FAE CENTRO UNIVERSITÁRIO
MESTRADO INTERDISCIPLINAR EM ORGANIZAÇÕES E
DESENVOLVIMENTO - PMOD
POLITICA PÚBLICA PARA O CONSUMO CONSCIENTE: CONTRIBUIÇÕES
DO COMÉRCIO JUSTO
GRACE CHIARA SCHMIDT
CURITIBA
2011
GRACE CHIARA SCHMIDT
POLÍTICA PÚBLICA PARA O CONSUMO CONSCIENTE: CONTRIBUIÇÕES
DO COMÉRCIO JUSTO
Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Organizações e Desenvolvimento pelo Programa de Mestrado Acadêmico em Organizações e Desenvolvimento da FAE Centro Universitário. Orientador: Prof. José Edmilson de Souza Lima, Dr.
CURITIBA
2011
Dedico este trabalho aos meus pais: Afonso Schmidt e Assunta Belinha Serraggio, grandes exemplos de garra e persistência na vida. Ao meu marido André Juliano Bornancim, companheiro e amigo de todas as horas.
AGRADECIMENTOS
No decorrer destes últimos dois anos eu tenho muitas pessoas a quem
agradecer pessoas que desempenharam papéis importantes para que eu
viesse a concluir este trabalho.
Agradeço primeiramente a minha família que me deu apoio necessário para
iniciar e concluir mais esta etapa da minha formação acadêmica.
Aos meus amigos e colegas que foram incansáveis e pacientes respeitando as
ausências e dividindo comigo as alegrias e frustrações decorrentes desta
escolha.
E por fim, ao meu orientador José Edmilson que me direcionou neste trabalho
com maestria e sensibilidade e a todos os demais professores, que
compartilharam comigo seus conhecimentos e reflexões.
EPÍGRAFE
EU ETIQUETA
[...]
Estou, estou na moda. É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade, Trocá-lo por mil, açambarcando Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado. Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição. Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro. Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer, principalmente.) Global no corpo que desiste
[...] Onde terei jogado fora
meu gosto e capacidade de escolher, Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Tão minhas que no rosto se espelhavam E cada gesto, cada olhar,
Cada vinco da roupa Sou gravado de forma universal, Saio da estamparia, não de casa, Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto Que se oferece como signo de outros
Objetos estáticos, tarifados. Por me ostentar assim, tão orgulhoso De ser não eu, mas artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem. Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é Coisa. Eu sou a Coisa, coisamente.
Carlos Drummond de Andrade
RESUMO
Verifica-se atualmente as grandes transições pelas quais os sistemas de
negociações mundiais estão passando. A situação econômica dos países
encontra-se significativamente interligada. As grandes corporações marcam
presença em diversos países, nas mais diversas nacionalidades, Neste
contexto o consumo passa a ser a força motriz que alimenta a sociedade
contemporânea apresentando incontáveis prejuízos sociais, econômicos e
ambientais. Em contraste a esta situação busca-se alternativas que
possibilitem o ressurgimento dos valores éticos, socialmente positivos, e
humanistas. Dentre essas alternativas podemos ressaltar o comércio justo,
fundamentado em uma ótica que pretende se afastar do objetivo “lucro” como
meta única, uma vez que defende a criação de redes sustentáveis e o
fortalecimento dos ideais de proteção do homem e do meio ambiente. Contudo,
para que esta nova proposta se consolide a necessidade de uma educação o
para o consumo se faz eminente assim como a proposição de políticas
publicas socioambientais que visem distribuir oportunidades idênticas para
todos.
PALAVRAS-CHAVE: consumo, sustentabilidade, politicas públicas, comércio justo
ABSTRACT
Enormous transitions has been affecting and establishing new empirical order
to understand international trade and negotiations. The economic situation of
countries is significantly interconnected. Large corporations are present in
several countries in several nationalities. In this context consumption becomes
the driving force that fuels modern society untold damage presenting social,
economic and environmental Among these newer models fair trade can be
emphasized, based on a viewpoint that deviate from the objective "profit" as a
single goal, since it advocates the creation of sustainable networks and
strengthening the ideals of protection of man and the environment. However, for
this new proposal to consolidate the need for an education for the consumer
becomes imminent as well as social and environmental public policy proposals
that aim to distribute equal opportunities for all.
KEYWORDS: consumption, sustainability, public policies, fair trade
LISTA DE QUADROS
QUADRO 01 – Megacidade: 2003 - 2015........................................................ 38
QUADRO 02 – Gastos anuais em dólares - 1998............................................. 62
QUADRO 03 –
Evolução do número de organizações de produtores certificados 2005/2009..............................................................
77
QUADRO 04 –
Valor estimado de venda por produto......................................
78
QUADRO 05 –
Valor estimado de venda por país 2008/2009..........................
79
QUADRO 06 –
Retorno financeiro dos Worldshops na Europa (in 000 EUR). 83
QUADRO 07 –
Retorno financeiro dos membros da EFTA (in 000 EUR)........ 85
QUADRO 08 –
Valor mensal dos produtos da EES.......................................... 95
QUADRO 09 –
Organizações Brasileiras registradas na FLO…….................
98
QUADRO 10 –
Organizações Brasileiras registradas na IFAT.........................
98
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
ILUSTRAÇÃO 01
Consumo de recursos em diferentes sociedades (em kg por dia)..............................................................................
26
ILUSTRAÇÃO 02
Consumo de recursos naturais por pessoa (em kg por dia)....................................................................................
31
ILUSTRAÇÃO 03
Percentual da População Urbana em áreas em 2007, 2025 e 2050......................................................................
47
ILUSTRAÇÃO 04
Pegada Ecológica de Importações e Exportações da UE 27 e 20 maiores parceiros.................................................
50
ILUSTRAÇÃO 05
Pegada Ecológica de Importações e Exportações da China e 20 maiores parceiros comerciais.........................
51
ILUSTRAÇÃO 06
Países ecologicamente credores e devedores, 1961 - 2005..................................................................................
53
ILUSTRAÇÃO 07 Níveis de distribuição da riqueza no ano 2000................
58
ILUSTRAÇÃO 08 Rendimento mundial.........................................................
59
ILUSTRAÇÃO 09 EES por município – Brasil..............................................
94
LISTA DE GRÁFICO
GRÁFICO 01
Exportações Mundiais.............................................................
43
GRÁFICO 02
População Urbana e Rural no mundo, 1950 – 2050...............
46
GRÁFICO 03
Dificuldades dos EES no Brasil e em suas regiões................
96
GRÁFICO 04
Reconhecimento da marca Comércio Justo............................
100
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ATO Alternative Trade Organisations
AFTA Fórum Asiático de Comércio Justo
CEPCO Coordenadora Estatal de Produtores de Café de Oaxaca
CES Comércio Justo e Solidário
COFTA Coopération for Fair Trade in África
COMJUR Comissão Jurídica do Ministério do Trabalho e Emprego
CLAC Coordenadora Latino-Americana e Caribenha dos
Pequenos Produtores
DAWS Dutch Association of World Shops
ECOTA Fórum de Comércio Justo, em Bangladesh
EES Empreendimetos Econômicos e Solidários
EFTA European Fair Trade Association
FACES do Brasil Fórum de Articulação do Comércio Ético e Solidário do
Brasil
FAO Food and Agriculture Organization
FBES Fórum Brasileiro de Economia Solidária
FLO Fairtrade Labelling Organizations International
FTF Fair Trade Federation
FTO Faitrade Organizations
FINE (FLO, IFAT, NEWS e EFTA)
FSM Fórum Social Mundial
FTAO Fair Trade Advocacy Office
GEM Global Entrepreneurship monitor
GT- Brasileiro Grupo de Trabalho Brasileiro de Economia Solidária
IFAT International Fair Trade Association
IFATLA International Fair Trade Association Latinoamerica
ISO International Organization Standardization
ITC International Trade Centre
KEFAT Federação do Quênia para o Comércio Alternativo
MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário
MTE. Ministério do Trabalho e Emprego
NAATO North American Alternative Trade Organization
NEF New Economics Foundation
NEWS! Network of European World Shops
ONG Organizações não-governamentais
ONU Organização das Nações Unidas
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
RBSES Rede Brasileira de Sócio Economia Solidária
SENAES Secretaria Nacional de Economia Solidária
SIES Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária
SNCJS Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário
UCIRI Unión de comunidades indígenas de la región del Istmo
UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural
Organization
UNFPA United Nations Population Fund
UN-HABITAT United Nations Human Settlements Programme
WFTO World Fair Trade Organization
WWF World Wildlife Foundation
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO....................................................................................... 16 1.1. CONTEXTUALIZAÇÃO......................................................................... 16 1.2. ESPECIFICAÇÃO DO PROBLEMA...................................................... 17 1.3. OBJETIVOS........................................................................................... 20 1.3.1. Objetivos gerais..................................................................................... 20 1.3.2. Objetivos específicos............................................................................. 20 1.4. IMPORTÂNCIA E CONTRIBUIÇÃO DO ESTUDO............................... 21 1.5. METODOLOGIA ................................................................................... 21 1.6. ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO............................................................. 22 2. CONSUMO........................................................................................... 24 2.1. DOS CAÇADORES COLETORES À SOCIEDADE INDUSTRIAL...... 24 2.2. DA SOCIEDADE INDUSTRIAL À SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA 27 2.3. DA SOCIEDADE CONTEMPORANEA À SOCIEDADE DE
CONSUMO........................................................................................... 30
2.4. CONSUMO E ECONOMIA................................................................... 36 2.5. CONSUMO E MEIO AMBIENTE ......................................................... 45 2.6. CONSUMO E SOCIEDADE ................................................................. 54 2.7. A NECESSIDADE DE UMA NOVA ALTERNATIVA............................. 63 3. O COMÉRCIO JUSTO.......................................................................... 69 3.1. CONTEXTUALIZAÇÃO DO COMÉRCIO JUSTO NO MUNDO........... 69 3.2. OS PRINCIPAIS ATORES DO COMÉRCIO JUSTO NA EUROPA..... 75 3.2.1. FINE....................................................................................................... 75 3.2.2. FLO........................................................................................................ 76 3.2.3. IFAT....................................................................................................... 80 3.2.4. NEWS!................................................................................................... 81 3.2.5. EFTA...................................................................................................... 84 3.3. AS DIRETRIZES PARA UM COMÉRCIO JUSTO................................. 86 3.4. COMÉRCIO JUSTO NO BRASIL.......................................................... 88 3.4.1. O histórico da economia solidária.......................................................... 88 3.4.2. O histórico do comércio justo no
Brasil.................................................. 90
3.4.3. Os números do mercado interno do comércio justo.............................. 93 3.4.4. A participação do Brasil no mercado externo do comércio justo 97 3.4.5. As diretrizes para um comércio justo nacional...................................... 99 4. REFLEXOS DO COMÉRCIO JUSTO................................................... 101 4.1. IMPACTO SOCIAL................................................................................ 101 4.2. IMPACTO ECONÔMICO....................................................................... 103 4.2.1. Visão e reconhecimento do consumidor ............................................... 103 4.2.2. Visão do mercado.................................................................................. 107 4.2.3. Mudanças na estratégia empresarial..................................................... 109 4.3.4. IMPACTO AMBIENTAL......................................................................... 112 4.4. COMERCIO JUSTO: CRITICAS E DESAFIOS .................................... 113 5. UM MOVIMENTO EM BUSCA DE CONSOLIDAÇÃO......................... 116 5.1. GÊNESE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNDO LIGADAS AO
COMÉRCIO JUSTO.............................................................................. 116
5.2. UMA POLÍTICA PÚBLICA BRASILEIRA? ........................................... 118
5.3. A NECESSIDADE DE UMA EDUCAÇÃO PARA O CONSUMO......... 120 6. CONCLUSÃO....................................................................................... 123 6.1. SÍNTESE DAS CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS ................................... 123 6.2. CONCLUSÕES EM RELAÇÃO AOS OBJETIVOS DE ESTUDO
PROPOSTOS........................................................................................ 124
6.3. PROPOSIÇÕES PARA PESQUISAS E TRABALHOS FUTUROS...... 125 REFERÊNCIAS..................................................................................... 127 ANEXO.................................................................................................. 137
16
1. INTRODUÇÃO
“A descrição não substitui o descrito”.
Maturana R., H. e Dávila Y.,X. Habitar Humano
1.1. CONTEXTUALIZAÇÃO
Mais do que uma crise civilizatória, o mundo passa por um processo de
mundialização que pode levar a humanidade tanto para a construção de um
desenvolvimento mais ético e inclusivo quanto ao colapso, ao caos.
Olhando para o processo histórico recente, verificamos que passamos de um
sistema de base tribal para outro, de nível global, em que os meios de produção
voltaram-se a um objetivo fixo e determinante: a obtenção do lucro. Nas décadas de
1940, 50 e 60, por força de alguns fatores, tais como o fato de se tratar de um
período pós-guerra, da necessidade de reconstrução dos países envolvidos e do
advento da modernização dos processos produtivos, definiu-se o modelo das
sociedades modernas de acordo com a sua respectiva capacidade de produzir,
consumir e obter lucro. Quanto mais economicamente mensuráveis tais fatores, mais
moderno se poderia considerar aquele grupo social.
Os avanços das ciências e das tecnologias trouxeram à humanidade uma
quantidade de informações sem precedentes. Esse fluxo de informações possibilitou
que comunidades espalhadas pelo mundo pudessem compartilhar suas vidas, suas
experiências, suas dificuldades com outras, que se distanciaram e se distanciam
cada dia mais das suas próprias noções, de suas experiências e vivências. Em
decorrência do fenômeno que se convencionou chamar de globalização o comércio,
as transações financeiras e a circulação de riquezas, aumentou influenciando e
determinando o crescimento econômico e social da forma como o conhecemos,
promovendo o acúmulo de capital, porém de forma excludente e com impactos
ambientais irreparáveis.
Ao passo que despertou o interesse comercial, dada a fixação do objetivo de
aumentar a concentração econômica, também fez inflamar sentimentos
contraditórios em camadas significativas da cadeia produtiva, por conta do incômodo
17
causado em alguns, como consequência do rumo econômico que tornava alguns
países e povos reféns de outros, o que viria a influenciar diretamente a forma como
nos comunicamos, pensamos e agimos.
1.2. ESPECIFICAÇÃO DO PROBLEMA
Há mais de cinquenta anos, ano após ano, sofremos o aumento gradual do
número das transações comerciais e dos impactos da urbanização, do contingente
populacional e dos reflexos das mudanças climáticas, em uma transformação que se
pode dizer que é global, conquanto todos, de alguma forma, estamos sob a sua
influência. A busca incessante pelo lucro impulsiona as economias mundiais a
despolarizarem o consumo de recursos naturais, consequentemente produzindo um
processo de globalização dos déficits ecológicos (quando os países necessitam dos
recursos naturais de outras regiões do mundo para manter seu nível de consumo).
Curiosamente, embora os gráficos relativos aos valores que circulam
inclinem-se a demonstrar um inegável progresso, percebe-se que alguns dos
benefícios restringem-se a poucos protagonistas, não se verificando a mesma
extensão de glória na qualidade de vida do ser humano, instalado em qualquer dos
muitos países assolados pela fome e pela pobreza. Para essa primeira constatação,
basta a verificação de um dado simples, o de que, atualmente, 20% da população
mundial consomem 86% dos produtos e serviços produzidos no mundo.
(GUIMARÂES, 2006; FRANÇA, 2003). A constatação a seguir, feita por Morin e Kern
(1995, p. 35/36), é fantástica e ao mesmo tempo chocante, dada a dureza e
diretividade com que é externada, impulsionando o leitor à reflexão forçada a
respeito dos valores que guiam a sociedade de consumo contemporânea:
Assim o europeu desperta toda manhã ligando seu rádio japonês e recebendo através dele os acontecimentos do mundo: erupções vulcânicas, tremores de terra, golpes de Estado, conferências internacionais que lhe chegam enquanto toma seu chá do Ceilão, da Índia ou da China, a menos que seja um café moca da Etiópia ou um arábico da América Latina; ele mergulha num banho espumoso de óleos taitianos e utiliza um after-shave de fragrâncias exóticas; põe sua malha, sua meia-calça e sua camisa feitas de algodão do Egito ou da Índia; veste o casaco e calças de lã da Austrália,
18
tratada em Manchester e depois em Roubaix-Tourcoing, ou então um blusão de couro vindo da China em estilo jeans americano.
(..)
O africano em sua favela não participa desse circuito planetário de conforto, mas está igualmente no circuito planetário. Em sua vida cotidiana sofre os reflexos do mercado mundial que afetam as cotações do cacau, do açúcar, das matérias-primas que seu país produz. Ele foi expulso de sua aldeia por processos mundializados provenientes do Ocidente, em particular os progressos da monocultura industrial; de camponês autossuficiente tornou-se um suburbano em busca de salário; suas necessidades são doravante traduzidas em termos monetários. Ele aspira ao bem-estar. Utiliza o prato de alumínio ou de plástico, bebe cerveja ou coca-cola. Dorme sobre folhas recuperadas de espuma poliestireno, e veste camisetas com inscrições à americana. Dança com músicas sincréticas, nas quais os ritmos de sua tradição entram numa orquestração vinda da América, veiculando a memória do que seus antepassados escravizados levaram para lá. Este africano, transformado em objeto do mercado mundial, tornou-se também sujeito de um Estado formado com base no modelo ocidental. Assim, para o melhor e para o pior, cada um de nós, rico ou pobre, traz em si, sem saber, o planeta inteiro. A mundialização é ao mesmo tempo evidente, subconsciente e onipresente.
Um dos fatores que dão consistência a essa discrepância, reside no fato de
que as grandes nações estão consumindo mais do que a capacidade regenerativa
do planeta. Criam mecanismos de proteção da agricultura e dos agricultores contra
os reflexos da volatilidade dos preços e das quebras de safras, ocasionadas
principalmente pela estiagem, pela chuva e pelo frio. E ao contrário do que o bom
senso poderia recomendar, o grupo de agricultores que mais necessitaria de
proteção contra o imprevisível, situados nas áreas mais castigadas pela fome, pelas
desigualdades e pelos fenômenos climáticos, depende da própria sorte a proteger
sua fonte de subsistência.
Quando olhamos objetivamente para esses fatos, verificamos que alguns
coadjuvantes encontram-se abandonados e desprotegidos. Os produtores, quando
insulados na sua simplicidade e ausência de reservas financeiras, perdem a
produção ou têm de vendê-la por preços inferiores ao de seu custo, ao passo que,
quando são os consumidores os surpreendidos pelo aumento dos preços, estes têm
de restringir sua dieta, dela eliminando recursos alimentares preciosos.
Embora não possam ser negados os benefícios decorrentes do crescimento
econômico, de alguma forma precisariam ser estabelecidos mecanismos de
proteção, numa tentativa de estabilizar as relações econômicas e promover
desenvolvimento de forma uniforme. Em uma época em que tanto se fala na criação
19
de sistemas sustentáveis, que se mantenham no tempo sem destruir as unidades de
que depende, como se pode defender a manutenção desse mecanismo?
As transformações econômicas, ambientais e sociais ocorridas nas últimas
décadas evidenciam que os pensamentos do passado já não podem mais
permanecer regulamentando o presente. Substituíram-se alguns paradigmas,
exigindo uma condizente mudança do pensamento humano. Ao pinçarmos dentre as
mais recentes reflexões do ser humano, verificaremos que a humanidade começou
de uma forma geral a constatar que os objetivos da atividade produtiva devem
manter o foco sobre o enobrecimento do ser humano, a erradicação da pobreza, a
criação de relações duradouras, fortalecidas por valores humanistas, de cooperação
e solidariedade.
Desse inconformismo acabaram surgindo ideias e ideais que vêm dando
nascente a algumas alternativas de desenvolvimento, as quais vêm imprimindo um
curso interessante ao desenvolvimento global. Dentre tais alternativas de
desenvolvimento, uma delas merecerá destaque nesta dissertação: o Comércio
Justo. O Comércio Justo tem sua origem nos países do Hemisfério Norte entre as
décadas de 50 e 70 do século XX, decorrente da insatisfação promovida pelo
capitalismo e suas consequências desastrosas no âmbito social, econômico e
ambiental. Surgiu nos Estados Unidos, alastrando-se e ganhando força na Europa,
como uma alternativa de comércio motivado a diminuir a disparidade econômica e
social nas relações de troca entre os países desenvolvidos, em desenvolvimento e
subdesenvolvimento, exigindo para isso que todos os produtos advindos dessa
corrente comercial trouxessem a informação a respeito de suas origens: quem é o
produtor, como ele vive e quais são as condições em que o produto é desenvolvido
(IFAT, 2009).
A ideia por trás de tal movimento foi a de trazer à consciência do consumidor a
percepção do impacto que o ato de consumo pode exercer sob as condições de vida
e do meio ambiente das populações localizadas em países em desenvolvimento
O código de conduta da IFAT (Internacional Fair Trade Association) surge
como norteador desta prática, fixando como princípio o compromisso com o
comércio justo, transparência, fins éticos, condições de trabalho, oportunidades de
20
empregos com igualdade, preocupação com as pessoas, preocupação com o meio
ambiente, delineando, assim, fronteiras interessantes para o comércio mundial.
A partir das considerações já feitas, todo o esforço de pesquisa aqui
empreendido delineou-se com o intuito de responder a seguinte indagação: Até que
ponto as contribuições do Comércio Justo nas esferas econômico, social e ambiental
podem influenciar a construção de uma política pública socioambiental?
1.3. OBJETIVOS
1.3.1. Objetivo geral
Na busca de respostas a indagação acima apresentada formulou-se o
seguinte objetivo geral, norteador do trabalho de pesquisa: identificar as
contribuições do Comércio Justo numa sociedade de consumo.
1.3.2. Objetivos Específicos
Para obtenção da resposta ao objetivo geral formulado, foram sistematizados
os seguintes objetivos específicos:
a) Descrever o contexto histórico que impulsionou o surgimento da sociedade
de consumo.
b) Descrever os impactos do “modelo” de sociedade de consumo na
economia, na sociedade e no meio ambiente.
c) Descrever a necessidade de uma nova alternativa de consumo e
consciência.
d) Descrever o surgimento do Comércio Justo no mundo e no Brasil como
alternativa às demandas de um sistema global.
e) Descrever as contribuições do Comércio Justo na economia, na sociedade
e no meio ambiente.
21
f) Descrever a gênese das políticas públicas socioambientais ligadas ao
Comércio Justo e a necessidade de uma educação para o consumo
1.4. IMPORTÂNCIA E CONTRIBUIÇÃO DO ESTUDO
Pretende-se, através desta pesquisa, contribuir para o avanço do
conhecimento técnico e científico do Comércio Justo e, por via de consequência,
para o desenvolvimento sustentável em uma sociedade de consumo. A importância
da pesquisa está no levantamento de dados do diálogo que se estabelece entre os
diversos atores dessa alternativa de desenvolvimento, seguindo a trilha que avança
pela avaliação de suas ações e conquistas.
Tenta-se, ainda, descrever exemplos de sucesso, argumentos usados na
apologia do Comércio Justo, bem como por aqueles que advogam em seu
detrimento, o que será feito por meio da descrição e estudo dos principais motivos
que ainda impedem a produção de todos os efeitos previstos pelos responsáveis
pela sua gestação e implementação.
Uma vez que os conceitos do consumo responsável e do Comércio Justo
convergem na direção da justiça social e da sustentabilidade socioambiental,
proporcionar a reflexão sobre as opões de consumo e sobre o poder político
existente em cada ato de escolha, torna-se essencial, no estímulo de atitudes
responsáveis e comprometidas com o mundo, com o planeta e com as gerações
futuras, procurando fincar algumas balizas para o desenvolvimento de políticas
públicas eficientes.
1.5. METODOLOGIA
Esta dissertação foi realizada por meio de uma pesquisa bibliográfica e
exploratória, que tomou por base dados secundários constantes nos relatórios,
disponibilizado na internet e em literatura específica, ambos predominantemente
internacionais. Foram consultadas pessoas chaves diretamente, por e-mail e por
22
telefone das principais entidades envolvidas no setor de Comércio Justo no Brasil,
tanto para indicar bibliografias e fontes de informação, quanto para o esclarecimento
de eventuais dúvidas que não puderam ser sanadas durante a leitura e análise
documental.
1.6. ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO
Esta dissertação foi organizada da seguinte forma:
No primeiro capítulo apresentamos a introdução, especificação do problema,
objetivo geral e os objetivos específicos; definimos as perguntas de pesquisa,
descrevemos a metodologia e justificamos a relevância da pesquisa.
No segundo capítulo descrevemos o contexto histórico que impulsionou o
surgimento da sociedade de consumo desde o homem caçador-coletor.
Posteriormente, a forma como a sociedade de consumo influenciou os meios
econômicos, o meio ambiente, ressaltando as questões nascentes e futuras ligadas
à urbanização, ao surgimento das megacidades, ao aumento populacional e à
insustentabilidade das práticas, quanto à utilização dos recursos naturais do planeta.
Assim como, as consequências dessa opção para o ser humano ressaltando o
acirramento das desigualdades, o aumento da fome. Por fim, trazemos à tentativa de
delinear uma alternativa adequada, dada a preocupação despertada pelas
constatações feitas até ali, realizando um resgate das reflexões que estiveram na
base dos movimentos comerciais e sociais que deram origem ao surgimento e ao
crescimento do Comércio Justo, no mundo e no Brasil, suas diretrizes e conexões
com um desenvolvimento mais ético e justo.
No terceiro capítulo, analisamos o desenvolvimento do Comércio Justo no
mercado nacional e internacional, assim como os benefícios da atuação dos entes
“justos” no cenário que busca promover a igualdade econômico-social, com base nas
diretrizes estabelecidas pelo movimento. Acompanhamos os passos dados pelos
movimentos econômico-sociais que culminaram no Comércio Justo e Solidário, suas
dificuldades e perspectivas para o futuro.
23
No quarto capítulo, enumeramos os benefícios sociais efetivos alcançados
pelos grupos e movimentos que se vêm orientando pelos princípios do Comércio
Justo, no mundo, e do Comércio Justo e Solidário, no Brasil, ressaltando as
alternativas e progressos atingidos nas esferas social, econômica e ambiental, que
inicialmente afirmamos terem sido as principais dentre aquelas afetadas pelos
efeitos da adoção do modelo econômico pautado no consumo.
No quinto capítulo é feita uma análise das propostas políticas nacionais e
estrangeiras relativas ao tema, para que se tenha noção da abrangência do
pensamento no campo das políticas públicas, abordando também a necessidade de
uma educação para o consumo.
Finalmente, ao tratarmos sobre as considerações finais no sexto capítulo
promovemos uma reflexão que permite que a humanidade assuma os efeitos
sistêmicos do nosso viver de forma a contribuir para um desenvolvimento, capaz de
atender interesses econômicos, sociais e ambientais.
24
2. O CONSUMO
“A história dos seres vivos em geral e dos seres humanos em particular tem seguido e segue um curso definido em cada instante pelos desejos, pelas preferências,
pelas ganas, pelas emoções em geral”. Maturana R., H. e Dávila Y.,X. Habitar Humano
2.1. DOS CAÇADORES COLETORES À SOCIEDADE INDUSTRIAL
O fenômeno do consumo tem suas raízes tão antigas quanto às dos seres
vivos. Historicamente o consumo de recursos naturais serviu de base para a
construção social e econômica da humanidade. Contudo, com o passar dos anos e
com o início da Era Moderna o nível de consumo das reservas naturais aumentou
significativamente. (SERI; GLOBAL 2000; FRIENDS OF THE EARTH EUROPE,
2009). Diamond, no livro “Armas, Germes e Aço“ (2009), conta que há cerca de 7
milhões de anos nossos ancestrais se alimentavam exclusivamente da coleta de
plantas silvestres e da caça de algumas espécies animais.
