UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL ÁREA DO CONHECIMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
MARIELE BELLE
FOTOGRAFIA: REALIDADE OU CONSTRUÇÃO?
CAXIAS DO SUL 2017
MARIELE BELLE
FOTOGRAFIA: REALIDADE OU CONSTRUÇÃO?
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Tecnologia em Fotografia da Universidade de Caxias do Sul, como requisito parcial para obtenção do título de Tecnólogo em Fotografia. Orientadora Prof.ª Dr.ª Silvana Boone
CAXIAS DO SUL 2017
Para Alcebiades, Maristela e Adriano.
AGRADECIMENTOS
Começo agradecendo à minha família que esteve presente em todo esse
processo não apenas de TCC, mas da vida acadêmica. Todo empenho, tempo,
curiosidade, amor e dinheiro investido.
Meus amigos que estão presente cem por cento do tempo, todos os dias;
amigos que eu fiz na Universidade e que se disponibilizaram para que este Trabalho
de Conclusão de Curso acontecesse, cada um com a sua contribuição, da sua
forma. Vocês são incríveis e os carrego para a vida toda.
De uma forma geral, agradeço a todos que contribuíram de alguma forma
para este projeto, direta ou indiretamente. Agradeço também a todos os professores
que passaram por mim, deixando um pouco de seu conhecimento ao longo desses
anos.
Em especial, agradeço a Profª Drª Silvana Boone que disponibilizou seu
tempo e todo o seu conhecimento orientando e estruturando comigo este projeto.
O essencial é invisível aos olhos.
Antony de Saint-Exupéry
RESUMO
O presente TCC apresenta o estudo realizado sobre a fotografia, questionando sua realidade ou falsidade. São debatidos os conceitos de realidade, manipulação e construção a partir de exemplos de alguns fotógrafos. A pesquisa oportunizou a criação da obra “The Mirror”, uma produção fotográfica de seis retratos construídos através de partes selecionadas de seis pessoas diferentes. Foram criadas seis identidades novas através da manipulação e questionado a “realidade” das imagens criadas. Palavras-chave: Fotografia. Manipulação. Veracidade. Mentira. Processos fotográficos.
ABSTRACT
This TCC presents the study about photography, questioning your reality or falsehood. Are discussed the concepts of reality manipulation and construction from examples of some photographers. The research provided the creation of the work "The Mirror", a photographic production of six portraits built through selected parts of six different people. Six new identities were created by manipulating and questioned the "reality" of images created. Keywords: Photography. Manipulation. Veracity. Lie. Photographic process.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – O ATELIER DO ARTISTA
FIGURA 2 – BOULEVARD DU TEMPLE
FIGURA 3 – POST MORTEM
FIGURA 4 – A MORTE DE UM MILICIANO
FIGURA 5 – JUSTIN BIEBER PARA CALVIN KLEIN
FIGURA 6 – ALICIA SILVERSTONE
FIGURA 7 – SEM NOME
FIGURA 8 – SELFPORTRAIT AS A DROWNED MAN
FIGURA 9 – VALLEY OF THE SHADOW OF DEATH 1
FIGURA 10 – VALLEY OF THE SHADOW OF DEATH 2
FIGURA 11– DEAD TROOP TALK
FIGURA 12 – FOTOGRAFIA ORIGINAL
FIGURA 13 – FOTOGFRAFIA FINALIZADA
FIGURA 14 – DEMONSTRAÇÃO 1
FIGURA 15 – DEMONSTRAÇÃO 2
FIGURA 16 – DEMONSTRAÇÃO 3
FIGURA 17 – DEMONSTRAÇÃO 4
FIGURA 18 – DEMONSTRAÇÃO 5
FIGURA 19 – DEMONSTRAÇÃO 6
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 10
2. BREVE JUSTIFICATIVA PARA A CRIAÇÃO DA FOTOGRAFIA ....................... 13
2.1 A FOTOGRAFIA COMO EVIDÊNCIA INCONTESTÁVEL DA REALIDADE ....... 19
3. FOTOGRAFIA COMO MANIPULAÇÃO: VERDADE OU MENTIRA? ................. 23
3.1 A REALIDADE CONSTRUÍDA: A INVERDADE DE ALGUNS
FOTÓGRAFOS ......................................................................................................... 29
3.1.1 Hippolyte Bayard .............................................................................................. 30
3.1.2 Roger Fenton ................................................................................................... 32
3.1.3 Jeff Wall ............................................................................................................ 34
4. PRODUÇÃO FOTOGRÁFICA: NARCISO E O ESPELHO .................................. 36
4.1 PROCESSOS DA PRODUÇÃO .......................................................................... 40
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................
REFERÊNCIAS................................................................................................................................ 45
1 INTRODUÇÃO
Poderia se dizer que a fotografia hoje não é mais um registro confiável da
realidade em função da banalização da imagem que se multiplicou através dos
avanços tecnológicos e popularização das tecnologias fotográficas. Também por
envolve a mídia, que imprime junto com o registro textos que nem sempre convêm
com a realidade que está representada na imagem, por alterações que são feitas no
tratamento, na pós edição em computadores. A fotografia mente por si só desde
sempre; ela nunca foi confiável e assim este projeto tem a intenção de promover um
estudo aprofundado sobre o questionamento da fotografia como algo real retratado,
se o fotógrafo adulterou a cena com artifícios ou não, se o contexto em que a
fotografia se apresenta é de fato a cena real. Objetiva-se mostrar que a fotografia é
a criação do momento de um fotógrafo e não necessariamente a realidade
propriamente representada, podendo ser assim, uma cena construída.
Este projeto tem a importância no campo da fotografia para levantarmos
questionamentos sobre o que ainda pode-se dizer real. Com todos os avanços
eminentes, entre eles a tecnologia prática dos softwares de edição de imagens, fica
a dúvida ao olharmos para uma fotografia e observarmos o seu tratamento, sua pós-
produção. Porém, a cena pode vir previamente alterada antes mesmo de ser clicada
pelo fotógrafo, excluindo ou adicionando pessoas e objetos na cena, posicionando o
enquadramento, ou ainda, podendo ter cenas elaboradas com personagens.
A motivação de escrever este projeto partiu da curiosidade e intenção em
trabalhar com a edição de imagens e de como é possível enganar os olhos de quem
observa uma fotografia e acredita no que nela está representado apenas pela
imagem ali fotografada.
Buscou-se com essa pesquisa, tentar uma aproximação aos conceitos
propostos pela fotografia nos dias de hoje. Como diz Juan Fontcuberta (2012, p.12),
"a câmera não mente, toda fotografia é uma evidência", e de fato, é verdade; quem
pode ser o agente da mentira é aquele que manipula a câmera e que registra a
cena. Pensando dessa forma, foi realizada uma série de fotografias, com retratos de
diferentes pessoas e realizadas montagens, construindo uma exposição, cuja
veracidade geralmente não se questiona por estar associado às memórias e
registros de alguém ou de um grupo.
