MRCIO ALEXANDRE DIRIO MENEGAZZO
IMPLANTAO DE INDICAES GEOGRFICAS (IG): CASO
DA INDICAO DE PROCEDNCIA MARACAJU PARA O
PRODUTO LINGUIA
UNIVERSIDADE CATLICA DOM BOSCO
PR-REITORIA DE PESQUISA E PS-GRADUAO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DESENVOLVIMENTO LOCAL
MESTRADO ACADMICO CAMPO GRANDE - MS
2015
MRCIO ALEXANDRE DIRIO MENEGAZZO
IMPLANTAO DE INDICAES GEOGRFICAS (IG): CASO
DA INDICAO DE PROCEDNCIA MARACAJU PARA O
PRODUTO LINGUIA
Dissertao apresentado Banca Examinadora do Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Local, Mestrado Acadmico, da Universidade Catlica Dom Bosco, como requisito parcial para obteno do ttulo de MESTRE em Desenvolvimento Local. Orientador: Prof. Dr. Olivier Franois Vilpoux
UNIVERSIDADE CATLICA DOM BOSCO PR-REITORIA DE PESQUISA E PS-GRADUAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DESENVOLVIMENTO LOCAL MESTRADO ACADMICO
CAMPO GRANDE - MS 2015
FOLHA DE APROVAO
Ttulo: Implantao de Indicaes Geogrficas (IG). Caso da indicao de
procedncia Maracaju para o produto linguia
rea de Concentrao: Desenvolvimento Local em contexto de territorialidades Linha de Pesquisa: Desenvolvimento Local: Sistemas Produtivos, Inovao, Governana Dissertao submetida Comisso Examinadora designada pelo Colegiado do
Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Local - Mestrado Acadmico da
Universidade Catlica Dom Bosco, como requisito parcial para a obteno do ttulo
de Mestre em Desenvolvimento Local.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________ Orientador: Prof. Dr. Olivier Franois Vilpoux
Universidade Catlica Dom Bosco
________________________________________
________________________________________
DEDICATRIA
Dedico este Mestrado ao meu grande amor Evelyn
e aos meus filhos Gabriel e Yasmin, combustveis
de meu viver.
AGRADECIMENTOS
A Deus pelo seu sopro de vida.
A minha esposa Evelyn Bernardes Fonseca Menegazzo q d forma
especial carinhosa m d fora coragem, m apoiando ns momentos d
dificuldades, agradeo tambm os meus filhos, Gabriel Yasmin, q embora n
tivessem conhecimento disto, ms iluminaram d maneira especial s meus
pensamentos m levando buscar mais conhecimentos.
Ao meu pai Jos Benjamim Menegazzo (in memoriam), que onde quer
que esteja, nunca deixou de confiar em mim. A minha me Marilda e aos meus
irmos Ricardo e Andr com quem partilho este momento.
Ao meu orientador Professor Dr. Olivier Franois Vilpoux, e a Professora
Dra. Maria Augusta de Castilho pr seus ensinamentos, pacincia confiana
longo ds supervises ds minhas atividades q m ajudaram concluir esta
dissertao.
A todos s professores, colegas e funcionrios d curso, q foram
importantes nesta parte de minha vida acadmica n desenvolvimento dst
dissertao.
A Coordenao de Indicao Geogrfica do Ministrio da Agricultura
Pecuria e Abastecimento, representada pela colega Beatriz de Assis Junqueira, ao
Superintendente Federal de Agricultura de MS Orlando Baez, e ao chefe da Diviso
Celso de Souza Martins, que diretamente me incentivaram e viabilizaram minha
participao neste mestrado, assim como aos meus colegas da Superintendncia
Federal de Agricultura de Mato Grosso do Sul pelo ambiente harmonioso e
colaborativo na realizao desta dissertao.
Aos produtores da Linguia de Maracaju pelo acolhimento, convvio,
cultura e informaes transmitidas para a constituio desta composio.
E a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha dissertao,
o meu muito obrigado.
RESUMO
A Indicao Geogrfica conceituada como um produto com qualidade vinculado a
origem e pode representar uma importante ferramenta para a agregao de valor,
aumento da renda, acesso a mercados e desenvolvimento local. Com o consumidor
cada vez mais preocupado com aspectos de qualidade e origem do produto,
respeitando a cultura das pessoas do local de produo e a sua identidade, e diante
da necessidade de adequao dos sistemas produtivos agroalimentares com
agregao de valor e dinamizao do potencial endgeno dos territrios, se objetiva
neste trabalho verificar a possibilidade de implantar uma Indicao Geogrfica (IG)
no Centro-Oeste do Brasil, mais especificamente a produo de linguia de
Maracaju. Desta maneira o trabalho dividido na conceituao das Indicaes
Geogrficas conforme so internalizadas na Europa e no Brasil, a sua manifestao
na Europa e sua evoluo legislativa internacional. abordada a produo da
linguia de Maracaju, descrevendo a origem do produto e a regio de produo. A
pesquisa foi desenvolvida atravs de abordagem qualitativa, adotando-se o mtodo
cientfico com estratgia de pesquisa baseada em estudo de caso. Ainda foi utilizada
a metodologia de pesquisa-ao que traz uma relao entre os pesquisadores e
pessoas envolvidas no estudo da realidade. A coleta de dados tem por referncia as
legislaes do Brasil, Frana e Comunidade Europeia. A obteno dos dados de
campo foi feita a partir de pesquisa-ao e de entrevistas semi-direcionadas com
questes abertas junto aos atores locais. Os resultados evidenciam a existncia de
um produto com reputao estabelecida com recursos locais suficientes para uma
Indicao de Procedncia e representada por uma coletividade legitima do territrio.
Ao mesmo tempo h que se melhorar os processos cooperativos e de interao
entre os atores locais e as instituies com polticas pblicas convergentes para o
sistema da Indicao Geogrfica. A anlise evidenciou a necessidade de uma
melhor definio das aes pblicas, juntamente com maior motivao e
mobilizao dos atores locais em torno de uma viso compartilhada para alm da
proteo e promoo de um produto e de sua regio, mas tambm para o acesso a
novos mercados, e a potencializao dos ativos do territrio para o efetivo
desenvolvimento local.
Palavras-Chave: Indicaes Geogrficas, Desenvolvimento Local, Linguia,
Maracaju, Polticas Pblicas
ABSTRACT
The Geographical Indication is conceptualized as a product with quality bound to the
origin and may represent an important tool for adding value, increasing income,
marts accessing and local development. With end users who are getting more and
more concerned about the quality features and the product origination, respecting the
culture of the people from the production place and their identity, and facing the need
of adapting the agrifood production systems with value aggregation and promotion of
the endogenous potential of territories, this papers aim is to verify the possibility to
implement a Geographical Indication (GI) in Brazils Middle West, specifically the
production of Maracaju Sausage. Thus, the paper is divided by the conceptualization
of the Geographical Indications as long as they are internalized in Europe and Brazil,
its expression in Europe and its international legislative developing. The Maracaju
sausage production is approached describing the product origination and the
production region. The research was developed through qualitative approach,
embracing the scientific method with research strategy based on case study.
Furthermore, was resorted the method of research-action, which brings a relation
between the tracers and people who are involved with the reality study. The data
collect has as reference the laws of Brazil, France and European Community. The
obtainment of the field data was made through research-action and semi-directed
interviews with open questions together with the local agents. The results evince the
existence of a product with established reputation with enough local resources for an
Origination Indication and represented by a legitimate collectivity of the territory. In
the meantime, it has to be developed the cooperative processes and, also, the
processes of interaction between the local agents and the institutions with public
policy converging to the Geographical Indication system. The analysis evinced the
need of a better definition for the public actions, together with bigger motivation and
mobilization of the local agents around a shared view for not only the protection and
promotion of a product and its region, but also the access to new marts, and the
potentiation of the territory agents for the effective local development.