Essa realidade começou a se modificar tão somente nos últimos 11 mil anos,
por meio da iniciativa de alguns povos que se dedicaram ao cultivo de plantas e à
domesticação de determinados animais. E tal transformação social ocorreu de forma
gradativa e difusa, uma vez que aspectos subjetivos como preferências culturais,
aplicação de tempo e esforço, estilos de vida e prestígio foram elementos que
influenciaram as decisões isoladas de como os povos deveriam obter seus
suprimentos. (DIAMOND, 2009).
Diferentes povos em distintos momentos da história iniciaram a produção de
alimentos; todavia, nem todos os caçadores-coletores se transformaram em
agricultores, tendo em vista que somente em algumas regiões do planeta essa
atividade foi satisfatória, em virtude das condições climáticas e geográficas
apresentadas em cada continente. (DIAMOND, 2009).
Estima-se que o consumo de recursos naturais por parte dos caçadores-
coletores e dos primeiros produtores de alimentos, era relativamente baixo (em
25
média 3 kg/dia), uma vez que grande parte dos recursos naturais era utilizada
puramente para sobrevivência e subsistência. (SERI, GLOBAL 2000, FRIENDS OF
THE EARTH EUROPE, 2009). À medida que a disponibilidade de alimentos não
cultivados começou a diminuir e algumas espécies de animais selvagens
desaparecem, criou-se a necessidade de desenvolver novas técnicas de produção,
coleta, processamento e armazenamento de alimentos para a preservação e
manutenção das sociedades. (DIAMOND, 2009).
Essas facilidades incentivaram o homem a aumentar suas famílias e a
permanecer junto de seus campos e pomares, selecionando e cultivando
determinadas espécies de plantas e domesticando grandes mamíferos, promovendo
consequentemente um aumento para 11 kg na quantidade de recursos naturais
utilizados ao dia por indivíduo. (DIAMOND, 2009; SERI; GLOBAL 2000; FRIENDS
OF THE EARTH EUROPE, 2009). Para explicar essa mudança na estrutura social,
Diamond (2009) descreve:
Os excedentes de alimentos resultantes e (em algumas áreas) o transporte por animais desses excedentes eram um pré-requisito para o desenvolvimento das sociedades sedentárias, politicamente centralizadas, socialmente estratificadas, economicamente complexas e tecnologicamente inovadoras.
Entretanto, pouco a pouco a antiga conformação da sociedade sedentária vai
cedendo espaço para o surgimento de outros cenários, principalmente dada à
substituição da energia animal pela mecânica. Os engenhos, as máquinas, as
ferrovias, as indústrias e os meios de comunicação vão alterando o estado
relativamente estável dos séculos predecessores. (BADUE, 2005). Pensadores e
filósofos como Hobbes, Locke e Rousseau surgem com contribuições relevantes
para a organização social, ensejando novas formas de ser, pensar e agir em
sociedade. Suas ideias se transformam em bálsamo para as grandes
transformações políticas, sociais, econômicas, ambientais e culturais do porvir.
(BADUE, 2005).
Nesse período de transição entre a Idade Média e a Era Moderna, a grande
Revolução Industrial e Francesa avançaram, trazendo consigo um misto de
esperanças e incertezas. Um novo potencial industrial se origina a partir da
26
automação e da produção em série. A economia de mercado se fortalece em função
da inserção do capitalismo como sistema econômico vigente, resultando no acúmulo
de capital e da divisão da sociedade em classes: capitalistas e proletários. (BADUE,
2005).
Por meio da expansão das cidades e da construção de grandes indústrias
ocorre a mais importante transformação, em termos de utilização de recursos
naturais fósseis em grande escala. Tais recursos naturais, como carvão, óleo e
posteriormente gás, disponíveis abundantemente na natureza há milhares de anos,
criaram uma reserva adicional de energia para as sociedades industriais.
O resultado dessa pujança foi um aumento considerável do consumo, em que
cada pessoa passou a utilizar em média mais de 8 toneladas de recursos naturais
por ano, ou seja 22 kg/dia. Contudo, se considerarmos nesta conta a extração de
recursos não utilizados (overburden), chegaríamos à conclusão que cada habitante
no planeta consome aproximadamente 44 kg por dia, ou seja, 75 % a mais que os 11
kg consumidos em média pelos indivíduos na sociedade agrícola (SERI; GLOBAL
2000; FRIENDS OF THE EARTH EUROPE, 2009), conforme podemos verificar na
ilustração 01:
Ilustração 01: Consumo de recursos em diferentes sociedades (em kg por dia) Fonte: SERI, GLOBAL 2000, FRIENDS OF THE EARTH EUROPE - OVERCONSUMPTION - Our use of the world’s natural resources, 2009
27
2.2. DA SOCIEDADE INDUSTRIAL À SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
Esse período de transição não foi de forma alguma simples para as
sociedades industriais. Após duas décadas de guerras, escassez e fome (1920-30),
ressurge o capitalismo, outrora sufocado pela Rússia comunista, como alento para o
mundo ocidental. Nos anos 40 e 50 do século XX, os refugiados de países
comunistas e demais imigrantes vindos de todos os lugares do mundo buscavam
oportunidades de trabalho nos países industrializados e desenvolvidos da Europa
capitalista, que juntamente com os EUA, encontravam-se motivados a reconstruir
seus países e fomentar suas economias após a Segunda Guerra Mundial,
precisando de toda a força de trabalho disponível. (SCOTTO, 2007; MORIN e KERN,
1995).
A busca pelo desenvolvimento tornou-se caminho inevitável para as
sociedades essencialmente agrícolas, que padeciam de problemas de ordem
econômica e social e que vislumbravam um futuro promissor nas promessas
oriundas da Europa e dos Estados Unidos. (SCOTTO, 2007; MORIN e KERN, 1995;
ANDRADE, 1975). A revolução industrial, conduzida pelo aumento da produtividade
e a aceleração da acumulação, “teve lugar no seio de uma economia comercial em
rápida expansão, na qual a atividade de mais alta rentabilidade muito provavelmente
era o comércio exterior” (FURTADO, 1920, p. 77). Assim sendo, intencionalmente
passou-se a incentivar a crença de que “os padrões de consumo presentemente
usufruídos pela população dos países industrializados poderiam ser compartilhados
pelas massas das populações que vivem e rapidamente se expandem no terceiro
mundo, contanto que trabalhassem muito e se comportassem bem”. (FURTADO, in
ANDRADE, 1975, p. 67). Mas até esse momento o processo de evolução capitalista
desenvolvia-se dentro dos próprios países, por conta de suas próprias populações e
contando com os recursos basicamente oriundos de seu próprio território.
Entretanto, o processo de industrialização, bem como a ideia de progresso e
de crescimento ilimitado, ao invés de promover o desenvolvimento prometido,
contribuiu para o aumento da disparidade econômica e social entre os países do
Norte (países desenvolvidos) e do Sul (países em desenvolvimento). (SCOTTO,
2007; MORIN e KERN, 1995). Como o ramo industrial expandiu-se e essa expansão
28
conduzia o caminho da riqueza a uma porção significativa da população, foi
necessária a criação de meios complementares à indústria, tais como o de
escoamento, de armazenamento, de comercialização e, principalmente, de incentivo
ao consumo. (SCOTTO, 2007; ANDRADE, 1975; MORIN e KERN, 1995).
Nesse ponto, em um momento dominado pelos gigantes financeiros mundiais,
foi iniciado um processo de estabelecimento das metas comerciais e dos objetivos a
longo prazo, visando à satisfação daqueles que em algum momento investiam nos
empreendimentos. O comprometimento com o futuro exigia das corporações
financeiras, e dos países e grupos que as subsidiavam, constantes investimentos,
que supostamente seriam garantidos pela produção futura, criando uma espiral
econômica que tendia ao desmoronamento. (SINGER, 2004; SANTOS, B., 2005). O
mecanismo tendia a funcionar da seguinte forma: havia os produtores, carentes de
recurso financeiro para o gerenciamento de suas atividades; em outro polo havia
pessoas com recursos financeiros e sem oportunidades para o investimento de suas
economias; entre eles, como intermediários, surgiram os grupos financeiros,
responsáveis pela escolha dos melhores investimentos e das garantias, visando à
diminuição dos riscos dos investidores e, claro, das próprias instituições financeiras.
Esse sistema, entretanto, a cada período encontrava empecilhos. Algumas
vezes determinadas carteiras de investimentos enfrentavam crises, em outras,
determinadas empresas eram vítima de má gestão, obrigando o mercado à busca
constante de novos investimentos. Mas mesmo os melhores negócios atingiam, cedo
ou tarde, um nível de saturação, de satisfação quanto ao consumo, que fazia com
que os produtos deixassem de ser desejados, limitando rapidamente o leque de
possibilidades. Podemos verificar na constatação de Schumpeter (1984, p.112-113),
quanto aos mecanismos impostos pelo sistema capitalista:
O capitalismo, então, é, pela própria natureza, uma forma ou método de mudança econômica, e não apenas nunca está, mas pode estar estacionário. E tal caráter evolutivo do processo capitalista não se deve meramente ao fato de a vida econômica acontecer num ambiente social que muda e, por sua mudança altera os dados da ação econômica; isso é importante e tais mudanças (guerra, revoluções e assim por diante) frequentemente condicionam a mudança industrial, mas não seus motores principais. Tampouco se deve esse caráter evolutivo a um aumento quase automático da população e do capital ou dos caprichos dos sistemas monetários, para os quais são verdadeiras exatamente as mesmas coisas.
29
O impulso fundamental que inicia e mantém o movimento da máquina capitalista decorre de novos bens de consumo, dos novos métodos de produção ou transporte, dos novos mercados, das novas formas de organização industrial da empresa capitalista.
O crescimento populacional e o aumento do padrão de vida das sociedades
produtoras, do mesmo modo, começou a fazer com que a indústria e as unidades
agrícolas não fossem capazes de dar conta das demandas sempre crescentes. Essa
metodologia passou a exigir que a produção no dia atual fosse sempre superior ao
do dia anterior, que as máquinas desenvolvidas hoje fossem mais produtivas que as
de ontem, que o trabalhador que ingressasse no mercado hoje fosse mais
capacitado, dedicado e instruído que o de ontem. (SINGER, 2004; SANTOS, B.,
2005).
À medida que altos índices de produtividade vinham a ser seguidamente
atingidos, os elementos envolvidos nessa corrida mantinham-se insatisfeitos, pois
não haveria meta alcançada que pudesse preenchê-los. E quanto mais as pessoas
trabalhavam, mais recebiam e mais acumulavam. E, como trabalhassem até seus
limites, passaram a ver no consumo uma compensação pelo esforço diário, a cada
momento em expansão. A produção contínua, guiada pela demanda de mercado,
deixa o homem produtor permanentemente à mercê do homem consumidor, uma vez
que o objeto perde a finalidade em si mesmo para torna-se algo maior. Se em
determinada época os bens eram produzidos para a satisfação das necessidades do
homem, agora o homem é estimulado a desenvolver necessidades e desejos para
sustentar a industrialização crescente. (BAUMAN, 2008).
Curioso é refletir na conclusão de que parece ser da natureza do homem lutar,
literalmente, para satisfazer suas necessidades, mesmo mediante a dura
constatação de que muitas dessas necessidades não são reais, mas criadas por ele
mesmo, nessa eterna busca de encontrar razões existenciais satisfatórias. De
acordo com Furtado (2002, p. 38), “os objetivos que motivam o progresso
tecnológico são com frequência contraditórios”, pois motivam a destruição ou a
conservação de acordo com os interesses que os originam. E, de fato, quando um
indivíduo inicia um processo de consumo, sua atitude pode, em outra ponta da
cadeia de produção, significar riqueza ou devastação, conforto ou exploração.
30
Portanto, uma simples escolha ou ação traz consequências diretas ou indiretas,
positivas ou negativas para tudo e para todos os que estiverem envolvidos.
Interessante também é percebermos que quando o indivíduo inicia um ato
individual de consumo não é incentivado a levar em conta os elementos que
integram naturalmente essa cadeia. Não há estímulo para que repense a forma
como usa, como consome, como seus atos influenciam e podem influenciar o futuro
de outras pessoas.
Não parece que há, nesse modelo autômato, em que o ser humano é
incorporado como uma peça inconsciente, qualquer interesse de tornar o mecanismo
comercial ajustado a valores humanizados. E uma vez que os padrões estabelecidos
por esse modelo de desenvolvimento, predominantemente competitivo, estimulam a
marcha rumo ao progresso, favorecem a desvalorização, senão a completa rejeição
do passado, deslocando o homem de suas origens e de suas raízes existenciais.
Morin e Kern (1995, p. 66) dão uma ideia bem precisa desse cenário:
O crescimento econômico, desde o século XIX, foi não apenas motor mais também regulador da economia, fazendo aumentar simultaneamente a demanda e a oferta. Mas ao mesmo tempo destruíram irremediavelmente as civilizações rurais, as culturas tradicionais. Ele produziu melhorias consideráveis no nível de vida, ao mesmo tempo provocou perturbações no modo de vida.
2.3. DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA À SOCIEDADE DE CONSUMO
Como temos visto, através dessa abordagem de meio século do trajeto da
economia mundial, os valores e as vivências que determinavam os passos dos seres
no grupo social acabaram por perder importância. Tudo aparentemente planejado
para alienar o homem de sua realidade, tornando-o apenas uma peça bem
lubrificada da engrenagem do consumo. “O avanço da civilização atribui ao homem,
por meio do aprofundamento das técnicas e de sua difusão, uma capacidade cada
vez mais crescente de alterar os dados naturais quando possível, reduzir a
importância do seu impacto e, também, por meio da organização social, de modificar
a importância dos seus resultados”. (SANTOS, M., 2000, p. 43).
31
O ser humano que consumia cerca de 44 kg/dia na sociedade industrial passa
a exigir mais da natureza, de acordo com a sua posição geográfica no globo. A
Europa, hoje, extrai cerca de 36 kg de recursos naturais por pessoa/dia (excluindo a
extração de recursos não utilizados) totalizando 43 kg por pessoa/dia em consumo.
A América do Norte, por sua vez, consome cerca de 90 kg pessoa/dia; enquanto que
na Oceania o consumo é ainda maior, cerca de 100 kg por pessoa/dia. Contudo o
mesmo não se dá nos países do Hemisfério Sul, onde o consumo de recursos é
quase igual à quantidade de recurso extraída, ou seja, de cerca de 14 kg por
pessoa/dia na Ásia, com exceção da África, que consome apenas 10 kg por
pessoa/dia, dois terços da extração/dia de recursos naturais (extração de 15 kg por
dia). Estas diferenças gritantes ocorrem porque as pessoas que vivem em países do
Norte possuem diferentes estilos de vida, ocasionando um impacto considerável na
utilização de recursos naturais do planeta. A ilustração 02, abaixo, descreve como se
dá essa distribuição. (SERI; GLOBAL 2000; FRIENDS OF THE EARTH EUROPE,
2009).
Ilustração 02: Consumo de recursos naturais por pessoa (em kg por dia) Fonte: SERI, GLOBAL 2000, FRIENDS OF THE EARTH EUROPE - OVERCONSUMPTION - Our use of the world’s natural resources, 2009
Tal modelo de desenvolvimento, priorizando esses elementos racionais e
monetariamente mensuráveis, obrigou o integrante humano a conceder menor valor
32
àqueles outros elementos que outrora lhe conferiram identidade, permitindo que ele
pudesse reconhecer-se como um ser socialmente ativo e existencialmente
necessário. (MORIN e KERN, 1995). O ser humano, que outrora alimentou ideais
familiares, de progresso, de desenvolvimento, agora se vê como protagonista num
cenário produtivo sem precedentes, desatrelado de todo e qualquer valor que não
possa ser conectado com o ideal do lucro. Mencionam a respeito Morin e Kern
(1995, p. 67):
Os efeitos civilizacionais produzidos pela mercantilizarão de todas as coisas, justamente como previu Marx – depois da água, do mar e do sol, os órgãos do corpo humano, o sangue, o esperma, o óvulo e o tecido fetal tornaram-se mercadorias -, são a decadência da doação, do gratuito, do oferecimento, do serviço prestado, o quase desaparecimento do não monetário, que ocasiona a erosão de qualquer outro valor que não o atrativo do lucro, o interesse financeiro, a sede da riqueza.
Tudo que não procede da natureza, passa a ser inventado pelo homem. E
neste frenesi criador “o indivíduo pode reunir em torno de si uma miríade de objetos
sem ter em nada contribuído para a criação do mesmo” e, dando-se as coisas desse
modo, a acumulação preserva a condição privilegiada da civilização industrial,
reduzindo a condição humana a mero instrumento para que esta condição se
mantenha. (FURTADO, 2002, p. 60-61).
Segundo Portilho (2005, p. 90-91), quando “o trabalho é então separado do
seu propósito essencial de criar produtos que reflitam as necessidades do
trabalhador” e os consumidores passam a desconhecer a gênese das relações
envolvidas na produção da mercadoria, surge o consumo alienado. E segundo a
autora (PORTILHO, 2005, p.90-91):
Se o trabalho humano (atividade prática material pela qual a natureza é transformada) apresenta-se como uma atividade alienada, uma vez que o operário cria um objeto no qual não se reconhece, o não-operário, visto que não participa do processo produtivo, tem uma relação contemplativa e exterior com relação a produção. Assim nos alienamos de nós mesmos através do sistema de produção – como já foi denunciado há tempos – mas também através do sistema de consumo.
33
Desta alienação, os benefícios do consumo passam a ser considerados como
um “milagre”, uma “dádiva da natureza” que é inventada e produzida por um
processo dissociado do “esforço histórico e social” da produção, por meio de uma
ruptura radical, na qual o “entendimento de que a mercadoria representa uma
dimensão não-essencial do ser humano é resumido no conceito de “fetichismo”
(PORTILHO, 2005, p.90). Além destas, estas questões surgem ainda outras que nos
despertam a necessidade de entender o funcionamento humano numa sociedade de
consumo, tais como: Porque consumimos? Quais os valores éticos, estéticos,
políticos, comportamentais que influenciam as nossas escolhas? Qual é visão sobre
a natureza que nos faz justificar o injustificável?
Enfim, o debate sobre o consumo e os motivos que impulsionam o consumo
são tão diversos e controversos quanto o próprio consumo. Seu papel pode ser
entendido tanto como um ato de “empoderamento e expressão” quanto de
“exploração e manipulação” (PORTILHO, 2005, p.105). Trata-se, portanto, de um
fenômeno complexo que passa a ser entendido como uma esfera de relações e
discursos centrados na venda, na compra, na satisfação, na hostilidade, na distinção
de classes e/ou no protesto. Ou seja, contempla aspectos tanto culturais quanto
econômicos em sua essência. (PORTILHO, 2005, p.90-105).
O indivíduo torna-se um mero consumidor na complexa rede de estratégias
que compõe o capitalismo. (BAUDRILLAND, 1995; BAUMAN, 2008; PORTILHO,
2005). As relações sociais progridem subordinadas ao dinheiro, tendo como fatores
de estímulo a competição e o êxito. Santos (2000, p.25) já havia alcançado a mesma
conclusão em seu livro “Por uma nova globalização”, em que comenta:
O consumo é o grande emoliente, produtor ou encorajador de imobilismos Ele é, também, um veículo de narcisismos, por meio dos seus estímulos estéticos, morais, sociais; e aparece como o grande fundamentalismo do nosso tempo, porque alcança e envolve toda gente. Por isso, o entendimento do que é o mundo passa pelo consumo e pela competitividade, ambos fundados no mesmo sistema da ideologia.
É nessa alienação constante que o cidadão da sociedade de consumo se
apraz, aproveitando tudo que o mundo tem de melhor para oferecer (para o
consumo). Todo esse processo sequencial culmina por reduzir o valor humano ao
34
seu poder de compra, ao ponto de se questionar, segundo Bauman (1999, p. 88), “se
é necessário consumir para viver ou se o homem vive para poder consumir”. Nessa
nova configuração, avalia-se o status social de cada indivíduo pela sua capacidade
potencial de compra e aquisição, criando, por conta disso, uma casta crescente em
processo de marginalização social, que pouco questiona a falta que lhe faz o
ingresso no mundo da informação, da educação, da segurança, da saúde, mas que
sofre e lamenta por não ter livre acesso ao consumo.
Ainda segundo Bauman (1999, p. 89), “a maneira como a sociedade atual
molda seus membros é ditada primeiro e acima de tudo pelo dever de desempenhar
o papel de consumidor. A norma que nossa sociedade coloca para seus membros é
a da capacidade e vontade de desempenhar esse papel”. Mais do que propriamente
o ato do consumo, está a correlação de felicidade que se emprega à posse e ao uso
do bem consumido. (BAUDRILLARD, 1995; BAUMAN, 2008; PORTILHO, 2005).
Vendem-se e compram-se expectativas de felicidade, tão limitadas na sua duração
quanto irreais e ilusórias na sua criação.
No que diz respeito a essa lógica, surge a cada instante um novo produto,
combinado a uma nova necessidade de que nem era dado saber que existia. “Entre
as maneiras com que o consumidor enfrenta a insatisfação, a principal é descartar os
objetos que as causam”. (BAUMAN, 2008, p.31). A força da propaganda é tão
intensa que a satisfação de desejos que doravante se tornam insaciáveis “revela-se
para esses consumidores sob o disfarce de um livre exercício da vontade”.
(BAUMAN, 1999, p. 91).
E de acordo com a obsolescência programada, já não se espera mais os
produtos durem para sempre; os produtos já são apresentados ao consumidor com
um rótulo “vida útil determinada”; portanto, a substituição se torna inevitável e
socialmente aceita, uma vez que o “novo” é sinônimo de revolucionário, intacto,
melhor, mais elegante, mais confortável, mais... enquanto que o “velho” é sinônimo
de puído, ultrapassado e fora de moda. (BAUMAN, 2008; BADUE, 2005). De acordo
com Santos (2000, p. 20), a publicidade tornou-se o instrumento de convencimento,
geradora das “tendências” de mercado e consequentemente de produção:
35
Estamos diante de um novo “encantamento do mundo”, no qual do discurso e a retórica são o princípio e o fim. Esse imperativo e essa onipresença da informação são insidiosos, já que a informação atual tem dois rostos, um pelo qual ela busca instruir, e um outro, pelo qual ela busca convencer. Este é o trabalho da publicidade. Se a informação tem, hoje, essas duas caras, a cara do convencer se torna muito mais presente, na medida em que a publicidade se transformou em algo que antecipa a produção. Brigando pela sobrevivência e hegemonia, em função da competitividade, as empresas não podem existir sem publicidade, que se tornou o nervo do comércio.
Assim agindo, o mercado publicitário, por meio de associações, promessas,
técnicas e recursos associados a estudos do comportamento humano, vem
desenvolvendo artimanhas para arrebanhar novos compradores. “A lógica da
máquina artificial – eficácia, predizibilidade, calculabilidade, especialização rígida,
rapidez, cronometria – invade a vida cotidiana: regula viagens, consumo, lazeres,
educação, serviços, consertos, e provoca o que George Ritzer chama a
’macdonalização da sociedade’”. (MORIN e KERN,1995, p. 90).
Com a crescente visibilidade e o apelo para a aquisição de bens e produtos,
também as formas de comercialização evoluem com a intenção de facilitar,
aprofundar, alargar e abranger novos consumidores. Assim sendo, shoppingcenters
temáticos, restaurantes fast-food, cadeias de lojas, e-shoppings, e-commerce
surgem no contexto social para ”facilitar” a vida dos novos consumidores.
(OVERCONSUMPTION, 2009; BAUDRILLARD, 1995; BAUMAN, 2008).
Agora, em um mesmo lugar é possível encontrar, de uma só vez, atividades
de lazer, artes, provisões alimentares, vestuário, utensílios para casa, e
quinquilharias diversas, tudo mascarado pelo ideal do conforto, do necessário, do
essencial. Com efeito, a capacidade de consumo flexibiliza-se tanto quanto as
promessas da satisfação dos desejos se pronunciam instantâneas. Propagandas
nos programas de televisão, nas revistas, nos jornais, nos outdoors, nas placas, nas
esquinas, nos semáforos, nas roupas, nos carros, nas vitrines, cabines telefônicas,
postes, fachadas dos prédios. Conforme menciona Bauman (1999, p. 89):
A necessária redução do tempo é melhor alcançada se os consumidores não puderem prestar atenção ou concentrar o desejo por muito tempo em qualquer objeto; isto é, se forem impacientes, impetuosos, indóceis e, acima de tudo, facilmente instigáveis e também se facilmente perderem o
36
interesse. A cultura da sociedade consumo envolve sobretudo o esquecimento, não o aprendizado.
Desta forma, o consumo permeia todas as atividades da vida, e “todas as
atividades se encadeiam do mesmo modo combinatório, em que o canal das
satisfações se encontra previamente traçado hora a hora em que o ’envolvimento’ é
total, inteiramente climatizado, organizado, culturalizado”. (BAUDRILLARD, 1995,
p.19). E é por meio de diferenças “profundas e multiformes” que provocam
transformações sociais, culturais e individuais, intensas na sociedade atual que
Bauman (1999, p. 85) justifica “a nossa sociedade como sendo de um tipo distinto e
separado — uma sociedade de consumo”.
2.4. CONSUMO E ECONOMIA
Verificam-se atualmente as grandes transições pelas quais os sistemas de
negociações mundiais estão passando. Sobre o trajeto histórico percorrido até
chegarmos a essa realidade, em um dado ponto de vista, tecemos nossas
considerações nos capítulos anteriores. Mais do que o produto de um consumo sem
reflexão, a sociedade dos dias de hoje caracteriza-se também pela
multinacionalidade, multiculturalidade, presente nos idiomas, nos produtos, nas
propagandas e, como não poderia deixar de ser, nos meios de produção. Tão
intensa virou a miscigenação dos produtos e dos povos que se pode dizer que, hoje,
a situação econômica dos países encontra-se significativamente interligada. As
grandes corporações marcam presença em todos os continentes, em um cenário
diante do qual a figura humana tem-se apresentado muitas vezes como mera peça
organizacional.
É difícil estabelecer com certeza qual o fator que teve maior influência na
cristalização dessa autêntica rede. Contudo, esse comércio em rede proporcionou
um crescimento significativo nas quantias produzidas, bem como na qualidade dos
produtos, e nas pesquisas visando ao desenvolvimento de novas tecnologias. Com
essas novas tecnologias, conectadas pelo fluxo contínuo de informações, conseguiu-
37
se a padronização de produtos, o que permitiu que determinados bens fossem
reproduzidos em diferentes países com níveis de excelência equivalentes. E, dada a
evolução e rapidez dos meios de transporte, armazenamento e distribuição, os
estoques puderam ser quase instantaneamente disseminados, simultaneamente, em
continentes distintos, por preços equivalentes, independentemente das distâncias a
separarem as unidades produtoras e distribuidoras.
Por conta desse fenômeno, estima-se que a economia mundial tenha
aumentado sete vezes em cinquenta anos (1950-2000), e que o comércio tenha
aumentado ainda mais, em virtude do incremento nos padrões de consumo de
milhões de pessoas em todo o mundo. (BROWN, 2003). Contudo, um dado
econômico paralelo permite concluir que, apesar de os produtos circularem
mundialmente, os recursos financeiros acabam sendo destinados a apenas uma
porção restrita de protagonistas do comércio mundial. Segundo dados
disponibilizados pelo World Development Report (2009), países situados na Europa
Ocidental, América do Norte e Nordeste da Ásia, concentravam, em 2000, cerca de
três quartos do PIB mundial. (THE WORLD BANK, 2009, p. 5).
Mas isso não se deu por acaso. Grandes cidades se desenvolvem em
determinadas regiões em virtude da quantidade de transações econômicas,
comércio, indústria, cultura e conhecimento, promovendo, por este motivo, a
migração (rural-urbana e urbana-urbana) de centenas de milhares de pessoas que
desejam usufruir das possibilidades econômicas ali ampliadas. (STATE OF THE
WORLD’S CITIES, 2008/2009, p. 6). Não podemos deixar de frisar essa
característica como uma das mais marcantes do modelo econômico atual.
