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MODERNIDADE E SOCIABILIDADE:DO COMRCIO AO SHOPPING (BELM-PA, 1990 - )
Marcelo Santos Sodr
Belm-PAJaneiro/2006
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MODERNIDADE E SOCIABILIDADE:
DO COMRCIO AO SHOPPING (BELM-PA, 1990 - )
Marcelo Santos Sodr
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduaoem Cincias Sociais, rea de concentrao emSociologia, da Universidade Federal do Par, Centro deFilosofia e Cincias Humanas, para obteno de grau demestre em Cincias Sociais (Sociologia)
Belm-PAJaneiro/2006
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MODERNIDADE E SOCIABILIDADE:
DO COMRCIO AO SHOPPING (BELM-PA, 1990 - )
Marcelo Santos Sodr
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduaoem Cincias Sociais, rea de concentrao emSociologia, da Universidade Federal do Par, Centro deFilosofia e Cincias Humanas, para obteno de grau de
mestre em Cincias Sociais (Sociologia).
Este exemplar corresponde redao daDissertao a ser defendida a Comisso Julgadorano dia 10 de fevereiro de 2006
Banca:
___________________________________________________Prof. Dr. Manoel Alexandre Ferreira da Cunha (orientador)
___________________________________________________Prof. Dr. Luiz Otvio Pires (Examinador externo)
___________________________________________________Profa. Dra. Eleanor Gomes da Silva Palhano (Examinador da casa)
___________________________________________________Prof. Dra.Vilma Leito (Suplente)
Belm, PAJaneiro/2006
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Para minha famlia in memoriandeVov Ena e Vov Nenem
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MODERNIDADE E SOCIABILIDADE:
DO COMRCIO AO SHOPPING (BELM-PA, 1990 - )
Marcelo Santos Sodr
Resumo
Esta dissertao fruto de uma pesquisa que realizamos entre os anos de 2004 e 2005, emBelm (PA), que nos levou a compreender e explicar como a Modernidade desenvolvia-se noshopping Iguatemi Belm, atravs de uma de suas principais instituies: o mercadocapitalista, o qual por meio da socializao (panoptismo), ditava os comportamentos dosfreqentadores, gerando uma espcie de prtica relacional (sociabilidade) que, ancorada aofenmeno da busca por prestgio e status social do tipo posicional, dinamizou um mecanismode diferenciao social que se iniciou no comrcio (Rua Joo Alfredo) e desembocou noshopping Iguatemi Belm, onde os valores decorrentes do processo de socializao aqui
estudados passaram a reproduzir e a acentuar o prprio processo de distino social entre asclasses alta e mdia alta e a classe baixa.
Palavras-Chave: Socializao. Modernidade. Mercado. Shopping.
MODERNITY And SOCIABILITY:
OF THE "COMMERCE" TO SHOPPING (BELM-PA, 1990 - )
Marcelo Santos Sodr
Abstract
This work is fruit of a research that we carry through between the years of 2004 and 2005, inBelm (Par), that in it took them to understand and to explain as Modernity was developed inshopping Iguatemi Belm, through one of its main institutions: market capitalist, which bymeans of the socialization (panoptismo), "dictated" the behaviors of the visitants, generatingspecies of practical relationary (sociability) that, "anchored" to the phenomenon of the searchfor prestige and social status of the positional type, a mechanism of social differentiation it
provided that were initiated in the "commerce" (Street Joo Alfredo) and "it discharged" in
shopping Iguatemi Belm, where the decurrent values of the socialization process studied herestarted to reproduce and to accent the proper process of social distinction between the"classrooms high and average high" and the "classroom low".
KEY WORD: Socialization. Modernity. Market. Shopping.
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NDICE
Pg.
Agradecimentos .............................................................................................. 007
Relao das Abreviaturas .............................................................................. 008
I Introduo....................................................................................................... 009
II Captulo 1Modernidade e Sociabilidade em Belm:
da Rua Joo Alfredo Av. Brs de Aguiar ..................................................... 023
III Captulo 2Modernidade e Socializao em Belm:da Av. Brs de Aguiar ao Shopping Iguatemi .................................................. 065
IV Captulo 3Socializao e Sociabilidade:o shopping Iguatemi Belm como caixa de ressonncia da sociedade ......... 084
V Consideraes finais........................................................................................ 121
Referncias...................................................................................................... 128
Anexos.............................................................................................................. 133
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AGRADECIMENTOS
Queremos agradecer queles que nos ajudaram na organizao do material de pesquisa
como, os entrevistados, a Seo de Marketing do Shopping Iguatemi-Belm/PA, pela
autorizao para a realizao da pesquisa emprica, assim como, pela ajuda que me prestou
sobre a obteno de alguns dados estatsticos que compuseram o projeto de pesquisa e a
Dissertao.
Fundamentalmente queremos agradecer a Quatro pessoas: KTIA MENDONA,
NAZAR SODR, LEILA SODR e ALEXANDRE CUNHA; Ktia por ter infludodesde o Trabalho de Concluso de Curso em Cincias Sociais, na escolha do tema investigado
no Mestrado, j que este um aprofundamento analtico daquele. Nazar por se constituir a
madrinha financeira desta pesquisa. Leila, minha prima, por ter feito a reviso gramatical
de alto nvel. Ao Prof. Dr. Alexandre, que aceitou contribuir com orientaes prestigiosas no
andamento da pesquisa, desde sua gnese na confirmao do tema a ser explorado
cientificamente atravs do projeto at a defesa da dissertao.
Desejamos tambm externar os nossos agradecimentos aos funcionrios da ps-graduao da Ufpa e aos professores do conjunto de Sociologia e Antropologia e aos meus
colegas do Departamento de Sociologia e Antropologia da UFPa.
Agradeo aos meus pais, Aluzio Sodr e Eliziomar Sodr, meu irmo, Michel
Sodr, e minha famlia de modo geral porque sempre me apoiaram, moral e
financeiramente para a realizao da pesquisa.
Reverencio Girlene e Marcelly (esposa e filha), a primeira por me incentivardurante as pesquisas e o Mestrado, estando sempre do meu lado de forma carinhosa, e a
segunda por me distrair com sua alegria e gracinhas nos momentos de cansao mental.
Estamos conscientes que muitos agradecimentos ainda deveramos fazer, entretanto
pedimos que se sintam merecedores da nossa gratido todos os que de alguma forma
contriburam para a feitura deste estudo.
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RELAO DAS ABREVIATURAS
R.J.A. - Rua Joo Alfredo
C.C.B. - Centro Comercial de Belm
A.B.A. - Avenida Brs de Aguiar
S.I.B. - Shopping Iguatemi Belm
G.E.1 - Grupo de Entrevistado 1
G.E.2 - Grupo de Entrevistado 2
G.E.3 - Grupo de Entrevistado 3
G.E.4 - Grupo de Entrevistado 4G.E.5 - Grupo de Entrevistado 5
P.A. - Praa de Alimentao
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INTRODUO
Quando o Shopping Iguatemi Belm1 foi inaugurado no dia 27 de outubro de 1993
atraiu um pblico significativo de freqentadores, e desde ento, conforme dados da seo de
Marketing, cerca de 1.200.00 pessoas visitam o shopping mensalmente. Os shopping Centers
so centros de compras planejados, que renem lojas de diferentes ramos comerciais,
supermercados, servios e opes de lazer; portanto, so espao de consumo.
As literaturas de mercado especializadas em shopping centers focalizam o seu
contedo com o objetivo de atrais mais consumidores, apresentando os seus atrativos, onde o
slogan da segurana se destaca, porque segundo esta literatura, o freqentador desfrutar
de diverso, lazer e cultura com segurana. Porm, notamos que no interior dos shoppings
as relaes sociais no se restringem ao consumo. Um exemplo de Boff (2004) indica outros
aspectos pelos quais os shoppings podem ser estudados do ponto de vista sociolgico.
Leonardo Boff (2004:44-45) sem especificar data, chama ateno para um fato que foi
noticiado nos jornais: a visita que alguns sem-terra fizeram ao Shopping Rio Sul, no Rio de
Janeiro. No tempo em que os sem-terra estavam maravilhados com aquele mundo moderno,
bonito, os funcionrios do shopping estavam aterrorizados com a visita de pessoas
descalas, com roupas mal-cheirosas e rasgadas, com a misria estampada no rosto e no
corpo, etc. Enquanto um sem-terra experimentava um calado em uma loja, outras lojas
tinham suas portas fechadas. Segundo Boff (2004) os donos das lojas e os freqentadores do
shopping tambm tiveram uma experincia de transcendncia a ponto de algumas pessoas
questionarem como possvel que esses venham para c?, outras ao fecharam as lojas
afirmaram Vo nos assaltar, vo nos roubar. E eles, nada disso. S queriam visitar. Segundo
Boff (2004), os sem-terra seria uma espcie de Ets que vieram de outros planetas, de outros
continentes, e entraram nesse pas fechado do moderno consumo. Eles no cabem aqui
(grifo do autor)
Boff (2004) ressalta um tipo de relao social que no pode ser interpretada do ponto
de vista do ou apenas do consumo. A presena dos sem-terra refletiu na mudana de hbitos
1Localizado na Tv. Padre Eutquio, 1078, bairro de Batista Campos.
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que os donos das lojas e os freqentadores no estavam acostumados a experienciar no
shopping. neste contexto que o shopping bom para pensar (LEVI-STRAUSS, 1975).
Os discursos dos donos das lojas e dos freqentadores (Como possvel que esses
venham para c? e Vo nos assaltar, vo nos roubar) revelam uma forma de marcar
territrio atravs da distino social, ou seja, o shopping para os primeiros constituem em um
locus onde proibida a presena de pessoas que representam perigo. Perigoso o
adjetivo que eles identificavam os sem-terra. H aqui uma forma de distino entre o que
considerado perigo e o que concebido como seguro.
Alguns estudos sociolgicos sobre os shopping centers (cf. FRGOLI, 1992; e
SANTOS JNIOR, 1992) os descrevem como uma miniatura de cidade ou uma cidadeartificial que reproduz ruas e praas (pblicas), onde o ambiente de tranqilidade e de
conforto dos shoppings garantido por rgidos sistemas de segurana, que pretendem deixar
os transtornos do centro da cidade do lado de fora. No exemplo relatado por Boff (2004), a
presena dos sem-terra no interior do shopping Rio Sul significou, para os freqentadores e
para os donos das lojas, uma espcie de invaso dos transtornos no interior do shopping?
