UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
Formação Docente, Caminhos Possíveis a Luz da Neurociência
Por: Juliana de Jesus Monteiro
Orientador
Prof. ª Marta Relvas
Rio de Janeiro , Janeiro de 2011
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
Formação Docente, Caminhos Possíveis a Luz da Neurociência
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em Neurociência
Pedagógica.
Por: . Juliana de Jesus Monteiro
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a Deus, minha fortaleza, que me
concedeu um espírito que percebe a necessidade de viver a
plenitude do “ser gente”. Por conta desse espírito, que reconhece a
incompletude e imperfeição do ser, busco, a cada dia, o auto-
conhecimento, avaliando minha jornada e retomando alguns
caminhos, num processo de reconstrução contínua, interminável.
Aos meus pais. Eles são os grandes responsáveis pela
minha autonomia e pela percepção que tenho de que na
desordem, em meio ao inesperado, é possível fazer emergir forças
e evoluir. Á Marcos, por toda paciência e companheirismo.
À professora e orientadora Marta Relvas. Para sempre será
lembrada, por seu estímulo inicial, por sua dedicação e
brilhantismo intelectual.
Aos meus amigos, Aline Zivianni, Michele Soares, Fabiana
Carvalho, amigo e irmão Francisco Monteiro a os quais me
estiveram sempre presentes pacientemente ouvindo-me ler os
textos, capítulos idéias e descobertas em neurociências e
contribuindo com suas criticas e elogios nesse processo de
reconstrução do conhecimento.
Às amizades que o Curso de Neurociência Pedagógica me
presenteou: Beth, Patrícia e Rosa.
Aos demais familiares, amigos e professores, que de alguma
forma contribuíram para que eu realizasse essa jornada evolutiva.
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DEDICATÓRIA
Para todos aqueles que acreditam em práticas
pedagógicas verdadeiramente comprometidas
com os processos do ensino/aprendizagem,
amam sua profissão e que por isso
reconhecem seu importante papel na vida dos
alunos que lhe são confiados. Sempre prontos
a aprender e dispostos reaprender a ensinar.
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RESUMO
O presente estudo aborda a possibilidade de inserção dos
significativos avanços da neurociência, como constituintes de
saberes disciplinares, nos cursos de formação de professores. Na
perspectiva adotada, esses saberes, que fundamentam um saber
pedagógico, proporcionam subsídios teóricos para a ação docente,
uma vez que a compreensão de como o cérebro funciona permite
um melhor entendimento da aprendizagem e o conseqüente
aprimoramento da transposição didática. Como resultado, destaca-
se a necessidade de revisão das estruturas curriculares dos cursos
de formação de professores, em especial das licenciaturas,
indicando como alternativa a inserção de disciplinas, ou a
reestruturação de disciplinas já existentes, com vistas a propiciar a
interlocução entre neurociência, ensino e aprendizagem.
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METODOLOGIA
“A maneira de pensar complexa prolonga-se em
maneira de agir complexa” (MORIN, 2002a, p. 339).
Considerando que o objetivo principal do trabalho, que foi
apresentar contribuições da neurociência para a formação docente,
buscou conhecimentos sobre o tema observando a prática
pedagógica de docentes em uma Escola da Rede Municipal em
Petrópolis/RJ e abarcou-se em pesquisa bibliográfica de produção
teórica de pesquisadores de ensino/aprendizagem tais como:
Demo , Moraes, Morin , Pozo, Perrenoud, Relvas, Wallon, entre
outros, também foi utilizado como fonte de pesquisa a Lei de
Diretrizes e Bases; que trata da Formação de Professores, OCDE –
Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômicos
Compreendendo o cérebro: rumo a uma nova ciência do
aprendizado, entre outros artigos e revistas científicas.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................08
CAPÍTULO I - Neurociências...........................................................................12
1.1 Neurociências e Educação........................................................................ 13 CAPÍTULO II - Formação Docente Repensando Práticas Pedagógicas..........15
CAPÍTULO III – A Arte de Ensinar a Luz da Neurociência ..............................21
CAPÍTULO IV – Ensino/Aprendizagem e Neurociências Caminhos Possíveis
..........................................................................................................................27
CAPÍTULO V – Cérebro e Aprendizagem....................................................... 40
5.1- Sinapses ..................................................................................................43
5.2- Córtex Pré-Frontal ....................................................................................45 5.3- Memória e Aprendizagem..........................................................................49 5.4-Plasticidade Cerebral..................................................................................52 5.5- Emoção, Motivação e Aprendizagem .......................................................54 CAPÍTULO VI – Conhecimentos Neurocientificos-Contribuições para Formação
Docente............................................................................................................56
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 64
REFEÊNCIA BIBLIOGRÁFICA....................................................................... 67
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1 INTRODUÇÃO
“Ensinar é fundamentalmente
Aprender.” (Marta Relvas, 2009)
O tema abordado pelo presente estudo trata da “Formação
Docente e Neurociência: uma articulação necessária, contribuições
da neurociência para prática pedagógica”. Professores conhecem e
entendem o processo ensino/aprendizagem? Compreendem a
importância dos aspectos sociais, psicológicos, biológicos e
ambientais? Para que os educadores entendam o processo
cerebral da aprendizagem faz-se necessário aprender o que é
cognição, o que é comportamento e a sua relação com o que é
aprendizagem, o que é memória, o que é atenção, o que é
percepção, o que é representação mental, o que é ação e a intima
relação de cada um deles com o desenvolvimento do ser humano.
Conhecendo assim como o cérebro organiza os conhecimentos e
as estruturas cerebrais que sustentam esses conhecimentos e
ressaltando as influências dos estados emocionais e motivacionais
para aprendizagem.
No presente estudo busca-se desenvolver questões que
estão pautados em: como a neurociência pode contribuir na
formação de docentes? Neurociência e a prática pedagógica:
caminhos possíveis? O tema sugerido é relevante, pois, entre
neurociência e formação há uma articulação necessária para que a
educação possa avançar em direção a descobertas que contribuam
para teorias e práticas educacionais. A neurociência vem
oferecendo um grande potencial para nortear docentes em
pesquisas e suas futuras aplicações educacionais. As estruturas
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cerebrais envolvidas no processo ensino aprendizagem são
primordiais no processo de ensino/aprendizagem.
São, portanto, objetivos desta pesquisa apresentar
contribuições da neurociência para a formação docente, apontando
a importância da neurociência para prática pedagógica:
ensino/aprendizagem e também Investigando a necessidade de
incorporar estudos relacionados à Neurociência na formação de
docentes. “Na verdade, continua-se, ainda, vivendo o modelo
tradicional mecanicista, que separa o mundo da razão e o mundo
da emoção, o sujeito do objeto, vida, razão, indivíduo, ambiente,
fragmentando então conhecimentos e pensamentos humanos.”
(Marta Relvas, 2009)
Este estudo apresenta conhecimentos sobre o tema
através de pesquisa bibliográfica abarcando observação de
práticas pedagógicas, na educação básica. A partir destes dados,
aliados a pesquisa bibliográfica apresentar contribuições da
neurociência para formação de docentes enfocando o processo de
ensino/aprendizagem.
A pesquisa aborda a possibilidade de inserção dos
significativos avanços da neurociência, como constituintes de
saberes disciplinares, nos cursos de formação de professores. Na
perspectiva adotada, esses saberes, que fundamentam-se em um
saber pedagógico, proporcionando subsídios teóricos para a ação
docente, uma vez que a compreensão de como o cérebro funciona
permite um melhor entendimento da aprendizagem e o
conseqüente aprimoramento da transposição didática. Como
resultado, destaca-se a necessidade de revisão das estruturas
curriculares dos cursos de formação de professores, em especial
das licenciaturas, indicando como alternativa a inserção de
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disciplinas, ou a reestruturação de disciplinas já existentes, com
vistas a propiciar a interlocução entre neurociência, ensino e
aprendizagem.
Sabe-se da necessidade de repensar a formação docente, e
a neurociência vem demonstrando sua importância em relação
respaldar a ciência da educação. Desenvolver e aplicar
metodologias educacionais, estratégias, teorias da aprendizagem,
conteúdos atualizados, didáticas inovadoras quando se
desconhece os mecanismos neurais que impulsionam a
aprendizagem? Acreditando que a partir do momento em que o
educador conhecer as relações entre o cérebro e cognição e a
importância dessa relação para o ensino/aprendizagem ele adquire
uma visão mais ampla na relação entre dimensões sociais e
biológicas dos alunos.
A educação foca-se no conhecimento a ser ensinado de
maneira mecânica e igual a todos os alunos, sem a devida atenção
à individualidade. “Não podemos fazer o que não sabemos nem
comunicar algo que não conhecemos. O acervo de nossas
memórias faz com que cada um de nós seja o que é, um indivíduo,
um ser para o qual não existe outro idêntico.” (Roberto Lent,2008)
Conhecendo o funcionamento do cérebro desde a formação
de memórias até a formação de conhecimentos, as relações entre
o cérebro, cognição, entendendo a importância da repetição para
aprendizagem, respeito à individualidade, desenvolvendo
autonomia, interação social, a criatividade, motricidade,
musicalidade: são fundamentais para o desenvolvimento humano.
A formação de docentes articulada a Neurociência, vem
possibilitando ao docente entendimento dos processos de
11
percepção, memória e atenção, sinapses, plasticidade cerebral,
imaginação, os sentidos, o humor, a emoção, o medo, o sono,
temas abordados pela neurociência. O conhecimento pedagógico
e suas relações neurocientíficas, trazendo valiosa contribuição
para a formação docente, iluminando os caminhos da educação
nos processos de ensino/aprendizagem.
12
Capítulo I
“O homem deve saber que, de nenhum outro lugar, se
não do cérebro vem à alegria, o prazer, o riso e a
recreação, e a tristeza, melancolia, pessimismo e as
lamentações. E então, de uma maneira especial,
adquirimos sabedoria e conhecimento, e vemos e
ouvimos para saber o que é justo e o que não é, o que é
bom e o que é ruim, o que é doce e o que é sem sabor...
E pelo mesmo órgão tornamo-nos loucos e delirantes, e
sentimos medo e o terror nos assola... Todas essas
coisas provêem do cérebro quando este não está
sadio... Dessa maneira sou da opinião de que o cérebro
exerce um grande poder sobreo homem.” (Hipocrates,
Da Doença Sacra, IV A.C)
1. Neurociências
A neurociência é o estudo da realização física do processo
de informação no sistema nervoso animal e humano. O estudo da
neurociência engloba três áreas principais: a neurofisiologia, a
neuroanatomia e neuropsicologia.
