SUMRIO O PROBLEMA.............................................................................................................3 AS TEORIAS NO-CRTICAS ....................................................................................5
A PEDAGOGIA TRADICIONAL...............................................................................5 A PEDAGOGIA NOVA.............................................................................................7 A PEDAGOGIA TECNICISTA................................................................................12
AS TEORIAS CRTICO - REPRODUTIVISTAS ........................................................17 TEORIA DO SISTEMA DE ENSINO ENQUANTO VIOLNCIA SIMBLICA........18 TEORIA DA ESCOLA ENQUANTO APARELHO IDEOLGICO DE ESTADO (AIE)...............................................................................................................................23 TEORIA DA ESCOLA DUALISTA .........................................................................27
PARA UMA TEORIA CRTICA DA EDUCAO.......................................................32 POST-SCRIPTUM .................................................................................................35
ESCOLA E DEMOCRACIA I .....................................................................................39 A TEORIA DA CURVATURA DA VARA ................................................................39 O HOMEM LIVRE..................................................................................................42 A MUDANA DE INTERESSES............................................................................44 A FALSA CRENA DA ESCOLA NOVA ...............................................................46 ENSINO NO PESQUISA..................................................................................49 A ESCOLA NOVA NO DEMOCRTICA ..........................................................52 ESCOLA NOVA: A HEGEMONIA DA CLASSE DOMINANTE ..............................54
AS TEORIAS DA EDUCAO E O PROBLEMA DA MARGINALIDADE
O PROBLEMA
De acordo com estimativas relativas a 1970, "cerca de 50% dos alunos
das escolas primrias desertavam em condies de semi-analfabetismo ou de
analfabetismo potencial na maioria dos pases da Amrica Latina. 1 Isto sem se
levar em conta o contingente de crianas em idade escolar que sequer tm acesso
escola e que, portanto, j se encontram a priori marginalizadas dela.
O simples dado acima indicado lana de imediato em nossos rostos a
realidade da marginalidade relativamente ao fenmeno da escolarizao. Como
interpretar esse dado? Como explic-lo? Como as teorias da educao se
posicionam diante dessa situao?
Grosso modo, podemos dizer que, no que diz respeito questo da
marginalidade, as teorias educacionais podem ser classificadas em dois grupos.
Num primeiro grupo, temos aquelas teorias que entendem ser a educao
um instrumento de equalizao social, portanto, de superao da marginalidade.
Num segundo grupo, esto s teorias que entendem ser a educao um
instrumento de discriminao social, logo, um fator de marginalizao.
1 Tedesco, 1981, p. 67
Ora, percebe-se facilmente que ambos os grupos explicam a questo da
marginalidade a partir de determinada maneira de entenderias relaes entre
educao, e sociedade. Assim, para o primeiro grupo a sociedade concebida como
essencialmente harmoniosa, tendendo integrao de seus membros. A
marginalidade , pois, um fenmeno acidental que afeta individualmente a um
nmero maior ou menor de seus membros o que, no entanto, constitui um desvio,
uma distoro que no s pode como deve ser corrigida. A educao emerge a,
como um instrumento de correo dessas distores. Constitui, pois, uma fora
homogeneizadora que tem por funo reforar os laos sociais, promover a coeso
e garantir a integrao de todos os indivduos no corpo social. Sua funo coincide,
pois, no limite, com a superao do fenmeno da marginalidade. Enquanto esta
ainda existe, devem se intensificar os esforos educativos; quando for superada,
cumpre manter os servios educativos num nvel pelo menos suficiente para impedir
o reaparecimento do problema da marginalidade. Como se v, no que respeita s
relaes entre educao e sociedade, concebe-se a educao com uma ampla
margem de autonomia em face da sociedade. Tanto que lhe cabe um papel decisivo
na conformao da sociedade evitando sua desagregao e, mais do que isso,
garantindo a construo de uma sociedade igualitria.
J o segundo grupo de teorias concebe a sociedade como sendo
essencialmente marcada pela diviso entre grupos ou classes antagnicos que se
relacionam base da fora, a qual se manifesta fundamentalmente nas condies
de produo da vida material. Nesse quadro, a marginalidade entendida como um
fenmeno inerente prpria estrutura da sociedade. Isto porque o grupo ou classe
que detm maior fora se converte em dominante se apropriando dos resultados da
produo social tendendo, em conseqncia, a relegar os demais condio de
marginalizados. Nesse contexto, a educao entendida como inteiramente
dependente da estrutura social geradora de marginalidade, cumprindo a a funo
de reforar a dominao e legitimar a marginalizao. Nesse sentido, a educao,
longe de ser um instrumento de superao da marginalidade, se converte num fator
de marginalizao j que sua forma especfica de reproduzir a marginalidade social
a produo da marginalidade cultural e, especificamente, escolar.
Tomando como critrio de criticidade a percepo dos condicionantes
objetivos, denominarei as teorias do primeiro grupo de "teorias no-crticas" j que
encaram a educao como autnoma e buscam compreend-la a partir dela mesma.
Inversamente, aquelas do segundo grupo so crticas uma vez que se empenham
em compreender a educao remetendo-a sempre a seus condicionantes objetivos,
isto , aos determinantes sociais, vale dizer, estrutura scio-econmica que
condiciona a forma de manifestao do fenmeno educativo. Como, porm,
entendem que a funo bsica da educao a reproduo da sociedade, sero por
mim denominadas de teorias crtico-reprodutivistas.
AS TEORIAS NO-CRTICAS
A PEDAGOGIA TRADICIONAL
A constituio dos chamados "sistemas nacionais de ensino" data de
incios do sculo passado. Sua organizao inspirou-se no princpio de que a
educao direito de todos e dever do Estado. O direito de todos educao
decorria do tipo de sociedade correspondente aos interesses da nova classe que se
consolidara no poder: a burguesia. Tratava-se, pois, de construir uma sociedade
democrtica, de consolidar a democracia burguesa. Para superar a situao de
opresso, prpria do "Antigo Regime", e ascender a um tipo de sociedade fundada
no contrato social celebrado "livremente" entre os indivduos, era necessrio vencer
a barreira da ignorncia. S assim seria possvel transformar os sditos em
cidados, isto , em indivduos livres porque esclarecidos, ilustrados. Como realizar
essa tarefa? Atravs do ensino. A escola erigida, pois, no grande instrumento para
converter os sditos em cidados.
"redimindo os homens de seu duplo pecado histrico: a ignorncia, misria moral e a opresso, misria poltica"2
Nesse quadro, a causa da marginalidade identificada com a ignorncia.
marginalizado da nova sociedade quem no esclarecido. A escola surge como
um antdoto ignorncia, logo, um instrumento para equacionar o problema da
marginalidade. Seu papel difundir a instruo, transmitir os conhecimentos
acumulados pela humanidade e sistematizados logicamente. O mestre-escola ser o
artfice dessa grande obra. A escola se organiza, pois, como uma agncia centrada
no professor, o qual transmite, segundo uma gradao lgica, o acervo cultural aos
alunos. A estes cabe assimilar os conhecimentos que lhes so transmitidos.
teoria pedaggica acima indicada correspondia determinada maneira de
organizar a escola. Como as iniciativas cabiam ao professor, o essencial era contar
com um professor razoavelmente bem preparado. Assim, as escolas eram
organizadas na forma de classes, cada uma contando com um professor que 2 Zanotti, 1972, p.22,23
expunha as lies que os alunos seguiam atentamente e aplicava os exerccios que
os alunos deveriam realizar disciplinadamente.
Ao entusiasmo dos primeiros tempos suscitado pelo tipo de escola acima
descrito de forma simplificada, sucedeu progressivamente uma crescente decepo.
A referida escola, alm de no conseguir realizar seu desiderato de universalizao
(nem todos nela ingressavam e mesmo os que ingressavam nem sempre eram bem
sucedidos) ainda teve de curvar-se ante o fato de que nem todos os bem sucedidos
se ajustavam ao tipo de sociedade que se queria consolidar. Comearam, ento, a
se avolumar as crticas a essa teoria da educao e a essa escola que passa a ser
chamada de escola tradicional.
A PEDAGOGIA NOVA
As crticas pedagogia tradicional formuladas a partir do final do sculo
passado foram, aos poucos, dando origem a uma outra teoria da educao. Esta
teoria mantinha a crena no poder da escola e em sua funo de equalizao social.
Portanto, as esperanas de que se pudesse corrigir a distoro expressa no
fenmeno da marginalidade, atravs da escola, ficaram de p. Se a escola no
vinha cumprindo essa funo, tal fato se devia a que o tipo de escola implantado - a
escola tradicional - se revelara inadequado. Toma corpo, ento, um amplo
movimento de reforma cuja expresso mais tpica ficou conhecida sob o nome de
"escolanovismo". Tal movimento tem como ponto de partida a escola tradicional j
implantada segundo as diretrizes consubstanciadas na teoria da educao que ficou
conhecida como pedagogia tradicional. A pedagogia nova comea, pois, por efetuar
a crtica da pedagogia tradicional, esboando uma nova maneira "de interpret-la
educao e ensaiando implant-la, primeiro atravs de experincias restritas;
depois, advogando sua generalizao no mbito dos sistemas escolares.
Segundo essa nova teoria, a marginalidade deixa de ser vista
predominantemente sob o ngulo da ignorncia, isto , o no domnio de
conhecimentos. O marginalizado j no , propriamente, o ignorante, mas o
rejeitado. Algum est integrado no quando ilustrado, mas quando se sente
aceito pelo grupo e, atravs dele, pela sociedade em seu conjunto. interessante
notar que alguns dos principais representantes da pedagogia nova se converteram a
pedagogia a partir da preocupao com os "anormais"' (ver, por exemplo, Decroly
e Montessori). A partir das experincias levadas a efeito com crianas "anormais"
que se pretendeu generalizar procedimentos pedaggicos para o conjunto do
sistema escolar. Nota-se, ento, uma espcie de bio-psicologizao da sociedade,
da educao, e da escola. Ao conceito de "anormalidade biolgica" construdo a
partir da constatao de deficincias neuro-fisio-lgicas se acrescenta o conceito de
"anormalidade psquica" detectada atravs dos testes de inteligncia, de
personalidade etc., que comeam a se multiplicar. Forja-se, ento, uma pedagogia
que advoga um tratamento diferencial a partir da "descoberta" das diferenas
individuais. Eis a "grande descoberta": os homens so essencialmente diferentes;
no se repetem; cada indivduo nico. Portanto, a marginalidade no pode ser
explicada pelas diferenas entre os homens, quaisquer que elas sejam: no apenas
diferenas de cor, de raa, de credo ou de classe, o que j era defendido pela
pedagogia tradicional; mas tambm diferenas no domnio do conhecimento, na
participao do saber, no desempenho cognitivo. Marginalizados so os "anormais",
isto , os desajustados e desadaptados de todos os matizes. Mas a "anormalidade"
no algo, em si, negativo; ela , simplesmente, uma diferena. Portanto, podemos
concluir, ainda que isto soe paradoxal, que a anormalidade um fenmeno, normal.
