Grupo de Estudos em Arbitragem e Administração Pública
3ª REUNIÃO 16 DE OUTUBRO DE 2012
SUBGRUPO 06: FAZENDA PÚBLICA NO JUÍZO ARBITRAL
Roteiro da Reunião
I. Fechamento da Ata da 2ª Reunião
II. Apresentação e discussão dos temas gerais
III. Proposições para discussão: sentença arbitral e o regime de precatórios
IV. Estudo de caso: Autoridade Pública Olímpica – APO
V. Encerramento
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I. ATA DA 2ª REUNIÃO A reunião teve inicio com uma exposição pelo Prof. Dr. Vasco Pereira da Silva da Universidade de Lisboa, explicitando as diferenças nos regimes de direito público e diferenças de tratamento da participação do Estado em procedimentos arbitrais no Brasil e em Portugal. Após essa exposição, houve debates sobre o tema da imunidade de jurisdição, invocada pelos Estados como forma de não participarem de procedimentos arbitrais. Adentrou-se no tema da imunidade absoluta e relativa de jurisdição e da diferenciação entre atos de gestão e atos de império. Em seguida, foi discutida a questão da imunidade de execução, estabelecendo-se que o mais recente debate engloba não somente discussão sobre as formas da administração pública renunciar a tal imunidade, mas especialmente sobre quais bens da administração poderiam ser penhorados para fazer jus ao pagamento devido pela administração. Foi exposta, como uma possível solução para possibilitar a execução de laudo arbitral, a inclusão de cláusulas que tornem induvidosa a renúncia à imunidade de jurisdição. Foi questionado ainda se o Estado vencido, querendo pagar a quantia a que foi condenado no laudo arbitral, poderia o fazer de forma independente ou se teria impedimentos, dado que o Estado sempre tem que provisionar seus gastos no orçamento público, que deve ser aprovado pelo poder Legislativo. Ao final da reunião, foi decidido que as discussões desses temas serão continuadas no e-group, que a primeira metade da próxima reunião será dedicada a discutir mais aprofundadamente esses temas e que a segunda metade será dedicada a discutir um novo tema a ser decidido no e-group e preparado por novo subgrupo que também será decidido no e-group.
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II. OUTLINE DE TEMAS DE DISCUSSÃO
1. Conceito de Fazenda Pública
2. Prerrogativas da Fazenda Pública
2.1. Taxonomia das prerrogativas
2.2. Raison d’être das prerrogativas
2.3. Flexibilização das prerrogativas no procedimento arbitral
2.4. Princípio da isonomia
3. Aplicação no processo arbitral de limitações previstas em legislação esparsa
3.1. Tutela antecipada contra a Fazenda Pública
3.1.1. Art. 1º, Lei nº 8.437/92
3.1.1.1. Mitigação das hipóteses pelo STF conforme jurisprudência
3.2. Concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público
3.2.1. Art. 1º, Lei nº 9.494/97
3.2.1.1. Concessão de vantagens pecuniárias a servidores públicos
3.2.1.2. Pouca probabilidade de arbitragem sobre a matéria
3.3. Relevância das limitações
4. Execução da sentença arbitral contra a Fazenda Pública
4.1. Regime de precatórios
5. Imunidade de execução dos Estados
5.1. Convenção de Nova York
5.2. Relativização
5.2.1. Contratual
5.2.2. Jurisprudencial
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II.I MATERIAL DE APOIO
1) CONCEITO DE FAZENDA PÚBLICA
“A expressão fazenda pública representa a personificação do Estado, abrangendo as
pessoas jurídicas de direito público. No processo em que haja presença de uma pessoa
jurídica de direito público, esta pode ser designada, genericamente, de Fazenda
Pública. [...] Quando a legislação processual utiliza-se do termo Fazenda Pública está a
referir-se à União, aos Estados, aos Municípios, ao Distrito Federal e a suas respectivas
autarquias e fundações.”1
Inclui, portanto, as Agências Reguladoras como a ANP e a ANATEL (autarquias especiais), mas exclui as
sociedades de economia mista e as empresas públicas, sujeitas ao regime geral das pessoas de direito
privado.