No caso do exemplo do Shopping Rio Sul (BOFF, 2004), a prtica relacional entre os
donos e os funcionrio das lojas e os freqentadores, no que diz respeito presena dos sem-terra neste shopping, um fator indicativo para evidenciarmos que oshopping centerpode ser
considerado como um espao do consumo o qual est associado diferenciao social? Esta
pode ser observada no interior do shopping Iguatemi Belm? Pois, preliminarmente,
observamos nele indicaes de diferenciaes sociais, tais como: primeiro, no permitida a
entrada de determinados tipos de pessoas no interior do empreendimento (de que tipos?);
segundo, h uma diferenciao entre as preferncias de consumo dos freqentadores por
uma determinada mercadoria (que preferncias so estas e esto ancoradas que tipos de
valores?). Portanto, de que forma a diferenciao social no Iguatemi estar estruturada nocontexto local e atual das relaes sociais?
Para analisarmos de que forma se manifesta a diferenciao social no interior do
shopping, investigamos exemplarmente o Shopping Iguatemi Belm pelo fato deste ser um
local que aglomera, num mesmo espao ou divididos em pequenos locus,pessoas das mais
diferentes camadas da sociedade belemita. Por conseguinte, de que forma a distribuio
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espacial dos freqentadores pelo interior do Iguatemi Belm possibilita constatar prticas
relacionais as quais possam indicar formas de diferenciao social?
Para Bourdieu (1987), os atores sociais esto inseridos espacialmente em
determinados campos sociais (como o do shopping), e compreende que a posse de grandezas
de certos capitais (cultural, social, econmico, poltico, etc.) e o habitusde cada ator social
condiciona seu posiciomento espacial e, na luta social, identifica-se com sua classe social.
Neste sentido, para o ator social tentar ocupar um espao fundamental que ele seja sabedor
das regras do jogo no interior do campo social (no caso do nosso estudo aqui, regras de
diferenciao social), e ainda que ele necessariamente que esteja disposto a jogar (lutar).
Nas sociedades desenvolvidas os recursos mais eficazes de distino so as posses decapital econmico e de capital cultural. Por conseguinte, os sujeitos ocuparo espaos mais
prximos quanto mais similar for a quantidade e a espcie de capitais que detiverem. Em
contrapartida, os agentes estaro mais distantes no campo social quanto mais dspar for o
volume e o tipo de capitais. Conseqentemente, pode-se explanar que a riqueza econmica
(capital econmico) e a cultura acumulada (capital cultural) geram internalizaes de
disposies (habitus) que diferenciam os espaos a serem ocupados pelos homens. Quem gera
estas internalizaes de disposies?
Logo, portadores de um quantum de capital de diversas naturezas, sejam capital
cultural, capital poltico, capital social, capital artstico, etc., esto a contestar ou a aceitar
certas diretrizes que redefinem as bases da sociedade. Assim, a partir da perspectiva de
Bourdieu (1989:8), os agentes constroem a realidade social na qual estabelecem relaes e
lutas com a finalidade de impor sua viso. Esta por sua vez formada por interesses, pontos
de vista e referenciais determinados pela posio que cada um ocupa no mesmo mundo que
pretende conservar ou transformar.
O habitus (BOURDIEU, 1996) a interiorizao de estruturas objetivas das suas
condies de classe ou de grupo sociais que desenvolve estratgias, respostas ou proposies
objetivas ou subjetivas para a resoluo de problemas postos de reproduo social. Portanto, o
habitus uma forma de disposio determinada prtica de grupo ou classe.
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E, falar de estratgias de reproduo lembrar apenas que os nmeros de prticas
(fenomenalmente muito diferentes) organizam-se objetivamente, mesmo destituda muitas
vezes de intencionalidade, contribuindo por sua vez para a reproduo do capital possudo. Ou
seja, as prticas atravs das quais se afirma, dentro de si mesmos, a tendncia dos dominantes
de perseverar, no est relacionado de forma intrnseca ao fato de uma inteno estratgica ou
aes com base clculo racional. por isso que Bourdieu (1989) acredita que estas prticas
(de reproduo do capital, seja qual for) tm por princpio o habitus, que tende a reproduzir as
condies de sua prpria produo, originando nos domnios mais diferentes da prtica, as
caractersticas sistemticas de um modo de reproduo e as estratgias objetivamente
coerentes.
Ressaltamos que para no fazermos uma anlise simplista importante considerar quefreqentar, por exemplo, um determinado estabelecimento, degustar um charuto, beber de um
vinho raro, possuir um carro do ano, no significa uma distino automtica. Por
exemplo, a shopping pode ser visto mais como um lugar de ostentao do que um sinal de
distino. Logo, luz da perspectiva de Bourdieu (1996), o mesmo comportamento ou o
mesmo bem pode parecer distinto para um, vulgar ou pretensioso para outro e ostentatrio
para um terceiro.
Nesta perspectiva as classes sociais no existem, mas o que existe um espao social,um espao de diferenas, no qual as classes existem de algum modo em estado virtual,
pontilhadas, no como um dado, mas como algo que se trata de fazer (BOURDIEU, 1996).
Bourdieu (1996) baseia-se em Thompson para definir o que classe social. Segundo aquele,
necessrio construir o espao social como estrutura de posies diferenciadas e definidas,
especificamente, pelo lugar que ocupam na distribuio de um tipo de capital. Nessa
perspectiva, as classes sociais configuram-se como apenas classes lgicas, determinadas, em
teoria e no papel, pela delimitao de um conjunto relativamente homogneo de agentes que
ocupam posies semelhantes nos espaos sociais; elas no podem se tornar classesmobilizadas e atuantes, no sentido da tradio marxista, a no ser por meio de um trabalho
propriamente poltico de construo, de fabricao2cujo xito pode ser favorecido, mas no
determinado, pela pertinncia mesma classe scio-lgica.
2No sentido que E.P. Thompson afirma em The making of the English working class
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Thompson (1987) acredita que as classes sociais so uma realidade histrica porque
unifica uma srie de acontecimentos dspares e aparentemente desconectados, tanto na
matria-prima da experincia como na conscincia. Assim, evidenciamos na teoria de
Bourdieu a presena de um sujeito social histrico e atuante, pois estar inserido em uma luta
constante com outros atores sociais para a ocupao dos espaos nos campos sociais. Num
sentido marxista, as classes sociais somente se tornam classes mobilizadas e atuantes quando
se desenrola um trabalho poltico de construo: a classe3 definida, como destaca Thompson
(1987) pelos homens enquanto vivem suas prprias histrias.
Dessa maneira, estudar sobre a distribuio de capitais (no nosso caso cultural),
habitus, campo social e ocupao do espao social debater sobre a luta dos atores sociais,
ento, inserindo o shopping nesta perspectiva, levantamos as seguintes questes norteadoras:As prticas cotidianas estabelecidas pelos freqentadores no Shopping Iguatemi Belm
organiza, luz das relaes sociais, o espao interior do empreendimento, fazendo com que
cada um encontre o seu territrio dentro do shopping? Esta prtica relacional pode ser
entendida como um jogo? Este jogo ou luta constitui-se em arranjos sociais de distino
social ou de ostentao no sentido de Turner (1982)?
No podemos falar em jogo sem mencionar o contedo que o dinamiza as regras do
jogo. necessrio ressaltar ainda como essas regras so apreendidas pelos agentes sociais nainterao social. As regras do jogo so constitudas por sentimentos (de pertencimento um
grupo social) e conhecimentos que so transmitidos a partir de um processo no qual os
agentes sociais assimilam um conjunto de habitus e costumes caractersticos de um
determinado grupo social em um campo social especfico influindo no comportamento do(s)
indivduo(s). Este processo de assimilao denominado de socializao (Cf. OLIVEIRA,
1992). Portanto, a socializao ao gerar valores os quais substanciam as regras do jogo,
condicionam o comportamento dos indivduos.
O shopping um centro econmico e concordando com o argumento de Jess Souza
(2001) de que o mercado, uma das principais instituies impessoais do capitalismo moderno,
juntamente com o Estado Racional, um poderoso criador de estmulos para a conduta
individual, onde em cada uma dessas esferas existem idias e valores especficos as quais
3 por isso que adotamos o termo classe social para identificar a que camada da sociedade os indivduospesquisados se definem.
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influenciam ou guiam o comportamento dos agentes sociais em determinada direo em cada
caso.
Jess (2001) argumenta que os navios os quais chegaram ao Brasil a partir de 1808,
no trouxeram apenas mercadorias exticas ou a famlia real de Portugal, mas tambm todo
um aparato de vinte mil funcionrios e o equivalente a dois teros do meio circulante
portugus, introduzindo no pas as duas instituies mais importantes da sociedade moderna:
o Estado Racional e o Mercado capitalista. A famlia real proporcionou inmeros
melhoramentos de infraestrutura propiciando o funcionamento do comrcio e da indstria no
Brasil, como a criao de instituies de crdito e fomento produo.
Destas transformaes, Jess (2001) destaca, exemplarmente, que a abertura do portono significou apenas uma simples expanso do mercado, mas funcionou como principal
elemento dissolvente de relaes tradicionais, mais ainda, o comrcio foi acompanhado da
introduo de manufaturas e at da maquinofatura. Mquinas e mercadorias no so produtos
materiais quaisquer, pois so sintoma de relaes sociais de outro tipo, j que ao pressupor um
mecanismo disciplinador prprio exercido sobre os operrios e aprendizes, pressupem uma
nova viso da condio da vida cotidiana at uma nova economia emocional adequada s suas
necessidades.
O argumento de que, o mercado e o Estado no correspondem ao mundo da ruaque
pra na porta da casa, penetrando nesta e inclusive nas almas dos indivduos ao ponto de
dizer o que eles querem e como devem sentir, fundamenta a crtica que Jess Souza (2001)
faz enganosa concepo dual (entre a Casa e a Rua) de Roberto Da Matta (1991) referente
ao pressuposto de que a casa (espao onde prevalecem as relaes regidas pela afetividade,
onde os brasileiros se sentia bem e onde eles poderiam desenvolver sua decantada
cordialidade de compadrio e amizade) e a rua (espao referente um mundo hostil, das
regras gerais e impessoais associadas competio capitalista) so duas leituras da realidadebrasileira opostas uma outras que daria conta de explicar as relaes sociais. Jess (2001)
ainda aponta mais um limite terico da obra de Da Matta (1991). Este no trabalhou o tema da
estratificao social implicada valores, reduzindo a sua anlise apenas indivduos e
espaos, sem que haja uma relao entre a casae a rua.
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Em analogia com lgica da crtica de Jess Souza (2001) Da Matta (1991), o
shopping Iguatemi Belm pode ser considerado como uma sntese da cidade, ou em outras
palavras, uma caixa de ressonncia da sociedade belemita? o mercado a instituio
socializadora do comportamento dos freqentadores no Iguatemi Belm?