Neurofisiologia é o estudo das funções do sistema nervoso.
Ela utiliza eletrodos para estimular e gravar a reação das células
nervosas ou de área maiores do cérebro. Ocasionalmente,
separaram as conexões nervosas para avaliar os resultados.
Neuroanatomia é o estudo da estrutura do sistema nervoso,
em nível microscópico e macroscópico. Os neuroanatomistas
dissecam o cérebro, a coluna vertebral e os nervos periféricos fora
dessa estrutura.
Neuropsicologia é o estudo da relação entre as funções
neurais e psicológicas. A principal pergunta da neuropsicologia é
qual área específica do cérebro controla ou media as funções
psicológicas. O principal método de estudo usado pelos
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neuropsicólogos é o estudo do comportamento ou mudanças
cognitivas que acompanham lesões em partes específicas do
cérebro. Estudos experimentais com indivíduos normais também
são comuns.
A neurociência é um termo que reúne as disciplinas
biológicas que estudam o sistema nervoso, normal e patológico,
especialmente a anatomia e a fisiologia do cérebro inter-
relacionando-as com a teoria da informação, semiótica e
linguística, e demais disciplinas que explicam o comportamento, o
processo de aprendizagem e cognição humana bem como os
mecanismos de regulação orgânica.
1.1 Neurociências e Educação
As neurociências englobam as áreas que se dedicam a
entender a estrutura e o funcionamento do sistema nervoso.
Atualmente, é possível rastrear os circuitos neurais e determinar
quais são responsáveis por determinada tarefa, como a leitura, por
exemplo. “Não é possível, hoje, dissociar as ciências humanas das
biológicas, nem conceber aprendizagem sem saber como os
neurônios aprendem ou se reciclam.
Estudos sobre o cérebro é mesmo a razão dos progressos
consideráveis realizados nas duas últimas décadas, bem como das
reconsiderações epistemológicas não menos espetaculares assim
permitidas. Os fenômenos cognitivos são tão tributários dos
mecanismos do cérebro, quanto o é a informação fornecida por um
computador em relação aos circuitos eletrônicos que o formam. O
objeto das neurociências mantém-se o de descrever, explicar os
mecanismos neuronais elementares que sustentam qualquer ato
cognitivo, perceptivo ou motor.
A neurociência cognitiva tem como escopo, em especial, as
capacidades mentais mais complexas, como a linguagem e a
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memória, sendo que essa última tem sido indicada como um dos
principais alicerces da aprendizagem humana (Izquierdo, 2002).
Assim, é possível preconizar que achados resultantes de estudos
nessa área colaboram para aprimorar o entendimento de como se
dá a aprendizagem.
Com base nesse ponto de vista, passou-se a promover uma
interlocução entre neurociência e educação, defendendo um
diálogo criativo entre ambas e apresentando uma visão da
interferência positiva dos conhecimentos neurocientíficos na
educação, em especial na formação docente.
15
Capítulo II
1 Formação Docente - Repensando Práticas
Pedagógicas
Há décadas discute-se em congressos, seminários, cursos
outros eventos semelhantes, qual a formação ideal ou necessária
do professor do ensino básico (fundamental e médio), numa
demonstração ostensiva de insatisfação generalizada com relação
aos modelos formativos vigentes, principalmente nos cursos de
licenciatura.
No entanto, dessa ampla e continuada discussão, não têm
emergido propostas que ultrapassem o nível de recomendações
abstratas sobre a necessidade de "sólida formação dos
educadores", da "integração de teoria e prática", da
"interdisciplinaridade" etc. É claro que sugestões dessa natureza
são capazes de entreter colóquios e debates, mas a sua utilidade
não vai além desses efeitos retóricos.
Nessas discussões, quase sempre se parte de uma noção
vaga e impressionista de "escola brasileira", caminha-se para a
afirmação da necessidade de uma "política nacional de formação
de professores" e, em seguida, desenha-se o "perfil profissional"
desses professores por meio de um arrolamento de competências
cognitivas e docentes que deveriam ser desenvolvidas pelos cursos
formadores. Embora esse traçado das discussões seja um pouco
simplificado, ele capta duas tendências sempre presentes no
encaminhamento do tema da formação de professores: o vezo
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centralizador das normas gerais e a fixação na figura individual do
professor.
A idéia de que ensino eficaz é basicamente a aplicação
competente de um saber metodológico, epistemologicamente
fundamentado em outros saberes, principalmente de natureza
psicológica, é altamente discutível.
O processo de aprendizagem humana é complexo e
multidimensional. Envolve aspectos biológicos, sociais e
psicológicos. Os cursos de formação de professores têm
freqüentemente ressaltado essas dimensões, mas nem sempre
priorizam a integração existente entre elas, quando o foco é o
desenvolvimento humano. Para enfatizar o entrelaçamento
irredutível entre esses aspectos; refutar qualquer reducionismo na
constituição humana - seja biológico, social, ou psicológico - e
ressaltar a educação como processo vital para o crescimento do
sujeito
Wallon contribuiu para que se olhe tanto o professor quanto
o aluno como um ser biológico, ao mesmo tempo, biológico-social-
cultural que vai se humanizando a realidade, que é constituída pela
cultura, mas também a constrói. Sita também que aceitar o aluno
do jeito que ele está significa compreendê-lo em sua etapa de
formação e conhecer os diferentes meios e grupos sociais nos
quais transita e se desenvolve; seguindo o ritmo de seu
desenvolvimento; oferecendo novos meios e grupos para que ele
possa exercitar suas possibilidades e desenvolver suas ações,
conhecendo que o processo da educação deve tender para a
autonomia. Para tanto é necessário que o professor seja um
observador constante de seu aluno, lembrando que como
17
observador está em presença do real, sem outro instrumento a não
ser a sagacidade de que dispõe.
Os sete saberes necessários à educação do futuro, de
Edgar Morin, são basicamente: as cegueiras do conhecimento – o
erro e a ilusão; os princípios de um conhecimento pertinente;
ensinar a condição humana; ensinar a identidade terrena; enfrentar
as incertezas; ensinar a compreensão e a ética do gênero humano.
A adequada formação do professor não pode ser imaginada
como a simples e direta aplicação à situação de ensino de um
saber teórico.
“Não podemos ter apenas listas de competências; deve-se
ter uma dimensão mais global, para os professores não serem
apenas técnicos”. Ou seja, o importante seria uma dimensão
reflexiva capaz de aprender constantemente com a experiência,
construindo saberes durante os percursos profissionais individuais
ou coletivos. Trata-se de dizer, em outras palavras, que o professor
deve ter uma “formação permanente” (Philippe Perrenoud,2001)
[...] é por isso que é preciso centrar a formação inicial na
especificidade profissional do educador, nela introduzir
sistematicamente estudos e pesquisas envolvendo as três
dimensões do ato de aprender [...] a relação pedagógica, o
caminho didático, as estratégias de aprendizagem. É preciso
estimular os professores a formarem-se pessoalmente
nessas matérias e a considerarem, para sua carreira, os
diplomas que podem obter nas Ciências da Educação. É
preciso que, sem abandonar as exigências legítimas
aferentes ao saber a ser ensinado e ao domínio de seus
conteúdos, a formação permita ao professor compreender
onde e como ocorrem as aprendizagens..., e no fundo, isso é
o mínimo para aquele cujo ofício é ensinar (1998, p. 164).
18
Nessa mesma linha de pensamento Meirieu defendeu que
na formação dos professores encontrou-se a mola propulsora da
transformação no campo educativo:
Wallon argumentou que a formação de professores deve
levar em conta: o conhecimento do conteúdo e de sua melhor
forma de apresentação; o conhecimento das etapas de
desenvolvimento e das diferenças individuais; a aquisição do
sentido pedagógico, não por simples rotina, mas pela experiência,
reduzindo esta a princípios ou a preceitos.
Demo defende que o professor precisa se transformar num
profissional da aprendizagem, pois, o não saber aprender, pode
constituir-se num fator bastante comprometedor no sentido de
coibir a aprendizagem do aluno, o qual terá sua melhor chance, se
seu desenvolvimento ocorrer sob os olhos de um professor que
sabe pensar e aprender. Ele destaca a necessidade de propiciar
uma formação mais eficiente aos professores quanto à
complexidade e à reconstrução presentes na aprendizagem,
“[...]para o aluno aprender bem, mister se faz que o professor
aprenda bem. Professor não é quem dá aula, mas quem sabe fazer
o aluno aprender” (2002, p. 58).
Em relação a essa necessidade, o autor destacou a
importância do estudo sobre a aprendizagem na formação do
professor, a partir de diferentes vertentes teóricas advindas de
áreas variadas, não só adotando como referencial as ciências
humanas e sociais, mas também reconhecendo o caráter
interdisciplinar da aprendizagem.
19
“Os alunos não fazem perguntas e nós (professores) damos
as respostas”. Para Perrenoud, essa inversão é uma revolução no
currículo para a formação de professores.
Segundo Claxton (POZO, 2002, p. 268) “se os professores
não sabem em que consiste a aprendizagem e como ocorre, têm
as mesmas possibilidades de favorecê-la que de atrapalhá-la”.
Os professores devem se antecipar frente aos processos de
aprendizagem do aluno, estar adiante em seu processo de
reflexão sobre a aprendizagem para então gerar situações
orientadas para que seus alunos possam aprender a ter
consciência sobre a tarefa. Assim, o professor torna-se apto a
ocupar uma posição de apoio nas tarefas que exigem um exercício
de processos conscientes e auto-regulatórios da aprendizagem do
aluno, permitindo uma transferência do controle desses processos,
passando gradualmente de necessário a desnecessário,
culminando na autonomia do aluno (POZO, 2002).
Analisando a LDB constatou-se que a Lei que rege a
educação brasileira prevê mudanças e por isso concede as
instituições que oferecem a formação de educadores, entre outros,
autonomia para repensar as necessidades educacionais, passando
assim a responsabilidade de adequação, pesquisa e capacitação
de docentes para suprir as atuais necessidades da formação de
docentes para as instituições que formam todos os anos
educadores os inserindo no mercado de trabalho. O presente
estudo reflete nossa discussão sobre a importância da
neurociência ser inserida a grades curriculares da formação de
educadores/pedagogos, conhecer os caminhos biológicos da
aprendizagem deve ser a chave geradora para todos os
conhecimentos desta área de formação.
