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Page 1: Faroeste Caboclo

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30 • Cidades • Brasília, quinta-feira, 16 de maio de 2013 • CORREIO BRAZILIENSE

ROCKBRASÍLIA

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AVIDANATELADO

» SHEILAOLIVEIRA»RENATOALVES

Na terça-feira, foi a vezdo Plano Piloto. On-tem de manhã, de Cei-lândia e de outras loca-

lidades do Distrito Federal.Mais de 200 moradores dessasregiões administrativas, assisti-dos por um programa social,saíram de casa cedo para che-gar ao shopping CasaPark. Ga-nharam pipoca e refrigerante eencheram uma sala de cinemamoderna. Tiveram o privilégiode conferir, 15 dias antes de eleentrar no circuito comercial emtodo o país, ao longa Faroestecaboclo. A plateia não se conte-ve nas cenas mais fortes do fil-me. Por fim, teve a oportunida-de de travar uma conversa fran-ca com o diretor René Sampaioe os atores Fabrício Boliveira,Felipe Abib eTúlio Starling. Nãoperderam a oportunidade detietar os dois primeiros, intér-pretes dos protagonistas Jere-mias e João de Santo Cristo.

Ceilândia serve de cenáriopara a música homônima e o fil-me. Na região administrativa —representada por meio de umacidade cenográfica montada nopobre e empoeirado JardimABC, na Cidade Ocidental (GO)—, se passa a maior parte dahistória da trama, escrita em1979 por Renato Russo e depoisgravada pela sua Legião Urba-na. Na exibição do longa de on-tem, entre os jovens, de 18 e 29anos, muitos tinham históriasde violência como a de SantoCristo para contar. Por isso, o fil-me mexeu tanto com eles. Vi-bravam a cada vez que um dospersonagens pronunciava onome da cidade. Viram SantoCristo como herói. Não escon-deram a admiração da luta delepara manter o romance comuma menina da classe médiaalta do Plano Piloto e para fugirda realidade imposta a um po-bre migrante negro, vindo daBahia, morador de Ceilândia.

Nascido e criado na mesmacidade, Marcos Vinícius de Je-sus, 42 anos, conhece bem arealidade da cidade cantadapela Legião Urbana. Os proble-mas e as virtudes de Ceilândiasão as maiores fontes de inspi-ração dele, mais conhecido pe-lo nome artístico. Japão é o vo-calista do grupo de rap Viela17. Com olhar aguçado, ele viuFaroeste caboclo sem pratica-mente piscar os olhos. E gos-tou. “Quando lançaram a mú-sica, a gente tinha vergonha defalar que morava em Ceilân-dia. Agora, entendemos me-lhor. E o filme deixa claro comoé a nossa realidade, como aviolência se formou. E tambémmostra que tem bandido noLago Sul, no Plano.”

Japão, como a maioria dosespectadores presentes à ses-são especial, ressalta que muitodo que o filme mostra ainda sepassa nas ruas de Ceilândia. “Epior. Naquela época, os bandi-dos tinham nome, eram conhe-cidos, porque eram poucos.Hoje, com 14, 15 anos, os meni-nos estão tocando o terror. Esão tantos que não dá para lem-brarmos o nome. E, na parte damiséria, temos o Sol Nascente.É muito pior do que a Ceilândiado filme”, ressalta o rapper.

DesigualdadesA perda dos pais e o convívio

diário com a pobreza e violên-cia de Santo Cristo contribuí-ram para a identificação ime-diata da história com a realida-de dos jovens da periferia brasi-liense. “Entendo as angústiasdo João. Essa diferença entre ri-cos e pobres em Brasília é gri-tante ainda hoje”, afirma ErcíliaBorges, 22 anos, moradora deSobradinho 2. Aos 8 anos, a jo-vem se viu sozinha com os trêsirmãos após os pais serem pre-sos por tráfico de drogas. “Mo-rávamos de aluguel e, quandojá não tínhamos mais como pa-gá-lo, tivemos que morar narua. Vivemos dessa forma porum ano, até que minha vó nospegou para criar”, contou. “To-do jovem que mora na periferiatem vontade de mudar, mas oambiente não contribui.”