Essa exclusão também pode afetar as pessoas jurídicas de direito público dedicadas a atividade
econômica, às quais pode se aplicar o regime próprio das empresas privadas.2
Assim, a aplicabilidade do regime jurídico da Fazenda Pública em juízo poderia coincidir com o
conceito comumente chamado de arbitrabilidade objetiva, embora tal conceito, ante expressa
autorização legislativa, possa ser irrelevante “para fins de admissão da arbitragem em contratos
administrativos”.3
Se a Fazenda Pública se despe de suas prerrogativas ao se engajar em atividade econômica, também
não seria o consentimento à arbitragem uma forma de renunciar a suas prerrogativas processuais?
2) A REDUÇÃO DAS PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA NO JUÍZO ARBITRAL
Prerrogativas da Fazenda Pública em Juízo
1 DA CUNHA, Leonardo José Carneiro. A Fazenda Pública em Juízo. São Paulo: Dialética, 2005, p. 13. 2 BRAMANTE, Ivani Contini. PRERROGATIVAS PROCESSUAIS DA FAZENDA PÚBLICA E PRINCÍPIO DA ISONOMIA Revista de Processo | vol. 117 | p. 365: “Não há nenhuma contradição em consagrar a inaplicabi1idade das prerrogativas processuais às entidades de direito públicas quando, posto
se revistam de personalidade jurídica de direito público, na realidade, in concreto, exploram atividade econômica em igualdade de condições
com o particular. Muitos julgados, no âmbito do Poder Judiciário Trabalhista, são encontradiços nessa mesma linha: "Autarquia Estadual que
explora atividade econômica sujeita-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas. Inaplicabilidade do disposto no art. 100 da CF/1988
( LGL 1988\3 ) , art. 730 do CPC ( LGL 1973\5 ) e Dec.-lei 779/1969. Inteligência do art. 173, § 1.º, da CF/1988 (TRT, 4.ª Reg., 21 gt., rel.
designado Juiz Denis Marcelo de Lima, j. 21.10.1992).”
3 DE SALLES, Carlos Alberto. Arbitragem em Contratos Administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 218.
Grupo de Estudos em Arbitragem e Administração Pública “Dentro do plano processual foram outorgados pelo legislador diversos privilégios ao Estado, dos quais
destacam-se (1) prazos diferenciados, (2) duplo grau de jurisdição, (3) juízo privativo, (4) dispensa de
preparo, (5) pagamento por meio de precatórios.”4
“Entre tais prerrogativas asseguradas à Administração, estão o juízo privativo, os prazos processuais
dilatados, a intimação pessoal e não pela imprensa oficial, o duplo grau de jurisdição obrigatório,
recursos específicos para a suspensão de liminares, a ausência de consequências quanto à revelia, a
proibição de transação, a restrição à concessão de liminares e medidas de urgência em face da
Administração Pública, o processo especial de execução”.5
Taxonomia das prerrogativas processuais da Fazenda Pública.6
1. Prazo em dobro para recorrer e o quádruplo para contestar (arts. 188 e 277, caput, do CPC; e
art. 1.º, II e III, do Dec.-lei 779/1969);
2. Prazo em dobro para ajuizar ação rescisória (MedProv 1798-2 de 11.03.1999);
3. A possibilidade de arbitramento de honorários advocatícios abaixo de mínimo legal (art. 20, §
4.º, do CPC);
4. o pagamento, ao final, das despesas efetuadas no processo (art. 27 do CPC; e art. 1.º, VI, do
Dec.-lei 779/1969);
5. o duplo grau de jurisdição obrigatório, com abrangência às autarquias e fundações de direito
público (art. 475 do CPC; art. 10 da Lei 9.469/1997; e art. 1.º, V, do Dec.-lei 779/1969); 7
6. a dispensa do preparo recursal, inclusive para os órgão da administração indireta que gozem
de proteção legal (art 511, parágrafo único, do CPC; e art. 1.º, IV, do Dec.-lei 779/1969); 8
7. a dispensa do depósito do percentual de 5% sobre o valor da causa em ação rescisória (art.
488, II, do CPC ( LGL 1973\5 ) ; art. 836 da CLT ); 9
8. a dispensa de caução nas cautelares (art. 816 do CPC);
9. a não incidência dos efeitos da revelia à vista da indisponibilidade dos bens e direitos (arts.