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Segundo Demo (2005), no que diz respeito à formação de
professores, as Faculdades de Educação não estão estruturadas
para preparar o professor que se deseja. A formação dos
professores deve adentrar os espaços do caráter complexo e
alinear do conhecimento e da aprendizagem. O professor precisa
estudar os modos de gerir e organizar o conhecimento para poder
promover situações de aprendizagem autopoiética. Não tendo
conhecimento suficiente acerca da aprendizagem, dos processos
reconstrutivos presentes no aprender, da importância do avaliar e
do orientar, não poderá cuidar da aprendizagem do aluno. De
acordo com o autor, os cursos precisam exercitar o
questionamento do conhecimento de modo crítico e autocrítico,
utilizando para tal procedimentos reconstrutivos de aprendizagem,
por meio de pesquisa e elaboração própria. Nesse sentido, a
pesquisa torna-se instrumentação indispensável para a
aprendizagem do professor, sendo que o professor ao não lidar
com o conhecimento disruptivo, isto é, aquele conhecimento que é
capaz de se confrontar, não é capaz de construir sua própria
autonomia e, conseqüentemente, não será capaz de fomentá-la no
aluno. Formar esse novo professor implica mudanças substanciais
na sua formação, sendo que o foco transpõe o ser um bom
ensinante de sua matéria ou área de conhecimento, desenvolvendo
habilidades , pesquisando, transformar-se em aprendiz para
entender como melhor ensinar.
21
Capitulo III
3. A Arte de Ensinar a Luz da Neurociência
A realidade atual, tendo como uma de suas principais
características a progressiva geração de conhecimentos e a
conseqüente circulação quase instantânea de informações,
demanda um sistema educacional democrático que explore e
estimule o potencial de aprender de todos os cidadãos. Para tanto,
é imprescindível abolir a visão seletiva que dá vantagens
educacionais ou sociais para um determinado grupo – aqueles que
presumivelmente são mais capazes – e propiciar situações de
aprendizagem que possibilitem o atendimento ao desafio de criar
uma educação que aceite a diversidade. Agregado aos avanços
científicos e às transformações sociais, surge à consciência de um
conhecimento relativo, instável e incompleto. Não é mais possível
buscar compreender os eventos numa visão baseada na
linearidade e na certeza.
Há que se interconectar novos conhecimentos e uma gama
significativa de informações de forma que possibilite ao indivíduo
lidar com o conhecimento de forma complexa. Assim, é inegável
que os indivíduos enfrentam novas exigências educativas, visto que
necessitam, via construção do seu próprio conhecimento, ser
participantes ativos de uma sociedade em permanente mudança.
Dessa forma, a principal implicação para a educação passa a ser a
otimização das capacidades cognitivas, afetivas e sociais de todos;
atendendo à necessidade de uma cultura de aprendizado.
Conforme Fonseca (1998), as escolas, como instituições de
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educação privilegiadas, devem assegurar a otimização do potencial
de aprendizagem dos estudantes.
Com o desenvolvimento da sociedade da informação, em
que se multiplicam as possibilidades de acesso a dados e a fatos, a
educação deve permitir que todos possam recolher, selecionar,
ordenar, gerir e utilizar as mesmas informações. A educação deve,
pois, adaptar-se constantemente a estas transformações, sem
deixar de transmitir as aquisições, os saberes básicos frutos da
experiência humana (DELORS,2001, p. 20-1).
Considerando as demandas educacionais da atualidade,
torna-se inadequado e insuficiente utilizar-se de um trabalho
docente embasado no mecanicismo, no qual a função do professor
é transmitir de forma instrucional um conteúdo científico e aos
alunos, como se estes homogenicamente se constituíssem em
receptores passivos do dizer do outro, cabe a reprodução,
desenvolvendo uma aprendizagem centrada na cópia. É importante
dar-se conta então, de que a educação sempre buscou ensinar e o
homem sempre buscou aprender, mas frente às emergências do
conhecimento, num mundo marcado pela informação e
flexibilidade, as aprendizagens não se esgotam na sala de aula.
Faz-se urgente a reflexão sobre esse modelo de
educação tradicional migrando para um ato pedagógico
fundamentado na dialógica, que delegue ao professor a tarefa de
auxiliar o aluno a “reaprender a aprender”1, reconstruindo seu
conhecimento de forma autônoma. Aqui o prefixo RE é usado a
partir da visão de Morin (2002; 2005) pois, de acordo com o autor,
os indivíduos, como organizações vivas, aprendem através da
reorganização permanente de si próprios frente à ordem/desordem
existente na própria vida. Aquilo que aprenderam, experimentaram,
23
adquiriram, é processo/produto da recorrência existente na
complexidade reorganizadora.
Ao conhecer para viver, o indivíduo transpõe a estabilidade
permanente e passa a demonstrar a aptidão para construir novas
habilidades sob o efeito de acontecimentos
organizadores/desorganizadores advindos de inúmeras interações
necessárias com os diferentes elementos constituintes do ambiente
em que vive, fundamentando-se no princípio da
autonomia/dependência e sendo reconhecido como auto-eco-
reorganizador. Assim como o conhecimento indispensável para a
vida é reconstruído através da sua auto-organização, sendo
caracterizado como processo cíclico regenerador, o ser humano,
como entidade ligada a seu meio ambiente, desenvolve sua
autonomia na dependência de sua cultura. Como o contexto
ambiental se transforma, o homem também se transforma e
transforma o meio, num processo de constante recursividade inter-
relacionada. Eis a idéia de recomeço, de renovação, de reforço
presente na auto-organização dependente. Salienta-se que essa
concepção não estabelece um novo conflito conceitual, mas
apenas é acrescentada como um novo elemento a um conflito já
existente.
Monereo (2002) reconhece que, sem dúvida, “aprender a
aprender”, “ensinar a aprender” e “ensinar a pensar” têm sido
suporte de uma corrente de pensamento amplamente aceita no
campo da educação, porém, os conteúdos envolvidos nessa
corrente não são tão bem explicitados:
1 Devido a um conflito conceitual existente na literatura, as expressões
“reaprender a aprender”,“aprender a aprender”, “ensinar a aprender” e “ ensinar a pensar”
são usados permutavelmente. As distinções teóricas existentes na literatura em relação a
24
esses termos somente serão mencionadas quando essas diferenças estiverem em
discussão.
“O que significa ensinar a aprender a aprender? Que fatores estão implicados?
Como podem os professores conseguir que os estudantes aprendam a prender e a
pensar de maneira progressivamente mais autônoma? De que maneira se pode, desde
um assessoramento psicopedagógico, favorecer essa meta?” (MONEREO, 2002, p. 15).
Dessa forma, adotar esta nova visão de educação implica
aceitar a complexidade do aprender, com implicações também nos
conteúdos, na relação professor - aluno e, principalmente, no
processo de ensinar.
Uma importante conseqüência dessa nova postura é que
professor não pode ficar indiferente à relevância de melhor atender
essa complexidade existente na reconstrução do conhecimento
pelo aluno.
Deve-se interagir e receber informações provenientes das
diferentes visões das ciências relevantes para compreender melhor
as condições não só físicas, mas também emocionais, sociais e
culturais que permeiam a aprendizagem a fim de promover uma
melhora significativa no ensinar e no aprender, tornando-se,
respectivamente, experiências produtivas para o professor e para o
aluno.
Contudo, os professores parecem estar desprovidos da
compreensão aprofundada de como o aluno aprende, situação que
pode ocasionar uma visão equivocada de diferentes momentos de
ensino e aprendizagem; muitas vezes, os professores, na ausência
de informações de como o cérebro faz e o que faz, delegam o
insucesso no aprender à incapacidade de os alunos realizarem
25
determinados tipos de aprendizagem ou a problemas de
motivação, esquivando-se de sua responsabilidade como mediador
da construção de conhecimentos; sendo assim, mostram-se,
freqüentemente, impacientes e rotuladores, ignorando a influência
educativa que oferecem através de suas propostas pedagógicas (
DEMO, 2002)
Comumente há reclamações sobre a ausência de motivação
e de técnicas de estudos, além da carência de estratégias para
lidar com as tarefas educativas propostas. Porém, não cabe ao
aluno resolver essa situação na sua totalidade, pois é difícil que os
alunos aprendam a aprender se essa questão não constitui um
objetivo formativo e não há orientação por parte dos professores.
Sabe-se que o professor, mesmo que dependente de um
sistema educacional complexo que legitima saberes baseando-os
na idéia de cultura, de conhecimentos sociais, de técnicas
profissionais, organizando e regrando a sua transmissão por meio
da educação formal, como agente das instituições que têm no
saber sua base funcional e existencial, são os últimos mediadores
entre a instituição escolar e suas clientelas (TARDIF, 2003).
Diante dessa situação, em que o professor pode ser
considerado um ponto proeminente no qual se dá a realização das
transformações necessárias no campo educacional, pois ocupa
posição estratégica nas instituições, e considerando, ainda, que o
aluno é percebido como indivíduo que reconstrói conhecimento
próprio através de processos de aprendizagens
autônomas/dependentes, aquele que medeia esses processos
enfrenta o desafio de aprimorar o ensinar.
26
Salienta-se ainda que a própria trajetória docente da
pesquisadora tem gerado a necessidade de buscar a eficiência do
ato pedagógico para lidar com a complexidade individual
característica do aprender de cada um, otimizando o aprendizado
autônomo/dependente e colaborando para proporcionar a
reconstrução do conhecimento.
27
Capítulo IV
4. Ensino/ Aprendizagem e Neurociências – Caminhos
Possíveis
“O cérebro é mutante, e não
estático! Responde aos estímulos
ambientais não apenas com operações
funcionais imediatas, mas também com
alterações de longa duração, algumas das
quais podem se tornar permanentes.
Emergiu o conceito de neuroplasticidade,
que sintetiza essa capacidade dinâmica,
mutante, transformadora.” (Roberto Lent)
É inegável que os pressupostos epistemológicos da
complexidade, ao reger a organização do vivo, influenciam o
entendimento que temos de processos de construção de
conhecimento bem como das maneiras de viver/conviver entre os
humanos, inclusive no âmbito da educação formal. É possível
inferir que cada indivíduo, como sistema auto-organizador, possui
uma dinâmica estrutural particular, tem um modo único de ser, de
aprender, de conhecer e interagir no mundo, o que implica uma
educação que tenha como objetivo promover e facilitar processos
de auto-reorganização.