Key-words: Geographical Indications, local development, sausage, Maracaju,
public policy
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Smbolos europeus de Indicaes Geogrficas ................................... 22
Figura 2 - Smbolo Francs da L'Appellation d'Origine Contrle ........................ 23
Figura 3 - Material promocional dos smbolos oficiais de qualidade e de origem
na Frana ............................................................................................. 27
Figura 4 - Fluxograma do processo registro nacional para IG na Frana ............. 45
Figura 5 - Porcentagem de IG brasileiras por regio registradas no INPI ............ 55
Figura 6 - Fluxograma da Metodologia de trabalho do MAPA .............................. 56
Figura 7 - Destino das vendas de IGs europeus em 2010, em percentagem ....... 59
Figura 8 - Distribuio, em percentagem do faturamento das IGs na Frana e
na Itlia, por tipo de produto, em 2010 ................................................. 60
Figura 9 - Porcentagem de IGs em relao ao total na Europa e ao valor que
representa nas vendas nacionais ......................................................... 60
Figura 10 - Interao entre pessoas, produto e o territrio ..................................... 63
Figura 11 - Crculo virtuoso da qualidade vinculada a origem ................................ 64
Figura 12 - Cadeia produtiva da linguia de Maracaju ........................................... 89
Figura 13 - Logo da IP MARACAJU para o produto Linguia ................................. 93
Figura 14 - Laranja azeda ....................................................................................... 97
Figura 15 - O formato espiral caracterstico da linguia de Maracaju. .................... 98
Figura 16 - Logotipo da APTRALMAR .................................................................... 101
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 - Ocupao do territrio no perodo colonial...................................................... 68
Mapa 2 - Migraes para o sul de Mato Grosso nos sculos XIX e XX ....................... 71
Mapa 3 - Territrio Federal de Ponta Por, no ano de 1943 ...................................... 73
Mapa 4 - Localizao geogrfica de Maracaju .............................................................. 94
Mapa 5 - Delimitao Geogrfica da IP Maracaju ..................................................... 95
LISTA DE FOTOS
Foto 1 - Processo de secagem durante a festa da Linguia de Maracaju ................ 76
Foto 2 - Linguia com 31 metros de tripa ................................................................. 77
Foto 3 - Entrada de Maracaju faz referncia a Linguia, smbolo do municpio........ 78
LISTA DE AVREVIATURAS E SIGLAS
ADPIC - Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o
Comrcio
AGRAER - Agncia de Desenvolvimento Agrrio e Extenso Rural de Mato
Grosso do Sul
AOC - Appellation dOrigine Contrle
CAN - Comunidade Andina de Naes
CE - Comunidade Europeia
CIG - Coordenao de Incentivo Indicao Geogrfica de Produtos
Agropecurios
CUP - Conveno Unio de Paris
DO - Denominao de Origem
DOC - Denominazione di Origine Controllata
DOCG - Denominazione di Origine Controllata e Garantita
DOP - Denominao de Origem Protegida
EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria
FAO - Food and Agriculture Organization of the United Nations
GATT - General Agreement on Tariffs and Trade
IG - Indicao Geogrfica
IGP - Indicao Geogrfica Protegida
IGT - Indicazione Geogrfica Tipica
INAO - Institut National des Appellations
INPI - Instituto Nacional de Propriedade Industrial
INSEE - Institut National de La Statistique et Des tudes conomiques
IP - Indicao de Procedncia
MAPA - Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento
MERCOSUL - Mercado Comum do Sul
NAFTA - Tratado de Livre Comrcio de Amrica do Norte
OCDE - Organizao de Cooperao e de Desenvolvimento Econmico
ODG - Organizao de Defesa e Gesto
OGM - Organismos Geneticamente Modificados
OMC - Organizao Mundial do Comrcio
OMPI - Organizao Mundial da Propriedade Intelectual
PAC - Poltica Agrcola Comum
QbA - Qualittswein bestimmter Anbaugebiete
QmP - Qualittswein mit Prdikat
SAU - Superfcie Agrcola Utilizada
SDC - Secretaria de Desenvolvimento Agropecurio e Cooperativismo
SEBRAE - Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas
SIM - Servio de Inspeo Municipal
SIMM - Servio de Inspeo Municipal de Maracaju
SIQO - Signos de Identificao de Qualidade de Origem
SISBI-POA - Sistema Brasileiro de Inspeo de Produtos de Origem Animal
SUASA - Sistema Unificado de Ateno a Sanidade Agropecuria
TRIPS - Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights
UE - Unio Europeia
USPTO - The United States Patent and Trademark Office
WTO - World Trade Organization
SUMRIO
1 INTRODUO ..................................................................................................... 14
1.1 Objetivos ....................................................................................................... 17
1.2 Estrutura do trabalho ................................................................................... 19
2 REVISO BIBLIOGRFICA ................................................................................ 20
2.1 Indicao Geogrfica - IG ............................................................................. 20
2.1.1 Apresentao geral das IGs ................................................................... 20
2.1.2 Experincia francesa em Indicaes Geogrficas ................................. 25
2.1.3 IGs na Unio Europeia ........................................................................... 29
2.1.4 A contraposio ao sistema IG .............................................................. 34
2.2 Legislaes sobre Indicaes Geogrficas ............................................... 38
2.2.1 Legislao Internacional ........................................................................ 38
2.2.2 Processo de obteno do registro na Europa ........................................ 44
2.2.3 Indicaes geogrficas no Brasil ........................................................... 51
2.3 Valor da produo agrcola com DOP na Europa ...................................... 58
2.4 Desenvolvimento local e Indicaes Geogrficas ..................................... 61
3 INDICAO DE PROCEDNCIA MARACAJU - PRODUTO LINGUIA .......... 67
3.1 O Mato Grosso do Sul .................................................................................. 67
3.2 O municpio de Maracaju ............................................................................. 72
3.3 Origem da produo da linguia ................................................................. 74
3.4 Produo da Linguia de Maracaju ............................................................. 75
4 METODOLOGIA ................................................................................................... 79
4.1 Mtodo de pesquisa ..................................................................................... 79
4.2 Coleta de dados ............................................................................................ 80
4.3 Variveis abordadas na pesquisa ............................................................... 81
5 ANLISE DOS RESULTADOS ............................................................................ 83
5.1 Arranjos necessrios para a implantao da IG Maracaju para o
produto linguia ............................................................................................ 83
5.1.1 Implantao da IG Maracaju para o produto linguia e atores
envolvidos ................................................................................................ 83
5.1.1.1 Aes para apresentao do dossi ao INPI.............................. 84
5.1.1.2 Sistema agroindustrial (SAG) da linguia de Maracaju .............. 86
5.1.2 Relao entre atores ............................................................................. 90
5.1.3 Regras de organizao da produo de linguia .................................. 92
5.2 Caractersticas necessrias para a implantao de uma IG na
modalidade de Indicao de Procedncia .................................................. 98
5.2.1 Presena de reputao / notoriedade ..................................................... 99
5.2.2 A coletividade representada pela APTRALMAR .................................... 100
5.3 Implantao de uma Indicao Geogrfica (IG).......................................... 105
5.3.1 Polticas Pblicas ................................................................................... 105
5.3.1.1 Aspectos Gerais ........................................................................ 105
5.3.1.2 Polticas pblicas na implantao da IG da linguia de
Maracaju .................................................................................... 110
5.3.2 Coletividade na implantao da IG da linguia de Maracaju ................. 113
CONSIDERAES FINAIS ....................................................................................117
REFERNCIAS ....................................................................................................... 119
1 INTRODUO
Nas ltimas dcadas a globalizao crescente da economia mundial
aumentou o fluxo de bens entre os pases. O comrcio internacional se beneficiou
com a queda das barreiras tarifrias e no-tarifrias e pelos processos acelerados
de inovao, que permitiram a reduo dos custos de produo, com a entrada
continua no mercado de produtos padronizados e de baixo custo.
A globalizao do mercado acompanha um processo de fuses e
aquisies no setor do varejo, o que leva, em muitos pases, concentrao da
distribuio dos alimentos em poucas redes de supermercados e reduo do
nmero de fornecedores para cada produto. Essa evoluo impacta negativamente
sobre os pequenos produtores. Ao mesmo tempo, esse processo favorece o
consumidor, pois democratiza o consumo pela possibilidade de acesso a produtos
mais baratos, em funo de ganhos de escala, e em uma maior variedade (SATO,
2009).
A globalizao tambm tem contribudo com a chegada de novos
alimentos, seja pelos fluxos migratrios, seja pelo transito internacional de alimentos.
Navarro (2005) cita o caso da Espanha, onde surgira novos canais especficos de
consumo em segmentos especializados, como produtos da terra, produtos locais e
produtos gourmets, bem como a exaltao dos produtos tradicionais de outros
pases. Este exemplo reforado por Martins (2009), ao afirmar que em Portugal as
prticas alimentares originrias de outros pases ocasionaram uma maior
disponibilidade e diversidade de produtos agroalimentares.
Concomitantemente, a busca pela melhoria da qualidade de vida por
parte dos consumidores orienta na escolha de produtos saudveis, naturais,
orgnicos ou agroecolgicos e com certificaes de qualidade. A sustentabilidade
ambiental, aliada a responsabilidade social e informaes completas dos produtos
nas rotulagens so cada vez mais exigidas pelos consumidores. Sato (2009)
15
ressalta que na mudana de perfil do consumo, as tendncias caminham para uma
maior exigncia na qualidade dos produtos agroalimentares, com valorizao
crescente da rastreabilidade, que d acesso as informaes de origem dos
processos sofridos pelo alimento, dos impactos ambientais ou sociais na produo e
dos efeitos da ingesto deste alimento sobre a sade.
Neste contexto, a produo e o consumo de alimentos desenvolvem-se
sob duas tendncias: a "estandardizao" e a diferenciao. A primeira
impulsionada pela economia de escala na produo dos alimentos e a
comercializao de massa. A diferenciao, como antagnica ao movimento da
"estandardizao", busca dar caractersticas de identidade pela origem do produto e
de qualidade construda em espaos territoriais especficos por meio da participao
de atores sociais locais (SATO, 2009). Bourdain (2001), no contexto da
mundializao, imagina o local como o antnimo do global, o lugar de resistncia.
Produtos com protocolos de produo bem estabelecidos ganham cada
vez mais espao, com maior credibilidade junto aos clientes e melhor acesso a
novos mercados. Como consequncia do desenvolvimento de um consumo
qualitativo, o mercado tem que oferecer produtos que atendem aos novos desejos e
necessidades do consumidor. Desta maneira, abre-se a necessidade de adequao
dos sistemas produtivos agroalimentares.
De acordo com Van der Ploeg et al. (2000), a modernizao da
agricultura, principal ferramenta para elevar a renda e o desenvolvimento das
comunidades rurais, est se transformando em desenvolvimento rural, no qual se
busca um novo modelo para o setor agrcola, com novos objetivos como a produo
de bens pblicos (paisagem), a busca de sinergias com os ecossistemas locais, a
valorizao das economias de variedades em detrimento das economias de escala,
a pluriatividade1 das famlias rurais, entre outros.
O desenvolvimento rural moderno implica na criao de novos produtos e
novos servios, associados a novos mercados. Essa estratgia tenta reconstruir a
agricultura no apenas no nvel dos estabelecimentos, mas em termos regionais e
da economia rural como um todo, representando sada para as limitaes e falta de
perspectiva frente ao paradigma da modernizao e do produtivismo (VAN DER
PLOEG et al., 2000).
1 A pluriatividade consiste na diversificao das atividades, inclusive no agrcolas.
16
Veiga (2002) chega na mesma concluso e escreve que a crescente
exposio ao comrcio internacional e a acelerao do progresso tecnolgico
tornam necessrias mudanas estruturais para o desenvolvimento de regies menos
dinmicas. O autor identifica a necessidade de passar pela abordagem territorial
para encontrar algumas das respostas para estas mudanas.
De acordo com Veiga (2002), a Organizao de Cooperao e de
Desenvolvimento Econmico (OCDE) preconiza o estmulo ao potencial de
desenvolvimento endgeno das zonas rurais, atravs da adoo de medidas que
devem respeitar as caractersticas especificas de cada territrio. Essas medidas
devem, a partir de estruturas apropriadas e de redes de relaes, exaltar a
identidade local, ligando atores e atividades para formar circuitos que melhoram as
relaes com o exterior da regio, criando novas relaes.
A Indicao Geogrfica pode servir de ferramenta para o desenvolvimento
rural, convergindo para a revalorizao das atividades rurais/locais a partir de um
produto agroalimentar que oferece garantias sobre o sistema de produo e sua
origem. Este produto, de qualidade vinculada a origem, atende as novas demandas
de consumo e de produo sustentvel. Ele reconhece o patrimnio cultural atravs
dos alimentos.