320, II, e 324 do CPC);
10. As prerrogativas para que os agentes políticos prestem depoimentos em suas residenciais ou
locais em que exercem suas funções (art. 411 do CPC);
11. A vedação de concessão de medida liminar objetivando reclassificação ou equiparação de
servidores públicos, ou à concessão de aumento ou extensão de vantagens (arts. 1.º, § 4.º, e
4 SATO, Juliana Patrícia; TEIXEIRA, Rodrigo Valente Giublin. Efetividade da Antecipação de Tutela contra a Fazenda Pública. Revista Dialética de Direito Processual nº 113, p. 62 e segs. 5 ALMEIDA, Lise e COSTA, Sérgio de Freitas. Prerrogativas da Administração Pública no Processo Arbitral: um imperativo? Revista Brasileira de Arbitragem, vol. 25, p. 76 – 83. 6 BRAMANTE, Ivani Contini. PRERROGATIVAS PROCESSUAIS DA FAZENDA PÚBLICA E PRINCÍPIO DA ISONOMIA Revista de Processo | vol. 117 |
p. 365
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5.º, caput, da Lei 5.021/1966) e, execução do direito reconhecido acerca de tal matéria,
somente ao final, com trânsito em julgado (art. 5.º, parágrafo único, da Lei 4.348/1964) e,
ainda assim, somente relativa as prestações vincendas a partir da data do ajuizamento da ação
(art. 1.º, caput, da Lei 5.021/1966);
12. a vedação de provimento de urgência, no primeiro grau, quando impugnado ato de autoridade
sujeita, na via do mandado de segurança, à competência originária de tribunal; proibição de
concessão de liminar que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação (art. 1.º, §§ 1.º e 3.º,
da Lei 8.437/1992);
13. a execução por meio de precatório, consoante regras encravadas no art. 100 da CF/1988 e art.
730 do CPC ( LGL 1973\5 ) ;
14. a presunção relativa de validade dos recibos de quitação ou pedidos de demissão de seus
empregados ainda que não homologados nem submetidos à assistência mencionada no art.
477, §§ 1.º, 2.º e 3.º, da CLT (art. 1.º, I, do Dec.-lei 779/1969).
3) COMO O JUÍZO ARBITRAL ADAPTA AS PRERROGATIVAS PROCESSUAIS DA FAZENDA PÚBLICA?
Arbitragem tradicionalmente vista como uma forma de “internacionalizar” o contrato e anular o poder
prescritivo do Estado, que seria imperiosa no âmbito do comércio internacional (l’impérieuse nécessité
de neutraliser le pouvoir normatif de l’État7).
“Diferentemente dos demais mecanismos, também, implica em dupla renúncia por
parte da Administração. Com ela o Poder Público renuncia à possibilidade de decidir
unilateralmente a questão – mesmo considerando o sentido limitado dessa decisão – e,
em igual medida, à via judicial para solução da controvérsia. Embora a arbitragem
possa acarretar efetiva redução das prerrogativas da Administração, essa circunstância
faz parte da própria estratégia de gestão estatal envolvida nas contratações nas quais
a arbitragem e autorizada por lei.”8
Essa estratégia de gestão visa a garantir uma maior previsibilidade na execução do contrato
administrativo, a fim de aumentar sua eficiência econômica.
“Nesse sentido, precisamos de um Direito Administrativo que reforce a barganha das
partes e que, portanto, valorize os contratos percebendo que os pactos celebrados sob
a égide desse instituto são fios condutores para a celebração de negociações mais
7 Mayer P., « La neutralisation du pouvoir normatif de l’Etat en matière de contrats d’Etat », JDI, 1986.
8 DE SALLES, Carlos Alberto. Arbitragem em Contratos Administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 147.
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seguras e, não obstante, entendida como uma alavanca para uma economia sólida sob
o ponto de vista dos investidores.”9
A autorização legislativa necessária à referência de litígios pela Administração Pública à arbitragem
tem eficácia de afastar essas prerrogativas? Renúncia às prerrogativas processuais da Fazenda Pública
similar à renúncia do poder de império do Estado em arbitragens de investimento internacionais?
Consentimento para resolver uma disputa de acordo com um método adequado e heterônomo de
resolução de conflitos equivale ao consentimento a aceitar a paridade de armas entre as partes
litigantes.
A flexibilização das prerrogativas da fazenda pública em consequência do princípio da isonomia
Fora do âmbito da arbitragem, prerrogativas processuais da Fazenda Pública podem ser flexibilizadas
em consequência do princípio da isonomia: (i) por se tratar de atividade econômica submetida ao
regime de direito privado.