Adotando o paradigma complexo, que reconhece a
possibilidade de conformismos cognitivos e intelectuais derivados
de um conhecimento sustentado pela linearidade de uma visão
reducionista da realidade, são percebidas as articulações
existentes no conhecimento multidimensional; nesse sentido,
usando diálogo criativo com a insuficiência, a incerteza e a
28
autocrítica, é possível suplantar o conhecimento como fruto de
teorias acabadas, as quais não comportam erros. (MORIN, 1999)
Para melhor elucidação de alguns princípios básicos dessa
visão complexa do conhecimento, a aprendizagem ocorre sob uma
visão sistêmica, na qual o aprender é processo de construção
dialógica entre o sujeito cognoscente (portador do já conhecido) e o
meio cognoscível (o que é possível conhecer). Segundo
Morin,1999), é um movimento em espiral que permite a evolução,
na qual as competências inatas se desenvolvem paralelamente ao
desenvolvimento das aptidões necessárias para adquirir,
memorizar e tratar o conhecimento, transformando o desconhecido
em conhecimento.
O homem, ao possuir um aparelho neurocerebral, percebe o
mundo através de seu aparelho perceptual, o que se constitui num
processo interpretativo dos fenômenos que envolve seus sentidos
e sua memória. Nas palavras de Izquierdo (2002, p. 9):
“Memória é a aquisição, a formação, a conservação e
a evocação de informação. A aquisição é também
chamada de aprendizagem: só se ‘grava’ aquilo que
foi aprendido. A evocação é também chamada de
recordação, lembrança, recuperação Só lembramos
aquilo que gravamos, aquilo que foi aprendido.”
Complementando, Lent (2001, p. 557) preconiza que
“percepção é a capacidade de associar as informações sensoriais
à memória e à cognição de modo a formar conceitos sobre o
mundo, sobre nós mesmos e orientar nosso comportamento”.
De acordo a neurociência cognitiva, a qual foca-se na
atenção e compreensão das atividades cerebrais e os processos
29
de cognição, a aprendizagem humana não flui de uma simples
armazenagem de dados perceptuais, mas sim do processamento e
elaboração das informações oriundas dessas percepções no
cérebro, o qual, sendo um sistema dinâmico, não podendo ser
interpretado como um depósito estático para a armazenagem de
informação.
Segundo Posner e Raichle (2001), sistemas cognitivos são
aqueles sistemas mentais que regem as atividades diárias do ser
humano, como ler, escrever, conversar, planejar, reconhecer
rostos. Alguns sistemas comportam outros sistemas, agregando
complexidade ao gerar um comportamento. O sistema cognitivo da
linguagem, por exemplo, envolve falar, ler e escrever, ativando
diferentes estruturas cerebrais. Esses diferentes sistemas
cognitivos têm como base distintas operações mentais. Dessa
forma, uma dada tarefa mental, como jogar xadrez, pode ativar
diferentes operações mentais, as quais estão relacionadas a redes
neurais de áreas cerebrais específicas.
30
Figura 1 - A tarefa e a ativação de distintas áreas cerebrais - Fonte: Posner e
Raichle (2001, p. 125)
O indivíduo, permanentemente em busca de respostas à
suas percepções, pensamentos e ações, tem suas conexões
neurais em constante reorganização, sendo que através de
processos de fortalecimento ou enfraquecimento, tem seus
padrões conectivos alterados a todo momento. Existem neurônios
prontos para a estimulação, fazendo com que a atividade mental
estimule a reconstrução de conjuntos neurais, processando
experiências vivenciais e/ou lingüísticas num fluxo e refluxo de
informação, captadas pelos sentidos e transformadas em estímulos
elétricos que percorrem neurônios, sendo a informação catalogada
e arquivada nas memórias. É essa capacidade de agregar dados
novos a informações já armazenadas na memória, estabelecendo
relações entre o novo e o já conhecido e reconstruindo aquilo que
já foi aprendido, num reprocessamento constante das
interpretações advindas da percepção, que caracteriza a
plasticidade do cérebro (IZQUIERDO, 2002).
31
A aprendizagem, portanto, é o processo em virtude do qual
se associam coisas ou eventos no mundo, graças à qual
adquirimos novos conhecimentos.Denominamos memória o
processo pelo qual conservamos esses conhecimentos ao longo do
tempo. Os processos de aprendizagem e memória modificam o
cérebro e a conduta do ser vivo que os experimentam (MORA,
2004, p. 94).
Constata-se que a memória é responsável pelo
armazenamento de informações, bem como pela evocação daquilo
que está armazenado. Desse modo, a aprendizagem requer
competências para lidar de forma organizada com as informações
novas ou com aquelas já armazenadas no cérebro a fim de realizar
novas ações. Envolve, assim, a execução de planos já formulados
e resulta de ações mentais bem pensadas, ensaiadas
mentalmente, influenciando o planejamento de atos futuros. O
cérebro está preparado para funcionar com o feedback interno e
externo; é auto-referente, isto é, “o que é recebido em qualquer
nível cerebral depende de tudo o mais que acontecer nesse nível, e
o que é enviado para o nível seguinte depende do que já estiver
acontecendo nesse nível” Apesar da proximidade dos conceitos
aprendizagem e memória, Lent, os distingue de forma bastante
clara:
“O processo de aquisição de novas informações que vão ser
retidas na memória é chamado aprendizagem. Através dele
nos tornamos capazes de orientar o comportamento e o
pensamento. Memória, diferentemente, é o processo de
arquivamento seletivo dessas informações, pelo qual podemos
evocá-las sempre que desejarmos, consciente ou
inconscientemente. De certo modo, a memória pode ser vista
como o conjunto de processos neurobiológicos e
neuropsicológicos que permitem a aprendizagem” (2001, p.
594).
32
Considerando a flexibilidade do cérebro para reagir às
demandas do ambiente, explicada pela sinaptogênese (formação
de novas conexões entre as células cerebrais - sinapses), e a idéia
de que o conhecimento deve ser codificado nas ligações entre os
neurônios, a aprendizagem, possibilitada pela plasticidade cerebral,
modifica química, anatômica e fisiologicamente o cérebro porque
requer alterações nas redes neuronais, uma vez que situações
vivenciadas no ambiente inibem ou estimulam o surgimento de
novas sinapses através da liberação de neurotransmissores
(MORA, 2004). Oferecer situações de aprendizagem
fundamentadas em experiências enriquecidas e estimular
atividades intelectuais pode promover a ativação de novas
sinapses.
Retomando aqui Maturana e Varela (2001), para os quais a
aprendizagem surge, então, de um acoplamento estrutural, uma
vez que através das interações recíprocas entre o indivíduo e o
meio surgem mudanças de estado na organização do ser vivo, ao
aprender; ocorre que, perante as informações, o organismo opera
com propriedades emergentes a fim de se adaptar às condições
cambiantes presentes no processo de conhecer.
As informações do meio, uma vez selecionadas, não são
apenas armazenadas na memória, mas geram e integram um novo
sistema funcional, caracterizando aí a complexificação da
aprendizagem. Uma informação pode, pela desordem gerada,
proporcionar a evolução do conhecimento do indivíduo, sendo que
esse precisa desenvolver estratégias cognitivas para reorganizar e
retomar o equilíbrio na construção do conhecimento, o que é obtido
por meio de um processo dinâmico e recursivo presente na
reconstrução do próprio ato de conhecer.
33
Conforme Assmann (2001), esse conceito implica uma visão
nova do aprender, o qual passa a estar fundamentado no fato de
que experiências de aprendizagem representam estados e
propriedades emergentes em contextos pedagógicos.
Adotando uma perspectiva de aprendizagem sustentada
pelas relações entre os elementos constituintes da percepção -
sentidos e memórias - e pelo pensamento sistêmico, no qual essas
relações acontecem inseridas na complexidade da reestruturação
permanente do conhecimento no cérebro/ mente, a complexidade
individual pode ser compreendida como fruto da interação entre os
processos de computação (presente em todos os seres vivos) e
cogitação (o ato de pensar).
Segundo Morin (1999), as informações são processadas
pelo computo e pelo cogito, sendo os processos cognitivos
produtores e produtos dessas atividades cerebrais. Enquanto o
computo apenas comporta a possibilidade de decisão em situações
ambíguas, o cogito emerge das ações computantes, retroagindo
sobre elas. O aparelho neurocerebral realiza uma série de
computações, sejam elas entre neurônios ou entre regiões do
cérebro e intercomputações, isto é, computações entre neurônios e
regiões; como um computador, é capaz de associar e separar, ou
melhor, sintetizar e analisar. A cogitação (pensamento), através da
linguagem, utiliza e transforma as operações do computo em um
novo modo de organização do conhecimento. Entretanto, as
palavras e discursos podem ser reconsiderados e tratados pelo
computo. A linguagem, que é primeiramente computada (fonemas
e estruturas sintáticas), passa a ser objeto de cogitação (formação
de palavras, sentido, idéias) e retorna ao computo, que fornece seu
modo de organização, numa relação indissociável entre ambos.
34
Assim, os seres humanos, ainda que tenham o computo animal,
são capazes de ir além, apresentando o cogito. Dotados de
consciência, linguagem e de cultura, são capazes de decisão,
escolha, estratégia, invenção. Esse caráter complexo da
capacidade de lidar com a informação e organizá-la através do
pensamento é fundamental para gerar competências requeridas
para executar atos futuros.
“Pensar é, com efeito, um processo,
uma função biológica desempenhada pelo
cérebro. O processamento do pensamento é o
ato de receber, perceber e compreender,
armazenar, manipular, monitorar, controlar e
responder ao fluxo constante de dados. A
capacidade para ligar de forma competente as
informações oriundas das áreas de associação
motora, sensorial e mnemônica é decisiva para
o processamento do pensamento a para a
consideração e planejamento de futuras
ações.” (RATEY, 2002, p.198) [grifo nosso].
Considerando os estudos de Simon, Morin (1999, p. 48)
salienta que o aparelho neurocerebral, como um general problems
solvers, apresenta uma competência geral para aplicar-se a
problemas diversos e particulares. As estratégias adotadas, a
princípio, permitem um método de ação próprio com a finalidade de
alcançar um dado objetivo, envolvendo automatismos cognitivos
que agem na ausência de risco ou novidades, pode-se identificar
como derivados de computações neuronais automáticas, mas ao
lidar com as incertezas, com o acaso, passa a ser imprescindível
encontrar soluções para situações novas. Assim, as estratégias
cognitivas têm importância no processo de conhecer, na medida
em que: captam informações do “ruído”, extraindo de um
acontecimento desinteressante, uma informação relevante;
realizam a representação correta de uma situação e avaliam as
35
eventualidades e elaboram cenários de ação. Isso significa que
ocorre a adoção de decisões sucessivas mediante a evolução da
ação, numa relação de dependência da aptidão estratégica da
capacidade de decidir mediante a imaginação de cenários
alternativos (MORIN, 1999).