No , pois, suficiente para caracterizar a marginalidade. Esta est marcada pela
desadaptao ou desajustamento, fenmenos associados ao sentimento de
rejeio. A educao, enquanto fator de equalizao social ser, pois, um
instrumento de correo da marginalidade na medida em que cumprir a funo de
ajustar, de adaptar os indivduos sociedade, incutindo neles o sentimento de
aceitao dos demais e pelos demais. Portanto, a educao ser um instrumento de
correo da marginalidade na medida em que contribuir para a constituio de uma
sociedade cujos membros, no importam as diferenas de quaisquer tipos, se
aceitem mutuamente e se respeitem na sua individualidade especfica.
Compreende-se, ento, que essa maneira de entender a educao, por
referncia pedagogia tradicional tenha deslocado o eixo da questo pedaggica do
intelecto para o sentimento; do aspecto lgico para o psicolgico; dos contedos
cognitivos para os mtodos ou processos pedaggicos; do professor para o aluno;
do esforo para o interesse; da disciplina para a espontaneidade; do diretivismo para
o no-diretivismo; da quantidade para a qualidade; de uma pedagogia de inspirao
filosfica centrada na cincia da lgica para uma pedagogia de inspirao
experimental baseada principalmente nas contribuies da biologia e da psicologia.
Em suma, trata-se de uma teoria pedaggica que considera que o importante no
aprender, mas aprender a aprender.
Para funcionar de acordo com a concepo acima exposta, obviamente a
organizao escolar, teria que passar por uma sensvel reformulao. Assim, em
lugar de classe confiadas a professores que dominavam as grandes reas do
conhecimento revelando-se capazes de colocar os alunos em contato com os
grandes textos que eram tomados como modelos a serem imitados e
progressivamente assimilados pelos alunos, a escola deveria agrupar os alunos
segundo reas de interesses decorrentes de sua atividade livre. O professor agiria
como um estimulador e orientador da aprendizagem cuja iniciativa principal caberia
aos prprios alunos. Tal aprendizagem seria uma decorrncia espontnea do
ambiente estimulante e da relao viva que se estabeleceria entre os alunos e entre
estes e o professor. Para tanto, cada professor teria de trabalhar com pequenos
grupos de alunos, sem o que a relao inter-pessoal, essncia da atividade
educativa, ficaria dificultada; e num ambiente estimulante, portanto, dotado de
materiais didtico ricos, biblioteca de classe etc. Em suma, a feio das escolas
mudaria seu aspecto sombrio, disciplinado, silencioso e de paredes opacas,
assumindo um ar alegre, movimentado, barulhento e multicolorido.
O tipo de escola acima descrito no conseguiu, entretanto alterar
significativamente o panorama organizacional dos sistemas escolares. Isto porque,
alm de outras razes implicava em custos bem mais elevados do que a escola
tradicional. Com isto, a "Escola Nova" organizou-se basicamente na forma de
escolas experimentais ou como ncleos raros, muito bem equipados e circunscritos
a pequenos grupos de elite. No entanto, o iderio escolanovista, tendo sido
amplamente difundido, penetrou nas cabeas dos educadores acabando por gerar
conseqncias tambm nas amplas redes escolares oficiais organizadas na forma
tradicional. Cumpre assinalar que tais conseqncias foram mais negativas que
positivas uma vez que, provocando o afrouxamento da disciplina e a
despreocupao com a transmisso de conhecimentos, acabou por rebaixar o nvel
do ensino destinado s camadas populares as quais muito frequentemente tm na
escola o nico meio de acesso ao conhecimento elaborado. Em contrapartida, a
"Escola Nova" aprimorou a qualidade do ensino destinado s elites.
V-se, pois, que paradoxalmente, em lugar de resolver o problema da
marginalidade, a "Escola Nova" o agravou. Com efeito, ao enfatizar a "qualidade do
ensino", ela deslocou o eixo de preocupao do mbito poltico (relativo sociedade
em seu conjunto) para o mbito tcnico-pedaggico (relativo ao interior da escola),
cumprindo ao mesmo tempo uma dupla funo; manter a expanso da escola em
limites suportveis pelos interesses dominantes e desenvolver um tipo de ensino
adequado a esses interesses. a esse fenmeno que denominei de "mecanismo de
recomposio da hegemonia da classe dominante. 3
Cabe assinalar que o papel da "Escola Nova" acima descrito se
manifestou mais nitidamente no caso da Amrica Latina. Em verdade, na maioria
dos pases dessa regio os sistemas de ensino comearam a assumir feio mais
ntida j no sculo atual, quando o escolanovismo estava largamente disseminado
na Europa e principalmente nos Estados Unidos, no deixando, em conseqncia,
de influenciar o pensamento pedaggico latino-americano. Portanto, a disseminao
das escolas efetuada segundo os moldes tradicionais no deixou de ser de alguma
forma perturbada pela propagao do iderio da pedagogia nova, j que esse
3 Saviani, 1980.
iderio ao mesmo tempo que procurava evidenciar as "deficincias" da escola
tradicional, dava fora idia segundo a qual melhor uma boa escola para poucos
do que uma escola deficiente para muitos.
A PEDAGOGIA TECNICISTA
Ao findar a primeira metade do sculo atual, o escolanovismo
apresentava sinais visveis de exausto. As esperanas depositadas na reforma da
escola resultaram frustradas. Um sentimento de desiluso comeava a se alastrar
nos meios educacionais. A pedagogia nova, ao mesmo tempo que se tornava
dominante enquanto concepo terica a tal ponto que se tornou senso comum o
entendimento segundo o qual a pedagogia nova portadora de todas as virtudes e
de nenhum vcio, ao passo que a pedagogia tradicional portadora de todos os
vcios e de nenhuma virtude, na prtica se revelou ineficaz em face da questo da
marginalidade. Assim, de um lado surgiam tentativas de desenvolver uma espcie
de "Escola Nova Popular", cujos exemplos mais significativos so as pedagogias de
Freinet e de Paulo Freire; de outro lado, radicalizava-se a preocupao com os
mtodos pedaggicos presentes no escolanovismo que acaba por desembocar na
eficincia instrumental. Articula-se aqui uma nova teoria educacional: a pedagogia
tecnicista.
A partir do pressuposto da neutralidade cientfica e inspirada nos
princpios de racionalidade, eficincia e produtividade, essa pedagogia advoga a
reordenao do processo educativo de maneira a torn-lo objetivo e operacional. De
modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril, pretende-se a objetivao do
trabalho pedaggico. Com efeito, se no artesanato o trabalho era subjetivo, isto , os
instrumentos de trabalho eram dispostos em funo do trabalhador e este dispunha
deles segundo seus desgnios, na produo fabril essa relao invertida. Aqui o
trabalhador que deve se adaptar ao processo de trabalho, j que este foi objetivado
e organizado na forma parcelada. Nessas condies, o trabalhador ocupa seu posto
na linha de montagem e executa determinada parcela do trabalho necessrio para
produzir determinados objetos. O produto , pois, uma decorrncia da forma como
organizado o processo. O concurso das aes de diferentes sujeitos produz assim
um resultado com o qual nenhum dos sujeitos se identifica e que, ao contrrio, lhes
estranho.
O fenmeno acima mencionado nos ajuda a entender a tendncia que se
esboou com o advento daquilo que estou chamando de "pedagogia tecnicista".
Buscou-se planejar a educao de modo a dot-la de uma organizao racional
capaz de minimizar as interferncias subjetivas que pudessem pr em risco sua
eficincia. Para tanto, era mister operacionalizar os objetivos e, pelo menos em
certos aspectos, mecanizar o processo. Da, a proliferao de propostas
pedaggicas tais como o enfoque sistmico, o micro-ensino, o tele-ensino, a
instruo programada, as mquinas de ensinar etc. Da, tambm, o parcelamento do
trabalho pedaggico com a especializao de junes, postulando-se a introduo
no sistema de ensino de tcnicos dos mais diferentes matizes. Da, enfim, a
padronizao do sistema de ensino a partir de esquemas de planejamento
previamente formulados aos quais devem se ajustar as diferentes modalidades de
disciplinas e prticas pedaggicas.
Se na pedagogia tradicional a iniciativa cabia ao professor que era, ao
mesmo tempo, o sujeito do processo, o elemento decisivo e decisrio; se na
pedagogia nova a iniciativa desloca-se para o aluno, situando-se o nervo da ao
educativa na relao professor-aluno, portanto, relao interpessoal, intersubjetiva -
na pedagogia tecnicista, o elemento principal passa a ser a organizao racional dos
meios, ocupando professor e aluno posio secundaria, relegados que so
condio de executores de um processo cuja concepo, planejamento,
coordenao e controle ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados,
neutros, objetivos, imparciais. A organizao do processo converte-se na garantia da
eficincia, compensando e corrigindo as deficincias do professor e maximizando os
efeitos de sua interveno.
Cumpre notar que, embora a pedagogia nova tambm d grande
importncia aos meios, h, porm, uma diferena fundamental: enquanto na
pedagogia nova os meios so dispostos e esto disposio da relao professor-
aluno, estando, pois, a servio dessa relao, na pedagogia tecnicista a situao se
inverte. Enquanto na pedagogia nova so os professores e alunos que decidem se
utilizam ou no determinados meios, bem como quando e como o faro, na
pedagogia tecnicista dir-se-ia que o processo que define o que professores e
alunos devem fazer, e assim tambm quando e como o faro.