Porta de entrada da globalização, as megacidades são altamente competitivas
e dependentes de relacionamentos com outras cidades globais. Frequentemente
situadas em pequenos espaços territoriais são elas responsáveis pela intensificação
do fluxo de pessoas, mercadorias e dinheiro, o que também repercute de forma
significativa no produto interno bruno (PIB) das nações em que estão situadas.
Conforme o Relatório Megacidades, nos dias atuais cerca de 1/5 do PIB mundial é
oriundo das atividades ocorridas nas dez cidades economicamente mais
importantes.
38
Em 1950 somente duas cidades eram nominadas como megacidades, Tóquio
e Nova York. Contudo, com o passar do tempo, esse número foi crescendo
consideravelmente, e no ano de 2004 aproximadamente 22 cidades se juntaram ao
ranking das maiores cidades do mundo, contabilizando juntas 9% da população
urbana do planeta. (GLOBESCAN; MRC MCLEAN HAZEL, 2010). Estima-se que até
o ano de 2020 diversas cidades localizadas em países em desenvolvimento
alcançarão a marca de 20 milhões de habitantes, dentre elas São Paulo, Mumbai,
Deli, Cidade do México, Lagos, Daca e Jacarta. (GLOBESCAN; MRC MCLEAN
HAZEL, 2010, p. 9).
Quadro 01: Megacidades 2003 - 2015 Fonte: GLOBESCAN; MRC MCLEAN HAZEL, 2010, p. 9
Tóquio, considerada a maior cidade do mundo na atualidade, abriga 35
milhões de habitantes, ou seja, um quarto da população do Japão, em menos de 4%
território do total nacional e representa 40% do produto interno bruto do país. (THE
WORLD BANK, 2009). Em 2005, outras cidades localizadas nas províncias costeiras
39
da China, como Bacia do Bohai, Delta do Rio Pérola e do Rio Yangtze, foram
responsáveis por mais da metade do PIB daquele país. A cidade do Cairo, que
também é um exemplo significativo, produz cerca de 50% do PIB do Egito com
menos de 0,5% da área nacional. No Brasil, os Estados de São Paulo, Minas Gerais
e Rio de Janeiro, contabilizam mais de 52% do PIB nacional em menos de 15% do
território nacional, contando com três das cinco maiores cidades do país.
Apesar de tantos pontos que mereçam ressalva e olhar atento, não podemos
negar que o objetivo do lucro no processo capitalista serviu como propulsor de
desenvolvimento científico (basta relembrarmos os avanços no terreno das cirurgias
minimamente invasivas e das descobertas da indústria farmacêutica), tecnológico
(lembremos o impacto que descobertas como a internet, o sistema operacional
Windows, por exemplo, impuseram na realidade existencial humana) e cultural.
Assim podemos concluir que a globalização econômica, como engrenagem motriz da
sociedade de consumo, pode ser tanto um condutor de vantagens como de
desvantagens nas relações mundiais. (MORIN e KERN,1995).
Quando, no começo da década de 1990, o termo globalização começou a ser
empregado, defendia-se-o como um mecanismo capaz de expandir a economia,
aumentando exponencialmente o número de agentes e de beneficiados. E, de fato, o
conceito de global, quando recorremos ao dicionário Michaelis1, faz menção ao que é
“considerado em globo, por inteiro ou conjunto”, dando, assim, a noção de algo que
é uniforme. Mas qual seria o sentido de adotarmos o termo globalização para referir
ao que ocorre, atualmente, no mundo. Esse é o questionamento suscitado por
Santos (2000, p. 21):
Aldeia global tanto quanto espaço-tempo contraído permitiriam imaginar a realização do sonho de um mundo só, já que, pelas mãos do mercado global, coisas, relações, dinheiros, gostos largamente se difundem por sobre continentes, raças, línguas, religiões, como se as particularidades tecidas ao longo de séculos houvessem sido todas esgarçadas. Tudo seria conduzido e, ao mesmo tempo, homogeneizado pelo mercado global regulador. Será, todavia, esse mercado regulador? Será ele global?
1 Disponível em: < portugues&palavra=global > Acesso em: 03.04.2011.
40
Mas quando vemos que se procura adotar o termo globalização para definir o
fenômeno contemporâneo, em que as casas, as cidades e os países parecem não
ter limites ou fronteiras, chegamos à ilação de que é inadequado, impróprio, já que
esse movimento não se dá de modo uniforme, global, por inteiro. Ao contrário, o
rompimento das fronteiras e das distâncias somente fez tornarem-se evidentes os
abismos que separam as realidades de povos inteiros quando comparados os
extremos existentes nesse cenário “globalizado”.
Isso nos permite refletir sobre a dualidade dos fatos, pois uma vez que o
comércio internacional tem contribuído para a expansão das capacidades humanas
e para a criação da interdependência entre os países, tem, em contrapartida,
auxiliado para acentuar as desigualdades existentes no mundo entre aqueles que
podem ou não participar do “jogo”. (PNUD, 2005). A circulação de informação e
riquezas pelas fronteiras não torna o produto do fenômeno globalizado, ainda mais
se apenas parte do globo goza dos benefícios desse trânsito ou se os recebem os
frutos continuam sendo os mesmos da época em que esse mecanismo não tinha
sido implantado. E, afinal, como está sendo a repartição do produto resultante desse
sistema interligado de produção, distribuição e consumo? Quem realmente decide o
que, para que, e por quem será produzido determinado produto? Será esta cadeia
inclusiva, cooperativa e solidária? Será a produção e consumo um processo
agregador e emancipatório ou será ele subordinado aos interesses dos países do
Norte?
Em resposta a estas questões, Milton Santos (2000, p.73-74) elucida:
Quando, porém, observamos de perto aspectos mais estruturais da situação atual, verificamos que o centro do sistema busca impor uma globalização de cima para baixo aos demais países, enquanto no seu âmago reina uma disputa entre Europa, Japão e Estados Unidos, que lutam para guardar e ampliar sua parte do mercado global e afirmar a hegemonia econômica, política e militar sobre as nações que lhes são mais diretamente tributárias sem, todavia, abandonar a idéia de ampliar sua própria área de influência. Então, qualquer fração de mercado, não importa onde esteja, se torna fundamental à competitividade exitosa das empresas. (...) Os países subdesenvolvidos, parceiros cada vez mais fragilizados nesse jogo tão desigual, mas cedo ou mais tarde compreenderão que nessa situação a cooperação lhes aumenta a dependência. Daí a inutilidade dos esforços de associação dependente face aos países centrais, no quadro da globalização atual. Esse mundo globalizado produz uma racionalidade determinante, mas que vai, pouco a pouco, deixando de ser dominante. É uma racionalidade que comanda os grandes negócios cada vez mais abrangentes e mais
41
concentrados em poucas mãos. Esses grandes negócios são de interesse direto de um número cada vez menor de pessoas e empresas. Como a maior parte da humanidade é direta ou indiretamente do interesse deles, pouco a pouco essa realidade é desvendada pelas pessoas e pelos países mais pobres.
Assim, o acirramento das desigualdades surge como outro predicado
marcante da sociedade pautada pelo consumo. Sim, porque, ao pesquisarmos o
contingente de riqueza no decorrer de algumas décadas, veremos que aumentou o
fluxo dos valores, mas o percentual dos beneficiados continua sendo o mesmo, o
que faz pensar que mudaram apenas as fórmulas de acumular riqueza, sem
distribuí-la. Furtado, em seu livro “Em Busca de Novo Modelo” (2002, p. 37), tece
reflexões quanto ao sistema de valores arraigado no pensamento do homem
moderno, quando menciona:
Começamos por indagar sobre as relações existentes entre a cultura como sistema de valores e processo de acumulação que está na base da expansão das forças produtivas. Trata-se de contrastar a lógica dos fins, que rege a cultura, com a lógica dos meios, razão instrumental inerente à acumulação puramente econômica.
Só para se ter uma ideia, atualmente 70% das transações comerciais do
mundo são realizadas pelas 200 maiores empresas transacionais e suas filiais
espalhadas pelo mundo, sendo que 45% ocorrem entre filiais de uma mesma
corporação. Em termos geográficos elas se distribuem dentro dos mesmos países
que figuram entre os mais ricos do mundo: Estados Unidos (74), Japão (41),
Alemanha (23), França (19), Reino Unido (13) e Suíça (6). (BADUE, 2005 p. 85).
Elas atuam em todas as atividades humanas e juntas contabilizam cerca de
20 bilhões de dólares, quase duas vezes mais que o produto interno bruto dos
Estados Unidos. (BADUE, 2005p. 85). Atualmente, para se produzir um único
produto, uma dezena de países são envolvidos, desde o processo de criação,
desenvolvimento e produção, sem contar o transporte e o fornecimento e utilização
de recursos naturais. (PNUD, 2005). Um bom exemplo desta dinâmica é o caso da
42
fabricação de produtos tecnológicos. Como o caso do XBOX da Microsoft,
mencionado no Relatório de Desenvolvimento Humano (2005, p.116):
Xbox da Microsoft – uma consola de jogos de alta tecnologia que contém tecnologia de ponta. O fabrico foi deslocalizado para uma empresa de Taiwan. Os processadores Intel são fornecidos por um dos onze locais de produção, incluindo a China, Costa Rica, Filipinas e Malásia. Os processadores gráficos são produzidos por uma empresa norte-americana numa fábrica em Taiwan, província da China. O disco rígido é montado na China, com componentes produzidos na Irlanda. O DVD-Rom é fabricado na Indonésia. A montagem final foi deslocada recentemente de Guadalajara, México, para a China.
Todavia, enganam-se aqueles que imaginam que o benefício econômico da
fragmentação da produção é compartilhado igualmente entre todos os elos da
cadeia. A maior quota do comércio ainda é dos que comercializam produtos de maior
valor agregado. “Grande parte do crescimento das exportações tem sido construído
com a simples montagem e reexportação de produtos importados, em fábricas
maquiladoras com progresso tecnológico limitado”. (PNUD, 2005, p.118). E aqueles
que não detêm reservas monetárias são naturalmente alijados no processo de opinar
quanto aos rumos que serão impostos aos mecanismos econômicos. E, se não
bastasse, quando um polo industrial fixa-se em um dado país em desenvolvimento, a
população das localidades envolvidas acaba-se vinculando aos novos hábitos, ao
fluxo do dinheiro, das informações e das oportunidades que, embora efêmeras,
acabam por gerar um pernicioso processo de dependência. Leciona Santos (2000, p.
48):
Com a ampliação do comércio produz-se uma interdependência crescente entre sociedades até então relativamente isoladas, cresce o número de objetos e valores a trocar, as próprias trocas estimulam a diversificação e o aumento de volume de uma produção destinada a um consumo longínquo. O dinheiro se instala como condição, tanto desse escambo quanto da produção de cada grupo, tornando-se instrumental à regulação da vida econômica e assegurando, assim, o alargamento do seu âmbito e a frequência do seu uso.
Mas aos figurantes nessa encenação resta apenas a partilha das sobras,
insuficientes para gerar riqueza ou desenvolvimento. O globalizado, aí, é o processo,
43
não o resultado, ainda reservado para uns poucos. O Gráfico 01, abaixo, evidencia
as distorções que esse processo gera no cenário econômico mundial. Em azul claro
aparecem os lucros com as exportações de cada bloco econômico em 1980; em azul
escuro, os mesmos lucros, agora em 2002; em preto, o percentual populacional
correspondente em 2002:
Gráfico 01: Exportações Mundiais Fonte: PNUD Relatório de Desenvolvimento Humano, 2005, p. 117
O que vemos dos números ali demonstrados é que, apesar da distribuição
mundial da produção ocorrida nos 22 anos que distanciam os comparativos, o bloco
composto pelos países da Europa Ocidental manteve sua participação nos lucros,
muito embora tenha “exportado” significativa parte de suas unidades produtoras. E,
em contrapartida, aqueles blocos que passaram a figurar no cenário econômico
mundial, não demonstraram significativo crescimento no quesito rendimento. Por
conta disso, o mesmo comércio internacional que proporcionou um crescimento
econômico nunca visto antes em países historicamente industrializados (BROWN,
2003), também isolou e marginalizou nações inteiras, fragilizadas pela dependência
que desenvolveram frente aos seus parceiros comerciais. Essa fragilização pode
atualmente ser traduzida pela impossibilidade de fruir de novas tecnologias,
retardando o desenvolvimento industrial e consequentemente a competição em
mercados mais dinâmicos e diversificados. (PNUD, 2005).
44
E essas disparidades espalharam-se por todo o cenário econômico mundial,
valendo a menção exemplificativa do caso da África Subsaariana que, com cerca de
689 milhões de habitantes, alcança índices infinitamente inferiores de exportações
se comparados com países como a Bélgica, com apenas 10 milhões de habitantes.
(PNUD, 2005, p. 10). O mesmo gráfico 01 demonstra também que a África
Subsaariana diminuiu sensivelmente as suas exportações no período em estudo.
Essa constatação permitiu que o relatório PNUD (2005, p. 10) pudesse afirmar, após
cálculos simples, que “se a África Subsaariana desfrutasse da mesma quota de
exportações mundiais que em 1980, os ganhos em divisas representariam cerca de
oito vezes mais o total da ajuda recebida em 2003”.
O processo de marginalização da África Subsaariana conduz-nos à reflexão a
respeito das práticas do comércio internacional e as suas consequências. Como será
possível pensar em sustentabilidade planetária, quando não possibilitamos que
países marginalizados participem do grande jogo econômico? Enquanto os países
ricos externamente salientam as virtudes de um mercado aberto, nas rodadas
internacionais de comércio, internamente especializam-se em desenvolver e aplicar
medidas protetivas de suas economias, mediante a concessão de subsídios
agrícolas, regras benéficas para fornecimento de empréstimos e investimentos,
regras de origem e barreiras protecionistas, que impedem uma divisão mais justa
dos benefícios da globalização para milhões de pessoas que vivem em países em
desenvolvimento, ávidas por desfrutarem dos benefícios do comércio internacional.
(PNUD, 2005). E naturalmente essa metodologia vem promovendo benefícios
somente a um dos lados nas negociações bi ou multilaterais, criando oligarquias
econômicas, impérios mundiais, aparentemente despreocupados com as
consequências potencialmente resultantes para os que não têm poder de ingerência
nas condições que regulamentarão as trocas internacionais.
Em uma época em que tanto se fala na criação de sistemas sustentáveis, que
se mantenham no tempo sem destruir as unidades de que depende, como se pode
defender a manutenção desse mecanismo? E mais, como defender a lógica de um
sistema igualitário sem a possibilidade de repartir a fatia deste grande “bolo” e
permitindo-se que milhares de pessoas sejam restringidas do gozo de seus direitos e
45
liberdades? Conclusão difícil de enfrentar é a de que política econômica mundial e
diretrizes de desenvolvimento social não caminham de braços dados.
Seria irreal pensar que todas as tensões existentes no mundo podem ser
resolvidas de uma hora para outra, conquanto a diminuição das disparidades sociais
e o combate à destruição ambiental sejam tarefas árduas e de longo prazo. Embora
muitas sejam as manifestações públicas, e numerosas as declarações de
personalidades voltadas à sensibilização das comunidades, o fato é que pouco tem
sido feito, de efetivo, na tentativa de serem encontradas soluções ecológica e
socialmente viáveis, e que ao mesmo tempo possam sustentar um modelo
econômico mundial que não seja meramente utópico. Outrossim, mais do que
depressa é necessário colocar em pauta de discussão um mecanismo de
desenvolvimento de projetos, regras, termos e estruturas mais justas, distributivas e
equitativas, que viabilizem a inclusão de pequenos produtores no comércio
internacional, culminando em mudanças significativas na luta contra a pobreza.
2.5. CONSUMO E MEIO AMBIENTE
Segundo Santos (2000, p. 9), “vivemos num mundo confuso e confusamente
percebido”, pois apesar dos grandes avanços tecnológicos concebidos no último
século, do encurtamento das distâncias, da difusão instantânea das informações por
conta do advento da internet e de um mercado dito globalizado, o que se vê, ao
contrário, é um aceleramento das relações cotidianas e um consumo descontrolado
de recursos naturais. Mesmo os ardorosos defensores da manutenção do atual
mecanismo de normas e hábitos econômicos compreendem e se curvam à realidade
de que esse modelo está rapidamente caminhando para o completo esgotamento.
Embora nenhum país tenha conseguido o desenvolvimento econômico na era
industrial sem a urbanização e, por conseguinte sem os prejuízos econômicos,
sociais, demográficos e ambientais, o crescimento urbano verificado no século 20 e
o esperado para as próximas décadas alcançará tamanho e complexidade sem
precedentes (UNFPA, 2007). Nos ambientes urbano, rural os reflexos do progresso,
norteado pelos valores atuais, são igualmente sensíveis.
46
Se há poucos anos a humanidade havia vivido predominantemente em zonas
rurais, essa não é mais a realidade presente. Atualmente, pela primeira vez na
história, mais de cinquenta por cento da população mundial vive em regiões urbanas,
ou o equivalente a 3,3 bilhões de pessoas. (UNFPA, 2007). Especula-se que esses
números devem aumentar vertiginosamente nos próximos anos, alcançando a marca
de 5 bilhões de pessoas vivendo em cidades até o ano de 2030, e 6,4 bilhões até
2050. (UNFPA, 2007; UN-HABITAT, 2008/9).
O crescimento urbano é consequência de diversos fatores, tais como
localização geográfica, aumento populacional, migração rural-urbana e urbana-
urbana, infraestrutura, políticas públicas (bem como ausência delas) e muitos outros
de ordem econômica, social, política e ambiental, e é simples verificarmos que esse
fenômeno vem se expandindo por todos os territórios. (UN-HABITAT, 2008/9, p. 6).
O Gráfico 02, abaixo, procura estabelecer a forma como se dará o
desenvolvimento futuro, com base no crescimento passado, das regiões urbanas e
rurais, por conta do modelo econômico atual. Os números estimados demonstram
que os núcleos desenvolvidos urbanos aumentarão de forma pouco representativa
até 2050. Os núcleos desenvolvidos rurais tendem a sofrer uma queda,
inversamente proporcional ao crescimento urbano.
Gráfico 02: População urbana e rural no mundo, 1950 – 2050 Fonte: UN- ECONOMIC AND SOCIAL AFFAIRS - World Urbanization Prospects. The 2007 Revision
47
O temeroso, contudo, está na perspectiva de crescimento representativo das
populações urbanas e rurais pouco desenvolvidas. A população urbana mundial
cresceu significativamente no último século. Enquanto nos países desenvolvidos
esse crescimento deve permanecer praticamente inalterado (de 900 milhões em
2005 a 1,1 bilhões em 2050), devido às baixas taxas de crescimento natural e
fertilidade em algumas regiões, o crescimento populacional em países em
desenvolvimento, como os da África e da Ásia, deverão contribuir significativamente
para o aumento dos números. (UNFPA, 2007; UN-HABITAT, 2008/9).
Ilustração 03: Percentual da População Urbana em áreas em 2007, 2025 e 2050 Fonte: UN- ECONOMIC AND SOCIAL AFFAIRS - World Urbanization Prospects. The 2007 Revision, p.6
48
Estima-se que entre 2000 e 2030 ambos os continentes em expansão
apresentarão um crescimento populacional duas vezes maior que os demais países,
em uma única geração. A ilustração 03 mostra a distribuição da população urbana
pelo mundo, dando as estimativas para as alterações nesse percentual até os anos
de 2025 e 2050. Se as previsões se realizarem, a Ásia sozinha acolherá 63% de
toda a população global, ou seja, 3,3 bilhões de pessoas, próximo ao ano de 2050,
seguida pela África, com 1,2 bilhões, ou seja, um quarto de toda a população do
planeta (UNFPA, 2007; UN-HABITAT, 2008/9, UN-ECONOMIC AND SOCIAL
AFFAIRS, 2007).
Os reflexos ambientais dessa rápida transformação, sem precedentes na
história da humanidade, podem ser perturbadores. Se, ao menos, fosse essa a única
repercussão pessimista no campo ambiental. Mas infelizmente há outros aspectos
que podem pesar na balança do futuro. O movimento desenvolvimentista, que já
vinha utilizando irrestritamente os recursos naturais na Europa Ocidental e na
América do Norte, estendeu seus ambientes de busca e depredação para os confins
do planeta, inexplorados até meados do século passado.
Como resultado de um processo natural, em que se valoriza o consumo de
recursos naturais não renováveis, embora os países industrializados tradicionais
dispusessem, até a entrada dos anos 1990, de parques de produção avançados e
pessoal preparado para administrá-los, começaram a se ressentir da falta de
matéria-prima, que aos poucos se esgotava em seus próprios territórios. Mas como a
lógica do sistema não permite que as estruturas industriais simplesmente deixem de
existir e produzir, o recurso aos estoques do então chamado Terceiro Mundo foi
inevitável, criando uma aparente vinculação das grandes potências às nações do
Sul.
A partir de então, para se manterem ativas, as grandes corporações mundiais
trataram de travar relações entre elas e também com novos atores, fornecedores de
mão-de-obra e matéria-prima, mais fartos e baratos, oriundos de todos os cantos do
globo. Para Sachs (2007, p. 288), “a comunidade mundial de nações está cada vez
mais interdependente. E essa interdependência envolve diferentes tipos de relações:
49
aquelas mutuamente benéficas e simétricas e relações de dominação assimétrica e
irreversível”.
Esta interdependência é vista claramente no relatório criado pela rede World
Wildlife Foundation, desde 1998, chamado Planeta Vivo, que tem o objetivo de
“mostrar o estado do ambiente natural e o impacto exercido por atividades
humanas”, por meio de um instrumento denominado 'pegada ecológica'”. (WWF,
2006, p. 1, tradução nossa). Segundo esse relatório (WWF, 2008, p. 28), a pegada
ecológica do comércio internacional revela “tanto a magnitude da demanda sobre a
biocapacidade estrangeira quanto à localização dos ativos ecológicos em que
produtos e serviços dependem”. Ela também conecta o consumo local com a
ameaça da biodiversidade em países distantes ”2, resultando em incisivos pontos de
vista, como o defendido por Dowbor (2007, p.69):
Parece bastante absurdo, mas o essencial da teoria econômica com a qual trabalhamos não considera a descapitalização do planeta. Na prática, em economia doméstica, seria como sobrevivêssemos vendendo os móveis, a prata da casa, e achássemos que com este dinheiro a vida está boa, e que, portanto estaríamos administrando bem a nossa casa. Estamos destruindo o solo, a água, a vida nos mares, a cobertura vegetal, as reservas de petróleo, a cobertura de ozônio, o próprio clima, mas o que contabilizamos é apenas a taxa de crescimento.
Por meio destas informações, ao analisar os números de importação e
exportação dos 27 países da União Europeia para os 20 maiores parceiros
(ilustração 04), verificamos que apesar de possuir menos de 8% da população
mundial, apresentam cerca de 13% e 10% respectivamente de bens comercializados
internacionalmente. Equivale dizer que a União Europeia utilizou 18% da
biocapacidade nacional em importações em 2005, ou seja, um aumento de 73% na
utilização de sua biocapacidade em importação em menos de meio século (WWF,
2008, p. 28), como ressaltado na ilustração 04, abaixo.
E se torna muito interessante verificarmos alguns casos singulares, como o
da China, que com uma pegada ecológica menor que a dos países Europeus (tendo
em vista a quantidade de habitantes do país), utilizou, assim como os países
europeus, mais que o dobro da sua biocapacidade nacional. (WWF, 2008, p.29).
2 “The magnitude of demand on foreign biocapacity and the location of the ecological assets on which
products and services depend. It also helps connect local consumption to distant biodiversity threats”.
50
Ilustração 04: Pegada Ecológica de Importações e Exportações da UE 27 e 20 maiores parceiros Fonte: WWF: Living Planet Report, 2008, p. 28
Importa ainda salientar que esse processo de industrialização ocasiona
reflexos expressivos e difusos. A título de ilustração, vemos que os países em
desenvolvimento do Leste Asiático vêm apresentando taxas de crescimento muito
maiores do que a dos países industrializados nos últimos anos, o equivalente a 7%
de crescimento anual desde 1990. (BROWN, 2003, p. 21).
A China, por exemplo, em 2005 apresentou um déficit em biocapacidade de
aproximadamente 165 milhões de hectares globais, mais que a biocapacidade de
países como a Alemanha e a Bolívia. (WWF, 2008, p. 29). Ao analisar a pegada
ecológica de importações e exportações da China com os seus 20 principais
parceiros (ilustração 5), é possível identificar um considerável aumento de 5% para
9% em importações e de 1% para 6% em exportações em aproximadamente meio
século (WWF, 2008, p. 29), como demonstra a ilustração 05, abaixo:
De acordo com os dados do Living Planet Report, 2008, o consumo de bens e
serviços comercializados entre as nações aumentou de 8% para 40% entre os anos
de 1961 a 2005. Nessa mesma toada, países de alta renda apresentaram um
aumento de 12% para 61%, enquanto países de renda média, de 4% para 30%, e
países de renda baixa, de 2% para 13%, entre o período de 1961 e 2005. A análise
51
dessas informações leva-nos a concluir que muitos países desenvolvidos vêm
exteriorizando a “pegada ecológica”, ou seja, utilizando recursos naturais de países
em desenvolvimento em detrimento de satisfazer as próprias demandas de
consumo. E embora nos países em desenvolvimento também tenha crescido a
movimentação comercial, foi ela bem menos significativa que naqueles em que o
progresso econômico é mais pujante.
lustração 05: Pegada Ecológica de Importações e Exportações da China e 20 maiores parceiros comerciais Fonte: Living Planet Report, 2008, p. 29
Enrique Leff (2001, p.26), economista mexicano, salienta que o discurso da
estratégia global “aparece como um olhar glutão que engole o planeta e o mundo,
mais do que como uma visão holística capaz de integrar os potenciais sinergéticos
da natureza e os sentidos criativos da diversidade cultural”, fazendo crer que as
tentativas de criação de um mercado universal vêm redundando em uma polarização
ainda mais acentuada do cenário econômico planetário. A simples integração das
comunidades ao mercado, por conseguinte, não vem resultando em crescimento
para elas, mas em mais evidente exploração.
E a despolarização do consumo de recursos naturais somente ocorre por
conta do completo esgotamento a que as economias industriais sujeitaram suas
próprias reservas. E o paradoxal é que esses processos de universalização do
52
fornecimento de recursos ambientais, concorrentemente ao partilhamento das etapas
produtivas, embora não entreguem riqueza a todos os continentes e países, criam
um processo de globalização dos déficits ecológicos (outra herança infeliz que tende
a ser deixada às próximas gerações pela atual sociedade de consumo).
Tanto é assim que hoje, com meios científicos mais apropriados e
sistemáticos voltados à pesquisa dessas informações, segundo dados
disponibilizados pelo relatório “Living Planet, 2008”, se continuarmos com o mesmo
pensamento que vem norteando as nossas escolhas nos últimos tempos,
privilegiando o lucro em detrimento da capacidade reguladora da natureza, no ano
de 2030 serão necessários dois planetas para suprir a demanda da humanidade por
bens e serviços. A mudança climática, que já se admite ter sido ocasionada pelo ser
humano, é a mais clara demonstração da má utilização dos recursos naturais, uma
vez que muitos dos problemas socioambientais estão associados à crescente
utilização recursos naturais não renováveis, ao aumento da produção, do
desperdício, da emissão de poluentes e ao uso indevido da terra. (SERI, GLOBAL
2000, FRIENDS OF THE EARTH EUROPE, 2009).
Essa demanda exacerbada dos ecossistemas traz hoje como consequência a
abundância de resíduos tóxicos liberados na atmosfera, a escassez de água, o
aumento da temperatura global, a destruição de ecossistemas, bem como a extinção
de espécies vegetais e animais, dentre outros prejuízos, que ultrapassam o âmbito
local para transformar-se em preocupação global. (WWF, 2008, p. 2). Embora os
valores dos recursos energéticos tenham aumentado consideravelmente nos últimos
anos, em virtude da escassez e da crescente demanda de países emergentes, os
benefícios de sua exploração ainda não cobrem ou compensam as perturbações
causadas ao planeta, significativamente responsável pelo risco à vida na Terra.