Essa realidade construída através da fotografia se dá a partir do conceito
principal de registro, mostrando que a fotografia é uma apresentação ou
representação, mas a fotografia tornou-se uma referência de memória, de guardar o
passado e contemplar histórias. Tais recordações fixadas no papel são utilizadas
como documentos e como verdade concreta do que foi registrado, porém, raramente
se questiona se o que está ali, realmente aconteceu.
Diante de estudos feitos por teóricos e trabalhos realizados no Curso de
Tecnologia em Fotografia constata-se que existe uma interrogação quando
afirmamos que a fotografia é algo verídico. O fotógrafo constrói e manipula uma
cena ou uma situação a partir do momento em que ele enquadra e/ou acrescenta ou
retira de cena o que vai ser registrado pela câmera.
Ao elaborar o estudo para este projeto e colocando em prática os devidos
estudos sobre a fotografia como realidade ilusória, pretende-se analisar como o
contexto fotografado pode ser construído pelo fotógrafo, tornando-o verdade
palpável para quem o vê, construindo a produção de fotografias, onde contenham
retratos de pessoas diferentes, cujos rostos foram construídos a partir de outros.
Para construir uma maior proximidade ao real, foram utilizados softwares como o
Photoshop na execução das montagens, bem como outros recursos que tornem as
imagens factíveis de suas realidades, mesmo que inventadas.
Assim, este Trabalho de Conclusão de Curso nos faz questionar: após os
avanços tecnológicos ocorridos nas últimas décadas, ainda é possível pensar a
fotografia como uma representação da realidade? A resposta pode ser um tanto
óbvia, mas para provar que a fotografia é criação do fotógrafo, e não
necessariamente a realidade do fato nela contido, questionou-se a fotografia como
fonte histórica confiável e incontestável do momento preciso em que os fatos foram
fixados, o que resultou na produção fotográfica “The Mirror”, em que foram
abordados os conceitos investigados sobre a realidade da fotografia, comprovando
que a fotografia mente, e a produção posterior do trabalho.
A produção fotográfica das imagens aconteceu em locação interna (estúdio
fotográfico), para maior controle de luz e enquadramento, assim causando maior
aproximação de rostos reais na pós-produção das fotografias. Foi feita uma seleção
de pessoas em que os rostos se encaixassem e estruturassem a ideia proposta para
serem fotografados.
Seis retratos constroem e estruturam a proposta deste TCC.
Na estrutura deste projeto, o segundo capítulo conta um pouco sobre o
porquê a fotografia é inventada, qual a intenção e o que representava ter o registro
gravado seja em chapas de vidro ou em papel. A partir daqui começa-se a perceber
que a fotografia poderia ser usada como uma mentira.
No terceiro capítulo é destacada a criação de alguns fotógrafos ao realizarem
seus registros, seja pelo enquadramento da cena ou por encenações do ambiente
que estruturam um quadro real.
No quarto parágrafo se dá a produção, juntamente com a questão que norteia
este projeto: fotografias criadas a partir do conceito de Joan Fontcuberta sobre a
mentira que a fotografia registra. Para pensarmos na complexidade dos retratos, o
mito de Narciso se faz presente questionando o quanto da verdade/identidade nós
enxergamos seja diante de um espelho ou diante de uma fotografia.
Por fim, no quinto parágrafo, estão as considerações finais da autora sobre
este projeto.
2 BREVE JUSTIFICATIVA PARA A CRIAÇÃO DA FOTOGRAFIA
Quando Aristóteles, no século IV A.C., percebe que a luz ao passar por um
pequeno buraco em um quarto escuro deixava uma imagem invertida do externo na
superfície, começou a se dar o princípio da câmera obscura. Mais tarde, Leonardo
Da Vinci ficou intrigado com o funcionamento dos olhos e chegou a até dissecar
alguns para entender melhor o funcionamento, estudando a relação com a câmera
obscura e percebeu que o princípio era o mesmo. Pintores se utilizavam da câmera,
que consistia em ser uma caixa de madeira com um espelho a 45º dentro para
refletir a imagem, para auxiliar nos seus desenhos e pinturas. Johannes Vermeer foi
um dos pintores que talvez mais tenha se utilizado deste artifício. Assim, nascia aos
poucos a idéia da fotografia.
A necessidade daquela imagem projetada ser fixada e palpável foi crescendo,
até que em 1826, Joseph Nicéphore Niépce consegue fazer o que se considera a
primeira fotografia; uma imagem fixada em uma placa de estanho, da janela de sua
casa em Saint-Loup-de-Varennes. “Contudo, para que a fotografia evoluísse era
fundamental que uma substância sensível à luz fosse encontrada” (HACKING, 2012,
p.18), e é o que Louis-Jacques-Mandé Daguerre consegue fazer com sucesso em
1837, quando fotografa O Ateliê do Artista (Figura 1) e o fixa numa placa de prata
iodada revelada em vapor de mercúrio, fixada com hipossulfito de sódio.
Figura 1 – O Ateliê do Artista
Fonte: Fotografia de Louis-Jacques-Mandé Daguerre
Daguerre, já nessa época, começa a contestar a veracidade da fotografia. Por
exemplo, existe uma fotografia de Daguerre, intitulada Boulevard Du Temple (Figura
2), em que aparecem duas pessoas na imagem. Um senhor em pé para que o
engraxate que estava sentado fizesse seu serviço. A foto foi tirada de uma sacada
por Daguerre, porém o que nos faz refletir é a seguinte questão: se, naquele
período, a câmera obscura demorava cerca de alguns minutos para capturar a
imagem com a pessoa permanecendo imóvel para não borrar a mesma, como
Daguerre conseguiu fazer esse flagrante tão perfeitamente?
Figura 2 – Boulevard Du Temple
Fonte: Fotografia de Louis-Jacques-Mandé Daguerre
As suspeitas são de que Daguerre tivesse pedido aos retratados que
permanecessem imóveis, para que o registro pudesse ser realizado, assim, fazendo
com que essa fotografia seja a captura de um momento que realmente existiu,
porém fictício.
Daguerre surge aqui neste capítulo, apenas para dar início ao assunto.
“Impressionar uma placa ou um papel sensível implica um investimento emocional”
(FONTCUBERTA, 2012), ou seja, o desejo e a contemplação de ter uma imagem
fixada para sempre, se dava ao extremo, era algo revolucionário: poder registrar a
realidade da forma que ela é, ou ao invés, registrar da forma com que ela é vista.
Durante muito tempo, fotografou-se pessoas mortas (Figura 3), sendo um
costume da época vitoriana, entre o final da década de 1930 até o início do século
XX. Isso começou porque a taxa de mortalidade de crianças naquela época era
muito alta, e como necessitava-se de um longo período de exposição totalmente
imóvel para fixar a imagem, e as crianças não ficavam imóveis por muito tempo,
então os pais faziam um registro de quando seus filhos faleciam para guardar
consigo. Mais tarde, começou-se a retratar pessoas com as mais diferentes idades
também. O que intriga nessas fotografias, é que muitos desses daguerreótipos
provavelmente circulam até hoje e se um leigo neste assunto observa a imagem,
não se dá conta de que a pessoa está morta. A fotografia nem sempre tem o
propósito de mentir, mas mente assim mesmo.