Uma pessoa, ao enfrentar tarefas e problemas geralmente
tem um plano, ou seja, existe uma busca sistemática. Se escolher
uma solução de forma aleatória, demonstrando a ausência de
planejamento, provavelmente terá seus resultados ou produtos
cognitivos com menor qualidade (FLAVELL, MILLER e MILLER,
1999). Nesse sentido, o processo de escolha de uma estratégia e a
estratégia resultante são produtos de uma atividade mental. O
indivíduo primeiramente preocupa-se em planejar, objetivando o
desenvolvimento de um plano orientado por ações em torno do
alcance de um dado objetivo. Nesse processo de planejamento, o
aprendiz, em busca de conhecer, seleciona meios e recursos
relevantes para o estabelecimento do plano. Finalizada a primeira
etapa, isto é, o estabelecimento do plano, inicia a execução do
mesmo. Caso o objetivo não seja atingido, o indivíduo pode
retomar o processo. Em todos esses componentes, é possível a
imediata correção de erros no planejamento e/ou na execução via
feedback ou monitoramento. Veja-se ilustração abaixo:
36
Figura 2 - Planejamento e ação Fonte: o autor (2006).
Sob esse enfoque, a dimensão cognitiva do ser humano é
dependente da auto-reorganização do sujeito cognoscente. O
indivíduo imagina suas ações em função das certezas (ordem), das
incertezas (desordem, eventualidades) e das suas aptidões para
organizar o pensamento (estratégias cognitivas, roteiro de ação). A
própria realização da ação, eventualmente, faz com que seja
necessária a retomada e a modificação de decisões ou caminhos a
partir de função de informações que surgem durante o processo. A
ação só é possível se houver ordem, desordem e organização
(MORIN, 1999).
A evolução da cognição vincula-se à capacidade do
cérebro de reordenar as informações e idéias constantemente,
podendo produzir pensamentos completamente novos. Os autores,
reconhecendo a influência da aprendizagem sobre a estrutura do
cérebro, afirmam que “O cérebro continua claramente a mudar sua
organização, à medida que novas competências vão sendo
aprendidas” (2001, p. 211).
Na perspectiva Moriana, a estratégia não pode ser pensada
como simples adaptação às perturbações do meio. Além de um
37
ajustamento ao inesperado, comporta o erro e promove a
transformação, pois se traduz em invenção e ativa a inovação.
Estratégia de ação e estratégia cognitiva estão em interação
constante e constituem a aprendizagem (MORIN, 2005b).
As estratégias cognitivas têm, portanto, o objetivo de
aumentar e melhorar os produtos e resultados de nossa atividade
cognitiva, favorecendo a codificação e armazenamento da
informação, sua recuperação posterior e sua utilização na solução
de problemas. Pozo (2002, p. 160) ressalta a importância do uso
de “Uma boa aprendizagem [...] requerer que se disponha de
recursos técnicos alternativos para enfrentar as emergências da
aprendizagem”.
Refletindo sobre a relação entre o uso de estratégias e a
aprendizagem,Salvador ressalta que o aprender a aprender remete
à “[...] importância que deve ser outorgada na aprendizagem
escolar à aquisição de estratégias cognitivas de exploração e
descobrimento, assim como de planejamento e de regulamentação
da própria atividade” (1994, p. 129).
Afirma-se assim uma prática pedagógica baseada no
instrucionismo não é condizente fundamentando-se na reprodução
de informação e realizando-se em uma aula comunicável, em que o
professor fala e o aluno copia e repete, num mecanismo de
memorização. Além disso, ignora-se as diferenças intelectuais
entre os indivíduos, os quais apresentam habilidades cognitivas
distintas, tais como: capacidade de abstração, de compreensão de
conceitos, de manutenção de atenção, memória visual e verbal.
38
O sucesso no campo da educação não poderá ser
alcançado enquanto o professor, mediador do processo de
aprendizagem, através de sua ação pedagógica, não tomar
consciência de que é sua tarefa otimizar o reaprender a aprender
do aluno e de que só viabilizará esse processo se reconhecer a
complexidade do conhecer. Nesse caso, ao professor cabe
questionar a visão tradicional de ensino e aprendizagem,
abandonando o papel de mero transmissor de conhecimento e
assumindo a condição de mediador. “Sob o olhar ecossistêmico é
recomendável a busca de novas formas de mediação pedagógica
entre a ação docente e a aprendizagem do aluno” (MORAES,
2004, p. 47).
Para Pozo (2002), um melhor conhecimento do
funcionamento do processo de aprendizagem permitiria uma
compreensão mais adequada do aprender e de ensinar, superando
dificuldades tanto do aprendiz quanto daquele que ensina, isto é,
daquele que ajuda os outros a aprender, uma vez que esse
conhecimento poderia auxiliar os mestres a reestruturar o ensino e
proporcionaria àquele que aprende um melhor desempenho na
tarefa de aprender, conhecendo, a partir da reflexão, seus próprios
processos de aprendizagem e exercendo controle sobre eles.
Contudo, os professores carecem não só de conhecimentos
científicos sobre como os alunos aprendem, mas também de
conhecimentos sobre seu próprio processo de construção do
conhecimento. Considerando ainda que só é possível ensinar
aquilo que se sabe, é importante oportunizar aos professores a
compreensão de como podem lidar com as características
pessoais no processo de aprender, demonstrando a possibilidade
de mudanças na capacidade de sua organização cognitiva na
reconstrução do conhecimento.
39
Assim, um eco dessa visão sistêmica do aprender pode ser
vislumbrado na Neurociência Pedagógica. Portanto, um dos
caminhos é encontrar na neurociência um alicerce para o
entendimento do reaprender a aprender, remetendo a estratégias
de ação docentes embasadas na complexidade do ensinar e
reaprender.
40
Capítulo V
“A aprendizagem não é acumulação de informações,
mas resultado de transformação, de mudanças estruturais a
partir de ações e interações provocadas por perturbações a
serem superadas. E a aprendizagem progride mediante fluxos
dinâmicos de trocas, análises e sínteses autoreguladoras cada
vez mais complexas. “(Moraes, 2004)
5. Cérebro e Aprendizagem
Sabe-se que a mente e o cérebro saudáveis são, por
natureza, ávidos por informações. Alguns menos, outros mais – é
bem verdade. Sabe-se que a predisposição para aprender
dependendo, entre outras coisas, da neuroquímica de cada um,
dos estímulos, das motivações e dos lugares psíquicos que o
aprender ocupa. Ainda que haja grandes diferenças de uma
pessoa para outra, aprender o que há de novo é tão importante
para a dinâmica psíquica, que temos um “detector de
novidades”,que seleciona e “avisa” o cérebro sobre a iminência da
chegada de informações até então desconhecidas. A curiosidade
eu permeia – ou pelo menos- deveria permear o processo de
aprender, muitas vezes se perde-se ou fica no segundo plano. E a
necessidade de dominar novas tecnologias, atingir bons resultados
eu provas escolares ou concursos e a urgência em introjetar
informações, muitas vezes sem sequer saborear esse sabor, fazem
com que a obrigação de aprender nuble a satisfação.
Desde a primeira molécula, sobrevivemos graças à
aprendizagem. Esse processo que implica desenvolvimento de
conexões neurais, comunicação e aquisição de novas formas de
nos relacionar conosco e com os outros. O curioso é que o cérebro,
41
na maioria das pessoas aparece, em grande parte do tempo,
ansioso por captar informações e compreender o mundo.
O hipocampo, estrutura neural localizada nos lobos
temporais, funciona como um “detector de novidades”, compara
informações com os registros já existentes e, caso haja algo novo,
envia uma espécie de alerta para outras áreas cerebrais, que
assim ficam alerta e aprendam o estimulo. Outras regiões do
mesencéfalo, como a substância negra (SN) e a área tegmental
ventral (ATV) também desempenham papel importante nessa
atividade. As células neurais se comunicam entre si no cérebro por
neurotransmissores, chamados de “substâncias mensageiras” e
nesse caso principalmente a dopamina.
42
(Figuras 3 e 4, revista Mente & Cérebro, Ed nº 197 pag 40)
43
Sabe-se que o hipocampo contribui tanto para fixação de
conteúdos na memória, quanto para sua reativação. Nesse
processo o hipocampo compara as informações sensoriais que
chegam com o conhecimento já memorizado. Quando o estimulo é
novo, através de diversas estações intermediárias como o núcleo
accubens e o pallidum ventral, área tegmentar e a substância
negra (SN), delas saem fibras neurais de volta para o hipocampo,
fazendo com que a dopamina seja liberada várias vezes, o que
facilita a potencialização de longa duração, um fortalecimento
duradouro da ligação entre as células neurais – ou seja das
sinapses.
5.1 Sinapses
Sinapses são as regiões de comunicação entre os
neurônios, ou mesmo entre neurônios e células musculares e
epiteliais glandulares.Sinapses nervosas são os pontos onde as
extremidades de neurônios vizinhos se encontram e o estímulo
passa de um neurônio para o seguinte por meio de mediadores
físico-químicos, os neurotransmissores. As sinapses ocorrem no
contato das terminações nervosas (axônios) com os dendritos. O
contato físico não existe realmente, pois as estruturas estão
próximas, mas há um espaço entre elas (fenda sináptica). Dos
axônios são libertadas substâncias (neurotransmissores), que
atravessam a fenda e estimulam receptores nos dendritos e assim
transmitem o impulso nervoso de um neurônio para o outro.
44
a) Sinapse excitatória
Sinapse excitatórias são aquelas onde a membrana pós-
sináptica é despolarizada, como por exemplo as sinapses entre
neurônios motores e músculos esqueléticos.
b) Sinapse inibitórias
Sinapses inibitórias causam a hiperpolarização da
membrana pós-sináptica. Os neurotransmissores mais comuns em
sinapses inibitórias de vertebrados são o ácido gama-
aminobutírico(GABA) e glicina. As células pós-sinápticas das
sinapses inibitórias apresentam canais de cloro ligante
dependentes. Quando esses canais são ativados por um
neurotransmissor, eles podem hiperpolarizar a membrana pós-
sináptica. Assim há uma probabilidade menor de lançamento de
um potencial de ação.
Fenda sináptica é o local de comunicação entre o neurônio
pré-sináptico (axônio) e o neurônio pós-sináptico (dendrito).
(Figura 5, Fonte: Google Imagens)
45
5.2 Córtex Pré Frontal
a) No cérebro há uma distinção visível entre a
chamada massa cinzenta e a massa branca, constituída
pelas fibras (axónios) que entreligam os neurónios. A
substância cinzenta do cerebro, o córtex cerebral, é
constituído corpos celulares de dois tipos de células: as
células de Glia - também chamadas de neurôglias - e os
neurônios. O córtex cerebral humano é um tecido fino (como
uma membrana) que tem uma espessura entre 1 e 4 mm e
uma estrutura laminar formada por 6 camadas distintas de
diferentes tipos de corpos celulares de neurônios.
