SILMARA DE SOUZA MACHADO
ESCOLA E FAMÍLIA: UMA RELAÇÃO A SER FORTALECIDA
Artigo apresentado como trabalho
final do PDE (Programa de
Desenvolvimento Educacional) da
Secretaria Estadual de Educação, sob
a orientação da professora Ana Lúcia
Ferreira Aoyama.
Londrina2008
AGRADECIMENTOS
À Professora Ana Lúcia Ferreira Aoyama, orientadora não só deste
trabalho como de todos os estudos feitos no PDE. Certamente, aquele que
assim o deseja, com ela aprenderá a ter seriedade sem sisudez,
conhecimento sem arrogância e responsabilidade com os compromissos
assumidos, sem deixar de levar em consideração as dificuldades de seus
alunos. Obrigada!
À minha família, todas as pessoas que dela fazem parte estão,
permanentemente, incentivando-me e ajudando-me para que eu tenha
condições de trabalhar e estudar tranquilamente, sendo presenças
fundamentais em todos os meus dias. Obrigada!
À Diretora do Colégio Estadual Antonio Carlos Gomes, Vilma
Sampaio Janes, e através dela, a todos os professores, funcionários e
alunos desta instituição, pessoas com as quais convivo há vinte e dois
anos e que além de contribuírem para o meu crescimento profissional,
deixaram de ser apenas colegas de trabalho para serem consideradas
amigas. Obrigada!
RESUMO
Tive um chão (mas já faz tempo)todo cheio de certezas
tão duras como lajedos.
Agora ( o tempo é que fez)tenho um caminho de barro
umedecido de dúvidas
Thiago de Mello
Este trabalho busca reafirmar a urgente necessidade de melhoria
dos serviços educacionais prestados à população, bem como a importante
participação que cabe às famílias dos educandos na construção da
qualidade do ensino. Traz relatos do trabalho implementado no período
de abril a junho de 2008, no Colégio Estadual Antonio Carlos Gomes, no
município de Nova Santa Bárbara, com o objetivo de discutir e incentivar
esta participação. Conclui que quando a participação da família é vista
como exercício de cidadania, no âmbito dos direitos civis e um dever a
cumprir na esfera particular, ela é grande aliada dos profissionais da
educação.
PALAVRAS-CHAVE: Qualidade de ensino. Gestão democrática.
Relação família-escola.
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ABSTRACT: This work to reaffirm the urgent needs of improvement
of the education offered to the people, such as the important participation
of the students’ families in the construction of education's quality. It
contains reports about the work in the Antonio Carlos Gomes School, from
april to june, in Nova Santa Bárbara city. The aim is to discuss and
motivate this participation. The conclusion is that, when the family
participation is treated like an exercise about how to become a citizen, in
the civil rights ambit and a duty to accomplish on their own, it is a great
ally to the educators and a big factor to install the democracy at the
education system.
KEY WORDS: Quality of the education. Democratic administration.
Family-school relationship
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..............................................................................................6
QUALIDADE DE ENSINO E PARTICIPAÇÃO...................................................9
DETALHAMENTO DAS AÇÕES REALIZADAS...............................................17
1 CONTEÚDO.................................................................................................172. PARTICIPAÇÃO COMO FORMA DE MELHORIA..............................................................173. FAMÍLIA E ESCOLA........................................................................................17
CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................20
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................23
INTRODUÇÃO
O presente artigo, trabalho final do PDE ( Programa de
Desenvolvimento Educacional), programa de formação continuada com
duração de dois anos, oferecido aos professores da rede pela Secretaria
de Estado da Educação do Paraná (SEED-PR), tem como foco principal a
questão da importância da participação dos pais-usuários como fator
preponderante na construção da qualidade do ensino público e também
procura abordar a importância da participação da família na vida escolar
de seus filhos como grande colaborador para que a criança/jovem
obtenha melhores resultados em sua vida escolar. A escolha deste tema
deu-se principalmente em face ao atendimento a dois dos princípios do
PDE ( Programa de Desenvolvimento Educacional) expressos em seu
documento-síntese (pde.pr.gov.br). Primeiramente ao princípio que afirma
a necessidade de que este programa de formação continuada seja um
elemento para o enfrentamento dos reais problemas vividos pela
educação básica paranaense , isto é, que os estudos realizados pelo
professor PDE estejam voltados ao objetivo de contribuir para a solução de
problemas enfrentados na unidade escolar em que atua , esta é uma
condição presente na realização do trabalho já que o Projeto Político
Pedagógico do Colégio Estadual Antonio Carlos Gomes (2006) coloca
como um dos grandes desafios a ser enfrentado pela escola “conseguir
maior participação das famílias e maior interesse dos alunos”. O segundo
princípio, que remete à necessidade da reflexão sobre a prática e o
enriquecimento desta pela teoria, ou, melhor, à necessidade do real
entrelaçamento entre teoria e prática para que os resultados do trabalho
educativo possam ser substancialmente melhorados.
