MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS4ª Promotoria de Justiça de Aparecida de Goiânia
EXCELENTÍSSIMO JUIZ DE DIREITO DA VARA DAS FAZENDAS
PÚBLICAS DA COMARCA DE APARECIDA DE GOIÂNIA-GO
“A natureza quis que o homem tirasse inteiramente de si
tudo que ultrapassa a ordenação mecânica de sua existência
animal e que não participasse de nenhuma felicidade ou
perfeição senão daquela que ele proporciona a si mesmo,
livre do instinto, por meio da própria razão” (Kant, Idéia de
uma historia universal de um ponto de vista cosmopolita, 3ª
proposição).
O Ministério Público do Estado de Goiás, através da 4ª
Promotoria de Justiça, no uso de suas atribuições legais, nos termos dos
arts. 129, III e 225, caput, da Constituição Federal e com fundamento na
lei federal n.º 7347/85, vem, diante desse juízo propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL , em desfavor do
Município de Aparecida de Goiânia, pessoa jurídica de
Direito Público, com sede na rua João Batista de Toledo, n.º
16, Centro, Aparecida de Goiânia-GO,
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pelos fatos e fundamentos de Direito a seguir expostos:
DOS FATOS
A rua Godofredo de Araújo, situada entre os Bairros Hilda e
Cidade Vera Cruz está destruída pela erosão. Essa erosão foi provocada
em razão de não ter sido feita obra de infra-estrutura necessária para que
essa rua pudesse existir nesse local, por sobre um curso hídrico. Não foi
feito uma ponte no local e a rua encontra-se intransitável, até mesmo por
pedestres. Foi feito um aterro por sobre um córrego, no lugar de uma
ponte.
Os prejudicados com essa situação é a população, que não
pode transitar por sobre a rua Godofredo de Araújo, que liga dois bairros
da cidade e o curso hídrico que vai desaguar no Córrego Tamanduá, pois
toda a terra carreada pela erosão vai assoreando esse pequeno córrego,
conforme se observa nas fotos tiradas no local, em vistoria realizada pelo
Oficial de Promotoria, no dia 12 de março de 2004 (relatório anexado).
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Foto 01: Rua Godofredo de Araújo int ransi tável pelo processo erosivo.
Foto 02: vista da rua Godofredo de Araújo. Ao al to alguns postes ,
mostra a parte do bairro Cidade Vera Cruz . Há uma “baixada” (fundo de vale) e na
outra extremidade da rua, da vis ta que quem ti rou a foto, o Bairro Hi lda.
Foto 03: vista do curso d’água que at ravessa a rua Godofredo com
processo adiantado de dest ruição pelo assoreamento e deposição de l ixo e entulho.
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DO DIREITO
O art. 225, “caput”, da Constituição Federal estatui que:
“Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações”.
§ 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio
ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou
jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos
causados.
Já o art. 3.º da lei 6.938/81, que instituiu a Política Nacional
do Meio Ambiente diz:
“Art. 3 º . Para os fins previstos neta lei, entende-se por:
I – meio ambiente: o conjunto de condições, leis, influências
e interações de ordem física, química e biológica, que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;
II – degradação da qualidade ambiental: a alteração
adversa das características do meio ambiente;
III – poluição: a degradação da qualidade ambiental
resultante de atividades que direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da
população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e
econômicas;
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c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio
ambiente.” – grifo nosso.
IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público
ou privado , responsável, direta ou indiretamente, por
atividade causadora de degradação ambiental”.
V – recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores,
superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o
solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.
A respeito da proteção dos mananciais hídricos e nascentes,
o Código Florestal, lei 4.771/65, diz em seu art. 1º e 2º:
“Art. 1º. As florestas existentes no território nacional e as
demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às
terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os
habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade,
como as limitações que a legislação em geral e
especialmente esta Lei estabelecem.