Perpendicularmente às camadas, existem grandes
neurônios chamados neurônios piramidais que ligam as
várias camadas entre si e representam cerca de 85% dos
neurônios no córtex. Os neurônios piramidais estão
entreligados uns aos outros através de ligações excitatórias
e pensa-se que a sua rede é o «esqueleto» da organização
cortical. Pode receber entradas de milhares de outros
neurônios e podem transmitir sinais a distâncias da ordem
dos centímetros e atravessando várias camadas do córtex.
Os estudos realizados indicam que cada célula piramidal
está ligada a quase tantas outras células piramidais quantas
as suas sinapses (cerca de 4 mil); o que implica que
nenhum neurônio está a mais de um número pequeno de
sinapses de distância de qualquer outro neurônio no córtex.
Embora até há poucos anos se pensasse que a
função das células de Glia é essencialmente a de nutrir,
isolar e proteger os neurônios, estudos mais recentes
sugerem que os astrócitos podem ser tão críticos para
certas funções corticais quanto os neurônios.
46
As diferentes partes do córtex cerebral são divididas
em quatro áreas chamadas de lobos cerebrais, tendo cada
uma funções diferenciadas e especializadas. Os lobos
cerebrais são designados pelos nomes dos ossos cranianos
nas suas proximidades e que os recobrem. O lobo frontal
fica localizado na região da testa; o lobo occipital, na região
da nuca; o lobo parietal, na parte superior central da cabeça;
e os lobos temporais, nas regiões laterais da cabeça, por
cima das orelhas.
Os lobos parietais, temporais e occipitais estão
envolvidos na produção das percepções resultantes daquilo
que os nossos órgãos sensoriais detectam no meio exterior
e da informação que fornecem sobre a posição e relação
com objetos exteriores das diferentes partes do nosso
corpo.
b) Lobo Frontal
O lobo frontal, que inclui o córtex motor e pré-motor e
o córtex pré-frontal, está envolvido no planejamento de
ações e movimento, assim como no pensamento abstrato. A
atividade no lobo frontal aumenta nas pessoas normais
somente quando temos que executar uma tarefa difícil em
que temos que descobrir uma sequência de ações que
minimize o número de manipulações necessárias. A parte
da frente do lobo frontal, o córtex pré-frontal, tem que ver
com estratégia: decidir que sequências de movimento ativar
e em que ordem e avaliar o seu resultado. As suas funções
parecem incluir o pensamento abstrato e criativo, a fluência
do pensamento e da linguagem, respostas afetivas e
capacidade para ligações emocionais, julgamento social,
47
vontade e determinação para ação e atenção seletiva.
Traumas no córtex pré-frontal fazem com que uma pessoa
fique presa obstinadamente a estratégias que não
funcionam ou que não consigam desenvolver uma
sequência de ações correta.
c)Lobos occipitais
Os lobos occipitais estão localizados na parte inferior
do cérebro. Coberta pelo córtex cerebral, esta área é
também designada por córtex visual, porque processa os
estímulos visuais. É constituida por varias subáreas que
processam os dados visuais recebidos do exterior depois de
terem passado pelo tálamo: há zonas especializadas em
processar a visão da cor, do movimento, da profundidade,
da distância, etc. Depois de percebidas por esta área - área
visual primária- estes dados passam para a área visual
secundária. É aqui que a informação recebida é comparada
com os dados anteriores que permite, por exemplo,
identificar um cão, um automóvel, uma caneta. A área visual
comunica com outras areas do cérebro que dão significado
ao que vemos tendo em conta a nossa experiencia passada,
as nossas expetativas. Por isso é que o mesmo objeto nao é
percepcionado da mesma forma por diferentes sujeitos.
Para além disso, muitas vezes o cérebro é orientado para
discriminar estímulos. Uma lesão nesta área provoca
agnosia, que consiste na impossibilidade de reconhecer
objetos, palavras e, em alguns casos, os rostos de pessoas
conhecidas ou de familiares
48
d)Lobos temporais
Os lobos temporais estão localizados na zona por
cima das orelhas tendo como principal função processar os
estímulos auditivos. Os sons produzem-se quando a área
auditiva primária é estimulada. Tal como nos lobos
occipitais, é uma área de associação - área auditiva
secundária- que recebe os dados e que, em interação com
outras zonas do cérebro, lhes atribui um significado
permitindo ao Homem reconhecer o que ouve.
e) Lobos Parietais
Os lobos parietais, localizados na parte superior do
cérebro, são constituidos por duas subdivisões - a anterior e
a posterior. A zona anterior designa-se por córtex
somatossensorial e tem por função possibilitar a recepção
de sensações, como o tato, a dor, a temperatura do corpo.
Nesta área primária, que é responsavel por receber os
estimulos que têm origem no ambiente, estao representadas
todas as áreas do corpo. São as zonas mais sensiveis que
ocupam mais espaço nesta área, porque têm mais dados
para interpretar. Os lábios, a língua e a garganta recebem
um grande número de estímulos, precisando, por isso, de
uma maior área. A área posterior dos lobos parietais é uma
área secundária que analisa, interpreta e integra as
informações recebidas pela área anterior ou primária,
permitindo-nos a localização do nosso corpo no espaço, o
reconhecimento dos objetos através do tato, etc.
49
5.3 – Memória e Aprendizagem
O homem percebe o mundo por meio de seu aparelho
perceptual, num processo interpretativo dos fenômenos que
envolve seus sentidos e sua memória. Nas palavras de Izquierdo:
“Memória é a aquisição, a formação, a conservação e a
evocação de informação. A aquisição é também chamada
de aprendizagem: só se ‘grava’ aquilo que foi aprendido.
A evocação é também chamada de recordação,
lembrança, recuperação. Só lembramos aquilo que
gravamos, aquilo que foi aprendido.” (Izquierdo, 2002, p.
9).
Complementando, Lent preconiza que “percepção é a
capacidade de associar as informações sensoriais à memória e à
cognição, de modo a formar conceitos sobre o mundo, sobre nós
mesmos e orientar nosso comportamento” (Lent, 2001, p. 557).
De acordo com a neurociência cognitiva, cujo foco de
atenção é a compreensão das atividades cerebrais e dos
processos de cognição, a aprendizagem humana não decorre de
um simples armazenamento de dados perceptuais, e sim do
processamento e elaboração das informações oriundas das
percepções no cérebro.
O indivíduo, permanentemente busca de respostas para as
suas percepções, pensamentos e ações, tem suas conexões
neurais em constante reorganização e seus padrões conectivos
alterados a todo momento, mediante processos de fortalecimento
ou enfraquecimento de sinapses. No cérebro, há neurônios prontos
para a estimulação. A atividade mental estimula a reconstrução de
conjuntos neurais, processando experiências vivenciais e/ou
linguísticas, num fluxo e refluxo de informação. As informações,
50
captadas pelos sentidos e transformadas em estímulos elétricos
que percorrem os neurônios, são catalogadas e arquivadas na
memória. É essa capacidade de agregar dados novos a
informações já armazenadas na memória, estabelecendo relações
entre o novo e o já conhecido e reconstruindo aquilo que já foi
aprendido, num reprocessamento constante das interpretações
advindas da percepção, que caracteriza a plasticidade do cérebro
(Izquierdo, 2002; Lent, 2001)
Para Mora:
A aprendizagem, portanto, é o processo em
virtude do qual se associam coisas ou eventos no
mundo, graças à qual adquirimos novos
conhecimentos. Denominamos memória o processo
pelo qual conservamos esses conhecimentos ao longo
do tempo. Os processos de aprendizagem e memória
modificam o cérebro e a conduta do ser vivo que os
experimenta (Mora, 2004, p. 94).
Assim, o cérebro pode ser visto como um sistema dinâmico
que tem sua complexidade funcional subsidiada pela sua interação
com outros sistemas nele presentes, não podendo ser interpretado
como depósito estático para o armazenamento de informação.
Os sistemas cognitivos são aqueles sistemas mentais que
regem as atividades diárias do ser humano – como ler, escrever,
conversar, planejar, reconhecer rostos. Alguns sistemas
comportam outros sistemas, agregando complexidade na geração
de um comportamento.
O sistema cognitivo da linguagem, por exemplo, envolve
falar, ler e escrever, ativando diferentes estruturas cerebrais. Esses
diferentes sistemas cognitivos têm como base distintas operações
mentais: uma dada tarefa mental, como jogar xadrez, pode ativar
diferentes operações mentais, as quais estão relacionadas a redes
neurais de áreas cerebrais específicas. Acrescenta-se a essas
51
proposições a visão de Moraes (2004), para quem a aprendizagem
progride mediante fluxos dinâmicos de trocas, análises e sínteses
autorreguladoras cada vez mais complexas, ultrapassando o
acúmulo de informações e sendo reconstruída, via transformação,
por meio de mudanças estruturais advindas de ações e interações
provocadas por perturbações a serem superadas.
A memória é responsável pelo armazenamento de
informações, bem como pela evocação daquilo que está
armazenado. E a aprendizagem requer competências para lidar de
forma organizada com as informações novas, ou com aquelas já
armazenadas no cérebro, a fim de realizar novas ações.
Aprender envolve, assim, a execução de planos já
formulados, resultando de ações mentais bem pensadas,
ensaiadas mentalmente e que influenciam o planejamento de atos
futuros. O cérebro está preparado para funcionar com o feedback
interno e externo, pois é autorreferente, isto é, “o que é recebido
em qualquer nível cerebral depende de tudo o mais que acontecer
nesse nível, e o que é enviado para o nível seguinte depende do
que já estiver acontecendo nesse nível” (Ratey, 2001, p. 202).
Apesar da proximidade entre os conceitos de aprendizagem
e memória, Lent (2001) os distingue de forma bastante clara:
O processo de aquisição de novas informações que vão ser
retidas na memória é chamado aprendizagem. Através dele nos
tornamos capazes de orientar o comportamento e o pensamento.
Memória, diferentemente, é o processo de arquivamento seletivo
dessas informações, pelo qual podemos evocá-las sempre que
desejarmos, consciente ou inconscientemente. De certo modo, a
memória pode ser vista como o conjunto de processos
52
neurobiológicos e neuropsicológicos que permitem a aprendizagem
(Lent, 2001, p. 594).
