Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Nº 3, junho de 2012
ESTUDO ICONOGRÁFICO DO BARRETO (Niteroi, RJ)
Jefferson Campos, Luísa Jardim, Diego Martinez, Edilson Vieira1 e
Selene Herculano2
Resumo:
Este trabalho focaliza o bairro do Barreto, na cidade de Niterói (RJ), em seus aspectos históricos e
espaciais, com base no conceito de subúrbio, apontado pela literatura urbanística e sociológica, e
discute suas novas tendências em relação à cidade.
Palavras-chave: subúrbio, Barreto, Niterói, desindustrialização.
Abstract:
This paper focuses on some historical and spacial aspects of Barreto, a locality in the city of
Niterói (RJ) here defined as suburbia.
Keywords: suburbia, Barreto, Niterói, de-industrialization
1. Introdução: Este trabalho focaliza o bairro do Barreto, no município de Niterói
(RJ). A partir de visita ao local, buscávamos compreender a construção de um espaço
suburbano em uma perspectiva histórica focada em pontos significativos para seus
moradores. Delineamos nossa trajetória por entrevistas e indicações dos próprios
habitantes, o que resultou em uma viagem pelos contornos do antigo bairro operário.
No final do século XIX diversas fábricas começaram a se instalar no Barreto,
alterando a paisagem do bairro, que passou de área rural, com diversas chácaras, à zona
industrial. O ponto era estratégico, pois, além de se localizar à beira da Baía de
Guanabara e estar servido por ramal ferroviário, o que facilitava a circulação de bens, o
Barreto pertencia à antiga capital do Estado do Rio de Janeiro, a cidade de Niterói, onde
se concentrava grande parte dos investimentos da região.
Estávamos em busca de evidências da formação do bairro como subúrbio, na
concepção tradicional do termo ancorada no “tripé trens, subúrbios e proletários” (EL-
KAREH, 2010), pelo qual subúrbios são definidos como zonas industriais, de ocupação
proletária, ligadas ao centro por linhas férreas. Segundo José de Souza Martins (1992),
1 Alunos de graduação da Universidade Federal Fluminense - UFF 2 Trabalho de conclusão da disciplina de graduação Ambiente e Sociedade, ministrada pela Professora
Selene Herculano (UFF-ICHF, 2011)
1
subúrbio é também o limiar entre cidade e campo, um espaço no qual urbano e rural são
complementares. Mais recentemente, com a desindustrialização, o conceito de subúrbio
se confunde no senso comum com o conceito de periferia, como lugar dos excluídos e do
abandono (SOTO, 2008). Enquanto o morador do subúrbio seria um ser híbrido,
justamente por carregar características de ambas às partes – o urbano e o rural,
periurbano - o morador da periferia é completamente subordinado e dependente de
formas de vida do meio urbano.
2. Metodologia: Dentre as propostas colocadas para a realização de um trabalho final
para a disciplina Ambiente e Sociedade, optamos pelo tema “Subúrbios Cariocas”.
Formado o grupo de trabalho, percebemos que todos os estudantes integrantes residiam
na cidade de Niterói e, considerando os aspectos relativos ao tempo, deslocamento,
familiaridade com o local e interesse, decidimos localizar, no município, uma região que
tivesse características semelhantes àquelas apresentadas pelos tradicionais bairros
classificados como subúrbios da cidade do Rio de Janeiro.
Com apoio na bibliografia da disciplina, em especial o livro “150 Anos de
Subúrbios Cariocas”, organizado por Marcio Piñon de Oliveira e Nelson da Nóbrega
Fernandes (2010), partimos da conceituação de subúrbio como o local inicialmente rural,
tomado como “arrabalde”3 .. Como complementar a esta definição, utilizamos a ideia do
subúrbio como um ambiente híbrido, no qual a urbanização nunca se dará por completo.
Após uma investigação preliminar tomamos por objeto o bairro do Barreto, em Niterói.