(SERI, GLOBAL 2000, FRIENDS OF THE EARTH EUROPE, 2009; BROWN, 2009).
Estima-se que o consumo global da humanidade, em termos de recursos
naturais, tenha superado a capacidade regenerativa do planeta em 30% nos dias
atuais e contribuído para a extinção de aproximadamente 1686 espécies nos últimos
35 anos. (WWF, 2008, p. 2). Realizando uma análise dos dados apresentados na
ilustração 06, verificamos que na década de 1960 grande parte do planeta possuía
crédito em relação à biodiversidade existente, quer dizer que os países tinham
53
capacidade suficiente para atender sua própria demanda, com exceção dos
primeiros países industrializados, que já apresentavam, naquela época, um déficit de
até 50%. (WWF, 2006, p. 17).
Ilustração 06: Países ecologicamente credores e devedores, 1961 - 2005 Fonte: WWF. Living Planet Report 2008, p.3
Entretanto, ao analisar os dados de 2005 é possível constatar que com o
passar do tempo os impactos do tão sonhado desenvolvimento e da crescente
demanda da humanidade com relação aos recursos naturais tornaram-se evidentes.
Podemos, num mundo tão complexo, capitalista, globalizado, e, por conseguinte tão
dependente da produção em massa, ser coerentes com os limites impostos pela
natureza? Como podemos estabelecer limites à exploração dos recursos naturais
para a produção e descarte? Serão esses limites igualmente aplicáveis a todos?
Países que outrora possuíam certa reserva de recursos naturais passaram a
depender da importação de recursos advindos de outros países, menos
desenvolvidos, mas com maior potencial ecológico. (WWF, 2006, p. 17). De acordo
com essas informações, podemos concluir que nem a economia nem tão pouco a
biocapacidade estão uniformemente distribuídas no mundo, uma vez que Estados
Unidos, Brasil, Canadá, Índia, Argentina e Austrália possuem cerca 50% da
biocapacidade do planeta. Leff (2001, p. 404) convida-nos a refletir a respeito da
54
insustentabilidade do planeta e da necessidade de reconduzir o desenvolvimento
para o equilíbrio, gerando benefícios para todos os que nele coabitam:
Se entendermos o problema da insustentabilidade da vida no planeta como sintoma de uma crise de civilização – dos fundamentos do projeto societário da modernidade -, será possível compreender que a construção do futuro (sustentável) não pode apoiar-se em falsas certezas sobre a eficácia do mercado e da tecnologia – nem sequer da ecologia – para encontrar equilíbrio entre crescimento econômico e preservação ambiental. A encruzilhada em que o novo milênio abre seu caminho é um convite à reflexão filosófica, à produção teórica e ao julgamento crítico sobre os fundamentos da modernidade, que permita gerar estratégias conceituais e praxeológicas que orientem um processo de reconstrução social.
E nesse cenário em que os temas ligados ao ambiente surgem como fator de
relevante papel, e como alternativa clara ao modelo capitalista pautado pelo
consumo. Dados como estes aqui apresentados nos fazem refletir que o “mito” do
desenvolvimento e o modelo de “sociedade moderna”, prometido nos último século
aos países em desenvolvimento não é social, ambiental e economicamente
sustentável. (WWF, 2008; MORIN e KERN, 1995).
Conquanto o cenário futuro possa ser claramente previsto com relação à
expansão das populações, no que toca ao aspecto econômico, caso não se altere a
equação com brevidade, os dias de amanhã já podem também ser projetados. E não
serão gloriosos. Questões como a expansão urbana, aumento populacional, estilos
de vida (consumo) e aquecimento global contribuirão cada vez mais para intensificar
as disparidades existentes em todo o planeta. (UN-HABITAT, 2008/9).
2.6. CONSUMO E SOCIEDADE
Se fôssemos reunir em uma mesma cesta todos os pontos positivos e
negativos colecionados pelo modelo capitalista, da maneira como ele foi concebido,
verificaríamos que toda a força com que ele foi implementado ocasionou uma série
de movimentos sociais a ele contrários e que aos poucos acabaram por delimitar
algumas margens para o seu crescimento. A inclusão da mulher no processo
produtivo, a conquista dos direitos sociais pelos trabalhadores, a diminuição do
55
índice de mortalidade infantil, o estabelecimento de limites éticos para o comércio, a
indústria e a propaganda, dentre tantos outros, de alguma forma firmaram-se na
plena vigência e pujança do modelo capitalista atual e acabaram por se revelar
avanços e vitórias sociais, hoje inatacáveis. (MORIN e KERN, 1995).
E, de certa forma, uma das principais motivações para que o processo
industrial e comercial se alastrasse mundialmente, chegando aos rincões mais
pobres do planeta, deve-se justamente à constatação de que nem todas as
sociedades estão protegidas por regras claras contra a exploração do ser humano e
de seu meio por outro ser humano. Muitos dos países que acabaram por abrigar
indústrias expatriadas, somente foram escolhidos por não manterem limites éticos
nas regras trabalhistas e sociais, por protegerem e gerarem regimes de semi-
escravidão, utilizarem mão-de-obra infantil e não fixarem barreiras ambientais e
protecionistas. (ANDERSON; AMODEO; HARTZFELD, 2010).
Por vezes se pode perguntar o motivo pelo qual esse modelo se perpetua, se
os produtos sociais, econômicos e ecológicos resultam ser em sua maior parte
negativos e destruidores.3 E essa dúvida ainda se torna mais paradoxal quando
verificamos que no que toca ao lucro e riqueza, o capitalismo não se apresenta como
algo de desempenho impecável. A propaganda e o estímulo, entretanto, cumprem
sua tarefa: todos querem ser expoentes do modelo capitalista. Os valores pessoais
dos indivíduos acabam sendo subvertidos e delineados. Furtado (2002, p.25) até
comenta que diversos países subdesenvolvidos buscaram imitar os elevados
padrões de consumo dos países industrializados em seus processos
desenvolvimentistas:
Portanto, a crise que aflige o nosso povo não decorre apenas do amplo processo de reajustamento que se opera na economia mundial. Em grande medida ela é o resultado de um impasse que se manifestaria necessariamente em nossa sociedade, a qual pretende reproduzir a cultura material do capitalismo mais avançado, privando assim a grande maioria da população dos meios de vida essenciais.
3 Santos, B (2005, p.24), a ideia tatcherista de que não “há alternativas” ao capitalismo neoliberal conseguiu nos dias atuais um nível de aceitação sem precedentes. Ganhando credibilidade, entre os círculos políticos e intelectuais progressistas, e sendo transformada em uma profecia autorrealizadora (BAUMAN, 2008 p.182).
56
Como Morin e Kern (1995, p.83) colocam magistralmente, “nossa civilização,
modelo de desenvolvimento, não estará ela própria doente do desenvolvimento?”
Assim, vemos que negar a importância e o apelo que as vertentes econômicas
atuais exercem sobre as pessoas, seus líderes, corporações e sociedades não
resolveria a questão ligada à busca de uma alternativa suficientemente sólida a
ponto de enfrentá-las em paridade de condições. Curiosamente, em uma sociedade
adoecida, como a do homem contemporâneo, poucas alternativas erigem-se.
Notemos também que se temos por um lado parcela da humanidade que se
beneficia diretamente do produto do modelo econômico das sociedades em que
estão inseridas, não tendo interesse na modificação do status quo, por outro, os
despossuídos e marginalizados, muito embora afastados de qualquer possibilidade
de atingirem os objetivos tidos por essa mesma sociedade como valiosos, mantêm-
se fiéis ao mecanismo. E essa última parcela social, o que merece também
significativa menção, até certo ponto mantém-se hipnotizada, vidrada, seduzida
pelos desejos da posse, tão apaixonantes quanto irrealizáveis.
Destarte, os que detêm tudo não desejam mudar, por medo de perder; os que
nada têm, não querem mudar, ou porque imaginam que um dia terão, ou porque
suspeitam que nada podem fazer nesse sentido. É o mecanismo perfeitamente
engendrado em que a fome gera impotência, que gera submissão, que gera
pobreza, que gera, para outros poucos, poder e riqueza. Um ciclo perverso e que se
mantém ao preço da dignidade humana.
Estudos demonstram que as desigualdades atuam diretamente na
capacidade do ser humano de ser e de fazer. Crianças do sexo feminino, indígenas,
ou que tenham nascido em famílias de baixo poder aquisitivo, apresentam maior
risco de morte na infância e, consequentemente, menos oportunidades de
desenvolver as suas capacidades humanas. (PNUD, 2005, p. 51). Conquanto a
retórica da redução da pobreza e do desenvolvimento sustentável seja apresentada
como prioridade nos discursos globais, há muito por se fazer para que as
desigualdades no mundo sejam menos ameaçadoras.
Amartya Sen, economista indiano, ganhador do Prêmio Nobel de Economia,
defende que o desenvolvimento não pode ser tomado unicamente pela análise de
índices que refletem parcialmente a realidade humana (como o crescimento do
57
produto interno bruto ou o crescimento nacional bruto), mas pela expansão das
liberdades substantivas. Afirma o ilustre economista que:
[...] a razão para considerar tão crucial a liberdade substantiva é que a liberdade é não apenas a base da avaliação de êxito e fracasso mas também um determinante principal da iniciativa individual e da eficácia social. Ter mais liberdade melhora o potencial das pessoas para cuidar de si mesmas e para influenciar o mundo, questões centrais para desenvolvimento. (SEN, 2000, p. 33).
Segundo o mencionado autor, o alargamento de direitos, oportunidade e
habilitações constitui papel instrumental da liberdade, por meio do qual o
desenvolvimento e o enriquecimento da vida humana são promovidos. Continua o
professor indiano mencionando que a ausência das liberdades substantivas
(desigualdades) pode se apresentar nas mais variadas formas: seja por meio da
marginalização de um determinado país dentro de uma economia globalizada, da
impossibilidade de participar ativamente da política, da desigual distribuição de
renda, dos altos índices de desemprego, da fome, do acesso aos sistemas de saúde,
da destruição da natureza, do acesso desigual à educação e às tecnologias de
comunicação, entre outros. (UN-HABITAT, 2008/9; SEN, 2000).
As desigualdades baseadas na riqueza raramente ocorrem de forma isolada e
trazem consequências internas para todos os envolvidos; englobam pessoas de
ambos os gêneros, ricos e pobres, em áreas urbanas e rurais e influenciam
drasticamente o desenvolvimento humano nessas localidades. (PNUD, 2005).
E poderíamos pensar que nos locais em que há números mais expressivos de
necessitados as desigualdades equivaleriam e os equilíbrios surgiriam em meio à
pobreza. Mas não, não é isso o que se verifica. Países em desenvolvimento
apresentam maiores níveis de desigualdade se comparados com países
desenvolvidos (PNUD, 2005). Se poder e dinheiro não promovem oportunidades
suficientes para todos, nos recantos em que esses elementos estão irregularmente
distribuídos as oportunidades demonstram ser ainda mais rarefeitas,
individualizadas, adquiridas e distribuídas segundo critérios decorrentes do
estabelecimento de privilégios e favorecimentos. Todavia, conforme menciona
Muhammad Yunus (2006, p. 97), economista, ganhador do prêmio Nobel da Paz, em
58
seu livro “Banqueiro dos Pobres”, muitos são os fatores que levam a situações de
pobreza e, por isso, definir por meio de critérios teóricos quem é “pobre” é muito
difícil, complementando ele:
Essa vontade de definir quem é pobre e quem, entre os pobres, tem mais necessidade de ajuda não decorre de uma busca de conceituação ideal ou detalhismo, mas de uma preocupação com a eficácia. Na ausência de linhas de demarcação claras, todos os que trabalham nesse campo e tentam aliviar os piores sofrimentos transpõem sem perceber a fronteira que separa os pobres dos não pobres.
Tendo por base que uma região é diferente da outra e considerando a
informação de que “ter 10 hectares de terra coloca uma pessoa ao lado dos ricos
num país fértil e ao lado dos pobres num país desértico” (YUNUS, 2006, p. 97),
torna-se mais compreensível verificar o que caracteriza a pobreza e como se dá a
sua distribuição nos solos pisados pelo homem. A ilustração 07 faz uma alusão à
forma como se dá a distribuição da riqueza no mundo, tornando clara a informação
de que a disparidade entre países do chamado Primeiro Mundo é gritante na
comparação com os menos privilegiados, em sua maior parte situados na África
Subsaariana, Índia, e Sul da Ásia.
Ilustração 07: Níveis de distribuição da riqueza no ano 2000 Fonte: DAVIES et al. The distribution of global household wealth. unu/wider, 2008
O rendimento dos 500 indivíduos mais ricos do mundo é equivalente ao
conjunto do rendimento de aproximadamente 416 milhões dos mais pobres. Ou seja,
59
40% da população, que vive com menos de 2 dólares/dia, que estão em países da
África, Pacífico Asiático, América Latina e Caribe, representam tão somente 5% do
rendimento mundial, ao passo que os 10% mais ricos, que estão localizados nos
países da América do Norte, Europa, Japão, Austrália, Nova Zelândia, representam
cerca de 54% do rendimento mundial. (PNUD, 2005).
Nesse contexto, equivale dizer, de forma ilustrativa, que o rendimento global
assemelha-se a uma taça de champanhe (conforme ilustração 08); em seu topo,
20% dos mais ricos detêm 75% da renda mundial, enquanto 40% detêm 5%, ao
passo que na fase intermediária encontram-se os 40% que detêm 20% do todo. E
quando verificamos os 20% mais pobres, constatamos que eles detêm apenas 1,5%
da riqueza total. (PNUD, 2005). A conclusão a que se pode chegar, do contraste
entre o proveito econômico e distribuição, conduz a uma só conclusão: precisam ser
pensadas alternativas que abranjam também um novo olhar sobre as desigualdades
sociais.
Ilustração 08: Rendimento mundial Fonte: PNUD - Relatório de desenvolvimento humano. 2005, p. 37
Como os fenômenos de distribuição irregular da riqueza não detêm
características que façam pressupor serem um problema isolado e passageiro, mas
crônico e mundial, todos os dados levam à crença de que a desigualdade na
60
inclusão de pessoas no processo produtivo está diretamente ligada aos óbvios
desequilíbrios planetários. Bauman traz contribuições neste sentido, mencionando
que as imagens vinculadas na mídia, relacionadas às degradantes situações de
miséria no mundo, são parciais mostras da verdadeira realidade:
Acrescentemos que toda associação das horrendas imagens da fome apresentadas na mídia com a destruição do trabalho e dos postos de trabalho (isto é, com as causas globais da pobreza local) é cuidadosamente evitada. As pessoas são mostradas com sua fome, mas, por mais que os espectadores agucem a visão, não verão um único instrumento de trabalho, uma única faixa de terra arável ou uma só cabeça de gado nas imagens, nem ouvirão qualquer referência a nada. (BAUMAN, 1999, p. 71)
Forçoso é concluir que as terras que abrigam os povos miseráveis não
apresentam qualquer recurso que esteja à mão dos menos favorecidos. Sem
qualquer perspectiva de melhora, esses indivíduos veem-se incluídos em um ciclo
que abriga miséria, ausência de instrução, desaparecimento do emprego, completo
abandono. E mesmo que os recursos capazes de amainar o sofrimento estejam
muito próximos, diversas são as razões que os tornam inacessíveis. E ao
aprofundarmos o olhar nas localidades em que a pobreza é mais significativa,
constatamos que para determinados segmentos ela pode ainda ser mais severa.
No que tange às diferenças de sexo, por exemplo, os números são
emblemáticos. Segundo dados da ONU, as mulheres representam cerca de 50% da
população mundial, mas detêm apenas um por cento da riqueza do mundo. No que
tange à empregabilidade, esses números são muito expressivos, uma vez que 75%
das mulheres não podem adquirir empréstimos financeiros, em virtude dos baixos
rendimentos, por não terem direito à propriedade ou simplesmente por não serem
remuneradas pela sua cota de trabalho, vivendo muitas vezes em situações sub-
humanas.4
A pobreza das mulheres, por decorrência lógica, leva à sua precária
educação, à carência alimentar de seus filhos, à ausência de estímulo e perspectivas
de um futuro melhor, perpetuando o estado de miserabilidade. Sendo assim, vencer
desigualdades dessa natureza poderia produzir amplos efeitos sobre a desnutrição e
Disponível em: < http://www.undp.org/poverty/ focus_gender_and_poverty.shtml> Acesso em: 08.04.2011.
61
perda de peso em crianças, gerando melhores perspectivas e bem-estar, reduzindo
a pobreza das gerações futuras. (UNFPA, 2010; PNUD, 2005, YUNUS, 2006).
As desigualdades de gênero, de renda e de oportunidades em que vive
grande parte da população de Bangladesh, apenas a título ilustrativo, perpetuam-se
pela dificuldade de aferir empréstimos ínfimos, na conta de U$ 27, que lhes permita
independência financeira momentânea, a fim de que possam levar adiante seus
negócios, por meio da compra de matérias-primas e equipamentos. Sem essa
mínima possibilidade, até certo ponto irrisória, uma família inteira remanesce
destinada ao abandono, na maioria dos casos, pela existência inteira. (YUNUS,
2006).
Ou seja, a desigualdade não representa uma questão exclusiva da
disparidade de renda e ou gênero, nem uma circunstância que afasta as pessoas da
possibilidade de serem ricas, mas a necessidade de inclusão digna no mercado
produtivo da população desempregada, promovendo autonomia do indivíduo de
forma tal que ele seja capaz de satisfazer as necessidades básicas de subsistência.
(LOPES, C.; SACHS, I.; DOWBOR, L., 2010). Transparece a clareza da conclusão
de que é mais uma questão de ausência de oportunidades do que propriamente de
inexistência de soluções possíveis. É evidente que em um cenário em que as
diferenças sejam tão eminentes, a apuração da forma e do montante dos
investimentos sociais e públicos somente poderia se revelar também paradoxal.
De acordo com Lopes, Sachs e Dowbor (2010 p. 12), em 2008 o investimento
em armamento alcançava a cifra de 3 trilhões de dólares, ou seja, 284% a mais do
que era em 1998, sendo bem ilustrativo o quadro 02, ao definir a forma como se dá a
distribuição dos investimento, em diversas áreas, de acordo com a característica
geográfica predominante. Como se vê, tais informações são muito úteis para a
compreensão da dimensão das incongruências e desigualdades. Torna-se evidente
que criar, do zero, condições para todo um país ou todo um continente submerja da
absoluta pobreza para a autossustentabilidade, sem que se desenvolvam projetos
simples ligados à criação de microoportunidades, permanecerá como uma tentativa
utópica de resolver a questão.
62
Quadro 02 – Gastos anuais em dólares - 1998 Fonte: LOPES, C.; SACHS, I.; DOWBOR, L. Crises e oportunidades em tempos de mudança (2010, p. 12)
Se há problemas crônicos de desestrutura e desorganização, de ausência de
oportunidades de estudo e educação, a revolução há de ser implementada na
própria rede de relações já existentes. Como vemos no relatório da ONU:
O emprego informal representa entre a metade e três quartos do emprego não agrícola na maioria dos países em desenvolvimento. A parte dos trabalhadores informais, na força de trabalho não agrícola, varia entre 48% na África do Norte e 51% na América Latina e o Caribe, atingindo 65% na Ásia e 78% na África Subsaariana. (UN – The Inequality Predicament, New York, 2005, p. 30, apud LOPES,C.;SACHS,I.;DOWBOR,L, 2010).
A parcela miserável do mundo, portanto, não está no estado em que se
encontra por conta do número de universidades ou de empregos formais, mas
porque sua população, em sua maioria desqualificada, não tem oportunidades de
subsistência, nem possibilidades futuras de melhoria. Assim desenvolve-se a
mentalidade da mais completa desesperança, incapaz de promover revoluções
63
econômicas. Quando Yunus (2006, p. 283) foi questionado a respeito dos interesses
que permitem que a mentalidade geradora de pobreza perpetue-se, respondeu:
Ora, os economistas só reconhecem um único tipo de emprego: o emprego assalariado. Em suas obras nunca se fala de trabalho autônomo. No mundo concebido pelos economistas, supõe-se que passamos a infância e parte da juventude num esforço incessante para estar em condições de conquistar nossos empregadores potenciais. Quando estamos prontos, apresentamo-nos ao mercado de trabalho, e quando não se encontra um empregador os aborrecimentos começam. Os que moram nos países industrializados devem se resignar a uma vida de beneficiários do amparo social; e os que moram nos países subdesenvolvidos, a uma existência de pobreza e miséria.
Começamos, assim, a delinear um novo formular de ideias, abandonando os
fatores macroeconômicos e fixando o olhar no micro mais micro, numa forma de
pensar em que a capilaridade seja tão bem distribuída, cobrindo tantos pontos, que
seus reflexos acabem influenciando tanto e a tantos que em determinado momento a
produção e distribuição de riqueza deixe de ser fator de empobrecimento.
2.7. A NECESSIDADE DE UMA NOVA ALTERNATIVA
Como resultado do que foi descrito até aqui, percebemos uma série de
transformações econômicas, ambientais, sociais e culturais pelas quais vem
passando o planeta nas últimas décadas. É fato que em praticamente todo o mundo
as pessoas estão cada vez conscientes do impacto que o ato da compra pode
exercer nas condições de vida da população e no meio ambiente em países em
desenvolvimento. Todos, em algum nível, temos o conhecimento de que a decisão
de adquirir um determinado bem repercute em uma cadeia de indivíduos e
empresas, marcados por um vínculo de dependência.
A economia neoclássica, assume frequentemente que o consumidor exerce
uma certa soberania sob as sua escolhas, contudo isto não passa de uma
mistificação, conquanto “é a empresa quem controla o comportamento do mercado,
dirigindo e configurando atitudes sociais e as necessidades, impondo seus próprios
64
objetivos como objetivos sociais” (CARON; SEQUINEL, 2010 p. 38). Conforme bem
menciona Portilho (2005, p.94):
A teoria de escolha do consumidor parte da hipótese da racionalidade: o consumidor escolhe, no universo de opções disponíveis, a combinação coerente de bens que maximize sua satisfação ou sua função de utilidade Essa teoria pressupõe que os atores econômicos mantêm-se coerentes consigo mesmos dentro de uma determinada estrutura de comportamentos e escolhas.
Já para Morin e Kern, “a economia mundial é cada vez mais um todo
interdependente: cada uma das suas partes tornou-se dependente do todo, e,
reciprocamente, o todo sofre as perturbações e vicissitudes que afetam as partes”. O
ideal a ser seguido, pois, cada vez mais permite concluir que é o de um sistema em
que suas arestas se tangenciem; em que o modelo econômico implementado
unifique e iguale, desenvolva e enriqueça uniformemente. (MORIN; KERN, 1995;
ANDRADE, 1975).
Preocupações com respeito às leis trabalhistas, condições de trabalho
seguras e saudáveis, sustentabilidade ambiental e equidade de gênero na produção
são exigências cada vez mais cobradas pelos consumidores, especialmente com a
popularização das condições com que os produtos são desenvolvidos em nações
emergentes como Índia, China e Paquistão, bem como do impacto sócio-econômico-
ambiental decorrentes dessa produção. Movidos por uma nova onda de consciência,
grupos de consumidores têm impulsionado a criação de diretrizes e mesmo exigido a
revisão de procedimentos comerciais e industriais potencialmente lesivos, prática
esta que não se poderia cogitar poucos anos atrás.
Boicotes organizados com abrangência mundial e correntes de informações
transitando em tempo real, ambos contando com ampla divulgação pelo meio
eletrônico, já não podem ser menosprezados como meio eficaz de forçar a revisão
de hábitos de produção e distribuição de produtos. A tecnologia, nesse pormenor,
tem servido como eficaz meio de fiscalização e regulação das atividades comerciais,
como bem enfatiza Dowbor:
65
É interessante, para todos nós, ver que enquanto os mecanismos de mercado estão sendo engessados pelos gigantes transnacionais ou nacionais que monopolizam amplos setores econômicos, manipulam os fluxos e restringem o acesso às informações, estão surgindo formas alternativas de regulação econômica baseadas em valores e participação direta do cidadão. (2007, p.22).
Como resultado desse novo panorama mundial, simultaneamente à ampliação
da participação de países e empresas, na tentativa de equilibrar as disparidades
sociais existentes e auxiliar na diminuição da pobreza nos países em
desenvolvimento, campanhas de incentivo a alterações de regras e práticas do
sistema convencional de comércio vêm surtindo efeito no processo de sensibilização
dos consumidores de todo o mundo. (FLO, 2007). A cada dia com mais intensidade,
vem-se alterando o outrora desalentador ponto de vista segundo o qual, de acordo
com Santos:
Consumismo e competitividade levam ao emagrecimento moral e intelectual da pessoa, à redução da personalidade e da visão do mundo, convidando, também, a esquecer a oposição fundamental entre a figura do consumidor e a figura do cidadão. (SANTOS, M., 2000, p. 25).
Inúmeras tentativas, a princípio incipientes, acabaram por demarcar uma
contraofensiva ao modelo de consumo, pressagiando o final de um estágio evolutivo
letárgico, marcado pela inércia e apatia social. A ideia motriz de tais movimentos foi a
de trazer à consciência do consumidor a percepção de que há povos que vivem
outra realidade econômica, que têm potencial para fazer produtos de qualidade, que
têm desejo de se desenvolverem e que o simples ato de consumir pode influenciar
diretamente na transformação de muitos dados de realidade.
Assim, a divulgação de informações às massas, que dão noção de
proximidade entre o produtor e o consumidor, passou a permitir a qualquer indivíduo
atento tomar contato com as perspectivas positivas que sua atuação, como peça
essencial dessa engrenagem, pode produzir. Ela faz perceber que, por exemplo, o
preço de um produto, quando muito baixo, pode repercutir no elo inicial da cadeia
produtiva, do outro lado, que pode receber valor infinitamente inferior ao cobrado do
consumidor final.
66
Conectando-se, mesmo que por um tempo mínimo, à realidade daquele
produtor, o consumidor passou a poder fazer conexões lógicas de pensamento,
considerar-se apto a cooperar, inserir-se e alterar definitivamente os rumos da
sociedade que integra. A informação, somada a noção de que a simples ação
consciente pode produzir resultados, foram as grandes molas propulsoras desse
novo pensamento. Diminuir-se-ia, assim, a ausência de sentido que caracteriza a
“sociedade de consumo” do século XXI, fazendo o indivíduo sentir-se como uma
peça fundamental no mecanismo que conduz à harmonia da civilização.
A primazia do homem supõe que ele estará colocado no centro das preocupações do mundo, como um dado filosófico e como uma inspiração para as ações. Dessa forma, estarão assegurados o império da compaixão nas relações interpessoais e o estímulo à solidariedade social, a ser exercida entre indivíduos, entre o indivíduo e a sociedade e a vice-versa e entre a sociedade e o Estado,reduzindo as fraturas sociais, impondo uma nova ética, e, destarte, assentando bases sólidas para uma nova sociedade, uma nova economia, um novo espaço geográfico. O ponto de partida para pensar alternativas seria, então, a prática da vida e a existência de todos.(SANTOS. M, 2000, 72).
Afinal, se vivemos em uma era em que o ato do consumo pode considerar
outros elementos além do preço e da utilidade do produto como pode ser possível
expandir os benefícios desse processo? Como podemos conciliar os prazeres, os
sonhos e os desejos celebrados no imaginário da sociedade de consumo, trazendo
benefícios para as comunidades produtoras e para o meio ambiente dos países mais
pobres, de forma justa e realmente equitativa?
Os europeus em particular têm sido porta-vozes de propostas alternativas5,
social, ética e ambientalmente corretas, com vistas a diminuir as desigualdades
geradas a partir do sistema de normas e regras que regem as relações do comércio
internacional, tais como o Comércio Justo, sobre o qual cumpre tecer considerações.