Compreende-se, ento, que para a pedagogia tecnicista a marginalidade
no ser identificada com a ignorncia nem ser detectada a partir do sentimento de
rejeio. Marginalizado ser o incompetente (no sentido tcnico da palavra), isto , o
ineficiente e improdutivo. A educao estar contribuindo para superar o problema
da marginalidade na medida em que formar indivduos eficientes, portanto, capazes
de darem sua parcela de contribuio para o aumento da produtividade da
sociedade. Assim, estar ela cumprindo sua funo de equalizao social. Nesse
contexto terico, a equalizao social identificada com o equilbrio do sistema (no
sentido do enfoque sistmico). A marginalidade, isto , a ineficincia e
improdutividade se constitui numa ameaa estabilidade do sistema. Como o
sistema comporta mltiplas funes, s quais correspondem determinadas
ocupaes; como essas diferentes funes so interdependentes, de tal modo que
a ineficincia no desempenho de uma delas afeta as demais e, em conseqncia,
todo o sistema - cabe educao proporcionar um eficiente treinamento para a
execuo das mltiplas tarefas demandadas continuamente pelo sistema social. A
educao ser concebida, pois, como um subsistema, cujo funcionamento eficiente
essencial ao equilbrio do sistema social de que faz parte. Sua base de
sustentao terica desloca-se para a psicologia behaviorista, a engenharia
comportamental, a ergonomia, informtica, ciberntica, que tm em comum a
inspirao filosfica neopositivista e o mtodo funcionalista. Do ponto de vista
pedaggico conclui-se, pois, que se para a pedagogia tradicional a questo central
aprender e para a pedagogia nova aprende a aprender, para a pedagogia tecnicista
o que importa aprender a fazer.
teoria pedaggica acima exposta corresponde uma reorganizao das
escolas que passam por um crescente processo de burocratizao. Com efeito,
acreditava-se que o processo se racionalizava na medida em que se agisse
planificadamente. Para tanto, era mister baixar instrues minuciosas de como
proceder com vistas a que os diferentes agentes cumprissem cada qual as tarefas
especficas acometidas a cada um no amplo espectro em que se fragmentou o ato
pedaggico. O controle seria feito basicamente atravs do preenchimento de
formulrios. O magistrio passou ento a ser submetido a um pesado e sufocante
ritual, com resultados visivelmente negativos. Na verdade, a pedagogia tecnicista, ao
ensaiar transpor para a escola a forma de funcionamento do sistema fabril, perdeu
de vista a especificidade da educao, ignorando que a articulao entre escola e
processo produtivo se d de modo indireto e atravs de complexas mediaes. Alm
do mais, na prtica educativa, a orientao tecnicista se cruzou com as condies
tradicionais predominantes nas escolas bem como com a influncia da pedagogia
nova que exerceu poderoso atrativo sobre os educadores. Nessas condies, a
pedagogia tecnicista acabou por contribuir para aumentar o caos no campo
educativo gerando tal nvel de descontinuidade, de heterogeneidade e de
fragmentao, que praticamente inviabiliza o trabalho pedaggico. Com isto o
problema da marginalidade s tendeu a se agravar: o contedo do ensino tornou-se
ainda mais rarefeito e a relativa ampliao das vagas se tornou irrelevante em face
dos altos ndices de evaso e repetncia.
A situao acima descrita afetou particularmente a Amrica Latina j que
desviou das atividades-fim para as atividades-meio parcela considervel dos
recursos sabidamente escassos destinados educao. Por outro lado sabe-se que
boa parte dos programas internacionais de implantao de tecnologias de ensino
nesses pases tinham por detrs outros interesses como, por exemplo, a venda de
artefatos tecnolgicos obsoletos aos pases subdesenvolvidos.4
4 Cf. Mattelart, 1976 e s/d
AS TEORIAS CRTICO - REPRODUTIVISTAS
Como j assinalei, o primeiro grupo de teorias concebe a marginalidade
como um desvio, tendo a educao por funo a correo desse desvio. A
marginalidade vista como um problema social e a educao, que dispe de
autonomia em relao sociedade, estaria, por esta razo, capacitada a intervir
eficazmente na sociedade, transformando-a, tornando-a melhor, corrigindo as
injustias; em suma, promovendo a equalizao social. Essas teorias consideram,
pois, apenas a ao da educao sobre a sociedade. Porque desconhecem as
determinaes sociais do fenmeno educativo eu as denominei de "teorias no-
crticas". Inversamente, as teorias do segundo grupo - que passarei a examinar - so
crticas, uma vez que postulam no ser possvel compreender a educao seno a
partir dos seus condicionantes sociais. H, pois, nessas teorias uma cabal
percepo da dependncia da educao em relao sociedade. Entretanto, como
na anlise que desenvolvem chegam invariavelmente a concluso de que a funo
prpria da educao consiste na reproduo da sociedade em que ela se insere,
bem merecem a denominao de "teorias crtico-reprodutivistas". Tais teorias
contam com um razovel nmero de representantes e se manifestam em diferentes
verses. H, por exemplo, os chamados "radicais americanos" cujos principais
representantes so Bowles e Gintis, atravs do livro Schooling in Capitalist America
(1976) que podem ser classificados nesse grupo de teorias. Tais autores consideram
que a escola tinha, nas origens, uma funo equalizadora. Entretanto, atualmente
ela se torna cada vez mais discriminadora e repressiva. Todas as reformas
escolares fracassaram, tornando cada vez mais evidente o papel que a escola
desempenha: reproduzir a sociedade de classes e reforar o modo de produo
capitalista.
Em que pesem as diferentes manifestaes, considero que, no mbito
desse grupo, as teorias que maior repercusso tiveram e que alcanaram um maior
nvel de elaborao so as seguintes:
a) "Teoria do sistema de ensino enquanto violncia simblica";
b) "Teoria da escola enquanto Aparelho ideolgico de Estado (AIE)";
c) "Teoria da escola dualista".
A seguir comentarei brevemente cada uma delas.
TEORIA DO SISTEMA DE ENSINO ENQUANTO VIOLNCIA SIMBLICA
Esta teoria est desenvolvida na obra A Reproduo: elementos para
uma teoria do sistema de ensino, de P. Bourdieu e J. C. Passeron (1975). A obra
constituda de dois livros. No Livro I, fundamentos de uma teoria da violncia
simblica, a teoria sistematizada num corpo de proposies logicamente
articuladas segundo um esquema analtico-dedutivo. O Livro II expe os resultados
de uma pesquisa emprica levada a cabo pelos autores no sistema escolar francs
em um de seus segmentos, qual seja, a Faculdade de Letras. Como as anlises do
Livro II podem ser consideradas como aplicaes a um caso historicamente
determinado dos princpios gerais enunciados no Livro I, ainda que tenham servido,
ao mesmo tempo, como ponto de partida para a construo dos princpios do Livro I,
minha exposio se limitar ao contedo do Livro I.
O arcabouo do Livro I constitui, mais do que uma sociologia da
educao, uma scio-lgica da educao. Isto porque no se trata de uma anlise
da educao como fato social, mas da explicitao das condies lgicas de
possibilidade de toda e qualquer educao para toda e qualquer sociedade de toda
e qualquer poca ou lugar. Trata-se de uma teoria axiomtica que se desdobra
dedutivamente dos princpios universais para os enunciados analticos de suas
conseqncias particulares. Por isso, cada grupo de proposies comea sempre
por um enunciado universal (todo poder de violncia simblica..., toda ao
pedaggica etc.) e termina por uma aplicao particular, expressa atravs da
frmula "uma formao social determinada..." Por outro lado, no intuito de preservar
a validade universal da teoria, os autores tm o cuidado de utilizar sempre a
expresso "grupos ou classes", jamais se referindo apenas s classes
simplesmente; o que indica que a validade da teoria no pretende se circunscrever
apenas s sociedades de classes mas se estende tambm s sociedades sem
classes que porventura tenham existido ou venham a existir. Em suma, o axioma
fundamental (proposio zero), que enuncia a teoria geral da violncia simblica, se
aplica ao sistema de ensino que definido, pois, como uma modalidade especfica
de violncia simblica (proposies de grau 4) atravs de proposies intermedirias
que tratam, sucessivamente, da ao pedaggica (proposies de grau 1), da
autoridade pedaggica (proposies de grau 2) e do trabalho pedaggico
(proposies de grau 3).
Por que violncia simblica? Os autores tomam como ponto de partida
que toda e qualquer sociedade estrutura-se como um sistema de relaes de fora
material entre grupos ou classes. Sobre a base da fora material e sob sua
determinao erige-se um sistema de relaes de fora simblica cujo papel
reforar, por dissimulao, as relaes de fora material. essa a idia central
contida no axioma fundamental da teoria. Seno vejamos o seu enunciado:
"Todo poder de violncia simblica, isto , todo poder que chega a impor significaes e a imp-las como legtimas, dissimulando as relaes de fora que esto na base de sua fora, acrescenta sua prpria fora, isto , propriamente simblica, a essas relaes de fora." 5
V-se, pois, que o reforamento da violncia material se d pela sua
converso ao plano simblico onde se produz e reproduz o reconhecimento da
dominao e de sua legitimidade pelo desconhecimento (dissimulao) de seu
carter de violncia explcita. Assim, violncia material (dominao econmica)
exercida pelos grupos ou classes dominantes sobre os grupos ou classes
dominados corresponde a violncia simblica (dominao cultural).
A violncia simblica se manifesta de mltiplas formas: a formao da
opinio pblica atravs dos meios de comunicao de massa, jornais etc.; a
pregao religiosa; a atividade artstica e literria; a propaganda e a moda; a
educao familiar etc. No entanto, na obra em questo, o objetivo de Bourdieu e
Passeron a ao pedaggica institucionalizada, isto , o sistema escolar. Da, o
subttulo da obra: "elementos para uma teoria do sistema de ensino". Para isso,
partindo, como j disse, da teoria geral da violncia simblica, buscam explicitar a
ao pedaggica (AP) como imposio arbitrria da cultura (tambm arbitrria) dos
grupos ou classes dominantes aos grupos ou classes dominados. Essa imposio,
para se exercer, implica necessariamente a autoridade pedaggica (AuP), isto , um
5 Bourdieu-Passeron, 1975, p.19
"poder arbitrrio de imposio que, s pelo fato de ser desconhecido como tal, se encontra objetivamente reconhecido como autoridade legtima".6
A referida ao pedaggica (AP) que se exerce atravs da autoridade
pedaggica (AuP) se realiza atravs do Trabalho Pedaggico (TP) entendido
"como trabalho de inculcao que deve durar o bastante para produzir uma formao durvel; isto , um habitus como produto da interiorizao dos princpios de um arbitrrio cultural capaz de perpetuar-se aps a cessao da ao pedaggica (AP) e por isso de perpetuar nas prticas os princpios do arbitrrio interiorizado".7
Para a compreenso do sistema de ensino de fundamental importncia
a distino entre trabalho pedaggico (TP) primrio (educao familiar) e trabalho
pedaggico secundrio, cuja forma institucionalizada o trabalho escolar (TE).