Atravs da socializao, quando um agente social participa de um grupo, aprende
normas de comportamentos as quais o direcionam no momento de escolher pontos de
referncias que conotam diferenciao social. Estes pontos de referncias (Cf. LVI-
STRAUSS, 1975:97) so smbolos que os agentes sociais utilizam como guia para as prticas
relacionais, esto ligados ao mercado?
Os smbolos associam um significante concreto (gesto, frmula, animal, roupa, etc) aum significado geralmente abstrato e valorizado (bandeira = nao; punho levantado =
protesto; etc). Assim, o smbolo (cf. OLIVEIRA, 2002) algo cujo significado ou valor
atribudo pelas pessoas que o utilizam. Estas atribuem significados a uma cor, um gesto, um
hino ou um objeto, e estes se tornam smbolos de algo, como o prestgio, a posio elevada, a
riqueza, etc., logo, cada sociedade ou grupo social pode utilizar smbolos diferentes para
exprimir diferenciaes sociais. Com vistas estas proposies, questionamos: Quais
smbolos so utilizados pelos freqentadores do Iguatemi Belm como forma de diferenciao
social? De que forma so manipulados para expressar esta diferenciao social?
Nestas perspectivas, a socializao no shopping Iguatemi Belm torna-se um
mecanismo no qual organiza espacialmente, por meio de smbolos que conotam
diferenciaes sociais, as relaes sociais atravs das prticas relacionais? Cada grupo social
percebe esta socializao de maneira diferente e de que forma? Ao estabelecer normas de
convvio e comportamento social, a socializao pressupe um sistema de vigilncia no
sentido que Foucault (1987) estuda os mecanismos disciplinadores das prises? A analogia
entre o tipo de socializao presente no Iguatemi Belm e a obra de Foucault Vigiar e Punir(1987) possvel? Quais os limites desta analogia?
Portanto, a partir das consideraes expostas, ressaltamos que o objetivo central desta
pesquisa foi analisar e explicar, atravs do estudo das prticas relacionais estruturadas e
estruturantes pautadas na diferenciao social, se esta ltima se apresenta de uma forma
especfica no interior do shopping Iguatemi Belm. Logo, enfatizamos o problema central
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de pesquisa:Considerando que a sociabilidade um jogo no qual se faz de conta4que as
pessoas so todas iguais, ao mesmo tempo em que, se faz de conta que cada um
reverenciado em particular (SIMMEL, 1983), e que o mercado uma instituio
socializadora, o shopping Iguatemi Belm apresenta-se como um mecanismo de diferenciao
social no contexto da cidade de Belm? Assim, o shopping Iguatemi Belm uma instituio
de mercado que gera novos valores (socializao) que por sua vez gera novas formas de
sociabilidades ou apenas uma tendncia repetitiva do mercado que se desenvolvia na Rua
Joo Alfredo e depois na Av. Brs de Aguiar? Por isso, conceber o shopping Iguatemi Belm
enquanto instrumento de socializao e sociabilidade significativo para compreender a
problematizao a cerca do tema pesquisado que estar para alm do ato de fazer compras5
dos freqentadores?
Com o objetivo de compreender a importncia simblica da sociabilidade e da
socializao (temas centrais) no shopping e a realidade (organizao, contexto) social que ela
pode informar, o recorte espacial central desta pesquisa o Shopping Iguatemi Belm,
porm, a investigao delineou-se em dois outros lugares: na Rua Joo Alfredo e na Av. Brs
de Aguiar.
A seleo desses ltimos justifica-se pelo fato que ambos, assim como o shopping
Iguatemi Belm, so lugares que aglomeram pessoas das mais diferentes camadas dasociedade num mesmo espao, e por isso tornam-se suporte6 da sociabilidade e de
socializao, no mesmo sentido que Walter Benjamim (1985) estuda as ruas francesas.
Outro fator refere-se ao fato dos relatos dos depoentes indicarem que a Rua Joo
Alfredo e a Av. Brs de Aguiar eram os principais point de encontro antes da inaugurao do
shopping Iguatemi Belm, podendo ser analisadas como espaos onde as relaes sociais so
organizadas segundo determinadas regras de convivncia social, expressando-se como
espaos de socializao (OLIVEIRA, 2002) e de sociabilidade (ELIAS, 1993, 1994, av.).
4Fazer de conta no mentira mais do que o jogo ou a arte so mentira devido ao seu desvio da realidade?.5Fazer compras um linguagem usada pelos entrevistados para designar o ato de consumir.6Entendemos aqui comosuporte socialos processos inintencionais sem sujeitos atravs dos quais grupos eclasses identificam-se com valores e so ao mesmo tempo perpassados e dirigidos por eles na dinmica social(JSSE, 2001:51).
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Entendemos aqui como point de encontros o Locus privilegiados da sociabilidade
mobilizadora do processo civilizacional (ARRUDA, 2001:61). Portanto, o estudo em
conjunto dos trs locuspossibilita melhores condies para a compreenso do fenmeno da
sociabilidade e da socializao no contexto atual e local no shopping Iguatemi Belm, pois,
do ponto de vista da socializao e da sociabilidade, o comrcio tradicional de rua (Rua Joo
Alfredo e a Av. Brs de Aguiar) configura-se em ilustres antecedentes dos shoppings
centers, com diferenas bem definidas entre si?
A rua como lugar e suporte da sociabilidade evidenciada nos textos de Walter
Benjamim (1985) A Paris, capital do sculo XIX e A Paris do Segundo Imprio em
Baudelaire, e nos apoiar como instrumento de interpretao para verificarmos de que modo a
sociabilidade e a socializao se inicia na rua e desemboca posteriormente no shopping (nonosso caso o Iguatemi Belm). Portanto, o recorte temporal de anlise histrica corresponde
ao perodo entre a dcada de 1960 at inaugurao do shopping Iguatemi Belm em 1993. O
estudo deste perodo contribuiu para compreender o contexto atual da sociabilidade e do tipo
de socializao presente no Iguatemi Belm.
Portanto, os procedimentos metodolgicos consistiram em duas fases intrnsecas uma
a outra: pesquisa terica e emprica. Alm de realizar a pesquisa tericanas bibliotecas de
trs universidades de Belm (UFPA, UNAMA e UEPA), pesquisamos no acervo particular doOrientador desta Pesquisa, o Doutor em Antropologia Alexandre Cunha, que conta em seu
projeto financiado pelo CNPq (Codificao, acondicionamento e anlise da vida social em
fontes impressas das dcadas de 70, 80 e 90 do sculo XX na Amaznia) com um banco de
dados constituindo atualmente de 872 exemplares de revistas; 842 exemplares de jornais;
1.992 exemplares de outros documentos e mais de dois mil livros.
A pesquisa emprica abrangeu contatos preliminares selecionando uma amostra
significativa para um melhor aproveitamento da tcnica de pesquisa a ser (e que foi) utilizadapara a coleta de dados. Portanto, durante o desenvolvimento da pesquisa adotamos vrios
procedimento conforme as interpretaes dos dados, porm, predominaram as tcnicas de
pesquisa histria de vida (direcionada para a investigao da Rua Joo Alfredo e da Av.
Brs de Aguiar) e pesquisa participativa (esta utilizada no shopping Iguatemi Belm), nas
quais analisamos os discursos dos entrevistados, pois atravs destes, se expressam os
elementos indicadores da diferenciao social ancoradas s prticas relacionais.
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No primeiro ano de pesquisa, objetivamos elaborar o projeto que foi submetido a
Qualificao do Mestrado. Assim, o levantamento terico destacou-se sobre o levantamento
emprico devido a oportunidade na qual os programas das disciplinas oferecidas pelo curso do
Mestrado serviram como suporte terico para a anlise dos dados empricos.
Assim, no primeiro semestre investigamos como e de que ngulo o tema da
diferenciao social poderia ser estudada. Logo, correspondeu ao confronto dos dados
preliminares com o suporte terico levantado nos fizeram adotar e descartar, ou deixar em
segundo plano, alguns conceitos que nos pareciam centrais em alguns momentos da pesquisa.
Partimos a interpretar as relaes sociais que nos propomos a estudar do ponto de vista da
cultura no narcisismo em Lasch (1983), da cultura de massa em Adorno (1985), dasolido em Riesman (1995), do individualismo em Dumont (2000) e da sociedade do
espetculo em Debord (1997). Terminamos o primeiro semestre do curso de Mestrado com a
sensao de que as interpretaes ainda no configurava-se suficientemente consistente para
compreender como se manifestam as relaes sociais no shopping Iguatemi Belm.
Num segundo semestre, no qual ainda objetivamos compreender a questo da
diferenciao social, aprofundamos a pesquisa em direo ao tema da identidade quando ao
estudar vrios autores, tais como Castells (1999), Bourdieu (1983, 1989, 1996), Mendes(2002), Sodr (1999), entre outros, evidenciamos a questo da prtica identitria como
relaes sociais no-fixas, sugerindo em analisar a estratificao social como aspecto
central da pesquisa, ao ponto de investigar dois outros lugares (centros comerciais) anteriores
ao shopping Iguatemi, a Rua Joo Alfredo e a Avenida Brs de Aguiar, como suporte de
anlise contextualizada das relaes sociais atuais no Iguatemi.
Consideramos este momento como uma reviravolta na pesquisa, pois centralizar esta
no tema da estratificao social fez com que entrssemos em contato com outras categorias(fala do crime, ideologia da criminalidade, etc), o que tornaria esta dissertao e a prpria
pesquisa demasiadamente ampla. Decidimos, portanto, priorizar os autores que enfocam os
estudos na esfera do discurso, como Caldeira (2000) e Cunha (2003) e no aproveitar os
temas e autores relatados nos pargrafos anteriores, nos concentrando no novo rumo
conceptual e emprico que a pesquisa direcionou-se. O projeto de pesquisa foi para a
Qualificao com o formato que objetivava compreender as relaes sociais do ponto de vista
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da estratificao social aos considerarmos dois principais aspectos dos trs locais de
pesquisa: o lazer e opoint de encontro.
No entanto, no ltimo ano de pesquisa, o tema da estratificao social revelou-se
superficial por no conseguir explicar o processo que envolve a questo dinmica da distino
social que permeia a prpria estratificao social e as relaes sociais. E compreendemos
que a estratificao social uma categoria secundria como as outras (fala do crime,
ideologia da criminalidade, etc.), assim como o aspecto do lazer. Este fato alm de
propiciar uma segunda reviravolta conceptual na forma de interpretao dos dados
empricos, o problema central da pesquisa foi redimensionado para o estudo da socializao
e da sociabilidade, apresentando a necessidade de compreender a diferenciao social atravs
das categoriasstatus social,simbolismo de status da roupa, busca por privilgios,etc.
