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DISCURSO POLÍTICO E O CONCEITO DE
QUALIDADE NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Gleyds Silva Domingues1
Resumo
O discurso político e a qualidade na educação é um tema
que traz em seu interior uma multiplicidade de interpretações
associadas à intencionalidade e ao sentido. Ao abordar a questão da
qualidade na educação e a forma como ela vem-se materializando
na prática social, torna-se um indicativo para tecer leituras
sobre os processos de desenvolvimento e formação humana,
perseguidos na forma de índices percentuais pelos órgãos oficiais.
Nessa direção, a tentativa que se propõe o artigo volta-se para
analisar a própria constituição do termo qualidade educacional
e sua inserção nos discursos oficiais, principalmente associados
ao sistema de avaliação e aos programas de financiamento e
subvenção de recursos. Apresenta-se, aqui, uma crítica inicial
que deve servir como ponto de partida para novos estudos
e aprofundamentos sobre o papel das políticas educacionais
e a forma como se concretizam na realidade social. Afinal, a
educação é um dos caminhos para a transformação social e para
a emancipação dos sujeitos históricos, bem como de sua inserção
como agentes críticos da realidade circundante. Essa, portanto,
deveria ser a aposta e o compromisso com os rumos da educação
brasileira na formação da cidadania e da autonomia das novas
1 Doutoranda em Teologia, EST. Bolsista da CAPES. Mestre em Educação. Professora da Faculdade Teológica Batista do Paraná.
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gerações.
Palavras-chave: Discurso; Qualidade; Política; Educação.
Abstract
The political discourse and the quality of education is a theme
that brings in its interior a multiplicity of interpretations associated
with intentionality and meaning. In addressing the issue of
quality in education and how it has been materialized in social
practice, it is an indication to make readings on the processes
of human development and education, pursued in the form
of percentage rates by the official organizations. Thus, the attempt
which aims the article turns to analyze the constitution of the term
education quality and its inclusion in official speeches, mainly
associated with the evaluation system and the funding programs
and grant resources. We present here an initial critique that
should work as a starting point for new studies and reflections on
the role of educational policies and the way they are materialized
in social reality. After all, education is one of the path to social
transformation and emancipation of historical subjects, as well as
of its insertion as critical agents of the surrounding reality. This,
therefore, should be the bet and the commitment to the direction
of Brazilian education in the formation of the citizenship and the
autonomy of future generation.
Key words: Speech; Quality; Policy; Education.
Introdução
A abordagem a ser contemplada refere-se ao discurso
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político sobre o conceito de qualidade assumido na educação
brasileira, como forma de legitimar as propostas de reestruturação
do sistema educacional e as medidas advindas das instâncias e dos
órgãos oficiais no âmbito da sociedade civil.
Trata-se, ainda, de compreender como o discurso sobre a
qualidade educacional influi direta ou indiretamente nos rumos,
nas ações e nas decisões pertinentes ao campo de sua abrangência,
quer seja de forma subliminar, efetiva ou flagrada.
O intuito é perceber a intencionalidade demarcada e
permeada em torno de sua complexidade, a qual se corporifica
no estabelecimento de um currículo mínimo definido (quer
seja de ordem estrutural ou organizacional), a ser mediado por
meio da linguagem da qualidade e de mecanismos de avaliação
implantados nos diferentes níveis de ensino.
O conceito de qualidade assume a “roupagem” do novo
a ser perseguido como ideal mensurável, o qual está embutido
nos índices percentuais a serem conquistados, conforme os
patamares propostos, que serão convertidos em padrões de
qualidade estatuídos por autoridades competentes e legais no
âmbito da educação.
A visão difundida soa como a utopia a ser oportunizada
e ref letida nas conquistas sociais e políticas obtidas por
meio de programas públicos de governo, fincados no
assistencialismo, que num primeiro momento, tentam
minimizar ou abrandar as crises sociais estabelecidas pela
desigualdade e exclusão e, que perduram historicamente no
processo educacional brasileiro.
Estar a par desses fatos possibilita ampliar o nível de
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discussão educacional, observando-a em relação às demais
esferas da sociedade civil, na tentativa de perfilar novos
horizontes que aplacam a barreira do descaso provocado por
políticas de cunho fortuito e imediato que não dão conta do
mal gerado economicamente.