STF já afirmou que “a igualdade das partes imanente ao procedural due process of law; quando uma
delas é o Estado, a jurisprudência tem transigido com alguns favores legais que, além da vetustez, têm
sido reputados não arbitrários por visarem a compensar dificuldades da defesa em juízo das entidades
públicas; se, ao contrário desafiam a medida da razoabilidade ou da proporcionalidade, caracterizam
privilégios inconstitucionais” (STF, ADIn em MC 1753-DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ
12.06.1998).10
4) A EFETIVIDADE DA ARBITRAGEM CONTRA A FAZENDA PÚBLICA
O Estado, protegendo o interesse público, goza de diversas proteções legislativas em juízo. Execução
das decisões judiciais em face da Fazenda Pública está condicionada a uma série de requisitos. Como
isso se transfere à Arbitragem?
5) EXECUÇÃO ESPECÍFICA E A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA PERANTE A FAZENDA PÚBLICA
MP 1570-5/1997, Lei 9494/1997, Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 4, julgada em 2008 e a
possibilidade de antecipação de tutela em face da Fazenda Pública em juízo.
Execução Específica cfe. Art. 461 CPC e a possibilidade de cominação de multa diária ou a imputação
ao agente de crime de responsabilidade.
9 TIMM, Luciano Benetti; MOSER, Luiz Gustavo Meira. Um Panorama da Arbitragem no Rio Grande do Sul. São Leopoldo: Unisinos, 2012, p. 28. 10 BRAMANTE, Ivani Contini. PRERROGATIVAS PROCESSUAIS DA FAZENDA PÚBLICA E PRINCÍPIO DA ISONOMIA Revista de Processo | vol. 117 | p. 365
Grupo de Estudos em Arbitragem e Administração Pública 6) A EXECUÇÃO DO LAUDO ARBITRAL CONTRA A FAZENDA PÚBLICA
Precatórios
CPC, art. 730:
Art. 730. Na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, citar-se-á a devedora para opor
embargos em 10 (dez) dias; se esta não os opuser, no prazo legal, observar-se-ão as seguintes regras:
I - o juiz requisitará o pagamento por intermédio do presidente do tribunal competente;
II - far-se-á o pagamento na ordem de apresentação do precatório e à conta do respectivo crédito.
A sentença condenatória em obrigação de fazer e de não fazer
Jurisprudência entende pacífica a possibilidade de imposição de multa diária à Fazenda Pública, que no
entanto não pode ser imputada ao agente recalcitrante, mas apenas à pessoa jurídica envolvida. Logo,
imputação do crime de responsabilidade como alternativa mais eficaz.
A Convenção de Nova York e a execução do laudo no estrangeiro
Princípio da Imunidade de Execução
The immunity from execution impeaches a court decision against a State to be enforced against its
assets. Basically, this immunity is not absolute either. It is usually admitted that assets serving the
sovereignty or the public utility cannot be the aim of measures of execution. Conversely, these are
accepted when they concern commercial assets. But sometimes it is difficult to specify the use of the
asset so the Cour de Cassation decided that there was a presumption of this immunity for State assets
(Civ. 1ère, March 14th, 1984, Eurodif). Nevertheless, the immunity can be pushed aside if the private
party proves that there was a commercial use if the asset. For other public legal persons, such as
municipalities, the rule is the contrary: the immunity is presumed pushed aside (Civ. 1ère, Octobre 1st,
1985, Sonactrach v. Migeon). 11
Exceção Convencional ao Princípio da Imunidade de Execução
Possibilidade de inclusão de uma cláusula renunciando à imunidade de execução.
Essa renúncia também pode ocorrer por meio da referência à arbitragem.