Figura 3 – Post Mortem
Fonte: Autor desconhecido.
A imagem de Robert Capa (Figura 4), foi registrada durante a Guerra Civil
Espanhola e foi um marco na fotografia de guerra, porém gerou discussões quanto a
sua veracidade. As suspeitas do registro ser na verdade uma fotografia posada e
não um soldado sendo baleado permanecem até hoje, embora o professor José
Manuel Susperregui tenha concluído em 2009 que a foto teria sido feita acerca de 55
quilômetros de onde a guerra estava realmente acontecendo. Como não há recortes
no negativo e o soldado está levemente desfocado, por causa da suposta velocidade
com que o fato aconteceu (não haviam lentes com foco automático naquela época) a
questão fica aberta.
Figura 4 - A morte de um miliciano
Fonte: Robert Capa
A relação que cerca estas fotografias, tanto a de Capa quanto a Post Mortem,
e a de Daguerre é que ambas são recortes de uma realidade. Ambas são
representações de fatos que realmente aconteceram porque foram registrados, mas
que provavelmente nunca teremos a certeza do contexto em que aconteceram.
A fotografia surge, independente de registrar realmente a cena que é vista
pelo observador ou não, para registrar momentos. Ela surge para guardar aquilo que
nunca mais vai retornar a ser o que era no “instante decisivo” em que foi registrada.
Quando Fontcuberta diz que esse processo carrega em si um investimento
emocional trata-se deste sentimento de preservação. Obviamente, hoje a fotografia
além de registrar os momentos (sempre no “melhor ângulo”), serve para vender
esses momentos, vender marcas, vender personagens acima de qualquer registro
propriamente verídico, sem nenhuma alteração.
2.1 A FOTOGRAFIA COMO EVIDÊNCIA INCONTESTÁVEL DA REALIDADE
A fotografia surgiu a partir da câmera escura, que servia para auxiliar os
pintores a retratarem melhor as cenas pintadas em seus retratos. Começa então a
surgir a necessidade de registrar e “imprimir” o registro. Então, esse registro torna-se
uma prova real de que o que foi retratado existe. Se olharmos o contexto histórico,
desde o daguerreotipo já temos fotografias que foram manipuladas antes mesmo de
serem retratadas, nos induzindo a uma realidade que não existe, que somente é
presente enquanto registro. Muitas das pessoas que foram retratadas através do
daguerreotipo ou do ambrótipo, vestiam roupas da realeza que ficavam nos estúdios
para posarem, e com o passar do tempo como consequência, essas fotografias
perderam seus nomes, e passaram de um lado a outro existindo ali somente um
registro “real”, mas sem a identidade. Não há como saber se elas pertenceram à
realeza ou não.
Introduzindo alguns conceitos sobre a veracidade da fotografia e a
interpretação em relação ao registro fotográfico,Susan Sontag (2003) cita que para
Virgínia Woolf as fotografias não eram argumentos, mas sim, a constatação de fatos.
Conforme a autora,
A verdade é que elas não são 'simplesmente' coisa alguma e, sem dúvida, não são apenas encaradas como fatos, nem por Woolf nem por quem quer que seja. Pois, como ela acrescenta logo em seguida, 'o olho está ligado o cérebro; o cérebro, ao sistema nervoso. Esse sistema envia suas mensagens na velocidade de um raio através de toda a memória do passado e do sentimento do presente'. Esse truque de ilusionista permite que as fotos sejam um registro objetivo e também um testemunho pessoal, tanto uma cópia ou uma transcrição fiel de um momento da realidade como uma interpretação dessa realidade [...]. (2003, p. 26).
Sontag (2003) relembra também que, muitas das fotografias de guerra foram
encenadas para causar mais impacto nos jornais em que eram publicadas: “Não é
de surpreender que muitas imagens clássicas dos primórdios da fotografia de guerra
tenham sido encenadas, ou que seus temas tenham sido adulterados” (p. 47). E
acrescenta sobre o tipo de fotografia que mais gera decepção ao ser descoberta
uma farsa: “As fotos que mais nos decepcionam ao se revelarem montagens e
encenações são aquelas que parecem registrar momentos de clímax íntimos,
sobretudo de amor e de morte” (2003, p.48). A autora ainda destaca que podemos
nos enganar observando uma fotografia muito antiga, ao afirmar que não se trata de
recordar uma história, mas evocar uma imagem.
No livro Fotografia e História, Boris Kossoy (2001) alega que o olhar do
fotógrafo e sua cultura influenciam o resultado final da imagem. Conforme o autor,
“[...] a própria atitude do fotógrafo diante da realidade; seu estado de espírito e sua
ideologia acabam transparecendo em suas imagens [...]” (p.43). O autor também
afirma que a manipulação fotográfica existe desde a existência da fotografia, e que
ela sempre foi questionável:
As possibilidades de o fotógrafo interferir na imagem - e, portanto, na configuração própria do assunto no contexto da realidade - existem desde a invenção da fotografia. Dramatizando ou valorizando esteticamente os cenários, deformando a aparência de seus retratados, alterando o realismo físico e a natureza das coisas, omitindo ou introduzindo detalhes, elaborando a composição ou incursionando na própria linguagem do meio, o fotógrafo sempre manipulou seus temas de alguma forma: técnica, estética ou ideologicamente (KOSSOY, 2001, p. 108).
E embora manipulada pelo observador que a registrou,
O fragmento da realidade gravado na fotografia representa o congelamento do gesto e da paisagem, e por tanto a perpetuação de um momento, em outras palavras, da memória: memória do indivíduo, da comunidade, dos costumes, do fato social, da paisagem urbana, da natureza. A cena registrada na imagem não se repetirá jamais. O momento vivido, congelado pelo registro fotográfico, é irreversível. (KOSSOY, 2001, p.155)
Baseando-se justamente nisso, torna-se importante perceber que “toda
fotografia representa o testemunho de uma criação. Por outro lado, ela representará
sempre a criação de um testemunho”. (KOSSOY, 2001, p. 50). É como se a
fotografia não mentisse num primeiro momento, pois quando a olhamos, o que
existe ali foi registrado, existiu de fato por um determinado instante e todo instante,
toda fração de segundo, faz uma cena que era real ser passado sendo assim uma
representação da realidade e não mais a realidade. “Toda fotografia é um resíduo
do passado. Um artefato que contém em si um fragmento determinado da realidade
registrado fotograficamente” (KOSSOY, 2001, p.45). Quando olhamos uma imagem,
de imediato estamos olhando para uma cena dita real: “Qualquer que tenha sido a
razão que levou o fotógrafo a registrar o assunto, não haverá dúvida de que o
mesmo de fato existiu” (KOSSOY, 2001, p.103). Mas quando essa fração de
segundos passa, começa-se a observar a imagem, questiona-se se é realmente algo
verdadeiro. Sabemos que aconteceu, porque ouve o registro, mas não sabemos da
sua veracidade quanto à história que ali é contada/encenada.