Nesse caminhar, surge a necessidade premente de tratar
o problema da qualidade na educação, de forma comprometida
com o viés histórico e social, cujo reordenamento se concretiza na
redefinição de políticas públicas educacionais, que contemplem
não só o emergente, mas o necessário e o excludente, uma vez
que sofrem as consequências das transformações desde suas bases,
advindas da nova era da informação tecnológica.
A nova ordem global instaurada provoca um novo
comportamento na sociedade e que traz à tona a questão dos
valores e da ética a serem reconstruídos no interior de uma visão
de sociedade solidária, que tem como premissa resgatar a essência,
a identidade, a totalidade e as dimensões humana e subjetiva
como prerrogativas do processo de humanização e formação do
homem cidadão.
A tentativa proposta é considerar o discurso no contexto
da sociedade que pensa, diz, critica e contempla as mudanças e as
possíveis retomadas conscientes pela não aceitação da reprodução
e da perpetuação social.A possibilidade é efetivada, quando se
consegue ler as entrelinhas do discurso que passam despercebidas
pela grande maioria e por isso são consideradas como motivo
de euforia e aceitação, em nome do resgate da cidadania e da
qualidade de ensino.
Remeter o discurso à reflexão oportuniza a sua
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desconstrução, com a percepção do que de fato se intenciona,
tanto em nível ideológico e político, direcionados à educação e ao
desenvolvimento humano.
1. A TERMINOLOGIA: implicações conceituais
Na sociedade atual, o termo qualidade está cada dia se
popularizando mais, de tal forma que ele é utilizado para designar
qualquer tipo de comparação material ou imaterial. Há quase que
uma concordância, quando se quer adquirir ou negociar alguma
coisa no mercado, sobre o apelo para a qualidade do produto. A
qualidade é vista como coisa negociável e tangível e, não como
um elemento que contém atributos inerentes e essenciais à coisa.
Nessa perspectiva, a qualidade “se converte em uma
meta a ser compartilhada, no que todos dizem buscar [...],
entretanto, o predomínio de uma expressão nunca é ocioso
ou neutro. Ela vem substituir a problemática da igualdade e
da igualdade de oportunidades”.2
O termo qualidade é definido ainda como “a maneira de ser,
boa ou má, de uma coisa. Superioridade, excelência em qualquer
coisa. Preferir a qualidade à quantidade. O termo quantidade
se refere à qualidade do que pode ser medido ou contado”.3
Isso implica dizer que “a expressão qualidade conota é que algo
distingue um bem ou serviço dos demais que o mercado oferece
para satisfazer as mesmas ou análogas necessidades”.4
2 ENGUITA, Mariano Fernandez. O discurso da qualidade e a qualidade do discurso. In: Neoliberalismo, Qualidade total e educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001, p. 95-96.3 Definição dada no Dicionário Ilustrado, 1993, p. 694.4 ENGUITA, Mariano. Fernandez. O discurso da qualidade e a qualidade do discurso. In: Neoliberalismo, Qualidade total e educação. Petrópolis, RJ: Vozes,
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São perceptíveis as forças ideológicas presentes, embora
sutis, que tentam difundir ou reproduzir um tipo de ação-
comportamento aliados aos interesses de uma classe de poder.
Esse mesmo tipo de relação é percebido ao se deslocar os termos
qualidade e quantidade para o centro do campo discursivo
educacional. O resultado a ser obtido refere-se à ampliação ou à
redução da sua utilização, conforme o enfoque a ser enfatizado.
Isso se torna evidente, quanto às concepções que subjazem e
legitimam a educação no interior das práticas sociais, as quais
contemplam visões de homem, mundo, natureza, cidadania,
cultura, conhecimento e estado.
Dessa forma, fala-se em qualidade na educação respaldada
em mensurações quantificadas. Essa demarcação constitui um
dos eixos principais para compreender as diretrizes norteadoras
da política educacional e da sua efetivação na esfera da escola,
enquanto instância instrumentalizadora do conhecimento
sistematizado e válido.
Esse processo desencadeia na competitividade desenfreada
e acentua a distância entre as classes sociais, diferente do termo
igualdade de oportunidades, que trazia em sua essencialidade a
ideia de comum “a” e “para” todos.
Isso se torna, ainda, mais patente com relação à distinção
realizada entre escolas de natureza pública e privada, em que
a última ganha em qualidade de ensino, competitividade e
confiabilidade de seus clientes consumidores, os quais são
favorecidos pelos serviços prestados.