5.4- Plasticidade Cerebral
Considerando a flexibilidade do cérebro para reagir às
demandas do ambiente, explicada pela sinaptogênese –
capacidade de formação de novas conexões, sinapses, entre as
células cerebrais –, e o fato de que o conhecimento deve ser
codificado nas ligações entre os neurônios, a aprendizagem,
possibilitada pela plasticidade cerebral, modificando química,
anatômicamente e fisiologicamente o cérebro, porque exige
alterações nas redes neuronais, cada vez que as situações
vivenciadas no ambiente inibem ou estimulam o surgimento de
novas sinapses mediante a liberação de neurotransmissores (Mora,
2004).
Oferecendo situações de aprendizagem fundamentadas em
experiências ricas em estímulos e fomentando atividades
intelectuais pode-se promover a ativação de novas sinapses. As
informações do meio, uma vez selecionadas, não são apenas
armazenadas na memória, mas geram e integram um novo sistema
funcional, caracterizando com isso a complexificação da
aprendizagem. Uma informação pode, pela desordem que gera,
levar à evolução do conhecimento do indivíduo, pois ele precisará
desenvolver estratégias cognitivas a fim de reorganizar e retomar o
equilíbrio na construção do conhecimento. E isso é obtido por meio
de um processo dinâmico e recursivo presente na reconstrução do
próprio ato de conhecer. Segundo Demo, “a aprendizagem, embora
dependa de substratos físicos estruturados caracteriza- se pelo
processo de contínua inovação, maleável por natureza, flexível e
dinâmico” (Demo, 2001, p. 50).
53
A aprendizagem surge de um acoplamento estrutural: as
interações recíprocas entre o indivíduo e o meio fazem surgir
mudanças estruturais na organização do ser vivo e do contexto em
que está inserido; perante as informações, o organismo, num
processo auto-organizador, opera com propriedades emergentes, a
fim de se adaptar às condições cambiantes presentes no processo
de conhecer.
Transferindo para a educação, conforme o entendimento da
aprendizagem, como acoplamento estrutural implica uma visão
nova do aprender, a qual passa a estar fundamentada no fato de
que experiências de aprendizagem em contextos pedagógicos
geram alterações na estrutura do indivíduo. As experiências em
sala de aula estimulam reflexões recursivas sobre os pensamentos,
sentimentos e ações, permitindo que a aprendizagem seja
concebida como processo reconstrutivo, envolvendo
autorreorganização mental e emocional daqueles que interagem
nesse contexto. Morin afirma:
“Aprender não é somente reconhecer o que,
virtualmente, já era conhecido; não é apenas
transformar o desconhecido em conhecimento.
É a conjunção do reconhecimento e da
descoberta. Aprender comporta a união do
conhecido e do desconhecido” (Morin, 1999, p.
70).
A memória e a aprendizagem são fundamentais para a
evolução do indivíduo como ser social, pois ultrapassam a simples
apreensão das informações pelo sujeito aprendente, passando a
fundamentar seu pensamento e suas ações.
54
Pensar é, com efeito, um processo, uma função biológica
desempenhada pelo cérebro. O processamento do pensamento é o
ato de receber, perceber e compreender, armazenar, manipular,
monitorar, controlar e responder ao fluxo constante de dados. A
capacidade para ligar de forma competente as informações
oriundas das áreas de associação motora, sensorial e mnemônica
é decisiva para o processamento do pensamento e para a
consideração e planejamento de futuras ações (Ratey, 2001, p.
198).
5.5 – Emoção, Motivação e Aprendizagem
Deve-se ressaltar que as emoções desempenham um papel
decisivo na aprendizagem. O sistema límbico, formado por tálamo,
amígdala, hipotálamo e hipocampo, avalia as informações,
decidindo que estímulos devem ser mantidos ou descartados,
dependendo a retenção da informação no cérebro da intensidade
da impressão provocada nele. A consciência da experiência
vivenciada é atingida quando, ao passar pelo córtex cerebral,
compara-se a experiência com reflexões anteriores. Assim, quando
se escabele uma ligação entre a informação nova e a memória
preexistente, são liberadas substâncias neurotransmissoras –
como a acetilcolina e a dopamina – que aumentam a concentração
e geram satisfação.
Compreende-se dessa maneira que a emoção e motivação
influenciam a aprendizagem. Os sentimentos, intensificando a
atividade das redes neuronais e fortalecendo suas conexões
sinápticas, podem estimular a aquisição, a retenção, a evocação e
a articulação das informações no cérebro. Diante desse quadro, os
autores defendem a importância de contextos que ofereçam aos
55
indivíduos os pré-requisitos necessários a qualquer tipo de
aprendizado: interesse, alegria e motivação. Conforme Lent, “a
razão é fortemente relacionada com a emoção. De um modo ou de
outro, nossos atos e pensamentos são sempre influenciados pelas
emoções” (Lent, 2001, p. 671).
Wallon ocupa um lugar estratégico na afetividade quando
ressaltando que ela se junta aos domínios funcionais a motricidade
e à inteligência. Para ele todos eles tem uma estreita vinculação
entre si e que são construídos gradativamente.
Dentro de uma perspectiva de aprendizagem sustentada nas
relações entre os elementos constituintes da percepção – sentidos
e memória – e no pensamento sistêmico, no qual essas relações
acontecem inseridas na complexidade da reestruturação
permanente do conhecimento no cérebro/mente, é imprescindível
que o professor se reconheça como responsável pela configuração
de um ambiente que propicie a auto reorganização dos indivíduos.
Para Fonseca (1998), ainda que a inteligência do indivíduo
dependa, pela interação entre as células neuronais, do
desenvolvimento biológico, somente as mediações que o indivíduo
sofre em suas interações com o meio ambiente onde está inserido
é que permitirão expandir essa inteligência em todo seu potencial.
À luz desses argumentos, entender como o aluno aprende
permite ao professor, assim, buscar uma forma mais adequada de
‘didatizar’ os conhecimentos científicos, pois compreender a forma
de cognição do aluno melhora a organização do ensino.
56
Capítulo VI
“Se eu escuto... esqueço! Se eu vejo...
entendo! Se eu faço ... aprendo!” (Provérbio
Chinês)
6 Conhecimentos Neurocientíficos - Contribuições para
formação Docente
Evidencia-se que vivemos no século do estudo da mente e
do cérebro. O interesse na área, ancorado no progresso
tecnológico, tem garantido avanços científicos significativos para a
neurociência, contribuindo intensamente para promover com maior
eficácia o entendimento da mente humana.
Há uma busca exaustiva no campo científico da
neurociência em torno de como o cérebro age. São inúmeros os
estudos que têm sido publicados, em revistas especializadas ou
não, e vários os congressos realizados na área da neurociência.
Usando de recursos tecnológicos sofisticados, como técnicas de
mapeamento de imagens, hoje é possível não apenas analisar
detalhadamente a anatomia do cérebro, mas também identificar
que partes dele trabalham quando se realiza uma ação.
Instaura-se aqui a possibilidade de aprender como as
pessoas organizam seus processos cognitivos, bem como de
reconhecer as diferenças entre essas organizações. Essa
perspectiva permite que a evolução da ciência do cérebro se
constitua numa das principais alternativas para compreender a
complexidade cognitiva humana.
57
Para Pozo (2002), um conhecimento mais aproximado da
forma de funcionamento do processo de aprendizagem permite
uma compreensão mais adequada do aprender e do ensinar,
superando-se dificuldades tanto do aprendiz quanto daquele que
ensina – isto é, daquele que ajuda os outros a aprender. E esse
conhecimento pode auxiliar os mestres a reestruturarem o ensino,
proporcionando àquele que aprende um melhor desempenho na
tarefa de aprender.
Complementando essa idéia, Shore (2000) salienta que o
conhecimento científico crescente produzido pela neurociência
deve ser dirigido àqueles que, de algum modo, colaboram
profundamente no desenvolvimento cognitivo das crianças – em
especial, pais e professores, interventores reconhecidos na
aprendizagem desses indivíduos.
Entretanto, apesar de a mídia ter constantemente explorado,
de forma bastante intensa, o tema mente/cérebro, colaborando
para o aumento das informações sobre o assunto, esses
conhecimentos têm sido apresentados de forma superficial e
desconectada de seu vínculo com a educação. Além disso, a
produção literária nacional com uma visão unificada das relações
entre as ciências da mente/cérebro e a educação é escassa.
Assim, aborda-se de forma mais densa o papel significativo da
biologia da mente na educação. Os livros e materiais disponíveis
no mercado pouco oferecem nesse sentido ou, quando apresentam
informações científicas mais especializadas, destinam-se a um
grupo seleto de profissionais e são direcionados a áreas como
medicina e psicologia, afastando-se das atividades do professor.
Tardif (2003) lembra que o objeto de trabalho do docente é o
humano, e que isso tem consequências relevantes para a prática
profissional dos professores, o que merece maior discussão.
58
Conforme o autor, num dado grupo de alunos, existem
especificidades individuais, cabendo ao docente atingir cada um
dos indivíduos:
Essa tarefa docente envolve a disposição para compreender
os alunos em suas particularidades individuais e situacionais,
acompanhando sua evolução no contexto em sala de aula. (...) a
disposição do professor para conhecer seus alunos como
indivíduos deve estar impregnada de sensibilidade e de
discernimento a fim de evitar as generalizações excessivas e de
afogar a percepção que ele tem dos indivíduos num agregado
indistinto e pouco fértil para a adaptação de suas ações.
Essa predisposição para conhecer os alunos como
indivíduos parece, aliás, muito pouco desenvolvida nos alunos-
professores (...). A aquisição de sensibilidade relativa às diferenças
entre os alunos constitui uma das principais características do
trabalho docente. Essa sensibilidade exige do professor um
investimento contínuo e em longuíssimo prazo, assim como a
disposição de estar constantemente revisando o repertório de
saberes adquiridos por meio da experiência (Tardif, 2003, p. 267).
Demo (2005) indica a necessidade de propiciar uma
formação mais eficiente aos professores quanto à complexidade e
à reconstrução presentes na aprendizagem. Em relação a essa
necessidade, o autor destaca a importância, com base em
diferentes vertentes teóricas advindas de áreas variadas, do estudo
sobre a aprendizagem na formação do professor, não só adotando
como referencial as ciências humanas e sociais, mas também
reconhecendo o caráter interdisciplinar da aprendizagem. Segundo
Claxton (2005), se os professores não sabem em que consiste a
aprendizagem e como ela ocorre, tem as mesmas possibilidades
59
de favorecê-la ou de atrapalhá-la. Para Moraes e Torre (2004), a
neurociência oferece conhecimentos que deveriam ser
aproveitados pelos docentes. Os referidos autores lembram que a
aprendizagem é proporcionada pela plasticidade do cérebro e sofre
influência do ambiente. Nesse caso, o professor, por meio de sua
ação profissional, transmite estímulos que podem vir a contribuir
para a secreção de hormônios que provocam o entusiasmo e o
desejo de aprender ou o extremo oposto, o desinteresse.
