possam conduzir à
absolvição da instância (artigo 608.º, n.º1 CPC). Não havendo lugar à absolvição da
instância, segue-se a apreciação do mérito da causa. O juiz vai agora responder aos
pedidos deduzido pelo autor e pelo réu reconvinte, a todos devendo sucessivamente
considerar, a menos que, dependendo algum deles da solução dada a outro, a sua
apreciação esteja prejudicada pela decisão deste; o mesmo fará quanto às várias causas
de pedir invocadas, quando mais do que uma, em relação de subsidiariedade, funde o
pedido, bem como quanto as exceções perentórias que tenham sido deduzidas pelo réu
ou pelo autor reconvindo e àquelas que deva ter conhecimento oficioso (artigo 608.º,
n.º2 CPC). «Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua
apreciação» não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à
partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenha deduzido ou o próprio juiz possa
inicialmente ter admitido. Por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as
soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica
ficou reduzida. Por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto àindagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (artigo 5.º, n.º3 CPC) e, uma
vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam
defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente
analisadas. Ao dispensar a referência a outras vias de fundamentação jurídica
(alternativas ou subsidiárias) da decisão tomada, a boa fundamentação da decisão obriga,
porém, a afastar, ainda que sumariamente, os argumentos contrários que, com seriedade,
as partes tenham deduzido. Limitado pelos pedidos das partes, o juiz não pode, na
sentença, deles extravasar: a decisão, seja condenatória, seja absolutória, não pode
pronunciar-se sobre mais do que o que foi pedido ou sobre coisa diversa daquela que foi
pedida (artigo 609.º, n.º1 CPC). O objeto da sentença coincide assim com o objeto doprocesso, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido. Pode, porém,
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acontecer que, em ação de condenação, os factos provados, embora conduzam à
condenação do réu, não permitam concretizar inteiramente a prestação devida. Tal pode
acontecer tanto nos casos em que foi deduzido um pedido genérico não
subsequentemente liquidado como naqueles em que o pedido se apresentadeterminado, mas os factos constitutivos da liquidação da obrigação não foram provados.
Em qualquer dos casos, o artigo 609.º, n.º2 CPC impõe a condenação genérica: o tribunal
condena o réu no que se vier a liquidar sem prejuízo de condenação parcial na parte já
liquidada (e provada).
4.
Estrutura
: a sentença compõe-se de três partes:
a. Relatório: o juiz identifica as partes e enuncia os pedidos deduzidos, bem como
as questões relativas à causa de pedir e às exceções, tanto as suscitadas pelas
partes como aquelas de que ao tribunal cumpre oficiosamente conhecer (artigo
607.º, n.º2 CPC);
b.
Fundamentação: o juiz discrimina os factos que considera provados, determinaas normas jurídicas aplicáveis, interpreta-as e aplica-as (artigo 607.º, n.º3 CPC),
em obediência ao imperativo constitucional do artigo 205.º, n.º1 CRP;
c. Decisão: o juiz, consoante o casos, absolve o réu da instância ou responde ao
pedido deduzido pelo autor, nele condenando o réu ou dele o absolvendo.
Acessoriamente, a sentença condena nas custas do processo a parte que lhe tenha dado
causa (artigo 527.º, n.º1, e 607.º, n.º6 CPC). Esta é, em princípio, a parte vencida (artigo
527.º, n.º2 CPC); mas será o autor se o réu, embora vencido, não tiver contestado:
Ação constitutiva não originada em facto ilícito por ele praticado e que não seja
imposta pela finalidade de tutelar um seu interesse (artigo 535.º, n.º2, alínea a)
e 3 CPC);
Ação de condenação em obrigação que vença com a citação ou depois de
proposta a ação (artigo 535.º, n.º2, alínea b) CP;
Ação de condenação, ou de simples apreciação, relativa a obrigação que conste
de título com manifesta força executiva (artigo 535.º, n.º2, alínea c) CPC);
Alão de declaração de falsidade de prova ou de declaração de nulidade ou
anulação de confissão, desistência ou transação, proposta em vez de se recorrer
diretamente ao recurso de revisão (Artigo 535.º, n.º2, alínea d) e 696.º, alíneas
b) e d) CPC).
Cabe ainda ao autor pagar as custas quando a instância se extinga por impossibilidade ou
inutilidade da lide (artigo 277.º, alínea e) CPC) que não resulte de facto imputável ao réu
(artigo 536.º, n.º3 CPC). Quando a atuação da parte (ação do autor; defesa do réu) seja
inicialmente fundada, mas circunstâncias supervenientes que não lhe sejam imputáveis
a ornem infundada, as custas são repartidas por autor e réu em partes iguais (artigo 536.º
CPC). Acessoriamente também, sendo caso disso, a sentença condena a parte – ou, sendo
esta incapaz, o seu representante legal (artigo 544.º CPC) – que tenha litigado de má fé
em multa e indemnização para reparação do dano causado à parte contrária, se esta a
pedir (artigos 542.º, n.º1 e 543.º, n.º1 CPC). A litigância de má fé pressupõe dolo ou
negligência grave e consiste na dedução de pretensão ou oposição infundamentada(artigo 542.º, n.º2, alínea a) CPC), na apresentação duma versão dos factos deturpada ou
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omissa (artigo 542.º, n.º2, alínea b) CPC), em omissão do dever de cooperação (artigo
542.º, n.º2, alínea c) CPC) e, em geral, no uso reprovável do processo ou de meios
processuais, visando um objetivo ilegal, o impedimento da descoberta da verdade, o
entorpecimento da ação da justiça ou o protelamento, sem fundamento sério, do trânsitoem julgado da decisão (artigo 542.º, n.º2, alínea d) CPC). Como qualquer outra decisão
judicial, a sentença é notificada às partes, por iniciativa oficiosa da secretaria (artigo 220.º,
n.º1 CPC). A revelia não obsta à notificação, desde que o domicílio do réu (ou o seu local
de trabalho) seja conhecido (artigo 249.º, n.º5 CPC).
