UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
A LAVAGEM DE DINHEIRO NOS TEMPOS ATUAIS
Por: Eliane Pennaforte Vilela
Orientador
Prof. Jean Alves
Rio de Janeiro
2013
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
A LAVAGEM DE DINHEIRO NOS TEMPOS ATUAIS
Apresentação de monografia à AVM Faculdade
Integrada como requisito parcial para obtenção do
grau de especialista em Direito Penal e Processual
Penal.
Por: . Eliane Pennaforte Vilela
3
RESUMO
Na verdade, trata-se de uma abordagem da Lei 9613/98, com
redação da Lei 12683/2012.
O escopo do trabalho foi no tocante às raízes históricas da Lavagem
de Dinheiro, reflexões e pesquisas, tanto na esfera penal quanto processual.
Ademais, fez-se necessário comparar as duas leis, e ainda, as
transformações da Lei 12683/2012, no direito pátrio.
Por derradeiro, como se pode vislumbrar o tipo penal referente à
lavagem de capitais e os pressupostos necessários para que o crime de
lavagem seja configurado.
4
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 05
CAPÍTULO I - RAÍZES HISTÓRICAS DA LAVAGEM 06
CAPÍTULO II – CONSUMAÇÃO DO CRIME 17
CAPÍTULO III – “LARANJAS” E TESTAS-DE-FERRO 24
CAPÍTULO IV – PRESCRIÇÃO 26
CAPÍTULO V – DELITOS DE LAVAGEM OU OCULTAÇÃO DE
BENS, DIREITOS E VALORES 27
CAPÍTULO VI – ASPECTOS PROCESSUAIS RELEVANTES 38
CAPÍTULO VII – CEGUEIRA DELIBERADA E LAVAGEM DE DINHEIRO 43
CONCLUSÃO 45
5
INTRODUÇÃO
Tendo em mira as principais metas destinadas a prevenir e a reprimir
a lavagem de capitais, pode-se dizer que a legislação básica de nosso País foi
construída sob forte inspiração do chamado princípio da justiça penal universal.
Nesse sentido, o nosso ordenamento jurídico acolheu e segue aplicando
algumas diretrizes básicas do direito penal econômico internacional, as quais
foram estabelecidas em tratados e convenções, firmados como estratégia de
política criminal transnacional.
Como ponto de partida é preciso mencionar a Convenção Contra o
Tráfico Ilícito de Substâncias Psicotrópicas, realizada em Viena, durante a
Conferência das Nações Unidas de 19 de dezembro de 1988, com o propósito
de deliberar sobre a adoção de uma política contra o tráfico de estupefacientes
e de substâncias psicotrópicas.
Por força desse tratado multilateral, os Estados signatários, entre
eles o Brasil, assumiram o compromisso de tipificar como infração penal as
ações consistentes na substituição, conversão ou ocultação de bens
provenientes do tráfico de estupefacientes. Incentivado então pelo interesse
internacional de se combater com maior eficiência os diversos ramos de
atividades ilícitas ligadas ao narcotráfico, o Brasil ratificou os termos daquela
Convenção.
No entanto, o projeto de lei versando sobre a matéria somente foi
encaminhado ao Legislativo após cinco anos, sendo posteriormente
transformado na Lei 9.613/1988. E foi a partir da edição desta lei que o Brasil
efetivamente aderiu aos esforços de outros países hemisféricos, com os
quais passou a trocar informações e a prestar mútuo auxílio na prevenção e
repressão a este tipo de criminalidade.
O texto original da Lei de Lavagem sofreu posteriores alterações,
6
determinadas pela Lei 10.467/2002; Lei 10.683/2003; Lei 10.701/2003; e Dec.
5.101/2004. Some-se a isso o reflexo das regras pertinentes aos sigilos de
dados, bancário e financeiro, determinadas pela Lei LC 105/2001.
Com o advento da Lei 12.683/2012 ocorreu uma profunda reforma
no instituto jurídico da lavagem de capitais. Com isso, a legislação nacional
sobe um degrau n escalada mundial de combate à lavagem, pois atinge o
patamar identificado como sendo de terceira geração. Trata-se de uma lei que
tem como escopo a eficiência na persecução penais dos crimes de lavagem.
Convém esclarecer, logo de início, que os crimes de lavagem ou
ocultação de bens possui características próprias, entre as quais o fato de que
a legislação aplicável não se limita a abordagem exclusiva de regras de direito
penal. O conhecimento jurídico do tema alberga, também, o estudo
complementar de leis, decretos , regulamentos e portarias que dialogam com
áreas específicas de direito constitucional, processual penal, internacional,
administrativo, bancário, financeiro, econômico, empresarial e civil.
Faz-se mister enfatizar que todos os diplomas legais mencionados
neste item, incluindo os projetos de lei, bem como o extenso marco civil-
administrativo regulatório da prevenção da lavagem e outros dispositivos
legais de relevância multidisciplinar, serão levados em conta nos comentários
que compõem a presente exposição.
CAPÍTULO I
RAÍZES HISTÓRICAS DA LAVAGEM
É milenar o costume utilizado por criminosos quanto ao emprego
dos mais variados mecanismos para dar aparência lícita ao patrimônio
7
constituído de bens e capitais obtidos através de ação delituosa1. Tem como
pano de fundo o avanço da criminalidade em múltiplas áreas.
A ocorrência de acontecimentos remotos do século passado que a literatura aponta como fatos embrionários desta modalidade criminosa. Um deles é o caso de Alphonse ( AL ) Capone, filho de imigrantes italianos provindos da região de Nápoles, nascido em Nova York. Esse conhecido infrator assumiu, por volta de 1920, o controle do crime organizado na cidade de Chicago, tornando-se milionário com a venda de bebidas ilegais. Foi preso por sonegação fiscal, após sofrer rigorosa investigação em suas declarações de renda. (BARROS, 2012, p.33)
Existe, ainda, menção ao comportamento de outro norte-
americano, Meyer Lansky, apontado por diversos pesquisadores como figura
central para o estudo da lavagem de dinheiro, visto que, sendo integrante de
organização criminosa, atuava nos Estados da Louisiana e Flórida, bem como
em Las Vegas, nas áreas de jogos, tráfico de entorpecentes, corrupção de
funcionários públicos etc., o qual passou a ocultar os lucros ilícitos em banco
suíço, a partir de 1932.
O surgimento da expressão MONEY LAUDERING, que na época
ainda não era formalmente utilizada para designar esse tipo de atividade
criminosa, o certo que tal expressão já era conhecida pelas autoridades norte-
americanas, que frequentemente a empregavam como referência à exploração
de máquinas automáticas utilizadas com o objetivo de lavagem de roupas por
parte dos mafiosos. Essa conhecida organização criminosa, durante as
décadas de 1920 e 1930, adquiriu inúmeros negócios legítimos para
proporcionar a mescla dos lucros provenientes de suas atividades ilegais com
as receitas das lavanderias.
Em período posterior ao término da Segunda Guerra Mundial,
durante a década de 70, alguns países começaram a sentir as consequências
geradas pelas ações dos grupos criminosos. Por exemplo, na Itália, grupos da
máfia e as Brigadas Vermelhas passaram a aterrorizar a nação com a prática,
1 BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas. 3ª ed., São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2012.
8
em altíssima escalada, de crimes de extorsões mediante sequestros, com fins
políticos e econômicos2. Com o fito de reprimir essa criminalidade violenta,
surge naquele país, em 1978, uma norma legal, que passa a incriminar a
substituição do dinheiro ou de valores provenientes de roubo qualificado,
extorsão qualificada ou extorsão mediante sequestro por outros valores ou
dinheiro.
Todavia, os dados históricos apontados linhas acima informam que
os Estados Unidos da América ( EUA ) já vinham combatendo o crime
organizado, especialmente nas áreas ilegais de bebidas, da exploração do jogo
e do tráfico internacional de drogas. Por consequência dessa perseguição
estatal é que se produziu, de acordo com diversos entendimentos, a iniciativa
mais clara no plano legislativo norte-americano, objetivando reprimir a lavagem,
por meio da promulgação do ato de 1970 ( BANK SECRECY ACT ).
Por força dessa normatização, tornou-se obrigatório o registro diário
dos depósitos bancários ou das transações financeiras realizadas em espécie (
cash ) superiores a 10.000 dólares. A partir daí, com o objetivo de burlar esse
registro, os criminosos passaram a efetuar depósitos em diversos bancos até o
limite de 9.999 dólares.
Uma dessas fraudes foi descoberta sob o estímulo da bem sucedida
operação internacional levada a cabo em 1989, chamada GREEN ICE,
coordenada pelo DEA|- Drug Enforcement Administration, órgão do
Departamento de Justiça norte-americano, o qual realizou o sequestro de 50
milhões de dólares e a prisão de 192 pessoas, em seis países: Estados
Unidos, Itália, Canadá, Grã-Bretanha, Espanha e Costa Rica. Foi desvendada
a NETWORK da cocaína, entre a COSA NOSTRA, a U.S, Máfia e o Cartel de
Cali. Houve, entretanto, outro caso de grande repercussão na imprensa norte-
americana foi o da chamada CONEXÃO PIZZA, levada a efeito no nordeste e
no meio oeste dos Estados Unidos entre os anos de 1979 e 1984. Tratava-se
de uma quadrilha dominada por sicilianos, tidos como traficantes de cocaína
2 Ibid.
9
provenientes da Colômbia, que se tornaram proprietários de diversas pizzarias
de fachada, utilizadas em operações de lavagem de dinheiro.