Como os autores indicam no "escolio" da proposio 1
"reservou-se a seu momento lgico (proposies de grau 4) a especificao das formas e dos efeitos de uma Ao Pedaggica (AP) que se exerce no quadro de uma instituio escolar; e somente na ltima proposio (4.3.) que se encontra caracterizada expressamente a AP escolar que reproduz a cultura dominante, contribuindo desse modo para reproduzir a estrutura das relaes de fora, numa formao social onde o sistema de ensino dominante tende a assegurar-se do monoplio da violncia simblica legtima".8
A proposio 4.3 sintetiza, pois, de modo exaustivo, o conjunto da teoria
do sistema de ensino enquanto violncia simblica. Vale a pena, ento, apesar de
sua extenso, transcrev-la integralmente:
"Numa formao social determinada, o SE dominante pode constituir o TP dominante como TE sem que os que o exercem como os que a ele se submetem cessem de desconhecer sua dependncia relativa s relaes de fora constitutivas da formao social em que ele se exerce, porque ele produz e reproduz, pelos meios prprios da instituio, as condies
6 Ibidem, Proposio 2.1., p.27. 7 Ibidem, Proposio 3, p.44 8 Ibidem, p.20 - 21
necessrias ao exerccio de sua funo interna de inculcao, que so ao mesmo tempo as condies suficientes da realizao de sua funo externa de reproduo da cultura legtima e de sua contribuio correlativa reproduo das relaes de fora; e porque, s pelo fato de que existe e subsiste como instituio, ele implica as condies institucionais do desconhecimento da violncia simblica que exerce, isto , porque os meios institucionais dos quais dispe enquanto instituio relativamente autnoma, detentora do monoplio do exerccio legtimo da violncia simblica, esto predispostos a servir tambm, sob a aparncia da neutralidade, os grupos ou classes dos quais ele reproduz o arbitrrio cultural (dependncia pela independncia)."9
Portanto, a teoria no deixa margem a dvidas. A funo da educao a
de reproduo das desigualdades sociais. Pela reproduo cultural, ela contribui
especificamente para a reproduo social.
Como interpretar, nesse quadro, o fenmeno da marginalidade?
De acordo com essa teoria, marginalizados so os grupos ou classes
dominados. Marginalizados socialmente porque no possuem fora material (capital
econmico) e marginalizados culturalmente porque no possuem fora simblica
(capital cultural). E a educao, longe de ser um fator de superao da
marginalidade, constitui um elemento reforador da mesma.
Eis a funo logicamente necessria da educao. No h, pois, outra
alternativa. Toda tentativa de utiliz-la como instrumento de superao da
marginalidade no apenas uma iluso. a forma atravs da qual ela dissimula, e
por isso cumpre eficazmente, a sua funo de marginalizao. Todos os esforos,
ainda que oriundos dos grupos ou classes dominados, reverte sempre no re-
foramento dos interesses dominantes.
"E pela mediao desse efeito de dominao da AP dominante que as diferentes AP que se exercem nos diferentes grupos ou classes colaboram
9 Ibidem, p.75
objetivamente e indiretamente na dominao das classes dominantes (inculcao pelas AP dominadas de conhecimentos ou de maneiras, dos quais a AP dominante define o valor sobre o mercado econmico ou simblico)."10
Eis porque, Snyders resumiu sua crtica a essa teoria na seguinte frase:
"Bourdieu-Passeron ou a luta de classes impossvel".11
TEORIA DA ESCOLA ENQUANTO APARELHO IDEOLGICO DE ESTADO (AIE)
Ao analisar a reproduo das condies de produo que implica a
reproduo das foras produtivas e das relaes de produo existentes, Althusser
levado a distinguir no Estado, os Aparelhos Repressivos de Estado (o Governo, a
Administrao, o Exercito, a Polcia, os Tribunais, as Prises etc.) e os Aparelhos
Ideolgicos de Estado (AIE) que ele enumera, provisoriamente, da seguinte forma:
- O AIE religioso (o sistema das diferentes igrejas).
- O AIE escolar (o sistema das diferentes escolas pblicas e
particulares),
- O AIE familiar,
- O AIE jurdico,
- O AIE poltico (o sistema poltico de que fazem parte os diferentes
partidos),
- O AIE sindical,
- O AIE da informao (imprensa, rdio-televiso ete),
- O AIE cultural (Letras, Belas Artes, desportos etc.)." 12
10 Ibidem, p.22. 11 Snyders, 1977, p.287.
A distino entre ambos assenta no fato de que o Aparelho Repressivo de
Estado funciona massivamente pela violncia e secundariamente pela ideologia
enquanto que, inversamente, os Aparelhos Ideolgicos de Estado funcionam
massivamente pela ideologia e secundariamente pela represso. 13
O conceito "Aparelho Ideolgico de Estado" deriva da tese segundo a qual
"a ideologia tem uma existncia material". Isto significa dizer que a ideologia existe
sempre radicada em prticas materiais reguladas por rituais materiais definidos por
instituies materiais. 14
Em suma, a ideologia se materializa em aparelhos: os aparelhos
ideolgicos de Estado.
A partir desses instrumentos conceituais, Althusser avana a tese
segundo a qual
"o Aparelho Ideolgico de Estado que foi colocado em posio dominante nas formaes capitalistas maduram, aps uma violenta luta de classes poltica e ideolgica contra o antigo Aparelho Ideolgico de Estado dominante, o Aparelho Ideolgico Escolar". 15
Como AIE dominante, vale dizer que a escola constitui o instrumento mais
acabado de reproduo das relaes de produo de tipo capitalista. Para isso ela
toma a si todas as crianas de todas as classes sociais e lhes inculca durante anos
12 Althusser, s/d., p.43-44 13 Ibidem, p.46-47 14 Ibidem, p.88-89 15 Ibidem, p. 60
a fio de audincia obrigatria "saberes prticos" envolvidos na ideologia dominante.
16
Uma grande parte (operrios e camponeses) cumpre a, escolaridade
bsica e introduzida no processo produtivo. Outros avanam no processo de
escolarizao, mas acabam por interromp-lo passando a integrar os quadros
mdios, os "pequeno-burgueses de toda a espcie. 17
Uma pequena parte, enfim, atinge o vrtice da pirmide escolar. Estes
vo ocupar os postos prprios dos "agentes da explorao" (no sistema produtivo),
dos "agentes da represso" (nos Aparelhos Repressivos de Estado) e dos
"profissionais da ideologia" (nos Aparelhos Ideolgicos de Estado). 18
Em todos os casos, trata-se de reproduzir as relaes de explorao
capitalista. Nas palavras de Althusser:
" atravs da aprendizagem de alguns saberes prticos (savoir-faire) envolvidos na inculcao massiva da ideologia da classe dominante, que so em grande parte reproduzidas as relaes de produo de uma formao social capitalista, isto , as relaes de explorados com exploradores e de exploradores com explorados".19
Nesse contexto, como se coloca o problema da marginalidade? O
fenmeno da marginalizao se inscreve no prprio seio das relaes de produo
capitalista que se funda na expropriao dos trabalhadores pelos capitalistas.
Marginalizado , pois, a classe trabalhadora. O AIE escolar, em lugar de instrumento
de equalizao social constitui um mecanismo construdo pela burguesia para 16 Ibidem, p.64. 17 Ibidem, p.65. 18 Ibidem, p.65 19 Ibidem, p.66.
garantir e perpetuar seus interesses. Se as teorias do primeiro grupo (por isso elas
bem merecem ser chamadas de no-crticas) desconhecem essas determinaes
objetivas e imaginam que a escola possa cumprir o papel de correo da
marginalidade, isso se deve simplesmente ao fato de que aquelas teorias so
ideolgicas, isto , dissimulam, para reproduzi-las, as condies de marginalidade
em que vivem as camadas trabalhadoras.
No entanto, diferentemente de Bourdieu-Passeron, Althusser no nega a
luta de classes. Ao contrrio, chega mesmo a afirmar que
"os AIE podem ser no s o alvo mas tambm o local da luta de classes e por vezes de formas renhidas da luta de classes".20
Entretanto, quando descreve o funcionamento do AIE escolar, a luta de
classes fica praticamente diluda, tal o peso que adquire a a dominao burguesa.
Eu diria, ento, que a luta de classes resulta nesse caso herica, mas inglria, j
que sem nenhuma chance de xito. O pargrafo um tanto longo que me permito
transcrever, fundamenta essa concluso:
"Peo desculpa aos professores que, em condies terrveis, tentam voltar contra a ideologia, contra o sistema e contra as prticas em que este os encerra, as armas que podem encontrar na histria e no saber que 'ensinam'. Em certa medida so heris. Mas so raros, e quantos (a maioria) no tm sequer um vislumbre de dvida quanto ao 'trabalho' que o sistema (que os ultrapassa e esmaga) os obriga a fazer, pior, dedicam-se inteiramente e em toda a conscincia realizao desse trabalho (os famosos mtodos novos!). Tm to poucas dvidas, que contribuem at pelo seu devotamento a manter e a alimentar a representao ideolgica da Escola que a torna hoje to 'natural', indispensvel-til e at benfazeja aos nossos contemporneos, quanto a Igreja era 'natural', indispensvel e generosa para os nossos antepassados de h sculos." 21
20 Ibidem, p.49 21 Ibidem, p.67-68
TEORIA DA ESCOLA DUALISTA
Essa teoria foi elaborada por C. Baudelot e R. Establet e exposta no livo
Lcole capitaliste en France (1971). Chamo de "teoria da escola dualista" porque os
autores se empenham em mostrar que a escola, em que pese a aparncia unitria e
unificadora, uma escola dividida em duas (e no mais do que duas) grandes redes,
as quais correspondem diviso da sociedade capitalista em duas classes
fundamentais: a burguesia e o proletariado.