Autores como Hurlock (1979), Lakatos (1979), Debesse (1965), contriburam no que
diz respeito s questes dostatus social, dosimbolismo de status da roupa7. Caldeira8(2000),
Cunha9(1977, 1978, 1989, 1999, 2003) Bourdieu10(1987, 1989, 1996, 1998), Elias11(2001),
Benjamim (1985), entre outros, foram substanciais para analisarmos o tema da diferenciao
social a partir da anlise do discurso enquanto prtica relacional, ou seja, como sociabilidade.
A pesquisa demonstrou a possibilidade de compreendermos o conceito de socializao a partir
de uma analogia com a obra de Foucault (1987) Vigia e Punir, e a atravs do mercadoenquanto mecanismo disciplinador.
Evidenciamos que para melhor compreender as relaes sociais investigadas
recorremos ao conceito de sociabilidade e de socializao os quais possibilitaram interpretar
com maior credibilidade as prticas relacionais entre os agentes sociais (Bourdieu)
pesquisados, oportunidade no qual foi necessrio restringir ainda mais a pesquisa nos
centralizando na noo de point de encontroenquanto aspecto central, segundarizando o do
lazer. Atravs desses levantamentos tericos e empricos a pesquisa em campo foi efetuada daseguinte forma.
7A seleo destas categorias ser justificadas no decorrer dos captulos, para no deixar esta introduodemasiadamente extendida.8Perspectiva da fala do crime.9Perspectiva da ideologia da criminaliade.10Perspectiva da sociabilidade enquanto um jogo onde as prticas relacionais podem ser observadassociologicamente.
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a)
Entre os dias 01 e 20 de dezembro de 2004, entrevistamos uma amostra de 12 indivduos
com idade entre 60 a 80 anos os quais, a partir do uso de suas memrias, puderam relatar a
vida social nos trs recortes espaciais desta pesquisa, nos possibilitando uma anlise mais
significativa de como se desenvolvia a sociabilidade e a socializao entre os personagens
que l estavam. Os doze entrevistados foram selecionados de um grupo de 20 pessoas
abordadas preliminarmente e atenderam a todos os trs critrios estabelecidos: 1)
Residentes em Belm desde 1944, deveriam ser freqentadores da Rua Joo Alfredo desde
1960, da Av. Brs de Aguiar desde 1989, e do Shopping Iguatemi Belm desde a sua
inaugurao em 1993; 2) As lembranas sobre a vivncia nesses lugares deveriam
apresentar riquezas nos dados (detalhes) - como uma precisa comparao entre os recortes
espaciais, destacando as mudanas que ocorreram no comrcio de rua (Rua Joo Alfredo e
na Av. Brs de Aguiar) e propiciaram o surgimento do Shopping Iguatemi Belm,conforme o recorte temporal adotado nesta pesquisa - com o intuito de propiciar uma
melhor interpretaes dos relatos; 3) Os entrevistados deveriam estar dispostos a
contribuir mais de uma vez caso necessrio. Identificamos este grupo de entrevistados
pela sigla G.E.1., porm foi feita a seguinte subdiviso: G.E.1.A, designando um grupo de
seis entrevistados que eles mesmo se situaram como pertencentes classe alta ou
mdia alta; e o G.E.1.B, seis depoentes pertencentes classe mdia baixa ou baixa.
Esta subdiviso nos apresentou, por exemplo, a partir de ngulos diferentes, o que
representava a Rua Joo Alfredo para cada uma das camadas sociais entrevistadas esubdivididas do ponto de vista da socializao e da sociabilidade. Justifica-se a
importncia metodolgica desta diviso.
b)
Um segundo grupo de entrevistados (G.E.2) composto de cinco depoentes selecionados de
um universo de 10, foi abordado com o objetivo de enriquecer os detalhes a respeito da
sociabilidade e da socializao na Av. Brs de Aguiar. A seleo da amostra considerou
os mesmo critrio utilizados para o G.E.1. As entrevistas foram realizadas entre os dias 09
e 12 de abril de 2004, por toda a extenso da Avenida.
c)
Com os mesmos critrios anteriores, foi selecionado no shopping Iguatemi Belm umterceiro grupo de depoentes (G.E.3), que, por meio de seus relatos, interpretamos de que
forma o shopping apreendido por eles, levando em considerao aspecto arquitetnico,
de segurana, de conforto, etc.. A pesquisa delineou-se entre os dias 05 e 08 de junho de
2005 e foram abordados quatro adolescentes com idade entre 15 e 19 anos.
11Estuda a sociabilidade enquanto mecanismo de distino social ancora busca por prestgio ou status socialelevado.
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d)
Ainda no Shopping Iguatemi Belm, dois outros grupos (G.E.4 e G.E.5) de entrevistados
foram selecionado com o intuito de analisar com mais propriedade o tema da socializao
e da sociabilidade. O primeiro composto de 5 indivduos selecionado de uma amostra de
10; e foram abordados entre os dias 18 e 19 de agosto de 2005, na entrada da praa de
alimentao no terceiro piso do shopping. O G.E.5 formou-se com 6 entrevistados (trs na
praa de alimentao do terceiro piso e trs na praa de alimentao da loja ncora
Y.Yamada) entre os dias 08 e 10 de setembro de 2005.
Ressaltamos que um ltimo grupo de entrevistados formado por indivduos os quais
foram abordados eventualmente, destacando-se alguns gerentes de loja, funcionrios do
shopping e das lojas, freqentadores, etc.
Procedemos da seguinte forma: em primeiro lugar estudamos a sociabilidade que
ocorre na rua, mas especificamente na Joo Alfredo, principal rua do Centro Comercial de
Belm, e em seguida na Av. Brs de Aguiar, uma via transitvel por veculos abastecida por
lojas de departamento por toda extenso, lembrando as disposies das lojas e dos cafs
parisienses (BENJAMIM, 1985).
Sobre a sociabilidade nesses dois lugares, entrevistamos uma amostra de depoentes
(G.E.1 e G.E.2) que nos descreveu, atravs do uso da memria, as relaes sociais numdeterminado recorte temporal. Em seguida, estudamos empiricamente a sociabilidade e a
socializao no Shopping Iguatemi Belm, e, juntamente com o apanhado terico, podemos
demonstrar que a sociabilidade adquiriu, neste incio de sculo XXI, uma nova roupagem
em comparao quela do comrcio de rua.
Expostos o problema de pesquisa e os procedimentos metodolgicos e de tcnicas de
pesquisa, organizamos os captulos desta dissertao da seguinte forma:
No captulo Inicial, estudaremos como se apresentam as categorias de anlise centrais
desta pesquisa a partir da contextualizao local do problema estudado referente ao advento
em Belm das instituies modernas, com enfoque restrito ao mercado. Estudaremos quais
arranjos criados pela classe alta e classe mdia alta12formam um mecanismo de distino
social entre elas e as camadas sociais mais pobres de Belm. Portanto, o objetivo neste
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captulo saber analiticamente de que tipo a socializao e de que forma ela orienta as
prticas relacionais entre as camadas sociais de Belm, analisando quais valores orientam o
agir das pessoas no que diz respeito sociabilidade. a qual orienta o comportamento dos
freqentadores a ao dos de que forma esses arranjos fez a sociabilidade migrar entre os
comrcios de rua - a Rua Joo Alfredo e a Av. Brs de Aguiar - enquanto ilustres
precedentes do shopping Iguatemi Belm.
No captulo segundo, estudaremos como se constituiu o S.I.B dentro do contexto de
mercado, da fala do crime e da estratificao social (e urbana), com o objetivo de
compreendermos como uma espcie de socializao (o panptico) orienta a sociabilidade.
Aqui, desenvolvemos a pesquisa de duas formas: pesquisa em fontes escritas (livros,
panfletos, revistas, etc.), virtuais (Internet, CD-Rom, etc.), e entrevistas com pessoas queatendam os seguintes critrios: de ambos os sexos, com idade entre 18 e 80 anos,
independente de cor e de classe social, que j tenha ido a R.J.A., A.B.A. e ao S.I.B. e
continue indo em pelo menos em um desses locus; porm, a seleo dos entrevistados se dar
por sondagem antecipada seguido de convite queles que podem ajudar nesta pesquisa.
No terceiro captulo, analisaremos a influncia da arquitetura do S.I.B. no
comportamento dos agentes sociais como forma de expresso e consolidao de uma ou
vrias socializaes moldada pelo mercado. Analisaremos o comportamento das pessoas nointerior do S.I.B., o conceito de panoptismo de Foucault (o qual poder nos ajudar a
compreender o carter das relaes sociais no mbito da estratificao social) .O objetivo
compreender de que forma o S.I.B pode ou no ser considerado como uma caixa de
ressonncia da sociedade belemita.
Para esta anlise, entrevistaremos dois grupos de agentes sociais diferenciados por
critrios, assim como outros agentes sociais envolvidos com o shopping Iguatemi:
funcionrios e gerentes das lojas satlites, Agentes de Segurana, ex-funcionria, etc.Fizemos ainda pesquisa estatstica com amostra de 300 pessoas com o intuito de visualizar a
estratificao no interior do shopping.
12Termos utilizados pelos depoentes como forma de autoidentificao.
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CAPITULO 01
Modernidade e Sociabilidade em Belm:
da Rua Joo Alfredo Av. Brs de Aguiar
Neste captulo investigaremos de que forma Belm enquadrou-se no mundo Moderno
e qual tipo de socializao a Modernidade inaugurou nesta cidade. Capital do Estado do Par,
Belm, nos dias atuais com aproximadamente 1.279.861 habitantes (Censo de 2000, IBGE),
localiza-se na baa de Guajar, junto ao rio Par e perto da foz do rio Guam, a cerca de
120km do oceano Atlntico; est localizada a aproximadamente 160 quilmetros da linha do
Equador. Mais da metade de sua rea de 718 Km2 formada por ilhas.
Com o objetivo de defender a regio amaznica contra invasores estrangeiros, Belmfoi fundada em 12 de janeiro de 1616 pelo explorador portugus Francisco Caldeira Castello
Branco. Em 1755, fundou-se a Companhia de Comrcio do Gro-Par e Maranho. Alm de
posto de defesa da Amaznia, Belm comeava a firmar-se como centro comercial e de
abastecimento, bem como ponto de partida de expedies para o interior em busca das
famosas drogas do serto, atividade econmica que junto com a agricultura predominou do
sculo XVII ao XIX (CUNHA, 1999:80).