Dessa forma, foi durante a segunda metade do século passado que
a lavagem de capitais passou a despertar a atenção das autoridades
espalhadas pelo mundo. E diversos fatores contribuíram para a formação de
uma cultura internacional antilavagem, entre eles o próprio advento da
globalização, que por si só facilitou a ocorrência dos crimes considerados
transnacionais. Assim, a lavagem multiplicou-se no mesmo compasso em que
se deu o crescimento da criminalidade organizada, pois o desenvolvimento
progressivo desta última passou a depender do êxito do processo de lavagem
do lucro sujo, provenientes dos crimes praticados por organizações do gênero.
Quando ocorreu a celebração da Convenção de Viena, subscrita em
19 de dezembro de 1988, por representantes de mais de 100 países, durante
a conferência das Nações Unidas, já havia amadurecido o consenso de que a
criminalização da lavagem de dinheiro deveria constar dos ordenamentos
jurídicos internos dos países presentes ao referido ato. Essa foi areação eleita
para se enfrentar a criminalidade violenta e altamente lucrativa ( tráfico de
drogas, crime organizado etc. ) que se utilizava do sistema financeiro
internacional. Carli ( CARLA VERÍSSIMO ) aponta dois efeitos principais
decorrentes dessa deliberação internacional: o primeiro consistiu no fato de
optar-se por seguir o rastro do dinheiro ( FOLLOW THE MONEY ) para se
aperfeiçoar a investigação criminal; e o segundo efeito, destinava-se a atingir o
lucro obtido ( CATCH THE MONEY ), ou seja, a consequência e a motivação
do crime.3
No que tange ao Brasil, pode-se dizer que até 1990 a nossa
economia não era considerada atrativa para a lavagem de capitais, pois em
períodos de alta inflação ela deixa de ser vantajosa ante a desvalorização da
moeda. Foi a partir da abertura internacional de nossa economia ( ocorrida no
governo COLLOR ) e com a posterior implantação do Plano Real, que trouxe
3 Ibid. pg. 35.
10
estabilidade à moeda e ainda aqueceu o mercado com altas taxas de juros, que
o nosso País tornou-se um ambiente favorável aos olhos dos lavadores de
ativos sujos.
1.1 A lavagem no contexto da criminalidade globalizada
Pode-se dizer que a vertiginosa mutação deu os primeiros sinais de
sua presença na década de 90, quando o acesso à Internet se tornou público.
Passamos então a conhecer os reflexos produzidos pela chamada era da
sociedade da informação.
Surgiu a possibilidade de se produzir a comunicação eletrônica
massificada e em tempo real, fenômeno que, sem dúvida, trouxe incontáveis
benefícios para a humanidade.
Contudo, essa extraordinária invenção comunicativa do homem,
como historicamente ocorre, também acabou sendo utilizadas por mãos
criminosas.
Não existe estatística segura e confiável do fluxo mundial de dinheiro
sujo na economia global. O nosso Planeta abrange mais de 200 países e soma
uma população mundial que já ultrapassa sete bilhões de habitantes. E não
para de crescer.
Assim , a lavagem de capitais tem por característica marcante o
estilo de determinada criminalidade contemporânea, produzida por uma
geração de criminosos que utilizam métodos sofisticados para atingir seus
objetivos.
Mas, não se pode dizer que tais delitos só se caracterizam quando
confirmada a ligação internacional, até porque há tipos penais que se
configuram independentemente deste nexo internacional. É comum verificar,
entretanto, que eles geralmente estão integrados por um conjunto de atos
11
contínuos praticados em mais de um país.
Sem embargo, a grande massa desses crimes ultrapassa o espaço
territorial, marítimo e aéreo da soberania de qualquer Estado. Por isso a
colaboração internacional se tornou medida imprescindível para êxito no
combate à criminalidade organizada, pois ninguém pode negar que o progresso
gerado na área moderna definitivamente tornou as distâncias e as fronteiras
quase invisíveis.
De qualquer modo, está prevalecendo o entendimento no sentido de
ser perfeitamente possível compatibilizar o respeito à soberania de um Estado
com as medidas de cooperação jurídica internacional na área de combate à
criminalidade.
Assim sendo, faz-se necessária tornar efetiva a reciprocidade na
cooperação internacional de natureza investigativo-repressiva, notadamente
para conter o avanço do tipo de criminalidade altamente sofisticado.
1.2. Direito penal econômico e lavagem
Ao se multiplicar a criminalidade organizada por meio de redes
densificadas, numa velocidade que só é acompanhada pelos frequentes
surgimento de novos grupos sociais, que têm objetivos criminais, é natural que
se vislumbrem no processo de globalização as tentativas de criar novos tipos
penais
Ante o aumento da complexidade social, que é acompanhada palmo
a palmo pelo aumento da complexidade econômica e política mundial, novos
bens jurídicos invadiram o modelo clássico-liberal do Direto Penal. Mas, o
Código Penal brasileiro, forjado em antigas estruturas, demonstrou não estar
preparado para controlar o avanço da criminalidade nessa área.
Em vista disso, por força clara de política criminal ditada pelo
12
legislador, notou-se a crescente criminalização de condutas consideradas
agressivas à economia.
Assim, na abrangência da tutela penal lato sensu da ordem econômica, foram sancionadas, entre outros, novos tipos penais destinados a proteger bens e direitos relacionados com: a) sistema financeiro nacional ( arts.1º. A 23 da Lei 7.492/ 1986); b) relações de consumo ( arts. 61 a 76 da Lei 8.078/ 1990 – Código de Defesa do Consumidor -, e art. 7º da Lei 8.137/ 1990 ) ; c) ordem econômica ( art. 4º a 7º da Lei 8.137/1990; e art. 1º e 2º da Lei 8.176/1991) ; d) ordem tributária ( arts. 1º a 3º da Lei 8.137/1990 ) ; e) mercado de capitais ( arts. 27-c a 27-F da Lei 6.385/1976, com o capítulo VII-B acrescentado pela Lei 10.303/2001 ) ; f) finanças públicas ( arts. 359-A a 359 -H do CP ); g) sistema previdenciário ( arts. 168 e 337-A do CP ). (BARROS, 2012, p.41)
Tais bens jurídicos gozam de proteção explícita do direito penal
econômico e, nesse quadro se inclui o diploma legal que estabelece as
medidas preventivas e repressivas ligadas ao combate da lavagem de dinheiro.
Assinala-se que o direito penal econômico, como regra geral, vem
sendo moldado pela técnica dos crimes de perigo. Considera-se que a
expansão dos crimes de perigo abstrato está diretamente relacionada com a
questão dos bens jurídicos coletivos, como forma de antecipar a proteção penal
dos bens jurídicos individuais, tendo em vista o incremento do risco a que se
sujeita a sociedade atual. Essa característica é também sentida na Lei de
Lavagem.
É perfeitamente plausível depreender que a lavagem de capitais é
uma forma de crime que integra as raízes de um novo direito penal econômico,
o qual surge para dar respostas e apresentar soluções que o modelo clássico-
liberal do direito penal não soube apresentar. É necessário ser coerente com a
força impositiva que decorre da própria globalização. Assim, impõe reconhecer
que este movimento atende às formulações do novo direito penal econômico
internacional, o qual se encontra em pleno estágio de estruturação, como
poderemos verificar em vários momentos deste trabalho4.
4 Ibid, p.42.
13
1.3. Conceito de Lavagem
É bastante interessante o conceito de lavagem de dinheiro, como
podemos notar logo abaixo:
A expressão lavagem de dinheiro ( money laundering ) foi empregada pela primeira vez, no âmbito judicial, em 1982, em um tribunal dos Estados Unidos da América, no curso curso do processo que denunciava suposta lavagem de dinheiro originário de tráfico de cocaína colombiana. É certo que essa terminologia não é mundialmente uniforme. Na França e Bélgica fala-se em blanchiment d' argent; na Espanha, blanqueo de capitales ou blanqueo de dinero; em Portugal, branqueamento de dinheiro. Enquanto no direito destes países a denominação leva em conta o resultado da ação ( tornar limpo, branquear o dinheiro), em outras legislações predominou o verbo indicativo da natureza da ação praticada (lavar). É assim no direito anglo-saxão, money laundering; na Argentina lavado de dinero; na Itália, reciclaggio di denaro. (BARROS, 2012, p.47)
Em linguagem popular, costuma-se dizer que há três tipos de
dinheiro depositado ou investido fora do País: um é o dinheiro quente, que
possui origem regular comprovada; outro é o dinheiro frio, não declarado ao
governo, visto que sonegado geralmente em caixa 2 das empresas; e o terceiro
é o chamado dinheiro sujo, cuja origem corresponde ao produto de ilícito
penal. Em termos normativos, lavagem significa a transposição de uma
metáfora. Não constitui exatamente o ato de lavar o dinheiro utilizando-se a
água ou produto químico para fazê-lo, mas simboliza a necessidade de o
dinheiro sujo ( manchado pelo crime ) ser lavado por várias formas nos
circuitos financeiros, para depois a estes retornar lavado ( limpo ), sem deixar
rastro dessa origem criminosa, e com aparência de lícito.