Assim, possvel acreditar que, com o aumento de consumidores que
buscam garantias sobre a qualidade e origem dos produtos, existe um nicho
crescente de mercados por produtos com Identificao Geogrfica. A Identificao
Geogrfica no Brasil deve ser entendida como o nome geogrfico de um lugar,
regio ou local, conhecido por produzir, extrair ou fabricar um produto cujas
caractersticas so normalmente associadas regio de origem.
Entretanto, o simples registro de uma Indicao Geogrfica no garantia
de aumento de renda para o produtor e de desenvolvimento local sustentvel. Essa
situao ocorreu essencialmente no modelo europeu, bem-sucedido na agregao
de valor e proteo do saber fazer, ao inserir parte dos pequenos produtores no
mercado de especialidades.
Esta ferramenta de uso coletivo ajuda a desenvolver um novo modelo de
desenvolvimento local baseado nas pluralidades. O sucesso obtido pelos pases
europeus, principalmente os latinos, levam a se perguntar como aproveitar as
potencialidades de um pas continental como o Brasil, rico culturalmente, com
recursos naturais abundantes e grande biodiversidade para e desenvolvimento rural.
17
Parte das regies brasileiras j desenvolveram algumas Indicaes Geogrficas
(IGs) e este mercado est em crescimento. No entanto, a regio de maior expanso
do agronegcio no Brasil, o Centro-Oeste, est muito mais focalizada no mercado de
commodity, de produtos padronizados com grande economia de escala. Somente
em maro de 2015 foi concedido registro a IG Mel do Pantanal, como primeira IG do
Centro Oeste brasileiro. Essa situao leva a se perguntar se existe espao nessa
regio para outros produtos com garantia de origem?
A hiptese deste trabalho que existe no Brasil a possibilidade de
implementar sistemas de Indicao Geogrfica e que o consumidor est cada vez
mais preocupado com aspectos de qualidade e origem do produto. Em
consequncia, existe a possibilidade de valorizar produtos locais, no apenas no Sul
e Sudeste do Brasil, mas nas outras regies tambm, em particular no Centro-Oeste
do Brasil.
1.1 Objetivos
a) Geral
A partir da hiptese de pesquisa, o objetivo de verificar a possibilidade
de implantar uma Indicao Geogrfica (IG) no Centro-Oeste do Brasil, mais
especificamente a produo de linguia de Maracaju.
b) Objetivos especficos
- Avaliar as ferramentas disponveis e necessrias para a implantao
de uma IG;
- Analisar os arranjos necessrios para a implantao da IG Maracaju
para o produto linguia.
Com base na experincia alcanada pela Unio Europeia, na aplicao
de uma poltica para os produtos com qualidade vinculada a origem, ou seja, com
Indicao Geogrfica de produtos dos territrios, possvel vislumbrar um sistema
de produo que envolve grupos de produtores locais na regio de Maracaju, com o
objetivo de valorizar em nvel nacional um produto de tradio local, a linguia de
Maracaju.
18
Principalmente na Frana, esta ferramenta de uso coletivo considerada
como patrimnio nacional, ressaltando a importncia cultural e sociolgica. Existe
uma proteo intelectual deste saber fazer, preservando o conhecimento baseado
na cultura e tradies de uma comunidade local que sabe manejar os recursos
naturais especficos do local, dando especificidade ao produto, podendo adotar
prticas sustentveis na preservao ambiental das paisagens e dos recursos
genticos.
A implementao de uma Indicao Geogrfica depende de polticas
pblicas para ordenamento das aes dentro do territrio. O avano em termos
econmicos alcanado pela Unio Europeia, atravs da poltica do Plano Agrcola
Comum, em que produtos agroalimentares com Indicao Geogrfica
representaram, em 2010, 29% do total das vendas de produtos agrcolas, com um
valor comercializado de 15,8 bilhes de Euros, demonstra uma grande gerao de
riqueza. A comercializao de um produto diferenciado agrega valor e aumenta a
renda dos produtores. A adoo de protocolos por meio da conformidade com um
caderno de normas qualifica o produto para um melhor posicionamento perante o
mercado consumidor de maior poder aquisitivo, mais exigente e com conscincia
socioambiental.
A Identificao Geogrfica no Brasil pode encontrar um vasto campo frtil
para o desenvolvimento de produtos com especificidades e voltados para um
mercado diferenciado. Soma-se a isso a herana histrico-cultural brasileira, trazida
pelas diversas etnias que compem o pas, e a biodiversidade dos biomas
nacionais. Com sua vocao para a produo de alimentos, que hoje
majoritariamente de commodities, o Brasil tem a oportunidade de estudar novas
formas de desenvolvimento rural e local, efetivando as potencialidades do mercado
de produtos diferenciados. Por ser um tema relativamente recente e emergente no
Brasil, necessita de polticas pblicas e uma maior sinergia entre entidades privadas,
governamentais e do terceiro setor, uma vez que pode impactar temas relevantes
como: segurana alimentar, gerao de renda, emprego, fixao no campo, gesto
ambiental e governana.
preciso um olhar atento com as experincias protagonizadas pelos
Europeus, mas respeitando as singularidades presentes nos diferentes cantos do
Brasil. Apesar do desconhecimento por grande parte da populao brasileira,
possvel afirmar que determinadas cadeias de valores de produtos nacionais, mais
19
organizadas, j avanaram neste novo modelo de desenvolvimento, alm de haver
um aumento considervel nos nmeros de pedidos de registro de Indicaes
Geogrficas. Os principais produtos solicitados so o vinho, o caf e a aguardente
de cana tipo cachaa, com predominncia das solicitaes feitas por agrupamentos
da regio sul e sudeste do pas (INPI, 2014).
Recentemente o Centro-Oeste juntou-se as demais regies do Brasil com
o registro de sua primeira Indicao Geogrfica atravs do Pantanal, que engloba os
estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, para o produto mel. Entretanto, j
existem outras solicitaes de reconhecimento de Indicao de Procedncia para a
regio: Maracaju, para o produto linguia, no estado de Mato Grosso do Sul; Mara
Rosa para o produto aafro e seus subprodutos no estado de Gois. Diversos
trabalhos so desenvolvidos na regio com produtos agroalimentares com vis de
proteo e acesso ao mercado, outros com a preocupao de preservao de
recursos genticos e biodiversidade com potencialidades econmicas, todos eles
sem uma cadeia de valor bem implantada.
A realizao do estudo de caso da Indicao de Procedncia Maracaju
para o produto linguia avalia a construo de uma Indicao Geogrfica na regio
Centro-Oeste do Brasil, a organizao dos produtores, a conduo do processo de
construo do dossi e as expectativas dos benefcios a serem alcanados por este
agrupamento. So tambm abordados os efeitos que podero favorecer, de fato, o
desenvolvimento local.
1.2 Estrutura do trabalho
Uma vez definidos o tema e a justificativa de pesquisa, no captulo 2 a
reviso bibliogrfica conceitua as Indicaes Geogrficas conforme so
internalizadas na Europa e no Brasil, sua manifestao na Europa e a evoluo
legislativa internacional.
No captulo 3 abordada a produo de linguia de Maracaju,
descrevendo a origem do produto e a regio de produo. No captulo 4 descreve-se
a metodologia adotada e sua aplicao. No captulo 5 apresentada a anlise,
seguida das consideraes finais.
2 REVISO BIBLIOGRFICA
Na primeira parte da reviso destacam-se os princpios gerais das
Indicaes Geogrficas, sua definio na Europa e no Brasil, o seu surgimento como
poltica agrcola na Frana, sua manifestao na Europa e nas diferentes partes do
mundo. Na segunda parte so reportados a evoluo internacional das legislaes
sobre o tema, os principais pontos do processo de obteno do registro na Europa, o
atual estgio do sistema no Brasil, a mensurao econmica da produo agrcola
dos produtos com IG na Europa e a possibilidades que a IG traz para o
desenvolvimento local.
2.1 Indicao Geogrfica - IG
H muito tempo, produtores, comerciantes e consumidores perceberam
que determinados produtos carregam qualidades especficas e que estas
caractersticas esto correlacionadas com a origem geogrfica (KAKUTA, 2006).
Com a evoluo dos mercados e a necessidade de novas formas de
desenvolvimento sustentvel, a Indicao Geogrfica (IG) surgiu como uma
ferramenta de uso coletivo para o reordenamento do territrio, na busca pelo
desenvolvimento rural sustentvel.
2.1.1 Apresentao geral das IGs
A Indicao Geogrfica um sinal distintivo, nome ou elemento grfico,
que distingue produtos ou servios por sua qualidade vinculada a origem. Pode
significar um produto que transmite confiana, qualidade, familiaridade, satisfao
21
aos consumidores. Muitas vezes, um produto agroalimentar pode remeter a
memrias de lugares em que o consumidor esteve e saboreou ao olhar para aquela
paisagem nica. Remete tambm a um produto agroalimentar que permeia os
tempos com sua cultura histrica e o seu saber fazer, um patrimnio imaterial, um
bem cultural intangvel, que um agrupamento de produtores desenvolveu para lidar
com os recursos naturais de um territrio. A Identificao Geogrfica pode ser uma
importante ferramenta coletiva na organizao da cadeia produtiva, no
desenvolvimento socioeconmico e na agregao de valor aos produtos
agroalimentares, pode representar acesso a novos mercados, promoo comercial e
proteo contra as fraudes e usurpaes destas especialidades (MAPA, 2010).
A Organizao das Naes Unidas para a Agricultura e a Alimentao
(FAO, 2010) define a Indicao Geogrfica como o nome de um lugar ou pas que
identifica um produto cuja qualidade, reputao ou outras caractersticas so
imputveis a sua origem. Ainda, afirma que a IG sinaliza aos consumidores que os
produtos com esse conceito exibem caractersticas especiais devido a sua origem
geogrfica. Assim, uma IG mais que a indicao da sua fonte de procedncia, que
indica simplesmente a provenincia do produto, como o Made in, o Feito em...,
sem referir-se a uma determinada qualidade. A IG uma expresso, ou signo,
utilizada para indicar procedncia e dizer que um produto, ou servio, tem sua
origem em um determinado pais, grupo de pases, regio ou localidade
(TORTORELLI, 2010)
Com a criao da Organizao Mundial do Comrcio (OMC) em 1994,
foram includas, alm de tratados relacionados a tarifas e comrcio, as discusses
sobre a propriedade intelectual e as IGs. O Acordo sobre os Aspectos dos Direitos
de Propriedade Intelectual relacionados com o Comrcio (ADPIC), no artigo 22.1,
define que as indicaes geogrficas so indicaes que identifiquem um produto
como originrio do territrio de um Membro, ou regio, ou localidade deste territrio,
quando determinada qualidade, reputao ou outra caracterstica do produto seja
essencialmente atribuda sua origem geogrfica.