Busca-se aqui contribuir com a discussão sobre a urgente
necessidade da implantação da gestão democrática, em nossas escolas,
como forma de obter melhores resultados pedagógicos.
A atual Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de
1988, em seu artigo 206, institui o ensino fundamental como obrigatório e
gratuito para todos, sendo considerado direito público subjetivo, e os
governantes que deixam de ofertar este serviço ou o fazem de forma
irregular podem ser responsabilizados juridicamente. Além da garantia
do acesso, também é garantido constitucionalmente o padrão de
qualidade para o ensino oferecido. Embora legalmente garantido este
padrão de qualidade está longe de ocorrer na prática, sendo que o baixo
nível de aprendizagem de boa parte dos estudantes é facilmente
verificável, tanto pelas suas participações em avaliações formais de
desempenho, como SAEB ( Sistema de Avaliação da Educação Básica) o
ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), ambos feitos pelo MEC
(Ministério da Educação) e também o PISA, programa de avaliação
comparada internacional que avalia, a cada três anos, alunos de 15 anos,
realizado pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico) em que o Brasil ocupa as últimas posições entre os países
avaliados, e mais recentemente com a implantação do IDEB (Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica). A confirmação dos insatisfatórios
resultados da educação brasileira está também nos altos índices de
evasão e repetência ainda presentes nas estatísticas educacionais. No
entanto estes índices representam apenas parte do problema, pois: “
...mesmo a imensa maioria das pessoas que são aprovadas está longe de
apresentar um padrão satisfatório de apreensão dos conteúdos que a
escola diz oferecer.” ( Paro, 2005, p.90) realidade facilmente constatável
no dia-a-dia de nossas famílias e escolas, quando abundam exemplos da
má formação dos estudantes, nas conversas com empregadores, que
reclamam do baixo nível de formação geral dos jovens que chegam ao
mercado de trabalho. Enfim, muitos são os indicativos de que o preceito
constitucional da qualidade de ensino não ocorre na prática e muitos são
os fatores apontados por estudiosos e leigos para que a qualidade da
educação brasileira encontre-se aquém do desejado, portanto, seria
ambicioso demais, em um artigo, desejar estender-se e aprofundar-se na
análise desta realidade, sendo assim, optou-se, para a realização do
7
presente trabalho, em realizar-se a discussão sobre a importância da
participação dos usuários, mais precisamente dos pais/ responsáveis,
como uma das formas de obter melhorias no ensino público brasileiro.
A gestão democrática, que é também um princípio garantido na
Constituição Federal (artigo 206, inciso VI) está longe de acontecer na
prática , por dificuldades internas e também externas ao meio escolar. O
primeiro e talvez mais importante empecilho para que ocorra a
participação dos usuários na gestão da escola pública está, em muitas
oportunidades, na descrença de sua importância entre as pessoas que
tentam implantá-la “ ... a participação da comunidade na gestão da
escola pública encontra um sem-número de obstáculos para concretizar-
se, razão pela qual um dos requisitos básicos e preliminares para aquele
que se disponha a promovê-la é estar convencido da relevância e da
necessidade dessa participação” (Paro, 2005, p.16). Quando existir a
convicção de que esta participação é importante, não como favor
concedido, mas como direito que deve ser exercido e respeitado, teremos
um princípio de caminhada em busca da efetiva gestão democrática.
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QUALIDADE DE ENSINO E PARTICIPAÇÃO
É recorrente o apontamento da participação dos pais e da
comunidade como uma das ações que podem trazer melhores resultados
no enfrentamento aos problemas da escola pública brasileira. Isto não
constitui nenhuma novidade e nem é uma solução mirabolante: é uma
questão simples, se os usuários de um serviço se movimentam no sentido
de exigir seus direitos, a tendência é que este serviço melhore. No
entanto, no que tange aos serviços educacionais, a receita de participação
é simples na teoria, mas parece ser difícil de ser colocada em prática.