Ainda sobre essa definição terminológica, acrescente-se que,
embora se tenha popularizado a expressão lavagem de dinheiro, o certo é que
a nossa legislação não se prende tão somente a tipificar ações de lavagem de
moeda, mas também inclui no mesmo cesto repressivo o combate à ocultação
de outros ativos, tais como bens, direitos e valores. Aliás, a lei não menciona
expressamente o termo “ dinheiro”, mas este se inclui, sem dúvida, como
14
espécie no contexto da ocultação do gênero bens.
Ainda que o conceito de lavagem de capitais apresente inúmeras
vertentes, costuma ser entendido como o “processo ou conjunto de operações
mediante o qual os bens ou dinheiro resultantes de atividades delitivas,
ocultando tal procedência, são integrados no sistema econômico e financeiro”.
Com efeito, tendo como ponto de partida que o delito em apreço
atenta contra a ordem econômico-financeira (nacional e internacional) é de
bom alvitre conceituá-lo como sendo a incorporação de dinheiro, bens ou
capitais obtidos de modo ilícito ao círculo econômico-financeiro legal ou lícito.
Em outras palavras, como “os diversos procedimentos pelos quais se procura
introduzir no tráfico econômico-financeiro legal os significativos benefícios
obtidos a aprtir da realização de determinadas atividades delitivas
especialmente lucrativas, possibilitando assim seu desfrute seja inquestionável
do ponto de vista jurídico”.
No Brasil, o primeiro diploma legal a versar especificamente sobre o
delito de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores foi a Lei 9.613, de 3
de março de 1998, que criou, também no âmbito do Ministério da Fazenda, o
COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), com a finalidade de
disciplinar, aplicar sanções administrativas, receber, examinar e identificar as
ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas nesta lei, sem prejuízo da
competência de outros órgãos e entidades ( art. 14 ).
Trata-se de órgão multidisciplinar, composto por servidores públicos
de reputação ilibada e reconhecida competência, designados por atos de
Ministro de Estado da Fazenda, dentre os integrantes do quadro de pessoal
efetivo do Banco Central do Brasil, da Comissão de Valores Mobiliários, da
Superintendência de Seguros Privados, da Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional, da Secretaria da Receita Federal, do órgão de inteligência do Poder
Executivo, do Departamento de Polícia Federal, do Ministério da Relações
Exteriores e da Controladoria-Geral da União, atendendo nesses 4 (quatro)
15
últimos casos, à indicaçãodos respectivos Ministros de Estado”.
1.4. Fases da lavagem
Nas recomendações expedidas pelo Grupo de Ação Financeira-
GAFI, a doutrina tem feito referência a essa série de atos, geralmente
agrupando-os em três etapas destinadas a compor integralmente o processo
de lavagem. São elas: ocultação, dissimulação e integração. A primeira delas,
ocultação, também chamada de colocação, conversão ou introdução, em
linguagem internacional conhecida como como fase do placement, consiste na
ocultação ou escamoteação dos ativos ilícitos . Busca-se distanciamento dos
bens, direitos ou valores provenientes do crime antecedente. Geralmente
utiliza-se o sistema financeiro ( bancos e empresas de crédito, inclusive de
paraísos fiscais) e o sistema geral da economia ( casas de câmbio,
investimentos em operações de bolsas, transações imobiliárias, aquisições de
joias e obras de arte etc.), com o objetivo de encobrir a natureza, localização,
fonte, propriedade e o controle dos recursos obtidos ilicitamente.
Nesta fase podem participar muitas pessoas para diluir ou fracionar
grandes somas de dinheiro e que as organizações criminosas procuram
desembaraçar-se de volumosas somas de dinheiro, em espécie, geradas pela
atividade ilícita, especialmente pelo tráfico de drogas, as quais são trasladadas
para estabelecimentos financeiros não tradicionais, localizadas em áreas ou
zonas distintas daquelas em que foram arrecadadas.
Todavia, na segunda etapa do processo de lavagem, pratica-se a
dissimulação, também conhecida como cobertura (layering), acumulação
(empillage), controle, circulação, estratificação e transformação5.
Corresponde ao acúmulo de investimentos com os quais se procura
5 PRADO, Luis Regis. Direito Penal Econômico. 5ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, pg.
376.
16
maquiar a trilha contábil (ou trilha do papel – paper trail), ou seja, disfarçar o
caminho percorrido pelos ativos provenientes do crime antecedente.
Para concluir o processo o processo trifásico, realiza-se a
integração (integration), fase que corresponde à própria finalização da
lavagem. Com a aparente licitude decorrente do cumprimento das etapas
anteriores, os lucros e os bens criminalmente obtidos são novamente
introduzidos na economia legal ou no sistema financeiro.
Isso geralmente se dá com a criação ou investimentos em negócios
lícitos ou, ainda, mediante a aquisição de bens em geral ( imóveis, obras de
arte, ouro, joias, ações, embarcações, veículos automotores etc. ), sendo o
capital, com aparência lícita, reaplicado nos setores econômico, financeiro e
produtivo do país, tal como ocorre nas operações de fundos legítimos.
Nesta última etapa consuma-se a mescla de atividades lícitas e
ilícitas, formando-se um bolo de ativos que gera enorme dificuldade para
atividade investigativa da polícia e da perícia.
O agente de lavagem mistura seus recursos ilícitos com os recursos
legítimos de uma empresa e depois apresenta o volume total como sendo a
receita proveniente da atividade legítima daquela empresa.
Além disso, não se perca de vista que esse modelo trifásico da
lavagem não elimina a possibilidade de se praticar esta infração penal por
meio de outras técnicas e as ações realizáveis fora do sistema financeiro. É por
isso que são investigados ilícitos dessa natureza cometidos nas áreas de
compra e venda de imóveis, na aquisição de bens móveis luxuosos, nos leilões
etc.
Por derradeiro, convém assinalar que a lavagem de capitais pode
ser levada avante não apenas nos sistemas bancário e financeiro, como
também em outras áreas de movimentação de valores e de riquezas, tais como
17
: agronegócio; clubes esportivos; combustíveis; construtoras; e-Commerce e
Internet; igrejas; importação e exportações de bens; loterias; bingos e
assemelhados; metais preciosos; joias; obras de arte e antiguidades; pessoas
jurídicas da indústria, comércio e de prestação de serviços; e terceiro setor.
CAPÍTULO II
CONSUMAÇÃO DO CRIME
O modelo trifásico compõe o tradicional processo de lavagem. Na
verdade, não há consenso na literatura sobre serem tais etapas obrigatórias do
processo, visto que em alguns casos há manifesta interdependência de
operações paralelas, que podem se comunicar ou se sobrepor no
desenvolvimento do percurso da lavagem.
Ocorre que a necessidade de se percorrer todas as etapas está
sendo questionada por alguns doutrinadores, sob o argumento de que o
modelo trifásico já não satisfaz à moderna identificação do sistema de lavagem
utilizado pelos criminosos. Vale dizer, o crime de lavagem pode se consumar
antecipadamente, já na primeira fase ( ocultação ou colocação ).
Os adeptos dessa corrente entendem que para a configuração da
lavagem é desnecessário atingir o auge da aparente licitude de bens ou
valores, eis que tem se tornado frequente, especialmente no caso de somas
elevadas, a circunstância de permanecerem estacionadas na esfera financeira,
onde estão seguras, sendo os juros de tal ocultação (ou colocação) suficientes
para manter a organização criminosa ou o criminoso.
Segundo essa linha de pensamento, o procedimento de colocação
especulativa em um mercado financeiro, notadamente naquele em que os
agentes econômicos têm necessidade de recorrer aos mercados internacionais
de capitais para a obtenção de financiamentos, e que por isso são praças
privilegiadas para servir de palco à lavagem, tato pode destinar-se à
18
dissimulação como à integração.
Sob outro argumento também se admite que uma única conduta
conotativa da fase de ocultação (ou colocação), aquela mediante a qual se
objetive ocultar ou distanciar a origem criminosa dos ativos, pode ser entendida
como fato típico, desde que se prove que o ato praticado é parte integrante do
processo de lavagem.
É dizer: esta nova posição sustentada por parte da literatura
especializada, que desde o princípio dos estudos a respeito da matéria se
apresentou de forma subjacente e transnacional, já não pode ser ignorada e
merece ser levada em conta no exame do caso concreto. O texto descritivo do
tipo penal não exige expressamente o exaurimento integral das condutas do
modelo trifásico. A nossa legislação considera como crime de lavagem
qualquer uma das etapas, inclusive com atribuição da mesma pena, as fases
de ocultação, dissimulação e integração podem ser segmentadas, até porque a
lavagem ocorre em situações variadas. Note-se que a consumação do crime,
seguindo essa linha de raciocínio, já foi declarada pela jurisprudência.
“ O depósito de cheques de terceiro recebidos pelo agente, como
produto de concussão, em contas-correntes de pessoas jurídicas, as quais
contava ele ter acesso, basta a caracterizar a figura de “lavagem de capitais”
mediante a ocultação da origem, da localização e da propriedade dos valores
respectivos (art. 1º, caput, da Lei 9.613/1998): o tipo não reclama nem êxito
definitivo da ocultação, visado pelo agente, nem o vulto e a complexidade dos
exemplos da requintada “engenharia financeira” transnacional com os quais se
ocupa a literatura” (STF, RHC 80.816/SP, 1ª TJ. 10.04.2001, rel. Min,
Sepúlveda Pertence, DJU 18.06.2001; RT 792/562-570).