Os autores procedem de modo didtico, enunciando preliminarmente as
teses bsicas que sucessivamente passam a demonstrar. Assim, na primeira parte,
aps dissipar as "iluses da unidade da escola" formulam seis proposies
fundamentais que passaro a demonstrar ao longo da obra:
1. Existe uma rede de escolarizao que chamaremos rede secundria
superior (rede S.S.).
2. Existe uma rede de escolarizao que chamaremos rede primria-
profissional (rede P.P.).
3. No existe terceira rede.
4. Estas duas redes constituem, pelas relaes que as definem, o
aparelho escolar capitalista. Este aparelho um aparelho ideolgico
do Estado capitalista.
5. Enquanto tal, este aparelho contribui, pela parte que lhe cabe, a
reproduzir as relaes de produo capitalistas, quer dizer em
definitivo a diviso da sociedade em classes, em proveito da classe
dominante.
6. a diviso da sociedade em classes antagonistas que explica em
ltima instncia no somente a existncia das duas redes, mas ainda
(o que as define como tais) os mecanismos de seu funcionamento,
suas causas e seus efeitos." 22
Atravs de minuciosa anlise estatstica os autores se empenham em
demonstrar, na segunda parte, as trs primeiras proposies, isto , a existncia de
apenas duas redes de escolarizao: as redes PP e SS. A quarta proposio
objeto das terceira e quarta partes; na terceira parte se procura pr em evidncia
que:
" a mesma ideologia dominante que imposta a todos os alunos sob formas necessariamente incompatveis;"23
Na quarta parte se demonstra que a diviso em duas redes atravessa o
aparelho escolar em seu conjunto, portanto, desde a escola primria, contrariamente
s aparncias de unidade da escola primria. Mais do que isso, afirmam os autores
que:
" na escola primria que o essencial de tudo o que concerne ao aparelho escolar capitalista se realiza". 24
Finalmente, a quinta parte dedicada demonstrao das duas ltimas
proposies evidenciando, ento, que:
"o aparelho escolar, com suas duas redes opostas, contribui para reproduzir as relaes sociais de produo capitalista". 25
22 Baudelot-Establet 23 Ibidem, p.47. 24 Ibidem, p.47. 25 Ibidem, p. 47.
Importa reter que, nesta teoria, retomado o conceito de Althusser
("Aparelho Ideolgico de Estado") definindo-se o aparelho escolar como "unidade
contraditria de duas redes de escolarizao. 26
Enquanto aparelho ideolgico, a escola cumpre duas funes bsicas:
contribui para a formao da fora de trabalho e para a inculcao da ideologia
burguesa. Cumpre assinalar, porm, que no se trata de duas funes separadas.
Pelo mecanismo das prticas escolares, a formao da fora de trabalho se d no
prprio processo de inculcao ideolgica. Mais do que isso: todas as prticas
escolares, ainda que contenham elementos que implicam um saber objetivo (e no
poderia deixar de conter, j que sem isso a escola no contribuiria para a
reproduo das relaes de produo) so prticas de inculcao ideolgica. A
escola , pois, um aparelho ideolgico, isto , o aspecto ideolgico dominante e
comanda o funcionamento do aparelho escolar em seu conjunto.
Consequentemente, a funo precpua da escola a inculcao da ideologia
burguesa. Isto e feito de duas formas concomitantes: em primeiro lugar, a inculcao
explcita de ideologia burguesa; em segundo lugar, o recalcamento, a sujeio e o
disfarce da ideologia proletria.
V-se, pois, a especificidade dessa teoria. Ela admite a existncia da
ideologia do proletariado. Considera, porm, que tal ideologia tem origem e
existncia fora da escola, isto , nas massas operrias e em suas organizaes. A
escola um aparelho ideolgico da burguesia e a servio de seus interesses. O
pargrafo abaixo transcrito extremamente esclarecedor a respeito:
26 Ibidem, p.281
"A contradio principal existe brutalmente fora da escola sob a forma de uma luta que ope a burguesia ao proletariado: ela se trava nas relaes de produo, que so relaes de explorao. Como aparelho ideolgico de Estado, a escola um instrumento da luta de classes ideolgica do Estado burgus, onde o Estado burgus persegue objetivos exteriores escola (ela no seno um instrumento destinado a esses fins). A luta ideolgica conduzida pelo Estado burgus na escola visa ideologia proletria que existe fora da escola nas massas operrias e suas organizaes. A ideologia proletria no est presente em pessoa na escola, mas apenas sob a forma de alguns de seus efeitos que se apresentam como resistncias: entretanto, inclusive por meio dessas resistncias, ela prpria que visada no horizonte pelas prticas de inculcao ideolgica burguesa e pequeno-burguesa." 27
No quadro da "teoria da escola dualista" o papel da escola no , ento, o
de simplesmente reforar e legitimar a marginalidade que produzida socialmente.
Considerando-se que o proletariado dispe de uma fora autnoma e forja na prtica
da luta de classes suas prprias organizaes e sua prpria ideologia, a escola tem
por misso impedir o desenvolvimento da ideologia do proletariado e a luta
revolucionria. Para isso ela organizada pela burguesia como um aparelho
separado da produo. Consequentemente, no cabe dizer que a escola qualifica
diferentemente o trabalho intelectual e o trabalho manual. Cabe, isto sim, dizer que
ela qualifica o trabalho intelectual e desqualifica o trabalho manual, sujeitando o
proletariado ideologia burguesa sob um disfarce pequeno-burgus. Assim, pode-se
concluir que a escola ao mesmo tempo um fator de marginalizao relativamente
cultura burguesa assim como em relao cultura proletria. Em face da cultura
burguesa, pelo fato de inculcar massa de operrios que tem acesso rede PP
apenas os subprodutos da prpria cultura burguesa. Em relao cultura proletria,
pelo fato de recalc-la, forando os operrios a representarem sua condio nas
categorias da ideologia burguesa. Consequentemente, a escola, longe de ser um
instrumento de equalizao social duplamente um fator de marginalizao:
converte os trabalhadores em marginais, no apenas por referncia cultura
27 Ibidem, p.280(grifos no orginal)
burguesa, mas tambm em relao ao prprio movimento proletrio, buscando
arrancar do seio desse movimento (colocar margem dele) todos aqueles que
ingressam no sistema de ensino.
Pode-se, pois, concluir que, se Baudelot e Establet se empenham em
compreender a escola no quadro da luta de classes, eles no a encaram, porm,
como palco e alvo da luta de classes. Com efeito, entendem que a escola, enquanto
aparelho ideolgico, um instrumento da burguesia na luta ideolgica contra o
proletariado. A possibilidade de que a escola se constitua num instrumento de luta
do proletariado fica descartada. Uma vez que a ideologia proletria adquire sua
forma acabada no seio das massas e organizaes operrias, no se cogita de
utilizar a escola como meio de elaborar e difundir a referida ideologia. Se o
proletariado se revela capaz de elaborar, independentemente da escola, sua prpria
ideologia de um modo to consistente quanto o faz a burguesia com o auxlio da
escola, ento, por referncia ao aparelho escolar, a luta de classes revela-se intil.
Eis porque Snyders28 resume sua crtica teoria da escola dualista com a
expresso: "Baudelot-Establet ou a luta de classe intil".
Ao terminar esse rpido esboo relativo s teorias crtico-reprodutivistas
cumpre assinalar que, obviamente, tais teorias no deixaram de exercer influncia
na Amrica Latina tendo alimentado ao longo da dcada de 70 uma razovel
quantidade de estudos crticos sobre o sistema de ensino. Se tais estudos tiveram o
mrito de pr em evidncia o comprometimento da educao com os interesses
dominantes tambm e certo que contriburam para disseminar entre os educadores
28 Snyders 1977, III Parte, Cap. V. p.338-44
um clima de pessimismo e de desnimo que, evidentemente, s poderia tornar
ainda mais remota a possibilidade de articular os sistemas de ensino com os
esforos de superao do problema da marginalidade nos pases da regio.
PARA UMA TEORIA CRTICA DA EDUCAO
O leitor ter notado que, quando me referi s teorias no-crticas, aps
expor brevemente o contedo de cada uma, procurei mostrar a forma de
organizao e funcionamento da escola decorrente da proposta pedaggica
veiculada pela teoria. J em relao s teorias crtico-reprodutivistas isto no foi
feito. Na verdade estas teorias no contm uma proposta pedaggica. Elas se
empenham to-somente em explicar o mecanismo de funcionamento da escola tal
como est constituda. Em outros termos, pelo seu carter reprodutivista, estas
teorias consideram que a escola no poderia ser diferente do que . Empenham-se,
pois, em mostrar a necessidade lgica, social e histrica da escola existente na
sociedade capitalista, pondo em evidncia aquilo que ela desconhece e mascara:
seus determinantes materiais.
Em relao questo da marginalidade ficamos, pois, com o seguinte
resultado: enquanto as teorias no-crticas pretendem ingenuamente resolver o
problema da marginalidade atravs da escola sem jamais conseguir xito, as teorias
crtico-reprodutivistas explicam a razo do Suposto fracasso. Segundo a concepo
crtico-reprodutivista o aparente fracasso , na verdade, o xito da escola; aquilo que
se julga ser uma disfuno , antes, a funo prpria da escola. Com efeito, sendo
um instrumento de reproduo das relaes de produo a escola na sociedade
capitalista necessariamente reproduz a dominao e explorao. Da, seu carter
segregador e marginalizados Da, sua natureza seletiva. A impresso que nos fica
que se passou de um poder ilusrio para a impotncia. Em ambos os casos, a
Histria sacrificada. No primeiro caso, sacrifica-se a Histria na idia em cuja
harmonia se pretende anular as contradies do real. No segundo caso, a Histria
sacrificada na reificao da estrutura social em que as contradies ficam
aprisionadas.