Parágrafo único. As ações ou omissões contrárias às
disposições desde código na utilização e exploração das
florestas são consideradas uso nocivo de propriedade (art.
302, XI b, do Código de Processo Civil).
Art. 2º. Consideram-se de preservação permanente, pelo só
efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação
natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água, em faixa
marginal cuja largura mínima será:
1. de 30 (trinta) metros para cursos d’água de menos de 10
(dez) metros de largura;
(.. .)
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c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados
“olhos d’água”, qualquer que seja a sua situação
topográfica, num raio mínimo de 50 (cinqüenta) metros
de largura.
Da Responsabilidade Objetiva do Município:
A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente consagra como
um de seus objetivos a “imposição ao poluidor e ao predador da
obrigação de recuperar e/ou reparar os danos causados ao meio
ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade, independentemente
da existência de culpa (art. 14, § 1º, da lei referida),
As pessoas jurídicas de direito público interno, podem ser
responsabilizadas pelas lesões que, por ação ou omissão, causarem ao
meio ambiente (art. 3º, IV, da lei 6.938/81).
De fato, não é só como agente poluidor que o ente público se
expõe ao controle do Poder Judiciário, mas também quando se omite no
dever constitucional de proteger o meio ambiente (inércia da
municipalidade quanto à instalação de sistemas de disposição de lixo e
tratamento de esgotos etc.)
O município não realizou as obras necessárias de infra-
estrutura para evitar o processos erosivos na rua Godofredo de Araújo.
Foi feito simplesmente um aterro por sobre o córrego e a “isso” chamou-
se abertura de via pública, inclusive com colocação de postes de
iluminação. Não foi feito asfalto, galerias pluviais e nem qualquer outro
sistema de contenção da voçoroca que ameaça o Córrego que deságua no
Córrego Tamanduá, obras indispensáveis para a o equilíbrio do meio
ambiente e qualidade de vida dos moradores do bairro.
A propriedades que margeiam esse curso d’água tem seus
limites diminuídos em razão do avanço da erosão.
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As pessoas que moram na região estão correndo risco de
vida, pois o grande buraco existente no local pode causar um acidente, se
uma pessoa vier a cair, especialmente uma criança se vier a tentar
transitar pelo local inadvertidamente.
A legislação brasileira vigente responsabiliza, de forma
objetiva, penal e administrativa, o poluidor, independentemente de culpa,
obrigando-o, ainda, a reparar os danos causados.
No que concerne à responsabilidade da Administração por
danos ao meio ambiente, esta poderá ocorrer por ação, omissão, por fato
de outrem, bem como daquela decorrente do poder de polícia
administrativa.
Quanto ao poder discricionário do Poder Público na
aplicação do erário de acordo com a conveniência e oportunidade, é
preciso realçar que a recuperação da erosão, trata-se de obra pública
indispensável para a defesa do meio ambiente (recuperação do córrego e
garantia do ordenamento urbano ao recuperar a via pública e devolve-la ä
população). Existe no pedido a obrigação de fazer (recuperação da
erosão) e a obrigação de não fazer (fazer cessar o processo de degradação
ao córrego em questão).
Convém destacar, que nesse mesmo sentido já foi proposta
uma ACP, nessa comarca de Aparecida de Goiânia, para fins de construir
o sistema de esgoto do CEPAIGO. A inicial foi julgada inepta pelo Dr.
José Carlos de Oliveira. Foi interposto recurso de apelação ao Tribunal,
o qual foi improvido. Houve recurso ao STJ e desta feita foi provido, por
unanimidade, e determinado o prosseguimento do feito. Destacamos
trecho do voto e acórdão:
“(.. .) o Estado de Goiás edificou obra pública – um presídio
– sem dotá-la de um sistema de esgoto sanitário adequado.
Não poderia fazê-lo, e, se isso atenta contra o meio
ambiente, a ação civil pública e a via própria para removera
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causa dos danos causado. Sujeito também às leis, o Estado
tem, nesse âmbito, as mesmas obrigações dos particulares.