Quando mencionamos os álbuns fotográficos, não temos dúvida de que tudo
o que se encontra ali faz parte da construção da história de uma família, de um
casamento, de um nascimento ou de um outro rito de passagem, momentos que são
registrados para serem impressos em formato de livro e serem mostrados para as
pessoas. Estão gravadas não só histórias, mas lembranças de momentos que não
voltam mais e com eles, a emoção.
Quando o homem vê a si mesmo nos velhos retratos dos álbuns, ele se emociona, pois percebe que o tempo passou e a noção de passado se lhe retorna de fato concreta. Pelas fotos dos álbuns de família, constata-se a ação inexorável do tempo e as marcas por ele deixadas [...] (KOSSOY, 2001, p. 100.)
A fotografia como fonte de lembrança carrega sentimento. Fotos dos avós, do
primeiro aninho, do primeiro passo, primeiro dia na escola, primeira apresentação de
dança, primeiro sorriso, primeira viagem. Algumas pessoas conseguem evocar até o
olfato, sentir o cheiro de um perfume ao ver uma fotografia. As pessoas guardam
isso porque não querem esquecer.
Estamos envolvidos afetivamente com os conteúdos dessas imagens; elas nos dizem respeito e nos mostram como éramos, como eram nossos familiares e amigos. Essas imagens nos levam ao passado numa fração de segundo; nossa imaginação reconstrói a trama dos acontecimentos dos quais fomos personagens em sucessivas épocas e lugares. Através da fotografia, reconstituímos nossas trajetórias ao longo da vida: o batismo, a primeira comunhão, os pais e irmãos, os vizinhos, os amores e os olhares, as reuniões e realizações, as sucessivas paisagens, os filhos, os novos amigos [...] (KOSSOY, 2001, p. 100).
Assim, pensando na fotografia como memória vivida, quando nos é
apresentado um retrato, questionamos sua veracidade? Questionamos se essas
histórias ocorreram mesmo e se as expressões ali representadas de fato foram
reais?
Nesse viés que a imagem fotográfica percorre entre verdade e mentira, Juan
Fontcuberta lembra em seu livro, O Beijo de Judas (2010), que o papel do fotógrafo
é mentir bem a verdade, pois toda fotografia por si só já é uma mentira:
Toda fotografia é uma ficção que se apresenta como verdadeira. Contra o que nos inculcaram, contra o que costumamos pensar, a fotografia mente sempre, mente por instinto, mente porque sua natureza não lhe permite fazer outra coisa. Contudo, o importante não é essa mentira inevitável, mas como o fotógrafo a utiliza, a que propósito serve. O importante, em suma, é o controle exercido pelo fotógrafo para impor um sentido ético à sua mentira. O bom fotógrafo é o que mente bem a verdade. (2010, p. 13).
A fotografia, segundo alguns estudiosos hoje, já não deveria ser chamada
assim em decorrência e por conseqüência das possibilidades infindáveis que os
avanços tecnológicos nos trouxeram, mente. A imagem nos mente porque é de sua
natureza mentir. Todas as fotografias que vemos nos álbuns de família, por
exemplo, não passam de representações de como éramos. Hoje, não somos mais
aquilo; os traços mudaram, os estilos mudaram, os gostos mudaram. Se
quiséssemos uma imagem real nossa, teríamos que fazê-la a cada segundo, pois no
segundo seguinte a imagem já passaria a ser uma representação de como éramos
no segundo anterior.
3 FOTOGRAFIA COMO MANIPULAÇÃO: VERDADE OU MENTIRA? Num comum sentindo, a fotografia é uma representação da realidade, por
isso afirma-se que ela é real; isso se atribui a toda e qualquer fotografia. Quando
falamos sobre a manipulação dessa representação, ela pode acontecer de duas
formas: antes de ser registrada e após o registro. E a partir daí também pode-se
questionar o que é real na imagem.
A fotografia é pensada e a partir deste pensamentoque a imagem é
composta. O enquadramento se faz necessário, excluindo o que não tem a
necessidade de aparecer na imagem, compondo elementos na cena que façam com
que a reprodução faça sentido, e para esta fazer sentido, sempre existe a intenção
do fotógrafo por trás do objeto que fará o registro e a ação do retratado.
[...] existe sempre uma motivação interior ou exterior, pessoal ou profissional, para a criação de uma fotografia e aí reside a primeira opção do fotógrafo, quando este seleciona o assunto em função de uma determinada finalidade/intencionalidade. Esta motivação influirá decisivamente na concepção e construção da imagem final. (KOSSOY,1999, p.27)
Após o registro feito, há a alteraçãoda cor, o equilíbrio da luz, o ajuste
novamente do enquadramento, sem mencionar as outras infinitas possibilidades que
os softwares nos proporcionam. Mesmo que sem alterar (colocar ou tirar) o que
reside na cena fotografada bruscamente, estamos transformando, o que já é uma
representação da realidade, em uma segunda realidade. Naquele segundo em que o
ato foi registrado o assunto existia de uma forma, e quando corrigimos, por assim
dizer, seus tons, estamos trabalhando quase que em universo paralelo ao da
realidade. Eles caminham juntos no mesmo instante, porém são completamente
diferentes.
Muitas vezes uma coisa parece, ou dá a sensação de que parece, 'melhor' numa foto. Com efeito, uma das funções da fotografia consiste em aperfeiçoar a aparência normal das coisas. (Por isso as pessoas se decepcionam com uma foto de si mesmas que não lisonjeia sua vaidade). Embelezar é uma das operações clássicas da câmera e tende a empalidecer qualquer reação moral àquilo que a foto mostra. (SONTAG, 2003, p. 69).
O que Sontag (2003) nos descreve nesse breve trecho é o que acontece
neste universo paralelo. Quando um retrato é feito, queremos sempre escolher o
nosso melhor ângulo; é a primeira manifestação que nosso corpo toma quase que
instintivamente. Depois, queremos remover deformações, como espinhas, cicatrizes,
deixar o olhar mais vivo, a pele com uma temperatura mais quente e assim por
diante. Queremos nos sentir mais belos, alterando a nossa realidade. Estamos
representando para a câmera, assim como representamos uma segunda realidade
quando nos alteramos no pós tratamento digitalmente. Isso é feito porque não nos
identificamos com o retrato seco, frontal, que enxergamos quando nos deparamos
com o espelho que nos reflete.
Fotos tendem a transformar qualquer que seja o seu tema; e, como imagem, uma coisa pode ser bela - ou aterradora, ou intolerável, ou perfeitamente suportável - de um modo como não é na vida real. (SONTAG, 2003, p.65)
Alterar uma imagem sempre foi possível. Com os adventos das tecnologias
hoje, fica muito mais simples de ser feito, porém, desde os negativos, já podia-se
fazer correções nos slides. O que surpreende é que logo quando a fotografia surgiu,
o fotógrafo já pensava nela como uma representação e a usava como tal, com ou
sem perceber.
Podem-se criar diversas situações com a manipulação de imagens através de
softwares de edição. Todas podem parecer cenas completamente reais, mas na
verdade não passam de um conjunto de diversas imagens que compõem uma só e
elas são mescladas tão perfeitamente que fica fácil de enganar aos olhos.