Dentre as possíveis abordagens metodológicas, optamos por realizar um estudo
iconográfico do local escolhido. Para tanto, utilizamos bicicletas como meio de
transporte, de modo a facilitar um deslocamento mais ágil do grupo pelas ruas e vielas do
bairro. Apesar da elaboração prévia de um roteiro, flexibilizamos nossos caminhos a
partir das situações que se apresentavam (entrevistas com transeuntes, visitas a antigas
estações, fábricas, vilas operárias)..
No intuito de analisar e compreender as experiências vividas no trabalho de
campo, elaboramos este paper, com o qual buscamos construir um panorama geral do
que chamamos “subúrbio fluminense”.
3 “[...] do árabe ar- rabad, que significa cercanias da cidade.” (EL- KAREH, p. 19, 2010)
2
3. Histórico do bairro: Situado na divisa entre os municípios de Niterói e São
Gonçalo, as margens da Baía de Guanabara e cortado pela Rodovia Governador Mario
Covas (BR 101) e pela antiga linha férrea da Leopoldina, o Barreto faz divisa com os
bairros de Neves, Santana e Engenhoca. A representação geográfica do local segue na
figura 1.
A região onde hoje se localiza o Barreto era uma antiga fazenda chamada de
Caboró pertencente ao Frei José Barreto Coutinho de Azevedo Rangel, a quem o nome
do bairro referencia. Sua propriedade abrangia Niterói e São Gonçalo (atual bairro de
Neves). Até meados do século XIX a área era ocupada essencialmente por chácaras,
quando, a partir de 1890, diversas indústrias se instalaram no
local iniciando assim seu processo de urbanização, que até
hoje permanece incompleto.
Com a chegada de duas importantes fábricas, a Fiat
Lux, de palitos de fósforos, e a Companhia Fluminense de
Tecidos, foram instaladas vilas operárias, desenvolvendo-se
assim uma infraestrutura básica no local. Outras fábricas de
tijolos, vidro, saponáceos e inclusive estaleiros também se
estabeleceram ali. Na mesma época, em 1871 foi inaugurada a
Estação Santana do Maruí, a qual funcionava como parte do
Figura 1. Representação Geográfica do Barreto
Figura 2. Placa de
Identificação Cia. Usinas
Nacionais
3
trecho da Linha do Litoral, ligando o Rio de
Janeiro à Vitória no Espírito Santo.
A ocupação do bairro se expandia
lentamente pelas áreas planas até a
construção, na década de 1960, da Avenida
do Contorno – como é popularmente
conhecido o trecho da BR101 que passa no
local – que facilitou a ocupação irregular em lugares antes inacessíveis. Contudo, no
contexto de crise econômica brasileira dos anos de 1970, foi iniciado o processo de
decadência tanto das fábricas, que não conseguindo se sustentar, foram obrigadas a
fecharem as portas ou a migrarem para outros municípios, quanto do próprio bairro, que
sofreu um esvaziamento populacional e comercial.
Apesar de ainda haver resquícios desta fase de declínio, atualmente é possível
notar uma reconfiguração socioespacial no local. Mesmo com pouco comércio, o Barreto
conta com escolas públicas e particulares, ensino técnico, hospitais, áreas de lazer e
grandes empreendimentos, como lojas das redes multinacionais Carrefour e Sam’s Club,
que não estão especificamente voltados para os moradores. Além disso, significativos
investimentos imobiliários ganham forma na região. Localizado em um ponto estratégico,
Figura 3. Cia. Usinas Nacionais
Figura 4. Fachada Cia. Fluminense de Tecidos
4
o bairro perde aos poucos sua configuração unicamente operária, adquirindo novas
identidades ainda não consolidadas.
4. Vilas operárias: A partir de 1870, o Barreto começava a ganhar características
mais urbanas, devido à chegada das fábricas e também da linha férrea. As indústrias que
ali se instalaram tinham como característica a implementação de infraestrutura auxiliar
para seus funcionários. Principalmente a partir de 1940, além de moradias, foram também
proporcionados eventos de lazer, como bailes e campeonatos de futebol, e criadas escolas
para os filhos dos operários, cooperativas e centros musicais.