Não considerar esses pressupostos pode ocasionar uma
visão equivocada dos diferentes momentos de ensino e
aprendizagem. Na ausência de informações de como nosso
cérebro faz o que faz, muitas vezes os professores atribuem o
insucesso no aprender à incapacidade de os alunos realizarem
determinados tipos de aprendizagem. Com isso, os professores se
esquivam de sua responsabilidade como mediadores da
construção do conhecimento.
Em contrapartida, oportunizar aos professores a
compreensão de como o cérebro trabalha dá condições mais
adequadas para que ele estimule a motivação em sala de aula e,
de certa forma, assegura a possibilidade de sintonizar com os
diversos tipos de alunos, os quais terão suas capacidades mais
profundamente exploradas.
Indubitavelmente, o ato pedagógico é extremamente
relevante para a retenção e o processamento da informação
trabalhada em sala de aula, uma vez que as explicações e a
atuação docente não somente informam, como também oferecem
dados os quais, colhidos nas interações quando realmente
vivenciadas, não se restringem às percepções sensíveis e
60
aparentes. Nesse caso, gesto e fala fornecem mensagens
significativas, pistas, a serem decodificadas.
De acordo com Morin (1999), somos influenciados pelos
pensamentos dos outros de tal modo que, apesar de
independentes, dependemos das relações que construímos no
ambiente em que nos encontramos. Na sala de aula, o que se fala
e como se fala constituem elementos desencadeadores de
pensamentos e raciocínios. Tomando como exemplo as
informações visuais e auditivas veiculadas em um dado recurso
didático, bem como o comportamento docente, eles criam
circunstâncias capazes de configurar determinada identidade
emocional, em virtude de pensamentos e memórias, que evocam
lembranças e manipulam a interpretação na mente. Segundo
Izquierdo (2002), as emoções e o estado de ânimo interferem na
formação e na evocação de memórias e, como qualquer função
cognitiva que envolve sinapses, quanto maior o número de
estímulos condicionados dessa memória, tanto maior a retenção ou
a evocação de uma dada informação.
Quantos professores sabem que um simples trabalho de
memorização de diferentes tipos de textos exige diferentes níveis
de oxigenação do cérebro? Que quanto mais complexa a atividade
proposta e à medida que se eleva o grau de raciocínio, o fluxo
sanguíneo no cérebro é mais intenso? O professor tem noção de
que sua ação pedagógica desencadeia no organismo do aluno
reações neurológicas e hormonais que podem ter influência na
motivação para aprender? Como pode o professor desconhecer a
dinâmica mente/cérebro? Basta a análise dessas questões para
que se compreenda a importância desse tipo de informação na
adequação de metodologias de ensino.
61
Do reconhecimento de que a compreensão do cérebro é
crucial para o ato pedagógico, surge à necessidade de refletir
sobre um novo saber disciplinar baseado nos conhecimentos
neurocientíficos, os quais poderiam ser vinculados às disciplinas
direcionadas à aprendizagem humana. A articulação entre
neurociências e educação pode ocorrer por meio da renovação de
um componente já existente ou pelo acréscimo de um novo
componente curricular nos cursos de formação de professores. Sua
prioridade deve ser a de adicionar informações científicas e
subsidiar futuras ações práticas, não se constituindo se
constituindo apenas em mais um saber disciplinar, mas em um
saber pertinente e útil para a prática profissional da docência.
Como preconiza Willians:
“A pesquisa sobre o cérebro manifesta o que
muitos educadores sabem intuitivamente: que
os alunos aprendem de diversas maneiras e
quanto mais maneiras se apresentarem, tanto
melhor aprendem a informação” (Willians apud
Moraes e Torre, 2004, p. 88).
Esse novo saber passaria a constituir um forte
embasamento teórico para o saber-fazer docente, pois possibilitaria
como consequência não só a revisão dos processos de
aprendizagem, como também um melhor conhecimento do
processo de ensinar, imprimindo uma reorientação da transposição
didática. Trata-se de propor um saber disciplinar que embasa e se
aprimora num saber profissional, pois ao descobrir o que a
neurociência cognitiva pode oferecer à educação e vice-versa, na
perspectiva de que esses saberes se complementam, se
enriquecem e se necessitam, podemos entrelaçar teorias
científicas com a prática docente e, consequentemente,
fundamentar o saber pragmático dos professores. De acordo com a
62
Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômicos
(OCDE):
“Nas próximas décadas, temos boas
possibilidades de desvendar as complexidades
do cérebro e compreender, pelo menos, a
natureza da memória e da inteligência (por
exemplo, e o que realmente acontece quando o
aprendizado ocorre). Quando atingirmos esse
objetivo, seremos capazes de reassentar nossa
prática educativa sobre uma sólida teoria da
aprendizagem” (Organização de Cooperação e
Desenvolvimento Econômicos, 2003, p. 46).
O professor, ainda que deva assumir a posição de
especialista de sua disciplina, necessita assumir,
concomitantemente, a posição de didata da disciplina, e isto
acontecerá na medida em que sua formação permita compreender
onde e como ocorrem as aprendizagens (Meirieu, 1998; Zabalza,
2004).
Partindo desse pressuposto, ao professor cabe oferecer,
através de sua prática, um ambiente que respeite as diferenças
individuais permitindo que os aprendizes sintam-se estimulados do
ponto de vista intelectual e emocional. Daí a necessidade do
educador, consciente de seu papel de interventor responsável pela
mediação da informação, buscar estruturar o ensino de modo que
os alunos possam construir adequadamente os conhecimentos a
partir de suas habilidades mentais. E para isso, é imprescindível
que conheçam os significativos estudos da neurociência, uma vez
que esses, sem dúvida, influenciam na compreensão dos
processos de ensino e de aprendizagem
Nesse caso, a interlocução entre neurociências e educação
influenciaria a futura ação pedagógica dos acadêmicos. Os
63
conteúdos neurocientíficos podem vir a colaborar substancialmente
no melhor desempenho docente, uma vez que professores que
compreendem a aprendizagem como processo humano que tem
raízes biológicas e condicionantes socioculturais do conhecimento
adotam uma gestão mais eficaz tanto das emoções quanto da
aprendizagem de seus estudantes.
64
Considerações Finais
A necessidade de aproximar os achados na área da
neurociência da educação sustenta a premissa de que instituições
responsáveis pela formação de professores precisam examinar e
discutir os componentes curriculares das licenciaturas, revendo a
estrutura desses cursos, a fim de que os alunos, futuros
profissionais da educação, possam buscar otimizar sua ação
pedagógica.
Destaco a necessidade de revisão das estruturas
curriculares dos cursos de formação de professores, em especial
das licenciaturas, indicando como alternativa a inserção de
disciplinas, ou a reestruturação de disciplinas já existentes, com
vistas a propiciar a interlocução entre neurociência, ensino e
aprendizagem.
Acredito que pelo reconhecimento que os componentes
curriculares advindos das áreas de psicologia e didática dos cursos
de formação de docentes podem abordar conhecimentos
neurocientíficos, pois, em geral, contemplam em seus programas
questões como memória, emoção, desenvolvimento do sistema
nervoso, dificuldades de aprendizagem e comportamento humano.
Com isso, é possível defender a verificação não só da inserção
desses temas, mas também de como eles são explorados como
conteúdos programáticos das áreas de psicologia e didática nos
currículos atuais. Uma análise cuidadosa dos quadros curriculares
dos cursos de formação de professores provavelmente poderá
revelar a necessidade de renovação de alguns dos componentes
65
curriculares, para a sua adaptação às descobertas no campo da
neurociência.
Assim, considerando que esse pressuposto está em estágio
inicial, postula- se como imprescindível a realização de pesquisas
sobre o ensino superior a fim de atender diversos questionamentos
pendentes, entre eles: Conhecimentos científicos da neurociência
são abordados em alguma disciplina nos cursos de formação de
professores? Se o são, estão relacionados aos processos de
ensino e de aprendizagem? Qual a relevância atribuída pelos
alunos desses cursos à existência ou não desses saberes
disciplinares durante a formação acadêmica? De forma mais
específica, no caso de serem percebidas lacunas curriculares, é
possível recomendar a inserção de uma nova disciplina que
aborde, de maneira mais profunda e intensa, a visão integrada da
biologia do cérebro com aspectos mais pedagógicos do ensinar e
do aprender. Um exemplo seria a criação de uma disciplina como
‘Neurociência e aprendizagem’, ‘Neurociência Educacional’ ou
‘Biologia da Aprendizagem’. Nessa disciplina, poderiam ser
desenvolvidos os conteúdos neurocientíficos atrelados à
pedagogia, numa visão transdisciplinar.
A disciplina, seja ela advinda da inserção de um novo
componente curricular ou resultado da adição de conteúdos
científicos para a renovação de alguma disciplina já existente, deve
não só reconhecer a importância dos achados neurocientíficos,
mas também otimizar o seu uso, buscando oferecer ao aluno do
curso de pedagogia ou normal superior material significativo para
que ele aprimore a sua compreensão da relação entre cérebro e
aprendizagem.
66
De um ponto de vista mais prático e tendo como apoio a
percepção de que a visualização do funcionamento do substrato
físico onde ocorrem os processos mentais pode tornar-se um
elemento facilitador para o entendimento do cérebro como sistema
complexo, plástico e reorganizável, sugere-se que o componente
curricular faça uso de neuroimagens geradas nas pesquisas
desenvolvidas na área da neurociência, as quais constituem
recurso inestimável para uma abordagem ampla das relações entre
cognição, emoção e aprendizagem.
É interessante ressaltar que, embora a sugestão enfatize a
relevância do entendimento da base biológica da cognição
humana, não desconsidera que a manifestação comportamental é
também fruto da interação do indivíduo com o meio em que vive.
Como exposto, achados da própria neurociência têm evidenciado
como os estímulos externos gerados no ambiente afetam as
conexões cerebrais, influenciando o desenvolvimento e o
funcionamento cerebral.
Sem dúvida, um painel detalhado sobre o que existe de mais
atual nas neurociências e que vincule esses dados às teorias
pedagógicas deve ser oferecido não apenas para os alunos
durante a formação acadêmica, mas também ser estendido aos
profissionais em atuação, pois pode contribuir para a formulação de
diretrizes pedagógicas que busquem otimizar a adoção de
condutas de ensino e de aprendizagem.
67
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