A verdade e a mentira que cada fotografia diz é muito relevante de pessoa
para pessoa, por exemplo, depende de todo o conhecimento sobre tal imagem, e
não somente sobre ela, mas sim sobre a história do contexto em que ela foi
registrada e como, posteriormente, ela foi processada.
Um exemplo de imagem processada apresenta-se na Figura 5:
Figura 5 - Justin Bieber para Calvin Klein
Fonte: Mert Alas e Marcus Piggot
Nas imagens, o cantor e compositor Justin Bieber, figura pública
mundialmente conhecida, aparece fazendo propaganda para a marca Calvin Klein.
Note que existe um antes e depois. A fotografia registrada aqui é verídica enquanto
falamos de espaço/tempo, mas deixa de ser um registro da realidade após o
tratamento digital realizado. A ferramenta Liquify, encontrada no Adobe Photoshop
foi a ferramenta que provavelmente foi utilizada aqui, para aumentar os seus
músculos e o volume de suas partes íntimas, que é o local onde está concentrado o
punctum1 (o foco), a propostada fotografia: a cueca Calvin Klein.
O público masculino, em geral, ao olhar essa propaganda, quer identificar-se
com a imagem, o belo associa-se ao formato grego de corpo humano, ao olhar sério,
quase que intimidador e a pose convidativa (e as pessoas querem ser belas), por
1 “[...] é ele que parte da cena, como uma flecha, e vem me transpassar. Em latim existe uma palavra
para designar essa ferida, essa picada, essa marca feita por um instrumento pontudo; essa palavra me serviria em especial na medida em que remete também à idéia de pontuação e em que as fotos de que falo são, de fato, como que pontuadas, às vezes até mesmo mosqueadas, com esses pontos sensíveis; essas marcas, essas feridas são precisamente pontos. Esse segundo elemento que vem contrariar o studium chamarei então punctum; pois punctum é também picada [...] O punctum de uma foto é esse acaso que, nela, me punge (mas também me mortifica, me fere).” Barthes, Roland, 1915 – 1980. A câmara clara: nota sobre a fotografia / Roland Barthes; [Ed. Especial]. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012. (Saraiva de bolso)
isso a mensagem inconsciente que é transmitida dá-se por assim: “compre esta
cueca Calvin Klein e fique igual ao Justin Bieber!
Reenquadrar significa cortar ou delimitar o espaço visual que damos ao espectador. Segundo o ponto de vista e a composição, podemos fazer com que um auditório pareça vazio ou cheio ou, dependendo do ângulo em que nos situemos, podemos transmitir solidariedade com os policiais ou com os manifestantes. A tensão entre campo (o que vemos) e contracampo (o que nos foi vetado) é uma forma primária, mas eficaz, de controlar a informação. (FONTCUBERTA, 2010, P.84)
Outra imagem que segue esta mesma linha é a da atriz Alicia Silverstone
(Figura 6):
Figura 6 - Alicia Silverstone
Fonte: Autor Desconhecido
Neste caso, a iluminação e a cor foram corrigidas e foram removidas
manchas e rugas da pele, além de ter sido feito um tratamento na mesma. Até que
ponto pode-se acreditar que uma imagem é real? Até que ponto essas interferências
que máximas, ou mínimas interferem na realidade de quem está sendo retratado?
Será que o eu continua sendo o eu após essas mudanças? A imagem real torna-se
narcísica: quando se é posto de frente para o espelho, acredita-se ser um outro
alguém, não há o reconhecimento, não há a identidade com a imagem. A
maquiagem é uma forma de Photoshop, por exemplo, a fim de disfarçar traços que
não se quer mostrar e salientando outros que se quer, criando-se a representação
desse eu, que é o que acontece em toda fotografia.
Na Figura 7, a fotografia de Don McCullin, em 1993, é um tanto peculiar. Se
observada sem uma legenda, sem contexto, a primeira coisa que o observador faz é
pensar que o policial está correndo atrás do negro.
Figura 7 – Sem nome
Fonte: Revista Colors, n. 4, 1993
Sabendo seu contexto histórico, sabe-se que na verdade os dois homens são
policiais, porém, o policial negro estava à paisana, e eles estavam perseguindo um
bandido. Essa fotografia fez parte de uma campanha publicitária para motivar negros
a também entrarem na Polícia (Revista Colors, n. 4, 1993).
São exemplos diferentes que refletem o mesmo contexto: a fotografia mente,
independente de se utilizar da manipulação digital ou apenas se utilizar do
enquadramento da câmera.
3.1 A REALIDADE CONSTRUÍDA: A INVERDADE DE ALGUNS FOTÓGRAFOS
Este sub-capítulo aborda a ideia de realidade construída a partir de três
fotógrafos, cada um de uma época distinta, porém com uma estética um tanto
quanto parecida para nos fazer pensar sobre a representação da realidade que a
fotografia produz. Inicia-secom a seguinte citação de Kossoy (1999): “A imagem
fotográfica é, enfim, uma representação resultante do processo de
criação/construção do fotógrafo”. Essa frase do Kossoy chama atenção por ressaltar
que não importa a realidade da cena em que se está presente. Cada fotógrafo que
fizer o registro dessa mesma realidade, o fará de uma forma diferente, resultando
assim em diversas representações de um mesmo espaço/tempo.
[...] a criação enfim de novas realidades têm sido exploradas constantemente pelos fotógrafos. Neste sentido, o assunto teatralmente construído segundo uma proposta dramática, psicológica, surrealista, romântica, política, caricaturesca etc., embora fruto do imaginário do autor, não deixa de ser um visível fotográfico captado de uma realidade imaginada.(KOSSOY, 2001, p.49)
A cena fotográfica é manipulada de acordo com a vivência de cada fotógrafo,
de acordo com a intenção de cada. O que o fotógrafo quer passar ao observador
que olha a suaconstrução fotográfica? A sua marca, seja ela mundial, no país, ou
para uma família que fez um ensaio fotográfico de casamento. Abaixo, temos
exemplos de três fotógrafos que viveram em diferentes épocas. Cada imagem que
aqui será representada certamente surgiu com um intuito pessoal que para ser
externado precisou de um empurrão da criatividade de cada um deles.
3.1.1 Hypollite Bayard Hypollite Bayard (1801 – 1887) foi um dos inventores da fotografia,
juntamente com Niépce, Daguerre e Talbot. Ele conseguiu desenvolver um processo
em que a imagem fotográfica era obtida em positivo sobre papel, parecido com o
que até hoje é utilizado nas Polaroids.
Bayard, no entanto não obteve o reconhecimento pela descoberta da
fotografia como os outros três grandes nomes e como forma de protesto, fez um
autorretrato intitulado Autorretrato de um homem afogado (Figura 8). Tratava-se de
uma sátira para mostrar o seu descontentamento em relação ao seu não
reconhecimento. O que Bayard não percebeu é que com esse autorretrato abriu uma
discussão que foi feita mais tarde e é feita até os dias de hoje: a veracidade da
fotografia. Como pode um homem afogado retratar-se?
No entanto, se você apenas observar essa fotografia sem reconhecer a
história por trás dela, você enxergará um homem, possivelmente morto, mas não
saberia qual teria sido a causa de sua morte. Seria apenas um corpo desconhecido.