Embora a participação dos pais seja garantida e ocorra formalmente, já
que a maioria das escolas têm legalmente constituídas e em
funcionamento suas instâncias de participação (Conselhos Escolares e
APMFs) , elas atuam mais como forma de conseguir-se ajuda e
colaboração dos pais para realização de pequenos trabalhos e também
como uma pseudoparticipação, já que as reuniões destes colegiados
constituem-se, salvo exceções, como momentos de confirmação de
decisões administrativas já tomadas.
Para falar-se em participação, em gestão democrática,
primeiramente é necessário definir a que conceitos se faz referência,
segundo Bordenave (1998) tanto podem estar a favor de que a
participação aconteça setores que desejam uma democracia autêntica,
quanto setores interessados em manipular e manter as coisas como estão.
Todos estão a favor da participação, já que ela pode servir a ambos: “ Ela
pode ser implantada tanto com objetivos de liberação e igualdade como
para a manutenção de uma situação de controle de muitos por alguns.”
(Bordenave, 1998, p.12). A participação que devem desejar aqueles que
acreditam na educação como forma de contribuir para a melhoria da
sociedade e para o verdadeiro exercício da cidadania é uma participação
real , que auxilie a implantação de uma escola verdadeiramente
democrática, embora saibamos que a plenitude democrática só ocorrerá
quando vigir outro modo de produção, já que sob o capitalismo a
democracia jamais se dará plenamente, sendo sempre relativa, já que
assentada em desigualdades (Santos, 2005, p.4). Segundo Paro
(2000,p.16) a participação da população na escola só trará bons
resultados e conseguirá algumas mudanças a partir de uma posição
positiva da instituição (escola) em relação aos usuários, participação que
se dê através da abertura de oportunidades para o diálogo , a convivência
humana, que leve cada um a sentir-se um pouco responsável pelo
sucesso ou fracasso de um estudante.
Em muitas oportunidades é possível perceber o uso da expressão
gestão compartilhada como se esta fosse equivalente à gestão
democrática, embora a distinção entre gestão compartilhada e
democrática pareça ser simples, de menor importância, a diferença
existente entre uma e outra irá determinar a postura assumida e os
rumos que serão tomados por um gestor escolar, Caldas Nunes
(1999,p.37), falando sobre a questão, afirma:
“ No primeiro sentido supõe-se alguém como proprietário da gestão ( o governo ou o diretor, dependendo da instância) que magnanimamente reparte aquilo que é seu ( uma vez que só se partilha aquilo que se tem). No segundo caso trata-se de controlar a quem dirige, entendendo-se que aquele que ocupa um cargo de direção o faz a serviço dos que o elegeram ... é portanto um movimento da periferia para o centro, de baixo para cima, ao contrário da gestão compartilhada que é outorgada de cima para baixo.”
No Estado do Paraná, a participação dos pais/responsáveis além de
exigida legalmente, tem sido incentivada através do chamamento à
participação em cursos de capacitação para conselheiros e membros de
APMFs, da abertura aos membros de colegiado para que estejam
presentes nas semanas pedagógicas realizadas em início de ano e
também em julho e outros eventos em que se discute os rumos para a
educação paranaense. O caráter desta participação tem sido aquele que,
a nosso ver, deve ser buscado por todos, que é a gestão democrática. O
mesmo não se pode dizer da linha de ação do Governo Federal, que
defende a participação, mas que a vê pelo viés da gestão compartilhada,
uma crença neoliberal, que pretende “dividir” responsabilidades, para, na
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verdade, diminuir investimentos. Como comprovação pode-se reportar ao
“Compromisso Todos Pela Educação” (mec.gov.br), plano de metas em
regime de colaboração entre o governo federal, estados e municípios e
que visa a melhoria da qualidade da educação. Instituído pelo Decreto Nº
6.094 de 24 de abril de 2007, o compromisso é composto por vinte e oito
(28) diretrizes e em três (3) delas (XXII, XXV e XXVIII) deixa claro o seu
intuito de dividir responsabilidades e abrir espaços para a presença do
voluntariado na escola:
XXII - promover a gestão participativa na rede de ensino;
XXV - fomentar e apoiar os conselhos escolares, envolvendo as
famílias dos educandos, com as atribuições, dentre outras, de zelar pela
manutenção da escola e pelo monitoramento das ações e consecução
das metas do compromisso;
XXVII - firmar parcerias externas à comunidade escolar,
visando a melhoria da infra-estrutura da escola ou a promoção de projetos
socioculturais e ações educativas; ( grifos nossos)
Embora a participação dos pais/responsáveis seja largamente
apoiada, existem vozes dissonantes, Paro (2000, p.25) em seu livro
“Qualidade de Ensino: a contribuição dos pais” comenta sobre aqueles
que pensam que esta contribuição não é necessária e nem mesmo
recomendável, o argumento dos que assim pensam é de que os pais têm
direito a uma boa educação escolar, não havendo necessidade de que
estes trabalhem para a escola. Esta preocupação é válida, mas está
calcada em uma concepção equivocada de participação, que a vê
especificamente como uma condição de exploração do trabalho e da
colaboração dos pais para o bom funcionamento da escola, através da
arrecadação de fundos em promoções de bingos, festas e contribuições
“espontâneas” que são tão conhecidas por todos e que são princípios da
gestão compartilhada, abordada anteriormente. Definitivamente não é
esta a participação a que nos referimos quando a entendemos necessária
e bem-vinda às nossas escolas. Momentos de colaboração e convivência,
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como festas e participação em mutirões para pequenos trabalhos são
ações que podem e, até, devem ocorrer, mas não podem constituir o
principal motivo da presença dos pais na escola.