In its decision of 6 July 2000 in Société Creighton v. Ministère des Finances de l'Etat du Qatar et a., the
French Court of Cassation (1st civil chamber) held:
It is in violation of the principles of international law governing foreign State immunity and Article 24
of the Rules of Arbitration of the International Chamber of Commerce that, in order to lift attachments
towards payment and conservatory attachments, the decision finds that the State in question cannot
11 SILVA ROMERO, Eduardo. INTERNATIONAL ARBITRATION INVOLVING STATE PARTIES. OBSERVATIONS ON THE APPLICABLE LAW IN STATE CONTRACT ARBITRATION Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 6 | p. 176
Grupo de Estudos em Arbitragem e Administração Pública be deemed to have waived immunity from execution and that acceptance of an arbitration clause is no
reason to presume that such immunity, as distinct from jurisdictional immunity, has been waived,
whereas the undertaking made by the State in signing the arbitration clause to perform the award in
accordance with Article 24 of the ICC Rules of Arbitration implied the State's waiver of its immunity
from execution. 63
According to this decision, a public law entity that consents to an arbitration agreement referring to
the 1988 ICC Rules of Arbitration is deemed, as a result of Article 24 of the Rules, 64to have waived its
immunity from execution.12
Exceção Jurisprudencial ao Princípio da Imunidade de Execução
A convenção de Nova York poderia oferecer uma execução mais célere do laudo arbitral do que a
espera pelo pagamento de precatórios?
Alguns países, como, por exemplo, os Estados Unidos, associam o conceito de Estado estrangeiro às
“emanações” vinculadas a esse último, como se percebe no Foreign Sovereign Immunities Act (28 USC
Chapter 97).
“28 USC § 1603 – Definitions
For purposes of this chapter—
(a)A “foreign state”, except as used in section 1608 of this title, includes a political
subdivision of a foreign state or an agency or instrumentality of a foreign state as
defined in subsection (b).
(b)An “agency or instrumentality of a foreign state” means any entity—
(1)which is a separate legal person, corporate or otherwise, and
(2)which is an organ of a foreign state or political subdivision thereof, or a majority of
whose shares or other ownership interest is owned by a foreign state or political
subdivision thereof, and
(3)which is neither a citizen of a State of the United States as defined in section 1332 (c)
and (e) of this title, nor created under the laws of any third country.”
Esses termos podem dar margem a certa “desconsideração” da personalidade de direito público
interno.
Considerando, ainda que certos países, como, novamente, os Estados Unidos, contanto que exista um
dos três elementos de conexão listados abaixo,13 (i) não conferem imunidade de jurisdição contra a
execução de laudos arbitrais e que (ii) a imunidade execução aos bens públicos detidos por Estados em
seu território não alcança os bens dedicados a uma atividade comercial, poder-se-ia apresentar um
12 Idem. 13 BERMANN, George A. Transnational Litigation. St. Paul: West, 2003, p. 146.
Grupo de Estudos em Arbitragem e Administração Pública laudo arbitral proferido no Brasil para execução no estrangeiro contra bens detidos pela União, desde
que esses bens estivessem dedicados a atividades comerciais.
“28 USC § 1605 - General exceptions to the jurisdictional immunity of a foreign state
(a)A foreign state shall not be immune from the jurisdiction of courts of the United
States or of the States in any case—
[…]
(6)in which the action is brought, either to enforce an agreement made by the
foreign state with or for the benefit of a private party to submit to arbitration all or
any differences which have arisen or which may arise between the parties with
respect to a defined legal relationship, whether contractual or not, concerning a
subject matter capable of settlement by arbitration under the laws of the United
States, or to confirm an award made pursuant to such an agreement to arbitrate, if
(A) the arbitration takes place or is intended to take place in the United States,
(B) the agreement or award is or may be governed by a treaty or other international
agreement in force for the United States calling for the recognition and enforcement
of arbitral awards,
(C) the underlying claim, save for the agreement to arbitrate, could have been brought
in a United States court under this section or section 1607, or (D) paragraph (1) of this
subsection is otherwise applicable.”
“28 USC § 1610 - Exceptions to the immunity from attachment or execution
(a)The property in the United States of a foreign state, as defined in section 1603(a) of
this chapter, used for a commercial activity in the United States, shall not be immune
from attachment in aid of execution, or from execution, upon a judgment entered by a
court of the United States or of a State after the effective date of this Act, if—
[…]
(6) the judgment is based on an order confirming an arbitral award rendered against
the foreign state, provided that attachment in aid of execution, or execution, would
not be inconsistent with any provision in the arbitral agreement […]”
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III. PROPOSIÇÕES PARA DISCUSSÃO: SENTENÇA ARBITRAL E O REGIME DE PRECATÓRIOS
Proposição 1
A partir do art. 100, caput, CF, tem-se que a execução contra a Fazenda Pública é
realizada por meio de precatórios. O precatório pressupõe a existência de uma
sentença condenatória judiciária. A sentença condenatória arbitral é considerada
como título executivo judicial (art. 31, Lei nº 9.307/96 c/c art. 475-N, inc. IV, CPC).