A mudança de enfoque altera sensivelmente os rumos da
2001, p. 107.
77Via Teológica | Gleyds Silva Domingues, Vol. 13, n.25, jun.2012, p. 71 - 91
política educacional, no que diz respeito ao engajamento e à
inserção das maiorias na produção humana, material, científica
e tecnológica. A consequência direta, porém não lógica e nem
qualitativa, é o alijamento e a exclusão do individuo dos processos
produtivos da sociedade tecnológica e o aligeiramento da formação
e do capital cultural, intelectual e material.
Nessa direção, o quantitativo sobressai sobre o qualitativo,
uma vez que uma grande massa populacional encontra-se
desqualificada e sem chances de competir no mercado global.
Esse processo é visto por Kuenzer como a política dos sobrantes.5
Para Bourdieu6, a questão da política dos sobrantes compele
os ingressantes no sistema educacional a contemplá-la como mais
uma instância distante e isenta de possibilidades reais para a sua
inserção competitiva no mercado de trabalho, diminuindo a sua
confiança de progressão e ascensão sociais. Na verdade, se sentem
vitimizados e excluídos por conta da sua desqualificação frente às
inovações no seio da sociedade.
Esse processo desencadeia a reprodução pela via democrática
e incendeia a legitimação social em diferentes instâncias e níveis da
sociedade, na qual os mecanismos legais continuam provocando
a desigualdade entre as classes sociais. Isso permite concluir que
as políticas públicas voltadas à educação “devem ser políticas a
longo prazo, o que supõe que fica assegurada a continuidade das
5 KUENZER, Acácia Zeneida. O ensino médio é agora para vida. Texto mimeografado, 2000. A autora analisa as alterações legais, no tocante ao Ensino Médio e pondera se as mesmas trazem a ruptura entre o ensino propedêutico e o profissional. Ainda pontua sobre o hiato existente na formação e afirma que o processo implantado acentuou a exclusão das maiorias no mercado de trabalho.6 BOURDIEU, Pierre. Escritos na Educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001, p. 219-224.
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opções e a concretização das reformas [...], deve-se ultrapassar a
fase das políticas de vista curta ou as reformas em cascata”,7 as
quais sofrem alterações significativas a cada mudança no poder
governamental.
Dessa forma, há a possibilidade de trabalhar com o real,
visando à transformação, por intermédio da qualidade educacional
voltada para todos, de forma igualitária, democrática e humana.
2. O DISCURSO: da raiz às vertentes
A Constituição Federal do Brasil (CF, 1988) reza em
seu artigo 205, que a educação tem por finalidade o pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho. Nessa ação meta,
compete às políticas educacionais pautarem-se na consecução do
objetivo proposto, apontando caminhos voltados a essa direção.
Uma das iniciativas foi àquela estabelecida pela Comissão
internacional sobre Educação para o século XXI8, a qual teve
como premissa fundamental o estabelecimento de quatro
aprendizagens direcionadas ao fazer, ao conviver, ao conhecer e
ao ser, que se apresentam na forma de pilares do conhecimento.
A preocupação volta-se para a superação da acumulação
quantitativa do conhecimento fragmentado, desnecessário,
conteudista e, distante da realidade do cotidiano, para uma
ação pautada na postura de utilidade e adequação do mesmo ao
7 DELORS, Jacques. Educação um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez, 2000, p. 175.8 Ver o relatório para a UNESCO sobre as teses defendidas em Educação para o século XXI, no livro organizado por DELORS, J. Educação um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez, 2000.
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mundo, em constante processo de transformação.
Nessa iniciativa, compete considerar a educação inserida
em diferentes contextos, tendo como objetivo a realização e a
formação da pessoa para vida em sua plenitude. Isso porque
“a educação ao longo de toda a vida deve aproveitar todas as
oportunidades oferecidas pela sociedade”.9
A discussão retoma novamente a questão da quantidade,
pois esta ainda ocupa destaque no fazer educacional, em
detrimento da qualidade que não deve ser restrita tão somente
ao ensino, mas ao desenvolvimento e à formação humana.