A Unio Europeia trata o assunto atravs do regulamento (CE) n 2081/92
do Conselho, de 14 de Julho de 1992, relativo proteo das Indicaes
Geogrficas e Denominaes de Origem dos produtos agrcolas e dos gneros
alimentcios. O Regulamento (EU) n 1151/2012 mantm estes dois instrumentos e
introduziu algumas alteraes s suas definies:
22
- Denominao de Origem Protegida (DOP) o nome de uma regio, de
um local determinado ou, em casos excepcionais, de um pas, que serve para
designar um produto agrcola ou um gnero alimentcio, originrio dessa regio,
desse local determinado ou desse pas e para o qual a qualidade ou caractersticas
se devem essencial ou exclusivamente ao meio geogrfico, incluindo os fatores
naturais e humanos. A produo, transformao e elaborao devem ocorrer na
rea geogrfica delimitada.
A AOC/AOP na Frana e a DOP na Europa so sinnimos. A DOP
identifica um produto agrcola, bruto ou transformado, que tira sua autenticidade e
sua tipicidade de sua origem geogrfica, possui notoriedade devidamente
estabelecida e goza de caractersticas e know-how especficos (INAO, 2011).
- Indicao Geogrfica Protegida (IGP) o nome de uma regio, de um
local determinado, ou, em casos excepcionais, de um pas, que serve para designar
um produto agrcola ou um gnero alimentcio, originrio dessa regio, desse local
determinado ou desse pas e, cuja reputao, determinada qualidade ou outra
caracterstica podem ser atribudas a essa origem geogrfica. A produo e/ou
transformao e/ou elaborao ocorrem na rea geogrfica delimitada.
A IGP identifica um produto agrcola, bruto ou transformado, cuja
qualidade, reputao ou outra caracterstica provm de sua origem geogrfica
delimitada. Pelo menos uma dessas etapas, produo, transformao e elaborao,
devem acontecer na rea geogrfica delimitada e as condies de elaborao esto
sujeitas a procedimentos de controle (INAO, 2009).
A B
Figura 1 - Smbolos Europeus de Indicaes Geogrficas: A - Denominao de
Origem Protegida - DOP e B -Indicao Geogrfica Protegida - DOP
Fonte: INAO (2014)
23
O smbolo utilizado pelos Estados Membros o mesmo, entretanto, cada
pas usa a escrita em sua lngua. A Figura 1 se refere aos smbolos adotados por
Portugal.
A Frana usa um selo para o reconhecimento de uma AOC (Appellation
dOrigine Contrle) usado somente naquele pas e que um passo anterior ao seu
reconhecimento final na Europa como DOP.
.
Figura 2 - Smbolo Francs da LAppellation dOrigine Contrle
Fonte: INAO (2011)
O Brasil no possuidor de um selo nico que identifique os produtos
com IG, sendo que cada Indicao de Procedncia (IP) ou Denominao de Origem
(DO) tem seu prprio selo indicativo desta qualidade. O pas faz o uso de sinais
distintivos, por meio do Decreto n 1.355 de 30 Dezembro de 1994. Para colocar,
essas Indicaes e harmonizar conceitos, o Brasil promulgou a Lei 9.279 de 14 de
maio de 1996 (BRASIL, 1996). A legislao brasileira conceitua a Indicao
Geogrfica em duas espcies:
- Indicao de Procedncia (IP) como o nome geogrfico de pas, cidade,
regio ou localidade de seu territrio, que tenha se tornado conhecido como centro
de extrao, produo ou fabricao de determinado produto ou de prestao de
determinado servio.
- Denominao de Origem (DO) como o nome geogrfico de pas, cidade,
regio ou localidade de seu territrio, que designe produto ou servio cujas
qualidades ou caractersticas se devam exclusiva ou essencialmente ao meio
geogrfico, includos fatores naturais e humanos.
A Unio Europeia utiliza a DOP e a IGP somente para produtos
agroalimentares que tenham qualidades ou caractersticas que se devem essencial
ou exclusivamente ao meio geogrfico. A DOP reservada quando a totalidade das
24
fases de produo, transformao e elaborao so realizadas em uma rea
delimitada. No caso da IGP, ao menos uma das etapas deve ser realizada na rea
delimitada. Em termos conceituais, no Brasil a DO assemelha-se enquanto definio
a DOP Europeia, com as mesmas caractersticas e especificidades em relao ao
meio geogrfico e a IP assemelha-se a IGP.
No Brasil, existe a possibilidade de designar IGs para servios e protege-
se o nome do local. Assim, a linguia de Maracaju, objeto da presente pesquisa,
dever ser definida como IP Maracaju para linguia. A Europa no prev a
proteo para servio e a nomenclatura protege o produto, ao exemplo do
Prosciutto de Parma.
O principal instrumento balizador das IGs o Acordo sobre os Aspectos
dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comrcio (ADPIC), em
que so estabelecidos critrios mnimos que os pases internalizam conforme suas
convenincias. No Brasil somente so reconhecidos topnimos, enquanto na Europa
possvel um nome que lembre determinada regio geogrfica, como no caso dos
Vinhos Verdes em Portugal e a Cava na Espanha. O Brasil reconhece servios
como passveis de registro para Indicao Geogrfica, o que no possvel em
qualquer outra nao.
Para Champredonde (2014), as divergncias nas nomenclaturas da
Indicao Geogrfica na Amrica Latina podem ser explicadas pela adeso a
diversos tratados. Alguns pases adotaram as definies de Indicao Geogrfica
Protegida e de Denominao de Origem, outros, como o Brasil, definiram Indicao
de Procedncia e Denominao de Origem, outros ainda, s reconheceram a
Denominao de Origem.
A confuso das definies das IGs pode ser observada no mundo todo,
com exceo dos 27 Estados Membros da Comunidade Europeia, quando em 1992
o sistema europeu padronizou a poltica de valorizao dos produtos
agroalimentares na formulao de uma regulamentao europeia para os Estados
Membros.
25
2.1.2 Experincia francesa em Indicaes Geogrficas
Em 1962, logo aps o perodo ps-guerra, que levou a Europa a uma
situao de desabastecimento e reconstruo, foi criada a Poltica Agrcola Comum
(PAC). Esta poltica consistia em assegurar preos justos aos agricultores e
alimentos com preos acessveis aos cidados, garantindo a segurana alimentar.
Dez anos depois, apoiada por preos mnimos garantidos, a produo alimentar
aumentou acima das necessidades, sem resolver as dificuldades da vida rural. Em
consequncias, a orientao da PAC passou de um apoio ao mercado para um
apoio ao produtor, centrado na qualidade dos alimentos com vista proteo dos
produtos regionais e tradicionais, com procedimentos de rastreabilidade contnuo.
Hoje, existe maior necessidade de acompanhar as exigncias do mercado, em
relao a preservao do ambiente, ao bem-estar animal e a segurana alimentar,
com o desafio de prover uma agricultura sustentvel, com uma paisagem natural
bem conservada. Os produtores devem se preocupar com a gesto dos recursos
naturais e a conservao de paisagens e patrimnio cultural (UE, 2012).
Passados pouco mais de 50 anos da criao da PAC, a terceira gerao
de agricultores passou a conciliar os papis de agricultor, protetor da paisagem
natural e empreendedor. Neste ambiente de desenvolvimento rural baseado na
pluralidade, estimula-se a economia local no s pela comercializao de produtos
agroalimentares, como atravs do turismo rural, atividades culturais e a criao de
novas empresas, abrindo espao para as regulamentaes que colocam em
evidncia os Signos de Identificao de Qualidade de Origem (SIQO) (UE, 2012).
Mais do que qualquer outro pas ocidental, a Frana aplicou o princpio
patrimonial, especialmente em setores ligados a agricultura. Segundo Gade (2004),
a patrimonializao expressa o interesse de alguns intelectuais, dos consumidores
urbanos e de sindicatos agrcolas na proteo de paisagens rurais, das comidas
tradicionais, dos produtos e de outros elementos relativos a identificao nacional e
patrimnio regional.
A qualidade considerada um elemento crucial na estratgia de
desenvolvimento da agricultura e do setor agroalimentar na Frana. encarada
como uma questo importante para todos os consumidores, do ponto de vista da
segurana alimentar, do equilbrio alimentar e do prazer gustativo. As polticas
agrcolas devem assegurar diversidade e qualidade na oferta de alimentos, aliadas a
26
um desenvolvimento sustentvel dos territrios com responsabilidades
compartilhadas (EDELLI, 2013)
Com uma superfcie de 675.417 km2, uma populao de 65.820.000
habitantes e uma superfcie agrcola utilizada2 de 29 milhes de hectares, o que
corresponde a 54% do territrio nacional, a Frana o 1 pas agrcola da Unio
Europeia (UE) em termos de produo (INSEE, 2013; EDELLI, 2013).
Com dados do Ministrio da Agricultura, Alimentao e Florestas Francs,
h 490 mil fazendas na Frana. Entre 2000 e 2010 as fazendas tornaram-se maiores
e passaram de uma mdia de 42 para 55 hectares. Mais de um milho de homens e
mulheres participam regularmente da agricultura neste pas (MINISTRE DE
LAGRICULTURE DE LAGROALIMENTAIRE ET DE LA FORET, 2010).
A poltica de qualidade e origem dos produtos alimentares e agrcolas,
desenvolvida pelo Ministrio da Agricultura francs, comeou h mais de um sculo.
Ela vem sendo alterada constantemente, para oferecer aos consumidores uma viso
abrangente e clara de todo o sistema francs e europeu, com o reconhecimento
oficial da qualidade dos produtos agrcolas e dos gneros alimentcios, aumentando
a credibilidade deste reconhecimento atravs do reforo da segurana do Estado e
dos controles, garantindo a legitimidade do dispositivo e estimulando os produtores e
os atores econmicos em melhorarem seus produtos (INSTITUTO NACIONAL DA
ORIGEM E DA QUALIDADE, 2014).