Em contrapartida à argumentação dos que não acreditam na
importância da contribuição dos pais à escola existe uma maioria que
acredita ser este um dos caminhos para se fazer dela um espaço
democrático e uma instituição que cumpra a contento o seu papel de
transmitir às novas gerações o saber produzido pelos homens ao longo de
sua história. Carvalho (1989 p.69) acredita que há duas razões principais
para que a escola abra-se à participação dos pais, a primeira é o papel
fiscalizador da qualidade do produto escolar, fiscalização levada a cabo
através de reivindicações coletivas. A segunda razão para a presença e
participação dos pais no processo escolar, segundo a mesma autora, é
ligada à sua função fiscalizadora, é a função que pode ser exercida por
eles como grupo de pressão a favor da escola, pois uma atuação
organizada, em grupo, tem maiores possibilidades de obter melhorias
necessárias à escola do que a atuação isolada de um pai ou mesmo de um
diretor escolar.
Para aqueles que estão dispostos a pensar a escola pública sob o
ponto de vista da classe trabalhadora, duas questões centrais sobre a
participação dos pais como membros ativos das decisões escolares são
abordadas por Carvalho (1989. p.69), a primeira diz respeito ao conteúdo
escolar e a segunda ao compromisso político da escola. Ainda prevalece,
mesmo entre educadores que, teoricamente, adotam pedagogias
transformadoras, a visão de que só o conteúdo produzido e transmitido
pela escola possui valor, desprezando assim os saberes das classes
populares, tratando toda forma de saber extra-escolar como algo que
deva ser expurgado da escola sob pena de contaminá-la. O acesso à
escola dos menos favorecidos econômica e culturalmente tornou
necessário e urgente que os educadores tenham disposição em aprender
e principalmente respeitar as formas de vida e a cultura de seus alunos e
de suas famílias, que o saber trazido por estes seja tomado como ponto de
partida para o trabalho escolar. Em seu texto, Carvalho afirma:
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“ É fundamental reafirmar a escola como agência transmissora de um saber organizado. Mas também é preciso reconhecer que a própria crítica desse saber só é possível quando a escola souber valorizar o conhecimento que se constrói fora dela...” ( CARVALHO,1989, p.70).
Também o compromisso político da escola precisa ser pensado, é
necessário que se saiba que escola se quer construir, em que sociedade
se quer viver. A partir das respostas dadas a estes questionamentos é
que se pode tomar uma posição de conformismo e aceitação ou de
questionamento e luta por transformações. O norte deste trabalho foi esta
necessidade de posicionar-se diante da realidade e agir de acordo com a
posição tomada. Em especial aqueles que trabalham com educação,
principalmente a educação pública, devem estar sempre atentos para sua
prática seja efetivada na busca das transformações necessárias à escola
para que ela seja realmente local de igualdade, convivência pacífica e
respeito a todos.