Belm tornou-se um importante marco estratgico para a coroa portuguesa. Em 1822,aps a independncia do Brasil, que no foi aceita pela Provncia do Par, surgiu em
conseqncia (13 anos depois) o conflito conhecido como a Cabanagem. Os setores
populares da cidade de Belm tomaram o poder; mas, o movimento dos cabanos foi dizimado
pelo governo imperial num conflito que, segundo Cunha (1999:65) conflagrou toda a
Amaznia entre os anos de 1835/40, resultando na morte de 30.000 pessoas. As origens da
Cabanagem esto ligadas Independncia do Brasil de 1822, que objetivava, segundo Di
Paolo (1986:163), a expulso dos portugueses do poder poltico e do monoplio econmico;
a implantao do regime democrtico [...] liberdade dos escravos.
A partir de 1850 at o incio dos anos 50 do sculo XX, Belm teve sua terceira
atividade econmica, a qual caracterizava-se pela subordinao do capital comercial ao
industrial na fase do ciclo gomfero, da extrao da castanha, madeira e essncias vegetais
(CUNHA, 1999:80). Os lucros obtidos com a borracha contriburam para formar e
desenvolver a nova metrpole, ento, Belm viu-se diante de um primeiro surto de
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modernizao - influenciando tambm nas formas como os Intendentes do Estado do Par
geriam suas polticas para Belm (cf. CUNHA, 1999:101) - e em processo de urbanizao.
Sarges (1990: 98-99, 104 a 114) verificou que transformaes foram estas:
Foram projetados alm do porto de Belm, o mercado municipal,hospitais, o Grmio Literrio, The Amazon Telegraph Company,Arquivo e Biblioteca pblica, o Teatro da Paz, 43 fbricas (de chapu perfumaria), 5 bancos, 4 companhias de seguro, iluminao a gs [...]pavimentao de ruas usinas de incinerao de lixo, limpeza urbana,tudo isso controlado por um Cdigo de Posturas baseado em idiasliberais, poltica seneadora preventiva, controle de doenas e epidemias[...] tendo para este fim em vista o que de mais adiantado havia naEuropa
Portanto, a partir de 1900, Belm constituiu-se em um receptculo de mercadorias
destinadas exportao (borracha, cacau, fibras, pimenta-do-reino, couro, castanha-do-par,sementes oleaginosas, madeiras, etc.) e como centro importador para a Amaznia, mas
especificamente, para o interior da regio, consolidando o intercmbio mercadolgico entre a
Metrpole da Amaznia (Belm) que se consolidava e as outras cidades da regio, incluindo-
se Manaus. E com o passar do tempo, a cidade de Belm se expandiu e surgiram vrios
bairros. A cidade adotou, desde o auge da borracha - 1870-1920 - uma tendncia franca
continentalizao, sempre obedecendo s imposies do relevo. Consolida-se a periferia de
Belm (cf. SARGES, 2002:52), configuradas nos bairros de Batista Campos, Nazar, So
Brs, Marco, Souza, Cremao, Reduto, Umarizal e Matinha, etc..
Belm destacou-se ainda por ter luz eltrica, bondes eltricos, rede de esgotos,
calamento, abertura de novas ruas, etc.; ento constituiu-se de um rico patrimnio
arquitetnico (casares, igrejas, palacetes) em estilo neoclssico hoje, herana da era da
borracha e das fases anteriores dentre os quais destacam-se: a Igreja da S13, o Forte do
Prespio14 (hoje tambm conhecido como Forte do Castelo), Casa das Onze Janelas, os
Palcios Lauro Sodr e Antnio Lemos, o Mercado do Ver-o-Peso, Teatro da Paz, Palacete
Pinho, as casas do Centro Comercial.
Em 1920 a populao do Par alcanava a marca de 983.507 habitantes, em
comparao aos 275.252 de 1872; e Belm, no mesmo perodo, aumentou de 61.997
13Fase anterior do Ciclo da Borracha.14Idem.
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habitantes para 236.40215. Desta forma, segundo Sarges (Ibidem), Belm configurou-se em
uma capital muita agitada, bem mais europia do que brasileira, com forte influncia francesa,
especialmente no aspecto intelectual:
[...] as famlias ricas da terra tinham por hbito enviar seus filhos paraas escolas da Frana. Os navios europeus, principalmente franceses, notraziam apenas os figurinos, o mobilirio, as roupas, mas tambmnotcias sobre as peas e livros mais em voga, as escolas filosficaspredominantes, o comportamento, o lazer, as estticas e at as doenas,tudo enfim que fosse consumvel por uma sociedade altamenteurbanizada e sedenta de modelos de prestgio
Dentre os intelectuais estava Antnio Lemos, que, segundo Cunha (1990:102), tinha
Paris como modelo de modernidade e de vida urbana (arquitetura, vestimenta, noes de
higiene, etc.), e visou transformar Belm, a partir de 1904, num centro de trabalho e atividade
nos moldes da capital francesa. Cunha (Ibidem) ainda destaca que atravs de Belm, no
penetravam na Amaznia s os objetos, mas principalmente idias e mentalidade. Neste
sentido, sob o prisma da modernidade do mundo de ombrear-se em padres de igualdade,
duas indstrias do Par (a fbrica Palmeira e a fbrica Bitar) obtiveram meno honrosa na
Exposio Internacional de Paris. A respeito de Belm, Cunha (Ibidem) anuncia: A
sociedade nos trpicos no s se urbanizava, como se industrializava a nvel de padres
internacionais.
No auge econmico e social da Belm da Belle-poque (cf. SARGES, 2002), a
temtica da modernidade assume papel decisivo pelo fato de podermos observar nas obras de
Sarges (2002) e Cunha (1990) que as duas instituies mais importantes do capitalismo
moderno - o Estado e o Mercado - propiciavam transformao nos habitus da populao
belenense da poca, remodelando, por sua vez, as prticas relacionais entre as camadas
sociais.
Apesar de no estar explcito no livro de Sarges (2002) que a instituio do Mercado edo Estado funcionam tambm como mecanismo de socializao, a autora (2002) apresenta
uma concepo das transformaes das relaes sociais (por meio das mudanas de
pensamento e de comportamento social da populao belemita) no destoante da anlise de
Jsse Souza (2001) sobre os efeitos das instituies citadas s prticas relacionaisno
15Fonte IBGE in SARGE, Nazar. Riquezas produzindo a Belle Epoque, UFPE, Recife, 1990 (Dissertao deMestrado).
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quotidiano dos indivduos. A autora (2002:13) faz uma anlise coerente sobre como o
mercado e o Estado influenciaram no comportamento das pessoas a ponto de reconfigurar as
relaes sociais conforme as necessidades das duas esferas o capitalismo moderno:
A modernidade entendida como expanso da riqueza, ampliando aspossibilidades, caracteriza-se pelo avano da tecnologia (RevoluoIndustrial), construo de ferrovias, expanso do mercado internacional,pela urbanizao e crescimento das cidades (em rea, populao edensidade), pela mudana de comportamento pblico e privado e pelobafejo da democracia, transformando as ruas em lugares onde as pessoascirculavam e exibiam seu poder de riqueza
Sarges (2002) reconhece que o desenvolvimento do mercado implica em novas
necessidades as quais a todo instante reconfigurar as relaes sociais conforme os interesses
do mercado e/ou do Estado. Para a autora (2002) e para a anlise que realizamos aqui, a
temtica da modernidade16e suas instituies de socializao importante na medida em que
tambm notamos que ela promove a propagao de uma nova moral e a montagem de uma
nova estrutura urbana, cenrio de controle das classes pobres (idem), onde a vitalidade
urbana manifestada atravs do vesturio, da construo de prdios luxuosos [...] na criao
de uma nova esttica, representou, na verdade, uma reelaborao da expresso do poder de
uma nova classe (idem). Assim, o espao urbano assume papel estratgico na transformao
de tudo em mercadoria, e ainda segundo Sarges (2002:22), esta uma mentalidade capitalista
relacionada com um consumo ordenado pela troca de mercadorias, inclusive a nvel simblico
- como a idia de ser moderno e/ou andar na moda.
Demostrando implicitamente o poder de socializao do mercado ou do Estado,
Sarges (2002:28) tambm adotou a reflexo de Marshall Berman (1988:13) sobre o que
consiste o ser moderno: Ser moderno viver uma vida de paradoxo e contradio.
sentir-se fortalecido pelas imensas organizaes burocrticas que detm o poder de controlar e
freqentemente destruir comunidades, valores, vidas [...]. Desta forma, Sarges (2002:28)
ressalta que, a partir do momento em que a sociedade moderna passou a ser analisada, as
transformaes dos hbitos e do modo de vida dos indivduos foram os primeiros parmetros
de investigao.
16 Temticas como ordem e progresso, razo, emancipao universal, sistemas nicos de leitura darealidade, objetividade, claras distines entre pblico e privado, verdade, fundamentos definitivos deexplicao, fronteiras, barreiras, teorias universalistas, grandes narrativas, hierarquia, podercentral, instituies slidas, longo prazo, etc., formam, por assim dizer, um conjunto de caractersticas damodernidade, constituindo-se em conceitos analiticamente abordados pelos estudiosos da modernidade ou da
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Por isso, adotamos a autora se ateve moda como vis de interpretao e explicao
das relaes sociais que se desenvolveram no Centro Comercial de Belm na virada do
sculo XIX para o XX. Sarges (2002:29) refere-se sobre a moda como um fenmeno tpico
da sociedade urbano-industrial, estimuladora do consumo e do smbolo do desperdcio [...] a
moda servir estrutura social e subjugar a sociedade, tanto faz ser de Belm como do Rio
de Janeiro, a um modelo internacional do bem vestir.
Com base nesta perspectiva, optamos pela temtica da modana anlise e investigao
das prticas relaciona que se desenvolveram na Rua Joo Alfredo, na Av. Brs de Aguiar e no
Shopping Iguatemi Belm por dois fatos: o primeiro por estar presente em todos os discursos
dos entrevistados por esta pesquisa; e, em segundo lugar pelo fato que as mudanas na moda,como bem definiu Bresciani (1984/85), esto intimamente vinculada s mudanas na maneira
de pensar, ser e sentir de uma sociedade, servindo de demonstrao individual da
indumentria sobre o corpo (a moda). Ainda mais porque a moda est tambm intimamente
ligada a estrutura social, segundo, como destaca Souza (1987), os diferentes nveis
problemticos que ela representa.
Sarges (2002) destaca o trabalho de Gilda de Mello e Souza publicado em 1987,
intitulado O Esprito das Roupas: A moda no sculo XIX, como importante trabalho sobre amoda porque a concebe como fenmeno cultural, social e esttico buscando captar as
sutilezas imbricadas no vestir e as distines sociais veiculadas pela indumentria e
ornamentao (idem), tambm enquanto fenmeno democrtico (cf. SOUZA, 1987:22) na
medida em que torna possvel a participao de todas as camadas no processo que envolve os
pressupostos da modernidade e do ser moderno, ao mesmo tempo em que esses atributos
expressam interesses de diferenciao social das camadas mais alta.
