HISTÓRIAS EM QUADRINHOS: UMA PROPOSTA PARA O ENSINO
DE FÍSICA
VIEIRA, Edimara Fernandes 1 - UFPR.
HIGA, Ivanilda 2 - UFPR.
Grupo de Trabalho - Práticas e Estágios nas Licenciaturas.
Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Este trabalho foi desenvolvido no âmbito de uma disciplina de Estágio de um curso de formação de professores de física, tendo como público alvo estudantes de um curso de pedagogia. Teve como objetivo estudar as potencialidades e funcionamento de linguagens distintas das usualmente utilizadas no ambiente escolar. Dentro desta proposta buscou-se apresentar as Histórias em Quadrinhos como um recurso didático significativo no processo de ensino-aprendizagem dos conceitos físicos no contexto formal de ensino, a partir da leitura, interpretação e confecção de História em Quadrinhos. Assim, este estudo contou com dois enfoques, o primeiro destinou-se à apresentação das Histórias em Quadrinhos como um potencial recurso didático no desenvolvimento de aulas de física, centradas na leitura e interpretação do recurso apresentado. O segundo enfoque destinou-se a produção de Histórias em Quadrinhos (Tirinhas) pelos estudantes dentro de um contexto que vislumbrou identificar os processos de autoria desenvolvidos por estes estudantes dentro do contexto apresentado. Três abordagens distintas foram elaboradas e desenvolvidas em sala de aula, num total de 4 horas aula, e destas abordagens pode-se identificar que os estudantes participantes interpretaram a inserção de Histórias em Quadrinhos no cotidiano escolar como um recurso de caráter lúdico, motivador, ilustrativo e/ou complementar e não como uma linguagem potencialmente mediadora no processo de ensino-aprendizagem dos conceitos escolares. Da confecção de Histórias em Quadrinhos de física, pôde-se evidenciar os discursos de autoria desenvolvidos por estes estudantes, evidenciando que a articulação de linguagens que priorizam os processos criativos no contexto formal de ensino promove o aperfeiçoamento dos discursos de autoria elaborados pelos estudantes.
Palavras-chave: Histórias em Quadrinhos. Ensino de Física. Processos de Autoria.
1 Graduanda em Licenciatura em Física: Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected] 2 Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da USP. Professora na Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected].
22780
Introdução
Nos últimos anos a preocupação com o entendimento da física como atividade humana
vem tomando maior importância no universo escolar, devido à necessidade da formação de
indivíduos autônomos e críticos a partir de um ensino centrado no desenvolvimento de
competências específicas do conhecimento humano (PCNs, 1999, p. 28). Assim faz-se
necessária uma leitura da física a partir das diversas linguagens que a compõe, juntamente
com as linguagens trazidas pelos estudantes ao ambiente escolar, visando que estes estudantes
se apropriem da linguagem da ciência por intermédio das mais diversas linguagens que
demarcam os processos de comunicação humana. De acordo com Maturana (2001, p.130) a
ciência apenas tem significado quando interpretada como uma operação de linguagem de alto
significado para os indivíduos envolvidos na escrita, leitura e/ou decodificação desta
linguagem. Assim para que os estudantes sejam envolvidos nos processos de decodificação da
linguagem da física, faz-se necessária a inserção de linguagens distintas das tradicionais na
realidade cultural da escola de educação básica.
Para que estas linguagens distintas das já inseridas no ambiente escolar sejam
significativas no processo de ensino-aprendizagem dos conceitos físicos é necessário que
compreendamos quais são as potencialidades e desafios ofertados por estes diferentes
formatos linguísticos no processo de construção dos conhecimentos escolares, para que de
fato possamos promover uma aprendizagem mais significativa da física em prol da promoção
de um ensino mais contextualizado e democrático.