Rocha Filho (2009) salienta que motivado pelos problemas surgidos na
rea vitivincola, foi criado por decreto em 30 de julho de 1935 o conceito de
Applations dOrigine Contrle - AOC (Apelao de Origem Controlada). O decreto
foi concebido para garantir a origem do vinho. Neste ato, segundo Edelli (2013) foi
instaurado o Comit Nacional dos Vinhos e Destilados.
Em julho de 1947 o Comit Nacional dos Vinhos e Destilados foi
substitudo pelo Institut National des Appellations (INAO) com foco em vinhos e
destilados. O INAO surgiu como uma instituio pblica dotada de personalidade
jurdica, vinculada ao Ministrio da Agricultura, Alimentao e Florestas,
encarregado do reconhecimento, do controle e da proteo das AOC (INAO, 2006).
Em 2 de julho de 1990, o INAO aumentou suas competncias, incluindo laticnios e
2 A Superfcie Agrcola Utilizada (SAU) um conceito padronizado nas estatsticas agrcolas
europeus. Ele inclui terras arveis (incluindo pastagens temporrias, pousio, culturas protegidas, hortas), a pastagens permanentes e culturas permanentes (vinhas, pomares) (INSEE, 2013).
27
produtos agroalimentares e em julho de 1999 incluiu as IGP (Indicao Geogrfica
Protegida). A partir de 1 de janeiro de 2007, o INAO se transformou no Instituto
Nacional da Origem e Qualidade, encarregado da totalidade dos selos de
identificao DOC/DOP, IGP, Label Rouge, STG (Spcialit Traditionnelle Garantie)
e Agricultura Orgnica (Figura 3). Em 1 de agosto de 2009, no momento em que a
organizao comum do mercado vitivincola reconheceu os vinhos com Indicao
Geogrfica e vinhos sem Indicao Geogrfica, os vinhos IGP, antes denominados
somente vinhos, passaram a fazer parte das competncias do INAO (EDELLI, 2013;
INAO, 2014).
Figura 3 - Material promocional dos smbolos oficiais de qualidade e de
origem na Frana
Fonte: INAO (2014)
Alm das figuras da Indicao Geogrfica, os outros smbolos presentes
na figura 3 correspondem a:
28
- Agricultura biolgica: sistema de produo agrcola especfica, que
assegura que um conjunto de prticas agrcolas respeita o equilbrio ecolgico e a
independncia dos agricultores, excluindo o uso de fertilizantes qumicos, a sntese
de pesticidas, Organismos Geneticamente Modificados (OGM) e limitando o uso de
insumos. O bem-estar animal respeitado bem como o uso de medicamentos
limitado e estritamente controlado.
- Especialidade Tradicional Garantida destina-se a proteger a composio
tradicional de um produto ou de um mtodo de produo tradicional, sem se referir a
uma origem.
- Label Rouge (selo vermelho) garante que um produto tem um conjunto
de caractersticas que permitem um nvel superior de qualidade em comparao
com produtos similares. As condies de produo ou fabricao do produto so
peculiares e conferem qualidade superior.
A Frana, com sua tradio artesanal, especificidade do local bem
definida e refinamento culinrio, assumiu a liderana de um movimento que visa
garantir e desenvolver uma produo de alimentos autntica, afirmando que pelo
terroir3 a qualidade especial de um produto agrcola determinada pelo carter do
lugar de onde ele vem (GADE, 2004).
O INAO desempenha um papel importante na valorizao dos produtos
de terroir, apoiando as iniciativas lanadas a nvel local, oferecendo um marco
institucional que permite reconhecimento, proteo e apoio aos atores locais, nas
diferentes etapas do projeto, antes e quando do reconhecimento da IG e ao longo de
sua existncia e desenvolvimento (INAO, 2014). Entre as diferentes atribuies do
INAO, conforme art. L 642.5 do Cdigo Rural, est o processamento de solicitaes
para reconhecimento por selos oficiais, a proteo jurdica das denominaes, a
superviso do controle de selos oficiais, a delimitao das zonas de produo, a
proteo dos terroirs e informao a respeito do dispositivo de selos oficiais
(EDELLI, 2013).
Para a concretizao deste escopo, o Instituto trabalha em parcerias com
indstrias (federaes, associaes), servios centrais e/ou descentralizados do
3 A palavra terroir passa a exprimir a interao entre o meio natural e os fatores humanos. Esse um
dos aspectos essenciais do terroir, de no abranger somente aspectos do meio natural (clima, solo, relevo), mas tambm, de forma simultnea, os fatores humanos da produo - incluindo a escolha das variedades, aspectos agronmicos e aspectos de elaborao dos produtos (TONIETTO, 2007).
29
Estado, profissionais (atravs de agrupamentos4, organismos de controle),
coletividades territoriais (comunas, conselhos gerais e regionais), cmaras setoriais
(cmara de agricultura, cmara de comrcio), escritrio de turismo, adidos de
agricultura nas embaixadas (atividade internacional), instituies escolares e
universitrias, escritrios de turismo entre outros (EDELLI, 2013).
O INAO, organismo encarregado da implementao da poltica francesa
relativa aos selos oficiais de identificao de origem e qualidade, teve um oramento
anual de 22,96 milhes de euros em 2012, financiados em parte por um subsdio do
Ministrio da Agricultura (cerca de 70 %) e por direitos sobre produtos e royalties. O
instituto possui oito Unidades territoriais espalhadas pelo territrio nacional e tem em
seu corpo tcnico um efetivo de 270 agentes, dos quais 70% regionais, que
acompanham os produtores em seus procedimentos, com vistas a obteno um selo
oficial de origem e qualidade, controlando e acompanhando o selo ao longo de toda
a existncia do produto (INAO, 2014 e EDELLI, 2013).
2.1.3 IGs na Unio Europeia
A poltica francesa de valorizao dos produtos agrcolas e alimentares
inspirou a elaborao de uma regulamentao europeia. O dispositivo francs de
enquadramento desta poltica se articulou com o sistema europeu, estabelecido a
partir de 1991/1992 (INAO, 2011).
Torre (2006) afirma que a regulamentao da Unio Europeia reconheceu
os Signos de Identificao de Qualidade de Origem (SIQO), entre eles o DOP
(Denominao de Origem Protegida) e o IGP (Indicao Geogrfica Protegida), que
foram criados para incentivar a diversificao na produo agrcola, protegendo
produtores das usurpaes do nome de seus produtos e permitindo aos
consumidores identificar as caractersticas especficas dos produtos.
O modelo europeu de agricultura, citado por Belletti et al. (2013), evoluiu a
partir de meados dos anos 80, substituindo de maneira gradual as polticas de apoio
ao mercado vinculado exclusivamente a produo, por polticas direcionadas para os
4 Entende-se por agrupamento qualquer organizao, independentemente da sua forma jurdica ou
composio, de produtores ou de transformadores do mesmo produto agrcola ou do mesmo gnero alimentcio (SOEIRO, 2014).
30
mercados de produtos de qualidade, com o vis cultural, ambiental e social, e
preocupado com o desenvolvimento rural e polticas estruturais.
A Itlia o pas europeu com o maior nmero de produtos alimentares
com Denominao de Origem e Indicao Geogrfica reconhecida pela Unio
Europeia. Da mesma maneira que os demais Estados Membros da Unio Europeia,
para obter a certificao um grupo de produtores deve definir o produto, com base
em dados precisos e transmitir o pedido autoridade nacional competente. Neste
caso, o art. 53 da Lei n. 128/1998 localiza no "Ministrio da Agricultura, Alimentao
e Florestas da Itlia a autoridade nacional responsvel pelo controle da certificao.
Na Itlia existem os selos Indicazione Geogrfica Tipica (IGT), Denominazione di
Origine Controllata (DOC) e Denominazione di Origine Controllata e Garantita
(DOCG) que so usados somente para vinhos, enquanto para produtos
agroalimentares este pas utiliza-se do sistema europeu IGP e DOP (ITALIA, 2014).
Tibrio, Cristovo e Fragata (2001) ressaltam a importncia das IGs para
os produtos agroalimentares tradicionais portugueses. Eles consideram os
regulamentos (CEE) 2081/92 e 2082/92 como pilares importantes da poltica
europeia de qualidade, na medida em que protegem, a nvel europeu, produtos cujas
caractersticas de qualidade so devidas sua origem geogrfica ou ao seu modo
particular de produo. Afirmam ainda que os regulamentos so instrumentos
importantes para a valorizao dos produtos, pois facilitam a promoo do seu saber
fazer particular de produo, contribuindo para a afirmao comercial da sua
qualidade superior.
Na Europa, a Denominao de Origem Protegida (DOP) uma etiqueta
que indica que o produto agrcola de uma regio especfica. uma denominao
local utilizada para designar um produto cujas qualidades e caractersticas so
principalmente causadas pela localizao geogrfica da produo (uma rea de
produo bem conhecida e bem definida), mas que inclui os fatores naturais e
humanos (TORRE, 2006).
A garantia de uma qualidade que resulta de um terroir indica uma relao
entre um produto e seu territrio. Significa um produto tradicional, de uma qualidade
associada a um modo de produo que respeita o meio ambiente e o bem-estar
animal, bem como um produto de qualidade superior (INAO, 2014).
No conceito europeu h espao para dois tipos diferentes de figuras da
Propriedade Intelectual, a Denominao de Origem Protegida e a Indicao
31
Geogrfica Protegida. Apesar de diferentes, elas possuem a mesma proteo
jurdica. Segundo a secretria Geral da Qualifica5, Ana Soeiro, elas no so selos,
no so sistemas de certificao e no so etiquetas nem rtulos, mas sim figuras
da Propriedade Intelectual (SOEIRO, 2014).
Na acepo do regulamento (CE) n 2081/92 do Conselho, de 14 de Julho
de 1992, relativo proteo das indicaes geogrficas e denominaes de origem
dos produtos agrcolas e dos gneros alimentcios, entende-se por:
a) Denominao de Origem, o nome de uma regio, de um local
determinado ou, em casos excepcionais, de um pas, que serve para designar um
produto agrcola ou um gnero alimentcio; originrio dessa regio, desse local
determinado ou desse pas e; cuja qualidade ou caractersticas se devem essencial
ou exclusivamente ao meio geogrfico, incluindo os fatores naturais e humanos, e
cuja produo, transformao e elaborao ocorrem na rea geogrfica delimitada;
b) Indicao Geogrfica, o nome de uma regio, de um local determinado,
ou, em casos excepcionais, de um pas, que serve para designar um produto
agrcola ou um gnero alimentcio; originrio dessa regio, desse local determinado
ou desse pas e; cuja reputao, determinada qualidade ou outra caracterstica
podem ser atribudas a essa origem geogrfica e cuja produo e/ou transformao
e/ou elaborao ocorrem na rea geogrfica delimitada.