Sabe-se, entretanto, que para conservar a ordem
estabelecida, um dos mecanismos é a mudança. Mudança
que muitas vezes é direcionada para conservar e reproduzir o
poder legitimado. Por essa razão, cabe aos dirigentes “produzir
o discurso que não diz quase nada a não ser o lugar onde se
articula porque faz parecer essencial”10, isto é, os conflitos e
lutas travados em prol da transformação das relações sociais.
Diante disso, identificam-se as finalidades que se
encontram firmadas no bojo do discurso político educacional e,
que podem ser exteriorizadas na práxis educativa, como ponto
certo de inovação da qualidade pedagógica. Nessa direção, o
discurso caminha em polos contrários, que se complementam
e convivem em constante batalha ideológica, uma vez que parte
da concepção daquele que o idealizou. Afinal, o discurso torna-
se “o meio principal através do qual se constroem versões sobre
9 DELORS, Jacques. Educação um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez, 2000, p. 117.10 BOURDIEU, Pierre. Escritos na educação, Petrópolis, RJ: Vozes, 2001, p. 175.
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o que são a mente e o mundo”.11
Uma das vertentes encontradas no discurso refere-se à
necessidade ou não de manutenção do poder legitimado, o qual
está revestido de uma ordem instaurada, em prol do benefício e
da transformação da realidade dada.
O valor da educação vem atrelado às transformações
nos rumos da história do Brasil, cuja tentativa é construir a
identidade de um povo subjugado, por meio da implantação e
da implementação de um sistema educacional, que reconheça
as pluralidades e as diversidades sociais, que se encontram
presentes neste vasto território. E sobre essas diferenças, tracem
estratégias e planos voltados à universalização e ao acesso à
escolarização em grande escala.
O fato de tocar nas feridas brasileiras e mostrar-se estar
conscientes delas, não trazem mudanças e nem mesmo a
inclusão tão desejada, pois só há necessidade de efetivação desses
processos se de fato existe a comprovação do seu contrário, como
poder exercido e concentrado na mão de uma minoria.
A verdade é patenteada no discurso, porém sua condução
possibilita o mascaramento da situação real, por meio de
argumentos e medidas paliativas que oferecem respaldo aceitável
no tratamento do problema elucidado.
Frigotto afirma que:
A ausência de uma efetiva política pública, com investimentos no campo educacional compatíveis com o que representa o Brasil, em termos de geração de riqueza, vai conduzindo a medidas paliativas que reiteram o desmantelamento da
11 COLL, Cesar e EDWARDS, Derek. Ensino, Aprendizagem e Discurso em sala de aula. Porto Alegre: Artmed, 1998, p. 45.
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educação pública em todos os seus níveis.12
A evocação da mudança, a euforia e o entusiasmo são
ferramentas indispensáveis no convencimento e no engajamento
dos ouvintes quanto ao aspecto a ser viabilizado pelas políticas
educacionais. A chamada palavra de ordem incita o desejo de
resgate do orgulho nacional diante de um mundo conectado
globalmente.
A raiz do discurso sustenta e viabiliza uma postura
ideológica, política e social capaz de nortear as ações e diretrizes
que se perpetuam na história, sendo elas utilizadas em grande
escala em um tempo ou sendo ressignificadas em outro momento.
Isso irá depender dos rumos perseguidos e da intencionalidade
pela qual foram criadas.
Isso possibilita olhar na história e encontrar os pontos de
divergência e convergência associados às medidas assumidas pelas
políticas educacionais, as quais foram legitimadas pelas Leis de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), a partir dos
anos 60. Essa revisão pode ser iniciada no princípio fundamental
eleito pela educação, que prossegue na organização, na estrutura
e no funcionamento da educação brasileira, que caminha no
processo de distribuição das reponsabilidades pelos órgãos e
finaliza com o gerenciamento e o investimento de recursos
públicos na educação.
É por esta razão, que se torna usual em discursos, a
presença de percentuais comparativos entre o estado passado
12 FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a construção democrática no Brasil: da ditadura civil-militar à ditadura do capital. In: FÀVERO, Osmar; SEMERARO, Giovanni (orgs). Democracia e Construção do Público no Pensamento Educacional Brasileiro. Petrópilis, RJ: Vozes, 2002, p. 60.
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e o presente, cujo intuito é demonstrar pelo índice, patamares
de crescimento conquistado, por meio das políticas públicas
destinadas à qualidade educacional. Isso acontece porque
“diferentes tipos de discurso em diferentes domínios ou
ambientes institucionais podem vir ‘investidos’ política e
ideologicamente13”, o que assegura sua legitimação e seu lugar
no campo do poder.