2.1. Infração penal antecedente: pressuposto da lavagem
Conforme a recente reforma implantada pela Lei 12.683/2012, o tipo
penal da lavagem passou a ser descrito da seguinte forma: “ Ocultar ou
19
dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou
propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente,
de infração penal” .
Parte-se da premissa de que a lavagem destina-se a ocultar ou
dissimular a origem ilícita do lucro obtido ( bens, direitos ou valores) pela
prática de “infração penal”. Assim, se resume o novo elemento normativo do
tipo penal lavagem de capitais. A alteração é significativa e abrangente, pois
até mesmo o lucro de expressivo significado proveniente de contravenção
penal, ilícito este que é abarcado pela interpretação da expressão “infração
penal” anteriormente praticada (como no caso do jogo de bicho), pode vir a
configurar o ilícito da lavagem.
Salvo nas situações temporárias adiante mencionadas, abandonou-
se o critério do rol fechado de crimes antecedentes. Esse critério foi substituído
pela fase conectiva aberta, acolhendo-se como ilícitos antecedentes, infrações
penais de amplíssima variedade.
Vale a pena ressaltar que a legislação brasileira, originariamente ,
adotou uma posição intermediária em relação ao direito estabelecido por outras
nações. Logo após a realização da Convenção de Viena, alguns países
implantaram em suas legislações internas a tipificação penal da lavagem de
dinheiro, configurando-a somente quando a ocultação dos bens, direitos ou
valores tivesse como fato ilícito anterior o tráfico de entorpecentes. Pode-se
dizer que esta foi a linha primária de legislação sobre a matéria.
Todavia, nos países que adotaram tal sistemática verificou-se que a
lavagem também estava sendo utilizada como fase conclusiva de outras
modalidades criminosas. A partir disto, o rol dos crimes anteriores passou a ser
ampliado, sendo que em algumas legislações a sua abrangência confirmou-se
de forma plena e irrestrita para alcançar todo sistema repressivo penal,
figurando como exemplo desta ordem as legislações dos Estados Unidos da
América, Bélgica, França, Itália e Suíça. Assim, a nossa legislação, em
20
princípio ficou no meio termo. Adotou-se o princípio da acessoriedade limitada,
pois não se limitou exclusivamente à repressão da lavagem ou da ocultação de
patrimônio obtido em consequência do narcotráfico, e também não se
acomodou aos sistemas que admitem a conexão ampla e genérica dos crimes
de lavagem com qualquer tipo de ilícito precedente.
Tendo em vista a antiga forma estrutural (atualmente substituída pela
ampla reforma da Lei de Lavagem), os crimes antecedentes se apresentavam
por meio de artigo único, complementado por oito incisos, relacionados
alternativamente da seguinte forma: I – tráfico ilícito de substâncias
entorpecentes ou drogas afins; II – terrorismo e seu financiamento; III –
contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua
produção; IV – extorsão mediante sequestro; V – praticados contra a
Administração Pública, inclusive a exigência para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática
ou omissão de atos administrativos; VI – cometidos contra o sistema financeiro
nacional; VII – praticado por organização criminosa; VIII – praticado por
particular contra a administração pública estrangeira. Sempre consideramos
que a enunciação completa de tais dispositivos (rol de crimes antecedentes)
constituiu uma enumeração taxativa – numerus clausus – e não meramente
exemplificativa, não se admitindo acréscimo por analogia ou interpretação
extensiva.
Não obstante tenham sido revogados todos os incisos que
completavam a redação do caput do art. 1º, da Lei de Lavagem, cabe alertar
para o fato de que tais dispositivos devem ser levados em conta em relação
aos fatos que tenham sido praticados na vigência do texto revogado, ou seja,
sob a égide da lei antiga. Significa dizer, por exemplo, que a lavagem do lucro
decorrente da prática de um crime de roubo não pode ser imputada ao agente
se o fato ocorreu no dia anterior ao da data em que entrou em vigor a Lei
12.683/2012 (foi publicada em 10/07/2012, data em que entrou em vigor). O
crime de lavagem neste caso é atípico, por falta de previsão legal. O crime de
roubo não constituía um dos elementos normativos do tipo, isto é, não fazia
parte do rol dos crimes antecedentes. Nesse ponto a redação anterior do
21
dispositivo é mais favorável para o réu. Portanto, ainda que a conduta do
agente lavador se inicie ou tenha continuidade na vigência da lei atualmente
em vigor, se o crime principal, do qual decorre o lucro ilícito, não constava do
rol de crimes antecedentes, não se pode imputar-lhe o crime de lavagem.
Firmamos este entendimento com base nas máximas de que não há crime
sem lei anterior que o defina, e de que a lei penal não retroagirá, salvo para
beneficiar o réu ( art. 5º, XL, CF, c.c. O art. 2º, caput, e paragrafo único, CP).
De qualquer maneira , a infração penal ( crime ou contravenção ) da
qual se originar o lucro ilícito a ser lavado será considerada principal, primária,
básica ou delito determinante em relação ao crime de lavagem, enquanto este
último, do ponto de vista da criminalidade organizada, passa a ser acessório,
secundário ou derivado, porém, não menos relevante na estrutura criminosa.
Por isso, na literatura especializada é conhecida a frase no sentido de que a
lavagem de capitais é um crime parasitário, já que depende da existência de
um crime anterior.
2.2. Princípio da insignificância
Não há como limitar a configuração do crime de lavagem para ações
estritamente compatíveis com a macrocriminalidade, isto é, aquelas que geram
efeito devastador na órbita econômico-financeira. Existem casos de
considerável lesão ao patrimônio privado das pessoas físicas ou jurídicas será
possível identificar a lavagem. Entretanto, ao se enfrentar essa questão é
preciso deliberar com cautela, sem se afastar do critério de razoabilidade,
para não se cometer excesso ou injustiça.
É bom lembrar que a aplicação da lei se submete aos postulados da
fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal.
Cuida-se da obediência ao princípio da insignificância, ou da bagatela, que tem
o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada sob a
perspectiva de seu caráter material. Tal postulado considera necessária, na
aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores,
22
tais como: a) ofensividade da conduta do agente; b) a nenhuma periculosidade
social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; c)
a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
A difusão desse princípio junto aos estudiosos do direito penal se deve a Roxin, que identifica como um “recurso auxiliar para a interpretação restritiva” do teor literal do tipo penal, permitindo, na maioria dos tipos, desconsiderar os danos de pouca importância. Segundo escólio do Ministro Celso de Mello, do STF, o sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a danos, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo o desvalor – por não se importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.
Existe a possibilidade que em determinada situação se produza
apenas reduzida lesividade aos sistemas econômico e financeiro, como ocorre
na órbita do prejuízo individual ( ex.extorsão mediante sequestro ). Em
hipótese, se o raio de proteção legal se restringir ao resguardo de valor de
pouca expressividade monetária, a ponto de se confundir com o justo interesse
do ofendido em obter o ressarcimento pelos danos sofridos, é preciso sopesar
com muita cautela a imputação acessória referente ao crime de lavagem
É deliberação importante, que deve ser tomada com real prudência
e razoabilidade, a fim de se evitar o risco de vulgarização do crime de lavagem.
Será necessário indagar, no exame do caso concreto (infração penal
antecedente), se o lucro de origem ilícita expressa um valor ou montante
relevante, suficiente para interferir prejudicialmente na establilidade ou na
credibilidade do sistema econômico ou financeiro, bem como se a destinação
que lhe foi dada pode ou não caracterizar a consequente ação de lavagem de
capitais.
No exame do caso concreto, a avaliação não pode se desprender do
pressuposto de que o direito penal moderno segue a orientação político-
23
criminal baseada na ultima ratio que se curva à adoção dos princípios
subsidiariedade e de fragmentariedade, compatíveis com a intervenção penal
mínima, atentando-se especialmente para a confirmação dos postulados da
legalidade e da real ofensividade causada aos bens jurídicos tutelados.
Ressalte-se que o critério da subsidiariedade do Direito Penal indica
que a sua aplicação não deve ser posta em forma de prima ratio, reservando-
lhe utilização somente quando outras formas de controle social se mostram
insuficientes para a tutela dos bens jurídicos. De seu turno, o entendimento
doutrinário firmado sobre a fragmentariedade do direito penal destaca a
validade da intervenção penal somente para tutelar os bens jurídicos
efetividade essenciais à coexistência humana pacífica, em face de agressões e
ataques socialmente intoleráveis.
2.3. Sujeitos do delito
Qualquer pessoa física pode figurar como agente lavador.
Pode-se imputar ao autor do crime antecedente também a prática
do crime de lavagem, desde que sua conduta posterior ao crime-base se
amolde a um dos núcleos do tipo penal de lavagem.
Como no ordenamento jurídico pátrio não existe dispositivo legal que
permita punir penalmente uma pessoa jurídica operadora de lavagem de
dinheiro, a empresa lavadora, em princípio, não será considerada sujeito ativo
do crime, mas apenas o seu diretor ou representante estatutário.
24
CAPÍTULO III
“LARANJAS” E TESTAS-DE-FERRO
Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a
este cominadas, na medida de sua culpabilidade. Essa regra geral do concurso
de pessoas, prevista na lei penal, merece um comentário à parte neste
trabalho.
Figuras conhecidas em procedimentos de lavagem e que
conquistaram cadeira cativa no elenco dos agentes intermediários,
decididamente comprometidos com a prática dos crimes desta natureza e
tantas vezes mencionados ao longo deste trabalho, são os chamados “laranjas”
e testa-de-ferro.