Sarges (2002) destaca o perodo de 1870 1912 como o marco inicial da modernidadeem Belm. Sarges (2002:29) destaca, por exemplo, que na Belm do final do sculo XIX, as
mulheres das classes abastadas tinham um zelo especial pela indumentria, tanto que
mandavam buscar seus vestidos em Londres e/ou Paris. Para suprir esta necessidade do
requinte de damas e cavalheiros (termos de Sarges), alguns estabelecimentos comerciais se
ps-modernidade. Porm, ressaltamos que este trabalho no objetivou discutir sobre qual poca estamos, sejada modernidade ou da ps-modernidade.
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instalaram em Belm, destacando-se as casas Paris Nmrica, o Bom March e casas
exclusivamente de modas e chapus, como a casa Maison Franaise de Mme Russo, entre
outras. Quando o mercado se amplia para outras reas imputa novas necessidades do consumo
populao local, proporcionando mudanas no apenas no pensamento e no comportamento
das pessoas, mas influiu na urbanizao da cidade seus modos, ou seja, s necessidades do
mercado.
Sarges (2002) identifica os elementos que enquadram o Brasil no contexto da
modernidade, tais como industrializao, a diviso tcnica do trabalho, a urbanizao, a
formao de uma elite nacional, indicadores de progresso, elemento sintonizador da nossa
sociedade com as modernas sociedades civilizadas, a transformao do espao pblico e do
modo de vida, propagao de uma nova moral, montagem de uma nova estrutura urbanaenquanto cenrio de controle das classes pobres, estratificao social, etc. Tais elementos se
enquadram no contexto da introduo e consolidao no Brasil das instituies mais
importante do capitalismo: o mercado e o Estado.
No querendo repetir os equvocos que Da Matta (1991) cometeu na sua anlise dual
entre a rua(indivduo) e casa(pessoa), importante analisar as transformaes na sociedade
belemita e as diferenciaes sociais decorrentes das prticas relacionais socializadas pelo
mercado, tambm a partir do conceito de estratificao social, que aqui pauta-se navalorizao diferencial dos indivduos entre si e o seu tratamento como superiores e
inferiores em relao a aspectos socialmente relevantes (grifo do autor). A moda est
associada ao fenmeno da estratificao social porque se enquadra dentre esses aspectos
relevantes porque separa e ordena no espao das relaes sociais os que esto na moda e
os que no esto na moda (grifo do autor).
Assim, Sarges (2002:53) demonstra que no final do sculo XIX e incio do sculo XX
Belm se transformava (economicamente, socialmente e politicamente) com base noselementos da modernidade mencionados no pargrafo anterior:
A transformao pela qual passou Belm, engendrada pela economiagomfera, significou a materializao da modernidade expressa atravsda construo de obras, urbanizao, formao de elites, na construode um modelo ideal de sociedade moderna isento de perturbao
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Outro aspecto da modernidade que Sarges (2002:139) observou diz respeito ao seu
carter disciplinador, seja no mbito do modo de vida e da organizao do espao urbano:
A cidade do sculo XIX necessitava de ter seu espao disciplinado e
ordenado, e para exercer essa tarefa o poder pblico, vido portransformar a cidade em um centro de atraes, teve de planejar acidade como tambm criar novos mecanismos de regulamentao(Cdigo de Posturas) da vida social na cidade.
Porm, destaca Sarges (2002), o importante mostrar que a vida na metrpole da
Amaznia (Belm), em sua realidade concreta, marcada por contradies sociais inerentes
ao sistema capitalista enquanto expresso do paradoxo do progresso, da modernidade, que o
desenvolvimento econmico do capitalismo carrega em seu bojo, pois a riqueza e luxos
sociais de uma burguesia que consumia, fundamentalmente, o importado, contrastava com
a misria, com a prostituio e com uma gama enorme de desgraas sociais. Portanto, Sarges
(2002:186) conclui que:
O cenrio central da cidade vai ser transformado em espao elegante echique, por onde deveria desfilar a burguesia exibindo seu poder, luxo eriqueza. O resultado dessa modelao da cidade a elitizao do espaourbano com a erradicao dos setores populares para as rea maisdistantes do centro
A modernidade em Belm propiciou a estratificao urbana e social atravs de seusprprios paradoxos, como dividir o que moderno e o que tradicional. Moderno no
sentido de avanado, riqueza, e tradicional, ou no moderno, no sentido de
atrasado e misria. A exposio de Sarges (2002) evidencia bem este paradoxo (da
modernidade) em Belm ao analisar a organizao do urbano belenense pelo poder pblico
atravs das intervenes polticas de Antnio Lemos. As prioridades foram o Cdigo de
Postura, o saneamento (servio sanitrio e sade pblica) e a esttica da cidade.
Assim, o conceito de modernidade est intimamente ligado ao de progresso expressoatravs do desenvolvimento da vida urbana, da construo de ferrovias, da intensificao das
transaes comerciais e da internacionalizao de mercados (SARGES, 2002:138).
Expresses da atuao do Mercado capitalista e do Estado Moderno17.
17 Antnio Lemos enquanto representante do Estado (em nvel municipal) simboliza a administrao queintensificou a renovao esttica da cidade.
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Esnto. no final da dcada de 40 do sculo XX, Belm (cf. PENTEADO, 1968:180)
possua duas grandes reas funcionais com ntidos limites entre elas: a comercial e a
residencial. A primeira abrangia um centro comercial representado pelos bairros da Cidade
Velha e do Comrcio (com destaque s Ruas Joo Alfredo e Santo Antnio), limitando-se
Av. Presidente Vargas (antiga Av. 15 de agosto) e praa da Repblica (onde localiza-se o
Teatro da Paz). Na zona comercial evidenciava-se:
a) o velho centro, com seus velhos edifcios, becos e vielas, semarborizao de espcie alguma, onde se encontravam as principaislojas e armarinhos de Belm, o comrcio de miudezas em geral, etambm vrios escritrios...; b) o Ver-O-Peso, to caracterstico deBelm, mercado estabelecido ao ar livre, junto a uma espcie depequeno cais, onde atracam embarcaes a vela (vigilengas); suaextenso para o norte formava o chamado Mercado da Praia, no qual seesparramavam pelo cho, em um enorme caos, mercadorias dos mais
variados tipos e procedncias. Verduras, frutas (bananas), cuias,moringas, paneiro de carvo, paneiros de farinha, chapus de palha,panelas e outros utenslios de lato...; tambm nos despertaram aateno os tabuleiros pertencentes a vendedores de gua de cheiro,roupas, pes, sapatos, quinquilharias, etc. Enfim, tudo ali comrcio, scomrcio; c) a zona porturia, ao norte do Mercado da Paia, com seucais, armazns e equipamentos muito razovel; d) o novo centro, quecorrespondia praticamente av. 15 de Agosto, a grande artria da novaBelm do Par..., avenida larga, moderna; nela, j existiam umpequena srie de arranha-cus e se encontravam os melhores hotis, osescritrios das grandes companhias de navegao, algumas repartiespblicas e vrios consulados de repblicas andinas; tambm notamoscomo j comeavam a surgir, ao longo dessa avenida, bares, cafs erestaurantes e algumas casas comerciais mais requintadas
(PENTEADO, 1968:181).
Na segunda rea funcional, Penteado (1968) identifica trs setores: a) um bairro
residencial elegante bem arborizado em Nazar e So Brs, onde observa-se numerosas
manses cercadas por grandes jardins ao longo das avenidas de Nazar, So Jernimo (a
atual Av. Governador Jos Malcher) e Independncia (hoje, a Av. Magalhes Barata); b) um
bairro residencial modesto constitudo pela classe mdia o qual contorna o bairro do
Comrcio; e, c) bairros residenciais pobres, os quais se prolongam pela periferia da cidade,
caracterizados por casas de madeira cobertas por folhas de palmeiras, elevadas ou no sobreestacas.
Sarges (2002) e Penteado (1968) destacam que a rea comercial forma um conjunto
que exerce diversas outras funcionalidades alm da sua funo principal aqui j descrita (o
comrcio): o centro comercial de Belm tambm era concebido como um lugar voltado para o
lazer, ponto de encontros (com destaque Rua Joo Alfredo), trabalho, etc. Nos
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interessando para fins de anlise a Rua Joo Alfredo enquanto point de encontroatravs do
qual a sociabilidade e a socializao, como objetivamos demonstrar aqui, so os temas
centrais de anlises da diferenciao social entre as camadas sociais belemita, principalmente
porque esto interligados uns ao outro.
Segundo depoimentos de alguns entrevistados (G.E.1) a Rua Joo Alfredo (R.J.A.) era
um dos principais point de encontro de Belm nas dcadas de 60 e 70, predominante nos
sbados, porm no muito diferente do perodo antecedente - de 1900 a 1950/60, como
destacam Sarges (2002) e Penteado (1968).
Diferentemente do incio deste sculo XXI, segundo os mesmos depoentes (fonte
oral), a poluio sonora era quase inexistente e no havia uma quantidade excessiva devendedores ambulantes (em torno de 10 ambulantes por toda a extenso das ruas Joo Alfredo
e Santo Antnio), considerando que a populao de Belm era a metade em relao aos dias
atuais (conforme Censo 2000 do IBGE: 633.374 residentes em 1970 e 1.279.861 no ano de
2000). Destacaram ainda que apesar da companhia de mendigos, pedintes, prostitutas e
alguns caso de batedores de carteira, e de um comrcio variado em produtos, a Rua era
concebida como um lugar de lazer e de encontros. Da a importncia de analisar a R.J.A.
enquantopoint de encontropara compreendermos melhor o fenmeno da sociabilidade.
Esta sociabilidade se faz presente por meio dos atores sociais que experienciam a rua
em sua rede de relaes sociais, e atravs das entrevistas foi possvel levantar um primeiro
panorama sobre os personagens que freqentavam a Rua Joo Alfredo (R.J.A.). A
classificao organizada no pargrafo seguinte corresponde a classificao que os
entrevistados adotaram em seus depoimentos como forma de identificar por nomenclatura os
freqentadores deste locus.