Linguagem
Para que possamos compreender como o processo de decodificação de certa
linguagem se dá no ambiente escolar, primeiro precisamos compreender o que é a linguagem
em um contexto mais abrangente. Afinal a linguagem não se resume simplesmente a um
conjunto de símbolos e signos de comunicação, mas constitui toda uma estrutura que
coordena o modo como os indivíduos das mais distintas esferas sociais vivem e interagem
com as mais complexas situações apresentadas pelo mundo que os rodeia. Logo a linguagem
assume o papel de coordenadora e delimitadora de conduta, expressando assim, que todo
processo significativo de ensino-aprendizagem passa obrigatoriamente pelos limites da
22781
interação entre os indivíduos, ou seja, passa pelos limites da linguagem. Assim
consequentemente:
Toda interação implica num encontro estrutural entre os que interagem, e todo encontro estrutural resulta num desencadilhamento ou num desencadeamento de mudanças estruturais entre os participantes do encontro. O resultado disto é que, cada vez que encontros recorrentes acontecem, ocorrem mudanças estruturais que seguem um curso contingente com o curso desses. Isto acontece conosco no viver cotidiano, de tal modo que, apesar de estarmos, como seres vivos, em contínua mudança estrutural espontânea e reativa, o curso de nossa mudança estrutural espontânea e reativa se faz de maneira contingente com a história de nossas interações. (MATURANA, 1998, p.59/60).
Para Maturana (1998, p. 63) o processo de ensino-aprendizagem está diretamente
relacionado a estes conjuntos de interações entre os indivíduos, onde aprender não é apenas
um processo de captação de conceitos e conteúdos, mas é constituído de mudanças estruturais
decorrentes dos processos de comunicação humana e não se constitui exclusivamente no
ambiente escolar, mas em todos os ambientes onde este indivíduo interage. Esta concepção
denota a importância do uso de linguagens mais próximas da realidade cultural dos estudantes
dentro de ambientes tradicionais de ensino, seja na apresentação dos conceitos na forma de
materiais didáticos potencialmente significativos, seja nos processos avaliativos, em prol de
linguagens que possibilitem um desenvolvimento cultural e intelectual mais ativo dos
indivíduos que aprendem.
Aprendizagem Significativa
Dentro deste contexto a Teoria da Aprendizagem Significativa pode ser entendida
como a Teoria da Negociação de Significados, observada quando o contexto trabalhado em
sala de aula, que tem significado para o professor, passa a significar algo para o aprendiz,
quando indivíduo que aprende é capaz de explicar novas situações com suas próprias
palavras, quando é capaz de desenvolver situações-problemas distintas das que lhe foram
apresentadas, enfim, quando compreende o que foi ensinado (MOREIRA, 2003, p.02). Para
que este processo possa ocorrer é necessário que haja a interação entre os novos
conhecimentos apresentados e conhecimentos específicos já existentes na estrutura cognitiva
do indivíduo que aprende, logo considerando este contexto de interação, para que haja de fato
a aprendizagem significativa é necessário que a linguagem seja considerada como peça
fundamental no processo de ensino-aprendizagem, pois:
22782
O significado está nas pessoas, não nas coisas ou eventos. É para as pessoas que sinais, gestos, ícones e, sobretudo, palavras (e outros símbolos) significam algo. Está aí à linguagem, seja ela verbal ou não. Sem a linguagem o desenvolvimento e transmissão de significados compartilhados seriam praticamente impossíveis. A interação referida antes é entre os novos conhecimentos e aqueles especificamente relevantes já existentes na estrutura cognitiva com certo grau de clareza e estabilidade, mas essa interação é usualmente mediada por outra, na qual a linguagem tem papel fundamental, a interação pessoal. O conhecimento, bem, o conhecimento é linguagem; a chave da compreensão de um conhecimento, de um conteúdo, ou mesmo de uma disciplina, é conhecer sua linguagem. (MOREIRA, 2003, p.02).
Logo para que haja de fato aprendizagem significativa, condições propícias devem ser
articuladas, e para Moreira (2012, p.24) existem duas condições fundamentais, onde a
primeira está relacionada ao material didático apresentado pelo professor aos indivíduos que
aprendem e a segunda está relacionada ao interesse dos indivíduos em aprender. Vale ressaltar
que o material didático apresentado deve ser potencialmente significativo, mas o significado
será atribuído pelos indivíduos que interagem (professor-estudante e/ou estudante-estudante).
Podemos então perceber que a linguagem viabiliza negociação de significados entre os novos
conhecimentos e conhecimentos previamente existentes na estrutura cognitiva do individuo
aprendiz, mas se o individuo que aprende não estiver disposto a atribuir significados ao
processo que o permeia, não haverá aprendizagem significativa (MOREIRA, 2003, p 14).
Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula
As Histórias em Quadrinhos constituem uma linguagem de massa com grande
aceitação popular, o que consequentemente a faz uma linguagem inserida no cotidiano
linguístico dos estudantes dos mais diversos níveis de aprendizagem, fato que a constitui
como abordagem didático-metodológico de grande significado cognitivo no processo de
ensino-aprendizagem dos conceitos físicos. De acordo com Braz e Fernandes (2009, p.01/02)
as Histórias em Quadrinhos podem ser utilizadas no ensino de física com diferentes objetivos
que podem abordar desde a correção de distorções conceituais, criação de situações problema,
desenvolvimento de perspectivas críticas da ciência até a promoção de processos criativos.
A potencialidade das Histórias em Quadrinhos pode ser atribuída a duas características
significativas da linguagem: a primeira é marcada por seu formato literário, formulada dentro
de contextos acessíveis, possibilitando uma leitura prazerosa e de fácil entendimento
(PIZARRO, 2009, p.02) e o segundo é marcado por sua proposta dual, que contempla o
desenvolvimento textual, associados a imagens gráficas. Assim, texto e imagem se
22783
complementam dentro do contexto apresentado, tornando-a uma linguagem extremamente
ampla, uma vez que:
Os dois sistemas envolvidos atuam em uma relação de complementaridade no contexto da HQ, sendo que o elemento linguístico escrito possui um amplo poder de representação no campo dos conceitos universais, enquanto que elemento icônico busca a representação dos objetos físicos, seus movimentos e sucessões. O texto incorporado ao Quadrinho tem o objetivo de indicar aquilo que a imagem não mostra, acrescentando elementos temporais e espaciais ao contexto pretendido, conseguindo estabelecer a união lógica das vinhetas e quadros. (TESTONI & ABIB, 2007, p.04).
Mas, mesmo sendo uma linguagem altamente significativa no desenvolvimento dos
conceitos físicos no contexto escolar, esta linguagem deve ser selecionada e desenvolvida em
sala de aula de forma cautelosa e criteriosa, afinal em sua grande maioria, este material de
mídia constitui um produto de mercado, sem necessariamente compromisso científico,
conceitual, didático e/ou metodológico. Logo esta proposta atribui ao professor a
responsabilidade da elaboração de um contexto que propicie a relação entre as Histórias em
Quadrinhos e o ambiente escolar. E esta relação é uma das grandes preocupações
evidenciadas quanto ao uso desta linguagem, pois a construção dos conhecimentos escolares
dentro desta abordagem deve evitar a corrente visão simplista de que as Histórias em
Quadrinhos constituem apenas uma ilustração lúdica e/ou motivadora da ciência, afinal:
Consideramos extremamente necessário apresentar formas de se aplicar as HQs em sala de aula, visto que, se apenas nos referíssemos aos saberes científicos contidos em cada história, não cumpriríamos o nosso intuito inicial, que é o de tecer possibilidades para o ensino de Ciências. Dessa forma, evidenciaremos que as HQs não são uma mera ilustração para se ensinar Ciências, mas podem permear toda a proposta didática (CARVALHO e MARTINS, 2009, p.135).
Logo o trabalho com Histórias em Quadrinhos constitui uma abordagem complexa que
deve ser planejada de acordo com objetivos pretendidos pelo professor, a fim de potencializar
todas as características positivas contidas nesta linguagem e evitar equívocos relacionados a
percepções distorcidas que atribuem à linguagem competências meramente lúdicas e/ou
motivadoras, que tendem a desvirtuar a proposta didática. As Histórias em Quadrinhos no
contexto escolar devem ser apresentadas como material didático de alto potencial que tem
como objetivo aproximar a linguagem do estudante à linguagem escolar.
22784
Processos de Autoria
A Análise do Discurso tem como objetivo a identificação da prática de linguagem,
onde esta linguagem não é transparente, pois expressa a interação entre o indivíduo, o
pensamento e o mundo que o rodeia (DIAS e ALMEIDA, 2010, p.54). Logo a base
fundamental da Análise do Discurso concentra-se no sentido empregado à palavra a partir das
bases de sua construção (MASSI e QUEIROZ, 2012, p.272/273). Neste contexto a Análise do
Discurso pode ser interpretada dentro de seu sentido mais restrito, que expressa o contexto
mais imediato do discurso elaborado ou pode considerar um sentido mais amplo, o qual inclui
o contexto sócio-histórico-ideológico do individuo que discursa, e neste segundo sentido é
que podemos identificar as características do indivíduo e seus processos de aprendizagem
(FERREIRA e QUEIROZ, 2011, p. 543).