“Laranja” é o termo usado para designar o que tecnicamente é
chamado de “interposta pessoa”.
Há três tipos de “laranjas”: a) pessoas ingênuas, simples, que, não
tendo capacidade econômica, são utilizadas nas transações ilegais e até
podem ignorar a operação de lavagem; b) pessoa que “cede” ou “empresta”
seus documentos, mediante o pagamento de determinada quantia, permitindo
a sua utilização para a finalidade que desconhece; c) pessoa que, além de
“emprestar o seu nome”, alicia outros “laranjas” para o trabalho.
A presença deste intermediário tornou-se comum nas antigas
operações de lavagem.
Testa-de-ferro, por sua vez, é o indivíduo que se apresenta como
sendo responsável por atos ou empreendimentos de outrem, cuja figura pode
ser também encontrada em operação de lavagem.
25
3.1. Outros agentes intermediários
Existem operações ou transações realizadas por instituições, que
não obstante atuarem em um ramo de negócios legítimos, também participam
ou são utilizadas, ainda que involuntariamente, na lavagem de recursos ilegais.
Considera-se que as instituições ou agentes intermediários mais comuns nos procedimentos de lavagem são os seguintes: a) bancos, inclusive bancos comerciais, bancos privados e caixas de poupança; b) corretoras de ações ou de mercadorias; c)bancos de investimento ou empresas de investimento ( fundos mútuos, por exemplo); d) operadoras de câmbio; e) emitentes, regatadores de cheques de viagens, de cheques de ordem de pagamento ou de outros instrumentos semelhantes; f) serviços de correios ( na venda de vales postais ); g) casas de penhores; h) empresas de empréstimo ou financiamento; i) cassinos e casas de jogos; l) companhias de seguros; m) corretores de metais preciosos, gemas e joias; n) agências de viagens; o) vendedores de veículos no varejo ( inclusive de automóveis, aeronaves e barcos ); p) corretores imobiliários. (BARROS, 2012, p. 60)
Caso na hipótese em tela ficar comprovada a participação
intencional (dolo)de representante de um dos entes acima mencionados, tal
pessoa pode ser também denunciada pelo Ministério Público, como coautor ou
partícipe de crime de lavagem.
CAPÍTULO IV
PRESCRIÇÃO
Só o Estado-Juiz pode aplicar a sanção penal. Esta exclusividade
para exercer o jus puniendi reflete-se, a um só tempo, no poder e no dever
estatal de reprimir a criminalidade e manter a paz social. Mas, o Estado só
pode punir após cumprir fielmente as regras que compõem o devido processo
26
legalidade.
Um dos corolários deste princípio estabelece que a aplicação de
pena só se confirma se for realizada em determinado tempo, o qual se
submete a duas variantes: uma correspondente a pretensão punitiva e outra a
pretensão executória. A primeira nasce com a prática do delito e encerra-se
com o trânsito em julgado de uma decisão condenatória, quando, da pena dd
então, passa a ter lugar a segunda , por meio da qual o Estado executa a pena
imposta na decisão condenatória irrecorrível.
Antes de transitar em julgado a sentença final, a prescrição começa
a correr do dia em que cessou a permanência ( característica do crime de
lavagem, que é permanente ). Regula-se pelo máximo da pena privativa de
liberdade cominada ao crime, devendo ser respeitada a tabela de prazos
estabelecida em lei ( art. 109 do CP ) .
Como para todas as figuras delituosas de lavagem o legislador
estipulou a pena de reclusão, de três a dez anos e multa, verificar-se-á a
prescrição em dezesseis anos.
Pondera-se que o termo inicial da prescrição antes de transitar em
julgado a sentença penal, nada tem a ver com a data em que foi praticado o
crime antecedente, tendo em vista a autonomia dos bens jurídicos tutelados e
dos processos.
Salienta-se mais, que a análise da ocorrência ou não da prescrição
do crime de lavagem também pode ser relevante em caso de interesse
internacional, manifestado em sede de pedido de extradição do criminoso.
CAPÍTULO V
DELITOS DE LAVAGEM OU OCULTAÇÃO DE BENS, DIREITOS E VALORES
(LEI 9.613/1998, COM REDAÇÃO DA LEI 12.683/2012) – ART. 1º:
27
Bem jurídico e sujeitos do delito: Sem dúvida alguma, uma das
questões mais tortuosas da matéria veiculada é exatamente a do bem jurídico
protegido. Inúmeras são as posturas doutrinárias a respeito, sendo prevalentes
as que consideram como sendo a Administração da Justiça e a ordem
econômica.
Acolhe-se a última posição; vale dizer, os bens jurídicos protegidos –
de caráter transindividual – são a ordem econômico-financeira, o sistema
econômico e suas instituições ou a ordem socioeconômica em seu conjunto
(bem jurídico categorial), em especial a licitude do ciclo ou tráfego econômico-
financeiro (estabilidade, regularidade e credibilidade do mercado econômico),
que propicia a circulação e a concorrência de forma livre e legal de bens,
valores ou capitais (bem jurídico em sentido técnico).
Aliás, essa é a linha adotada pela Diretiva 91/308/CEE (Prêambulo),
nos seguintes termos: “A utilização das entidades de crédito e das instituições
financeiras, na lavagem dos produtos de atividades delitivas, pode pôr
seriamente em perigo tanto sua solidez e estabilidade quanto a credibilidade
do sistema financeiro em seu conjunto, ocasionando com isso a perda de
confiança do público”.
Isso não significa que outro bem jurídico ou a Administração da
Justiça não possam vir a ser incidentamente l lesados. Todavia, optar pela
Administração da Justiça supõe, na verdade, renunciar à existência de uma
nova necessidade político-criminal que leva à incriminação da lavagem de
capitais como delito autônomo.
O mais importante a ser destacado nessa nessa linha de pensar é
a incorporação de bens e valores ilícitos na economia legal, e não sua
ocultação, favorecimento ou conhecimento do delito anterior.
Nas figuras típicas em análise, sujeito ativo é indiferente, podendo
ser qualquer pessoa, inclusive os autores ou partícipes do delito antecedente
28
(delito comum). Sujeito passivo é a coletividade.
Tipicidade objetiva e subjetiva: As condutas típicas descritas no art.
1º., caput, consistem em ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização,
disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores
provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
Trata-se de tipo misto alternativo, sendo as condutas epigrafadas de
ordem fungível. Isso significa que a realização de mais de uma conduta é
penalmente irrelevante. Além de ser delito de mera conduta, é também delito
de resultado cortado, em que a obtenção do fim almejado pelo autor não afeta
a sua consumação.
Ocultar expressa o ato de esconder, encobrir, não revelar,
“impossibilitar o conhecimento de sua situação jurídica e espacial”. Dissimular
equivale a encobrir com astúcia, disfarçar, esconder. É de notar que a distinção
entre ocultar e dissimular está no fato de que o primeiro há o mero
encobrimento, enquanto no último há emprego de astúcia, de engano, para
encobrir, para tornar imperceptível, ou não visível.
A ocultação ou dissimulação devem referir-se à natureza ( essência,
condições peculiares, especificidade), origem (procedência ou forma de
obtenção), localização (local onde se encontra ou se situa), disposição
(emprego, uso, utilização, seja gratuito ou oneroso) , movimentação
(deslocamento, mobilização, mudança, circulação) ou propriedade (titularidade,
domínio, direito de usar, gozar e dispor da coisa, bem como de reavê-la do
poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha) de bens, direitos
ou valores.
Objetos materiais do delito de lavagem são os bens, vantagens,
direitos ou valores. Bem vem a ser toda espécie de ativos, seja material, seja
imaterial, ou, ainda qualquer benefício que tenha valor econômico ou
patrimonial. Em termos genéricos, é tudo “o que tem utilidade, podendo
29
satisfazer uma necessidade ou suprir uma carência”, mas sempre com valor
econômico. Direito é tudo que se atribui ou que pertence a determinado
sujeito. Valor, em sentido econômico, “exprime o grau de utilidade das coisas,
ou bens, ou a importância que lhes concedemos para a satisfação de nossas
necessidades”. Na verdade, a palavra bem aqui consignada abrange direitos,
créditos ou valores.
Demais disso, é indispensável que esses bens, direitos ou valores
sejam oriundos, direta ou indiretamente, da prática anterior de uma infração
penal, sob pena de a conduta ser atípica. Com os termos “direta” diz-se de
modo reto, imediato, sem intermediações, e “indireta” quer significar de modo
mediato, oblíquo, por interposição ou intermediação.
Os produtos do crime (producta sceleris) são considerados objeto
material ou da ação do delito de lavagem de capitais sempre e quando sejam
suscetíveis de tráfego comercial. Também podem se objeto material do delito
em exame os ganhos, benefícios ou vantagens obtidos pela prática delitiva
(scelere quasita), bem como o preço do crime (promessa, recompensa), tido
como bem que dele exsurge.
Infração penal é elemento normativo jurídico-penal do tipo de injusto
(ação ou omissão típica e antijurídica – critério da acessoriedade limitada). É
bastante a configuração do injusto penal independentemente da condição
pessoal do agente (inculpável, isento de pena). Constitui-se em elemento
normativo jurídico-penal do tipo de injusto (ação ou omissão típica e
antijurídica – critério da acessoriedade limitada). É bastante a configuração do
injusto penal, independentemente da condição pessoal do agente (inculpável,
isento de pena). Constitui-se em elemento normativo do tipo objetivo que
aparece como condição típica.