Além da discussão sobre a participação dos pais/responsáveis na
condução da escola, que seria um papel no grupo social mais amplo,
também se abordou a questão do papel a ser desempenhado pelas
famílias na vida escolar de suas crianças e jovens. A família, como
primeiro, e provavelmente, mais importante grupo social do qual o ser
humano faz parte, tem sido alvo de muitos estudos e comentários. Dela
fala-se que está em crise e que desaparecerá ou que continua e continua
e continuará sendo a “célula mater” da sociedade:
“Para alguns, família é a base da sociedade e garantia de uma vida social equilibrada, célula sagrada que deve ser mantida intocável a qualquer custo. Para outros, a instituição familiar deve ser combatida, pois representa um entrave ao desenvolvimento social; é algo exclusivamente nocivo, é o local onde as neuroses são fabricadas e onde se exerce a mais implacável dominação sobre crianças e mulheres.” ( REIS, 1984, p.99 ).
Roberto Freire, citado por Pellegrini (1988, p.128), sobre ela, diz:
“ A família existe não só para garantir a reprodução da sociedade burguesa através da difusão do autoritarismo, mas também para manter funcionando – e como correia de transmissão e de suporte do capitalismo – a propriedade privada. O papel da família é tão forte neste sentido que
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seus membros acabam por se julgar proprietários uns dos outros.”
Embora reconhecendo algo de verdade naquilo que se diz contra a
existência da família, os argumentos a favor da sua existência e
importância de sua manutenção são em maior número e mais
consistentes.
O mesmo Tozoni Reis, escreve:
“No entanto, o que não pode ser negado é a importância da família tanto no nível das relações sociais, nas quais ela se inscreve, quanto ao nível da vida emocional de seus membros. É na família, mediadora entre o indivíduo e a sociedade, que aprendemos a perceber o mundo e a nos situarmos nele.”(REIS, 1984, p.99).
Também sobre a importância da família pode-se ler em Mercês
Bock:
“A família, do ponto de vista do indivíduo e da cultura, é um grupo tão importante que, na sua ausência, dizemos que a criança ou o adolescente precisam de uma “família substituta” ou devem ser abrigados em uma instituição que cumpra as funções materna e paterna...”(BOCK, 2002, p. 249).
Reconhecidamente importante para todo ser humano, a família tem
passado por intensas transformações em sua configuração nas últimas
décadas. Aquela família tradicional, tão ao gosto dos antigos autores de
livros didáticos, onde papai, mamãe e seus dois filhinhos ( um casal,
lógico) apareciam em situação de tranqüilidade e sossego num ambiente
agradável e arrumado tem se tornado, se não rara, menos presente em
nossa sociedade. Multiplicaram-se nos últimos anos famílias com
diferentes arranjos em sua formação, sendo marcante o grande
crescimento do número de famílias que são chefiadas por mulheres, Brito
(2008, p.43) revela:
“As famílias chefiadas por mulheres têm crescido nas últimas décadas. De acordo com o Censo Demográfico de 2000, correspondem a 11,1 milhões de famílias. Uma em cada quatro famílias brasileiras é chefiada por mulheres. Nesse universo, a maioria das mulheres responsáveis pelo
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domicílio está em situação monoparental 1.” (BRITO, 2008, p.43).
Embora seja imprescindível ter cuidado com julgamentos, que
classifiquem precipitadamente famílias ou alunos como potenciais
problemas escolares, o fato é que a realidade tem mostrado que estão
mais sujeitos a apresentar problemas de aprendizagem, abandono escolar
e até mesmo criminalidade, crianças e jovens criados sob a ausência da
figura masculina, Gallo (2007,p.24) revela que uma pesquisa feita pela
Fundação Casa, órgão destinado ao abrigo de jovens infratores, que
substituiu a antiga FEBEM, no estado de São Paulo, foi constatado que
23% dos internos moravam com pai e mãe, 7% somente com o pai, 19%
sem pai ou mãe e 51% viviam somente com a mãe e que dos internos do
sexo masculino 11% já eram pais e do sexo feminino 18% já haviam se
tornado mães antes da internação na instituição. O problema suscita
várias questões, como o aumento da gravidez na adolescência, a falta de
apoio à mãe que cuida de seus filhos, como também ausência de creches
e escola em tempo integral, que mostram o quanto as políticas públicas
precisam ainda avançar para que os direitos de toda a população sejam
efetivados.
