Farmacocintica
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John C. LaMattina e David E. Golan
IntroduoCasoBarreiras Fisiolgicas
Membranas BiolgicasAtravessando a MembranaDifuso Atravs da Membrana
Sistema Nervoso CentralAbsoro
Vias de Administrao e seus FundamentosEnteralParenteralMembrana MucosaTransdrmica
Fatores Locais que Afetam a AbsoroDistribuio
Volume de DistribuioLigao s Protenas Plasmticas
Modelando a Cintica e a Termodinmica da Distribuio dos Frmacos
MetabolismoReaes de Oxidao/ReduoReaes de Conjugao/Hidrlise
ExcreoExcreo RenalExcreo Biliar
Aplicaes Clnicas da FarmacocinticaDepurao
Cintica do Metabolismo e da ExcreoMeia-Vida
Fatores que Alteram a Meia-VidaDosagem Teraputica e Freqncia
Dose de AtaqueDose de Manuteno
Concluso e Perspectivas FuturasLeituras Sugeridas
INTRODUO
At mesmo a mais promissora das terapias farmacolgicas ir fracassar em estudos clnicos se o frmaco for incapaz de alcan-ar o seu rgo-alvo numa concentrao suficiente para exercer um efeito teraputico. Muitas das caractersticas que tornam o corpo humano resistente a danos causados por invasores estra-nhos e substncias txicas tambm limitam a capacidade dos frmacos modernos de combater os processos patolgicos no paciente. O reconhecimento dos numerosos fatores que afetam a capacidade de um frmaco de atuar em determinado paciente, bem como da natureza dinmica desses fatores com o transcor-rer do tempo, de suma importncia para a prtica clnica da medicina.
Todos os frmacos devem satisfazer certas exigncias mni-mas para ter efetividade clnica. Um frmaco, para ser bem-sucedido, deve ser capaz de atravessar as barreiras fisiolgicas que existem no corpo para limitar o acesso das substncias estranhas. A absoro dos frmacos pode ocorrer atravs de vrios mecanismos desenvolvidos para explorar ou romper essas barreiras. Uma vez absorvido, o frmaco utiliza siste-mas de distribuio dentro do organismo, como os vasos san-gneos e os vasos linfticos, para alcanar o seu rgo-alvo numa concentrao apropriada. A capacidade do frmaco de ter
acesso a seu alvo tambm limitada por diversos processos que ocorrem no paciente. Esses processos so amplamente dividi-dos em duas categorias: o metabolismo, em que o organismo inativa o frmaco atravs de degradao enzimtica (prima-riamente no fgado), e a excreo, em que o frmaco elimi-nado do corpo (principalmente pelos rins e pelo fgado, bem como pelas fezes). Este captulo fornece uma viso geral dos processos farmacocinticos de absoro, distribuio, metabo-lismo e excreo (freqentemente abreviados como ADME;Fig. 3.1), com nfase conceitual em princpios bsicos que, quando aplicados a uma situao no-familiar, devem permitir ao estudante ou ao mdico entender a farmacocintica da tera-pia farmacolgica.
Caso
O Sr. W, de 66 anos de idade, um consultor de tecnologia que viaja freqentemente para fora do pas como parte de seu trabalho na indstria de telecomunicaes. O nico problema clnico que apresenta consiste em fibrilao atrial crnica, e o Sr. W toma var-farina como nica medicao. O Sr. W viaja para a Turquia para prestar uma consultoria. Na ltima noite de sua estada, comparece a um grande jantar onde so servidos shish kebabs e outros ali-mentos que no costuma comer com freqncia. No dia seguinte,
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apresenta diarria aquosa, ftida e profusa. O mdico estabelece o diagnstico de diarria do viajante e prescreve sulfametoxazol-trimetoprim durante 7 dias.
O Sr. W j est totalmente restabelecido dentro de 2 dias aps o incio dos antibiticos e, 4 dias depois (enquanto ainda est toman-do os antibiticos), ele recebe alguns clientes em outro jantar com mesa farta. O Sr. W e seus convidados ficam embriagados durante o jantar, e, ao sair do restaurante, o Sr. W tropea e cai no meio-fio da calada. No dia seguinte, o joelho direito do Sr. W est muito inchado, exigindo uma avaliao na sala de emergncia. O exame fsico e os estudos de imagem so compatveis com hemartrose do joelho direito de tamanho moderado, e os exames laboratoriais revelam uma acentuada elevao da relao normalizada interna-cional (INR), que uma medida padronizada do tempo de pro-trombina e, nesse contexto clnico, um marcador substituto para os nveis plasmticos de varfarina. O mdico de planto alerta o Sr. W de que seu nvel de varfarina encontra-se na faixa suprateraputica (txica), e que esse efeito deve-se, provavelmente, a interaes medicamentosas adversas envolvendo a varfarina, os antibiticos utilizados e o seu recente consumo excessivo de lcool.
QUESTES 1. Como um paciente com nveis teraputicos bem estabe-
lecidos de um medicamento de uso crnico subitamente desenvolve manifestaes clnicas de toxicidade farmacol-gica?