O produto que possui uma DOP um produto que respeita condies de
produo validadas pelos poderes pblicos, apresenta caractersticas especficas
referentes a um terroir, delimitado e pode ser identificado graas ao seu logotipo
(Figuras 1 e 3). controlado por um organismo terceiro de controle, sendo o
resultado de uma abordagem coletiva.
Gade (2004) considera a qualificao de um produto com DOP uma
patrimonializao de um pas, sendo que no caso de produtos agroalimentares
espera-se que agreguem valor.
Um produto IGP um produto que respeita um caderno de encargos
validado pelos poderes pblicos, dispe de caractersticas e de uma denominao
relacionadas com a zona de produo, est registrado pela UE e pode ser
identificado por um logotipo (EDELLI, 2013).
5 Associao Nacional de Municpios e de Produtores para a Valorizao e Qualificao dos
Produtos Tradicionais Portugueses
32
necessrio para a obteno de uma DOP um agrupamento na origem
do procedimento e que seja identificada a importncia da solicitao, que mostre a
relao com o terroir e o territrio. J para a IGP necessrio, alm de um
agrupamento na origem da solicitao, mostrar o vnculo da rea geogrfica com a
reputao ou qualidade especfica. Em ambas as IGs um agrupamento
responsvel pela definio das regras de produo, de seus controles,
monitoramento e da sua evoluo no tempo (INAO, 2011)
Edelli (2013) afirma que o agrupamento na origem do procedimento
definido na Frana, pelo Art. L 642.22 do Cd. Rural, que indique o organismo de
defesa e gesto, que representa e rene os operadores da cadeia do produto, como
o nico interlocutor do INAO e o nico habilitado para solicitar o reconhecimento de
um produto com Signos de Identificao de Qualidade de Origem (SIQO). O mesmo
ocorre nos Estados Membros da Unio Europeia onde o agrupamento o
responsvel pela gesto da DOP/IGP e sua finalidade dever ser bem esclarecida e
reconhecida.
O agrupamento deve tambm garantir a representatividade equilibrada
entre os diferentes atores locais da cadeia produtiva, elaborando o projeto de
caderno de encargos dos SIQO. Ele conduz sua implementao junto aos
operadores, prope seu Organismo de Controle ao INAO e a autoridade europeia,
participa da elaborao dos planos de controle e/ou inspeo. Deve assegurar-se do
conhecimento estatstico da indstria, da valorizao do produto, da proteo de sua
denominao e de seu terroir (EDELLI, 2013).
Gade (2004) enfatiza o mesmo aspecto e menciona que os produtores de
uma DOP devem formar um grupo de interesse, legalmente reconhecido, que pode
solicitar coletivamente mudanas no decreto de denominao quando se adapte s
suas necessidades e propsitos. O autor afirma que a IG funciona porque os
membros aceitam seguir regras, a maioria das quais eles prprios definiram.
Enquanto a Unio Europeia designa a DOP e a IGP como um produto que
tenha qualidade ou caractersticas que se devem essencial ou exclusivamente ao
meio geogrfico, as diferenas entre DOP e IGP esto em relao a totalidade das
fases, ou seja, produo, transformao e elaborao. Para um produto ser
registrado como DOP, todas as fases devem ser realizadas na rea delimitada que
lhe d o nome, mostrando uma forte ligao com essa regio, provando que a
qualidade do produto influenciada pelo seu meio geogrfico seja ele o solo, o
33
clima, as raas dos animais ou as variedades vegetais envolvidas na produo e
pelo saber fazer das pessoas desta regio. No caso da IGP, ao menos uma destas
etapas deve ocorrer na rea geogrfica que lhe nomina e que tenha uma reputao
aferida pelo consumidor ou outras caractersticas associadas a essa mesma rea
delimitada.
Gade (2004), citando Brard e Marchenay (1996), afirma que o conceito
se espalhou para outros pases, incluindo os EUA, mas sem os mesmos requisitos
rigorosos ou aplicabilidade. Rocha Filho (2009) considera que existem discordncias
conceituais e de terminologia entre as Indicaes Geogrficas, o que gera confuso
no s nos princpios da IG, como na legislao internacional, e piora o
entendimento sobre ela.
H concordncia, contudo, que as IGs tornaram famosos alguns produtos
que comearam a ser mais conhecidos e reputados que outros vendidos sob marca
de indstria ou comrcio. H dois tipos de proteo possveis: um feito dentro do
pas da IG e outro feito no pas para onde se destina a exportao. A Frana, pas
onde as IGs desenvolveram-se muito, partidria do primeiro tipo de proteo
enquanto outros pases, entre os quais Inglaterra e EUA, preferem o segundo. Os
desdobramentos de tal disputa, que nasce com a Conveno Unio de Paris (CUP)
em 1883, provocam muitos atritos (ROCHA FILHO, 2009).
As IGs, segundo todos os tratados internacionais, no tm qualquer
restrio quanto possibilidade de sua aplicao para produtos industriais. Todavia,
a legislao interna de vrios pases europeus, consequentemente a legislao
europeia, s prev a proteo de uma IG para produtos agrcolas, sendo excees o
Swiss Made, para relgios, e diversos bens russos (ROCHA FILHO, 2009).
O interesse pelas Indicaes Geogrficas condiz principalmente pela
necessidade de adequao das normativas nacionais junto s normas do comercio
internacional. At o momento a maioria dos pases considera as IGs como
ferramentas de mercado e de proteo da Propriedade Intelectual (DALLABRIDA,
2014). Dentro do arcabouo de acordos e tratados internacionais, os pases tm o
grande desafio de harmonizar suas legislaes.
34
2.1.4 A contraposio ao sistema IG
Em contraposio ao sistema de Signos de Identificao de Qualidade de
Origem adotado na Europa, esto os Estados Unidos da Amrica (EUA). Para Farley
(2000), esta oposio a Indicao Geogrfica deveria ser esperada, j que o pas
no tem uma longa histria de produo tradicional e no poderia se beneficiar na
mesma medida que os Europeus nos acordos comerciais. Marie-Vivien and
Thvenod-Motet (2007) afirmam que h uma oposio aos signos europeus e
franceses pelo resto do mundo, sob a alegao de ferirem a clusula de nao mais
favorecida.
Segundo Calliari (2010), a proteo das Indicaes Geogrficas nos
Estados Unidos deriva do princpio da common law6, onde nenhuma pessoa pode
obter o direito exclusivo de usar um nome geogrfico. Muito embora a lei de marcas
americana no conceda proteo para Indicaes Geogrficas, a no ser que elas
tenham adquirido um significado secundrio suficiente para ser qualificada como
marca, a marca de certificao a principal maneira pela qual a Indicao
Geogrfica pode ser protegida e no tornar-se genrica. O objetivo da marca de
certificao, no mbito das Indicaes Geogrficas, claramente de indicar que
determinados produtos so provenientes de uma regio especfica.
Basedow e Bonvicini (2009) afirmam que o Velho Mundo, junto com
outras naes emergentes, est comprometido em intensificar sua vasta cultura
gastronmica de excelncia, tentando definir uma estrutura apropriada baseada em
regras mais restritivas. Em lado oposto, outro grupo de pases, liderado pelos
Estados Unidos, Argentina, Austrlia, Japo e Nova Zelndia, quer um sistema de
proteo menos rgido, mantendo o status quo, sem ter que prover proteo
(CALLIARI, 2010).
Continuando nas diferenas substanciais na maneira como os pases
lidam com as IGs, Rocha Filho (2009, p. 208) descreve como o assunto tratado
nos EUA:
6 do ingls "direito comum", o direito que se desenvolveu em certos pases por meio das decises
dos tribunais, e no mediante atos legislativos ou executivos. Lei que existe e aplica-se a um grupo com base nos costumes e precedentes jurdicos desenvolvidos ao longo de centenas de anos na Gr-Bretanha.
http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_inglesahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Direitohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Tribunalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Poder_Legislativohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Poder_Executivo
35
[...] alguns tm regras especficas; outros se valem da lei de marcas, da lei de negcios, da lei de proteo do consumidor, da lei de proteo do empreendedor, somente aceitam proteger o nome geogrfico, aceitam proteger tambm o nome do Bem ligado a uma regio de que provm. H sistemas mistos, como nos EUA, em que marcas de certificao vm atestar que um produto se originou em dada regio geogrfica especfica ou que certificam que as mercadorias esto dentro de certos padres de qualidade, material ou modo de produo ou, ainda, que o manufatureiro apresenta padres ou pertence a organizao determinada. Para vinhos e s para vinhos reconhece-se uma Appellation of Origin (igual a IG) ou uma American Viticultural Area (rea determinada para cultivo de tal vitisvinfera) que s reconhecida como tal, a partir de 1978. H aproximadamente umas 170 AVAs nos EUA sendo - como Napa Valley, Sonoma Valley, etc. - 100 s na Califrnia.
Marie-Vivien e Thvenod-Motet (2007), explicam que a raiz das
contradies entre os modelos europeu e francs em relao ao resto do mundo se
situa no campo da governana, onde se contrapem modelos de governanas
territoriais e setoriais. A maior parte das normas europeias e francesas se assenta
numa lgica do territrio, onde so definidos critrios especficos a partir do
continente ou de seus pases membros, enquanto que no resto do mundo prevalece
uma lgica setorial.
Neste embate entre duas posies antagnicas, em 1 de junho de 1999
os EUA afirmaram que o Regulamento CE 2081/92, conforme alterado, no fornecia
o tratamento nacional no que diz respeito s Indicaes Geogrficas e no oferecia
proteo suficiente para marcas que so semelhantes ou idnticas a uma Indicao
Geogrfica pr-existentes. Os EUA consideravam que esta situao era
incompatvel com as obrigaes da Unio Europeia no mbito do acordo sobre
aspectos relativos aos direitos de propriedade intelectual concernentes ao comrcio
(ADPIC), ou Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights
(TRIPS), com base em dois fundamentos: (1) a discriminao contra estrangeiros e
produtos estrangeiros com respeito a proteo da Indicao Geogrfica e; (2) falta
de proteo de marcas estrangeiras. Tambm obriga a naes fora do bloco em
adotar o sistema equivalente a classificao de Indicao Geogrfica Europeia e
respeit-la de maneira recproca (USPTO, 2015).