Dentro dos processos que envolvem a Análise do Discurso, é de grande importância
ressaltar os processos de autoria que a permeiam, pois a função de autor destaca a sua função
de indivíduo que se expressa, afinal apenas o autor á capaz de atribuir sentidos e significados
a um dado contexto. E dentro desta perspectiva é necessário identificar os processos de
autoria baseados na repetição empírica, na repetição formal e na repetição histórica
(FERREIRA e QUEIROZ, 2011, p.544).
Assim estes três processos de repetição são definidas como:
a) A repetição empírica (mnemônica) que é a do efeito papagaio, só repete; b) A repetição formal (técnica) que é outro modo de dizer o mesmo; c) A repetição histórica, que é a que desloca a que permite o movimento porque historiciza o dizer e o sujeito, fazendo fluir o discurso, nos seus percursos, trabalhando o equívoco, a falha, atravessando as evidências do imaginário e fazendo o irrealizado irromper no já estabelecido. (ORLANDI, 2007, p.54)
No ensino de física, podemos interpretar a repetição empírica, com aquela em que o
estudante apenas reproduz aquilo que foi discursado pelo professor ou apresentado pelo
material didático trabalhado, a repetição formal, como aquela que explicita um exercício
gramatical, onde o estudante repete o que leu ou ouviu, mantendo o contexto, mas utilizando
uma estrutura mais próxima de seu desenvolvimento cognitivo, podendo ser entendida como a
releitura do fenômeno pelo estudante. A repetição histórica, por sua vez, retrata o que o
estudante compreendeu, exibindo as possíveis conexões existentes entre eventos explicitados
no ambiente escolar a eventos presentes no cotidiano do estudante, havendo assim uma
transposição do conhecimento da sala de aula para o mundo real. No entanto, devemos
22785
compreender que a identificação da repetição empírica e formal, mesmo não necessariamente
indicando um processo de autoria é de grande importância dentro de contextos escolares, pois
evidenciam o princípio de uma compreensão e/ou assimilação das linguagens características
das ciências naturais. Enquanto que a repetição histórica não expressa apenas um processo de
autoria, mas sim o desenvolvimento de uma aprendizagem significativa dos conceitos
desenvolvidos (MASSI e QUEIROZ, 2012, p.274).
Metodologia
Este estudo foi desenvolvido em duas turmas de um curso de pedagogia em um
conjunto de quatro horas-aula. O primeiro objetivo deste estudo foi desenvolver aulas de
física utilizando Histórias em Quadrinhos como material didático e o segundo foi apresentar a
construção de Histórias em Quadrinhos como método avaliativo. Assim, este projeto contou
com três abordagens distintas: a primeira apresentou uma História em Quadrinhos contendo
15 cenas. A segunda contou com um conjunto de quatro pequenas Histórias em Quadrinhos
(Tirinhas) contendo três cenas cada, onde nenhuma delas continha título e a terceira
abordagem foi destinada a avaliação do que o grupo aprendeu significativamente, a partir da
construção de pequenas Histórias em Quadrinhos (Tirinhas) utilizando um site destinado a
este tipo de atividade. Na sequência cada uma das abordagens será explicitada com detalhes.
Primeira abordagem: Histórias em Quadrinhos como Material Didático
Esta primeira etapa contou com uma História em Quadrinhos contendo 15 cenas e
intitulada “Conservação e Transformação de Energia”, conforme consta na Figura 1. Este
material apresentou os conceitos de Energia, Conservação de Energia, Transformação de
Energia, Formas de Energia presentes na natureza, Energias Dissipativas e um exemplo de
como estes eventos podem ser identificados em nosso cotidiano. No momento inicial da aula
foi apresentado o material didático e anunciado o tema central tratado na História em
Quadrinhos. Foi entregue uma cópia do material para cada um dos estudantes e solicitado que
efetuassem uma leitura silenciosa e individual. Quando a leitura individual foi finalizada duas
questões foram apresentadas, como intuito direcionar o desenvolvimento da aula e analisar a
as concepções estabelecidas pelos estudantes a respeito do recurso didático.
