Universidade de Lisboa
Departamento de Educação da Faculdade de Ciências
INTERACÇÕES SOCIAIS E A APROPRIAÇÃO DE CONHECIMENTOS
Sumário pormenorizado da lição síntese
Margarida Alexandra da Piedade Silva César
Lisboa
Agosto de 2003
Sumário da lição 2
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Sumário pormenorizado da lição apresentada como parte
das provas de agregação, do grupo de Educação da Faculdade de
Ciências da Universidade de Lisboa, nos termos do disposto na
alínea b), do artigo 9º do Decreto-Lei nº 301/72, de 14 de Agosto.
Sumário da lição 3
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1. Introdução
A lição sintetizada neste sumário tem como finalidade principal a
apresentação e discussão de uma abordagem interpretativa dos fenómenos
relacionais: a Psicologia Social da Apropriação do Conhecimento. Esta
abordagem está concebida como uma ferramenta mental (Vygotsky, 1962,
1978) para a compreensão de uma situação complexa: as interacções sociais
estabelecidas na sala de aula e o papel que elas desempenham no processo de
apropriação de conhecimentos e de mobilização de competências.
Nas últimas três décadas a importância das interacções sociais
estabelecidas na sala de aula, enquanto elemento mediador da apropriação de
conhecimentos e mobilização de competências, tem sido salientada por muitos
autores. Após cerca de 30 anos de percurso, é interessante voltar um pouco às
origens e reflectir sobre os contributos dados pelos autores que serviram de base
à formação de um novo quadro de referência teórico: Piaget e Vygotsky.
Pretendemos fazê-lo de uma forma dinâmica, assinalando as modificações que
os constructos foram sofrendo à medida que a investigação foi progredindo e
que o quadro de referência teórico da Psicologia Social da Apropriação do
Conhecimento se foi clarificando.
Assim, neste percurso teremos de considerar os contributos de autores
mais recentes, que retomaram o estudo das interacções sociais na sala de aula.
Foi esta nova vaga de autores que nos alertou para a importância que têm, nos
desempenhos dos alunos, elementos como a natureza das tarefas, as instruções
de trabalho que são fornecidas, a situação em que as actividades se desenrolam,
o estatuto dos pares, ou o estatuto de quem apresenta a tarefa, entre muitos
outros elementos que não são neutros na teia de relações interpessoais que existe
em qualquer comunidade educativa. Foram, ainda, estes autores que exploraram
algumas das noções que Piaget e Vygotsky tinham introduzido, mas que não
tinham investigado de forma aprofundada, nomeadamente nas suas aplicações
no domínio da educação.
Sumário da lição 4
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Assumiu-se, nas últimas décadas, que não se aprende no vazio social e
que os saberes são contextualizados, o que tornou o papel do professor e dos
alunos muito mais complexo e multifacetado do que até aí tinha sido admitido.
Abriram-se, assim, novos domínios de investigação e as equipas
multidisciplinares ganharam cada vez mais sentido, pois da diversidade de
formações de base e de olhares, perante uma mesma realidade complexa e
dinâmica, nasceram compreensões mais aprofundadas.
As investigações efectuadas e actualmente em curso permitem constatar a
riqueza deste domínio que, apesar de muito estudado nos últimos anos, está
longe de estar esgotado. Servindo-nos de exemplos de trabalhos recentes,
pretendemos salientar o caminho já percorrido, mas também as questões para as
quais ainda não temos resposta e que podem abrir tópicos de investigação para
os próximos anos.
2. Enquadramento da lição
A lição sintetizada neste sumário enquadra-se no âmbito da disciplina de
Psicologia da Educação, das licenciaturas em Ensino da Matemática, da Física,
da Química, da Biologia e da Geologia da Faculdade de Ciências da
Universidade de Lisboa, que leccionamos desde 1984/85, o que significa uma
experiência de 20 anos como docente desta disciplina.