O bairro operário prosperou até a década de 1970, quando a mudança da
conjuntura econômica nacional junto aos novos modelos de gestão que se
implementavam no país ocasionaram uma desestruturação local. O país sofria com a crise
pós “Milagre Econômico” e as facilidades de importação com a abertura ao capital
estrangeiro evidenciaram a fragilidade da indústria nacional, que não tinha condições de
competir no mercado. Além disso, o tradicional modelo de organização fabril de
relacionamento paternalista entre patrão e empregados era substituído por um tecnicismo
exacerbado, no qual era mais valorizado o conhecimento específico adquirido em cursos
Figura 5. Entrada de uma das antigas Vilas Operárias
5
profissionalizantes, do que aquele proporcionado pela própria experiência nas fábricas.
Esses foram os principais fatores responsáveis pelo esvaziamento industrial do Barreto.
As vilas operárias representavam não só um local de moradia, mas também
explicitavam a indissociabilidade entre a vida profissional e pessoal do trabalhador. Os
funcionários orientavam seu cotidiano de acordo com o ritmo fabril. Como exemplo
temos o depoimento de “Dona Zezé”, ex-funcionária da Cia Fluminense de Tecidos:
A gente marcava a hora pra sair, quando a fábrica apitar três vezes, você
sai de casa, a gente combinava assim, entendeu? As amigas, mulheres
dos funcionários, quando a gente queria ir a cinema, queria ir em algum lugar. Ó quando a fábrica der o terceiro apito a gente vai saindo, tá.
(WOLLMANN, 2011, p.178).
A forma como as fábricas que chegaram ao Barreto se estruturaram no local,
criando em seu entorno aparatos que integravam a vida social dos operários à empresa fez
com que surgisse uma identidade de classe, até hoje visível em ex-funcionários que ainda
residem no bairro. Nesse sentido, procuramos traçar uma pequena reconstituição deste
tempo através de diálogos com essas pessoas.
4.1. Vila Fiat Lux (Marca Olho): Localizada onde atualmente se encontra o
estacionamento da rede de
hipermercados Carrefour, havia uma
fábrica de palitos de fósforos da marca
Fiat Lux. Contiguamente a ela foi
construída sua vila operária com 72
casas, a qual, apesar de muitas
modificações, ainda existe no local.
Segundo alguns moradores que
ali vivem desde a época da indústria e
que lá trabalhavam, ela foi instalada
no ano de 1904, permanecendo ali por
aproximadamente 80 anos, quando se
mudou para Curitiba, devido ao Figura 6. Vila Fiat Lux
6
aumento do custo de transporte da madeira, vinda do Paraná. Alguns anos antes de se
transferir de município, a Fiat Lux vendeu as casas da vila, dando preferencia a seus
funcionários, que pagaram por meio de descontos da folha salarial. As propriedades, as
quais seus moradores não tiveram interesse em comprá-las, foram vendidas a terceiros.
Devido a isso, as fachadas foram se modificando, embora ainda seja possível identificar
semelhanças entre as casas. Como mostra a Figura 2.
4.2. Vila Companhia Fluminense de Tecidos: Ainda existe na Rua Dr. March o
prédio da antiga Companhia Fluminense de Tecidos, uma grande indústria têxtil, muito
importante para o desenvolvimento do Barreto. Com três turnos de oito horas de trabalho
cada, a fábrica não fechava e o movimento de suas vilas era constante. Mesmo com sua
desativação em 1997, a sede, as antigas casas dos funcionários e outros terrenos no
Barreto ainda pertencem aos herdeiros da firma.
Os moradores das cerca de 70 casas construídas para os operários ainda pagam
aluguel a C.F.T., mesmo que muitos deles não tenham tido nenhum vínculo com a
empresa durante seu funcionamento. Neste caso, as casas ainda mantém a padronização
das fachadas.