22786
Figura 1 – História em Quadrinhos apresentada na primeira abordagem Fonte: Organizado pelos autores, 2012, disponibilizado em <http://Pixton.com/hq:p8l6u6zn, http://Pixton.com/hq:b8kj2ife, http://www.pixton.com/br/comic/7v426upv>.
22787
Questão 01- Liste todos os conceitos físicos que não foram completamente
compreendidos com a leitura da História em Quadrinhos sobre Conservação e Transformação
de Energia.
Questão 02- Desenvolva um pequeno texto que expresse suas impressões a respeito da
proposta didático-metodológica que associa conteúdos de física a uma História em
Quadrinhos dentro de um contexto formal de ensino.
A questão 01 serviu de base para o desenvolvimento da aula, pois todo processo de
exposição conceitual foi arquitetado com base nas dúvidas apresentadas pelo grupo, assim
todos os conceitos presentes no material didático foram aprofundados em sala de aula, como o
conceito central, a definição conceitual e exemplificação cotidiana de cada energia citada,
finalizando com uma discussão a respeito das energias dissipativas. Enquanto a questão 02
serviu de base inicial para o tópico relacionado às análises apresentadas a seguir.
Segunda abordagem: Histórias em Quadrinhos como Material Didático
Esta etapa apresentou um conjunto de quatro pequenas Histórias em Quadrinhos
(Tirinhas) contendo três cenas cada, que não estavam intituladas, apenas identificadas com
números. Quanto ao tema, cada uma delas tratava de uma forma de produção de Energia
Elétrica. Enquanto a primeira abordava os processos envolvidos em uma Usina Hidroelétrica,
a segunda focava processos envolvidos em uma Usina Termoelétrica, a terceira discutia os
processos envolvidos em uma Usina Eólica e a quarta descrevia os processos característicos
de Usinas Solares, conforme pode ser observado na Figura 02.
Foi novamente entregue uma cópia do material didático para cada um dos estudantes,
sem tecer qualquer comentário sobre a temática ou os conceitos físicos envolvidos em cada
tirinha. Foi solicitado que o grupo desenvolvesse a leitura de cada uma das Tirinhas e lhes
atribuísse um título. Com base nos títulos apresentados pelo grupo, foi desenvolvida uma
leitura dirigida e em voz alta que tinha como propósito identificar todas as formas de energias
descritas em cada uma, quais os processos de transformação de energia evidenciados, a ordem
como os processos de transformação se davam, finalizando com uma comparação
esquemática que evidenciava os processos de transformação de energia que se repetiam e as
características específicas de cada uma das usinas.
22788
Figura 2 – Pequenas Histórias em Quadrinhos (Tirinhas) utilizadas na segunda abordagem Fonte: Organizado pelos autores, 2012, disponibilizado em <http://Pixton.com/hq:6wdrqmdf, http://Pixton.com/hq:9wncvgjz, http://Pixton.com/hq:kwe03dfc, http://Pixton.com/hq:p00kbgw1>.
Terceira abordagem: Histórias em Quadrinhos como Forma Avaliativa
A terceira abordagem teve como objetivo apresentar o contexto de produção de
Histórias em Quadrinhos como uma proposta avaliativa. Para esta aula, o grupo foi
encaminhado para a sala de informática, na qual os estudantes foram apresentados a um site
destinado a construção de Histórias em Quadrinhos e receberam instruções de como utilizar
22789
as ferramentas disponibilizadas. Em seguida foi solicitado que escolhessem um dos conceitos
desenvolvidos nas duas abordagens anteriores e confeccionassem uma pequena História em
Quadrinhos contendo três cenas (Tirinha). A atividade poderia ser desenvolvida
individualmente, em duplas ou em trios. Quando finalizadas, as Tirinhas foram publicadas no
site para acesso público. Ao final da abordagem, foram produzidas vinte e oito Tirinhas.
Análise
Os resultados apresentados são consequência direta da análise das produções dos
estudantes na primeira, segunda e terceira abordagem. Na primeira abordagem analisam-se as
percepções dos estudantes a respeito da utilização das Histórias em Quadrinhos no contexto
escolar. Na segunda e terceira abordagens evidenciaram-se os processos de repetição
elaborados pelos futuros professores no contexto de aprendizagem dos conceitos físicos.