Figura 8 - Selfportrait as a drowned man
Fonte: Hypollite Bayard
3.1.2 Roger Fenton Roger Fenton (Reino Unido,1819 - 1869) é citado aqui por ter feito um registro
da Guerra da Criméia em 1855, nomeado Valley of the Shadow of Death (Figura 9).
Figura 9 - Valley of the shadow of death de Roger Fenton 1
Fonte: Roger Fenton
Ao observar esse registro, percebe-se as balas de canhão espalhadas pelo
meio do deserto e logo a imagem é associada a um cenário de guerra. De fato é,
porém, se as balas de canhão não estivessem presentes dispostas da forma que
estão, será que a foto teria o mesmo impacto?
Figura 10 - Valley of the shadow of death de Roger Fenton 2
Fonte: Roger Fenton
Na Figura 10 vê-se a fotografia que Fenton fez antes de modificar as posições
das balas de canhão. O impacto não é o mesmo. O fotógrafo se utilizou do papel de
observador para compor a cena, trazendo para a realidade a composição, a
dramaticidade, assim representando uma realidade construída, sem deixar rastros
de que a cena foi adulterada.
3.1.3 Jeff Wall
Diferente do fotógrafo anterior, Jeff Wall (1946) faz outro tipo de construção.
Observemos a Figura 11:
Figura 11 - Dead troop talk de Jeff Wall
Fonte: Jeff Wall
Mais uma vez nos deparamos com um cenário de guerra, só que desta vez
com soldados, à primeira vista, mutilados, como se algum ataque recém tivesse
acontecido. Nomeada de Dead troop talk, em português, “Tropa morta conversa”, ou
ainda como Discussão, ao observarmos mais de perto a cena nos deparamos com
três supostos soldados brincando e posando, outro soldado mais à direita
observando os outros três com um sorriso esboçado no rosto, e mais abaixo, um
outro soldado mexendo no celular, como se estivesse fotografando o sangue que
está no chão. Concluímos então que a fotografia é apenas uma manipulação, uma
sátira mostrando a representação de um cenário que existe em outros lugares do
mundo.
A foto de Fenton, analisada no sub-capítulo anterior, não nos deixa vestígio
algum de que o fotógrafo tenha interferido na realidade da cena. Nesta fotografia de
Wall, temos o vestígio escancarado de que a cena como um todo não existe na
realidade. Existiu apenas no momento em que foi fotografada; um registro para
confundir nossos olhos.
Estes três fotógrafos serviram de “gatilho”, enquanto pesquisa, para
complementar o desfecho do assunto. Bayard, já em 1819 exibia uma prévia de
como a fotografia pode ser muito mais complexa do que uma simples imagem
gravada em papel, provavelmente sem nem se dar conta da abrangência das
representações que são feitas; e que foram feitas por outros fotógrafos, como
Fenton e Wall: Fenton sendo cuidadoso, procurando mostrar o horror da Guerra sem
cenas de corpos (Figura 9), apropriando-se do espaço e dos objetos nele deixados
para construir uma cena, e Wall fazendo uma sátira (Figura 11) com a Guerra,
mostrando “corpos” em meio ao campo, que não passam de uma ficção.
4 PRODUÇÃO FOTOGRÁFICA: NARCISO E O ESPELHO
Neste subcapítulo, será abordada a relação do espelho com a imagem. Nos
séculos passados acreditava-se que a imagem composta pelo espelho tinha uma
ligação com a alma. Daí surgiram lendas, como a dos sete anos de azar quando
quebra-se um espelho, ou seja, o mínimo de estrago possível fazia reflexo na nossa
alma. Mais tarde, a imagem composta pela fotografia também foi atribuída
àsquestões espirituais, quando acreditava-se que o espírito de alguém fotografado
ficava preso na imagem. A fotografia é uma representação do real, mas a imagem
que vemos diante do espelho não é uma representação e sim uma
realidadeduplicada. Estando diante do espelho, a imagem permanece ali, fixa,
presente a cada segundo, fiel em cada movimento. Quando não se está diante do
espelho, não há imagem também.
O mito de Narciso é um bom exemplo sobre o reflexo. Narciso foi um
personagem da mitologia grega que era muito belo. Todas as mulheres
apaixonavam-se por ele, mas Narciso nunca sentiu o mesmo. Num dia, ao passear
por um lago, viu seu reflexo na água e sem entender que era o reflexo, apaixonou-se
instantaneamente pela imagem que vira ali refletida.
O que ele vê? Ele o ignora. Mas o que o vê, o arrebata, e o mesmo erro que ilude seus olhos excita sua cobiça. Crédula criança, para que esses esforços vãos para prender uma ausência fugidia? O objeto de teu desejo não existe! O de teu amor, desvia-te, tu o farás desaparecer. Essa sombra que estás vendo, é o reflexo de tua imagem. Ela nada é por si mesma, é contigo que apareceu, que persiste, e tua partida a dissiparia, se tivesses a coragem de partir!(DUBOIS, 1993, p. 146).
Narciso passa tempos tentando alcançar, tocar seu reflexo, instigado com o
personagem que ali vê e já não aguentando mais a distância, num ato de euforia
acaba inclinando-se e caindo no lago, assim, morrendo afogado.
Quanto a ti, ó jovem, não é uma pintura que causa tua ilusão, não são as cores, nem uma cena enganadora que te mantém acorrentado; tu não vês que a água te reproduz tal como tu te contemplas; não percebes o artifício dessa fonte, e contudo para isto bastaria inclinar-te, passar de uma expressão a uma outra, agitar a mão, mudar de atitude; mas como se acabasses de encontrar um companheiro, permaneces imóvel, esperando o que vai acontecer. Acreditas então que a fonte vai conversar contigo? Porém Narciso não nos ouve: a água cativou seus olhos e seus ouvidos...(DUBOIS, 1993, p. 144).
Qual a relação entre a imagem fotográfica e a imagem refletida vista por
Narciso? É simples: ambas são uma representação da realidade de jeitos
singulares. Quando Narciso se enxerga no lago, tudo o que ele vê é um reflexo de si
mesmo, porém ele acredita ser um outro, alguém real. É o que acontece em toda e
qualquer imagem, seja ela através da fotografia, da TV, da internet. Hoje, a
fotografia não necessita ser palpável, ela existe e habita em todo o meio. A fotografia
tornou-se algo processado pela câmera e depois pelo computador; ela não é mais
apenas a luz revelando a realidade da cena, como Fontcuberta (2012) cita. Acreditar
na fotografia como um registro do real é perigoso, e assim como Narciso, a imagem
pode seduzir e enganar.
Da mesma forma, o espelho reflete a identidade ou a simulação de uma certa
identidade das pessoas nas ações refletidas da roupa, maquiagem, enfim, a
produção que o espelho recebe cotidianamente. O espelho serve para mostrar o
outro, para que o homem possa visualizar se sua imagem está de acordo com o que
ela quer representar. Diante da objetiva de uma câmera acontece da mesma forma:
as pessoas portam-se diferente, representam de forma teatral para que aquele
centésimo de segundo capte exatamente da forma com a qual são observadas como
se estivessem diante do espelho. A fotografia é real porque registrou a cena, mas
não carrega a veracidade, apenas a representação de um momento.