Além das mulheres que cuidam sozinhas de seus filhos, tem sido
marcante também a existência de famílias onde os avós desempenham a
função de cuidadores e mantenedores de netos, geralmente pelo fato dos
pais das crianças estarem em outros países à trabalho, também por
separações de casais, cujos ex-cônjuges assumem outras relações, onde
não “cabem” os filhos do casamento anterior. É bastante comum também
as famílias constituídas por pessoas que já tiveram relações anteriores,
tiveram filhos e na relação atual juntam este filhos, formando uma nova
família, encontrando-se também famílias onde convivem pais, filhos e
madrastas, mãe, filhos e padrastos, e mais recentemente, surgiram as
famílias formadas por casais de pessoas do mesmo sexo, que adotam uma
1 Nota de rodapé - Família monoparental – é o grupo familiar composto por um dos pais e seus filhos menores de 25 anos. A forma mais comum é a família monoparental feminina, quando a mulher assume todas as responsabilidades sobre a criação dos filhos.
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criança, ou mesmo possuem filhos biológicos de outra relação. Enfim,
múltiplos têm se tornado os formatos de famílias que estão presentes na
sociedade e, consequentemente, no ambiente escolar, e esta
multiplicidade tem causado algumas dificuldades tanto às próprias
famílias, onde há confusão e mesmo ausência sobre os papéis que cada
membro exerce no grupo familiar, como entre educadores, que sentem-se
perdidos diante de uma situação que apresenta-se nova e conflituosa.
Parolin (2005,p.38) sobre as configurações familiares, conclui que seja
qual for a sua configuração, sejam quem forem os seus integrantes, o
importante é que mesmo diante da mudança, do crescimento e do
desenvolvimento que promova, ela continue sendo “família”.
Para além das questões da existência, configuração e problemas
das famílias existe também a necessária discussão sobre o papel que cabe
à escola e aquele que cabe à família na vida do estudante, embora
importante seja o papel de cada uma e o objetivo seja o mesmo, isto é,
que o estudante tenha sucesso em sua vida escolar, desenvolvendo suas
potencialidades, as duas instituições às vezes se confundem e
estabelecem um jogo de empurra-empurra, onde a escola, através de seus
membros, principalmente os professores, afirma que os pais não se
interessam pelo estudo dos filhos e as famílias, por sua vez, timidamente,
afirmam que não sabem o que fazer para ajudar e que a escola não faz o
que deveria, exigindo dela, família, algo que ela não tem como dar. É
fundamental esclarecer que à família não cabe ensinar conteúdos
escolares aos seus filhos, como afirma Paro (2000,p.49) A condição de
pouca cultura da maioria dos pais até os impede de realizar esta tarefa,
mas a eles cabe estimular seus filhos , verificar seus cadernos,
demonstrando interesse pelos seus estudos, levando-os a perceber o
estudo como um valor, que aprender tem grande importância para sua
vida e que não será permitido aos filhos que se ausentem por dias
seguidos, ou até definitivamente, da escola.
Nesta relação família-escola é preciso, sobretudo, tornar a escola
um local aberto, onde as pessoas possam, de fato, dialogar, em
16
contraposição à uma postura às vezes ainda encontrada e exemplificada
pelo mesmo Paro, quando diz:
“ A timidez diante dos professores, o medo da reprovação dos filhos e a distância que sentem da “cultura” da escola os levam a ver a escola não como uma continuidade em suas vidas, mas como algo separado de suas experiências.” (PARO, 2000, p.33).
Para discutir estas e outras questões a cerca da instituição familiar
e suas implicações com a vida escolar de seus membros, visando melhor
preparo dos educadores para atuar frente às situações com que se
deparam em seu trabalho é que foram elaborados os materiais para o
trabalho de intervenção na escola.
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DETALHAMENTO DAS AÇÕES REALIZADAS
A proposta foi implementada em forma de um curso, com carga
horária de 40 h., certificado pelo Departamento Municipal de Educação de
Nova Santa Bárbara, foram realizados 10 encontros semanais, às
segundas-feiras, no período noturno. O grupo contou com a participação
efetiva de 28 pessoas e compunha-se de professores das redes estadual e
municipal, pedagogos das redes estadual e municipal e estudantes de
Pedagogia. Nestes encontros utilizou-se um caderno pedagógico, material
didático anteriormente elaborado para este fim. Os temas abordados
foram agrupados em três blocos. O primeiro e o segundo blocos,
compostos por quatro unidades de trabalho e o terceiro bloco composto
por uma unidade e o terceiro por três unidades. Além do caderno de apoio
já mencionado, foram utilizados vários outros textos para leitura e
discussão. Os temas e a carga horária destinada a cada um estão abaixo
especificadas:
1. CONTEÚDOS
Educação – Carga horária: 12 h.