Figura 7. Vila em frente à sede da Cia. Fluminense de Tecidos
7
Figura 8. Vila ao lado direito da sede da Cia. Fluminense de Tecidos
Figura 9. Vila ao lado esquerdo da sede da Cia. Fluminense de Tecidos
8
5. Linha Férrea: Em 1871 foi
inaugurado o primeiro trecho (Niterói – Rio
Bonito) da antiga “Linha Litoral”, que ligaria
o Rio de Janeiro à Vitória, no Espírito Santo,
e seria administrada pela Leopoldina. A
estação Santana do Maruí, localizada na Rua
Carlos Gomes, era o ponto de partida da linha
e até 1926 teve um fluxo intenso de cargas e
passageiros. Neste ano, começou a funcionar
a estação Barão de Mauá - conhecida
atualmente como Leopoldina, da qual partiam
trens direto da capital carioca para Campos e
Vitória, fazendo com que caísse o movimento
da estação niteroiense. Outro fator contribuinte para seu declínio foi à construção de
outra estação a apenas 1,5 km, a General Dutra no bairro de São Lourenço. Entretanto,
com as obras da Ponte Presidente Costa e Silva, a segunda estação foi desativada e o
movimento voltou a subir em Santana do Maruí.
Até 2007, partiam
trens do Barreto para
Itaboraí, contudo, as estações
e o próprio maquinário eram
extremamente precários,
sendo opção de transporte
para pouquíssimas pessoas. O
prédio da antiga estação
ainda existe em ruínas, assim
como uma oficina de trens
que funcionava a poucos
metros. Apesar da recente desativação do ramal, os relatos da região são de que a Estação
já estaria abandonada há mais de vinte anos. Outro fator observado foi à extrema
Figura 10. Fachada da Estação Santana do
Maruí
Figura 11. Interior da Estação Santana do Maruí
9
proximidade de moradias populares aos trilhos do trem, comprovando as condições
inseguras nas quais funcionava a linha em seus últimos anos.
Por muitos
anos, a ferrovia que
cruzava o Barreto,
assim como as
fábricas, interferia
diretamente no
cotidiano dos
moradores do bairro,
como é o caso de
Delziane, que em seu
relato disse ser
conhecida como
“menina da cancela”, pois sempre que ouvia o barulho do trem, cuidava de abrir e fechá-
la. Também Seu Waldemar, um dos entrevistados, cujo pai aproveitou o movimento na
Estação Santana do Maruí para instalar seu comércio.
Figura 12. Antiga área de embarque e desembarque da Estação
Santana do Maruí
Figura 13. Casas construídas ao lado da linha do trem
10
6. Comunidade “Buraco do Boi”: A comunidade era dominada por facções
criminosas, contudo, desde janeiro de 2010 o local está pacificado. Hoje em dia é
possível caminhar tranquilamente por suas ruas, existindo inclusive uma barbearia ao ar
Figura 14. Ruínas da oficina de trens
Figura 15. “Seu” Renato e a barbearia ao ar livre
11
livre, onde conhecemos o senhor Renato que ali sempre morou e nos contou um pouco
mais sobre a história do local.
No fim da rua principal funcionava um abatedouro de bovinos, no mesmo local
funciona hoje um CIEP. Contudo, a comunidade ainda abriga uma fábrica de
processamento de carne.
Observamos que o “Buraco do Boi” funciona como uma periferia do Barreto, na
medida em que estabelece uma relação de dependência com o centro do bairro e obedece
a uma ocupação irregular do solo, proporcionada pelo aterramento da costa para
construção da Avenida do Contorno. Além disso, o aspecto das moradias e a ausência de
serviços básicos, como saneamento, nos remete a imagem das “favelas” cariocas.
7. Infraestrutura: Atualmente, com a chegada de novos moradores e novos
investimentos, o Barreto vem perdendo sua condição de bairro exclusivamente operário,
reunindo opções de lazer, transporte, saúde, educação e comércio.