O Comércio Justo tem sua origem na insatisfação com a manutenção de efeitos
colaterais indesejados do capitalismo, mormente no que toca aos âmbitos social,
econômico e ambiental, já largamente detalhados até aqui. Iniciou-se como uma
onda de reflexão e conscientização, consolidando-se como um movimento
econômico alternativo, que elegeu como objetivo principal diminuir as disparidades 5 “Na falta de um termo melhor, as práticas e teorias que desafiam o capitalismo são frequentemente
qualificadas como alternativas”. Para aprofundamento deste tema, consultar Santos. B, 2005.
67
econômicas e sociais criadas nas relações comerciais dentre os países do Norte
(desenvolvidos) e do Sul (subdesenvolvidos ou em desenvolvimento), estabelecendo
contato direto entre produtores e compradores e renegociando as bases das
negociações envolvendo esses dois polos.
Inicialmente, dentro de um ímpeto idealista, imaginou-se que se poderia
eliminar o lucro como elemento central das trocas comerciais. Em um segundo
momento, após o amadurecimento natural de todo o processo, verificou-se que não
há paradoxo na manutenção do fenômeno lucrativo, e que, ao contrário, muito mais
sentido faria a distribuição da riqueza oriunda da movimentação dos produtos. O
curioso desse método é que a obtenção do lucro por parte dos denominados
“investidores”, muito embora esteja presente, revela-se como instrumento periférico
nessa equação. Isso porque muitos dos produtos dessa atividade não podem ser
aferidos monetariamente, pois são reflexos, indiretos. E vários outros aspectos
passaram a fazer parte da equação que usualmente afere se determinado
empreendimento é ou não “rentável”.
Talvez a grande inovação dessa nova ótica comercial foi a de possibilitar que
determinadas comunidades, afastadas do processo econômico mundial, pudessem
ser reconhecidas como capazes de se organizarem, de produzirem e subsistirem de
forma digna. Nos diversos países em que atua, o Comércio Justo, ou Fair Trade
(como é conhecido internacionalmente), caminha paralelamente com outros
movimentos que buscam oferecer formas alternativas ao sistema convencional de
comércio. Dentre essas iniciativas, destacam-se:
Comércio ético (ETI): é uma aliança das empresas, sindicatos e
organizações de voluntários, que prevê um mundo onde todos os trabalhadores
estão livres de exploração e discriminação. As empresas parceiras se comprometem
a adotar um código de práticas, que envolvem: salários, horas de trabalho, saúde,
segurança e o direito de aderir a sindicatos livres, para as pessoas envolvidas na
cadeia de abastecimento e produção.6
6 Disponível em: <http://www.ethicaltrade.org/about-et> Acesso em : 24.07.2010.
68
Economia Solidária: “compreende-se por economia solidária o conjunto de
atividades econômicas de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito,
organizadas sob a forma de autogestão”.7
Indicação geográfica (IG): O produto ou o serviço portador de uma indicação
geográfica tem identidade própria e inconfundível. Exatamente por isso, e visando à
perpetuação dessa identidade, o produtor ou o prestador de serviço tem que
respeitar as regras de produção ou prestação específicas, o que pode vir a elevar o
seu preço.
Essas características justificam um valor agregado bastante significativo,
capaz de remunerar as condições de produção ou de prestação de serviço, que são
distintas daquelas feitas em grande escala. O produto ou o serviço passa a desfrutar
de uma reputação e os seus consumidores ou usuários se dispõem a pagar um
pouco mais, já que se trata de um produto ou serviço excepcional.
Consequentemente, a sua substituição por outros passa a ser mais rara.8
Produção Orgânica: é “um sistema de produção holística, que promove e
melhora da saúde do ecossistema agrícola, ao fomentar a biodiversidade, os ciclos
biológicos e a atividade biológica do solo. Privilegia o uso de boas práticas de gestão
da exploração agrícola, em lugar dos recursos de produção externos.“9 Mas diante
de identidade de propósitos com vários movimentos sociais, econômicos e culturais,
bem como em face das questões conectadas à crítica à dubiedade inserida nos
conceitos etimológicos da palavra “justo”, bem como sobre as dúvidas de sua
implementação prática, cumpre sejam feitos esclarecimentos acerca de todos os
pontos que possam ser úteis na busca de sua individualização e aplicação.
7 Disponível em: <http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/ ecosolidaria_oque.asp> Acesso em: 09.10.2010 8 Disponível em: <http://www6.inpi.gov.br/indicacao_geografica/ indicacao/apresentacao.htm> Acesso
em:16.04.2011. 9 Disponível em: <www.agrobio.pt/agricultura_biologica.php> Acesso em : 24.07.2010.
69
3. O COMÉRCIO JUSTO
“E tudo o que em nosso viver vivemos ou fazemos também pertence ao suceder desse contínuo fluir sistêmico- recursivo, num contínuo deixar de ser inconsciente”.
Maturana R., H. e Dávila Y.,X. Habitar Humano
3.1. CONTEXTUALIZAÇÃO DO COMÉRCIO JUSTO NO MUNDO
Sendo sua origem incerta, já que não documentada formalmente, estima-se
que o Comércio Justo tenha surgido nos Estados Unidos a partir da segunda metade
do século XX e progressivamente tenha se espalhando por toda a Europa, a qual se
encontrava nesta época sensibilizada pelo florescimento do humanismo religioso e
pelo movimento de natureza político-literário, em prol do Terceiro Mundo. (EFTA,
2006).
As primeiras atividades desempenhadas pelos idealizadores do conceito de
comércio justo, levadas a cabo por pequenas instituições européias e norte-
americanas, ligadas a movimentos populares em prol de uma maior autogestão e
solidariedade, dedicaram-se à exploração e divulgação do artesanato, que constituía
fonte de renda complementar de indivíduos oriundos de comunidades pobres e/ou
oprimidas em virtude dos sistemas político e econômico vigentes em seus países.
(EFTA, 2006).
Nesse período inicial da caminhada surgiram as primeiras organizações de
comércio alternativo (Alternative Trade Organisations – ATO), cujo objetivo era
organizar a importação, exportação e logística dos produtos oriundos de países em
desenvolvimento, auxiliando, por outro lado, no processo de conscientização e
sensibilização dos consumidores. Dentre estas organizações vale destacar: Ten
Thousand Villages e SERRV, nos Estados Unidos, Oxfam, Fair Trade Original e
Traidcraft, na Europa. (EFTA, 2006).
70
1968: Em Nova Delhi, Índia, acontece a 2ª. Conferência das Nações Unidas
sobre Comércio e Desenvolvimento, onde representantes dos países do então
denominado “terceiro mundo” acabariam por defender o ideal de que o comércio
entre as nações não deveria ser considerado como ajuda e sim uma oportunidade de
desenvolvimento para ambas as partes, proferindo o slogan “Trade not Aid”. (EFTA,
2006; RAYNOLDS, 2000).
1969: É inaugurada a primeira loja de comércio justo “World Shops”,na
Holanda, motivada pela campanha de sensibilização organizada por alguns
produtores do açúcar de cana-de-açúcar do Sul, que vendiam seus produtos com a
seguinte mensagem “by buying cane sugar you give people in poor countries a place
in the sun of prosperity”. (EFTA, 2006).
A abertura das World Shops na Europa tiveram papel crucial no
desenvolvimento e expansão do movimento, dando início a uma longa trajetória de
Comércio Justo entre os países dos Hemisférios Norte e Sul. (ASTI, 2007).
Simultaneamente, nesse mesmo período (durante as décadas de 1960 e 70),
indivíduos e organizações não-governamentais (ONGs), situadas nos países do
Hemisfério Sul (África, Ásia e América Latina), iniciaram um trabalho de organização
de produtos e produtores, prestando assistência, consultoria e apoio aos indivíduos
e associações, com o objetivo de estabelecer acordos comerciais equitativos com
instituições sediadas em países do Norte. (ASTI, 2007).
1973: A Fair Trade Original, sediada na Holanda realiza a primeira importação
de Comércio Justo, com a compra de café de pequenos produtores da Guatemala.
Este fenômeno dará início, nas próximas décadas, à importação de uma série de
novos produtos, tais como: arroz, cacau, chá, açúcar, frutas secas, mel, banana,
sumos de frutas, especiarias, flores, algodão, vinhos etc. (EFTA, 2006).
1984: Após poucas décadas de comercialização de produtos equitativos,
ocorre a primeira conferência das Lojas de Comércio Justo. Essa conferência versou
sobre o trabalho voluntário das instituições sediadas em toda a Europa, e, como
consequência, dá nascente a uma rede de cooperação, que em 1994 faz surgir a
Network of European World Shops - NEWS!. (EFTA, 2006).
1987: As conferências, informais e esparsas a princípio, ensejam a
formalização de um movimento que rapidamente vem a tornar-se organizado e
71
reconhecido internacionalmente, culminando com a criação da European Fair Trade
Association – EFTA, na Holanda. Composta pela associação das 11 maiores
organizações importadoras de Comércio Justo, distribuídas em 9 países da Europa,
ela estabeleceu por objetivo reforçar a aliança, sensibilizar e disseminar informações
políticas do Comércio Justo entre seus membros. (EFTA, 2006; SCHNEIDER, 2007).
Com o declínio do preço do café, ocorrido na década de 80, a sobrevivência
dos pequenos produtores, cujo número havia crescido sensivelmente no mundo,
dado a crescente demanda da bebida, resultou em um cenário preocupante em
vários países em que o cultivo era implementado. Foi então que o padre holandês
Franz Vanderhoff, o qual desenvolvia trabalhos com pequenos produtores de café no
Sul do México, percebeu que a existência de um selo para produtos equitativos
diferenciaria este dos demais ofertados no mercado e possibilitaria que uma rede
bem maior de estabelecimentos pudesse comercializá-lo. (ASTI, 2007; EFTA,2006)
1988: Por iniciativa da Agência Holandesa de Solidariedade, foi lançado o
primeiro selo de Comércio justo, Max Havelaar, para o café produzido na cooperativa
UCIR, no Estado de Oaxaca, Sul do México. (JAFFE, MONROY & KLOPPENBURG,
2004).
Nos anos seguintes, outras organizações não governamentais de certificação
surgiram em diferentes regiões dos Estados Unidos e da Europa, tais como: Fair
Trade Mark (Irlanda e Reino Unido), Max Havelaar (Bélgica, França, Dinamarca,
Noruega e Suíça), Transfair (Austrália, Alemanha, Itália, Luxemburgo, Estados
Unidas, Canadá e Japão), Rattvisemarkt, na Suécia, e Kauppa Reilu, na Finlândia.
(EFTA, 2006).
72
1989: É criada a International Fair Trade Association – IFAT, na Holanda
(atualmente denominada The World Fair Trade Organization – WFTO), para
representar as redes de organizações de Comércio Justo, composta por
aproximadamente de 300 membros (produtores, importadores, exportadores,
revendedores etc.) de 70 países, com o objetivo de promover a abertura de novos
mercados, assim como o intercâmbio de ideias, tecnologias e informações. Sua
preocupação estava em estabelecer uma visão mais unificada do conceito e práticas
do Comércio Justo, de forma a promover a melhoria na qualidade de vida dos
produtores em desvantagem. (EFTA, 2006).
1994: É criada a Network of European Worldshops – NEWS!. Fundada na
Holanda, passou a exercer a função de promover campanhas, estimular o
intercâmbio de experiências e informações relacionadas à venda e à compra de
produtos considerados éticos e justos. É uma rede formada por 15 associações com
mais de 2500 lojas distribuídas em mais de 13 países da Europa Ocidental. (EFTA,
2006; SCHNEIDER, 2007).
Nesse mesmo ano, atacadistas, varejistas e produtores de comércio justo dos
países do pacífico (América do Norte, Austrália, Japão e Nova Zelândia) reúnem-se
para formar a North American Alternative Trade Organization – NAATO, nos Estados
Unidos, que passou a se chamar Fair Trade Federation – FTF. Atualmente com 115
associados nos EUA e Canadá, é responsável por fortalecer e promover
organizações norte-americanas de comércio justo. (EFTA, 2006; SCHNEIDER, 2007;
ASTI, 2007).
73
1997: Com a responsabilidade de unir as 14 iniciativas nacionais de
certificação criadas na década de 80, é criada a Fairtrade Labelling Organizations
International – FLO, na Alemanha. Passa ela a ser responsável pelo processo de
certificação, auditoria e rotulagem dentro das diretrizes do Comércio Justo. Conta
atualmente com 20 associados em 21 países. (EFTA, 2006; SCHNEIDER, 2007).
1998: Tendo em vista a necessidade de representar o movimento de comércio
equitativo, surge a FINE, organização guarda chuva formada pela união das quatro
maiores redes de C omércio Justo da Europa (FLO, IFAT, NEWS e EFTA) a qual
passou a ser chamada de Fair Trade Advocacy Office – FTAO, em 2004. Em seu
escritório sediado na cidade de Bruxelas, na Bélgica, delibera a respeito de questões
legais e de convencimento padronizando o discurso do Comércio Justo no mundo.
(EFTA, 2006; SCHNEIDER, 2007).
2000: Estabeleceram-se redes de cooperação regionais, tais como:
Cooperação para o Comércio Justo na África – COFTA, Fórum Asiático de Comércio
Justo – AFTA (WFTO Ásia), IFAT Latinoamerica (WFTO Latin America), CLAC -
Coordenadora Latino-Americana e Caribenha dos Pequenos Produtores, WFTO
Europe (antiga – IFAT). (EFTA, 2006; SCHNEIDER, 2007).
74
Nessa época surgiram também algumas redes voltadas para os mercados
internos de alguns países, tais como: ECOTA - Fórum de Comércio Justo, em
Bangladesh; Parceiros Associados para um comércio mais justo, nas Filipinas; o
Fórum de Comércio Justo da Índia; a Federação do Quênia para o Comércio
Alternativo – KEFAT; o Fórum de Comércio Justo Peruano; a Plataforma Brasileira de
Comércio Justo – FACES do Brasil. (ASTI, 2007).
Vale mencionar que, com o passar do tempo e com a unificação das
instituições de Comércio Justo em blocos regionais (COFTA, WFTO Ásia, WFTO LA,
WFTO Europe, FTF), as disputas internas do movimento ficaram maiores e mais
evidentes. (ASTI, 2007). Isso se deu porque, se por um lado o crescimento da rede
de Comércio Justo havia promovido até ali mais integração e fortalecimento, por
outro gerou enfraquecimento dos produtores. Foi criado um mercado até certo ponto
exclusivo. Até certo ponto porque muitos passaram a concorrer nesse filão, com
vistas a satisfazer as demandas por menor preço e qualidade exigidas pelos
consumidores. (ASTI, 2007).
2001: Com o intuito de alinhar o entendimento a respeito do Comércio Justo
no mundo, em dezembro de 2001 as principais instituições internacionais de
Comércio Justo, Fairtrade Labelling Organizations International – FLO, International
Fair Trade Association - IFAT (agora WFTO), European Fair Trade Association - EFTA
e Network of European World Shops - NEWS! reuniram-se, definindo o seguinte
conceito:
Comércio Justo é uma parceria comercial baseada em diálogo, na transparência e no respeito, que busca maior equidade no comércio internacional e contribui para o desenvolvimento sustentável através de melhores condições de troca e da garantia dos direitos para produtores e trabalhadores marginalizados – principalmente do Sul (do planeta). As organizações de Comércio Justo (com apoio dos consumidores) vêm se empenhando ativamente em fortalecer os produtores, em sensibilizar a opinião pública em conduzir campanhas direcionadas a propor mudanças nas regras e práticas do comércio internacional convencional.
2003: Todas as entidades nacionais, com exceção da Suíça, EUA e Canadá,
passaram a utilizar o um selo único para facilitar o comércio em mais de um país,
75
abdicando de suas marcas próprias e adotando a marca global de Comércio Justo.
(SCHNEIDER, 2007).
Países como Holanda, França, Bélgica e Suíça, que antigamente utilizavam o
selo “Max Havelaar”, passaram a adotar o selo FLO Max Havelaar, da mesma forma
que os países como Alemanha, Itália, Luxemburgo, Áustria, Canadá e Japão
adotaram o selo é FLO TransFair, com vistas a não abandonar de todo a vinculação
às denominações das marcas próprias, que já eram reconhecidas mundialmente.
(ASTI, 2007).
3.2. OS PRINCIPAIS ATORES DO COMÉRCIO JUSTO NA EUROPA
Como já foi frisado anteriormente, embora o movimento tenha tido origem nos
Estados Unidos, foi na Europa que o Comércio Justo encontrou maior ressonância,
principalmente junto aos consumidores, há muito reconhecidos pelo grau de
consciência e efetividade com que exercem o papel social que lhes compete.
Possivelmente por conta dessa característica, foi na Europa que surgiram alguns dos
atores mais significativos para a consolidação dos pilares do Comércio Justo no
mundo. Como a história dessas instituições se confunde com o que é, hoje, o
Comércio Justo, qualquer exposição minimamente abrangente sobre este tema não
se completaria sem o estudo sobre elas.
3.2.1. FINE
Criada em 1998, representa a união das quatro instituições guarda-chuva que
coordenam e monitoram o movimento de Comércio Justo internacionalmente (FLO,
IFAT, NEWS! e EFTA). Dentre as suas principais atribuições constam:
76
- Desenvolver normas e diretrizes para o movimento de Comércio Justo;
- Aumentar a qualidade e eficiência dos sistemas de monitoramento;
- Divulgar informações e comunicações do movimento;
- Deliberar a respeito de questões legais e de convencimento.
Responsável por coordenar as quatro instituições, promove a união dos seus
membros regularmente, com o intuito de deliberar a respeito dos caminhos e
estratégias a serem seguidos pelo movimento. (DAWS, 2007). Está particularmente
envolvida no monitoramento do Comércio Justo e na sensibilização política (também
conhecida no movimento como advocacy) de organizações governamentais e
intergovernamentais.
Em suas atividades, coopera estreitamente com um número considerável de
apoiadores e organizações nacionais de Comércio Justo, tanto na Europa quanto no
resto do mundo. Dentre as suas mais importantes conquistas podemos citar: a
resolução aprovada pelo Parlamento Europeu em 2006, que recomenda à Comissão
Europeia (formada por 46 países da Europa) reforçar o compromisso da União
Europeia com o Comércio Justo, reconhecendo esse movimento como uma
ferramenta eficaz para o desenvolvimento sustentável. (DAWS, 2007).
3.2.2. FLO
Criada em 1997, a Fairtrade Labelling Organization – FLO credita
certificadoras nacionais em ambos os hemisférios. Surgiu para unir, promover e
coordenar as iniciativas nacionais, procurando implantar um sistema comum de
certificação, mais eficiente, simples e menos custoso para as associadas. (ASTI,
2007).
Atualmente 17 iniciativas nacionais utilizam o mesmo processo de avaliação e
indicadores, sendo representadas por uma única marca que as identifica na Europa
como Comércio Justo. (ASTI, 2007). Dentre as principais funções desta organização
estão: a garantia da observância dos critérios de certificação de comércio justo por
77
todos os atores; organizar o fornecimento de produtos de acordo com a demanda;
aconselhar grupos de produção e estimular o seu desenvolvimento. (ASTI, 2007).
O sucesso do Comércio Justo no mundo não seria possível sem a certificação
de produtos em larga escala. Atualmente milhões de produtores e trabalhadores em
desvantagem, em aproximadamente 73 países, beneficiam-se com a venda de
produtos com o selo correspondente. (ASTI, 2007; SCHNEIDER, 2007). A cada ano
aumenta consideravelmente o número de organizações produtoras que buscam ser
certificadas como Comércio Justo, como demonstra o quadro 03. No ano de 2009,
por exemplo, aproximadamente oitenta e duas novas organizações de produtores
foram certificadas pela FLO, representando um incremento de 11% em relação ao
ano anterior. (FLO, 2009).
Quadro 03: Evolução do número de organizações de produtores certificados 2005/2009 Fonte: Annual Report 2009/2010 - Fairtrade Labelling Organizations International (FLO)
Isso demonstra o fortalecimento da marca e o interesse dos produtores em se
filiarem ao movimento. Das 827 instituições, localizadas em mais de 60 países,
duzentos e trinta e uma estão sediadas na África e no Oriente Médio, enquanto que
120 estão localizadas na Ásia e 476 na América Latina e Caribe, o equivalente a
aproximadamente 1,2 bilhões de produtores e trabalhadores envolvidos em todo o
mundo. (FLO, 2009).
78
Atualmente 20 diferentes categorias de produtos são certificados pela FLO
Labelling Initiatives ou pela FLO-CERT, tais como: flores e plantas, banana, cacau,
café, algodão, flores, mel, sucos, arroz, açúcar, nozes, dentre outros (FLO, 2009), de
acordo com o que se vê do quadro 04, abaixo. Dentre os produtos citados, vale
destacar os números de venda anual do cacau e açúcar, em virtude dos aumentos
significativos, os quais estão diretamente relacionados ao comprometimento de
compra de 100% destes commodities por empresas de porte internacional, como:
Cadbury Dairy Milk, Nestlé, UK’s Kit Kat, Ben & Jerry’s e Green & Black’s. (FLO,
2009). Esses dados evidenciam que também muitas empresas de renome mundial
vêm procurando ligar suas marcas a um conceito ético e justo.
Quadro 04: Valor estimado de venda por produto Fonte: Fairtrade Labelling Organizations International (FLO).- Annual Report 2009/2010
E apesar das crises econômicas que abalaram a economia mundial nos
últimos anos, os produtos de Comércio Justo certificados têm mantido uma média de
crescimento anual e vem progressivamente conquistando novos mercados. O
mercado para produtos do Comércio Justo movimenta atualmente na Europa mais
79
de US$ 3,4 bilhões em produtos certificados, o que pressupõe um incremento nas
vendas de 15% com relação ao ano de 2008. (FLO, 2009).
Atualmente cerca de 70 países comercializam mais de 27 mil produtos
certificados como Comércio Justo. Dentre estes países, vinte são os mais
representativos em termos de valor estimado de venda, apresentando vendas
superiores a 100 milhões de euros ano, tais como: Estados Unidos, França
Alemanha, Suíça, Irlanda, Inglaterra e Canadá. (FLO, 2009).
Quadro 05: Valor estimado de venda por país 2008/2009 Fonte: Fairtrade Labelling Organizations International (FLO). -Annual Report 2009/2010
Vale mencionar, segundo dados da FLO, que a Inglaterra vem superando os
Estados Unidos em número de vendas pelo terceiro ano consecutivo. Apresentando
80
em 2009 um valor total de vendas de 897,3 milhões de euros, o equivalente a 14%
de aumento com relação ao ano anterior. (FLO, 2009). E como se vê do quadro 05,
outros países, como Austrália, Nova Zelândia, Canadá e Finlândia, também se
destacam pelo aumento significativo, cerca de 50%, em comparação ao ano anterior.
(FLO, 2009).
Outro dado interessante de se notar é a inclusão de países do Leste Europeu
no ranking dos que comercializam produtos de Comércio Justo, tais como: República
Checa, Latvia, Lituânia, África do Sul e Estônia. (FLO, 2009). Todavia, apesar da
grande procura pela certificação, somente alguns produtos são aprovados, levando
em consideração a existência de demanda pelo produto no mercado convencional.
“De acordo com a FLO, anualmente lhe chegam entre 300 a 500 pedidos de
certificação, mas ela é obrigada a negar até 90%, devido à falta de demanda.”
(SCHNEIDER, 2007). Assim, vemos que além dos interessados terem de se adequar
a uma série de exigências formais para que seus produtos sejam considerados
integrantes do Comércio Justo, a realidade obriga muitos produtores a verem
rejeitadas sua pretensão de certificação, por absoluta ausência de mercado para
seus produtos. Isto demonstra que embora os produtos certificados do Comércio
Justo venham se afirmando como uma alternativa econômica viável, muito há por ser
feito para modificar a vida de milhões de pequenos produtos rurais
3.2.3. IFAT
Criada em 1989, a International Fair Trade Association – IFAT (conhecida
atualmente como: WFTO (World Fair Trade Organization) possui como missão a
promoção do bem-estar e a melhoraria na qualidade de vida de produtores e de suas
comunidades. As atividades da organização estão centradas em três principais áreas
de trabalho: cooperação e a troca de experiências para o desenvolvimento do
mercado, monitoramento e advocacy. (DAWS, 2007).
É uma rede mundial composta por diferentes atores, que atuam em cadeias
alternativas de comércio realizando atividades que vão desde a produção até a
comercialização. Dentre estes podemos citar: produtores; exportadores;
81
importadores; lojas; certificadoras; organizações de apoio; e instituições que
viabilizam o micro-crédito. (ASTI, 2007). Regidos pelos princípios do Comércio Justo,
seus membros são desde pequenos produtores até grandes corporações, que se
reúnem para criar novas oportunidades de mercado, minimizando a intermediação e
contribuindo para melhoraria na qualidade de vida de pequenos produtores dos
países do Sul. (ASTI, 2007).
Com o objetivo de gerar confiança em um comércio justo, por meio de um
sistema participativo de monitoramento da rede, realizado pela Faitrade
Organizations – FTO, que se encarrega de garantir e exigir a transparência entre
seus membros e associados. Atualmente a IFAT conta com 300 membros em 70
países, localizados na Ásia, África, América Latina e Europa, e cerca de dois terços
de seus associados são de países em desenvolvimento, que buscam alternativas
para as injustiças praticadas no comércio mundial e para a luta contra a fome e a
pobreza. (EFTA, 2006). Diferentemente da FLO, aproximadamente 80% dos
membros da IFAT (WFTO) são produtores especializados em artesanato, que
escoam suas produções para lojas especializadas, que asseguram aos
consumidores a sua real origem. (ASTI, 2007).
3.2.4. NEWS!
Criada em 1994, a Network of European Worldshops - NEWS! facilita a
cooperação e articulação entre seus membros, através da troca de informação por
meio de newsletters, site, workshops, dentre outros, divulgando dados e produtos
nas feiras e conferências organizadas pelo mundo. (ASTI, 2007). A NEWS!
representa cerca de 3200 lojas, em aproximadamente 15 países da Europa. Esses
quinze países são o lar de aproximadamente 99% das “World Shops” da Europa e
mais de 70% delas são membros das associações nacionais. (DAWS, 2007).
É considerada uma das quatro organizações guarda-chuva do movimento de
Comércio Justo da Europa, cooperando com a IFAT, FLO e EFTA na definição de
políticas, estratégias, critérios, formas de monitoramente e campanhas de
sensibilização. (ASTI, 2007). No que toca às iniciativas de sensibilização, a NEWS!
82
oferece a seus membros todos os materiais necessários para a divulgação da rede
e dos produtos. (DAWS, 2007).
As lojas exercem papel fundamental na sensibilização do consumidor,
promovendo acesso aos mercados para produtores de artesanato e demais produtos
certificados, o que motivou suas atividades desde o início do movimento, com a
abertura da primeira World Shop na Holanda. (ASTI, 2007). Em virtude do forte apelo
político que acabou por envolver todo o movimento, as primeiras lojas de Comércio
Justo pareciam mais com comitês partidários do que com lojas de venda de
produtos. Isso porque os ativistas políticos buscavam durante a venda conscientizar
os consumidores quanto às desigualdades sociais e econômicas causadas pelo
comércio praticado no mercado convencional, procurando promover o engajamento
da sociedade civil nas atividades daquela bandeira. (ASTI, 2007).
Nessa época o consumidor comprava o produto muito mais por solidariedade
do que pelas características estéticas ou pela satisfação inerente à compra.
Contudo, com a entrada de produtos certificados, na década de 80, as lojas
começaram a mudar de estratégia, com vistas a ampliar suas vendas e atrair o
consumidor, buscando direcionar seus produtos de acordo com a demanda do
público alvo, passando também a priorizar questões como qualidade e apresentação
do produto. (ASTI, 2007). Nos dias atuais os produtos de Comércio Justo alcançam
os consumidores de diversas formas, seja pelas lojas especializadas, por
supermercados, cafés, cantinas, restaurantes, escolas, empresas, instituições
públicas e lojas virtuais, refletindo uma situação na qual a expansão dos produtos de
comércio justo não só beneficiam supermercados e outros novos canais de
distribuição, como os clássicos pontos já existentes. (DAWS, 2007).