O problema permanece, pois, em aberto. E pode ser recolocado nos
seguintes termos: possvel encarar a escola como uma realidade histrica, isto ,
suscetvel de ser transformada intencionalmente pela ao humana? Evitemos de
escorregar para uma posio idealista e voluntarista. Retenhamos da concepo
crtico-reprodutivista a importante lio que nos trouxe: a escola determinada
socialmente; a sociedade em que vivemos, fundada no modo de produo
capitalista, dividida em classes com interesses opostos; portanto, a escola sofre a
determinao do conflito de interesses que caracteriza a sociedade. Considerando-
se que a classe dominante no tem interesse na transformao histrica da escola
(ela est empenhada na preservao de seu domnio, portanto apenas acionar
mecanismos de adaptao que evitem a transformao) segue-se que uma teoria
crtica (que no seja reprodutivista) s poder ser formulada do ponto de vista dos
interesses dominados. O nosso problema pode, ento, ser enunciado da seguinte
maneira: possvel articular a escola com os interesses dominados? Da perspectiva
do tema deste artigo a questo recebe a seguinte formulao: possvel uma teoria
da educao que capte criticamente a escola como um instrumento capaz de
contribuir para a superao do problema da marginalidade? (Limito-me aqui a
afirmar a possibilidade dessa teoria, j que escapa aos objetivos desse artigo, o
desenvolvimento da mesma).
Uma teoria do tipo acima enunciado se impe a tarefa de superar tanto o
poder ilusrio (que caracteriza as teorias no-crticas) como a impotncia
(decorrente das teorias crtico-reprodutivistas) colocando nas mos dos educadores
uma arma de luta capaz de permitir-lhes o exerccio de um poder real, ainda que
limitado.
No entanto, o caminho repleto de armadilhas, j que os mecanismos de
adaptao acionados periodicamente a partir dos interesses dominantes podem ser
confundidos com os anseios da classe dominada. Para evitar esse risco
necessrio avanar no sentido de captar a natureza especfica da educao o que
nos levar compreenso das complexas mediaes pelas quais se d sua
insero contraditria na sociedade capitalista. nessa direo que comea a se
desenvolver um promissor esforo de elaborao terica.
Do ponto de vista prtico, trata-se de retomar vigorosamente a luta contra
a seletividade, a discriminao e o rebaixamento do ensino das camadas populares.
Lutar contra a marginalidade atravs da escola significa engajar-se no esforo para
garantir aos trabalhadores um ensino da melhor qualidade possvel nas condies
histricas atuais. O papel de uma teoria crtica da educao dar substncia
concreta a essa bandeira de luta de modo a evitar que ela seja apropriada e
articulada com os interesses dominantes.
POST-SCRIPTUM
Os leitores certamente tero estranhado que, ao longo de um texto
versando sobre as teorias da educao e o problema da marginalidade, no
apareceu uma palavra sequer sobre a "teoria da educao compensatria". Tal
estranheza parece procedente j que, se h alguma proposta educativa intimamente
ligada questo da marginalidade, esta a chamada educao compensatria.
Com efeito, no exatamente a situao de marginalidade vivida pelas assim
chamadas "crianas carentes" que constitui a razo de ser da educao
compensatria? No a educao compensatria a estratgia acionada para
superar o problema da marginalidade na medida em que se prope nivelar as pr-
condies de aprendizagem pela via da compensao das desvantagens das
crianas carentes?
Entretanto, devo dizer que no considero a educao compensatria uma
teoria educacional seja no sentido de uma interpretao do fenmeno educativo que
acarreta determinada proposta pedaggica (como ocorre com as teorias no-
crticas), seja no sentido de explicitar os mecanismos que regem a organizao e
funcionamento da educao explicando, em conseqncia, as suas funes (como
no caso das teorias crtico-reprodutivistas) seja, ainda, no sentido de um esforo
para equacionar, pela via da compreenso terica, a questo prtica da contribuio
especfica da educao no processo de transformao estrutural da sociedade
(como ser o caso de uma teoria crtica da educao).
A meu ver, a educao compensatria configura uma resposta no-crtica
s dificuldades educacionais postas em evidncia pelas teorias crtico-
reprodutivistas. Assim, uma vez que se acumulavam as evidncias de que o
fracasso escolar, incidindo predominantemente sobre os alunos scio-
economicamente desfavorecidos, se devia a fatores externos ao funcionamento da
escola, tratava-se, ento, de agir sobre esses fatores. Educao compensatria
significa, pois, o seguinte: a funo bsica da educao continua sendo interpretada
em termos da equalizao social. Entretanto, para que a escola cumpra sua funo
equalizadora necessrio compensar as deficincias cuja persistncia acaba
sistematicamente por neutralizar a eficcia da ao pedaggica. V-se, pois, que
no se formula uma nova interpretao da ao pedaggica. Esta continua sendo
entendida em termos da pedagogia tradicional, da pedagogia nova ou da pedagogia
tecnicista encaradas de forma isolada ou de forma combinada.
O carter de compensao de deficincias prvias ao processo de
escolarizao nos permite compreender a estreita ligao entre educao
compensatria e pr-escola. Da porque a educao compensatria compreende um
conjunto de programas destinados a compensar deficincias de diferentes ordens:
de sade e nutrio, familiares, emotivas, cognitivas, motoras, lingsticas etc. Tais
programas acabam colocando sob a responsabilidade da educao uma srie de
problemas que no so especificamente educacionais, o que significa, na verdade, a
persistncia da crena ingnua no poder redentor da educao em relao
sociedade. Assim, se a educao se revelou incapaz de redimir a humanidade
atravs da ao pedaggica no se trata de reconhecer seus limites mas de alarg-
los: atribui-se ento educao um conjunto de papis que no limite abarcam as
diferentes modalidades de poltica social. A conseqncia a pulverizao de
esforos e de recursos com resultados praticamente nulos do ponto de vista
propriamente educacional.
Essas constataes me levaram concluso de que a prpria expresso
"educao compensatria" coloca o problema em termos invertidos, isto , o termo
que aparece como substantivo deveria ser o adjetivo e vice-versa. Portanto, se se
quer compensar as carncias que caracterizam a situao de marginalidade das
crianas das camadas populares, preciso considerar que h diferentes
modalidades de compensao: compensao alimentar, compensao sanitria,
compensao afetiva, compensao familiar etc. Neste quadro, constatada a
existncia de deficincias especificamente educacionais, caberia se falar no em
educao compensatria (atribuindo-se educao a responsabilidade de
compensar todo tipo de deficincia) mas em compensao educacional. E aqui fica,
finalmente, evidenciada a no-autonomia terica da "educao compensatria", uma
vez que a exigncia de tratamento diferenciado, de respeito s diferenas individuais
e aos diferentes ritmos de aprendizagem bem como a nfase na diversificao
metodolgica e tcnica, no sentido de suprir as carncias dos educandos, so
preocupaes prprias do tipo de teor a denominada neste texto de "pedagogia
nova".
No contexto da Amrica Latina, a tendncia atualmente em curso
(frequentemente reforada pelo patrocnio de organismos internacionais) de difuso
da educao compensatria com a conseqente valorizao da pr-escola
entendida como mecanismo de soluo do problema do fracasso escolar das
crianas das camadas trabalhadoras no ensino de primeiro grau deve, pois, ser
submetida a crtica. Com efeito, tal tendncia acaba por se configurar numa nova
forma de contornar o problema em lugar de atac-lo de frente. Exemplo eloqente
desse desvio o caso da cidade de So Paulo onde, aps dez anos de merenda
escolar, os ndices de fracasso escolar na passagem da primeira para a segunda
srie do primeiro grau, em lugar de diminuir, aumentaram em 6%.
Cumpre, pois, no tergiversar. No se trata de negar a importncia dos
diferentes programas de ao compensatria. Consider-los, porm, como
programas educativos implica um afastamento ainda maior, em lugar da
aproximao que se faz necessria em direo compreenso da natureza
especfica do fenmeno educativo.
ESCOLA E DEMOCRACIA I
A TEORIA DA CURVATURA DA VARA
Abordagem Poltica do Funcionamento Interno da Escola de 1 grau.
Parece-me primeira vista, que poderamos faz-lo de duas maneiras: abordarmos
a questo da organizao da escola de 1 grau, e a ento colocaramos nfase nas
atividades meio, focalizando o papel do diretor, suas relaes com os tcnicos
intermedirios, orientadores, supervisores, assim por diante, chegando em seguida
ao professor e aos alunos. Neste caso o enfoque estaria nas atividades-meios, ou
seja, na organizao. A outra forma de abordar seria enfatizar as atividades-fins, e
nesse sentido examinar mais propriamente como se desenvolve o ensino, que
finalidades ele busca atingir, que procedimentos ele adota para atingir suas
finalidades, em que medida existe coerncia entre finalidades e procedimentos.
Bem, melhor me preocupar com as atividades-fins e deixar margem a questo
da organizao da escola de 1 grau. Enfatizarei justamente a problemtica do
ensino que se desenvolve no interior da escola de 1 grau, pensando que funes
polticas esse ensino desempenha. J que a abordagem poltica, vou logo me
colocar no corao do poltico. Nesse sentido, farei uma exposio centrada em trs
teses. Enunciarei para vocs as trs teses, que vou apenas comentar rapidamente;
em seguida, extrairei delas algumas conseqncias para a educao brasileira e
complementarei com um apndice. Para retirar o suspense sobre a forma da minha
exposio, eu j antecipo quais so as teses e tambm qual o apndice. Vejam
bem, todas elas so teses polticas; no entanto, a primeira, por ser mais geral, eu a
considero uma tese filosfico-histrica. Poderamos enunci-la da seguinte maneira:
"do carter revolucionrio da pedagogia da essncia e do carter reacionrio da pedagogia da existncia".
Uma segunda tese, que se articula com essa, uma tese que eu
chamaria pedaggico-metodolgica, e a enuncio assim:
"do carter cientfico do mtodo tradicional e do carter pseudo-cientfico dos mtodos novos".
Vejam, ento, que eu estou me colocando diretamente no corao do
poltico. Estou enunciando teses; isso significa posies, e posies polmicas.