Esta disciplina tem sempre sido leccionada no Departamento de
Educação da referida faculdade. Desde a criação do Ramo Educacional
(Decreto-Lei n.º 443/71) que a disciplina de Psicologia da Educação é uma das
disciplinas obrigatórias para os alunos que frequentam as citadas licenciaturas,
embora tenha tomado designações levemente diferentes nos diversos diplomas
legais que existiram desde então.
Esta lição também se enquadra em duas das disciplinas de opção que já
leccionámos nos Mestrados existentes no Departamento de Educação da
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa: Abordagens Psico-Sociais
Sumário da lição 5
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na Sala de Aula de Matemática (1997/98) e Interacções Sociais na Sala de
Aula (2003/04).
Quando esta lição é leccionada na disciplina de Psicologia da Educação,
ao nível da licenciatura, tratando-se de uma formação inicial de professores,
que na sua esmagadora maioria não têm experiência profissional como
professores, faz parte das últimas aulas do Tema III do programa (Ver relatório
de disciplina entregue no âmbito das provas de agregação), dedicado à
Psicologia da Aprendizagem. Neste caso, assume um carácter de finalização de
um tema, em que se conjuga uma abordagem teórica (a conjugação da
abordagem piagetiana com a perspectiva histórico-cultural, de Vygotsky) com
uma operacionalização dessa mesma abordagem que tem sido posta em prática
em diversas turmas de escolas portuguesas, no âmbito do projecto Interacção e
Conhecimento. Assim, para estes alunos, constitui um dos exemplos de ligação
entre a teoria e a prática, algo que é essencial promover para quem ainda não
iniciou a sua actividade profissional e se prepara para integrar o estágio
pedagógico, em breve.
Porém, o nível de complexidade conceptual e de especialização deste
tema também permite que esta lição faça parte das aulas de Mestrado das
disciplinas já mencionadas. Tratando-se de um nível de pós-graduação e de
disciplinas de opção, com um carácter muito mais especializado, esta lição faz
parte do início da disciplina, permitindo, a partir dela, ter as bases teóricas
necessárias para aprofundar e discutir os conhecimentos já apropriados, bem
como apropriar outros. Neste caso, a exploração de referências bibliográficas
será mais exaustiva e a análise de casos mais detalhada, de modo a que os
alunos possam vivenciar como se processa o movimento de vaivém entre a
teoria, a prática e a reflexão pessoal sobre as práticas, essencial na construção
do conhecimento científico.
3. Esquema da lição
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3.1. Revisitando as origens
3.1.1. Piaget
3.1.2. Vygotsky
3.1.3. Complementaridade destas duas abordagens 3.2. Algumas investigações de charneira entre a teoria piagetiana e as
abordagens psicossociais
3.3. A construção social do conhecimento no século passado
3.3.1. Final da década de 70 – A construção social da inteligência
3.3.2. A década de 80 – A relevância crescente de Vygotsky
3.3.3. A década de 90 – As interacções sociais enquanto unidade
de análise
3.4. Os desafios do século XXI
3.4.1. Os princípios da inclusividade
3.4.2. O dialogical self 3.4.3. O trabalho colaborativo
3.4.4. Um exemplo de operacionalização: O projecto Interacção e
Conhecimento
3.5. Algumas questões ainda em aberto
4. Desenvolvimento da lição
4.1. Revisitando as origens
4.1.1. Piaget. Piaget começa por ter um percurso singular desde o início:
desde muito jovem que revela grande autonomia em alguns dos seus actos
públicos e uma enorme curiosidade intelectual. Para além disso, tem uma
carreira em que escreve durante mais de 60 anos, o que significa que podemos
encontrar fases diferentes na sua obra, de pendor mais funcionalista ou mais
estruturalista, consoante as épocas a que nos reportamos (César, 2000b). Por
isso mesmo, é preciso seleccionar os aspectos da teoria que retomamos, de
acordo com o quadro de referência teórico que pretendemos construir.
