Função Social da Empresa:implicações jurídicas
José Affonso Dallegrave Neto
Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná
Curitiba, 02/abril/2009
A eloqüente substituição:
Comerciante x empresário (art. 966 a 980, CC/02)
Fenômeno iniciado na Itália e desembocado no CC/02;
CLT: art. 2º, empregador = empresa
Galgano:
“enquanto as relações de comércio pressupõem um modo de operar do sujeito individual em relação a outro sujeito individual, o conceito de empresa revela a relação entre indivíduo e sociedade”.
Ao identificar o sujeito como empresa atrai-se o quadro axiológico da CF/88:
Art. 170, CF: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
• I - função social da propriedade;• II - defesa do consumidor; • III - defesa do meio ambiente (...);• IV - busca do pleno emprego;
Função social da propriedade (= empresa)
Roppo: “o atual processo econômico é determinado e impulsionado pela empresa, e já não pela propriedade em sua acepção clássica.”
Código Civil (2002):
Art. 1228: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. (o direito)
§ 1o:“O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.” (a restrição funcional)
Novo paradigma da CF/88:
•Despatrimonialização dos institutos;
•Publicização do direito privado;
• Relativização da autonomia da vontade
- Pacta sunt servanda = segurança jurídica(os pactos devem ser cumpridos)
- Rebus sic stantibus = revisão das condições(enquanto as coisas estão assim)
- Solidarismo contratual = arquético ético (boa-fé objetiva)(Art. 3º, I, CF: construção de uma sociedade livre, justa e solidária)
Eficácia horizontal dos direitos fundamentais
Ações do Estado para a iniciativa privada:
repressoras: - multas administrativas (art. 29, CLT)
afirmativas: - contratação de deficientes (art. 93, L. 8213/91) e aprendizes (429,CLT);
“O princípio da função social da propriedade impõe ao proprietário – ou a quem detém o poder de controle, na empresa – o dever de exercê-lo em benefício de outrem e não, apenas, de não o exercer em prejuízo de outrem.
Isso significa que a função social da propriedade atua como fonte da imposição de comportamentos positivos – prestação de fazer, portanto, e não, meramente, de não fazer”.
Eros Grau
O que é Empresa?
“unidade organizada (capital e sócios) e organizadora (tecnologia) de um
conjunto de meios materiais (insumos) e humanos (mão-de-obra) tendentes à obtenção de um fim (imediato: lucro; mediato: produção de bens ou
serviços; ético: bem-estar social).” Campz Ruiz
• Fatores de produção:• capital;• insumos;• tecnologia e • mão-de-obra
Papel do empresário:
Articular os 4 fatores para oferecer ao mercado consumidor:
a) preços competitivos e lucrativos;
b) qualidade comprovada;
c) responsabilidade social* (praticar e ostentar)
(*) este 3º desafio é recente e nasce da competitividade e da conscientização dos consumidores
FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA:norma posta
RESPONSABILIDADE SOCIAL: compromisso assumido e ostentado
“É o respeito aos direitos e interesses dos que se situam em torno da empresa” (Bulgarelli)
parceiros clientes
empregados
EMPRESA
• Relacionamentos da empresa
TUTELA JURÍDICA À EMPRESA:
Ao produzir riqueza, o empresário traz um resultado útil à coletividade:
– porque é nela que se aloca a maior parte da mão de obra produtiva do país,
– é ela a fornecedora de bens e serviços necessários à sociedade;
– é ela que paga tributos que compõem o patrimônio do Estado;
•Nessa medida:
• “quanto maior sua função de agente propulsor de prosperidade econômica para a coletividade, mais se justifica um tratamento vantajoso e protetivo por parte do ordenamento jurídico”.