“Teve uma época da vidaque achei que o meu destinoseria como o de Santo Cristo, a

CCOORRRREEIIOO ÉÉO Correio Braziliense é um dos personagens de Faroeste cabo-

clo. No filme, o jornal funciona como um instrumento impor-tante para contextualizar uma época na capital da República.Nas cenas, o jornal aparece sempre nas mãos de João de SantoCristo, o protagonista da saga. São primeiras páginas com algunsdos mais marcantes fatos políticos da época retratada pelo lon-ga-metragem, o fim dos anos 1970 e o início dos anos 1980.

O jornal é o que há de mais político, explicitamente, na obra queteve pré-estreia em Brasília anteontem e entra em circuito comer-cial no dia 30. “Além de marcar o tempo em determinado períododo filme, o jornal cumpre a missão de mostrar o período político daépoca, da violência da ditadura, principalmente”, explica o diretorde Faroeste, o brasiliense René Sampaio.

Todas as capas mostradas na telonas são verídicas. Os produ-tores recuperaram as páginas com a ajuda dos funcionários doCentro de Documentação (Cedoc) do Correio. Depois, imprimi-ram-nas novamente, em tamanho original. “Note que escolhi (ascapas) por temas que marcaram a história do Brasil, como a elei-ção de Aureliano Chaves e a explosão da bomba no Riocentro”,comenta o cineasta.

A produção do longa poderia ter escolhido um veículo de co-municação fictício, como de costume no cinema. No entanto, Re-né Sampaio não abriu mão de mostrar o Correio Braziliense,mesmo o jornal não tendo qualquer vínculo comercial com aobra. “É um filme de Brasília, sobre Brasília. Por isso, escolhemoso maior jornal da cidade. Como hoje, todos o liam já naquela épo-ca”, ressalta. (RA)

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Confira depoimentos de alguns dosjovens que assistiram ontem ao

longa-metragem Faroeste cabloco,do diretor René Sampaio.

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Assista a entrevistas exclusivas com osatores de Faroeste caboclo: Fabrício

Boliveira (João de Santo Cristo), Isís Valverde(Maria Lúcia) e Felipe Abib (Jeremias).

Emumadascenas, SantoCristo lêumaediçãodoCorreioBraziliense: referência

Interpretado pelo ator Fabrício Boliveira, João de Santo Cristo emocionou os espectadores: um retrato das desigualdades do passado e do presente

Ercília Borges (D) se identificou comahistória: “Entendo as angústias do João”

MarcosVinícius de Jesus, o rapper Japão: “Ofilmedeixa claro comoé anossa realidade”

Fotos: Gustavo Moreno/CB/D.A Press

morte. Não conseguia enxergarperspectiva de mudanças mo-rando na periferia, sem dinhei-ro para estudar, ter os tênis ca-ros ou frequentar as festas carasque acontecem no Plano”, con-ta Luiz Fernando, 21 anos. O jo-vem encontrou na dança e notrabalho social desenvolvido nacomunidade de Sobradinho 2 aesperança de um futuro me-lhor. “Hoje, tenho convicção deque os meus planos dependemdo próprio esforço.”

Entre as curiosidades da pla-teia estavam o local do dueloentre Jeremias e João — descri-to na música como lote 14 deCeilândia — e o retrato das di-ferenças sociais entre os mora-dores da periferia e do Plano. Odiretor do filme, René Sampaio,

revelou que, apesar das pesqui-sas históricas, não foi possíveldescobrir o endereço cantadopor Renato Russo. “Quem ébrasiliense sabe ser impossíveldescobrir um endereço só como número de um lote. Mas en-contramos no Jardim ABC aCeilândia da década de 1980,com as dificuldades precáriasde infraestrutura”, explicou. Oator Fabrício Boliveira (SantoCristo) afirmou que a históriaque se tornou música faz parteda realidade de milhares de jo-vens. “Infelizmente, os proble-mas descritos em 1980, comopreconceito, pobreza, violên-cia, ainda permanecem na so-ciedade brasileira. A única ma-neira de mudar essa situação éinvestir em educação.”