Dessas duas teses eu retiro uma terceira, que, portanto, opera como uma concluso
das duas primeiras. As duas primeiras funcionam como premissas para extrair uma
terceira tese conclusiva. Essa uma tese especificamente poltica, de poltica'-
educacional. Eu a enuncio da seguinte maneira:
"de como, quando mais se falou em democracia no interior da escola, menos democrtica foi a escola; e de como, quando menos se falou em democracia, mais a escola esteve articulada com a construo de uma ordem democrtica".
Bem, essa terceira tese eu derivo das duas primeiras. Em seguida
examinaremos as conseqncias disso na educao brasileira, e por ltimo farei
referncia a um apndice. Nesse apndice farei uma pequena considerao sobre a
"teoria da curvatura da vara". Eu no sei se a teoria da curvatura da vara
conhecida. Ela foi enunciada por Lnin ao ser criticado por assumir posies
extremistas e radicais. Lnin responde o seguinte:
"quando a vara est torta, ela fica curva de um lado e se voc quiser endireit-la, no basta coloc-la na posio correta. preciso curv-la para o lado oposto".
Com essa teoria da curvatura da vara, completarei este texto.
A impossibilidade de desenvolver todas as teses acima colocadas, faz
com que eu apenas as enuncie para, em seguida, tirar algumas conseqncias e, a
partir delas provocar um debate, e mais do que isso, deix-las para serem
exploradas mais profundamente em outros trabalhos. Entre parnteses, eu
acrescentaria apenas que essas teses derivam de uma reflexo relativamente
amadurecida, que venho desenvolvendo h algum tempo. Alguma coisa j tenho at
exposto em alguns textos ou palestras.
Quanto primeira tese,
"do carter revolucionrio da pedagogia da essncia e do carter reacionrio da pedagogia da existncia",
O que eu quero dizer com isso , basicamente, o seguinte: ns estamos
hoje, no mbito da poltica educacional e no mbito do interior da escola, na verdade
nos digladiando com duas posies antitticas e que, via de regra,
convencionalmente so traduzidas em termos do novo e do velho, da pedagogia
nova e da pedagogia tradicional. Essa pedagogia tradicional uma pedagogia que
se funda numa concepo filosfica essencialista, ao passo que a pedagogia nova
se funda numa concepo filosfica que privilegia a existncia sobre a essncia. O
que isso significa do ponto de vista histrico-filosfico?
O HOMEM LIVRE
Se ns voltarmos antiguidade grega vamos verificar que, em verdade, a
filosofia da essncia no implicava maiores problemas l, e a pedagogia que
decorria dessa filosofia, por sua vez, no implicava problemas polticos muito srios,
na medida em que o homem, o ser humano, era identificado com o homem livre; o
escravo no era ser humano, consequentemente a essncia humana s era
realizada nos homens livres. Ento, o problema do escravismo, sobre o qual se
assentava a produo da sociedade grega, ficava descartado e nem era um
problema do ponto de vista filosfico-pedaggico.
Durante a Idade Mdia essa concepo essencialista recebe uma
inovao, que diz respeito justamente articulao da essncia humana com a
criao divina; portanto, ao serem criados os homens segundo uma essncia
predeterminada, tambm j seus destinos eram definidos previamente;
consequentemente, a diferenciao da sociedade entre senhores e servos j estava
marcada pela prpria concepo que se tinha da essncia humana. Ento, a
essncia humana justificava as diferenas.
Ora, coisa diversa vem a ocorrer na poca moderna, com a ruptura do
modo de produo feudal e a gestao do modo de produo capitalista. Ns vamos
ter, justamente a, que a burguesia, classe em ascenso, vai se manifestar como
uma classe revolucionria, e, enquanto classe revolucionria, vai advogar a filosofia
da essncia como um suporte para a defesa da igualdade dos homens como um
todo e justamente a partir da que ela aciona as crticas nobreza e ao clero. Em
outros termos: a dominao da nobreza e do clero era uma dominao no-natural,
no-essencial, mas, social e acidental, portanto, histrica. Vejam que toda postura
revolucionria uma postura essencialmente histrica, uma postura que se coloca
na direo do desenvolvimento da histria. Ora, naquele momento, a burguesia se
colocava justamente na direo do desenvolvimento da histria e seus interesses
coincidiam com os interesses do novo, com os interesses da transformao; e
nesse sentido que a filosofia da essncia, que vai ter depois como conseqncia a
pedagogia da essncia, vai fazer uma defesa intransigente da igualdade essencial
dos homens. Sobre essa base da igualdade dos homens, de todos os homens,
que se funda ento a liberdade, e sobre, justamente, a liberdade, que se vai
postular a reforma da sociedade. Lembrem-se, de passagem, de Rousseau. O que
defendia Rousseau? Que tudo bom enquanto sai do autor das coisas. Tudo
degenera quando passa s mos dos homens. Em outros termos, a natureza
justa, boa. E no mbito natural a igualdade est preservada. As desigualdades
(vejam o "Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens") so geradas
pela sociedade. Ora, esse raciocnio no significa outra coisa seno colocar diante
da nobreza e do clero a idia de que as diferenas, os privilgios de que eles
usufruam, no eram naturais e muito menos divinos, mas eram sociais. E enquanto
diferenas sociais, configuravam injustia; enquanto injustia, no poderiam
continuar existindo. Logo, aquela sociedade fundada em senhores e servos no
poderia persistir. Ela teria que ser substituda por uma sociedade igualitria. nesse
sentido, ento, que a burguesia vai reformar a sociedade, substituindo uma
sociedade com base num suposto direito natural por uma sociedade contratual.
Vejam ento como que se tece todo o raciocnio. Os homens so
essencialmente livres; essa liberdade se funda na igualdade natural, ou melhor,
essencial dos homens, e se eles so livres, ento podem dispor de sua liberdade, e
na relao com os outros homens, mediante contrato, fazer ou no concesses.
sobre essa base da sociedade contratual que as relaes de produo vo se
alterar: do trabalhador servo, vinculado terra, para o trabalhador no mais
vinculado terra, mas livre para vender a sua fora de trabalho, e ele a vende
mediante contrato. Ento, quem possui a propriedade livre para aceitar ou no a
oferta de mo-de-obra, e vice-versa, quem possui a fora de trabalho livre de
vend-la ou no, de vend-la a este ou aquele, de vender, ento, a quem quiser.
Esse o fundamento jurdico da sociedade burguesa. Fundamento, como veremos,
formalista, de uma igualdade formal. No entanto, sobre essa base de igualdade
que vai se estruturar a pedagogia da essncia e, assim que a burguesia se torna a
classe dominante, ela vai, em meados do sculo passado, estruturar os sistemas
nacionais de ensino e vai advogar a escolarizao para todos. Escolarizar todos os
homens era condio de converter os servos em cidados, era condio de que
esses cidados participassem do processo poltico, e, participando do processo
poltico, eles consolidariam a ordem democrtica, democracia burguesa, bvio,
mas o papel poltico da escola estava a muito claro. A escola era proposta como
condio para a consolidao da ordem democrtica.
A MUDANA DE INTERESSES
Ocorre que a histria vai evoluindo, e a participao poltica das massas
entra em contradio com os interesses da prpria burguesia. Na medida em que a
burguesia, de classe em ascenso, portanto, de classe revolucionria, se transforma
em classe consolidada no poder, a os interesse dela no caminham mais em
direo transformao da sociedade; ao contrrio, os interesses dela coincidem
com a perpetuao da sociedade. nesse sentido que ela j no est mais na linha
do desenvolvimento histrico, mas est contra a histria. A histria contra os
interesses da burguesia. Ento, para a burguesia se defender desse interesses, ela
no tem outra sada seno negar a histria, passando a reagir contra o movimento
da histria. nesse momento que a escola tradicional, a pedagogia da essncia, j
no vai servir e a burguesia vai propor a pedagogia da existncia. Ora, vejam vocs:
o que a pedagogia da existncia, seno diferentemente da pedagogia da essncia
que uma pedagogia que se fundava no igualitarismo uma pedagogia da
legitimao das desigualdades? Com base neste tipo de pedagogia, considera-se
que os homem no so essencialmente iguais; os homens so essncia mente
diferentes, e ns temos que respeitar as diferenas entre os homens. Ento, h
aqueles que tm mais capacidade e aqueles que tm menos capacidade; h
aqueles que aprendem mais devagar; h aqueles que se interessam por isso e os
que se interessam por aquilo.
Eis, em sntese, o que eu quis dizer com a minha primeira tese, tese
filosfico-histrica,
"do carter revolucionrio da pedagogia da essncia, e do carter reacionrio da pedagogia da existncia"
Com efeito, a pedagogia da existncia vai ter esse carter reacionrio,
isto , vai contrapor-se ao movimento de libertao da humanidade em seu conjunto,
vai legitimar as desigualdades, legitimar a dominao, legitimar a sujeio, legitimar
os privilgios. Nesse contexto, a pedagogia da essncia no deixa de ter um papel
revolucionrio, pois, ao defender a igualdade essencial entre os homens, continua
sendo uma bandeira que caminha na direo da eliminao daqueles privilgios que
impedem a realizao de parcela considervel dos homens. Entretanto, neste
momento, no a burguesia que assume o papel revolucionrio, como assumira no
incio dos tempos modernos. Nesse momento, a classe revolucionria outra: no
mais a burguesia, exatamente aquela classe que a burguesia explora.
A FALSA CRENA DA ESCOLA NOVA
A segunda tese eu enunciei da seguinte forma:
"do carter cientfico do mtodo tradicional, e do carter pseudocientfico dos mtodos novos".
Vejam que no fundo as minhas teses esto indo contra a tendncia
corrente, contra a tendncia dominante. E por que isso? Porque, vejam bem, tanto,
na primeira tese, como veremos agora na segunda, o que em verdade a burguesia
faz, ao defender a posio que corresponde aos seus interesses, contrap-la ao
momento anterior. Assim, no caso da pedagogia da existncia e da essncia, a
burguesia constri os argumentos que defendem a pedagogia da existncia contra a
pedagogia da essncia, pintando essa ltima como algo tipicamente medieval.