Nas estratégias do discurso percebe-se a intencionalidade
da classe de poder, que se afirma em uma proposta de metas
bem delineadas e revestidas num campo amplo de abrangência
e operacionalidade; afinal, se as metas não foram cumpridas,
isso ocorreu por conta de fatores externos à vontade política e
que fogem do controle dos seus idealizadores.
No campo do discurso, as práticas políticas se revestem de
legitimidade e nela se apoia para tornar públicas as intenções
e expressões de uma dada classe, mas que são transmitidas
como uma necessidade manifesta pela coletividade e maioria
dos diferentes grupos e classes sociais.
Para Fairclough, “O discurso como prática ideológica
constitui, naturaliza, mantém, transforma os significados do
mundo de posições diversas nas relações de poder”.14
Ressignificar as políticas públicas educacionais e revesti-
las de caráter emancipador e articulador no âmbito da
sociedade, da cultura, da economia e do trabalho é a bandeira
que se levanta em rumo à democratização, no que diz respeito
13 FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Brasília: Editora UNB, 2008, p. 95.14 FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Brasília: Editora UNB, 2008, p. 94.
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ao pleno exercício da cidadania e da liberdade humanas.
3. O DISCURSO OFICIAL: con(tradições) na prática social
Nos bastidores do discurso oficial, as entrelinhas são
referenciais importantes na reconstituição das intenções de
seus oradores. O que leva a intuir que é preciso conhecer o
momento histórico em que foi gerado e para qual público foi
pensado, isso porque um discurso oficial não é projetado sem
interesses, antes enquanto prática social objetiva conduzir as
relações sob o prisma de uma concepção de Estado.
Ler ou ouvir um discurso oficial é ler o contexto a que se
refere. Essa leitura, porém, deve ser crítica e reflexiva, visto que
não basta apenas ouvir, mas compreender o seu sentido. Isso
porque o discurso oficial manifesta a visão sobre as propostas
advindas da esfera governamental e que podem ser alvo de
aceitação e aprovação, o que torna seu orador um instrumento
de disseminação das ideias, devido ao grau de partidarismo
envolvido com os ideais estabelecidos pelo poder legitimado.
Num discurso oficial, vê-se claramente a necessidade
de reafirmar as alianças em prol da manutenção da ordem
e do poder social conferido. Torna-se inquietante perceber
o sentido da colaboração manifesta em prol de interesses
associados à perpetuação do poder, o que assegura aos seus
locutores o direito de expressar sentimentos gerais em nome
de uma ou de combinações de siglas partidárias.
Neste nível de prática discursiva, a educação é concebida
como uma engrenagem capaz de provocar a revolução e a
transformação social, uma vez que é vista como um canal
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difusor das propostas governamentais. Entretanto, transferir
o processo histórico de mudança social para a educação
é reduzir a esfera de atuação de outras instâncias sociais, à
medida que a responsabilidade direta e efetiva passa a ser de
uma única engrenagem do sistema, o que de fato pode vir a
ser um impeditivo para o não atingimento de tal finalidade.
Ao analisar as estratégias educacionais apontadas em um
discurso oficial percebe-se que estão estritamente ligadas, em
sua grande maioria, à visão do mercado e aos princípios que
os rege, dentre eles destaca-se a competitividade a qualquer
custo. Essa visão mercadológica propõe a formação do cidadão
mínimo15, que está pronto para desempenhar suas funções,
a partir do desenvolvimento de habilidades e competências
dirigido à obtenção de um resultado.
A constatação sobre os efeitos do discurso oficial indicam
que os efeitos dele na prática social se tornam assustadores.
Pois, no ato de consecução das metas estabelecidas, existe um
claro objetivo de fazer cumprir, mesmo que temporariamente,
as promessas de campanha partidária e para isso todo o
sistema educacional é envolvido e comandado pelo Ministério
da Educação.
Dentre as ações, verifica-se um conjunto de medidas
voltadas à avaliação dos sistemas de ensino. Nesse caso, faz
ressurgir a temática da qualidade assumida como um slogan
15 Conceito apresentado no trabalho de FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a construção democrática no Brasil: da ditadura civil-militar à ditadura do capital. In: FÀVERO, Osmar; SEMERARO, Giovanni (orgs). Democracia e Construção do Público no Pensamento Educacional Brasileiro. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002, p.57- 64.