Primeiramente, quando da inserção do dispositivo constitucional, teria o legislador
pretendido dar outro sentido à sentença “judiciária”, em detrimento de sentença
“judicial”? Assim, para os fins do regime de precatórios, haveria diferença entre
sentença arbitral (condenatória) e sentença judiciária? Portanto, uma condenação
em quantia certa da Fazenda Pública, dada por sentença arbitral, é paga por meio
de precatório?
Base legal
Constituição Federal
Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais,
em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação
dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas
nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 62, de 2009).
Código de Processo Civil
Art. 475-N. São títulos executivos judiciais: (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005) (...) IV – a sentença arbitral; (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005) (...) Lei nº 9.307/96
Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da
sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título
executivo.
Proposição 2
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O juiz da execução é aquele que dá início ao procedimento que culmina na
apresentação do precatório. É sabido que o árbitro depende do concurso do Poder
Judiciário para executar a condenação. Assim, como definir o juiz da execução de
uma sentença arbitral condenatória da Fazenda Pública? Aplicável o art. 55, § 2º
da Lei nº 8.666/93?
Base legal
Lei nº 8.666/93
Art. 55. § 2o Nos contratos celebrados pela Administração Pública com pessoas físicas ou jurídicas,
inclusive aquelas domiciliadas no estrangeiro, deverá constar necessariamente cláusula que declare
competente o foro da sede da Administração para dirimir qualquer questão contratual, salvo o
disposto no § 6o do art. 32 desta Lei.
Resolução CNJ nº 115/2010
Art. 4º Para efeito do disposto no “caput” do art. 100 da Constituição Federal, considera-se como
momento de apresentação do precatório o do recebimento do ofício perante o Tribunal ao qual se
vincula o juízo da execução.
“O art. 4º da Resolução CNJ 115/2010, ao disciplinar a apresentação e a expedição do precatório
para fins de cronologia, estabelece que o momento certo é o do recebimento do ofício perante o
Tribunal para colocação na fila, e não o momento em que o juiz da execução o expede. Portanto, o
cadastro dos credores deverá ser feito exclusivamente pelo Tribunal de Justiça, e não pelos entes
devedores.” (Manual de Precatórios CNJ, disponível em
http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/precatorios/manual_precatorios_grafica.pdf)
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Manual de Precatórios CNJ, p. 14, disponível em http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/precatorios/manual_precatorios_grafica.pdf
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Proposição 3
É aplicável a um crédito originário de sentença arbitral, que decide sobre direito
patrimonial disponível, o art. 100, §9º, CF, mesmo que o débito junto à Fazenda
Pública se tenha originado por conta de direito patrimonial indisponível (p. ex.
débitos tributários)? Existe incompatibilidade entre a natureza do crédito e débito
para fins de sua compensação?
Base legal
Constituição Federal
Art. 100. § 9º No momento da expedição dos precatórios, independentemente de regulamentação,
deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líquidos e
certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública
devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja
suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 62, de 2009).
Proposição 4
A Convenção de Washington de 1965 sobre arbitragem de investimento prevê que
a sentença arbitral exarada pela corte de arbitragem (ICSID) tem a validade de
uma sentença judicial da mais alta corte do Estado condenado, não necessitando
de exequatur. Porém, prevê que a execução da condenação deva seguir o
procedimento de execução previsto pela legislação daquele Estado. Assim, caso o
Brasil fosse signatário desta convenção, numa eventual condenação do país, o
credor investidor estrangeiro teria de se subordinar ao regime de precatórios
(Fazenda Pública Federal)? Se sim, tal medida poderia representar manobra
política de obstáculo ao pagamento destas consideráveis quantias, à guisa do que
faz a Argentina, ao utilizar a lei interna de execução para verificar a validade da
sentença arbitral?
Base legal
Convenção de Washington de 1965
Article 54
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(1) Each Contracting State shall recognize an award rendered pursuant to this Convention as binding and enforce the pecuniary obligations imposed by that award within its territories as if it were a final judgment of a court in that State. A Contracting State with a federal constitution may enforce such an award in or through its federal courts and may provide that such courts shall treat the award as if it were a final judgment of the courts of a constituent state. (2) A party seeking recognition or enforcement in the territories of a Contracting State shall furnish to a competent court or other authority which such State shall have designated for this purpose a copy of the award certified by the Secretary-General. Each Contracting State shall notify the Secretary-General of the designation of the competent court or other authority for this purpose and of any subsequent change in such designation. (3) Execution of the award shall be governed by the laws concerning the execution of judgments in force in the State in whose territories such execution is sought.