Ainda de acordo com o documento, o governo estrangeiro deve fornecer
proteo em sistema equivalente para as aproximadamente 700 IGs, alm de
apresentar a EU uma declarao quanto a inspeo da estrutura usada para
garantia de atendimento das normas de uso e no acompanhamento da estrutura de
controle das IGs (USPTO, 2015).
36
O princpio do tratamento nacional incorporado na Organizao Mundial
do Comrcio (OMC), do ADIPC, exige que os pases membros da OMC forneam o
mesmo (ou melhor) tratamento aos produtos estrangeiros em relao aos direitos de
propriedade intelectual, tal como previsto para os nacionais no mercado interno
(WTO, 2014).
Em 17 de abril de 2003, em movimento semelhante aos EUA, a Austrlia
solicitou consultas com a Comisso Europeia em matria de registro e proteo das
Indicaes Geogrficas para os gneros alimentcios e produtos agrcolas da UE. A
medida em causa inclui o Regulamento CEE n 2081/92 de 14 de Julho de 1992,
relativo proteo das Indicaes Geogrficas e Denominaes de Origem dos
produtos agrcolas e gneros alimentcios e medidas conexas basicamente sob as
mesmas alegaes (WTO, 2015).
O Regulamento da Unio Europeia pode no ser compatvel com a
obrigao da Unio Europeia em fornecer os meios legais para que os interessados
evitem a utilizao fraudulenta de uma Indicao Geogrfica ou qualquer uso que
constitua um ato de concorrncia desleal, na acepo do artigo 10 da Conveno de
Paris (1967). A Austrlia alegou tambm que a Unio Europeia pode no ter
cumprido as suas obrigaes de transparncia no que diz respeito ao Regulamento;
e de que o Regulamento pode ser mais restritivo ao comrcio do que o necessrio
para cumprir um objetivo legtimo. Alega que o Regulamento da Unio Europeia
considerado incompatvel com as obrigaes dela (WTO, 2015).
Em 13 de fevereiro de 2004, os Estados Unidos e a Austrlia solicitaram
ao Diretor-Geral da OMC a criao de um painel7, o que foi aceito em 23 de
fevereiro de 2004. Sobre o resultado do painel, Rocha Filho (2009, p.220) resumiu:
[...] Em 15 de maro de 2005 o painel concorda com Estados Unidos e Austrlia no sentido que as regulamentaes da UE no proporcionam tratamento nacional (conforme art. 3.1 do TRIPS) aos membros da WTO, que, por outro lado, no foram encontrados indcios de que a substncia do sistema de proteo de IGs da UE que requer a inspeo dos produtos seja inconsistente com as obrigaes da WTO e que, finalmente, concorda com UE que, embora sua Regulamentao de IGs permita seu registro mesmo quando conflitarem com uma prvia marca, esta Regulamentao, como escrita, suficientemente restringida para que possa ser considerada como exceo limitada dos direitos das marcas; concorda, todavia, com EUA e
7 No procedimento de soluo de controvrsias da OMC, um organismo independente, ou painel,
estabelecido pelo rgo de Soluo de Controvrsias, constitudo por trs especialistas, para examinar e emitir recomendaes sobre uma disputa particular, luz das disposies da OMC (WTO, 2014).
37
Austrlia que o TRIPS no permite coexistncia no qualificada e incondicional de IGs com marcas pr-existentes [...].
Sendo assim, o painel corrobora com as argumentaes de Estados
Unidos e Austrlia ao afirmar que o regulamento da CE discrimina produtos
estrangeiros por exigir sistemas equivalentes de proteo no pas estrangeiro e
proteo recproca para IGs naquele pas e naqueles termos (USPTO, 2015)
A UE diante do resultado obrigou-se a editar novo Regulamento que
acolha as prescries do painel. Assim, com a edio do Regulamento (CE)
509/2006 do Conselho de 20/03/2006 e do Regulamento (CE) 510/2006 do
Conselho de 20/03/2006 as prescries foram aceitas e internadas. EUA e Austrlia
discordaram com veemncia e convidaram a UE em revisar a nova Regulamentao
(ROCHA FILHO, 2009).
O entendimento diferente das IGs nas naes faz com que haja casos
atpicos, principalmente entre os pases produtores de vinho, como na classificao
de vinhos na Alemanha. Nesse pas, a classificao de vinhos de maior
prestgio, Qualittswein mit Prdikat (QmP), baseada na maturao das uvas,
independentemente da sua regio especfica. Assim, a classificao alem para
vinhos quanto a denominao de origem, Qualittswein bestimmter
Anbaugebiete (QbA), equivalente segunda classificao francesa, Vin Dlimit
de Qualit Superieure (inferior Appellation dOrigine Contrle - AOC) (WIKIPEDIA,
2014).
Ainda sobre a classificao dos vinhos alemes, Rocha Filho (2009, p.
152) comenta sobre a IP:
Tm na IP uma diviso entre Tafelwein (vinhos engarrafados na Alemanha e que dela provm mas de que no necessariamente procedem, podendo ser blendados com vinhos alemos ou no caso em que procedem de qualquer parte do mundo), Deutscher Tafelwein (das genricas regies vitivincolas alems) e Deutscher Landwein (procedente de regies genricas demarcadas e com mais categoria que a anterior) e na DO uma diviso entre qualittswein bestimmter Anbaugebiete, os QbA e os qualittswein mit Prdikkat, os famosos QmP (que se dividem em Kabinett, Sptlese, Auslese, Beerenauslese e Trockenbeerenauslese, ficando o Eiswein em categoria especial) ambos passando por complexo Exame Oficial de Controle de Qualidade por rgo do governo que lhes confere o conhecido A.P.Nr. (Amtiliche Prfungsnummer) quando aprovados.
Em princpio, a IGP considerada com menor especificidade que a DOP.
Esta ltima possui maior grau de tipicidade que a IGP. De outro modo, a IGP mais
http://pt.wikipedia.org/wiki/Vin_D%C3%A9limit%C3%A9_de_Qualit%C3%A9_Superieurehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Vin_D%C3%A9limit%C3%A9_de_Qualit%C3%A9_Superieure
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abrangente e a DOP mais tpica que a IGP (ROCHA FILHO, 2009). Pode-se assim
dizer que a DOP mais rigorosa que a IGP. Ao citar como exemplo a IGP Jambon
de Bayonne, em que a produo e o abate de sunos esto localizados em uma
zona de 22 departamentos do Sudoeste da Frana, enquanto o terroir do produto
est justificado em outra rea de produo do presunto, bem menor denominada
Bassin de lAdour. Ao passo que, conforme o Consrzio del Prosciutto di Parma
(2015), o DOP Prosciutto de Parma est na provncia de Parma (Emilia-Romagna -
Itlia) em um local mais diminuto, em que a produo de matrias-primas e sua
transformao at o produto acabado ocorre somente dentro de uma rea
delimitada.
2.2 Legislaes sobre Indicaes Geogrficas
Este item aborda a evoluo da legislao internacional buscando
entender o posicionamento de cada pas perante o tema da Indicao Geogrfica e
a sua internalizao, bem como as implicaes comerciais.
2.2.1 Legislao Internacional
Bruch (2011) descreve que no princpio, os Signos Distintivos de Origem,
que tinham objetivo de distinguir a origem de um produto, no eram protegidos,
facilitando as falsificaes. Existiam aes isoladas na tentativa de coibir este
procedimento, como no caso da Frana, com legislaes nacionais para tentar
impedir essas falsas indicaes, mas que se tornavam incuas do ponto de vista do
comrcio internacional, cada vez mais dinmico a partir de meados do sculo XIX.
Para o autor, era necessrio criar legislaes entre as naes que protegessem os
direitos de propriedade industrial, entre elas a IG. Neste sentido, os Estados
produtores de vinho organizaram um tratado internacional com obrigaes mtuas
entre os partcipes e com trocas de concesses entre eles.
As IGs evoluram em funo dos avanos dos acordos internacionais
(FREITAS, 2012). Bruch (2011) explica que o primeiro passo foi com o objetivo de
impedir as falsas Indicaes de Procedncia. Assim, foi celebrada a Conveno
39
Unio de Paris - CUP, em 1883. Para Rocha Filho (2009), nesta ocasio a IG foi
retratada, mas no definida.
Freitas (2012) analisa os artigos 9 e 10 da CUP:
A CUP no se referiu especificamente s indicaes geogrficas, apenas somente regulamentou preceitos relativos utilizao de falsa indicao de procedncia, se atendo ao fato de que o produto poderia denotar uma falsa origem. Neste sentido a CUP permitiria a utilizao de nomes fictcios ou de fantasia, desde que no demonstrasse o intuito de falsear a verdadeira origem do produto.
Assim, a CUP deixava possvel o uso, por exemplo, de Champagne da
Califrnia, posto que, nesse caso, a verdadeira procedncia estaria ressaltada
(BRUCH, 2011).
Rocha Filho (2009 p. 159) indica que:
Pela CUP o tema est dentro do contexto propriedade industrial: o seu artigo 1.2 diz que a proteo da propriedade industrial tem por objetivo as patentes de inveno, os modelos de utilidade, os desenhos ou modelos industriais, as marcas de servio, o nome comercial e as indicaes de provenincia (note-se a traduo oficial brasileira que confunde neste artigo provenincia com procedncia) ou denominaes de origem, bem como a represso da concorrncia desleal (Grifos nossos).
Freitas (2012) cita o texto da Organizao Mundial da Propriedade
Intelectual (OMPI), em que os direitos de propriedade industrial devem ser
entendidos em acepo mais ampla e se aplicam no somente a indstria e ao
comrcio, mas tambm s indstrias agrcolas e extrativas e a todos os produtos
fabricados ou naturais.
Rocha Filho (2009) afirma que a CUP enfoca diretamente as acepes
Indicao de Procedncia e Denominao de Origem que ficam tambm sem
conceituao. Mesmo sem estabelecimento comercial ou industrial, uma coletividade
podia se agregar em torno de uma ou de algumas marcas coletivas e apresentar ao
mercado produtos conforme seu critrio de exigncia.