Análise das Questões Propostas
No contexto deste trabalho, serão tecidas reflexões sobre as respostas à Questão 02, a
partir da qual duas posturas distintas puderam sem observadas: A primeira postura refere-se
aos significados que os Estudantes Participantes (EP) atribuíram às Histórias em Quadrinhos:
de recurso de caráter lúdico e/ou motivador no contexto de ensino-aprendizagem. São
exemplos as seguintes falas desenvolvidas:
A linguagem ajuda por ser um jeito lúdico de apresentar o conteúdo (EP-01, 2012). Acredito que a linguagem em si é interessante para chamar a atenção (EP-02, 2012). O material pode ser interessante, no entanto, só para chamar atenção (EP-03, 2012).
A segunda postura adotada pelos EP evidencia que estes atribuem grande importância
ao papel do professor no desenvolvimento das articulações necessárias entre as linguagens
diferenciadas e os indivíduos que aprendem, conforme indicam algumas falas:
Para melhor entendimento dos alunos, o professor terá que abordar melhor os tipos de Energia (EP-04, 2012). Todos os elementos citados devem ser explorados pelo professor (EP-05, 2012). Acredito ser fundamental a intervenção do professor, durante ou após a leitura da história (EP-06, 2012).
Assim pudemos observar posturas distintas: quando o grupo se coloca no papel de
estudantes em contato com um contexto de aprendizagem diferenciado, estes leram a História
em Quadrinhos, formularam e apresentaram dúvidas relevantes ao contexto formal de ensino,
22790
onde atribuíram significados ao recurso durante a intervenção do professor. Mas quando
questionados a se posicionarem partir da perspectiva de futuros professores em contato com
uma metodologia e materiais didáticos diferenciados, parte do grupo interpretou o recurso sob
uma perspectiva lúdica e/ou motivadora, não como material didático, mas como material
ilustrativo ou complementar.
Análise do Processo de Intitulação das Tirinhas:
As análises concentraram-se na pequena parcela do grupo participante que
desenvolveu a atividade, que tinha como proposta atribuir títulos às Tirinhas que tratavam da
diferentes usinas produtoras de energia elétrica. O processo de análise dos títulos teve como
base os processos de repetição empírica, formal e histórica.
Os títulos classificados dentro do processo de repetição empírica utilizaram frases que
pertenciam à Tirinha, neste contexto houve apenas um processo extração e reprodução literal
de conteúdos. Os títulos que foram classificados dentro do processo de repetição formal
utilizaram o nome da usina apresentada, associada a complementações extraídas do enredo da
tirinha. E os títulos classificados na concepção de repetição histórica, apresentaram de forma
explícita elemento do cotidiano do Estudante como exemplificam dados do Quadro 1:
Forma de Repetição Incidência de Repetição Exemplos de Títulos Produzidos Repetição Empírica 30 Energia Elétrica pelas Águas (EP-07)
Energia Elétrica por Combustão (EP-08) Energia Elétrica pelos Ventos (EP-09) Energia Elétrica pelo Sol (EP-10)
Repetição Formal 26 Hidroelétrica: A aflição do adolescente (EP-11) Termoelétrica: Não à energia por Combustão (EP-12) Eólica: Soprando Energia (EP-13) Solar: O sol que me Aquece (EP-14)
Repetição Histórica 20 Águas para que te quero (EP-15) Caindo na Real (EP-16) O Sopro da Energia Cinética (EP- 17) O Sol está ali e a Energia Também (EP-18)
TOTAL DE INCIDÊNCIA DE REPETIÇÃO 76 Quadro 1 – Exemplos de títulos inseridos nos processos de repetição Fonte: Dados organizados pelos autores, com base na atividade de intitulação desenvolvida pelos estudantes.
No processo de intitulamento, cada aluno formulou quatro títulos distintos, um para
cada Tirinha e neste processo, foi identificado que a repetição empírica foi a mais recorrente,
mas não houve a adoção de um formato único de autoria, pois na elaboração desta atividade
houveram situações em que um único individuo desenvolveu os três processos de repetição.