• Conceitos de Educação
• Tipos de Educação
• Períodos históricos da educação brasileira
• Qualidade da educação pública
• Leis e programas educacionais
2. PARTICIPAÇÃO COMO FORMA DE MELHORIA
Carga horária: 10h.
• Conceito de participação
• Participação dos usuários como forma de melhorar o ensino
público
• Instâncias legais de participação – Conselho Escolar /APMF
3. FAMÍLIA E ESCOLA
Carga horária: 18 h.
• O papel da família e o da escola na educação dos
filhos/alunos
• A família através dos tempos ( mudanças sociais)
• A importância do grupo familiar
• Adolescência: características físicas e psicológicas
• Preocupações atuais dos educadores ( pais/professores)
O formato dos encontros , realizados semanalmente, seguiu o
proposto no Caderno de Apoio Pedagógico, e, em quatro momentos
distintos, buscou discutir os temas selecionados. Num primeiro momento
perguntas eram lançadas aos participantes como forma de despertar o
interesse pelo assunto e também como uma maneira de se perceber a
visão prévia dos participantes. Em seguida, realizavam-se leituras que
viessem colaborar com o crescimento do grupo. Em um terceiro momento,
eram formados grupos menores, que além de aprofundar o que havia sido
visto, também emitiam opiniões, e formulavam sugestões de
enfrentamento aos problemas abordados. O momento final dos encontros
eram reservados à sugestões de leituras que, se feitas, viriam a ampliar e
aprofundar os conhecimentos adquiridos.
Durante o período do curso não foi registrado nenhum problema de
ordem prática, que pudesse ser considerado como entrave à sua
realização, o espaço para os encontros foi garantido, houve apoio por
parte da equipe escolar quanto às necessidades de materiais e
equipamentos utilizados para as atividades.
Como já foi mencionado a implementação foi realizada com
certificação através do Departamento Municipal de Educação, assim foi
por pensar-se que desta forma, em um município bastante pequeno,
como é o caso de Nova Santa Bárbara, cujo número de profissionais é
também pequeno, poderia ser atingido um maior número de pessoas e
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instituições, que foi o que ocorreu, já que todas as escolas do município
tiveram profissionais que se inscreveram e participaram do trabalho. Essa
diversidade constituiu-se em uma grande riqueza, colaborando para que
fossem trazidos experiências e pontos de vista de pedagogos e
professores da rede estadual, com vários anos de trabalho, pedagogos e
professores da rede municipal, geralmente com menos tempo de serviço e
também estudantes de Pedagogia, em sua maioria, jovens que concluíram
recentemente o ensino médio, com pouca ou nenhuma experiência
profissional e que, futuramente, deverão se integrar à escola como
profissionais e já puderam conhecer parte da realidade que lá
encontrarão. A troca de idéias e experiências ocorrida foi bastante
significativa, segundo relato dos participantes, que em avaliação realizada
ao final dos trabalhos, manifestaram aprovação à forma de realização, à
distribuição da carga horária e também aos temas tratados, que foram
considerados importantes para o enriquecimento profissional e pessoal
dos profissionais e estudantes que fizeram parte do grupo.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho destaca a importância e a necessidade de um maior
aprofundamento e conhecimento por parte da comunidade escolar no que
se refere à organização da gestão do trabalho pedagógico na Escola
Pública.
No desenvolvimento do mesmo percebeu-se o quanto é necessário
que as pessoas envolvidas com o trabalho escolar sejam levadas cada vez
mais a realizar discussões sobre todos os problemas enfrentados pela
escola, com isso podendo enriquecer cada vez mais a sua prática.
