Economia de tráfico, economia camponesa
e economia de serviços:
uma leitura da sociedade cabo-verdiana na longa
duração
João EstêvãoCEsA/ISEG, Universidade de Lisboa
Seminários em Estudos de Desenvolvimento
Lisboa, 11 de Abril de 2019
João Estêvão
Objectivo
O objectivo principal desta apresentação é identificar e sumariar as principais
características de cada um dos três ciclos de povoamento, económicos e sociais de
Cabo Verde ao longo do período colonial e, desse modo, mostrar como elas
corporizam, na longa duração, um processo específico de formação e
desenvolvimento de uma sociedade crioula tropical a partir de uma matriz colonial
estabelecida no quadro da expansão atlântica portuguesa e europeia.
2João Estêvão
O ciclo da economia de tráfico(meados do séc. XV a meados do séc. XVII)
1. Os percursos da expansão marítima portuguesa em África
2. A centralidade cabo-verdiana e a expansão da economia de tráfico (até meados
do séc. XVI)
• As motivações para o povoamento
• Um povoamento induzido pela centralidade do arquipélago
• Um modelo económico induzido pelo cruzamento das rotas atlânticas
3. Perda de centralidade e declínio da economia de tráfico (meados do séc. XVI até
ao 2º quartel do séc. XVII)
3João Estêvão
O ciclo das economias camponesas(meados do séc. XVII a finais do séc. XVIII)
1. Novo ciclo de povoamento
2. Novo modelo económico e de ocupação do espaço – o campesinato
3. Novo modelo de comércio com a navegação
4. Um interciclo de povoamento: as ilhas salineiras da Boa Vista e de Maio (meados
do séc. XVIII)
5. O início do comércio com a Nova Inglaterra, os baleeiros americanos e a
emigração cabo-verdiana para a América do Norte (último quartel do séc. XVIII)
4João Estêvão
O ciclo da economia de serviços(a partir de meados do séc. XIX)
1. Terceiro e último ciclo de povoamento de Cabo Verde
2. Mudanças no sistema colonial: as abolições (terra vinculada e escravatura), o
novo sistema administrativo e financeiro colonial
3. Novo modelo económico e de ocupação do espaço – serviços e industriais
3. Uma estrutura integrada de comércio: importação, exportação e expansão do
comércio interno
4. A reformulação da articulação global-local no processo de desenvolvimento
cabo-verdiano
5João Estêvão
Formação e expansão da sociedade crioula
cabo-Verdiana – uma síntese
• O modelo de povoamento deu origem à primeira experiência de formação de uma
sociedade de base euro-africana e de criação, nos trópicos, de uma economia com
utilização sistemática de trabalho escravo.
• A sociedade insular tinha, na sua origem, uma composição social transparente e
com dicotomias relativamente simples: senhor-escravo, europeu-africano,
branco-negro. Mas, rapidamente, surgiu um elemento humano novo, de nascidos
no arquipélago e fruto de múltiplos cruzamentos, tanto entre europeus e
africanos, como entre africanos de diferentes etnias – no seu conjunto, os
chamados filhos da terra.
6João Estêvão
Formação e expansão da sociedade crioula
cabo-Verdiana – uma síntese
• Cabo Verde foi, portanto, “o laboratório onde se experimentaram novas formas de
colonização, novas relações sociais, novas vivências culturais e se constituiu,
com percalços diversos, uma identidade a partir de heterogeneidades
confluentes”. [Cabral, Iva et. al. Cabo Verde, uma experiência colonial acelerada (séculos XVI-XVII).
Lisboa, Separata de: Africana, n. 6 especial, 2001, p. 2]
• Com o declínio da economia de tráfico, os filhos da terra, cada vez mais
numerosos pela demografia interna, foram ganhando posição na economia e na
administração local, numa dinâmica claramente marcada pela reinvenção de uma
nova sociedade, crioula, que já não era traduzível pela transparência das
dicotomias anteriores.
7João Estêvão
Formação e expansão da sociedade crioula
cabo-Verdiana – uma síntese
• A condição específica do ilhéu cabo-verdiano remete-nos, assim, para a
compreensão do processo de evolução económica e social do arquipélago, em
particular, para o modo como a sociedade escravocrata inicial se desintegrou,
dando lugar a um processo muito próprio de “democratização social” e de
transformação numa sociedade de classes.
• O ilhéu cabo-verdiano é o produto de uma sociedade construída a partir de baixo.
Uma construção marcada, na sua origem, pela emergência endógena do forro e
do mestiço cabo-verdiano e pelo recuo progressivo das estruturas escravocratas,
mas firmada no contexto específico em que se desenvolveram as estratégias
conflituantes dos actores em presença.
8João Estêvão
Formação e expansão da sociedade crioula
cabo-Verdiana – uma síntese
• Essa construção prosseguiu com a desintegração das estruturas económicas e
sociais iniciais e com a ascensão dos filhos da terra que, ao longo do tempo,
foram revelando capacidade autónoma para gerir a transição e para afirmar novas
alternativas de organização social e económica, tanto no quadro das sociedades
camponesas, como das sociedades urbanas e de serviços.
• Foi, assim, a partir da base que se caldearam os comportamentos e valores que
acabariam por ser apropriados por todos os estratos da sociedade crioula, num
processo de homogeneização cultural e de afirmação identitária que moldou a
condição do ilhéu cabo-verdiano.
9João Estêvão