Ex: - incentivos fiscais; - cabimento de dano moral em prol da empresa - Lei 11.101 – nova lei de falência
• A nova lei de falência baseia-se no binômio: “empresário ineficiente/empresa viável” (Célio Waldraff)
• “A salvação (da empresa) interessa não apenas e sobremaneira aos assalariados, que perdem sua fonte de renda, mas também aos acionistas que, sem qualquer responsabilidade, perdem o capital investido e, ademais, concerne especialmente à economia do país, que perde uma unidade produtiva, que, com eventuais correções, poderia manter-se viável” (Cristiane Waldraff)
Art. 47, L. 11.101/05: “A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a
superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”
• Nem tudo são flores...
• Limitador do crédito trabalhista
Art. 83: A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:I - os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;
• Brecha legal que fomenta a falência simulada:
Art. 141, § 2º: Empregados do devedor contratados pelo arrematante serão admitidos mediante novos contratos de trabalho e o arrematante não responde por obrigações decorrentes do contrato anterior.
O risco da empresa
Fábio Ulhoa Coelho:“Empresa é uma empreitada sujeita a risco. Por isso, boa parte da competência dos empresários vocacionados diz respeito à capacidade de mensurar e atenuar riscos, mormente num cenário comum de crises políticas e econômicas, acidentes e deslealdade de concorrentes;”
FORMAS DETURPADAS DE PREVENIR O RISCO:
• Fraudar direitos trabalhistas (art. 9º, CLT);
• Terceirizar atividade essencial (Sum. 331, IV, TST)
• Cooperativa de mão-de-obra (de serviço e bens)• Simular a falência (art. 141, § 2º. L. 11101/05);
O AGIR ÉTICO REDUZ O RISCO (de insucesso):
“Quem cumpre seus deveres fiscais com regularidade e trata com dignidade e respeito seus colaboradores reduz o risco de constituir um “passivo fiscal ou trabalhista”;
(*) Há limite ético para políticas de “aumento de produtividade”? vídeo
A moderna empresa ética:
• Tripla linha de fundo = triple bottom line: – desempenho econômico; – ambiental e – social
* Os 3 “Ps” do desenvolvimento sustentável: – People, – Planet; – Proift
(Pessoas, Planeta e Lucro)
O movimento “ética na empresa” e seus códigos de
conduta
– Será apenas uma “estratégia de merchandising” a fim de obter dividendos comerciais?
– Resp: ainda que dentro da lógica do mercado (maior credibilidade, maior venda), o movimento é positivo porque decorre de iniciativa espontânea do empresário
Caso: Tylenol
– 1982: um psicopata envenenou várias cápsulas de Tylenol, campeão de vendas da Johnson & Johnson.
– 8 pessoas morreram em Chicago;
– Ao tomar ciência do fato, o CEO (Chief Executive Officer), James Burke, ordena o recolhimento do produto no mundo inteiro, independente da data de fabricação;
– Ainda: determina informação transparente ao público;
– Além de transtornos, sua decisão trouxe prejuízos aos acionistas.
– O motivo da decisão de Burke: prestigiar o Código de Conduta que diz:
“priorizar os seus clientes: médicos, enfermeiras e pacientes ... pais e mães e todos os que utilizam nossos produtos e serviços”.
Ao divulgar seu Código de Conduta, o empresário:
– colhe dividendos de merchandising– mas também se vincula ao divulgado (art. 422,
CC)
Conclusão
RELAÇÃO EMPRESA X EMPREGADO
tênis ou frescobol?
“Podemos distinguir dois tipos de competição: os jogos tipo tênis (em que o objetivo é derrotar o adversário) e os tipo frescobol (não existe adversário, pois não há ninguém para ser derrotado).
A competição, quando integrada num ethos não-utilitarista, combinada com a dimensão da responsabilidade ecológica-social, tem efeitos positivos, pois estimula a inovação, proporciona qualidade e multiplica as energias produtivas sem os maléficos efeitos dos jogos do tipo “ganha-perde” da economia cassino hoje predominante.”
LISBOA, Armando de Melo. Mercado e economia solidária. Cortez, 2002, pág. 136.