2. Essa situao poderia ter sido evitada? Se a resposta for afirmativa, como?
BARREIRAS FISIOLGICAS
Um frmaco precisa vencer certas barreiras fsicas, qumicas e biolgicas para alcanar seus locais de ao moleculares e celu-lares. O revestimento epitelial do trato gastrintestinal e outras membranas mucosas representam um tipo de barreira; so tam-bm encontradas outras barreiras aps a penetrao do frmaco no sangue e nos vasos linfticos. A maioria dos frmacos que circulam no sangue deve distribuir-se para tecidos locais, um processo que pode ser impedido por determinadas estruturas, como a barreira hematoenceflica. Tipicamente, os frmacos abandonam o compartimento intravascular nas vnulas ps-capilares, onde existem lacunas maiores entre as clulas endo-teliais atravs das quais o frmaco pode passar. A distribuio de um frmaco ocorre principalmente por difuso passiva, cuja velocidade afetada por condies inicas e celulares locais. Apresente seo descreve as principais barreiras fsicas, qumicas e biolgicas do corpo, bem como as propriedades dos frmacos que favorecem ou desfavorecem a sua capacidade de superar essas barreiras.
MEMBRANAS BIOLGICAS Todas as clulas humanas so delimitadas por uma membrana com dupla camada lipdica. A membrana contm um cerne de lipdios hidrofbico e possui uma superfcie hidroflica em contato com os ambientes extracelular e intracelular aquosos. Os principais componentes lipdicos das membranas biolgi-cas consistem em molculas anfiflicas, incluindo fosfolipdios, colesterol e outras espcies de menor importncia. Os gru-pos hidroflicos contendo fosfato da cabea dos fosfolipdios e os grupos hidroxila polares do colesterol so expostos s
superfcies externa e interna da membrana, enquanto as cau-das hidrofbicas dos lipdios esto voltadas para o interior da membrana. Alm dos componentes lipdicos, as membranas biolgicas contm numerosas protenas diferentes. Algumas dessas protenas esto apenas expostas na superfcie extrace-lular ou intracelular da membrana; outras (denominadas pro-tenas transmembrana) penetram atravs da dupla camada lipdica e ficam expostas a ambas as superfcies da membrana. Essa disposio possui implicaes importantes para a terapia farmacolgica. Para que um frmaco possa afetar alvos intrace-lulares ou atravessar uma clula, deve ser capaz de atravessar pelo menos uma e, em geral, vrias membranas biolgicas.
Atravessando a MembranaO cerne hidrofbico de uma membrana biolgica representa uma importante barreira para o transporte dos frmacos. As pequenas molculas no-polares, como os hormnios esterides, so capazes de difundir-se facilmente atravs das membranas. Entretanto, muitos frmacos teraputicos so grandes e polares o suficiente para tornar esse mecanismo de transporte atravs da membrana ineficaz. Algumas protenas transmembrana per-tencentes superfamlia do carreador ligado a solutos (SLC, solute linked carrier) humano que inclui 43 famlias de pro-tenas, como as famlias do transportador de nions orgni-cos (OAT, organic anion transporter) e o transportador de ctions orgnicos (OCT, organic cation transporter) per-mitem a passagem de frmacos e molculas polares atravs da membrana. Alguns membros dessa superfamlia consistem em protenas carreadoras transmembrana especializadas, que so especficas para o frmaco e molculas endgenas rela-cionadas; aps ligao do frmaco superfcie extracelular da protena, esta protena sofre uma alterao de sua conformao, que pode no depender de energia (denominada difuso faci-litada) ou que pode exigir a entrada de energia (denominada transporte ativo). Essa mudana de conformao permite que o frmaco ligado tenha acesso ao interior da clula, onde a
Frmaco livre ExcreoAbsoro
Metabolismo
Receptores ReservatriosteciduaisLivre Ligado
Circulaosistmica
Metablitos(ativos e inativos)Frmaco ligado
protena
Livre Ligado
Fig. 3.1 Absoro, distribuio, metabolismo e excreo (ADME) dos frmacos. Os princpios bsicos de farmacocintica afetam a quantidade de frmaco livre que finalmente ir alcanar o stio-alvo. Para produzir um efeito em seu alvo, o frmaco precisa ser absorvido e, a seguir, distribudo pelo seu alvo antes de ser metabolizado e excretado. Em qualquer momento, o frmaco livre na circulao sistmica encontra-se em equilbrio com os reservatrios teciduais, as protenas plasmticas e o stio-alvo (que habitualmente consiste em receptores); apenas a frao do frmaco que consegue ligar-se a receptores especficos ter um efeito farmacolgico. Observe que o metabolismo de um frmaco pode resultar em metablitos tanto ativos quanto inativos; os metablitos ativos tambm podem exercer um efeito farmacolgico sobre os receptores-alvo ou, algumas vezes, em outros receptores.
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molcula do frmaco liberada da protena. Alternativamente, alguns frmacos ligam-se a receptores de superfcie celular especficos e deflagram um processo denominado endocitose,em que a membrana celular envolve a molcula para formar uma cavidade fechada ou vescula, a partir da qual o frmaco subseqentemente liberado no interior da clula.
Difuso Atravs da MembranaNa ausncia de outros fatores, um frmaco