De acordo com a OMPI (2015) o texto da Conveno passou por revises
de Bruxelas (1900), Washington (1911), Haia (1925), Londres (1934), Lisboa (1958)
e Estocolmo (1967) e foi alterado em 1979. Mascarenhas e Wilkinson (2013) relatam
que pelo Acordo de Haia, em 1925, em sua quinta reviso, Indicao de
Procedncia e Denominao de Origem passaram a ser protegidas como
propriedade industrial.
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Freitas (2012) ressalta que o Brasil foi um dos primeiros pases a assinar
a CUP, aderindo a ela pelo Decreto n 9.233, de 28 de junho de 1884, alm de
ratificar trs atos do texto da Reviso de Haia, por meio do Decreto n 19.056, de 31
de dezembro de 1929. O Brasil aderiu ao texto da Reviso de Estocolmo atravs do
Decreto n 75.572, de 8 de abril de 1975.
Em 1891, firmou-se o Acordo de Madri buscando uma represso mais
efetiva contra o uso das falsas indicaes de procedncia, uma vez que a CUP se
mostrava ineficiente para esta finalidade. Esse acordo tinha como foco principal os
produtos vincolas, sendo que a adeso foi bem menor que a dos pases que se
filiaram CUP.
No Acordo de Madri (1891) prestou-se ateno ao problema das
indicaes indiretas, que so aquelas que fazem crer, falsamente, em certa
procedncia, sem que se mencione o nome geogrfico. Freitas (2012) conclui que o
acordo excluiu as indicaes consideradas genricas de seu mbito protetivo,
atribuindo aos tribunais de cada pas a competncia para se pronunciar sobre os
critrios a serem aferidos para tais distines. Com relao aos vinhos, o acordo
trouxe uma proteo especial, pois os pases partcipes deveriam se comprometer a
proibirem o emprego, a venda, a exposio e a oferta de produtos de todas as
indicaes suscetveis de levarem ao erro quanto procedncia dos vinhos, em
qualquer tipo de propaganda, rtulo, etiqueta comercial, etc. (FREITAS, 2012).
Com relao a extenso da proteo aos produtos agrcolas, Locatelli
(2007) relata que Portugal pleiteava que a proteo especial dada aos vinhos
tambm se estendesse a todos os produtos agrcolas. As indicaes atribudas a
estes produtos no deveriam se tornar de uso comum, pois estariam relacionadas s
peculiaridades especficas do clima, do solo, dentre outras. A proposta portuguesa
no foi acolhida no mbito do Acordo de Madri.
O acordo de Madri teve cinco revises: Washington em 1911, Haia em
1925, Londres em 1934, Lisboa em 1958 e Estocolmo em 1967. Bruch (2011)
justifica a pouca evoluo nos anos que se seguiram em virtude das Primeira (1914-
1918) e Segunda (1939-1945) Guerras Mundiais, intercaladas pela quebra da bolsa
de valores de Nova York, tambm conhecida como a Grande Depresso (1929).
Passado este perodo de turbulncia, novas rodadas de negociao aconteceram
em 1958 com o avano em termos de regulao das IGs em nveis internacionais,
41
com a mobilizao dos pases tradicionalmente produtores buscando uma nova
maneira de avanarem na proteo das Indicaes Geogrficas (BRUCH, 2011).
Freitas (2012) pondera que o Acordo de Lisboa, assinado em 1958, surgiu
como uma alternativa para incrementar a proteo s Denominaes de Origem que
no foram contempladas nem pela CUP, nem pelo Acordo de Madri, pois ambos se
restringiram apenas represso s falsas indicaes de provenincia. O Brasil no
aderiu ao Acordo.
O Acordo de Lisboa, pela primeira vez, atravs de seu artigo 2, concorda
como sendo a Denominao de Origem uma denominao geogrfica de um pas,
uma regio ou localidade, prevendo uma proteo positiva para as Indicaes
Geogrficas na forma de Denominao de Origem. Ao mesmo tempo, reconhece as
Indicaes Geogrficas j existentes nos pases signatrios por meio de um registro
internacional. Outro marco, a determinao de que uma Indicao geogrfica no
pode se tornar genrica (BRUCH, 2011). Neste acordo, tambm assegura-se contra
qualquer usurpao ou imitao, ainda que se indique a verdadeira origem do
produto ou que a denominao seja usada em traduo ou acompanhada de termos
como tipo, gnero, imitao, maneira entre outros termos semelhantes (OMPI,
2015).
Freitas (2012) acredita que muitos pases no aderiram ao acordo pois
sentiram-se desfavorecidos, devido a sua maior abrangncia e eficcia da proteo
as Denominaes de Origem, frente a pases de maior tradio, como a Frana e
Portugal, que j contavam com produtos agrcolas de grande notoriedade e que h
muito pleiteavam este reconhecimento. Bruch (2011) acrescenta que,
diferentemente de hoje, no havia obrigatoriedade de aceitao pelos Pases de
todos os tratados administrados pela Organizao Mundial da Propriedade
Intelectual (OMPI), que participa da Organizao Mundial do Comrcio (OMC).
Mascarenhas e Wilkinson (2013) ressaltam que com a criao da
Organizao Mundial do Comrcio (OMC), em 1995, dentro de uma nova dinmica
das relaes comerciais entre os pases, a propriedade industrial teve a necessidade
de readequar o tema. O ponto de partida desta nova discusso ocorreu na Rodada
do Uruguai, de onde foi institudo o Acordo sobre aspectos relativos aos direitos de
propriedade intelectual concernentes ao comrcio (ADPIC), ou Agreement on Trade-
Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPS), em ingls, acordo que se
42
tornou o principal referencial na rea de propriedade intelectual e, em especial, para
as Indicaes Geogrficas entre os pases membros da OMC.
Bruch (2011) constata que no mbito da OMC, alm de tratados
relacionados com tarifas e comrcio, negociou-se e aprovou-se o Acordo sobre
aspectos relativos aos direitos de propriedade intelectual concernentes ao comrcio
(ADIPC). Tornou-se compulsivo para todos os signatrios e membros da OMC e
contemplou o previsto pela CUP. Ele estabeleceu, dentre outras regras, a proteo
obrigatria das IGs. Assim foi imposto um nvel mnimo de proteo ou garantia,
sendo possvel cada membro estabelecer formas mais elevadas de proteo, desde
que no se constituam em um obstculo ao comrcio.
Ao mesmo tempo em que os acordos bilaterais eram celebrados no ps-
guerra, alguns pases criaram e aprimoraram suas legislaes internas. Buscaram
uma proteo positiva, definindo as IGs, estabelecendo regras para proteo,
registro e reconhecimento, criando, objetivamente, um direito sobre o uso e ao
uso do signo (PLAISANT, 1949 apud BRUCH, 2011). O autor cita a Frana,
Espanha, Itlia e Portugal. Outros Pases, como Inglaterra, Alemanha, Austrlia,
Estados Unidos da Amrica e Brasil optaram por uma proteo negativa, voltada
represso s falsas indicaes de procedncia e proteo do consumidor, coibindo
a concorrncia desleal. Ao mesmo tempo, acordos bilaterais eram celebrados entre
pases que defendiam a proteo positiva, tais como entre Frana e Espanha e entre
Frana e Portugal, mas tambm entre pases com posies diferentes, como Frana
e Alemanha (BRUCH, 2011).
Freitas (2012) ressalta que a definio trazida no ADPIC abrange tanto a
eventual Indicao de Provenincia (produto originrio do territrio de um membro),
quanto as IGs propriamente ditas, conforme definidas pelo Acordo de Lisboa
(Indicao de Procedncia e Denominao de Origem). Da mesma maneira que o
Acordo de Lisboa, as IGs so tratadas na ADPIC com conceitos e normas gerais de
proteo, coibindo a utilizao de qualquer meio que na designao ou
apresentao do produto indique ou sugira que a IG provenha de uma rea
geogrfica distinta do verdadeiro lugar de origem. Locatelli (2007) exemplifica essa
situao com um vinho que tenha o rtulo Champagne, mas descreve, no mesmo
rtulo, que produzido na cidade de Garibaldi, hiptese proibida pelo ADPIC.
Contudo, para produtos que no os vinhos e destilados, a hiptese permitida, se a
descrio da verdadeira origem do produto indicada.
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Este tratamento diferenciado concedido aos vinhos e destilados probe as
indicaes ditas falsas, quando acompanhadas das expresses tipo, gnero ou
imitao. Locatelli (2007) afirma que a inteno de alguns pases europeus era
para que fosse estendida tal proibio a todos os demais produtos agrcolas,
entretanto no houve ressonncia deste entendimento na redao final deste
acordo.
Desta maneira o TRIPS, ou ADPIC, em seus artigos 22 e 24, regula as
IGs, identificando um produto como originrio do territrio de um Estado Membro, ou
regio, ou localidade naquele territrio, onde determinada qualidade, reputao ou
outra caracterstica deste produto essencialmente atribuda a sua origem
geogrfica. Este Acordo veda a utilizao de qualquer meio que sugira que o
produto originrio de regio diferente da verdadeira origem, induzindo o
consumidor a erro. O mesmo acordo preconiza que os Estados Membros recusem o
registro de uma marca quando consiste em falsa indicao geogrfica, como
exemplo o produto Castanha do Par, sem indicar um produto originrio do Par
(MAPA, 2010).
Para que uma IG seja vlida no territrio de outros pases necessrio
requerer seu registro em cada um dos pases, com exceo da Unio Europeia, pois
existe um registro comunitrio que gera efeitos em todos os pases que a constituem
(MAPA, 2010). O reconhecimento de uma IG no Brasil passa por seu registro no
Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
Bruch (2011) afirma que concomitantemente ao TRIPS, ou ADPIC,
firmaram-se diversos acordos regionais. Primeiramente, houve a criao da
Comunidade Europeia (CE), depois, nasceram a Comunidade Andina de Naes
(CAN), o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), o Tratado de Livre Comrcio de
Amrica do Norte (NAFTA), etc. Nesses acordos, alguns de forma mais expressa e
proativa, como a CE e a CAN, outros como resultados de outras negociaes
multilaterais, como o NAFTA e o MERCOSUL, estabeleceram-se padres que,
juntamente com os acordos bilaterais, foram construindo um suporte para se chegar
a consensos mais prximos no mbito multilateral. Pde se verificar que esses ciclos
se repetiram