De acordo com a pesquisa realizada pela Dutch Association of Worldshops
DAWS, em 2007 já se verificava um faturamento global de 94,6 milhões de euros,
considerando um total de 1.518 World Shops. Entretanto, segundo o mesmo estudo,
pode-se aproximar de um resultado geral baseado em um cálculo de venda média,
que possibilita chegar a um valor de faturamento superior a 178,1 milhões de euros,
para aproximadamente 3193 World Shops. (DAWS, 2007). O movimento desse
mercado está descrito no quadro 06:
83
Contudo, ainda hoje existe uma grande dificuldade em se medir o tamanho
total deste mercado, uma vez que muitas lojas não disponibilizam informação e ou
utilizam critérios informais ou diferenciados (nos países da Europa, por exemplo, os
valores das World Shops são dissociados do valor das importações, ao contrário dos
países da América do Norte). (DAWS, 2007). Atualmente se questiona a
possibilidade da NEWS! ser absorvida pela IFAT, (WFTO) uma vez que
desempenham papéis bem semelhantes em áreas equivalentes.
Quadro 06: Retorno financeiro dos Worldshops na Europa (in 000 EUR) Fonte: DAWS, 2007 - new facts and figures from an ongoing success story
84
3.2.5. EFTA
Criada em 1987, a European Fair Trade Association – EFTA é a principal
associação de Comércio Justo da Europa. Composta por 11 das mais antigas
organizações importadores de Comércio Justo, distribuídas em 9 países europeus:
Áustria; Bélgica; França; Alemanha; Itália; Holanda; Espanha; Suíça e Reino Unido.
(DAWS, 2007; ASTI, 2007). É responsável pela importação de produtos de 400
grupos de produção em desvantagem econômica e social da África, Ásia e América
Latina, tem como principal objetivo apoiar as organizações associadas, incentivando
a cooperação e o intercâmbio de informações, de forma a promover uma certa
divisão do trabalho. (DAWS, 2007).
Uma das principais atividades desenvolvidas pelos membros tem sido o
partner attendance, ou seja, o compartilhamento de informação sobre produtos com
produtores do Sul e a colaboração logística (importação conjunta) entre os membros
associados, gerando maior eficiência no processo de importação. (DAWS, 2007). A
EFTA vem também estimulando por meio de reuniões regulares o desenvolvimento
de projetos conjuntos entre membros de gestão, comercialização, artesanato e
alimento, promovendo a divulgação de informações relevantes por meio de um
banco de dados de fornecedores, chamado FAIRDATA. (DAWS, 2007).
Outro papel importante dessa instituição está na realização de ações de
sensibilização política, por meio de debates e campanhas, que visam destacar as
incoerências do comércio convencional, principalmente com a aplicação de barreiras
para os produtos alimentícios, incentivando o consumo de produtos de comércio
justo por organizações intergovernamentais, escolas, cidades e países. (DAWS,
2007). Uma importante contribuição neste sentido foi a iniciativa do “fair procura”,
criada para conscientizar as autoridades públicas e sensibilizar os compradores
institucionais, incentivando-os a reverem as suas políticas e práticas de comprar, de
forma a possibilitar a aquisição de produtos oriundos do Comércio Justo. (DAWS,
2007).
Este projeto foi desenvolvido por meio de uma joint venture entre EFTA -
Bruxelas (escritório que desenvolve projetos financiados pela Comunidade Europeia)
e quatro membros da organização: Ctm altromercato (Itália), Fair Trade Original
85
(Holanda), IDEIAS (Espanha) e Wereldwinkels Oxfam (Bélgica). (DAWS, 2007). A
iniciativa é considerada de sucesso, já que os seus membros juntos atingiram um
faturamento, em 2006, de aproximadamente 191,890 milhões de euros, comparado
com 148,226 milhões em 2005, demonstrando um incremento de 29% no
comparativo entre os dois anos. O quadro 07 evidencia o aumento do retorno
financeiro das organizações da EFTA (em milhares de Euros) na comparação entre
os anos 2002-2006:
Quadro 07 Retorno financeiro dos membros da EFTA entre 2002-2006 (in 000 EUR) Fonte DAWS, 2007 - new facts and figures from an ongoing success story
A consistência que ganhou o movimento em âmbito mundial possibilitou que
não apenas os frutos desse novo comércio começassem a ser colhidos em nações
em desenvolvimento, mas que também muitas das medidas começassem a ser
estudadas e empreendidas, em caráter profissional, além das fronteiras dos países
ricos. Seguindo essa tendência mundial, o Brasil vem desenvolvendo mecanismos
de vigor, nos moldes do Comércio Justo, e em vários outros modelos paralelos,
86
dando nascente a uma série de empreitadas de sucesso, como demonstraremos a
seguir.
3.3. AS DIRETRIZES PARA UM COMÉRCIO JUSTO
Dentre as iniciativas mais significativas do movimento em questão, na missão
de delinear um novo modelo econômico desatrelado do consumo pelo consumo, um
deles merece destaque. No ano de 1995, em New Windsor, Maryland, Estados
Unidos, a Internacional Fair Trade Association - IFAT, com o objetivo de melhorar as
condições dos habitantes mais empobrecidos dos países em desenvolvimento,
reuniu-se com o intuito de desenvolver e sistematizar um modo alternativo, justo e
acessível de fazer negócio, nominando-o sugestivamente como Comércio Justo.
O móvel dessa empreitada tomou como princípio a necessidade de serem
fixados pontos mínimos a serem seguidos para que o Comércio Justo pudesse ser
universalmente implementado, dentro de um conceito uniforme, evitando o
surgimento de disparidades, até certo ponto naturais, decorrentes da adoção de um
modelo em locais étnica, cultural, física e economicamente distantes. Nessa reunião
criou-se um documento denominado Código de Conduta, o qual adotou como
princípios para a promoção do Comércio Justo as seguintes regras:10
Compromisso com o comércio justo – Na atividade comercial procuram o bem-estar social, econômico e ambiental dos produtores marginalizados dos países em vias de desenvolvimento. Por isso, praticam o comércio em condições equitativas, pagamentos justos para a mão-de-obra do produtor e preços justos. Identificam as estruturas, mecanismos, práticas e atitudes comerciais injustas e as evitam. Em vez de competir entre si, os membros da IFAT cooperam para promover o comércio justo e a justiça social; suas práticas comerciais favorecem o produtor e não constituem um meio para maximizar lucros à custa do produtor. Transparência – Compartilham periodicamente, e de forma completamente aberta, sua informação financeira, políticas de gestão, práticas comerciais, fontes de produtos, planos e programas de desenvolvimento, produção e marketing. Desse modo, tanto os membros da IFAT quanto o público em geral podem avaliar a efetividade financeira e social da IFAT e de cada um dos seus membros. Essa política de abertura, porém, é temperada pelo respeito a informações comerciais ou políticas de caráter confidencial.
10 MANCE, Euclides A. Como organizar redes solidárias. p. 251/252.
87
Fins éticos – Na estrutura de suas organizações os membros da IFAT refletem seu compromisso com a justiça, o emprego justo, a contabilidade oficial e a emissão de periódicos relatórios financeiros e de atividades. Buscam alcançar a maior eficiência possível ao menor custo, e, segundo as características de cada organização, envolvem os trabalhadores na gestão e nas tomadas de decisão. Procuram oferecer a seus trabalhadores renda que lhes permita cobrir suas necessidades básicas, inclusive cuidados com saúde e educação e possibilidade de poupança. Condições de trabalho – Garantem um ambiente de trabalho seguro, que cumpra ao menos com os regulamentos de segurança industrial de sua localidade. Oferecem oportunidades a todas as pessoas para que desenvolvam o seu potencial. Asseguram-se de que o trabalho se realize em condições humanas, utilizando-se materiais e tecnologias apropriadas e desenvolvendo satisfatórias práticas de trabalho e produção. Oportunidades de empregos com igualdade – Opõem-se à discriminação e asseguram igualdade de oportunidades no emprego, tanto a homens quanto a mulheres que sofram a exploração de seu trabalho, os efeitos da pobreza e de preconceitos raciais, culturais ou de gênero. Preocupação com as pessoas – Promovem o desenvolvimento que melhora a qualidade de vida e que seja sustentável e responsável, tanto para as pessoas quanto para o mundo natural. Não explora o trabalho infantil. As atividades comerciais não infringem os reclamos dos povos nativos sobre suas terras ou outros recursos de importância vital para o seu modo de vida. Preocupação com o meio ambiente – Promovem a comercialização de produtos que não sejam prejudiciais para o meio ambiente e administram os recursos de maneira sustentável, salvaguardando o patrimônio ecológico. Respeitam a identidade cultural dos produtores – Encorajam a produção e o desenvolvimento de produtos próprios à tradição cultural dos produtores e feitos com base em seus próprios recursos naturais. Promovem o emprego dos conhecimentos artísticos, tecnológicos e organizativos dos produtores como uma forma de ajudá-los a preservar e desenvolver sua identidade cultural Educação promoção e defesa do comércio justo– Promovem o comércio justo encorajando as pessoas a mudar padrões de consumo, com vistas à promoção da justiça social e cuidados com o ambiente. Suportam campanhas por políticas nacionais e internacionais que incrementem as condições de vida dos pobres em países de desenvolvimento. Aumentam a consciência do público e das empresas com respeito ao comércio alternativo, com o significado de mudar estruturas e atitudes do injusto comércio internacional. Aumentam a informação sobre os valores culturais e tradicionais do Sul, visando promover a compreensão e o respeito intercultural.
Tais diretrizes serviram, como veremos adiante, para balizar o Comércio Justo
e Solidário, modelo desenvolvido no Brasil.
88
3.4. COMÉRCIO JUSTO NO BRASIL
3.4.1. O histórico da economia solidária
O movimento chamado “economia solidária” parece ter surgido no Brasil na
década de 1980, em decorrência da crise econômica vigente e da disseminação das
ideias conhecidas como neoliberais, que exigiam menos ingerência do Estado na
atividade dos particulares, que culminaram com o pedido de concordata de
empresas e a demissão de numerosos trabalhadores. (ICLEI, 2006). A onda de
desemprego decorrente da estagnação da economia nesse período levou esses
trabalhadores a buscarem a inserção na produção social através de formas
alternativas de geração de renda (individuais, autônomas ou coletivas) que
garantissem a sobrevivência. (SINGER, 2004).
Estes trabalhadores, quando optavam por formas coletivas de trabalho,
organizaram-se em cooperativas de produção, que se diferenciavam das empresas
capitalistas por obedecerem a princípios e valores do movimento operário, como
igualdade e democracia. (SINGER, 2002; ICLEI, 2006, SINGER, 2004). As
cooperativas resultantes deram origem ao movimento que acabou sendo conhecido
como economia solidária que pode ser compreendida como “o conjunto de
atividades econômicas – de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito –
organizadas e realizadas solidariamente por trabalhadores e trabalhadoras sob a
forma coletiva e autogestionária. (SENAES, 2006, p. 11).
O crescente envolvimento de diversos atores sociais (sindicatos, igrejas,
universidades, partidos políticos, organizações e redes sociais) no apoio a entidades
e empreendimentos do campo da economia solidária, elevou a corrente ideológica
ao status de movimento, com proporções notáveis no contexto nacional (SINGER,
2004).
2000: Culminou com a realização do I Fórum Social Mundial (I FSM),
realizado nos dias 25 a 30 de janeiro, em Porto Alegre, que contou com a
participação de 16 mil pessoas vindas de 117 países, como contraponto a outro
evento de porte, ocorrido no mesmo período, porém com base em Davos, na Suíça,
89
e com objetivos eminentemente capitalistas. Esse evento propiciou a criação do
Grupo de Trabalho Brasileiro de Economia Solidária (GT- Brasileiro), composto por
doze entidades e redes nacionais envolvidas com práticas associativas do segmento
popular solidário.11
2002: O GT-Brasileiro elabora e encaminha ao Governo uma carta intitulada
“Economia Solidária como Estratégia Política de Desenvolvimento” com as diretrizes
gerais da Economia Solidária e reivindicava a criação da Secretaria Nacional de
Economia Solidária (SENAES, 2006).
2003: É criada a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES),
vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). No mesmo ano, na III
Plenária Brasileira de Economia Solidária, dá-se a criação do Fórum Brasileiro de
Economia Solidária (FBES), ambos durante a gestão do então Presidente da
República Luis Inácio Lula da Silva. (SINGER, 2004).
Segundo Singer (2004), a missão do SENAES foi a de difundir e fomentar a
economia solidária em todo o Brasil, dando apoio político e material às iniciativas do
FBES, enquanto que o FBES teria por incumbência articular e mobilizar as bases da
Economia Solidária pelo país, em torno da Carta de Princípios e da Plataforma de
Lutas. A partir da criação do SENAES, coordenada pelo economista Paul Singer, o
Governo Federal, aproximou e intensificou o diálogo entre o movimento de Comércio
Justo e a economia solidária no Brasil, uma vez que representantes ligados ao
SENAES passaram a participar diretamente dos eventos e seminários do Comércio
Justo. (ASTI, 2007; FACES, 2010).
2006: Por ocasião do VI Fórum Social Mundial e II Fórum das Américas,
realizado em janeiro na Venezuela, chegou-se à conclusão de que, tendo em vista
que suas bases estão intimamente relacionadas, o Comércio Justo estaria
englobado no conceito de Economia Solidária. (ICLEI, 2006).
Nesse mesmo ano, o Seminário Internacional sobre Comércio Justo e
Economia Solidária, realizado durante a I Exibição de Cultura Popular e Economia
Solidária, ocorrido em São Paulo entre os dias 06 e 09 de abril, firmou-se um acordo
para unificar os conceitos de Economia Solidária e Comércio justo. (ICLEI, 2006).
11 Disponível em:<http://www.fbes.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=
61&Itemid=57 > Acesso em : 24.07.2010.
90
Como consequência destas discussões, um grupo de trabalho foi formado por
diversos atores sociais para desenvolver um conceito brasileiro de comércio justo,
que atendesse às demandas e peculiaridades dos pequenos produtores do país.
(ICLEI, 2006).
3.4.2. O histórico do Comércio Justo no Brasil
Foi necessário percorrer um longo caminho para que fosse possível
determinar o conceito de Comércio Justo e Solidário no Brasil, reconhecido e
consolidado pelo Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário – SNCJS, que
assim o definiu:
Comércio justo e solidário é o fluxo comercial diferenciado, baseado no cumprimento de critérios de justiça e solidariedade nas relações comerciais que resulte no protagonismo dos Empreendimentos Econômicos e Solidários (EES) por meio da participação ativa e do reconhecimento da sua autonomia. (FACES, 2010).
A florescência do movimento de Comércio Justo no Brasil teve seu início na
década de 70, motivada a princípio pelas relações comerciais estabelecidas na
exportação de determinados produtos para a Europa, com o apoio de instituições de
caridade vinculadas ao movimento religioso, tais como Visão Mundial, com o apoio
de importadores especializados da Itália (CTM), Suíça (Claro) e na França
(Solidar’Monde) ligados ao movimento de Comércio Justo. (LAGENT, 2005).
1990: Inicia-se uma série de projetos para a exportação de produtos do Norte
e do Sul do país para a Europa, como, por exemplo, o da ONG católica “Visão
Mundial”, que previa o apoio à produção, comercialização e defesa de pequenos
produtores de 60 comunidades do Nordeste brasileiro, assim como o projeto piloto
91
"Suco Justo", organizado pela FLO com produtores de laranja residentes em
Paranavaí/PR. (ICLEI, 2006; LAGENT, 2005).
2002: a sociedade civil brasileira, juntamente com organizações de
produtores, representantes de organizações governamentais e não governamentais,
articularam-se para debater a respeito do conjunto de práticas de produção,
comercialização e consumo, praticadas pelo Comércio Justo no mundo, formando o
Fórum de Articulação do Comércio Ético e Solidário do Brasil (FACES do Brasil).
(FACES, 2010; ICLEI, 2006).
A motivação inicial do FACES do Brasil era formular um modelo regional de
comércio justo que possibilitasse a criação de um novo formato de certificação,
produção e comercialização, respeitando as peculiaridades culturais das regiões
envolvidas e promovendo assim a inclusão e igualdade social, das iniciativas
marginalizadas pelo sistema econômico vigente. (FACES, 2010). Dentre os
integrantes do conselho político estão organizações como: Imaflora; Sebrae
Nacional; Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA; Secretaria Nacional de
Economia Solidária - SENAES do Ministério do Trabalho e Emprego – MET,
Fundação Friedrich Ebert – ILDES; Visão Mundial; Onda Solidária; Instituto Kairós;
Ecovida; RBSES – Rede Brasileira de Sócio Economia Solidária, dentre outras.
(ASTI, 2007; FACES, 2010; ICLEI, 2006).
2006: Criação do Grupo de Trabalho Interministerial, formado por atores da
sociedade civil e governamental, com a missão de formular e promulgar uma
normativa pública de regulamentação do Sistema Nacional de Comércio Justo e
92
Solidário, o SNCJS. (FACES, 2010). Esse grupo chegou aos seguintes
apontamentos, com o intuito de cumprir suas tarefas:
CARACTERÍSTICAS DO COMÉRCIO JUSTO E SOLIDÁRIO:
- A existência de relações comerciais mais justas, solidárias, duradouras e transparentes; - A corresponsabilidade nas relações comerciais entre os diversos participantes na produção, comercialização e consumo; - A valorização nas relações comerciais, da diversidade étnica e cultural e do conhecimento das comunidades tradicionais; - A transparência nas relações comerciais, na composição dos preços praticados e na elaboração dos produtos, garantindo acesso a informação acerca dos produtos, processos e organizações que participam do CJS.
OBJETIVOS DO COMÉRCIO JUSTO E SOLIDÁRIO:
- Promover o desenvolvimento sustentável, a justiça social, a soberania, e a segurança alimentar e nutricional; - Garantir os direitos dos (das) produtores (ras) e consumidores (ras) nas relações comerciais; - Fortalecer a cooperação entre produtores – comerciantes - consumidores suas respectivas organizações, para aumentar a viabilidade, reduzindo riscos e dependências econômicas; - Promover a autogestão; equidade de gênero, etnia e gerações; - Garantir a remuneração justa do trabalho; - A valorização e preservação do meio ambiente, com ênfase na produção de produtos de base agroecológica e das atividades do extrativismo sustentável.
2007: O FACES do Brasil, em parceria com a Secretaria Nacional de
Economia Solidária e Fundação Banco do Brasil, inicia um projeto tanto político
como econômico, direcionado à promoção, construção e consolidação do Sistema
Nacional de Comércio Justo e Solidário. (FACES, 2010).
2008: SNCJS foi oficialmente finalizado e entregue em fevereiro de 2008 à
COMJUR - Comissão Jurídica do Ministério do Trabalho e Emprego para sua efetiva
promulgação. (FACES, 2010).
2010: O Presidente Luis Inácio Lula da Silva edita o Decreto Presidencial nº.
7. 358, de 17 de novembro de 2010, que institui o Sistema Nacional do Comércio
Justo e Solidário – SNCJS.
93
3.4.3. Os números do mercado interno do Comércio Justo
Como o sistema de certificação e monitoramento do Comércio Justo e
Solidário ainda é recente no Brasil, não é possível coletar informações seguras dos
empreendimentos que efetivamente seguem os critérios estabelecidos pelo SCJS.
(SCHNEIDER, 2007). Contudo, em 2005 um amplo estudo foi realizado pelo
SENAES, com o objetivo de catalogar, cadastrar e entender o funcionamento dos
empreendimentos de economia solidária no Brasil, trazendo significativas
contribuições para o movimento. (SCHNEIDER, 2007; ICLEI, 2006, FACES, 2010).
De acordo com o SENAES (2007 p.13) os EES compreendem as organizações:
- coletivas - organizações suprafamiliares, singulares e complexas, tais como: associações, cooperativas, empresas autogestionárias, grupos de produção, clubes de trocas, redes e centrais etc; - cujos participantes ou sócios(as) são trabalhadores(as) dos meios urbano e rural que exercem coletivamente a gestão das atividades, assim como a alocação dos resultados; - permanentes, incluindo os empreendimentos que estão em funcionamento e aqueles que estão em processo de implantação, com o grupo de participantes constituído e as atividades econômicas definidas; - com diversos graus de formalização, prevalecendo a existência real sobre o registro legal e; - que realizam atividades econômicas de produção de bens, de prestação de serviços, de fundos de crédito (cooperativas de crédito e os fundos rotativos populares), de comercialização (compra, venda e troca de insumos, produtos e serviços) e de consumo solidário.
Uniram-se para essa empreitada 230 entidades, 600 técnicos e
entrevistadores, os quais visitaram mais de 14.000 empresas, em 2.274 municípios.
(SENAES, 2006; ICLEI, 2006). Considerando-se o ano de início das atividades,
constata-se que cerca de 70% dos 14.954 empreendimentos solidários pesquisados
foram criados a partir de 1990 (vale menção que os anos 80 foram anos de
estagnação marcante na economia nacional, chegando a ser conhecida como a
“década perdida”), apresentando crescimento contínuo até os dias atuais. (SENAES,
2006; ICLEI, 2006).
Dentre os principais motivos para a criação dos empreendimentos solidários,
de acordo com as respostas dos participantes da pesquisa realizada pelo SIES
(Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária), três são os mais
94
expressivos: alternativa ao desemprego, com 45% (sendo 58% na Região Sudeste e
47% na Região Nordeste), fonte complementar de renda, com 44% (sendo 46% na
Região Norte e 53% na Região Centro-Oeste) e obtenção de maiores ganhos, com
41% (sendo 48% na Região Sul). (SENAES, 2006).
Dada a distribuição territorial, a maior concentração dos Empreendimentos da
Economia Solidária (EES) localiza-se no Nordeste (44%) e o restante (56%)
distribuído nas demais regiões do país: 13% na região Norte, 14% na região
Sudeste, 12% na região Centro-oeste e 17% na região Sul. (SENAES, 2006). A
Ilustração 09 traz a dimensão da intensidade com que as atividades de comércio
justo e solidário distribuem-se no território nacional.
Ilustração 09. EES por município - Brasil Fonte SENAES, 2006
Cerca de metade (49%) desses empreendimentos atuam exclusivamente nas
áreas rurais, 33% na área urbana e 17% em ambas as regiões. Vale ressaltar que a
Região Sudeste as atividades são predominantemente urbana (60%) enquanto nas
95
Regiões Norte e Nordeste são majoritariamente rurais (57% e 63%,
respectivamente). (SENAES, 2006). Quanto à forma de organização, 54% são
associações, 33% são grupos informais, e 11% são cooperativas, as quais envolvem
aproximadamente 1 milhão e 250 mil pessoas e uma gama considerável de produtos
e serviços. (SENAES, 2006).
Outro ponto interessante diz respeito à característica das iniciativas
pesquisadas e a sua representatividade na economia nacional. Dos produtos
comercializados, os mais citados nas entrevistas realizadas pelo SENAES, são: 42%
relacionados a agropecuária, extrativismo e pesca, 18% a alimentos e bebidas e
13,9% a diversos produtos artesanais. (SENAES, 2006). Considerando o valor da
produção mensal, esse mesmo conjunto de produtos apresenta uma participação
relativa de 46,2%, 20% e 2,8%, respectivamente. (SENAES, 2006).
Quadro 08: Valor mensal dos produtos da EES Fonte SENAES, 2006
Importa notar que dos produtos oriundos das atividades dos
empreendimentos solidários, metade (50%) é destinada ao mercado local e ou
comunitário, 7% para o mercado nacional e 2% realizam transações com outros
países. (SENAES, 2006). Tais dados evidenciam que o esforço para
internacionalização dos negócios do Comércio Justo e Solidário, no Brasil, ainda é
incipiente. Segundo dados do Global Entrepreneurship Monitor - GEM (2008, p. 8),
“o Brasil é o país cujos empreendimentos têm menor expectativa de exportação
96
(0,5% dos empreendimentos são criados com a expectativa que mais de 75% dos
consumidores sejam provenientes do mercado externo)”.
E isso também se justifica pelo fato de que 61% dos empreendimentos
reconhecidos como de Economia Solidária no Brasil, apontaram a comercialização
como o maior obstáculo na consolidação de seus empreendimentos. Seguido pelo
acesso ao crédito, com 49%, e falta de suporte técnico e acompanhamento, com
27%. O Gráfico 03 estabelece com clareza a distribuição das dificuldades apontadas
pelos comerciantes, de acordo com a região do país em que estejam e a
repercussão no cenário nacional.
De acordo com a pesquisa, outro dado que merece menção diz respeito a
característica e vínculos das EES com a economia solidária.
Gráfico 03: Dificuldades dos EES no Brasil e em suas Regiões Fonte: SENAES, 2006
Das 1120 organizações entrevistadas, 51% estão localizadas na Região
Nordeste, sendo a grande maioria Organizações Não-Governamentais (ONGs), 43%
afirmam não possuir nenhum vinculo com instituições sociais e políticas, enquanto
24% estão diretamente ligadas a instituições religiosas e 11,7% possui vínculos com
movimentos sindicais e desenvolvem atividades da seguinte natureza: 39,5%
97
dedicadas à formação, 34,7%, articulação e mobilização e 11,61%, financiamento.
(SENAES, 2006).
3.4.4. A participação do Brasil no mercado externo do Comércio Justo
Ao analisarmos os estudos organizados pelo Sebrae em iniciativas de
comércio justo, vemos que os números demonstram que a participação do Brasil no
mercado internacional tem aumentado, tanto pela participação em eventos quanto
pela associação a organizações internacionais. (SCHNEIDER, 2007). De acordo
com os dados disponibilizados pela pesquisa mundial de Comércio Justo, realizada
no Brasil pelo SEBRAE (2007), à época em que coletados os dados somente seis
instituições brasileiras eram associadas à IFAT-LA, e somente 31 operadores
certificados pela FLO-CERT, sendo 19 produtores e 12 traders. (SCHNEIDER,
2007). Essas informações podem ser vistas adiante, nos quadros 09 e 10.
Dentre todas as iniciativas implementadas em território brasileiro, algumas
mereceram atenção especial do mercado exterior, implicando na comercialização de
uma série de produtos, que vão dede o artesanato, produtos têxteis, sucos, café e
castanhas, frutas frescas e sementes de castanha principalmente para consumidores
europeus e norte-americanos. (SCHNEIDER, 2007). Grande parte dos produtos
comercializados por estas organizações de comércio justo no Brasil, certificadas pela
FLO/ IFAT, dependem consideravelmente das vendas realizadas ao mercado
externo, especialmente daqueles destinadas ao consumidor europeu. (ICLEI, 2006;
SCHNEIDER, 2007).
Apesar da crescente demanda externa, a obtenção de dados estatísticos
precisos sobre as exportações deste movimento ainda é difícil, por uma série de
fatores: ou porque os produtos são exportados para entidades solidárias em vários
países sem a certificação da FLO/IFAT, ou porque não há critérios harmonizados
para determinado segmento, ou ainda porque a importadora não exige a certificação.
(SCHNEIDER, 2007). E quando analisamos os dados daqueles empreendedores
que já se vincularam às grandes organizações de Comércio Justo, constatamos que
o número deles ainda é reduzido, como se vê do quadro 09 e quadro 10, abaixo.
98
Quadro 09: Organizações Brasileiras registradas na FLO Fonte: SCHNEIDER, 2007 p. 116 e 117
Quadro 10: Organizações Brasileiras registradas na IFAT Fonte: SCHNEIDER, 2007 p. 115
99
3.4.5. As diretrizes para um Comércio Justo nacional
Conforme mencionado anteriormente, o Comércio Justo e Solidário nasce no
Brasil nos primeiros anos da década de 2000, na busca de criar oportunidades
criativas as dificuldades enfrentadas pelos pequenos produtores de
empreendimentos econômicos solidários, no que tange a comercialização de
produtos e serviços.