Então, será a fotografia uma fonte confiável? Ou é como o lago que Narciso
se enxergou?
A câmera não necessariamente ilumina o nosso entendimento, mas, como sugeria Flusser, força a ver com o obscuro e sombrio, com os espectros e as aparências. Contrariamente ao que a história nos inculcou, a fotografia pertence ao âmbito da ficção muito mais que ao das evidências. Fictioé o particípio de fingereque significa “inventar”. A fotografia é pura invenção. Toda fotografia. Sem exceções. (FONTCUBERTA, 2010, P.112)
Para responder a questão, foi desenvolvido o projeto fotográfico “The Mirror”:
uma série composta por seis retratos de pessoas “normais”, que através de um
processo de manipulação digital, serão transformadas em seis retratos de pessoas
que não existem. Essas novas identidades foram criadas a partir de rostos
existentes, e selecionados fragmentos de cada um desses rostos para formar os
novos. Não há como perceber quais alterações foram feitas. Qualquer um destes
rostos poderia estar estampando em uma propaganda de revista, em um outdoor, e
jamais alguém diria que ele não existe. A fotografia juntamente com os softwares de
edição, tornam tão reais a aparência física que não há como julgarmos Narciso por
ter se afogado tentando tocar seu reflexo. Até que ponto o observador consegue
reconhecer a sua identidade através de uma imagem?
Figura 11 – The Mirror
Fonte: Montagem feita a partir de fotografias do arquivo pessoal da autora
4.1 PROCESSOS DA PRODUÇÃO
Primeiramente, este Trabalho de Conclusão de Curso foi projetado para
provar que a idéia da fotografia ser vendida como algo verídico é uma ilusão. Para o
trabalho ocorrer de uma forma sistematizada, foi feita uma seleção de dez pessoas
fotografadas: Aline Silva, Camila Kayser, Cássio Mota, Elisa Comandulli, Gabriel
Fonseca, Nicole Martinato, Rafael Basso, Rafaela Bins, Wéllington Damin e a
própria autora. A partir destas identidades, foram construídos seis rostos, seis
identidades completamente diferentes e inexistentes.
Através do software Adobe Photoshop CC2, foram extraídas partes dos rostos
(como boca, olhos, nariz) e incluídas no rosto da autora que serviu como base para
todas as sete criações, assim, criando as identidades. A autora colocou seu rosto
nas imagens para causar uma maior aproximação com sua obra, provando que com
o mesmo esboço de rosto e cabelos, introduzindo apenas algumas partes, pode-se
criar seis pessoas diferentes. Quem é você diante da objetiva? É você mesmo que
está ali, ou uma representação sua?
Para fins de melhor compreensão, abaixo está uma amostra (foto inicial e foto
finalizada) do processo, que será detalhado a seguir.
Figura 12 – Fotografia original
Fonte: Arquivo pessoal
2 Adobe Photoshop é um software caracterizado como editor de imagens bidimensionais do tipo raster
desenvolvido pela Adobe Systems. É considerado o líder no mercado dos editores de imagem profissionais, assim como o programa de facto para edição profissional de imagens digitais e trabalhos de pré-impressão.
Figura 13 – foto finalizada
Fonte: Arquivo pessoal
Após as fotografias terem sido capturadas pela câmera (Nikon D7000) com ISO 200,
abertura do diafragma f/13 e velocidade do obturador 1/250, com dois rases laterais
iluminando o fotografado, foi importado para o Photoshop e realizado o seguinte
passo a passo para a confecção dos rostos:
Importou-se a imagem da autora e ajeitou-se o recorte e ângulo da imagem.
(imagem 19, acima);
Importou-se uma segunda imagem (de outra pessoa), realizando uma seleção
em torno da região selecionada para utilização na imagem principal, neste
caso, os olhos e sobrancelhas. Para realizar a seleção, foi utilizada a
ferramenta lasso tool.
Figura 14 – Demonstração 1
Fonte: Arquivo pessoal
Após, realizou-se a operação “copiar” e na janela da fotografia principal, a
operação “colar”. Feito isso, utilizou-se da ferramenta transform (Crtl + T) para
redimensionar o tamanho dos olhos, baixando a opacidade da camada para
80% (para maior visibilidade do tamanho correto), e posicionando os “novos
olhos” sobre os da foto original. Feito isso, pode-se colocar a opacidade da
camada dos olhos novamente em 100%;
Figura 15 – Demonstração 2
Fonte: Arquivo pessoal
Duplica-se a camada da imagem (Ctrl + J) que está abaixo da camada dos olhos.
Dá-se um click sobre o thumbnail (quadradinho com a imagem ao lado do nome
da camada) pressionando o botão de teclado CTRL. Isso faz a seleção dos olhos
se recarregar. Após pressiona-se Ctrl + Shift + I para inverter a seleção. Depois,
clica-se na janela Select – Modify – Expand. Na janela que abrir em Expand,
coloca-se o valor 8. Após, novamente invertemos a seleção da imagem, e isso
criara uma borda mais adentro da seleção dos olhos.
Figura 16 – Demonstração 3
Fonte: Arquivo pessoal
Desabilita-se a visibilidade da camada (click no olho ao lado do thumbnail)
dos olhos e da primeira camada (background). Seleciona-se a camada do
meio e pressiona-se a tecla delete. Isso apagará os olhos da foto original.
Após habilita-se novamente a visibilidade da camada dos olhos e
pressionando a tecla SHIFT, dá-se um click na camada do meio e na camada
dos olhos, assim, selecionando as duas. CTRL + D para retirar os pontilhados
da seleção.
Figura 17 – Demonstração 4
Fonte: Arquivo pessoal
Na janela Edit, seleciona-se a opção Auto-Blend Layers e clica-se em Panorama
e pressiona-se OK. Isso faz com que a linha do recorte suma, mesclando e
adaptando as cores do recorte com os da imagem original. Eles se fundem.
Figura 18 – Demonstração 5
Fonte: Arquivo pessoal
O processo para recorte e colagem de outras partes dos rostos foram feitos
exatamente da mesma forma.
Após, a imagem foi transformada em Preto e Branco e feitos ajustes de luz,
contraste.
Figura 19 – Demonstração 6
Fonte: Arquivo pessoal
Percebe-se que através de um único software de edição pode-se recriar uma
fotografia. E quem irá dizer, ao olhar para tal, que a imagem aqui impressa não é
real? Afinal, as pessoas têm uma forte ligação com a imagem; uma ligação de
registro verdadeiro, de prova. Porém, a imagem sempre foi passível de desconfiança
e ao visualizar este projeto, constata-se que pode se criar até pessoas que não
existem, além de se projetar uma cena fictícia para registro.