22791
Análise das Histórias em Quadrinhos Produzidas:
A proposta de produção de Histórias em Quadrinhos teve o intuito de analisar a
apropriação do conhecimento através da análise do discurso desenvolvido na elaboração de
uma atividade de criação envolvendo conceitos físicos e apresentar aos estudantes, prováveis
futuros professores, uma proposta avaliativa diferenciada a ser inserida em sala de aula. Das
duas turmas participantes foi obtido um total de 28 Tirinhas, das quais 25 abordaram os
conceitos físicos apresentados e 03 abordaram temas aleatórios. Para esta análise foram
consideradas as 25 tirinhas que abordaram a proposta apresentada, estas foram categorizadas
de acordo com o processo de repetição evidenciado, identificando o número de tirinhas em
cada forma de repetição (empírica, formal ou histórica), como mostra a Tabela 1:
Tabela 1 - Quantificação dos Processos de Repetição
Forma de Repetição Número de Tirinhas Repetição Empírica 07 Repetição Formal 10 Repetição Histórica 08 TOTAL 25 Fonte: Dados organizados pelos autores, com base nas tirinhas produzidas pelos estudantes.
As 25 Tirinhas selecionadas foram analisadas de acordo com o processo de autoria,
explicitando se os processos de repetição se deram em caráter empírico, formal ou histórico.
As tirinhas consideradas dentro do processo de Repetição Empírica tiveram como
característica comum à extração e reprodução literal de frases contidas no recurso didático
apresentado ou discurso do professor, conforme apresentam as Figura 3 e Figura 4:
Figura 3– História em Quadrinhos centrada na Repetição Empírica; Fonte: Produzido por EP-19 e EP-20, 2012, disponível em <http://Pixton.com/hq:w1l2yglr>.
22792
Figura 4– História em Quadrinhos centrada na Repetição Empírica; Fonte: Produzido por EP-21 e EP-22, 2012, disponibilizado em < http://Pixton.com/hq:w1l2yglr >.
Também foi identificado, nas produções, o processo de Repetição Formal, que foi
definido, dentro deste contexto, como um processo de repetição calcado no recurso didático
ou em abordagens apresentadas em sala de aula, ambas associados a elementos trazidos da
realidade cultural dos indivíduos envolvidos, conforme exemplificam as Figura 5 e Figura 6:
Figura 5 – História em Quadrinhos centrada na Repetição Formal; Fonte: Produzido por EP-23, EP-11 e EP-17, 2012, disponibilizado em <http://Pixton.com/hq:wkza6y73>.
Figura 6 – História em Quadrinhos centrada na Repetição Formal; Fonte: Produzido EP-24 e EP-06, disponibilizado em <http://Pixton.com/hq:03koy46i>.
22793
Finalmente, também foi identificado nas produções, a Repetição Histórica, onde as
Tirinhas consideradas dentro desta forma de repetição apresentaram diálogos e situações
calcadas em processos interpretativos e ocorreram independentemente do material didático
apresentado, ou contextos desenvolvidos em sala de aula. A característica mais mercante
deste processo foi a identificação do indivíduo como aquele que atribui significado a um dado
contexto, sem abandonar o contexto original, conforme denotam a Figura 7 e Figura 8:
Figura 7– História em Quadrinhos centrada na Repetição Histórica; Fonte: Produzido por EP-25 e EP-16, 2012, disponibilizado em http://Pixton.com/hq:8pxdhyyw
Figura 8– História em Quadrinhos centrada na Repetição Histórica; Fonte: Produzido por EP-26 e EP-27, 2012, disponibilizado em <http://Pixton.com/hq:diglxcvm>.
Os resultados evidenciam as possibilidades de produção de conhecimento e a
potencialidade do uso de linguagens diferenciadas no processo de ensino-aprendizagem dos
conteúdos escolares, pois tanto a proposta de atribuição de títulos, quanto à proposta de
confecção de Tirinhas exemplificaram a dificuldade que os estudantes têm ao desenvolver
atividades que envolvem conceitos físicos e processos de criação. Isso indica o quanto o
ensino de ciências é interpretado como a partir de uma perspectiva estática e desvinculada do
contexto de produção humana em constante mudança.
22794
Quanto à confecção das Tirinhas, podemos perceber que a parcela do grupo
circunscrito a processos de repetição empírica, desenvolveu um processo de apropriação do
discurso científico, mesmo que de forma ainda condicionada ao discurso do material
didático/professor/ciência. Talvez isso ocorra devido à concepção da física como uma ciência
que não permite a interpretação, mas apenas a reprodução. As Tirinhas desenvolvidas a partir
de processos de repetição formal são as mais evidenciadas entre o grupo, de forma que
podemos concluir que esta parcela está em um processo de maturação do discurso científico.