Nesse sentido, ela deixa de assumir a pedagogia da essncia como uma construo
dela prpria. Veremos agora, em relao ao mtodo, como essa questo se coloca
de modo tambm bastante claro. Eu vou especificar um pouco mais a questo do
mtodo, porque diz respeito justamente ao modo como a gente trabalha no interior
da prpria escola, no interior da sala de aula. E aqui ns poderamos nos lembrar, j
diretamente, do movimento da Escola Nova, que pintou justamente o mtodo
tradicional como um mtodo pr-cientfico, como um mtodo dogmtico e como um
mtodo medieval. Basta ns nos lembrarmos, por exemplo, de Kilpatrick, Educao
para uma civilizao em mudana, onde ele vai caracterizar a civilizao que foi se
construindo com base no surgimento da cincia moderna a partir do Renascimento
como sendo a civilizao em mudana. Nesse sentido, os mtodos tradicionais so
remetidos para a Idade Mdia, e, portanto, para um carter pr-cientfico, e mesmo
anticientfico, ou seja, dogmtico. Ora, no entanto, essa crena que a Escola Nova
propaga uma crena totalmente falsa. Com efeito, o chamado ensino tradicional
no pr-cientfico e muito menos medieval. Esse ensino tradicional que ainda
predomina hoje nas escolas se constituiu aps a revoluo industrial e se implantou
nos chamados sistemas nacionais de ensino, configurando amplas redes oficiais,
criadas a partir de meados do sculo passado, no momento em que, consolidado o
poder burgus, aciona-se a escola redentora da humanidade, universal, gratuita e
obrigatria como um instrumento de consolidao da ordem democrtica.
O que estou querendo enfatizar com isto que esse mtodo tradicional foi
constitudo aps a revoluo industrial, contrariamente, portanto, ao argumento que
os escolanovistas comumente levantam de que a revoluo industrial transformou a
sociedade, determinou uma sociedade no mais esttica, em mudana contnua,
que essa revoluo industrial, que tem seu fundamento na cincia, no teve sua
contrapartida na educao, que continuou sendo pr-cientfica, seguindo lemas
medievais. Da a razo do mtodo novo proclamar-se cientfico, proclamar-se um
instrumento de introduo da cincia na atividade educativa e, em conseqncia,
colocar a educao altura do sculo, altura da poca. No entanto, esse ensino
dito tradicional se estruturou atravs de um mtodo pedaggico, que o mtodo
expositivo, que todos conhecem, todos passaram por ele, e muitos esto passando
ainda, cuja matriz terica pode ser identificada nos cinco passos formais de Herbart.
Esses passos, que so o passo da preparao, o passo da apresentao, da
comparao e assimilao, da generalizao e, por ltimo, da aplicao,
correspondem ao esquema do mtodo cientfico indutivo, tal como fora formulado
por Bacon, mtodo que podemos esquematizar em trs momentos fundamentais: a
observao, a generalizao e a confirmao. Trata-se, portanto, daquele mesmo
mtodo formulado no interior do movimento filosfico do empirismo, que foi a base
do desenvolvimento da cincia moderna. Eu acho que esse ponto precisa ser
explicitado um pouco melhor.
No ensino herbartiano, o passo da preparao significa basicamente a
recordao da lio anterior, logo, do j conhecido; atravs do passo da
apresentao, colocado diante do aluno um novo conhecimento que lhe cabe
assimilar; a assimilao, portanto o terceiro passo, ocorre por comparao, da por
que eu o denominei assimilao-comparao - a assimilao ocorre por comparao
do novo com o velho; o novo assimilado, pois, a partir do velho. Esses trs passos
correspondem, no mtodo cientfico indutivo, ao momento da observao. Trata-se
de identificar e destacar o diferente entre os elementos j conhecidos. O passo
seguinte, o da generalizao, significa que, se o aluno j assimilou o novo
conhecimento, ele capaz de identificar todos os fenmenos correspondentes ao
conhecimento adquirido. Ora, no mtodo indutivo, o momento da generalizao no
outra coisa seno a subfuno, sob uma lei extrada dos elementos observados,
pertencentes a determinada classe de fenmenos, de todos os elementos
(observados ou no), que integram a mesma classe de fenmenos. O passo da
aplicao, que o quinto passo do mtodo herbartiano, coincide, via de regra, com
as "lies para casa". Fazendo os exerccios, o aluno vai demonstrar se ele
aprendeu, se assimilou ou no o conhecimento. Trata-se de verificar atravs de
exemplos novos, no manipulados ainda pelo aluno, se ele efetiva-mente assimilou
o que foi ensinado. Corresponde, pois, ao momento da confirmao, no caso do
mtodo cientfico, uma vez que, se o aluno aplicou corretamente os conhecimentos
adquiridos, se ele acertou os exerccios, a assimilao est confirmada. Pode-se
afirmar que ao ensino correspondeu uma aprendizagem. Por isso, a preparao da
lio seguinte comea com a recapitulao da anterior, o que feito normalmente
mediante a correo da lio de casa. Eis, pois, a estrutura do mtodo tradicional;
na lio seguinte comea-se corrigindo os exerccios, porque essa correo o
passo da preparao. Se os alunos fizeram corretamente os exerccios, eles
assimilaram o conhecimento anterior, ento eu posso passar para o novo. Se eles
no fizeram corretamente, ento eu preciso dar novos exerccios, preciso que a
aprendizagem se prolongue um pouco mais, que o ensino atente para as razes
dessa demora, de tal modo que, finalmente, aquele conhecimento anterior seja de
fato assimilado, o que ser a condio para se passar para um novo conhecimento.
Cabe aqui perguntar: por que o movimento da Escola Nova tendeu a classificar
como pr-cientfico, e at mesmo como anticientfico, dogmtico, o mtodo aqui
citado? Acredito que demonstrei a sua cientificidade. Mas vamos tentar agora
responder a essa pergunta. A Escola Nova deve ter suas razes.
ENSINO NO PESQUISA
Na verdade, o que o movimento da Escola Nova fez foi tentar articular o
ensino com o processo de desenvolvimento da cincia, ao passo que o chamado
mtodo tradicional o articulava com o produto da cincia. Em outros termos, a
Escola Nova buscou considerar o ensino como um processo de pesquisa; da
porque ela se assenta no pressuposto de que os assuntos de que trata o ensino
problemas, isto , so assuntos desconhecidos no apenas pelo aluno, como
tambm pelo professor. Nesse sentido, o ensino seria o desenvolvimento de uma
espcie de projeto de pesquisa, quer dizer uma atividade - vamos aos cinco passos
do ensino novo que se contrapem simetricamente aos passos do ensino tradicional:
ento, o ensino seria uma atividade (1 passo) que, suscitando determinado
problema (2 passo), provocaria o levantamento dos dados, (3 passo) a partir dos
quais seriam formuladas as hipteses (4 passo) explicativas do problema em
questo, empreendendo alunos e professores, conjuntamente, a experimentao
(5. passo), que permitiria confirmar ou rejeitar as hipteses formuladas.
V-se, pois, que o ensino novo basicamente se funda nessa estrutura: ele
comea por uma atividade; na medida em que a atividade no pode prosseguir por
algum obstculo, alguma dificuldade, algum problema que surgiu, preciso resolver
esse problema. Como se vai resolver esse problema? Ento, todos, alunos e
professores, saem cata de dados, dados dos mais diferentes tipos, dados
documentais, atravs dos textos, ou dados de campo. Esses dados, uma vez
levantados, permitiro acionar uma ou mais hipteses explicativas do problema.
Formulada a hiptese, preciso passar experimentao, preciso testar essa
hiptese. So esses os cinco passos do mtodo novo. Diferentemente disso, o
ensino tradicional se propunha a transmitir os conhecimentos obtidos pela cincia,
portanto, j compendiados, sistematizados e incorporados ao acervo cultural da
humanidade. Eis porque esse tipo de ensino, o ensino tradicional, se centra no
professor, nos contedos e no aspecto lgico, isto , se centra no professor, o
adulto, que domina os contedos logicamente estruturados, organizados, enquanto
que os mtodos novos se centram no aluno (nas crianas), nos procedimentos e no
aspecto psicolgico, isto , se centra nas motivaes e interesses da criana em
desenvolver os procedimentos que a conduzam posse dos conhecimentos
capazes de responder s suas dvidas e indagaes. Em suma, aqui, nos mtodos
novos, se privilegiam os processos de obteno dos conhecimentos, enquanto que
l, nos mtodos tradicionais, se privilegiam os mtodos de transmisso dos
conhecimentos j obtidos.
Bem, acho que, isto posto, um e outro mtodo, uma e outra pedagogia,
esto indicadas tambm as razes de cientificidade de uma e de outra. Mas, que
conseqncias isso tem?
Vejam que com essa maneira de interpretar a educao, a Escola-Nova
acabou por dissolver a diferena entre pesquisa e ensino, sem se dar conta de que,
assim fazendo, ao mesmo tempo que o ensino era empobrecido, se inviabilizava
tambm a pesquisa. O ensino no um processo de pesquisa. Querer transform-lo
num processo de pesquisa artificializ-lo. Da o meu prefixo pseudo ao cientfico
dos mtodos novos. Eu vou tentar explicar um pouquinho ainda isso. Por que que
o ensino era empobrecido e ao mesmo tempo se inviabilizava a pesquisa?
Vejam bem que, se a pesquisa incurso no desconhecido, e por isso ela
no pode estar atrelada a esquemas rigidamente lgicos e preconcebidos, tambm
verdade que: primeiro, o desconhecido s se define por confronto com o
conhecido, isto , seno se domina o j conhecido; no possvel detectar o ainda
no conhecido, a fim de incorpor-lo, mediante a pesquisa, ao domnio do j
conhecido. A me parece que est uma das grandes fraquezas dos mtodos novos.
Sem o domnio do conhecido, no possvel incursionar no desconhecido. a que
est tambm a grande fora do ensino tradicional: a incurso no desconhecido se
fazia sempre atravs do conhecido, e isso um negcio muito simples; qualquer
aprendiz de pesquisador passou por isso, ou est passando, e qualquer pesquisador
sabe muito bem que ningum chega a ser pesquisador, a ser cientista, se ele no
domina os conhecimentos j existentes na rea em que ele se prope a ser
investigador, a ser cientista. Em segundo lugar, o desconhecido no pode ser
definido em termos individuais, mas em termos sociais, isto , trata-se daquilo que a
sociedade e, no limite, a humanidade em seu conjunto desconhece. S assim seria
possvel encontrar-se um critrio aceitvel para distinguir as pesquisas relevant