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educacional e que tem por pano de fundo uma avaliação de
caráter meritocrático, classificatório, na forma de ranking de
eficiência, seguido por um programa de accountability, baseado
em exames padronizados para os diferentes níveis de ensino.
As avaliações constituem-se em um dos pilares de toda a política educacional do Ministério da Educação, por meio do plano de metas do Compromisso Todos pela Educação, cujo objetivo é atingir, até, 2021, o padrão de qualidade dos países desenvolvidos. Por ele, todas as esferas de governo (federal, estadual e municipal) se comprometem com metas de melhorias do IDEB16. As escolas que atingirem as metas são beneficiadas com aumento de recursos no Programa de Dinheiro Direto na Escola (PDDE) do MEC (Ministério de Educação e Cultura), mas a principal atenção do governo foi com às redes com piores IDEBs. O MEC estabelece convênios com estados e municípios, por meio da elaboração local de um Plano de Ações Articuladas (PAR). Pelo PAR, os gestores municipais e estaduais se comprometem a promover um conjunto de ações, responsabilizando-se pelo alcance das metas estabelecidas. Em contrapartida, passam a contar com transferências voluntárias e assessoria técnica da União.17
É interessante notar que por trás desse esforço em avaliar os
sistemas de ensino está uma prática de benefícios e compensações
associadas a programas de financiamento e provisão de recursos.
O que faz lembrar as práticas de mérito educacional escolar,
16 IDEB é o índice de desenvolvimento da Educação Básica, que tem como meta percentual até 2021 a média 6,0 para a primeira fase do ensino fundamental. Ele é um indicador que sintetiza as informações de desempenho nos testes padronizados com as informações sobre rendimento escolar (taxa média de aprovação dos estudantes na etapa de ensino). FERNANDES, Reynaldo; GREMAUD, Amaury Patrick. Qualidade da Educação: avaliação, indicadores e metas. In: VELOSO, Fernando; PÊSSOA, Samuel; HENRIQUES, Ricardo; GIAMBIAGI, Fabio (orgs.). Educação no Brasil: construindo o país do futuro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 234. 17 FERNANDES, Reynaldo; GREMAUD, Amaury Patrick. Qualidade da Educação: avaliação, indicadores e metas. In: VELOSO, Fernando; PÊSSOA, Samuel; HENRIQUES, Ricardo; GIAMBIAGI, Fabio (orgs.). Educação no Brasil: construindo o país do futuro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 235.
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associadas a uma quantificação estabelecida.
A proposta avaliativa evidencia a não neutralidade do sistema
educacional frente às exigências impostas pelo Banco Mundial18
para continuar sistematicamente subvencionando projetos e
planos educacionais no Brasil. O financiamento garantido pelo
Banco Mundial vem apoiado nos índices percentuais de qualidade
e desenvolvimento humano propostos nos acordos estabelecidos
entre as partes envolvidas: países e agência financiadora.
A contradição presente no discurso falado e praticado pelo
Banco Mundial provoca novas e amplas discussões, porque na
verdade não está claro se suas medidas voltam-se mesmo para
minimizar as desigualdades ou para reproduzi-las no seio da
sociedade. Afinal, é questionável se de fato elas contribuem com
o agravamento ou com a erradicação de índices de reprovação e
evasão escolares.
Mais uma vez, a questão da qualidade é interposta como
garantia de sucesso das metas estabelecidas, as quais se verificam
por meio de dados concretos e comprováveis - os índices
percentuais - de desenvolvimento educacional e de políticas
públicas de cunho assistencialista que propõem socorrer aos
menos desfavorecidos. A ênfase dada a tais programas políticos
cumpre temporariamente um papel de resgate das identidades
individuais, pois seu compromisso maior é limitado aos interesses
da classe investida de poder.
18 O Banco Mundial é uma organização internacional que empresta recursos financeiros para os países pobres. Ele, ainda, encara a questão da qualidade educativa como resultado da presença de determinados insumos imprescindíveis a uma boa escolaridade como: biblioteca, tempo de instrução, tarefas de casa, livros didáticos, conhecimentos do professor, experiência do professor, laboratórios, salário do professor e tamanho da classe.