É importante ressaltar que tanto a repetição empírica quanto a formal não estão aqui sendo
descartadas ou subestimadas no processo de ensino-aprendizagem, mas são entendidas como
etapas intermediárias da apropriação do conhecimento que devem se superadas a fim de que
estes indivíduos aprendam significativamente os conceitos apresentados e consequentemente
desenvolvam os processos de autoria calcados na repetição histórica.
Considerações Finais
Este estudo teve por objetivo analisar as potencialidades das Histórias em Quadrinhos,
como material didático significativo no ensino de física, onde o uso da linguagem criativa se
faz fundamental no desenvolvimento e aperfeiçoamento do discurso. A partir deste estudo
pôde-se evidenciar que linguagens centradas em processos criativos potencializam o
desenvolvimento de atividades centradas na repetição formal e histórica, como pode ser
evidenciado na etapa envolvendo a produção de Tirinhas de física. Logo, como linguagem
mediadora, a História em Quadrinhos, quando bem articuladas dentro do ambiente formal de
ensino, pode potencializar o processo de aprendizagem significativa dos conceitos físicos,
afinal a confecção de Histórias em Quadrinhos exige dos estudantes que articule os conceitos
compreendidos a um dado contexto que pode ser desde o apresentado em sala de aula até
aqueles trazidos pelos estudantes. Contudo, este estudo também revela um ponto que pode
dificultar a utilização das Histórias em Quadrinhos em sala de aula, e está ligado ao
imaginário dos professores de que esta linguagem não se materializa como recurso didático,
mas sim como material lúdico, motivador ou complementar, assim dispensável dentro de uma
abordagem formal de ensino. O que consequentemente pode limitar a proposta, pois não
identifica que o significado desta linguagem não está no material, mas sim no significado
atribuído pelos indivíduos escolares que interagem com e através desta linguagem.
22795
REFERÊNCIAS
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio- Parte III: Ciências da Natureza, Matemática de suas Tecnologias, MEC, Brasília. 1999.
BRAZ, K. M.; FERNANDES, S.A. História em Quadrinhos: Um Recurso Didático para as Aulas de Física, 2009. Trabalho apresentado XVIII Simpósio Nacional de Ensino de Física. Vitória, ES. 2009.
CARVALHO, L. S.; MARTINS, A. F. P. Os Quadrinhos nas Aulas de Ciências Naturais: Uma História Que Não Está no Gibi. Revista Educação em Questão, Natal, v. 35, n. 21, p. 120-145, mai/ago. 2009.
DIAS, R. H. A.; ALMEIDA, M. J. P. M. A Repetição em Interpretações de Licenciandos em Física ao Lerem as Revistas Ciência Hoje e Pesquisa FAPESP. Revista Ensaio, Belo Horizonte, v.12, n.03, p.51-64, set/dez, 2010.
FERREIRA, L. N. A.; QUEIROZ, S. L. Autoria no Ensino de Química: Análise de Textos Escritos por Alunos de Graduação. Ciência & Educação, v. 17, n. 3, p. 541-558, 2011.
MATURANA, R. H. Cognição, ciência e vida cotidiana. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001.
MATURANA, R. H. Emoções e Linguagem na Educação e na Política. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.
MASSI, L.; QUEIROZ, S. L. Investigando Processos de Autoria na Produção do Relatório de Iniciação Científica de um Graduando em Química. Ciência & Educação, v. 18, n. 2, p. 271-290, 2012.
MOREIRA, M. A. Linguagem e Aprendizagem Significativa, 2003. Trabalho apresentado IV Encontro Nacional sobre a Aprendizagem Significativa. Maragogi, AL. 2003.
MOREIRA, M. A. O que é a aprendizagem significativa? In: MOREIRA, M. A (Org.) Aprendizagem Significativa: a teoria e textos complementares. São Paulo: Ed. Livraria da Física, 2012. p.13-55.
ORLANDI, E. P. A Análise de discurso: Princípios e Procedimentos. Campinas, São Paulo: Ed. Pontes, 2007.
TESTONI, L. A.; ABIB, M. L. V. dos S. A Utilização de Histórias em Quadrinhos no Ensino De Física, 2007. Trabalho apresentado IV Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. Florianópolis, SC. 2007.