Utilizam com freqncia a palavra classe para designar qual camada social osindivduos pertencem e fazem a seguinte analogia: usam o termo classe alta para identificar
os ricos, classe mdia-alta para designar o grupo que tem uma proximidade com a classe
alta, classe mdia aos que no so nem ricos e nem pobres, classe mdia-baixa o grupo
com proximidade com a classe baixa, e classe baixa equivale aos pobres. A explicao do
porque da utilizao destas terminologias identificadoras de si mesmos justifica-se pelo
sentimento de pertencimento um determinado grupo social? Sim, pois quando eles se
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identificam com o seu grupo, esto identificando-se com as idias e valores que regem seus
prprios comportamentos e modo de vida. Depois destas consideraes respeito da classe
social, prosseguiremos com a classificao dos personagens.
As entrevistas18com o G.E.1 foram realizadas nas residncias19dos depoentes (com
idade entre 60 e 80 anos de idade20) afim de permitir melhor observao sobre o tema
estudado. Ento, a classificao dos personagens que no pargrafo seguinte descrito
corresponde a uma sntese das informaes comuns que encontramos nas falas desses
informantes no que diz respeitos aos termos utilizados por eles mesmos.
Segundo o G.E.1, a Rua Joo Alfredo era mais freqentada enquanto Point de
Encontrosnos dias de sbados, e os personagens dividiam-se entre as classes alta, mdia ebaixa21: a) os que andam na moda (pessoas da classe alta e classe mdia alta, os quais
caracterizavam-se por estarem sempre na moda atravs do uso de determinadas roupas ou
acessrios. So tambm chamados de ricos); b) os que no andam na moda (classe
mdia baixa e classe baixa, caracterizadas por no andarem na moda, tambm
chamados de pobres ou os que vivem mais ou menos); c) os funcionriosdos diversos
tipos de comrcio no local (restaurante, bares, lojas, etc.); d) os mendigos (chamados
tambm de pedintes: so aquelas pessoas que pedem dinheiro, comida, objetos, etc., - e eram
muitos poucos, segundo depoimentos); e) as prostitutas (transitavam normalmente pelaRua Joo Alfredo, no entanto, opoint de programaera a conhecida Zona do Meretrcio que
corresponde a rea22que abrange s ruas 1. de Maro e Padre Prudncio, no limite entre as
ruas Aristdes Lobo e General Gurjo, perpassando pela rua Riachuelo); f) os patetas
(personagens que eventualmente freqentavam a Rua Joo Alfredo por serem turistas ou de
outros estados, ou do interior, que freqentemente eram alvo de pequenos golpes econmicos,
18Entre os dias 01 e 20/12/2004.19Nos bairros de Belm: Souza, So Brs, Nazar, Batista Campos..20 importante ressaltar que a idade dos informantes corresponde ao intervalo de 60 e 80 anos de idade portornar possvel o resgate descritivo (atravs da memria dos entrevistados) dos personagens os quaisfreqentavam a R.J.A. nas dcadas de 60 a 90. possibilitando enriquecer de dados a pesquisa atravs de seusdepoimentos, registrados no caderno de campo. por este mesmo motivo que a amostra de um nmero de seisentrevistados consideramos significativa.21Ainda ressaltamos que a palavra classe, muito presente nos relatos dos entrevistados, constitui-se como umaforma de estabelecer, pelo discurso, lugares na sociedade belemita referente sociabilidade, j que a renda fator estratificador; por isso, a adotaremos em toda a dissertao enquanto termo identificador dos personagenscitados pelos entrevistados.22E consiste ser ainda hoje o local de trabalho de prostitutas.
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como furto de carteira, conto do vigrio, etc.); g) e alguns guardas, responsveis para
estabelecer a ordem no local.
No decorrer das dcadas de 70, 80 e 90 do sculo passado, a populao de Belm
aumentou consideravelmente (1970: 633.374; 1980: 933.287; 1991: 1244.689)23, gerando o
aumento numrico de freqentadores no Centro Comercial de Belm (e na Rua Joo Alfredo),
o aumento da periferia na cidade belemita e o aumento da criminalidade24. Esses fatores
agiram diretamente sobre a rua enquanto cenrio das relaes sociais e da sociabilidade no
momento em que possibilitou um maior contato entre as diferentes camadas da sociedade.
Neste sentido a rua boa para pensar (LEVI-STRAUSS, 1975), j que a rua quem resgata
a experincia da diversidade num espao pblico (regulado por normas tambm pblicas),
tornado possvel o encontro com a desconhecido e as camadas perigosas, o reconhecimentodos semelhantes, a troca entre diferentes, a multiplicidade de usos e olhares.
Observamos aqui que a mudana na economia paraense (Grandes Projetos) propiciou
transformaes no mercado. Se houve transformaes neste ltimo, e partindo da lgica
analtica de que o mercado constitui-se em um mecanismo socializador (JSSE SOUZA,
2001), as mudanas na cidade, no meio urbano e nas prticas relacionais (sociabilidade)
explica-se pelo fato que houve mudanas no processo de socializao. Um exemplo clssico
de que transformaes no mercado geraram mudanas nas ruas e no modo de vida das pessoas a Paris do sculo XIX.
Para pensar a rua enquanto espao e suporte de sociabilidade significativo
recorrermos a imagem das ruas de Paris de meados do sculo XIX ressaltada nos textos de
Walter Banjamin (ORTIZ, 1983), os quais retomam os personagens, comportamentos e
incidentes vividos e poetizados pelo contemporneo Baudelaire. Os bulevares parisiense
faziam parte de um projeto mais amplo da reforma urbana, constitui-se enquanto ponto de
partida para a modernizao da cidade tradicional. O prefeito de Paris, G.E. Haussmann,derrubou centenas de edifcios, destruiu bairros inteiros, deslocou milhares de pessoas,
tornado Paris num espao fsico e humano unificado. O Governo de Antnio Lemos o
exemplo belenense!
23Cf. Censo 2000 IBGE.. Tabela 2.4 - Populao Residente, segundo os Municpios das Capitais - 1872/2000.24V CUNHA (1989) e CALDEIRA (2000)
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Berman (1986) ao explanar sobre os bulevares parisiense, destaca a "aventura da
modernidade" sem se permitir seduzir somente pelo glamour dos novos cafs, restaurantes,
lojas, terraos e caladas parisienses. Ao analisar o poema Os olhos dos pobres de
Baudelaire, Berman (1986) destaca a "cena primordial"25 como tema central por revelar as
ironias e contradies na vida da cidade moderna: refere-se, com efeito, do repentino, efmero
e desconfortvel encontro entre personagens de mundos separados: a famlia de pobres que
vislumbrava anestesiada a beleza dos estabelecimentos e o casal romntico que desfrutava do
novo caf na esquina de um novo bulevar. Fato muito similar com aquele descrito por Boff
(2004) no shopping Rio Sul.
Em primeiro lugar, vejamos alguns trechos de relatos de dois entrevistados os quais se
consideravam da classe alta ou classe mdia alta (G.E.1.A); em seguida, mas dois relatos derepresentantes da classe baixa (G.E.1.B). Esses relatos so respostas s questes de 04 09
do questionrio identificado com a nomenclatura G.E.1.A e G.E.1.B, e demonstram as
diferentes formas de se conceber a Rua Joo Alfredo segundo a distintas funcionalidades que
ela pode assumir para as diferentes camadas sociais:
04) No sei te dizer assim, ia sempre quando queria comprar algumacoisa [...] 05) [...] me encontrava sim, como familiares e com amigos,Belm toda ia pra l [...] 08) A Rua Joo Alfredo era bonita, bemcuidada, a gente se encontrava com os amigo pra bater papo, conhecer
outras pessoas, era muito legal [...] eu no gostava do calor, da chuva,mas nada mais no [...] tinha sim, pessoas que ficavam pedindo dinheirotinha sim, algumas que eram mendigo eu acho, e tinha as prostitutastambm, e alguns pobres que ficavam olhando as vitrines de algumaslojas [...] (GE1A, 72 anos, F, Entrevista 03, 07/12/2004)05) Era mais nos dias de sbado porque era o dia que todo mundo tinhatempo para se encontrar, os amigos, os namoradas, os familiares [...] 07)As pessoas de classe baixa ofereciam alguns servios ou produtos [...] 08)eu via tambm [...]e algumas prostitutas que eram indecentes, porqueandavam com roupas indecentes (GE1A, 76 anos, M, Entrevista 04,11/12/2004)04) Naquele tempo eu ia muito porque papai trabalhava l, ai ele melevava pra l, amos passear, comprar [...] 05) [...] a gente ia pra l depoisque o papai recebia o dinheiro do trabalho e a mame me levava para
passear com ele depois do trabalho [...] 08) [...] tinha gente que ia pra lpara mostrar as suas roupas que estavam na moda [...] era bom porque omeu pai tinha emprego para trabalhar l [...] a gente andava por l eficava olhando para as roupas das lojas, roupas bonitas vindo doestrangeiro!!! (GE1B, 60 anos, M, Entrevista 01, 02/12/2004)04) [...] no ficava apenas na Rua Joo Alfredo, as lojas eram muitocaras l e como no podia comprar l porque o dinheiro no dava eu iacomprar em outras ruas [...] 05) s ia para o comrcio se fosse paracomprar alguma coisa ou passear (GE1B, 65 anos, F, Entrevista 06,17/12/2004).
25Tema do poema "Os olhos dos pobres", de Baudelaire.
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Segundo as explanaes dos entrevistados do G.E.1.A e G.E.1.B, que por meio do uso
de palavras encontros, compras, mendigo, prostitutas, mostrar as suas roupas, etc.,
indicam que a classe alta e a classe mdia alta concebiam nos meados das dcadas de 60
80 do sculo passado a R.J.A. no apenas do ponto de vista funcional de um lugar orientado
para o comrcio, mas principalmente direcionado para o lazere o encontro.
Para as camadas mais pobres, as funes comercial e de lugar de trabalho
assumiam o sentido prioritrio, segundarizando o do lazer. Como evidenciado exemplarmente
nos dizeres dos entrevistados mencionados aqui era lazer para os indivduos da classe
pobre ficar extasiado diante de uma vitrine, admirando as roupas que somente as classes
ricas tinham condies de comprar. No entanto, referente funo de point de encontroque reside a distino significativa entre as camadas citadas.
As classes alta e mdia alta apresentaram uma forma de socializao distinta dos que
se consideravam das camadas mais pobres. Esta distino condicionada pela diferena
econmica entre as duas camadas, ou seja, diferenas impostas pelas leis informais do
mercado baseadas num sistema de troca que possui o dinheiro como equivalente geral
(MARX, 1978). O consumo era limitado pela quantidade da posse do dinheiro, influindo nos
tipos de valores decorrentes deste fato que formam o contedo da socializao. Enquantoalguns so socializados para consumir mercadorias com alto valor no mercado, outros so
socializados para o contrrio. Para justificar esta observao enquanto um acontecimento
concreto da realidade necessrio prosseguirmos com a anlise, pois a diferenciao no se
explica apenas pela distino no consumo, mas pelos valores decorrentes em cada
socializao que explicam porque um determinado grupo prefere consumir em uma
determinada loja e outros no.