Feito o processo nas seis imagens, essas resultaram na exposição “The
Mirror”, em português: O Espelho. A autora sempre se identificou com mais de uma
personalidade, por tal motivo ela colocou-se como imagem principal. O “fundo” das
imagens é sempre o mesmo; as mudanças empregadas em cada uma das figuras
variam entre olhos, boca, nariz, bigodes e sobrancelhas. Cada retrato carrega na
sua expressão uma personalidade diferente. O espelho por carregar magia entre os
séculos é enfatizado por ser um reflexo do eu. O que se vê e o que não se vê diante
do espelho? Ele mostra a representatividade de cada segundo, de cada fragmento
que reflete diante da sua superfície. “Os espelhos, portanto, assim como as câmeras
fotográficas, regem-se por intenções de uso e seu repertório de experiências
abrange da constatação científica à fabulação poética” (FONTCUBERTA, 2010,
p.27) ou seja, é muito improvável que o outro enxergue alguém da mesma forma
com que ele mesmo se enxerga, porque o espelho não passa de uma
representação, assim como a fotografia; deixando assim uma margem para a
interpretação. Você consegue se reconhecer na frente de um espelho ou na frente
de uma fotografia? Quando você gosta de um fotografia é porque você a fez de um
ângulo que mostra/esconde algo seu ou porque sua identidade está ali presente?
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final deste TCC, são feitas algumas considerações a fim de analisar de
que forma os conceitos pesquisados e abordados apresentam a imagem fotográfica
como realidade ou ficção. Alguns conceitos foram explorados a fim de compreender
melhor a forma que a fotografia foi desenvolvida no passado e a forma como ela é
construída hoje. As intenções mudam de acordo com o olhar do fotógrafo e da
época em que ele está inserido, bem como o meio (o equipamento) muda de acordo
com as tecnologias contemporâneas.
A investigação desta pesquisa foi desenvolvida no entorno tênue que se limita
a fotografia como verdade concreta de um fato. Apesar do registro, não significa que
a imagem seja verídica, pois seu processo de montagem começa desde o
enquadramento da câmera, a intenção do fotógrafo (e do retratado), e a pós-
produção que é feita em seguida podendo ou não comprometer a realidade da
imagem.
Com base nos textos de autores e da produção de fotógrafos fundamentados
aqui nesta pesquisa, conclui-se que a fotografia é uma representação da realidade,
mesmo que essa realidade seja uma invenção. Tudo o que está no registro é
passageiro e inconstante, independente da sua finalidade. O ato de ser fotografado
ou fotografar precede a uma intenção, que pode ser tratada digitalmente depois, ou
ainda como era feito na época do filme, corrigidas pequenas partes a mão em
laboratório. Trata-se de uma representação da realidade porque foi a realidade do
segundo em que a imagem foi capturada pela câmera. Representar é o que
acontece toda vez que um indivíduo é submetido a ficar diante da lente. E quando
não se percebe a presença do fotógrafo, é ele mesmo que direcionará a finalidade
da imagem.
Alguns fotógrafos foram citados como exemplo nesta pesquisa a fim de
mostrar que a fotografia pode mentir de diferentes maneiras, seja ela para mostrar
uma revolta, fazendo uma sátira compondo uma cena, ou ainda reorganizando
pedaços do local de um ângulo propício. A produção da autora foi realizada para
mostrar como diversas identidades podem ser criadas através de uma única imagem
e assim ser considerada uma fotografia real com um personagem fictício. Quando a
fotografia não deixa pistas de que foi criada não há como duvidar dela, e essa foi a
intenção deste projeto: fazer com que o observador se torne mais especulativo ao
observar uma imagem.
Sempre tratada como evidência incontestável da realidade, a fotografia foi
abordada no segundo capítulo deste TCC, bem como alguns autores e como o
público se relaciona com ela. Sentimentos revisitados ao olhar uma imagem,
lembranças que reaparecem no nosso consciente. Porém, muitas dessas
“lembranças” são meras interpretações que o nosso cérebro cria para fazer-se
reviver a cena passada ao vê-la fixada diante dos olhos. Trata-se da representação
de uma representação. Muitas vezes a pergunta que vem a mente ao olhar uma
fotografia antiga, seja da época de criança ou adolescência, é: “será que eu era
mesmo assim?”, ou então “por que eu fazia isso?!”, e ainda “isso realmente
aconteceu?” São representações de fases pelas quais as pessoas passam e que já
não se comunicam mais com quem somos hoje.
Estas indagações continuam: “o que você achou desta foto?” Quando esta
pergunta é realizada e a resposta for “não me gostei muito” ou “adorei esta!” qual é a
perspectiva obtida para gostar ou não gostar se a fotografia registra somente o real
tal qual somos? No terceiro capítulo foi abordada a mentira que cada fotografia
carrega. O não gostar e o gostar trata-se de não nos identificarmos com o retrato
obtido pela câmera. Nos enxergamos de um jeito e queremos que a câmera capture
exatamente este mesmo deslumbre que é a nossa identidade. Se eu não me
reconheço não sou eu. Sou um retrato que não gostei.
Para deixar mais fiel à forma com que queremos o resultado final, posiciona-
se a câmera de um ângulo estratégico, fazendo sumir e/ou aparecer determinadas
cenas/objetos/partes do corpo, após uma sequência de tratamentos digitais que são
feitos, como alterações de cor, de luz e até extraídas partes da fotografia; tudo para
obter-se o resultado (a representação) desejado.
No quarto capítulo a produção fotográfica resume e certifica toda a pesquisa
realizada. É possível criar diferentes identidades. Sempre foi. Representar não trata-
se apenas de uma pose ou de um rosto novo; se o indivíduo registrar-se em uma
imagem com vestimentas que não são de seu uso pessoal/cotidiano, quem é a
pessoa que aparece ali? Certamente não é o seu real e sim uma representação,
uma sátira como Bayard e Wall fizeram.
Portanto, a fotografia desde o seu começo deixa uma margem livre para a
interpretação e para a representação. Quando acreditavam que ela surgia para
registrar o óbvio, ela surgia para criar, para expressar, para o mundo ser visto de
uma forma, de um ângulo especial de cada um, seja através da sua cultura, seja
através de sua intenção. O que importa, é que nunca será a realidade concreta de
um fato, mas sim a representação segundo alguém.
REFERÊNCIAS
BARTHES, Roland. A câmara clara. Rio de Janeiro: Editora: Nova Fronteira, 2012. DUBOIS, Philippe. O Ato Fotográfico. São Paulo: Editora: Papirus, 1993. FONTCUBERTA, Joan. A Câmera de Pandora: a fotografi@ depois da fotografia. São Paulo: Editora Gustavo Gili, 2012. FONTCUBERTA, Joan. O Beijo de Judas: Fotografia e Verdade. Barcelona: Editora: Gustavo Gili, 2010. HACKING, Juliet. Tudo sobre fotografia. Rio de Janeiro: Editora: Sextante, 2012. KOSSOY, Boris. Fotografia e História. São Paulo: Editora: Atelier Editorial, 2001. KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. São Paulo: Editora: Atelier Editorial, 1999. SONTAG, Susan. Diante da dor dos Outros. São Paulo: Editora: Companhia das Letras, 2003. SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Editora: Companhia das Letras, 2004. Revista Colors, n. 4, 1993 https://pt.wikipedia.org/wiki/Adobe_Photoshop