A expressão infração penal, no sistema classificatório adotado pelo
ordenamento jurídico brasileiro, engloba tanto o crime (sinônimo de delito)
como a contravenção penal, espécies de injustos penais.
30
Questão interessante é a que diz respeito à possibilidade de o
agente da infração penal antecedente responder pelo concurso de delitos. Tem-
se como possível a configuração do concurso de delitos, respondendo o agente
pela infração penal antecedente e pela conduta de lavagens de capitais , visto
que a tutela jurídico-penal recai sobre bens jurídicos diversos e independentes.
Outros aspectos dignos de menção vêm a ser a admissão da
lavagem de capitais em cadeia, a extraterritorialidade do delito-base e os bens
substitutivos ( lavagem de dinheiro substitutiva).
A resposta é positiva para a hipótese primeira (lavagem em cadeia :
o crime de lavagem de capitais como infração penal antecedente a outra
infração da mesma espécie), visto que não há fixação de determinada infração
penal antecedente, como no texto anterior. Assim, não importa a natureza ou a
gravidade do ilícito penal anteriormente praticado.
Por outro lado, nada impede que o ilícito penal antecedente tenha
sido praticado no exterior, respeitados sempre o postulado da dupla
incriminação e a inexistência de disposição em sentido contrário.
No que tange aos bens substitutivos (delito de lavagem de capitais
substitutiva) – aqueles que não provêm diretamente da infração penal
antecedente, mas foram transformados ou substituídos -, são eles, em tese,
perfeitamente admissíveis, visto que é praxe regular e comum essa espécie de
operação no contexto da lavagem de dinheiro. Isso para o fato incriminado no
art. 1º., caput (Lei 9.613/1998, com a redação da Lei 12.683/2012), como
provenientes indiretamente de infração penal. Não obstante, o mesmo não se
pode dizer em relação ao disposto no § 1º. do art. 1º da citada lei.
No tocante às relações concursais, são aplicáveis as regras gerais
atinentes ao tema (arts. 69 e 70, CP). É dizer: por exemplo, em relação ao
delito antecedente de corrupção, seja ativa, seja passiva. Não há falar-se em
31
exaurimento da corrupção com o delito subsequente de lavagem de ativos,
visto que são tipos delitivos independentes, mas sim em eventual de concurso
de delitos.
O tipo subjetivo é representado pelo dolo (direto ou eventual), ou
seja, a consciência do agente de que o bem, direito ou valor são provenientes,
direta ou indiretamente, de ilícito penal (procedência delitiva dos bens), e pela
vontade de ocultar ou dissimular sua natureza, origem, localização, disposição,
movimentação ou propriedade. Não se admite a forma culposa. Todavia,
cumpre ressaltar que o Código Penal espanhol, diferentemente do direito
brasileiro, prevê a modalidade culposa.
Considera-se desnecessária a existência de um conhecimento
exato, preciso ou detalhado sobre a procedência criminosa dos bens, capitais
ou valores, sendo que se conforma com um mero conhecimento superficial ou
vago (conhecimento paralelo à esfera do profano) sobre a origem delitiva do
bem.
O erro versando sobre esse elemento fático como erro de tipo
opera a exclusão do dolo (art, 20, caput, do CP). É de suma importância à
alusão ao que nos ensina , com maestria , ROGÉRIO GRECO, no CÓDIGO
PENAL COMENTADO, 6ª EDIÇÃO, 2012 :
Erro, seguindo a lição de LUIZ FLÁVIO GOMES, é a falsa representação da realidade ou o falso ou equivocado conhecimento de um objeto (é um estado positivo). Conceitualmente, o erro difere da ignorância: esta é a falta de representação da realidade ou o desconhecimento total do objeto (é um estado negativo)”. E mais, seguindo o entendimento do grande mestre : “ Entende-se por erro de tipo aquele que recai sobre as elementares, circunstâncias ou qualquer dado que se agregue à determinada figura típica, ou ainda aquele, segundo Damásio, incidente sobre os “pressupostos de fato de uma causa de justificação ou dados secundários da norma penal incriminadora. Segundo Wessels, ocorre um “erro de tipo quando alguém não conhece, ao cometer o fato, uma circunstância que pertence ao tipo legal. O erro de tipo é o reverso do dolo do tipo: quem atua não sabe o que faz, falta-lhe, para o dolo do tipo, a representação necessária. (GRECO, 2012)
A consumação se dá com a realização das condutas de ocultar ou
dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou
32
propriedades de bens , direitos ou valores provenientes, direta ou
indiretamente, de uma infração penal, vale dizer, crime ou contravenção.
Trata-se de delito de mera atividade, de conteúdo variado e de
perigo abstrato, que se consuma com a simples realização da conduta típica,
sem a necessidade de produção de um resultado ulterior. É bastante a prática
do comportamento descrito no tipo objetivo. Caso contrário, pulveriza-se
qualquer efeito da incriminação, visto que a lavagem de dinheiro constitui um
processo sempre em aperfeiçoamento, o que torna difícil afirmar-se de modo
absoluto que um bem tenha sido definitivamente lavado, porque cada conduta
de reciclagem supõe um maior distanciamento do bem em relação à sua
origem ilícita.
No âmbito dessa espécie de criminalidade, regra geral organizada,
de cunho transindividual e com projeção internacional, a utilização da aludida
técnica de antecipação da tutela penal se revela um instrumento hábil à
proteção do bem jurídico.
Ademais, em sede político-criminal de merecimento e necessidade
de pena, sabe-se que o crime de lavagem de capitais produz graves distorções
nos indicadores e estabilidade reais da economia. Em consequência e em boa
lógica jurídica, a intervenção não pode ver-se reduzida à necessidade de
punição dos delitos-base, mas também à punição das atividades que supõem
que o produto de tais delitos se insere no circuito econômico-financeiro legal.
Em tese, a tentativa é possível – quando fracionável o processo
executivo -, ainda que de difícil configuração.
Convém enfatizar que o § 1º do art. 1º da Lei 9.613/1998 – com
redação da Lei 12.683/2012 – estabelece que incorre na mesma pena quem,
para ocultar ( esconder, encobrir, não revelar) ou dissimular (encobrir com
astúcia, disfarçar, esconder) a utilização (emprego, uso) de bens ou valores
provenientes de infração penal, pratica algumas das condutas descritas no
33
respectivo parágrafo.
O legislador, ao tipificar essas figuras delitivas, tem como escopo
obstar a “reconstrução da trilha de vestígios materiais que vincula o ativo ao
crime que o gerou”;
No § 2º, inciso I, do art. 1º da Lei 9.613/l998, com redação dada pela
Lei 12.683/2012, tipifica a conduta de quem “utiliza, na atividade econômica ou
financeira, bens, direitos e valores provenientes de infração penal”. Isso quer
dizer que os bens , direitos ou valores devem proceder diretamente de infração
penal, e não também na forma indireta prevista no art.1º., caput, da Lei.
Utilizar significa empregar, usar ou aplicar de qualquer modo ou maneira
(independentemente das condições). A atividade econômica é aquela que diz
respeito à produção, distribuição, circulação e consumo de bens e serviços,
enquanto que a atividade financeira refere-se à obtenção, gestão e aplicação
de recursos financeiros.
Nesse particular aspecto, tem-se como suficiente a mera utilização,
sem ter o agente por objetivo a ocultação ou a dissimulação da origem dos
bens, direitos ou valores.
Há entendimento no sentido de que o verbo utilizar deve ser compreendido como “fazer uso do objeto da lavagem, depois que este assumiu a aparência de legalidade”. Caso contrário, se estará punindo não o processo de lavagem de dinheiro, mas o uso de bem, direito ou valor, obtido do crime antecedente (VILARDI, C,S. apud PRADO, 2013, p. 375)
Assim, a conduta aqui tipificada é independente das infrações
precedentes, isto é, o sujeito ativo não precisa haver participado da infração
penal antecedente para a configuração dessa modalidade delitiva.
No inc.II, incrimina-se a conduta de participar de grupo, associação
ou escritório, tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária
é dirigida à prática de crimes previstos nesta lei. Trata-se de “uma forma
especial de concorrência que permitirá a imputação típica mesmo que o sujeito
ativo não esteja praticando os atos característicos da lavagem ou de ocultação
34
descritos pelo caput do art. 1º. e do respectivo § 1º” (Exposição de Motivos,
item 44, Lei 9.613 /1998) . Nessa hipótese, a responsabilidade penal é
consequência natural do concurso de pessoas (art.29 do CP) e do princípio da
culpabilidade – imputação subjetiva -, que veda a responsabilidade objetiva
(art. 18 e 19 do CP )
No que se refere aos elementos normativos grupo, associação e
escritório são conceitos extremamente indeterminados e revelam falta de
técnica legislativa, o que dificulta a identificação clara e sem dubiedade da
figura delitiva descrita no tipo legal, visto que “não concedem ao aplicador da
lei qualquer parâmetro objetivo para fixar o quantitativo mínimo de agentes
necessários à pratica associativa do delito”.
Por força do desazo redacional, o legislador acaba por violar um dos
princípios norteadores do Direito Penal, que é o princípio da legalidade, na sua
vertente de determinação, que exige que as leis sejam claras, determinadas e
objetivas.