Enquanto para ambas as camadas, a R.J.A. assumia as funes comerciais, lugar detrabalho ou de lazer, apenas para as classes alta e mdia alta a rua exercia a funo de
point de encontros. Para essas ltimas opoint de encontroabrangia o espao pblico da rua,
onde se sucediam a socializao e a sociabilidade durante os encontros (esses restritos s
pessoas das mesmas camadas sociais), mas o cenrio primordial transformou-se,
reconfigurando a sociabilidade enquanto categoria sociolgica. Estas transformaes do
relatadas pelos entrevistados:
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[...] depois que vieram pra Belm toda essa gente que passaram a morarnas invases, sei l, a populao de Belm cresceu muito, Belm cresceutambm, e hoje muito ruim ir pro comrcio [...] porque fica todo tempolotado, muita gente, fica ruim pra andar, pra parar pra conversar [...] a
gente passou a se misturar com os pobres que na maioria so pessoasperigosas, so ladres, tudo mudou!!!! [...] isso, como se a gente que noprejudica ningum fosse roubado, roubaram o nosso espao (GE1A, 62anos, M, Entrevista 01, 01/12/2004 - trecho da resposta questo 08 doquestionrio GE1A)[...] que Belm cresceu, acho que isso foi fundamental para o nmerode freqentadores no Comrcio [...] na Joo Alfredo tambm!!! Issomudou a cara do comrcio porque agora tnhamos de dividir a rua comos pobres que a gente nem sabe qual deles ou no criminoso, perigosos[...] no me acostumava com a idia da gente, pessoas de boa famlia, deboa ndole, de posio mais elevada se misturar com aqueles pobres,andar no meio de ladres [...] porque a gente diferente deles, ns temosprestgios e eles no, eles deveriam andar no meio deles e ns no nossoentendeu? (GE1A, 72 anos, F, Entrevista 03, 07/12/2004 - trecho daresposta questo 08 do questionrio GE1A)
Segundo os depoimentos do Entrevistados (G.E.1.A), o aumento de freqentadores
na R.J.A. foi decisivo para romper com o convvio (social) habitual de duas camadas
restrita da populao (a classe alta e a classe mdia alta), contribuindo para o fato da rua
citada permitir (o aumento de) novos fluxos e as novas experincias, aproximando novos
atores sociais: as classes perigosas (CHEVALIER, 1987), sempre associadas aos pobres ou
s camadas baixas da sociedade.
A partir de ento, a presena nas ruas destas classes perigosas no seria certificada -
em diferentes contextos - somente pelo incmodo olhar. O convvio num mesmo espao entre
as classes alta e mdia alta e um nmero cada vez maior de indivduos das classes
concebidas como perigosas, proporcionou mudanas de hbitos no comportamento das
camadas superiores (alta e mdia alta) principalmente no que diz respeito questo do
point de encontro e ao nosso v, da sociabilidade tambm.
Segundo os depoentes, a presena de uma massa de pessoas originadas das classes
consideradas perigosas era um incmodo, pois estas no deveriam se misturar s pessoas
de boa ndole e de bom prestgio e posio social. Preocupados em separar-se das classes
perigosas, as classes alta e mdia alta assumiram um mecanismo que estabelecesse uma
nova ordem (organizao) espacial e social referente sociabilidade e aopoint de encontro.
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Este mecanismo consistiu na instrumentalizao dos espaos internos das lojas
enquantopoint de encontro (exemplo: a Loja Paris nas Amrica): o mesmo que dizer que o
point de encontromigrou para dentro das lojas, e em companhia dele, a sociabilidade. Esta
estratificao espacial e social significativa porque reconfigurou a sociabilidade. As vitrines
de vidro das lojas so os muros que simbolizam a separao, a desigualdade e a estratificao
social entre a massa das camadas pobres e as classes alta e mdia alta; para estas ltimas,
tornou-se um objetivo distinguir-se da massa pobre, configurando-se esta atitude naquilo que
Turner (1982) chama de arranjos. Estes (novos) arranjos so expresso da prpria
sociabilidade.
Turner (1982) critica Durkheim, em sua obra primitive forms of classification, por
este apresentar uma noo fixa de sociabilidade, pois este ltimo acreditava que por ter e parater sociedade, seria preciso antes classificar e ordenar. No sentido durkheimiano, no temos
indivduo, mas sociedade. A sociedade central. J a partir de Levi-strauss, o indivduo
centralizado, j que as coisas so boas para se pensar, para se ordenar. Permitindo pensar e
ordenar este mundo, ou seja, por exemplo, um indivduo pode simular suas aes para ser
aceito em uma determinada sociedade ou grupo de pessoas.
Em Turner (1982) e em Levi-strauss (1975) a sociabilidade dinmica por causa de
uma prtica social pensante. Turner (1982) operacionaliza a noo de sociabilidade aocentralizar as observaes nas prprias relaes sociais, em uma ordem que relacional,
proporcionando a extino da fronteira entre o indivduo e a sociedade: ao mesmo tempo que
a sociedade transforma o(s) indivduo(s), este(s) transforma(m) a sociedade conforme as
necessidades de arranjos sociais (grifo do autor). Assim, a sociabilidade entendida aqui
comoprticas relacionais.
A ampliao internacional do mercado necessria para que o capitalismo possa se
globalizar, ento, a implementao dos chamados Grandes Projetos gerou transformaes nomeio urbano de Belm e nos lugares onde foram instalados; logo, os benefcios oriundos
daqueles, como por exemplo a melhoria da infra-estrutura urbana da capital do Par,
impulsionaram o Centro Comercial de Belm (C.C.B.) a partir da dcada de 70, assim como a
economia paraense. Este fato incentivou a migrao de um contingente populacional para
Belm, o que gerou o aumento dos freqentadores do Centro Comercial de Belm e
conseqentemente da Rua Joo Alfredo, como relatados pelos depoentes.
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considervel neste contexto o fato de que na dcada citada significativa a
funcionalidade da Rua Joo Alfredo enquanto point de encontroe que, a partir da dcada de
80, a R.J.A. passou a ser concebida enquanto um lugar depreciativo por no mais oferecer
condies para os encontros. Esta depreciao do C.C.B. (Rua Joo Alfredo) foi relatado
pelos informantes mencionados neste captulo.
Os dados orais das entrevistas com o G.E.1 sobre a depreciao do C.C.B., e mais
especificamente da R.J.A., apontam para duas principais questes que vo para alm do
simples fato do aumento da populao de Belm: o aumento da criminalidade por um lado,
e a questo da segurana por outro. Essas duas questes resumem-se num eixo central: a
fala do crime. Outras questes abordadas no deixaram de ser mencionadas pelosinformantes, tais como as condies climticas, poluio sonora e as pssimas condies da
infra-estrutura do local. Porm, nos restringiremos fundamentalmente nas primeiras por
consideramos, como veremos mais adiante, importantes na medida em que constituiro o
sloganmximo de socializao para a construo de novas alternativas de centros comerciais
que funcionam tambm do ponto de vista de point de encontro, proporcionando mais
segurana e conforto (a Av. Brs de Aguiar e o Shopping Iguatemi).
Segundo Caldeira (2000:36), o crime oferece uma linguagem para expressar, demaneira sinttica, os sentimentos relacionados s mudanas no bairro, na cidade e na
sociedade brasileira de modo geral. Assim, afala do crime um recurso narrativo pelo qual,
atravs do crime como linguagem, possvel analisar as mudanas que ocorrem num
determinado espao, como no C.C.B. (R.J.A.), levando em considerao as relaes sociais.
Assim, as narrativas dos entrevistados organizam a estrutura do significado entre o
antes e o depois, entre o bem e o mal, criando caricaturas (pedintes, patetas, etc.). Pode-se
ainda considerar a fala do crime como um mecanismo socializador, j que estabelecevalores e idias na sociedade, condicionando o modo de pensar e agir dos indivduos em suas
prticas relacionais. Cunha (2003:03) explana que diversos autores (desde Beccaria,
Lombroso at a Criminologia Crtica) os quais estudam o fenmeno da criminalidade
possuem uma concepo de social que dicotomiza, polarizando, crime e no criminosos
como se houvesse um plo atrasado na sociedade e fosse este o responsvel pela
criminalidade, logo, esta "ideologia da criminalidade , ento, uma forma de linguagem da
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vida real, tanto o discurso a nvel da cincia como o discurso dos agentes da sociedade
estudada" (Cunha, 1977, 26, 27).
Cunha (1989) afirma em sua Dissertao de Mestrado que a ideologia da
criminalidade mobiliza as pessoas conceberem o crime nos termos normal/anormal, tentando
explic-lo por uma incapacidade ou perverso. No percebendo a sociedade enquanto
estruturalmente criminosa, as pessoas constroem categorias maniquestas como bandido x
polcia, um assumindo o significado de mal e o outro de bem, escondendo a verdadeira ordem
social: A contradio normal - anormal esvazia todas as outras contradies, por ser
demasiado visvel nos meios de comunicao, nas ruas, no lar, de noite e de dia.
Cunha (1978) destaca que a partir da dcada de 60 do sculo passado, quando seinstalam no estado do Par as empresas industriais e agropecurias, o xodo rural produziu
uma maior diferenciao social, propiciando que as divises entre as classes sociais delineia-
se bem nitidamente, fazendo-se ento apelo a uma ideologia que afirmasse cada vez mais esta
nitidez. Neste sentido, o 'crime', com as inseguranas que parece criar, transforma-se na
ideologia estratgica para o exerccio da dominao." (Cunha, 1978).
Ento, no que diz respeito a R.J.A., vejamos como identificar nos relatos dos
entrevistados a organizao dicotmica da estrutura que expressa a ideologia da criminalidadepor meio dafala do crime, dicotomizando os acontecimentos entre o antes e o depois, entre
o bem e o mal.
hoje tem muito mais gente do que antes, tem mais problemas [...] tipomuito assaltos, roubos, voc anda com medo l, [...] so pobres n? Quemoram em invaso que vo pra l roubar [...] desconfio que uma pessoa ladro pelo tipo dele, so morenos, feios, pobres, usam semprebermudas de marginal, sapatos vehos, sei l [...] tem muito ambulanteque d agonia, atrapalha voc andar, muita barulheira dos camels edas lojas, t um caos!!! Antigamente no era assim!!!! Hoje voc que deboa famlia no pode ir pra l em paz [...] por tudo isso que te falei [...] oque ma
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