Havia uma série de demandas dos produtores rurais, que por mais se
dedicassem à manufatura ou plantio de um determinado produto, encontravam
dificuldade de escoá-lo para os grandes centros, ou mesmo exportá-los, não
conseguindo competir em preço com os produtos da agropecuária convencional. O
mesmo se dava com os artesãos distribuídos por todo o país, que não conseguiam
disponibilizar suas obras, restando nas mãos de comerciantes atravessadores, sem
qualquer propensão de proteger seus interesses.
Movidos inicialmente pela força individual de algumas lideranças regionais,
alguns empresários e políticos conseguiram direcionar recursos públicos e setoriais,
bem como encaminhar grupos de pesquisa para determinados polos produtores de
itens possivelmente enquadráveis nas regras mundiais de Comércio Justo que
florescia no exterior. Feitas as regionalizações dos princípios iniciais, chegou-se à
conclusão de que, no Brasil, em qualquer de suas regiões, para que um produto se
adequasse ao conceito de justo e solidário necessariamente deveria primar pela
defesa dos seguintes princípios:
Fortalecimento da democracia, autogestão, respeito à liberdade de opinião, de organização e de identidade cultural, em todas as atividades relacionadas à produção e à comercialização justa e solidária.
Garantia de condições justas de produção e trabalho, agregação de valor, bem como o equilíbrio e o respeito nas relações entre os diversos atores, visando a sustentabilidade econômica, socioambiental e a qualidade do produto em toda a cadeia produtiva.
Apoio ao desenvolvimento local em direção a sustentabilidade, de forma comprometida com o bem-estar sócio-econômico e cultural da comunidade, promovendo a inclusão social através de ações geradoras de trabalho e renda.
100
Respeito ao meio ambiente, primando pelo exercício de práticas responsáveis e sustentáveis do ponto de vista socioambiental.
Respeito aos direitos das mulheres, crianças, grupos étnicos e trabalhadores, garantindo a equidade e a não discriminação entre todos.
Garantia de informação ao consumidor, primando pela transparência, pelo respeito aos direitos dos consumidores e pela educação para o consumo responsável.
Estímulo à integração de todos os elos da cadeia produtiva, garantindo uma maior aproximação entre todas as pessoas e entidades a ela ligadas.
Embora sejam apenas linhas mestras, os acima mencionados princípios são
capazes de dar um bom delineamento de uma atividade que, ao mesmo tempo que
atende as exigências internacional de Comércio Justo, ganha peculiaridades
próprias inerentes à forma de ser do brasileiro. Assim se dando esse regramento,
deixou clara a reflexão que foi feita para evitar que regras isoladas fossem impostas
aos produtores e artesãos, sem que fossem atendidas suas demandas e
características particulares.
101
4. REFLEXOS DO COMÉRCIO JUSTO
“Cada vez que num conjunto de elementos começa a se conservar certas relações, abre-se espaço para
que tudo mude em torno das relações que se conservam”.
Maturana R., H. e Dávila Y.,X. Habitar Humano
4.1. IMPACTO SOCIAL
O Comércio Justo consolida-se como um movimento baseado na parceria
comercial, através do diálogo marcado pelo respeito e transparência, com vistas à
manutenção da equidade das relações no comércio internacional. Por meio de suas
práticas, contribui para o desenvolvimento sustentável oferecendo melhores
condições de trabalho e assegurando o direito dos trabalhadores menos favorecidos.
(RAYNOLDS, 2004, p. 1110). Isso porque, nos primeiros anos de movimento, as
iniciativas de comércio justo compravam unicamente de pequenos produtores os
quais eram identificados como “populações desfavorecidas”, contudo com o passar
dos anos o processo de elegibilidade dos produtores começou a ser expandido no
intuito incluir plantações com rígidas regras trabalhistas. Esta mudança se deu pelo
reconhecimento de que muitas vezes os trabalhadores sem-terra são, na realidade,
os mais desfavorecidos, tendo em vista que alguns produtos raramente são
produzidos por pequenos produtores. Assim como regra geral passou-se a exigir que
todos os parceiros seguissem os requisitos básicos do comércio justo, no que tange
as questões socioambientais. (RAYNOLDS, 2000).
Outra contribuição desta alternativa é a promoção de novos arranjos de
governança ao longo da cadeia, no qual o produtor adquire competências e
capacidades organizacionais que permitem ampliar a negociação com diferentes
atores sociais, dentre eles o Estado. (TAYLOR, MURRAY E RAYNOLDS, 2005)
Estimula também a participação em feiras, a troca de experiências, o fortalecimento
da capacidade de organização dos agricultores (RAYNOLDS et al., 2004). Em
complemento, o Comércio Justo tem prestado um apoio importante para as
comunidades de produtores, uma vez que garante um preço mais elevado e o
102
pagamento de um Premium. Este valor adicional é aplicado em fundos de
investimento que possibilitam considerável melhoria nas estruturas de
armazenamento, processamento e transporte. Muitas cooperativas aplicam seus
recursos adicionais no desenvolvimento de uma variedade de projetos comunitários
nas áreas de saúde, moradia e educação. Em alguns casos, em decorrência do
isolamento de alguns produtores, a força do movimento possibilita a construção de
estradas e escolas bem como o aprimoramento do transporte público. (RAYNOLDS,
2004).
Outro fator de destaque é que também é percebida uma melhora no acesso
ao crédito por parte dos produtores, que são vistos com certo prestígio em virtude da
certificação, uma vez que se subentende que a organização está sujeita a um
controle externo e também demonstra iniciativa e capacidade para entrar em novos
mercados Dentre outros tantos benefícios, podemos mencionar que o Comércio
Justo também se apresenta como alternativa à migração, uma vez que amplia as
oportunidades para a mão-de-obra familiar, sugerindo como alternativa o
investimento em suas propriedades. Outro grande benefício identificado nos
membros da comunidade cafeeira de UCIRI (Unión de comunidades indígenas de la
región del Istmo) e Coordenadora Estatal de Produtores de Café de Oaxaca
(CEPCO) reportam o investimento crescente em atividades de geração de renda não
agrícolas para mulheres. (RAYNOLDS, 2004).
Essas talvez sejam as mais significativas contribuições do Comércio Justo,
pois agindo junto às comunidades pobres, composta por produtores que poderiam
de outra forma não ser capaz de ganhar a vida em seu próprio território, intervém,
promovendo o sustento das comunidades, mas não só isso, pois soma à atividade
com a informação que ilumina, conscientizando. E esses frutos são percebidos por
muitos dos que se põem a estudar o tema, cabendo mencionar a sensível descrição
de Trentmann (2006, p. 1081, tradução nossa):
Geógrafos que estudam o comércio justo tem o visto como uma nova forma de ética cosmopolita que responde à relação cada vez mais tensionada entre consumidores e produtores. De um instrumento de exploração, o
103
comércio é transformado em um veículo de solidariedade global entre consumidores conscientes e produtores empoderados.12
Por tudo que se disse, é inegável a contribuição desse movimento, na
promoção do desenvolvimento agrícola para milhares de pequenos agricultores do
Sul, promovendo o aumento da renda, infraestrutura física e social, alívio da pobreza
e estímulo às capacidades humanas. (FRIDELL, 2006).
4.2. IMPACTO ECONÔMICO
4.2.1. Visão e reconhecimento do consumidor
Se por um lado a crise econômica mundial de 2008 criou uma atmosfera de
insegurança e incredulidade por parte dos consumidores com relação aos negócios
puramente comerciais, por outro permitiu a expansão e o fortalecimento do comércio
ético, cujo mercado expandiu-se das iniciativas não governamentais para as
iniciativas empresariais, que de alguma forma praticam negócios econômica,
ambiental e socialmente éticos. (ITC, 2009). Com vistas a promover e expandir o
Comércio Justo vem sendo comum a utilização de slogans, frases de impacto,
cartas, protestos ou até mesmo campanhas de buycotting com o objetivo promover a
“cultura crítica do consumo”, que desafia o individualismo, a competição e a cultura
ética improvisada do capitalismo (FRIDELL, 2003, p.4), por meio da conscientização
e da educação dos consumidores.
Apesar do número de consumidores conscientes ser ainda insignificante
demograficamente, eles vêm contribuindo para inibir procedimentos duvidosos
adotados pelas empresas, na expectativa de que elas responsabilizem não só pelo
produto, mas pela sua marca e por toda a cadeia produtiva. (ITC, 2009). Ano após
ano aumenta o número de consumidores que condicionam a aquisição de bens e
12 Geographers studying fair trade have seen it as a new form of cosmopolitan ethics responding to the increasingly stretched relationship between consumers and producers. From an instrument of exploitation, trade is transformed into a vehicle of global solidarity between conscientious consumers and empowered producers
104
serviços ao envolvimento de determinadas corporações em ações de
sustentabilidade e programas de investimento social. (BEEVORS, 2008, tradução
nossa).
Os Consumidores do comércio justo usam o seu poder de compra para expressar avaliações éticas ou políticas de negócios e práticas governamentais favoráveis e/ou desfavoráveis. Como outras formas de consumo ético e ambiental, refletem a tendencia da globalização e da individualização os cidadãos criam novas arenas para pensar de forma responável. (MICHELETTI, apud LYON, 2006 )13.
De acordo com Harriet Lamb, da Fair Trade Foundation, os consumidores
conscientes representam uma parcela da população caracterizada por pessoas mais
velhas, melhor educadas e com maior poder aquisitivo que os compradores comuns.
Igualmente, verificou-se que os jovens estão mais conscientes do seu papel de
consumidor, fidelizando-se a marcas que apresentam preocupações éticas (ITC,
2009). Cada vez mais preocupados com as mudanças climáticas e os desastres
naturais, os consumidores agem não apenas de forma altruísta na conservação da
natureza, mas como parte integrante e responsável pela manutenção da vida no
planeta. (BEEVORS, 2008).
De acordo com a pesquisa da ACNielsen (Janeiro 2007), 9 em cada 10
pessoas no mundo estavam conscientes do aquecimento global e 57% das
consultadas consideraram-no "um problema muito sério”. Em 2007, o Pew Global
Attitudes realizou uma pesquisa em mais de 47 países, e descobriu que a proporção
de pessoas que viam a degradação ambiental como uma grande ameaça para o
planeta tinha aumentado significativamente em 20 dos 35 países pesquisados, se
comparado com os dados de 2002. (BEEVORS, 2008). A onda de consciência
espraia suas consequências para uma série de outras áreas da reflexão humana,
trazendo à tona várias outras questões éticas mais amplas, como os direitos
trabalhistas, por exemplo. Como ilustração desse fenômeno, basta verificarmos que:
13 Fair trade consumers use their purchasing power to express ethical or political assessments of favourable and unfavourable business and government practices. Like other forms of ethical and environmental consumption, fair trade consumption reflects the trends of globalization and individualization that prompt citizens to ‘create new arenas for responsibilitytaking’ (Micheletti, 2003, p. 5).
105
Em uma pesquisa da TNS Worldpanel, feita em 2007, no Reino Unido, descobriu que 70% dos entrevistados, perguntados sobre as condições de trabalho nas cadeias varejistas de abastecimento, disseram que achavam muito importante que não houvesse nenhum empregado menor de idade, e que os trabalhadores não deveriam ser forçados a trabalhar em condições insalubres por longos períodos. (BEEVORS, 2008, tradução nossa).14
Outro dado interessante constatado em pesquisas europeias diz respeito ao
bem-estar animal.
Em pesquisa realizada pela Eurobaro-meter em 2007 constatou que mais de um terço dos europeus (34%) consideraram o bem-estar animal um quesito de extrema importância, enquanto apenas 2% afirmaram o contrário. Uma outra pesquisa feita pelo Cooperative Group (2008) constatou que 21% dos consumidores do Reino Unido avaliam o bem-estar animal como a sua principal preocupação ética, concluindo que para o comércio ético, bem-estar animal e impacto ambiental são as principais áreas de preocupação para os consumidores do Reino Unido. Outro estudo realizado em 2005 pelo australiano Animal Welfare Science Centre indicou que 60% dos consumidores consultados consideraram preocupante a questão do bem-estar dos animais, enquanto apenas 16% discordaram dessa afirmação. (BEEVORS, 2008, tradução nossa).15
O boom no consumo consciente, liderado pelos alimentos orgânicos,
Comércio Justo e moda ética reflete apenas um dos aspectos que chamam a
atenção no crescente debate sobre a nova forma de consumir. (ITC, 2009). Ano após
ano, movidos por um fenômeno de divulgação de informações e ganho de
consciência, o número de consumidores de produtos oriundos do Comércio Justo
aumenta consideravelmente
De acordo com as descobertas da pesquisa TNS CAPI OmniBus, a diferença
entre pessoas que compram produtos do Comércio Justo regularmente e
14 For example a TNS Worldpanel survey in 2007 in the UK found that 70 percent of respondents asked about working conditions in retailers’ supply chains said they thought it “very important” that there should not be any underage employees, and that workers should not be forced to work in unhealthy conditions for extended periods of time. 15 Research by Eurobaro-meter in 2007 found that over a third of Europeans (34 percent) consideredanimal welfare to be of the highest possible importance while only 2 percent claimed it is not at all important. Research by the Cooperative Group (2008) found that 21 percent of UK consumers rated animal welfare as their top ethical concern and concluded that ethical trading, animal welfare and environmental impact were the key areas of concern for UK consumers. Another study conducted in 2005 by the Australian Animal Welfare Science Centre found that 60 percent of consumers felt that ‘welfare of animals is a major concern’, while only 16 percent disagreed.
106
ocasionalmente. Em 2007, 16% dos consultados afirmavam comprar produtos do
Comércio Justo regularmente, passando agora para 24%, e, dentre aqueles que
ocasionalmente compravam produtos do Comércio Justo, o número diminui de 15%
para 14%. Em complemento, verifica-se que o percentual de consumidores que
regularmente ou ocasionalmente compra muitos produtos do Comércio Justo vem
crescendo, pois eram, respectivamente, 18% e 15%, e passaram a ser 24% e 17%).
Ao mesmo tempo o número de pessoas que afirmaram que nunca compram
produtos do gênero também diminuiu. (FLO, 2010).
Quanto ao reconhecimento das marcas, atualmente o Reino Unido lidera a
compra por produtos de Comércio Justo. Segundo estudo realizado pela TNS, em
setembro de 2009, com mais de 25.000 famílias, identificou-se que mais de 72% das
pessoas reconhecem a marca do Comércio Justo e que apesar do contexto
econômico difícil, em virtude das crises econômicas mundiais, um número maior de
pessoas está gastando mais para adquirir produtos certificados O gráfico abaixo
descreve o fenômeno. (FLO, 2010).
Gráfico 04: Reconhecimento da marca Comércio Justo Fonte: ITC: 2009
107
Conforme observa Dana Kissinger-Matray, da International Organization
Standardization (ISO), a globalização está mudando as preocupações dos
consumidores. Com a integração das economias e dos sistemas de informação,
aumenta consideravelmente o poder dos consumidores para influenciar os
mercados. Eles percebem que além das preocupações tradicionais com a qualidade
e preço, o impacto de suas escolhas influencia, econômica, social e ambientalmente
a vida de outras pessoas em outras partes do mundo. (ITC, 2009).
Atualmente as pessoas que compram um produto da marca “Comércio Justo”
o fazem sabendo o seu significado e assumindo que de alguma forma esse
conhecimento influenciou sua decisão. Isto significa que as iniciativas realizadas pelo
movimento com a conscientização de consumidores, países, cidades, igrejas e
universidades, têm constituído um poderoso instrumento de sensibilização (FLO,
2009).
4.2.2. Visão do mercado
Embora estejamos tratando de um conjunto de valores recentes, ainda
precariamente estudado, vemos ser inegável o potencial de transformação embutido
nas perspectivas futuras do Comércio Justo. A necessidade de conhecer e
reconhecer os anseios dos consumidores vem reverberando em toda a cadeia
produtiva, fazendo com que atualmente todos os seus elos, em ambos os
hemisférios, sejam forçados a reexaminar seus procedimentos com vistas a
procederem com mais justiça. (ITC, 2009).
Constantemente a definição de “justiça” proposta pelo movimento de
Comércio Justo é colocada em xeque, tanto por céticos quanto por produtores de
países desenvolvidos, os quais alegam que, ao falar de justiça, o movimento distorce
a visão do mercado, criando um certo protecionismo em decorrência dos standards
exigidos na produção, não por causa, propriamente, da competição, mas sim por
conta do custo inerente à obtenção dos requisitos necessários para ser reconhecido
como justo. (ITC, 2009). De fato, o estabelecimento de critérios rígidos para que um
produto seja considerado justo, revela seriedade e compromisso, fechando as portas
108
para empreendedores oportunistas. Porém, à medida que essa escolha criteriosa vai
também se tornando mais cara, a ponto de muitas vezes pôr em risco o objetivo
inicial da ideia, que era de possibilitar um canal de comércio diferenciado para
populações de produtores marginalizados, sem tecnologia e sem mercado para sua
produção. Assim, se por um lado a tendência por um comércio mais ético traz
benéficos, criando novos mercados para os países do Sul, o seu aperfeiçoamento
também traz prejuízos potenciais, pois ao elevar os standards (novos requisitos e
normas) aplicados às vendas e exportações, impacta diretamente na atividade de
produtores em países em desenvolvimento, cuja a capacidade de sobreviver e
crescer está diretamente ligada ao acesso a esses mercados. (ITC, 2009).
E esses paradoxos permitem o questionamento constante do próprio conceito
do Comércio Justo. Pois, afinal, o que é considerado justo? E para quem? Quem
estabelece as diretrizes de justiça? 16
Segundo dados do Estudo da ITC (2009), justiça significa trabalhar
promovendo a sustentabilidade ambiental, demonstrando respeito por todos os
integrantes da cadeia de valor, ou seja, a garantia dos direitos aos trabalhadores,
melhor retorno ao produtor e maior equidade nas trocas comerciais.
Contudo, na linha do pensamento de Fridell (2003, p.3), o mercado continua a
ser o árbitro final dos preços, uma vez que aos comerciantes de comércio justo
torna-se difícil a missão de manter os princípios éticos e atender as demandas do
mercado ao mesmo tempo. Pois os preços dos produtos de comércio justo, uma vez
que maiores que os produtos similares disponíveis no mercado (diferença que
permite rotulá-los como justo), não podem ser mais elevados que valor que o
consumidor está disposto a pagar. Em última análise, então, é possível dizer que a
justiça é medida pelo quanto os consumidores do Norte estão dispostos a pagar por
um produto de ética premium, e, no outro lado da equação, quanta justiça os
produtores estão dispostos a anexar ao conteúdo de seus produtos pelo preço que
por eles conseguem cobrar.
Importa também frisarmos que os aspectos morais apregoados pelo Comércio
Justo desafiam a lógica do mercado capitalista, estabelecendo sua estaca principal 16 Segundo Trasímaco, as leis criadas pelos governantes e proclamadas como jutas para seus súditos são sempre uma representação dos interesses dos mais fortes. Para um aprofundamento desta questão, (PLATÃO, A República,1997)
109
na distribuição da renda e das riquezas. Fridell (2003) ressalta, com propriedade,
que a diferença de preço aplicada pelo Comércio justo já salvou muitos produtores
da falência, já impediu a migração em massa e contribuiu para a diminuição da fome
vivida por dezenas de milhares de pequenos produtores de café no mundo.
4.2.3. Mudanças na estratégia empresarial
Se formos analisar a evolução da forma como se ergueu a estrutura
corporativa nos últimos 100 anos, verificamos que a princípio a criação de valor das
empresas estava centrada na busca de eficiência interna, redução de custo e
desempenho financeiro de curto prazo, excluindo basicamente de seu raciocínio
econômico, questões sociais e ambientais. (PORTER, 2011). Aspectos sociais e
ambientais eram relegados ao esquecimento ou entregues ao governo e, mais
recentemente, às ONGs, utilizando como base a ideia legitimada pelos economistas
de que a contribuição das empresas à sociedade era a de modelar o seu sucesso
econômico. (PORTER, 2011).
Contudo, em meados da década de 70 líderes empresariais e intelectuais, no
Japão, Europa e EUA questionaram-se quanto à aplicabilidade da responsabilidade
social corporativa nos negócios, como instrumento que possibilitaria a redução das
tensões do trabalho e do comércio, adotando ideais éticos, de cooperação e respeito
pela dignidade humana. (ITC, 2009). Na era tecnológica, podendo ser incluídos
nesse contexto os últimos 30 anos, contudo, as ações de produtores e fornecedores
de países em desenvolvimento começaram a ser monitoradas e divulgadas nas
redes sociais. A mera transferência de atividades produtivas para países em
desenvolvimento, com salários mais baixos, na busca de compensar os desafios da
concorrência, ao invés de contribuir, intensificaram as exigências por negócios e
práticas mais coerentes com o sistema “triple bottom line”. (PORTER, 2011; ITC,
2009).
Há alguns anos mereceu destaque na mídia internacional o caso da NIKE,
que se notabilizou pela utilização de mão-de-obra infantil e, após ser denunciada,
sofreu forte abalo econômico, dada a diminuição imediata nas vendas. A unidade
110
mexicana da Mitsubishi, igualmente, em um projeto de exploração de sal, acabou por
agredir a fauna e a flora marítima, sofrendo perdas econômicas por força de um
boicote suscitado pelas unidades ambientalistas. (MATTAR, 2003). De acordo com
Ernst von Kimakowitz, da Universidade de St. Galle, co-fundador da The Humanistic
Management Network, a empresa deve renovar continuamente o seu pacto com a
sociedade, pois “is that it takes years to build up a reputation and just seconds to
destroy it”. (ITC, 2009).
Visto isso, as empresas cada vez mais são convidadas a assumir parte das
deficiências econômicas, sociais e ambientais geradas por elas próprias ou não, uma
vez que, como representantes do capitalismo, passaram a ser vistas como principais
causadoras desses problemas, mesmo que eventualmente para eles não tenham
diretamente contribuído. Uma vez que externalidades como poluição, desperdício de
matéria-prima, gastos abusivos e demanda por energia, acidentes ambientais
onerosos, dentre tantas turbulências contemporâneas não eram internalizadas pelas
empresas, as consequências negativas acabavam e ainda acabam desembocando
nas portas da sociedade. (PORTER, 2011).
A verdade é que, perseverando nas influências do modelo econômico
capitalista puro, o meio empresarial ainda não considera, em sua atuação, a
amplitude dos impactos sociais e ambientais das suas atividades. (PORTER, 2011).
As empresas ainda tendem a criar bens, valores e serviços que possam ser
rapidamente percebidos e almejados pelos consumidores, utilizando-se de um
discurso de aparente viés ecológico, sustentável, ético. (BADUE, 2005). Embora se
possa realçar uma ou outra iniciativa positiva, pode-se notar uma movimentação
ainda muito tímida do meio empresarial. (PORTER, 2011).
O diretor executivo da Fundação de Comércio Justo do Reino Unido, Harriet
Lamb, argumenta que o crescimento exponencial do Comércio Justo tem incentivado
as empresas a repensarem a sua forma de atuação. Empresas que no passado
prestavam pouca ou nenhuma atenção nos métodos utilizados na produção dos
produtos adquiridos em países em desenvolvimento buscam atualmente parceiros
certificados para diminuir os riscos e assegurar o reconhecimento dos consumidores
consciente, que aceitam pagar mais pelo produto, quando identificam ações
socialmente responsáveis por parte das empresas. (ITC, 2009).
111
O fato é que em resposta às demandas impostas pelos consumidores
conscientes e por instituições engajadas a evidenciar as atitudes antiéticas e
prejudiciais ao meio ambiente, por meio de ações como public licence to operate ou
name-and-shame na mídia e na internet (ITC, 2009), o meio empresarial começa a
repensar a velha fórmula da responsabilidade social, na qual as questões sociais
ocupam posição periférica, e atentar para o princípio do valor compartilhado, que
envolve a geração de valor tanto para as empresas como para a sociedade, com o
objetivo de manter e ganhar a confiança dos consumidores. (PORTER, 2011).
Segundo Sybil Anwander, chefe do Controle de Qualidade e Sustentabilidade
da segunda maior empresa de varejo da Suíça, The Coop, os consumidores cada
vez mais esperam que a empresa atue de forma social e ambientalmente
responsável, que os produtos sejam produzidos de forma ambientalmente amigável
que os funcionários sejam educados e recebam melhores salários. Assim sendo, as
empresas podem e devem assumir a liderança na promoção da sustentabilidade, de
forma a atender as expectativas dos consumidores mais conscientes, assumindo
parte das despesas para uma produção mais sustentável. (ITC, 2009).
De acordo com Alex Brigham, do The Ethisphere Institute, empresas éticas
são mais competitivas a longo prazo, porque atraem não só consumidores, mas
trabalhadores mais inteligentes e produtivos, que valorizam os standards éticos
aplicados pelas suas empresas. Conforme afirma Sybil Anwander, citado acima, “it is
good business to be a sustainability conscious company, we have higher turnover,
more product range, more motivated employees”. (ITC, 2009).
Para Craig Davis, executivo de publicidade internacional, o contexto atual
oferece uma grande oportunidade para as empresas contarem as suas histórias, que
narrando a realidade de seus negócios e como empresas, comunidades e o meio
ambiente são local e globalmente afetadas por eles. (ITC, 2009). Em fim de contas,
as empresas devem cada vez mais se esforçar para que os seus produtos e
operações estejam em consonância com as expectativas dos consumidores
conscientes, que esperam que a transparência e a ética sejam tão automáticas
quanto a expectativa de que os produtos sejam não-tóxicos e seguros para a
utilização. (BEEVORS, 2008).
112
Ironicamente, se não de forma inesperada, as vendas de produtos éticos
começaram a decolar quando perderam a sua conotação de caridade e começaram
a competir em qualidade. Vale o exemplo da Max Havelaar, uma das maiores
organizações de Comércio Justo e orgânico do mundo, que transformou o negócio
de bananas da Coop, na Suíça, em um monopólio do Comércio Justo, ressaltando
os benefícios dos produtos livres de pesticidas. (ITC, 2009).
4.3. IMPACTO AMBIENTAL
Muito embora a nomenclatura “Comércio Justo” não faça menção direta ao
meio ambiente, o desenvolvimento do movimento dele resultante é atualmente
indestacável do conceito de preservação ambiental. Inúmeras medidas agregadas
aos mecanismos de produção, haja vista que intrinsecamente ligados à
conscientização e humanização do produtor, estendem suas raízes na preservação
das florestas, diminuição e mesmo eliminação do uso de defensivos agrícolas.
Muitos dos movimentos atuais encontram-se entrelaçados na proteção de
interesses que são mutuamente importantes. E como vimos, um dos princípios
expressos do Comércio Justo, ou seja, sem o qual não se pode considerar uma dada
atividade como integrada ao movimento, é justamente a preservação do ambiente.
Os produtores são incentivados a trabalhar nos moldes da agricultura orgânica,
reduzindo ou eliminando o manejo de defensivos químicos; promovendo rodízios de
culturas e outras técnicas que evitam a erosão do solo; reutilizando materiais;
diminuindo o consumo de produtos industrializados e privilegiando os
biodegradáveis; procurando dar utilidade ao maior número de subprodutos de cada
cultura agrícola cultivada.
Mesmo nos casos em que há utilização de defensivos, há a exigência de que
os produtos químicos utilizados não provoquem danos ao ambiente próximo,
impondo o uso de barreiras, impedindo a contaminação de rios e lagos, dentre
outras medidas. Tanto é assim que muitas das atividades que vêm tentando ser
conhecidas como engajadas no Comércio Justo primam pelos interesses de proteger
o ambiente e utilizar recursos de forma sustentável. É muito verdade que os
113
investimentos para que determinada cultura e determinados produtos venham a ser
totalmente ecológicos exigem investimento elevado e os retornos financeiros
usualmente somente ocorrem após anos. No caso de produtores simples, muitas
vezes miseráveis, a espera e o investimento não são elementos que deles se podem
exigir. Mesmo nesses casos as cobranças do Comércio Justo vêm sendo atenuadas
com vistas a permitir que esses produtores possam primeiro garantir sua
sobrevivência e com o passar do tempo poderem ir se adequando a padrões mais
rígidos nas suas profissões.