A associação deve apresentar estabilidade ou permanência, não
sendo suficiente um simples ajuste de vontades. Tem como objetivo a prática
de vários crimes, da mesma espécie ou não, excluídos as contravenções e os
atos imorais. Ademais a associação delitiva não precisa estar formalizada : é
suficiente a associação fática ou rudimentar.
Tampouco é necessária hierarquia entre seus membros, visto que
todos respondem pelo delito. Os seus membros não precisam se conhecer ou
viver em um mesmo local. Mas devem saber sobre a existência dos demais.
É de salientar que, como a lei prevê a punibilidade daquele que
participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua
atividade principal ou secundária é dirigida à pratica de crimes previstos nesta
lei (participação específica e dolosa), ficam excluídas, em razão de uma
interpretação literal do dispositivo, as condutas dos agentes financeiros que
35
não participem de grupo, associação ou escritório destinado à lavagem, não
obstante estarem cientes da proveniência ilícita dos bens, direitos ou valores a
serem integrados no mercado financeiro. Esses agentes financeiros somente
responderiam, caso fossem considerados garantidores do bem jurídico tutelado
pela lei. Como não têm essa função, não lhes pode imputar o delito, ainda que
realizem a transferência de fundos de origem suspeita. Isso porque não faz
parte de suas atribuições o controle ou a verificação da origem ilícita desses
valores, mas executar as tarefas que lhe incumbem dentro da empresa,
ressalvada eventual conduta culposa se prevista em lei,
O tipo subjetivo é composto pelo dolo direto ou eventual,
consubstanciado nas expressões provenientes de infração penal(inc.I) e tendo
conhecimento (inc.II)
O delito em apreço consuma-se com a mera participação na
associação, grupo ou escritório (delito de mera atividade). Como se visualiza,
trata-se de delito de perigo abstrato. A simples associação é o suficiente. Ou
seja, pune-se o simples fato de se figurar como integrante da associação.
Saliente-se que o delito é permanente.
A tentativa é inadmissível, pois o que se está punindo são, em
realidade, atos preparatórios.
Causas de aumento de pena: As penas previstas no art, 1º, caput,
incs. I a VI. São aumentadas de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) nas
hipóteses em que o crime seja cometida de forma reiterada ou por intermédio
de organização criminosa (art.1º, § 4º., da Lei 9.613/1998, com a redação da
Lei 12.683/2012).
Na primeira hipótese, o aumento diz respeito à reiteração criminosa
(fazer de novo repetidas vezes), ou seja, a repetição ou renovação da prática
delitiva, nesse caso é uma qualidade do autor que se dedica a praticar delitos
de lavagem ou ocultação de bens, direitos ou valores e “cada um dos crimes
anteriores possui plena autonomia, e é seu conjunto que permite o aumento de
36
pena. Há aqui pluralidade de condutas.
Com melhor técnica, a Lei 12.683/2012 modifica a terminologia
anterior – de habitual para reiterada -, inclusive para não se confundir com o
chamado delito habitual, entendido como aquele que contém comportamentos
idênticos e repetidos , que só se perfazem em decorrência de uma ação
reiterada.
Ainda no concernente à majorante, convém evidenciar um aspecto
de grande importância relativamente ao concurso aparente de leis entre o
disposto no § 4º do art.1º. Da Lei 9.613/1998 (alterado pela Lei 12.683/2012),
primeira parte, e o contido no art. 71 do Código Penal. Em outro modo: o fato
concreto aparece compreendido em duas leis, que concorrem para a sua
valoração.
Na hipótese em exame, deve ser aplicada a regra específica contida
neste artigo por força do princípio da especialidade – lex specialis derogat legi
generali - ( art, 12, CP), em detrimento da regra geral da continuidade delitiva.
Isso se faz necessário em obediência estrita ao princípio constitucional do ne
bis in idem e ao princípio da valoração integral, visto que há total valoração da
conduta realizada (injusto e culpabilidade).
Aumenta-se, ainda, a pena se o delito é cometido por intermédio de
organização criminosa, que “apresenta características de instituição, similar
àquelas, de molde empresarial, dedicando-se a atividades proibidas, que
encontram demanda em determinados setores da sociedade e trazem lucro.
A recente Lei 12.694/2012 conceitua organização criminosa, nos
termos seguintes: “Art. 2º. Para os efeitos desta Lei, considera-se organização
criminosa a associação de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada
e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o
objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza,
mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4
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(quatro) anos ou que sejam de caráter transacional.”
Causas de diminuição da pena e perdão judicial: O art. 1º., e § 5º.,
da Lei em comento prescreve que “a pena poderá ser reduzida de 1 (um) a 2/3
(dois terços) e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao
juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de
direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as
autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das
infrações penais, à identificação dos autores e partícipes, ou à localização dos
bens, direitos ou valores objeto do crime”.
Tal disposição vem a ser uma causa de redução de pena, que se
constitui em direito subjetivo do réu, desde que presentes os pressupostos
legais de incidência da norma.
Trata-se de uma causa de diminuição de pena incidente sobre a
magnitude culpável do agente. Além disso, a previsão em regime aberto ou
semiaberto busca evitar a convivência na prisão entre o colaborador e aqueles
a quem tenha denunciado.
No referente à possibilidade do perdão judicial, cumpre salientar que
o delito vem a ser a ação ou omissão típica, ilícita e culpável . A punibilidade
não integra esse conceito. Com a realização do injusto penal culpável, o direito
de punir estatal abstrato torna-se concreto, surgindo, assim, a categoria da
punibilidade. Dessa forma, a punibilidade é mera condicionante ou pressuposto
da consequência jurídica do delito. Pode a punibilidade ser extinta quando
sobrevêm determinadas causas que eliminam a possibilidade jurídica de
imposição ou execução da sanção penal correspondente.
Pena e ação penal: Cominam-se as penas de reclusão, de três a
dez anos e multa.
A ação penal é pública incondicionada. A competência para o
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processo e julgamento de tais crimes é da Justiça Comum. Entretanto, é da
Justiça Federal: “a) quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem
econômico-financeira, ou em detrimento de bens, serviços ou interesses da
União, ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas; b) quando o
crime antecedente for de competência da Justiça Federal” (art. 2º., III, da Lei
9.613/1998, com redação da Lei 12.683/2012.
CAPÍTULO VI
ASPECTOS PROCESSUAIS RELEVANTES – Lei
12.683/2012
A Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012, com vigência imediata a
partir do dia seguinte (da publicação), promove relevantes alterações na Lei nº
9.613/1998, a começar por aquelas de natureza penal.
Com efeito, enquanto a legislação anterior se referia ao crime antecedente , a Lei 12.683/2012 modifica o art. 1º., para esclarecer que o delito de lavagem de dinheiro (ocultação, dissimulação etc.) se configurará em relação à destinação dos proveitos obtidos em qualquer infração penal antecedente, seja ela crime, seja contravenção. Mudança radical, como se vê. (PACELLI, 2012, p. 836)
No que toca às disposições processuais penais, as mudanças nem
são tão relevantes assim.
Merecem, contudo, maiores cuidados:
a) embora o atual art. 2º., da Lei 9.613/1998 (com redação dada pela
Lei 12.683/2012) , se refira ao procedimento comum dos crimes punidos com
reclusão, cabe objetar que o nosso CPP, desde o ano de 2008, com a Lei
11.719, não mais classifica os ritos segundo a natureza do regime penitenciário
(reclusão, detenção). O art. 394, CPP, com efeito, divide o procedimento
comum em ordinário, cabível para os crimes com pena igual ou superior a
quatro anos, sumário, para os delitos cuja sanção máxima seja inferior a quatro
anos, e sumaríssimo, cabível para as infrações de menor potencial ofensivo
39
(Lei 9.099/95);
Vê-se, portanto, que o rito procedimental para os delitos de lavagem
é o ordinário,
b) competirá ao juiz competente para o crime de lavagem o juízo de
conveniência acerca da reunião de processos, entre os aludidos delitos e as
infrações penais antecedentes (art.2º.,II). E isso mesmo na hipótese em que o
antecedente for contravenção penal. No ponto , a lei se mostra compatível com
o art. 60, da Lei 9.099/95, que ressalva a possibilidade de afastamento da
competência dos Juizados nas hipóteses de conexão e continência;
c) a competência da Justiça Federal é ratificada, reproduzindo-se
parcialmente a norma constitucional do art. 109, IV e V, CF, além das regras
gerais da jurisdição federal (art.2º.,III, b);
d) autoriza o processo pelo delito de lavagem ainda que extinta a
punibilidade da infração penal antecedente, ou desconhecido ou isento de pena
o respectivo autor.
De ver-se, em tal situação, que toda matéria de fundo que deveria
ser enfrentada no processo antecedente será devolvida ao juiz competente
para o julgamento do crime de lavagem, na medida em que a decisão de
extinção da punibilidade, ainda que considerada de mérito, não aprecia
efetivamente os fatos ali imputados.
e) nas hipóteses da citação por edital, não se aplicará a regra do art.
366, CPP (suspensão do processo e do prazo prescricional). Essa previsão já
se continha na redação originária da Lei 9.613/1998. No entanto, com a
superveniência da Lei 11.719/08, sempre defendemos que também a legislação
de lavagem deveria ser atingida pela norma do art.366, parágrafo único, CPP,
a determinar a suspensão do processo.