Ao dar início aos trabalhos pode-se constatar, através da fala,
principalmente dos professores, que existem queixas bastante recorrentes
sobre a ausência das famílias em relação ao cumprimento de seus
deveres frente a educação de seus filhos, referiram-se ao abandono a que
são relegados alguns alunos, que deixam de comparecer às aulas, não
fazem suas tarefas, não trazem os materiais necessários para o
desenvolvimento das atividades escolares. Percebe-se que a visão
predominante era de que o papel da família resume-se apenas a ajudar a
escola em sua tarefa, acatando decisões tomadas por ela (escola) e nunca
questionando estas mesmas decisões, mas quando começa-se a colocar a
família também como uma instituição que além de auxiliar, pode sugerir
e fazer cobranças quanto à ação pedagógica desenvolvida pelos
professores e pela escola, e ser também propositora de medidas
administrativas, através dos colegiados representativos do segmento
pais/responsáveis ( Conselho Escolar e APMFs), já não é percebido
entusiasmo pela participação e sim certa preocupação, como se ao invés
de aliada, a família, a partir desse momento, venha representar uma
ameaça à autoridade da escola e do professor e um entrave à realização
do trabalho da escola. Essa postura está na escola e também na
convivência social mais ampla, e, em grande parte, vem da crença
consolidada em nossa sociedade, de que o exercício do poder deve caber
apenas a um pequeno grupo de pessoas ”supostamente” preparado para
dirigir, enquanto à maioria, sem condições para realizar esta tarefa, cabe
apenas trilhar caminhos determinados por outros. A alteração desta
realidade não é fácil e nem é tarefa para pouco tempo, no entanto,
durante a realização das atividades foi possível perceber-se alguns
avanços quanto a esta questão, o grupo começou a entender que a família
não é um grupo de pessoas a quem se permite que entre na escola, mas
sim pessoas que têm o direito de estar lá, que da escola fazem parte,
tendo neste local, assim como todos os envolvidos no processo educativo,
deveres a cumprir e direitos a serem respeitados, mas que para que
desempenhem o papel que lhe cabe, o primeiro passo a ser dado é que a
família e também os educadores entendam a importância desta
contribuição, e juntos criem condições para que ela ocorra, sem
expectativas de que a participação familiar dará conta de resolver todos
os problemas, o que, fatalmente, levará a frustração, mas sim com
disposição para as concordâncias e também as discordâncias que
certamente estarão sempre presentes nesta relação.
Algumas sugestões foram feitas pelos participantes, a principal é
que se incorpore ao trabalho pedagógico anual da escola momentos de
discussão dos temas tratados na intervenção, com a participação dos pais,
que serão convidados a comparecer à escola em encontros mensais onde
quando se discutirá os mesmos temas abordados no trabalho realizado. A
proposta lançada é que o oferecimento deste serviço tenha início em
2009, com pais de alunos de 5ª série. Também foram sugeridas
mudanças quanto à forma de realização das reuniões de pais, que ao
tratar somente dos problemas da escola e de seus alunos, tem sido
momentos desagradáveis e constrangedores para alguns pais,
especialmente para aqueles cujos filhos têm problemas de notas e/ou
comportamento. A proposta é que nas reuniões sejam tratados temas
mais gerais, como informações e estatísticas e que em todas elas seja
reservado algum tempo para atividades culturais, como por exemplo,
pequenas apresentações de trabalhos dos alunos para que os pais
apreciem, problemas mais específicos serão tratados diretamente entre
os envolvidos, em um ambiente à parte.
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Ao finalizar, queremos lembrar que o processo educativo é
complexo porque constituímos seres complexos, somos unidades
múltiplas. Assim a compreensão a respeito do ser humano diz respeito a
perceber o sujeito em sua singularidade e também em sua universalidade.
Para se promover mudanças sociais através da educação é indispensável
a implantação da Gestão Democrática, com a participação dos pais neste
processo, através da dinamização do funcionamento das instâncias
colegiadas, que assim poderão vir a ser em curto espaço de tempo, parte
importante da construção da qualidade do ensino público.
Deve-se compreender que a atual sociedade é regida por um
sistema capitalista, que trata o trabalhador como uma mera mercadoria,
capaz de produzir outras. E ainda, que no sistema capitalista o trabalho
está cada vez mais fragmentado e desumanizante e que a educação é a
atividade que pode, dependendo da forma como for conduzida, ser
importante fator para a mudança deste quadro, contribuindo para que se
possa viver em um mundo mais justo e fraterno, onde todos tenham
condições de viver dignamente.
De nossa parte, pensamos poder contribuir com aqueles que
vierem a tomar contato com este trabalho, acredita-se que as reflexões
propostas podem ser motivos para retomadas e acréscimos ao que aqui
está posto, enriquecendo, assim, a prática de cada um. Acredita-se
também que ao final de um trabalho, o que fica é a certeza de que quanto
mais se busca estudar sobre um assunto se perceberá que ele é mais
complexo e multifacetado do que se imaginava, sendo assim, não se deve
acreditar que um artigo redigido tenha sido o ponto final sobre qualquer
questão, e sim a afirmação da necessidade de novos estudos e
investigações que busquem aprofundar sempre mais o conhecimento
sobre ela.
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