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IV. ESTUDO DE CASO: AUTORIDADE PÚBLICA OLÍMPICA - APO
A APO é um consórcio público formado pela União, Estado do Rio de Janeiro e Município do Rio de
Janeiro. A APO possui a finalidade de coordenar a participação destes entes federativos na preparação
e realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016, aprovando e monitorando obras e serviços
da Carteira de Projetos Olímpicos e obrigações assumidas perante o COI (Comitê Olímpico
Internacional).
O objeto da APO, tendo em vista a cláusula quarta (caput e parágrafo primeiro14) do Protocolo de
Intenções15 que projeta a criação do consórcio, é de atuação programática, coordenando,
monitorando e planejando projetos e ações. Contudo, em caráter de exceção, a mesma cláusula prevê
14 CLÁUSULA QUARTA - DO OBJETIVO E DAS FINALIDADAES A APO tem por objetivo coordenar a participação da União, do Estado do Rio de Janeiro e do Município do Rio de Janeiro na preparação e realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, especialmente para assegurar o cumprimento das obrigações por eles assumidas perante o COI para esses fins e, notadamente: I - a coordenação de ações governamentais para o planejamento e entrega das obras e serviços necessários à realização dos Jogos, incluindo a representação dos entes consorciados perante órgãos ou entidades da administração, direta ou indireta, e outros entes da Federação nos assuntos pertinentes ao seu objeto; II - o monitoramento da execução das obras e serviços referentes aos Projetos Olímpicos; III - a consolidação do planejamento integrado das obras e serviços necessários aos Jogos, incluindo os cronogramas físico e financeiro e as fontes de financiamento; IV - o relacionamento, em conjunto com os próprios entes consorciados, com o COMITÊ RIO 2016 e demais entidades esportivas, nacionais e internacionais, responsáveis por modalidades olímpicas e paraolímpicas nos assuntos relacionados à organização e realização dos Jogos; V - o planejamento referente ao uso do legado dos Jogos, com proposição de soluções sustentáveis sob os aspectos econômico, social e ambiental; VI - a elaboração e atualização da Matriz de Responsabilidades junto aos consorciados e ao COMITÊ RIO 2016, visando definir obrigações das partes para a realização dos eventos, face as obrigações assumidas perante o COI; VII - a homologação prévia dos termos de referência, projetos básicos e executivos relativos à preparação e realização dos Jogos com a estrita finalidade de verificar se atendem aos compromissos assumidos junto ao COI, a serem contratados pelos entes consorciados, inclusive por seus órgãos e entidades da administração direta e indireta, nos casos de utilização do regime diferenciado de licitações e contratos para as obras e serviços, estabelecido em lei federal; VIII - a interlocução, nos casos de impasses relacionados à execução de obras, com órgãos de controle, de licenciamento ambiental e demais órgãos envolvidos. Parágrafo primeiro - Para a consecução de seu objetivo e de suas finalidades, poderá a APO exercer as seguintes atividades: I - realizar estudos técnicos e pesquisas, elaborar e monitorar planos, projetos e programas; II - firmar convênios, contratos e acordos de qualquer natureza; III - excepcionalmente, contratar, manter ou executar obras e serviços referentes à Carteira de Projetos Olímpicos, mediante convênio com os entes consorciados, nos casos previstos no parágrafo segundo, inclusive por meio do regime diferenciado de licitações e contratos para as obras e serviços, estabelecido em lei federal; IV - decidir sobre a transferência da responsabilidade sobre projetos integrantes da Carteira de Projetos Olímpicos que forem justificadamente comprovados como de elevado risco de não entrega pelo ente consorciado no prazo necessário à realização dos Jogos; V - adquirir e administrar bens, móveis e imóveis; VI - atuar na proteção da propriedade intelectual e das marcas relacionadas aos Jogos, utilizando-se dos meios jurídicos adequados; VII - exercer outras competências necessárias à fiel execução de seus objetivos e finalidades, desde que sejam compatíveis com o seu regime jurídico. 15 Firmado entre União, Estado do Rio de Janeiro e Município do Rio de Janeiro, ratificado pela Lei Federal nº 12.396/11, Lei Estadual nº 5.949/11 e Lei Municipal nº 5.260/11.