Alguma das atividades que vem sendo implementadas com sucesso, e que
merecem menção, a título de exemplo. Na Associação dos Artesãos de Urucuia, em
Minas Gerais, ao trabalhar com a palmeira buriti os trabalhadores são estimulados a
somente extrair das árvores as folhas que não impeçam o crescimento da planta,
permitindo a sua perpetuação e garantindo o futuro da atividade, providência esta
que também é adotada pela Associação dos Artesãos do Bairro de São Vicente de
Paula, no Piauí, que trabalha com carnaúba.
Já na Associação dos Artesãos de Uruana de Minas, em Minas Gerais, os
trabalhadores criam peças de algodão cultivado de maneira sustentável, utilizando-
se de corantes naturais, extraído de plantas, para tingir as peças e os fios utilizados
na manufatura de seus trabalhos. São, pois, todas atividades que procuram
demonstrar a possibilidade de promover ações empreendedoras de forma lucrativa,
distribuindo lucros, promovendo riqueza e, principalmente, preservando o ambiente
da atuação do homem, dando, assim, a possibilidade às gerações futuras de se
perpetuarem.
4.4.COMÉRCIO JUSTO: CRÍTICAS E DESAFIOS
Se por um lado o Comércio Justo é visto por algumas instituições e
corporações como uma alternativa para um mercado internacional regulado e não
predatório, há uma parcela significativa dos agentes econômicos mundiais que não
compartilha da mesma visão, acreditando que toda essa movimentação pode não
passar de uma onda passageira e que o tempo demonstrará que não há nem nunca
114
houve, de fato, motivo algum para tantos alardes. O fato é que para ganhar apoio de
diversas instituições, conquistar consumidores, conseguir linhas de crédito
especializadas e comercializar os produtos justos, os comerciantes tiveram que se
adaptar e lutar por nichos de mercado controlados pelos objetivos neoliberais.
(FRIDELL, 2006b).
O crescente interesse das grandes empresas, universidades e instituições
públicas em participar da rede de comércio justo, apresenta fundamento ambíguo e
controverso. Muitas corporações se utilizam dessa parceria para proteger sua
imagem pública e ampliar a sua fatia de mercado. (FRIDELL, 2006a). Fenômeno
equivalente ocorre com as instituições públicas da Europa e dos Estados Unidos que
ao adquirirem significativa cota de produtos oriundos do Comércio Justo,
desconsideram outras demandas maiores reivindicadas pelo movimento. Da mesma
forma, as universidades, ao passo que apoiam políticas de compras éticas, buscam
apoio financeiro de grandes corporações para sustentar as sua reestruturação
neoliberal, perdendo sua liberdade acadêmica. (FRIDELL, 2006a).
Com a entrada de novos atores “como o grande varejo e as marcas
transnacionais”, o Comércio Justo passa a ter uma nova feição, mais comercial do
que política, à medida que as relações comerciais tornam-se mais fortes e
frequentes. Os números negociados são maiores, proporcionando um desequilíbrio
de poder entre os envolvidos, já que os compradores com maior poder aquisitivo,
possuem também maior poder de barganha frente aos produtores, representando
risco aos pequenos produtores (representantes de organizações alternativas) que
vivem cem por cento da comercialização de produtos oriundos do Comércio Justo e
que possuem recursos financeiros e nichos de mercados limitados. (ASTI, 2007).
Extremamente importante também é a questão diz respeito a dependência ao
mercado externo, ao voluntariado e aos interesses e instituições do Norte. Conforme
bem menciona Fridell:
En contraste con La visión más amplia del movimiento de comercio justo, la red de comercio justo representa un modelo que es voluntarista, dependiente del mercado y miembro específico. Los precios para las mercancías del comercio justo y el tamaño del nicho del mercado del comercio justo (y por extensión del número de productores que pueden
115
tener acceso a los estándares del comercio justo) son totalmente dependientes de los caprichos de los consumidores del norte.(2006, p. 55).
Apesar do crescente interesse em apoiar o movimento o que se percebe é
que a fatia de mercado para os produtos de Comércio Justo ainda é insuficiente para
promover a todos os seus sócios, pequenos agricultores, a quantidade necessária
de venda que lhes permita a sobrevivência. Pequenos produtores enfrentam
dificuldades para obter a certificação de seus produtos pela FLO (uma vez que a
mesma só certifica produtos que possuem demandas asseguradas), ocasionando
que somente as cooperativas mais fortes obtenham os plenos benefícios do sistema.
(FRIDELL, 2006a). Em alguns seguimentos o Comércio Justo apresenta uma oferta
maior que a demanda, ocasionando a competição de preços dentro do próprio
contexto do preço justo. Normalmente, essa competição é ainda acentuada pelas
peculiaridades regionais, onde a Ásia assume a liderança na comercialização de
produtos de Comércio Justo têxteis e artesanais, enquanto a América Latina se
destaca pela produção de produtos agrícolas.(ASTI, 2007).
Ressalta-se também a necessidade de definir certos padrões, regras e
monitoramento de certificação por parte de firmas e indústrias, com o intuito de
assegurar a credibilidade e a legitimidade exigida pela certificação. De acordo com
um estudo realizado com 115 produtores no México e República Dominicana,
somente três quartos tinham um básico entendimento do que significava o Comércio
Justo ou os benefícios propostos por ele. Em muitos destes casos a iniciativa de
certificação veio das empresas exportadoras e não propriamente dos produtores da
região. (GETZ e SHERECK, 2006).
Isso demonstra que para que haja um desenvolvimento uniforme do
movimento nacional e internacionalmente se faz necessário lapidar as arestas para
que o potencial transformador do Comércio Justo se transforme no veículo de
equidade e justiça social a que ele se propõe.
116
5. UM MOVIMENTO EM BUSCA DE CONSOLIDAÇÃO
“Tudo que é feito é feito por um ser humano no âmbito da antroposfera que surge com ele”.
Maturana R., H. e Dávila Y.,X. Habitar Humano
5.1. GÊNESE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNDO LIGADAS AO COMÉRCIO
JUSTO
Tendo em vista o que foi dito ao longo desta pesquisa os movimentos sociais
e as instituições internacionais vêm investindo cada vez mais em inovações de
produtos e serviços que promovam mudanças significativas para as comunidades
sob sua abrangência territorial. A conquista da simpatia popular precisaria, em um
momento inicial, ganhar a confiança do cidadão comum e, mais do que isso, daquele
cidadão que se encontra sem situação crítica, sob o ponto de vista social, econômico
ou ecológico.
Mas uma vez convencidas às populações da necessidade de promover
mudanças nos hábitos e nas formas pelas quais as negociações se dão em âmbito
regional e internacional. A consolidação de regimes passíveis de serem protegidos
pelo Estado, mediante a adoção de medidas jurídico-protetivas, somente surge após
socialmente o ideal encontrar-se consolidado. E é o que se vê no que tange ao
Comércio Justo. Inicialmente dependendo de poucas vozes a defender seus
interesses, o ideal do comércio igualitário conquistou camadas significativas das
populações de muitos países, alguns deles consumidores exigentes e capazes de
impor suas determinações aos fornecedores estrangeiros.
Com as demandas internacionais alterando-se, surgiram os grupos
econômicos, dependentes das decisões dos grandes consumidores dispostos a
modificar severamente suas práticas comerciais com vistas a manter suas fatias de
mercado. Conquistada a classe empresarial, definido o mercado consumidor, o
próximo passo necessário dar-se-ia no campo político, quer através da criação e
efetiva aplicação de legislação que venha a coibir atitudes arbitrárias e
117
irresponsáveis, social ou ambientalmente, quer mediante o incentivo à pesquisa e à
distribuição de informações.
Hoje tornou-se comum nos grandes eventos políticos sediados nos países da
Europa Ocidental encontrarmos produtos da bandeira Fair Trade nos bares e
restaurantes, tais como o café e o açúcar. O próprio Comissário do Comércio da
Comunidade Europeia, Peter Mandelson, já frisou que o "Fair Trade nos ensina que
consumidores não estão condenados a serem meros caçadores de barganhas. Fair
Trade nos lembra que comércio é sobre pessoas, seu bem-estar, suas famílias, às
vezes, sua sobrevivência”. (SCHNEIDER, 2007).
Todavia, as grandes organizações de Comércio Justo agora cobram das
classes políticas e dos governantes mais do que a declaração de apoio e simpatia,
mas o estabelecimento de políticas públicas voltadas à reflexão, organização e
proteção desse novo mercado. Movidas por esse ideal pujante, algumas iniciativas
concretas já começam a se desenhar no cenário mundial. O governo da Suíça, por
exemplo, já desenvolve parceria aberta com o movimento, servindo como
patrocinador ostensivo dos eventos organizados de Fair Trade, além de investir
significativamente em marketing. O governo da África do Sul, outro bom exemplo,
vem subsidiando e criando oportunidades de negócios na Europa, Japão e EUA para
os produtos derivados da árvore Marula, tão conhecida pelo famoso licor, a qual
também possibilita a fabricação de doces e produtos de beleza. (ITC, 2009).
A ajuda irlandesa, assim como do governo do Reino Unido e da Suiça, faz
parte de um consórcio de doadores internacionais que auxiliam financeiramente o
Comércio Justo, com vistas a aumentar o número de agricultores em todo o mundo
ligados ao mesmo ideal. A meta é ampliar o número de produtores para 2,2 milhões
e, consequentemente, a remuneração que retorna às comunidades na ordem de
€100 milhões por ano, (possibilitando mudancas significativas no desenvolvimetno
local). Espera-se também que as vendasglobaisdeprodutos certificados de Comércio
Justo, alcancem a marca de €9,8 bilhões até 201417.
O Governo Britânico, por sua vez, vem incentivando financeiramente a
expansão agressiva do movimento para que o comércio ético e justo seja
17 Disponível em:<http://www.suite101.com/content/fairtrade-fortnight-will-be-most-ambitious-yet-a187599> Acesso em: 10.09.2011.
118
considerado a regra e não a exceção nos próximos anos em toda a Europa. (ITC,
2009). Nos dias atuais cerca de 890 cidades, em aproximadamente 18 países,
situados na Europa, Estados Unidos e Canadá, autodenominam-se Fair Trade Towns
(cidades de Comércio Justo)18.
5.2. UMA POLÍTICA PÚBLICA BRASILEIRA?
De acordo com o que expusemos anteriormente, algumas linhas do que veio
a se tornar o Comércio Justo e Solidário no Brasil já vinham sendo desenvolvidas
desde os anos 1980. A cada momento, à medida que os movimentos sociais iam se
interligando e ganhando poder, conseguiam também fazer com que o Poder
Legislativo seguisse alguns de seus passos. Não seria exagero estabelecer a força
legislativa brasileira como uma organização que tradicionalmente segue atrás do que
socialmente já fora consolidado, não criando diretrizes para o futuro, mas declarando
o já conhecido.
Felizmente no que tange ao Comércio Justo a iniciativa surgiu diretamente do
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no exercício de seu poder de
regulamentação de legislações federais. Assim sendo, por meio do decreto
7.358/2010 o Brasil torna-se o primeiro país a ter uma regulamentação federal de
apoio e afirmação do Comércio Justo e Solidário. Da referida norma podem ser
pinçados os seguintes elementos:
Art. 2O Para os efeitos deste Decreto, entende-se por:
I - comércio justo e solidário: prática comercial diferenciada pautada nos valores de justiça social e solidariedade realizada pelos empreendimentos econômicos solidários;
II - empreendimentos econômicos solidários: organizações de caráter associativo que realizam atividades econômicas, cujos participantes sejam trabalhadores do meio urbano ou rural e exerçam democraticamente a gestão das atividades e a alocação dos resultados;
III - organismos de acreditação: organismos que credenciam os organismos de avaliação da conformidade, atestando sua capacidade para realizar tarefas de avaliação da conformidade de produtos, processos e serviços;
18 Disponível em: < www.fairtrade.org.uk/get_involved_fairtrade_towns.htm> Acesso em : 24.07.2010.
119
IV - organismos de avaliação da conformidade: organismos que inspecionam e atestam o cumprimento dos critérios de conformidade de produtos, processos e serviços com as práticas de comércio justo e solidário; e
V - preço justo: é a definição de valor do produto ou serviço, construída a partir do diálogo, da transparência e da efetiva participação de todos os agentes envolvidos na sua composição que resulte em distribuição equânime do ganho na cadeia produtiva.
Parágrafo único. Os termos fair trade, comércio justo, comércio equitativo, comércio équo, comércio alternativo, comércio solidário, comércio ético, comércio ético e solidário estão compreendidos no conceito de comércio justo e solidário, nos termos deste Decreto.
Art. 3 o O SCJS tem por finalidade fortalecer e promover o comércio justo e solidário no Brasil, o que compreende alcançar os seguintes objetivos:
I - fortalecer identidade nacional de comércio justo e solidário, por meio da difusão do seu conceito, de seus princípios e critérios de reconhecimento de práticas de comércio justo e solidário e de seu fomento;
II - favorecer a prática do preço justo para quem produz, comercializa e consome;
III - divulgar os produtos, processos, serviços, bem como as experiências e organizações que respeitam as normas do SCJS;
IV - subsidiar os empreendimentos econômicos solidários, os organismos de acreditação e de avaliação da conformidade e as entidades de apoio e fomento ao comércio justo e solidário, por meio de base nacional de informações em economia solidária e de empreendimentos econômicos solidários com práticas de comércio justo e solidário reconhecidas pelo SCJS;
V - contribuir com os esforços públicos e privados de promoção de ações de fomento à melhoria das condições de comercialização dos empreendimentos econômicos solidários;
VI - incentivar a colaboração econômica entre empreendimentos econômicos solidários; e
VII - apoiar processos de educação para o consumo, com vistas à adoção de hábitos sustentáveis e à organização dos consumidores para a compra dos produtos e serviços do comércio justo e solidário.
Parágrafo único. A gestão do SCJS, os seus princípios e os critérios de reconhecimento de práticas de comércio justo e solidário serão disciplinados em ato normativo do Ministério do Trabalho e Emprego.
Embora se trate de apenas um texto normativo, o referido documento
evidencia o interesse público de desenvolver um sistema organização,
estabelecendo uma secretaria própria para a sua gestão e programação de medidas
futuras, regulamentando as atividades de todas as organizações situadas em
território brasileiro, tanto no âmbito da certificação quanto na seara da
comercialização.
120
5.3. A NECESSIDADE DE UMA EDUCAÇÃO PARA O CONSUMO
Cumpre ainda mencionarmos a polêmica sobre a forma como se vem
estabelecendo a relação de consumo. Ao contrário do que se poderia pensar por
uma ótica estreita e de viés político esquerdista, o problema em si não é o consumo,
mas o porquê e o como do consumo? Pois, em fim de contas, quais são as
consequências para o mundo tão conectado e interdependente como o atual, em
virtude dos hábitos de consumo? Como esses hábitos influenciam e deterioram o
meio? Como podemos encontrar o equilíbrio entre o ecologicamente necessário,
socialmente desejável e o politicamente aceitável?
Esses questionamentos trazem à tona a necessária mudança de atitude
frente ao consumo. Embora não seja correto considerar o consumidor como “novo
ator social”, deve-se compreender que a sua atuação dá-se por meio de suas
escolhas, entre elas o ato de consumo, o respeito aos direitos dos outros, a
preservação da natureza, assim como a criação de um espaço emancipatório que
permita a negociação dos interesses individuais e coletivos na construção de uma
sociedade mais sustentável, ética e justa (BADUE, 2005). Segundo CARON e
SEQUINEL (2010, p. 42), para que isso se torne possível é necessário que o
consumidor tenha consciência de sua força, pois precisamente é ele que exerce
maior dano sob a terra. Esclarecem ainda os professores:
A figura do consumidor sustentável, embora seja a parte mais vulnerável na relação de consumo em termos de preservação do meio ambiente, é o agente de maior poder, pois possui poder de escolha sobre os produtos e serviços à sua disposição no mercado. Entretanto, esse poder somente poderá ser efetivamente exercido quando os indivíduos tiverem conhecimentos de sua existência e, principalmente, de sua força.
Neste ato de reconstrução da paisagem social, uma orientação mais positiva
em relação à vida nos remete ao pensamento complexo “da parte ao todo e do toda
a parte” no qual nos permite a consciência de que fazemos parte da terra e é ela que
nos permite viver. Portanto, incentivar que as pessoas ajam de forma mais
121
colaborativa e cooperativa, respeitando o outro como legítimo outro, tornamos a
sociedade mais sensível, mais digna, mais preocupada com os sentimentos do
outro, nossos semelhantes, a ponto de termos o profundo entendimento de que
fazemos parte da mesma família humana, que exige o abandono dos interesses, dos
fundamentos e das práticas econômicas e políticas vigentes. Conforme bem
menciona Milton Santos (200, p. 72):
A nova paisagem social resultaria do abandono e da superação do modelo atual e sua substituição por um outro, capaz de garantir para o maior número a satisfação das necessidades essenciais a uma vida humana digna, relegando a uma posição secundária necessidades fabricadas,impostas por meio da publicidade e do consumo conspícuo. Assim o interesse social suplantaria a atual precedência do interesse econômico e tanto levaria a uma nova agenda de investimentos como a uma nova hierarquia nos gastos público, empresariais e privados. Tal esquema conduziria paralelamente, ao estabelecimento de novas relações internacionais. Num mundo em que fosse abolida a regra da competitividade como padrão essencial de relacionamento, a vontade de ser potência não seria mais um norte para o comportamento dos estados, e a idéia de mercado interno será uma preocupação central. Agora, o que está sendo privilegiado são as relações pontuais entre grandes atores, mas falta sentido ao que eles fazem. Assim, a busca de um futuro diferente tem de passar pelo abandono das lógicas infernais que, dentro dessa racionalidade viciada, fundamentam e presidem as atuais práticas econômicas e políticas hegemônicas.
Obviamente que para que reformulemos a nossa forma de pensar faz-se
necessário refletir a respeito de nossas atitudes, buscando coerência entre a forma
de pensar e agir, e nos perguntando: Como fazemos o que fazemos? Como
permitimos que nossa sociedade promova a falsa ideia de que é mais importante ter
em detrimento do ser? Como temos aceitado estas verdades? Como podemos
reduzir o consumo e promover estas mudanças?
A educação surge com uma ação pedagógica direcionada a desconstruir os
paradigmas do consumo, propondo por meio da reflexão o desenvolvimento de
novas formas de ação política, a partir dos valores humanistas e da sustentabilidade
socioambiental. Uma educação não somente teórica mais prática, baseada na
educação popular, na educação ambiental, na educação para o desenvolvimento e,
sobretudo, na educação de valores. Uma educação que possibilite que nos “co-
inspiremos” por meio da reflexão, recuperando a nossa consciência de
122
responsabilidade, trazendo à tona questões que por vezes não se apresentam na
ordem prática das atividades cotidianas mas que são a única saída, a única forma
de construirmos algo novo juntos. a partir do entendimento de que “a vida que
vivemos, o que somos e o que chegaremos a ser – e também o mundo ou os
mundos que construímos com o viver e o modo como os vivemos – são sempre o
nosso fazer”. (MATURANA, 2004, p.110). Badue (2005, p. 28) complementa o
raciocínio da seguinte forma:
O ponto central é trazer para a educação o debate sobre o sentido de sermos humanos: o que isso significa exatamente; além disso, que compromissos e responsabilidades temos diante deste constante exercício de troca que vivenciamos na sociedade e entre esta e a história a ser escrita a cada dia. Eis o papel da educação na proposta maior de transformação social.
123
6. CONCLUSÃO
“Nós, seres humanos, existimos assim num presente cambiante contínuo em que passado e futuro são modos de viver o contínuo presente cambiante que se vive ”.
Maturana R., H. e Dávila Y.,X. Habitar Humano.
6.1. SÍNTESE DAS CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS
Como vimos, o estímulo ao desenvolvimento contínuo, reflexo direto do
pensamento capitalista, elaborado sob a ótica cartesiana, encontra-se muito
presente nas sociedades contemporâneas. Essa busca pelo progresso e por
melhores condições de vida tende a sempre existir, sendo uma característica do
homem de todos os tempos. A forma como se darão esses eventos é que tende a
mudar, como mudaram em toda a história da humanidade, mediante a constatação
de que os paradigmas antigos tornaram-se ultrapassados e incapazes de resolver os
problemas atuais, e, mais que isso, diante da disposição de encontrar soluções
inovadoras e eficazes.
Mudam os paradigmas, mudam as condições sociais e, necessariamente,
precisam alterar-se os modelos institucionais e de infraestrutura. Há muitas visões
do futuro e muitas sugestões quanto ao que pode ser feito para dar um rumo mais
eficiente para a sociedade e para o comércio dos próximos séculos, pautados por
valores atuais, ligados à solidariedade e ao humanismo, que não eram cogitados
quando as primeiras estacas do modelo econômico atual foram fincadas.
A fundamentação teórica proposta neste trabalho de pesquisa apresentou
autores nacionais e internacionais que provem a reflexão sobre a complexidade das
relações entre indivíduo, cultura e contemporaneidade e servem de subsídios para
ampliar o campo de investigação e pesquisa de trabalhos acadêmicos, programas e
projetos sociais.
Neste contexto a apresentação dos conceitos teve como foco:
a) Consumo;
b) Desenvolvimento capitalista
124
c) Comércio justo;
d) Desenvolvimento socioambiental
e) Consumo consciente;
f) Políticas socioambientais.
g) Educação para o consumo;
6.2. CONCLUSÕES EM RELAÇÃO AOS OBJETIVOS DE ESTUDO PROPOSTOS
Tendo este trabalho de pesquisa como o objetivo principal identificar até que
ponto as contribuições do Comércio Justo nas esferas econômico, social e ambiental
podem influenciar a construção de uma política publica socioambienteal numa
sociedade de consumo. Podemos realizar as seguintes considerações
O comércio vai, sem dúvida, continuar alavancando a economia no futuro
próximo e estimulando o consumo. Mas os moldes que serão adotados é que
merecem melhor reflexão. Por conta disso, muitos aspectos merecem ser estudados
e modificados conjuntamente, para que se almeje um objetivo tangível, indo desde
políticas públicas efetivas, quebras de barreiras comerciais, combate às fraquezas
estruturais, educação tecnológica e ambiental, tratamento comercial desigual aos
participantes desiguais, desenvolvimento de redes comerciais internas e
internacionais, políticas trabalhistas, reformas fiscais, incentivo aos investimentos,
regulamentações de instituições e mercados e, por fim, o desenvolvimento de capital
humano
A contribuição do Comércio Justo está na mudança dos hábitos, da
mentalidade, dos ideais de produção, tomando por base os princípios humanistas e
humanitários, permitindo vislumbrar alternativas antes jamais imaginadas e que
nunca integraram anteriormente os pensamentos voltados ao desenvolvimento do
comércio. Por esta ótica, somente com o vigor decorrente da implementação dos
valores por ela sustentados, agora sob novo foco, a sociedade passaria a considerar
os indivíduos e os povos, indiferentemente de suas origens ou etnias, seres dignos
de consideração e apoio, capazes de promover o seu próprio desenvolvimento,
desde que presentes os estímulos suficientes e as condições necessárias a tal
tarefa.
125
Por tudo que se disse, vemos que é inegável a contribuição desse movimento
para a atual mudança da configuração econômica mundial. Mais do que uma
alternativa econômica com especial viabilidade, verificamos que traz especial
consideração a uma relação comercial mais comprometida com a justiça, com o
bem-estar e com o desenvolvimento sócio ambiental das comunidades, com
evidentes resultados de alívio da pobreza e do estímulo às capacidades humanas.
Tanto internacional como nacionalmente o Comércio Justo vem buscando a sua
consolidação como política pública socioambiental, adequando sua estrutura
paulatinamente a fatores regionais, que se mostram em muitos casos propícios para
o seu sucesso, como a abundância de matéria-prima, mão-de-obra criativa e em
processo crescente de capacitação. Some-se a isso, ainda, o interesse que se
avoluma de grandes corporações de se vincularem as ideias de propagação de
princípios de justiça social e ética comportamental.
Verifica-se, contudo, para que essa nova etapa se consolide será necessário o
desenvolvimento de outras competências diretamente ligadas aos anseios de todos
os atores envolvidos: governo, empresas, sociedade civil e população. Pois será
então possível que o movimento passe a atuar incisiva e decisivamente na formação
de políticas públicas socioambientais efetivas, conectadas à educação do
consumidor e, mais que isso, do cidadão.
As regras do comércio, nesse cenário, serviriam apenas de balizas, que
sempre deverão ser calibradas, externa e internamente, até que o ser humano não
mais precise de ajustes éticos e comportamentais externos. A certificação, num
futuro próximo, tende a não ser mais necessária, porque tanto os fabricantes quanto
os consumidores assumirão cada vez mais as suas respectivas cotas de
contribuição na utilização da biocapacidade, monitorando as mudanças climáticas no
planeta bem como promovendo consumo de forma racional, distribuindo renda e
riqueza de modo igualitário.
6.3. PROPOSIÇÕES PARA PESQUISAS E TRABALHOS FUTUROS
No trabalho de pesquisa realizado identifica-se que o sistema produtivo e a
concentração de riqueza material e monetária excluem milhões de produtores rurais
126
e urbanos dos direitos fundamentais (saúde, educação, moradia e trabalho) os
impossibilitando de viver dignamente.
Para tanto se sugere a formatação de programas que auxiliem no
desenvolvimento de redes comerciais independentes dos grandes canais de
comercialização, por meio de associações regionais, capacitação técnica, formação
empreendedora, campanhas de convencimento de opinião pública e ações
educativas com vistas a estimular um olhar critico quanto às desigualdades no
comércio internacional, assim como a necessidade de uma educação para o
consumo.
Essa retomada da consciência permite frisar a importância de encontrar o
equilíbrio entre justiça, consumo e consciência, mediante o argumento de que as
sociedades precisam aprender como, de um modo mais convincente, criar
empregos, produtos e serviços adequados às necessidades das pessoas. Isso
porque o mundo precisa de produtores conscientes tanto quanto de consumidores
conscientes. Nunca é demais refletir sobre o pensamento que constrói a ação, que
modifica o mundo.
Assim, pensamos que o existir de modo sustentável significa, muitas vezes,
defender e praticar limites e restrições, até que o costume se torne um hábito e este
se transforme em nossas vidas. Portanto, não é algo que possa ser simplesmente
transmitido; é preciso acreditar para mobilizar e para conseguir a adesão de pessoas
é necessário convencer, o que somente se faz estimulando o outro a refletir e a
sentir internamente que necessita da mudança. Para isso se faz necessário mudar a
nossa forma de ver o mundo, conscientes do que conservamos e do que queremos
continuar conservando, assumindo que as nossas escolhas trazem consequências,
efeitos sistêmicos que influenciam a nossa forma de ver e viver no mundo em que
vivemos.
Agindo nesse contexto de conscientização e iluminação, vemos que o
presente trabalho não se presta a encerrar todos os aspectos do movimento, mas a
ajudar no processo de sua maturação, contribuindo na ampliação do conhecimento e
encorajando o repensar do consumo como filosofia existencial do homem
contemporâneo com vista a desenvolver uma cultura participativa, crítica e
emancipatória.
127
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137
ANEXO
ANEXO 1 - RESUMO DE CONSUMO DE RECURSOS NATURAIS POR PESSOA
EM KG/D
Consumo de recursos naturais por pessoa (em kg por dia) do Caçador-Coletor
a Sociedade Contemporanea
KG/D PERÍODO DA HISTÓRIA
3KG/D Caçador-Coletor
11 KG/D Sociedade Agrícola
40 KG/D Sociedade Industrial
10 – 100 KG/D* Sociedade Contemporanea
*10 kg/d África, 14 kg/d Ásia, 34 kg/d América Latina, 43 kg/d Europa, 88 kg/d
América do Norte, 100 kg/d Oceania.
Fonte: SERI, GLOBAL 2000, FRIENDS OF THE EARTH EUROPE - OVERCONSUMPTION - Our use of the world’s natural resources, 2009. - Adaptação da autora