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As políticas sociais são fragmentárias e lineares, pois de
fato não compreendem o todo complexo de classes desiguais e
excludentes. Isso ocorre porque as diretrizes não se apresentam
como expressão de políticas de caráter contínuo e consistente. “Ao
contrário são conjuntos de programas descontínuos, episódicos,
comprometidos com interesses outros e que não atingem a raiz
dos problemas”.19
O distanciamento da realidade gera o fracasso, a evasão e a
desesperança, que são alimentados na prática educacional escolar
por intermédio dos sistemas de ensino que cumprem seu papel ao
prever currículos fechados e voltados para o ensino conteudista e,
portanto, irreal e desnecessário à vida.
O resgate do real sentido de qualidade poderá advir
do comprometimento assumido por sujeitos históricos com
o processo educacional e sua ousadia em transformar uma
visão tradicionalista e mercadológica da educação perpetuada
historicamente. Para tal ação, faz-se necessário denunciar as falsas
ideias de qualidade que se multiplicam na sociedade da economia
global e capitalista, ao evidenciar as facetas de discriminação
e exclusão que são disseminadas em seus projetos sociais. Essa
iniciativa poderá abrir espaços para o sentido de democracia, na
qual a pluralidade não é considerada uma ameaça, mas é vista
como um elemento favorável na construção de novas concepções
e inovações a serem concretizadas no campo educacional.
19 CIAVATTA, Maria. A construção da democracia pós-ditadura militar. In: In: FÀVERO, Osmar; SEMERARO, Giovanni (orgs). Democracia e Construção do Público no Pensamento Educacional Brasileiro. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 101.
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À guisa de conclusão
Falar sobre o discurso politico na educação remete a
questões de relações complexas e mais amplas da sociedade por
envolver disputa e conflito de poderes distintos. As lutas travadas
refletem a desigualdade de oportunidades e condições, as quais se
verificam na grande maioria da população brasileira.
O grito das grandes maiorias surge como uma expressão
de um sonho de liberdade pela dignidade e identidade no
seio de um contexto histórico e social. A utopia buscada diz
respeito às garantias inerentes aos homens no seu processo de
desenvolvimento e formação, e que estão alistadas na Carta
Magna do Brasil.
Os princípios referendados na Constituição Federal e
elencados nas Diretrizes e Bases da Educação Nacional são de
fato fundamentais para o exercício do indivíduo cidadão e pode
ser contemplado como um caminho real de garantia e viabilidade
desses na vida do povo brasileiro. A Educação, nesse sentido,
pode vir a ser mais um dos caminhos de efetivação e legitimação
dessa proposta e, não, a única via de acesso e mobilidade social.
Antes, compete à educação oportunizar a todos,
indistintamente, a qualidade de ensino, independente de
mecanismos de avaliação estatal. Sua finalidade precípua volta-
se a assegurar ao homem o pensar, o fazer e o agir livremente
num espaço democrático de direito, no qual a criticidade, a
autonomia e a reflexão sejam elementos básicos de sua formação
e prática educativa.
Pensar a educação é inseri-la de fato no mundo real, carregado
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de tensões e problemas sociais. Seu objetivo é buscar atacar a raiz de
seus males e não apenas tratá-lo de forma maquiada e temporária,
ao se lançar mão de gráficos percentuais demonstrativos de
desenvolvimento e enfrentamento de problemas sociais.
E claro que esta reconstrução demanda tempo e vontade,
principalmente por abarcar em seu interior o ideal de igualdade
para todos, à medida que reacende a utopia de constituição de
uma sociedade justa, livre, humana e democrática.
O horizonte pode ser vislumbrado, porém a ação real
compete aos indivíduos, sujeitos históricos e sociais, que intervêm
no espaço, levantam bandeiras e travam lutas em prol de seus
direitos e deveres, pois nisso reside o real significado de cidadania
e de liberdade humana.
Buscar a qualidade é fazer ouvir a voz do oprimido e percebê-
lo no contexto das relações sociais como cidadão pensante, presente
e capaz de intervir nos rumos da sociedade brasileira, redefinindo
sua história. A ressignificação da qualidade educativa se efetivará no
uso da liberdade e da prática de inclusão dos sujeitos na vida da
sociedade, quer seja esta de ordem política, econômica, cultural,
histórica e, é claro, educacional.
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