Grupo de Estudos em Arbitragem e Administração Pública em seus parágrafos segundo a quinto16, que o consórcio pode assumir a execução de projetos e
serviços, que estavam sob a responsabilidade dos entes consorciados, sub-rogando-se em todos os
direitos e obrigações decorrentes de procedimentos licitatórios e contratos em curso, podendo
realizar novas licitações e celebrar novos contratos.
O Protocolo de Intenções prevê a resolução de conflitos nos seguintes termos: “Os entes da Federação
consorciados devem dar preferência à resolução de conflitos por mecanismos consensuais, tais como a
conciliação e a mediação, na forma a ser definida nos estatutos da APO.” (Cláusula Trigésima
Segunda).
O referido estatuto, por sua vez, dispõe que “os entes consorciados resolverão os conflitos decorrentes
do contrato de consórcio que constitui a APO por mecanismos consensuais, por intermédio de comissão
de arbitragem composta por um representante da Advocacia-Geral da União, um representante da
Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro e um representante da Procuradoria Geral do
Município do Rio de Janeiro” (art. 49)
Diante dos dispositivos de resolução de controvérsias trazidos pelo Protocolo de Intenções e pelo
Estatuto da APO:
1. O mecanismo consensual de resolução de controvérsias previsto pelo art. 49 do estatuto tem
natureza de arbitragem, nos termos da lei nº 9.307/96?
2. Ele é aplicável a conflitos surgidos exclusivamente entre os entes consorciados no âmbito do
contrato de consórcio, ou pode ser aplicado a conflitos entre um ente consorciado e a APO?
3. Este mecanismo pode ainda ser estendido a controvérsias surgidas da relação dos entes
consorciados e terceiros, em decorrência de obrigações e direitos advindos do contrato de consórcio
da APO?
Considerando a circunstância excepcional de a APO sub-rogar-se nos direitos e obrigações do ente
consorciado, assumidos numa contratação de particular para execução de obras ou serviços para as
Olimpíadas e Paralimpíadas de 2016: 16 Parágrafo segundo - Em caráter excepcional, poderá a APO, por decisão unânime do Conselho Público Olímpico, assumir o planejamento e a execução de obras ou de serviços sob a responsabilidade dos órgãos e das entidades da administração direta ou indireta dos entes consorciados, desde que a medida se justifique para a adimplência das obrigações contraídas perante o COI para a realização dos Jogos. Parágrafo terceiro - Para a consecução do disposto no parágrafo segundo, a APO sub-rogar-se-á em todos os direitos e obrigações decorrentes de procedimentos licitatórios em curso, contratos ou instrumentos congêneres, permanecendo o ente originariamente competente responsável pelo ressarcimento dos custos incorridos. Parágrafo quarto - A APO poderá realizar novas licitações, contratações ou celebração de convênios para a execução das obras e serviços previstos no parágrafo segundo, caso seja imprescindível para assegurar o cumprimento das obrigações assumidas perante o COI. Parágrafo quinto - No caso da transferência de responsabilidade de obras e serviços na forma do parágrafo segundo, o respectivo ente consorciado ficará obrigado ao ressarcimento à APO de todos os prejuízos causados, tais como custos de execução das obras e operação de serviços, multas rescisórias e encargos financeiros.
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4. Pode-se considerar que o conflito surgido no âmbito deste contrato administrativo, por força
da sub-rogação ao contrato administrativo, seja um conflito derivado do contrato do consórcio?
5. Em caso afirmativo, surgido o conflito entre as partes no contrato de execução de obra ou
serviço, seria obrigatória a adoção do mecanismo de resolução de controvérsias previsto no art. 49 do
estatuto da APO?
6. Na hipótese de aplicação obrigatória do art. 49 do estatuto, caso o contrato administrativo
tenha previsão própria de cláusula compromissória arbitral, tal cláusula poderia subsistir?
7. É possível nos contratos administrativos em que a APO seja parte originária ou sub-rogada,
haver cláusula compromissória arbitral?
8. A APO, como consórcio público, é titular das prerrogativas da Fazenda Pública? Em sede de
arbitragem, podem estas prerrogativas ser afastadas?