Voto por isso, no sentido de conhecer do recurso e de dar-lhe
provimento para que a ação seja processada (. . .)”.
Recurso Especial n.º 88.776 – Goiás.
“PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANOS
AO MEIO AMBIENTE CAUSADO PELO ESTADO. Se o
Estado edifica obra pública – no caso, um presídio – sem
dotá-la de um sistema de esgoto sanitário adequado,
causando prejuízos ao meio ambiente, a ação civil pública é,
sim, a via própria para obrigá-lo às construções necessárias à
eliminação dos danos; sujeito também às leis, o Estado tem,
nesse âmbito, as mesmas responsabilidades dos particulares.
Recurso especial conhecido e provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os
Ministros da SEGUNDA Turma do Superior Tribunal de
Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas
a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe
provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator.
Participaram do julgamento os Srs. Ministros Antônio de
Pádua Ribeiro, Hélio Mosimann, Peçanha Martins e Adhemar
Maciel. Brasília, 19 de maio de 1997.
Outro julgado no mesmo sentido foi a ACP proposta pelo
Ministério Público também, em desfavor do Município de Goiânia, nessa
comarca, para recuperação das Praças do Setor Sul, haja vista a
deterioração dessas, bem como a reestruturação do projeto Cura. Mais
uma vez, o juiz entendeu por bem julgar a inicial inepta, em razão do
poder discricionário conferido à Administração na execução das obras
públicas. Houve recurso ao Tribunal de Justiça e esse entendeu que a
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ação deveria prosseguir, uma vez que o Poder Público pode ser
compelido à obrigação de fazer e de não fazer, quando se trata de obras
públicas necessárias à recuperação do Meio Ambiente, “in casu”, meio
ambiente urbano.
No caso em tela, o município aprovou um loteamento em
área de acentuada declividade e não construiu o indispensável sistema de
escoamento das águas das chuvas, para a proteção do manancial hídrico
que margeia a Vila São Jorge, a saber, o córrego São Nicolau.
Do pedido:
Ante o exposto, o Ministério Público requer:
1. a citação pessoal do Prefeito Municipal, no intuito de que
havendo provimento favorável ao pedido contido nessa
ação, esse possa ser acionado criminalmente, caso venha
a ocorrer o descumprimento da decisão judicial e, para
querendo, responder à presente ação, sob pena de revelia;
2. a procedência, in totum , da presente ação, ora proposta,
com a condenação do requerido
3.1 na OBRIGAÇÃO DE FAZER, materializada
a) na recuperação da erosão existente na rua Godofredo de
Araújo, Bairro Hilda, cujo projeto deverá ser elaborado e
executado dentro das normas técnicas e ambientais com
vistas a não provocar impactos negativos ao curso d’água
que essa atravessa, no prazo de 06 (seis) meses.
b) Recuperação dos danos ambientais provocados no curso
d’água, detectados pela perícia técnica realizada nesse
processo, causados pelo processo erosivo existente na rua
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Godofredo de Araújo, Bairro Hilda, originado pela
construção de um aterro por sobre esse recurso hídrico,
sem qualquer medida de proteção ao mesmo, no prazo de
06 (seis) meses.
3.2 No pagamento de INDENIZAÇÃO, no valor de R$
10.000,00 (dez mil reais), a serem revertido ao Fundo
Municipal do Meio Ambiente, como ressarcimento aos
danos de ordem ambiental causados à coletividade e ao
meio ambiente até o presente momento.
3. Protesta provar o alegado, por intermédio de toda prova
em Direito admitida.
Dá-se à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), para
efeitos fiscais e de atendimento à lei.
Pede deferimento.
Aparecida de Goiânia, 29 de agosto de 2004.
Miryam Belle Moraes da Silva
4ª Promotora de Justiça
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