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No entanto, a reiteração da norma na Lei 12.683/2012 – que,
evidentemente é posterior àquela de nº 11,719/08 – reintroduz a velha regra,
no sentido de se afastar a aplicação do art. 366, CPP.
Cumpre examinar as atuais disposições do art.17 da Lei 9.613/98,
que receberam a companhia do art. 17-A, B ,C ,D e E.
Com efeito, diz o art.17-D que “em caso de indiciamento do
servidor público, este será afastado, sem prejuízo da remuneração e demais
direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão
fundamentada o seu retorno”.
A Constituição da República, solenemente ignorada nesse ponto,
garante que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal (art.5º, LIV), Não constitui esforço algum chegar-se à conclusão
de que essa garantia constitucional abrange todos os atributos juridicamente
relevantes que integra o patrimônio geral da pessoa de direitos. E isso inclui, à
evidência, o exercício de cargo ou função pública!
Por isso, ou já por isso, impensável que se atribua tamanha
relevância ao ato de indiciamento de algum investigado.
Outro dispositivo que poderá causar alguma perplexidade diz
respeito ao art. 17-B, que autoriza o Ministério Público e a autoridade policial a
terem acesso, exclusivamente, aos dados cadastrais do investigado,
relativamente à qualificação pessoal, filiação e endereço, que constem da
Justiça Eleitoral, das empresas telefônicas, das instituições financeiras, dos
provedores de Internet e das administradoras de cartões de crédito. Tudo isso
sem a autorização do juiz.
Em relação ao Ministério Público, sempre sustentamos a
possibilidade desse acesso, independentemente de ordem judicial. A legislação
orgânica do PARQUET, seja a federal, seja a estadual, permitem essa
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conclusão. E, mais. As informações tornadas acessíveis pela lei àquelas
autoridades, à exceção do endereço, não tangeciam de modo significativo a
privacidade, a intimidade e a imagem da pessoa. Visam apenas a
identificação, e tal como fornecida pelo interessado aos órgãos e entidades
mencionadas no art. 17-B. Confira-se, ao propósito, decisão do Supremo
Tribunal Federal, reconhecendo a legitimidade do acesso às informações
constantes de aparelho celular pela autoridade policial, relativamente às
ligações então realizadas (HC nº 91.867, 2ª Turma, unânime, 24.4.2012).
Evidentemente, estamos nos referindo ao acesso às referidas
informações, se e enquanto requeridas no curso de regular procedimento
investigatório. E que tenha por objeto a apuração de crimes de lavagem de
dinheiro. Não se trata de norma de conteúdo geral, aplicável a quaisquer
investigações. Fosse o caso, a alteração estaria no próprio CPP. E é
exatamente essa excepcionalidade – para crimes de lavagem – que pode
justificar a validade da medida.
As demais introduções legislativas – art. 17-A, C e E – não oferecem
qualquer dificuldade, limitando-se a definir regras de movimentação de
informações, além da aplicação subsidiária do CPP.
Em relação às medidas assecuratórias, houve significativas
mudanças.
Observe-se, por primeiro, que poderá o juiz de ofício, ou a
requerimento do MP ou por representação da autoridade policial (caso em que
será ouvido o MP, em 24 horas) decretar medidas assecuratórias de bens,
direitos ou valores do investigado ou acusado, ainda que existentes em nome
de terceiros ( a lei fala em interpostas pessoas).
Para variar, a legislação brasileira ignora os mais elementares
princípios do processo penal moderno. O juiz não é o senhor da persecução
penal. Suas altíssimas e relevantes funções não são compatíveis com a defesa
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de interesses preferencialmente acusatórios. Julgamos inválidas todas as
normas que permitem ao magistrado a decretação de quaisquer cautelares de
ofício, se na fase investigatória tiver sua ocorrência. Nessa fase, de inquérito
policial ou de outra espécie de investigação administrativa, o juiz sempre
deverá atuar como juiz das garantias individuais, zelando pela correta
aplicação da lei e da tutela dos interesses da administração da justiça.
De modo que não se deve aceitar a iniciativa judicial, de ofício, da
decretação das medidas assecuratórias. Tanto poderão provocar o magistrado
nessa fase, o Ministério Público, quanto a autoridade policial, responsáveis
diretos pela persecução penal. Inconstitucionalidade manifesta e que não
temos dúvidas que será reconhecida nos tribunais
CAPÍTULO VII
CEGUEIRA DELIBERADA E LAVAGEM DE DINHEIRO
7.1. Introdução
Certos temas se encontram no campo do perene debate. Outros
tantos mostram-se de importância sazonal. De tempos em tempos, alguns
voltam às luzes, bradando por respostas ou por maior severidade dada a
suposta necessidade de contenção criminosa. O recente julgamento da AP 470
é bastante rico nesse cenário, e, em especial, os novos contornos do dolo e do
dolo eventual merecem reflexão própria.
As dúvidas de como se daria uma sorte de responsabilizações por
suposta prática de lavagem de dinheiro mediante o dolo eventual aumenta a
polêmica. Notadamente questões ligadas ao tráfico de drogas, e mais
contemporaneamente, à lavagem de capitais geraram um sem número de
novas modalidades de imputação penal. Como na busca de uma boa razão
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para o punir, intentam-se novas leituras de múltiplas ordens. Nesse contexto,
nota-se o início da utilização de um instituto da ignorância ou cegueira
deliberada, de origem na commom law também na realidade brasileira.
7.2. A cegueira deliberada
A importância assumida pelo elemento subjetivo a partir do finalismo,
bem justifica toda a dificuldade do tema. Diversas teorias são encontradas
desde a presença do tradicional dolus malus. Hoje, a profusão de conceitos é
enorme, ainda que exista no Brasil e no exterior, preferências por banalizações
temáticas nem sempre justificáveis. O espectro em países da commom law, no
entanto é diverso. A questão do elemento subjetivo- mens rea – detém
variações distintas, verificando questões particularmente psicológicas. Entre os
elementos positivos de culpabilidade, verificar-se-iam a intenção ou
conhecimento, a imprudência ou temeridade e a negligência. Entendendo-se
que o conhecimento exige que o autor atue com consciência atual sobre a
existência de um fato concreto, estipulou-se como uma forma de equiparação a
esta, a situação de quem se coloca em posição de ignorância quanto a certos
elementos prévios, pelo que se convenciona denominar teoria da ignorância ou
cegueira deliberada.
7.3. A discussão no direito brasileiro
Poucas são as menções da chamada cegueira deliberada na
discussão jurisprudencial brasileira. Entretanto, considerando-se que a
indiferença seria presente em sua incidência, como também o é em situações
de imprudência e de dolo eventual, começa-se a perceber a confluência
conceitual entre os diversos institutos. De fato, são vistos dois casos de
destaque. Primeiramente, postulou-se sua aplicação no conhecido caso do
assalto ao Banco Central em Fortaleza (autos 2005.81.00.014586-0, 11.ª VARA
FEDERAL da Subseção de FORTALEZA, Seção Judiciária do Ceará). Aplicada
a teoria para sustentar a condenação em primeiro grau de alguns réus, a
sentença faz interessante menção à teoria da cegueira deliberada, chegando a
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mencionar que “é importante destacar que a ignorância deliberada não se
confunde com negligência, havendo aqui a mesma fronteira tênue , ao menos
do ponto de vista probatório, entre o dolo eventual e a culpa consciente”.
7.4. Os problemas de aplicação
Os problemas de aplicação da teoria da cegueira deliberada em
sede de civil law são patentes. Embora seja inegável verdade, desde algum
tempo, que se verifique certa inteiração entre os sistemas, cuidados bem
explícitos devem ser postos.
Parece bastante certo que a teoria da cegueira deliberada ganha o
mundo também no direito penal continental, em especial buscando superar
aparente déficits de punibilidade em casos extremos, particularmente no que
diz respeito a crimes vinculados ao tráfico de drogas e à lavagem de dinheiro.
Haveria, no entanto, racionalidade nessa construção?
Faz-se mister enfatizar que a utilização da teoria da cegueira
deliberada como parâmetro de ampliação do conceito de dolo eventual é
extremamente problemática, pois nem toda situação de ignorância deliberada
implica, necessariamente, em dolo eventual. Apesar de poder se dizer que todo
dolo eventual se enquadraria no que se entende por cegueira deliberada, o
inverso não é verdadeiro.
Assim sendo, tais considerações devem ser tidas em conta antes de
uma pretensa ampliação da leitura jurisprudencial.
CONCLUSÃO
Sem a intenção de esgotar o tema LAVAGEM DE CAPITAIS, faz-se
necessária a ponderação de que por se tratar de um lei que recebeu “nova
roupagem”, não há como esgotar o assunto. Será sempre passível de inúmeras
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reflexões.
Ademais, fica patente que o escopo da lei 12.683/2012 ( em
alteração à Lei 9.613/1998 ) é de maior severidade ou rigidez, no tocante à
punição do agente.
BIBLIOGRAFIA
De BARROS, Marco Antonio. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis
Correlatas – 3ª edição -, EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS, 2012.
PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômico – 5ª Edição – EDITORA
REVISTA DOS TRIBUNAIS, 2013.
PACELLI, Eugênio . Curso de Processo Penal – EDITORA ATLAS, 2013.
GRECO, Rogério. Código Penal Comentado – EDITORA IMPETUS, 2012
Artigo referente ao tema: CEGUEIRA DELIBERADA - DE MELLO, Renato
Jorge Silveira (Professor titular da Faculdade de Direito da USP).
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