Vícios:
1.
Elenco
: além dos vícios respeitantes À formação ou expressão da livre convicção do juiz
no julgamento da matéria de facto, aflorados já, a sentença pode apresentar vícios que
geram nulidade, tornando-a totalmente inaproveitável para a realização da função que
lhe compete, e vícios de conteúdo, que podem afetá-la total ou apenas parcialmente. Ossegundos podem ainda respeitar á estrutura, aos limites ou à inteligibilidade da decisão,
gerando anulabilidade, ou em erro material, a retificar, todos caracterizando o que a
doutrina tradicional usava designar por erroresinprocedendo, ou consubstanciar erro de
julgamento (erroriniudicando), gerando a injustiça da decisão. Neste quadro de vícios
específicos da sentença não entram as invalidades decorrentes da sua prolação em
momento processual inadequado. Não se trata então de vício de um ato que devesse ter
lugar, ma s da prática de um ato processual que não devia ter lugar no momento em que
foi praticado. Tão pouco cabe no quadro dos vícios específicos da sentença a prolação da
sentença for ado processo. Não constituem, finalmente, vícios da sentença os casos em
que ela é ineficaz, por circunstâncias extrínsecas ao ato, preenchendo, porém, osrequisitos do respetivo tipo legal. A anulabilidade e a anulabilidade resultam de vícios
genéticos do ato jurídico, consistentes na falta dum requisito (pressuposto, elemento ou
função) que exprime uma divergência entre o ato concreto e o tipo legal ou, no campo
do direito disponível, a violação duma exigência das partes feita em conformidade com a
lei, enquanto a ineficácia resulta duma circunstância extrínseca ao ato que, por
imperativo da lei ou, no campo do direito disponível, por vontade das partes, impede ou
retroativamente destrói os efeitos jurídicos do ato; os pressupostos, que são por
definição circunstâncias extrínsecas ao ato que os pressupõe, constituem simples
requisitos de eficácia, quando não entram, por imposição da lei ou pela natureza das
coisas, a fazer parte do núcleo essencial dos requisitos do ato. Estão, no caso de ineficácia:
a.
A sentença proferida contra pessoa inexistente ou incapaz, cuja falta de
personalidade ou incapacidade não tenha sido verificada no processo;
b.
A proferida (pelo menos em certos casos) sem intervenção nem chamamento
dum litisconsorte necessário, sem que a sua falta fosse manifesta;
c.
A proferida contra pessoa com imunidade diplomática, sem que a falta de
jurisdição do tribunal português tenha sido declarada;
d.
A proferida sobre objeto já coberto pelo caso julgado (artigo 625.º CPC), não
excecionado ou não reconhecido no processo;
e.
As destinadas a atuar, constitutivamente, numa relação jurídica inexistente.
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2.
Nulidades: geram nulidade da sentença, impedido a produção dos seus efeitos, não
obstante a inércia das partes na invocação do vício:
a.
A falta absoluta de poder jurisdicional de quem a profere;b.
A falta ou ininteligibilidade (artigo 615.º, n.º1, alínea c) CPC) da parte decisória,
como conteúdo mínimo essencial da sentença;
c.
A falta de assinatura do juiz, como requisito de forma essencial, cuja
insanabilidade só se harmoniza com a sua aposição ulterior, a requerimento das
partes ou por iniciativa oficiosa, pelo juiz que a proferiu (artigo 615.º, n.º1, alínea
a), 2 e 3 CPC).
3. Anulabilidade: respeitam à estrutura da sentença os fundamentos de anulabilidade
(nulidade, segundo a lei – terminologia que, apenas por razão de simplicidade, passamos
a usar) das alíneas b) (falta de fundamentação –
artigo 607.º, n.º3 CPC) e c), 1.ª parte(oposição entre os fundamentos e a decisão), aos seus limites os das alíneas d) (omissão
ou excesso de pronúncia – artigo 608.º, n.º2 CPC) e e) (pronúncia ultrapetitum) e à sua
ininteligibilidade o da alínea c), 1.ª parte, do artigo 668.º CPC. A nulidade da sentença
pode ser total. Mas é meramente parcial quando o vício apenas em parte a afete.
Efeitos:
1. Enunciação: a sentença produz efeitos, quer na ordem substantiva, quer na ordem
processual. Quando se torna definitiva, por já não ser suscetível de reclamação nem de
recurso ordinário, quer nenhuma impugnação tenha tido lugar nos prazos legais, quer se
tenham esgotado os meios de impugnação efetivamente utilizados, transita em julgado(artigo 628.º CPC) e extingue a instância (artigo 277.º, alínea a) CPC). Forma-se, então, o
caso julgado, só formal (com efeitos apenas no processo concreto) quando a sentença
tenha sido de absolvição da instância e simultaneamente formal e material (com efeitos
dentro e fora do processo) quanto tenha sido de mérito. É este o mais importante dos
efeitos da sentença. Mas a sentença tem outros efeitos: o esgotamento do poder
jurisdicional; a exequibilidade; o direito à constituição de hipoteca judicial; efeitos
reflexos ou laterais de direito material.
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