Figura 16. Praça Enéas de Castro, localizada na área central do bairro
12
7.1. Lazer:
Os
moradores têm
a sua
disposição
praças públicas
com estrutura
para esporte e
playground, o
clube
Combinado 5
de julho,
academias e a
quadra da
escola de samba Unidos do Viradouro. O Parque
Monteiro Lobato, conhecido como “Horto do
Barreto”, possui atividades para a terceira idade e uma
feira de artesanato que ocorre todo domingo e atrai
moradores de outras regiões. Antigamente, o bairro
ainda contava com uma praia banhada pela Baía de
Guanabara, mas é hoje imprópria para o banho, além
de ter perdido espaço com a chegada da Avenida do
Contorno e a instalação de estaleiros.
Figura 17. Praça na entrada do bairro
Figura 18. Parque Municipal
localizado no bairro
Figura 19. Quadra do G.R.E.S. Viradouro
13
7.2. Educação: Além de pequenas escolas particulares, possui um CIEP dentro da
comunidade “Buraco do Boi” e uma unidade descentralizada do Colégio Pedro II.
Também há a Escola Técnica Estadual Henrique Lage, e um centro de ensino
profissionalizante do SENAI.
Figura 21. SENAI
Figura 20. Escola Técnica Estadual Henrique Lage
14
7.3. Saúde: O bairro
conta com um posto de
saúde, ainda em
construção, na comunidade
“Buraco do Boi”, uma
unidade do programa
“Médico da Família”, um
hospital público, que leva o
nome do operário da
C.F.T. Orêncio de Freitas e
hospitais particulares.
Além de possuir clínicas e
consultórios médicos e odontológicos. O Barreto também abriga um grande cemitério.
O Centro Regional Integrado
de Atendimento ao Adolescente
(CRIAA) da UFF, em parceria com a
prefeitura de Niterói, está instalado no
bairro, com o objetivo de “auxiliar na
recuperação de menores dependentes
químicos e prevenir adolescentes em
situação de risco.” (NUCS-UFF,
2010). A Fundação para a Infância e
Adolescência FIA), localizada em
frente, abriga um internato para
deficientes físicos e mentais e
também oferece cursos a jovens
carentes da região.
O saneamento urbano é
bastante abrangente, contudo, alguns
pontos do bairro sofrem com
Figura 22. Fachada do Cemitério de Maruí
Figura 24. Internato para deficientes físicos e
mentais da FIA
Figura 23. CRIAA-UFF
15
alagamentos em períodos de chuva.
7.4. Comércio: Possui o Mercadão do Barreto (antigo Ceasa), grandes lojas de
construção, como a Leroy Merlin e a Casa e Construção (C&C). Também mercados,
como o Carrefour, Sam’s Club e Assaí, empresas que se aproveitam da Avenida do
Contorno como ponto de fácil acesso, não sendo especificamente voltadas para
consumidores do bairro.
Não há grande variedade de comércio de rua ou shoppings, o que faz com que a
população tenha que buscar opções de consumo em outros lugares.
Figura 25. Área dedicada à cursos para a comunidade - FIA
16
7.5. Transporte: Por se localizar na interseção entre Niterói, São Gonçalo e a Ponte
Rio-Niterói, o acesso ao Barreto é bastante facilitado. Há variedade de ônibus e também
uma ciclofaixa. A passagem da BR 101 diminuiu o fluxo de veículos por dentro do
bairro. Apesar de não mais possuir trem, existe um projeto de implantação da Linha Três
do Metrô, que ligará novamente por trilhos Niterói a Itaboraí.
Figura 26. Sam’s Club
Figura 27. Ônibus municipal
17
8. Considerações finais:
No bairro do Barreto, passado e presente convivem em suas construções
e na memória de seus moradores/ trabalhadores. Os novos prédios, as
antigas casas, a velha linha do trem, as novas rodovias, a grande rede de supermercados. Ocupando ainda posição central, a velha fábrica de
tecidos se mantém lá, imponente, contrariando todos os seus evidentes
sinais de falência. Rachaduras, infiltrações, janelas quebradas e um letreiro imperecível que denuncia sua identidade: Cia. Fluminense de
Tecidos. A persistência da gigante gris, que parece repousar impassível
diante da paisagem que se transfigura ainda que lentamente, certamente intriga transeuntes e renova as esperanças daqueles que esperam voltar a
trabalhar em suas dependências e/ ou conseguir empregar filhos e netos.
(WOLLMANN, 2010, p. 179)
A citação acima, assim como a visita ao bairro, confirmam nossa hipótese de que
o Barreto é um subúrbio que apresenta formação mista, muito semelhante aos subúrbios
cariocas, com qualidades tanto do mundo urbano, com estruturas metropolitanas, quanto
do rural, presente principalmente na relação entre os moradores que têm a rua como
espaço de socialização. Assim como o lugar que habita, o suburbano tem em si esta
mistura campo-cidade.
Há no bairro uma nova perspectiva, representada pela chegada de novos
empreendimentos imobiliários e moradores sem vínculos com as antigas indústrias que
dominavam a região. Eles são atraídos, principalmente, pela localização e a infraestrutura
local, trazendo uma nova imagem do Barreto.
O Barreto convive com remanescentes de sua fase industrial, na forma de espaços
abandonados, e com uma reconfiguração socioespacial em curso, caracterizada por um
novo tipo de ocupação de atividades urbanas demandantes de amplos espaços:
hipermercados (das redes multinacionais Carrefour e Sam’s Club), hiperlojas de
construção civil (Leroy Merlin e a Casa e Construção - C&C); hiperquadra de escola de
samba (Unidos da Viradouro) e seus respectivos espaços de estacionamento, amplíssimos
e funcionais tanto quanto inóspitos. Esses hiperespaços lembram aquilo que Marc Augé
(1994) chamou de “não-lugares”, lugares de passagem, iguais a tantos outros, por onde se
transita mas não “se está”. Tais hiperespaços, ilhados em seus hiperestacionamentos,
esgarçam o tecido urbano. Há no Barreto também instalações das chamadas organizações
totais, correcionais, fechadas em muros altos que fazem das ruas onde se situam
18
corredores esvaziados tão criticados por Jane Jacobs (1973). Novos empreendimentos
imobiliários – mega prédios de conjuntos residenciais que não estão voltados para os
moradores da localidade - ganham forma na região, acenando com vantagens locacionais
em relação ao transporte para outras cidades – às margens da Avenida do Contorno - e
infraestrutura disponível para uma população de estrato médio que decerto trabalhará fora
do bairro e da cidade.
Nas cidades, Jane Jacobs enfatizou, a animação e a variedade atraem mais
animação e variedade, enquanto que o seu contrário, a monotonia, repele a vida. É a
mescla de usos, não a separação e o isolamento, que caracteriza as cidades. Esta
animação é dada principalmente pelo pequeno e variado comércio em quarteirões
também pequenos, cheios de ruas e esquinas, povoado por pessoas ocupadas em tarefas
diferentes, que, na sua variedade de usos, conferem elementos de segurança: os olhos de
seus habitantes. Aos urbanistas que dizem que o uso plural e a miríade de pequeno
comércio congestionam as cidades, Jacobs apõe que não são as pessoas, são os veículos.
Em um momento (2011) em que a Prefeitura de Niterói (gestão Jorge Roberto da
Silveira) cogita em urbanizar suas áreas verdes periféricas, projetando “bairros modelos”
para milhares no cinturão verde de Pendotiba, em lugar de preservar este resquício de
Mata Atlântica, salta aos olhos a inadequação ambiental, social, econômica e urbana
desta decisão quando nos deparamos com a disponibilidade das vastas áreas
desindustrializadas do Barreto, já dotadas de infraestrutura e que bem poderiam ser
objeto de iniciativas de revitalização urbana que, ao mesmo tempo em que respeitassem e
estimulassem o cotidiano comunitário de seus atuais habitantes, favorecessem também a
chegada de novos moradores diversificados e de um comércio local, plural e de pequeno
porte, o que efetivamente dá vida e integração às cidades.
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19
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