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Conhecido mundialmente como psicólogo e epistemólogo, começou por
se formar em Zoologia e defender um doutoramento em Ciências, fazendo
entretanto uma incursão na Filosofia, antes de se ter dedicado à Psicologia. Da
originalidade deste percurso ficaram algumas marcas, patentes na sua obra: por
um lado, o paralelismo que considerava existir entre o funcionamento biológico
e o psicológico, que o levou a considerar como invariantes funcionais a
assimilação e a acomodação, dois mecanismos que, conjuntamente, definem o
que entende por adaptação do sujeito ao meio físico e social; por outro, a sua
profunda crença na interdisciplinaridade, nas equipas baseadas em formações de
base diferenciadas, que permitem múltiplos olhares sobre um mesmo fenómeno,
e, por último, na necessidade de inovação na educação, incluindo o próprio
ensino universitário.
Neste último aspecto, podemos mesmo afirmar que Piaget não se limitou
a acreditar: operacionalizou as concepções em práticas profissionais criando o
Centro Internacional de Epistemologia Genética, que constitui um dos melhores
exemplos de interdisciplinaridade na investigação científica. Além disso, como
professor universitário, teve das práticas pedagógicas mais inovadoras com que
alguma vez contactámos e que se encontram brevemente descritas por
Bringuier (1977) numa das entrevistas que este jornalista fez a Piaget. Porém, a
obra mais vasta exclusivamente dedicada ao percurso pessoal e científico de
Piaget é a de Barrelet e Perret-Clermont (1996) que, de forma muito crítica,
relacionam a vida de Piaget com os seus contributos científicos.
A necessidade de uma compreensão do vivido resulta da própria
abordagem que apresentamos: sem uma perspectiva histórico-cultural da
aprendizagem – e qualquer percurso de vida é sempre um percurso de
aprendizagem!... – há uma parte da compreensão dos fenómenos que se perde,
por não ser feita a sua contextualização.
Contudo, aceitar a teoria piagetiana como inspiradora não significa não
encarar os constructos de que nos apropriamos como dinâmicos e, alguns deles,
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como necessitando de alargamentos em função dos conhecimentos que
entretanto fomos apropriando, à medida que a investigação e os quadros de
referência teóricos se foram desenvolvendo.
Piaget, ao conceber a inteligência como construída, assumindo uma
posição claramente desenvolvimentista, contrastante com a posição
psicométrica, então dominante, afastou-se das concepções existentes, criando
uma noção básica que ainda hoje é partilhada pela maioria dos investigadores
que actualmente trabalham em educação: as capacidades não estão definidas à
partida. Os sujeitos nascem com potencialidades que vão, ou não, sendo
actualizadas, cabendo ao meio social um papel crucial no seu desenvolvimento.
Assim, se por um lado Piaget não nega a influência de factores como a
maturação biológica, a experiência pessoal e a equilibração, tão pouco esquece
as influências das interacções e transmissões sociais (Lourenço, 1994), que se
encontram presentes até na fase mais estruturalista da sua obra, que incluem as
décadas de 40 a 60 do século passado.
O facto de realizarmos estudos contextualizados levou-nos a retomar
estes constructos de uma forma dinâmica, alargando-os, complementando com
dados que resultam de novas metodologias de investigação ou de
complementaridades que fomos estabelecendo com outras abordagens teóricas.
Assim, se pegamos em teorizações piagetianas, como as que fez quando
enuncia as três condições necessárias para que a comunicação tivesse sucesso
(1977/1995, citadas por Smith, 1996), fazemo-lo numa perspectiva dialéctica e
crítica, procurando avançar no conhecimento.
4.1.2. Vygotsky. Ao contrário de Piaget, Vygotsky teve um curtíssimo
período de produção escrita no domínio da Psicologia (apenas dez anos) devido
a uma conjugação de dois factores: um início tardio do trabalho desenvolvido
neste domínio associado a uma morte precoce. Para além disso, em termos
ocidentais, as condições sócio-políticas que então se viviam e a barreira da
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língua em que escrevia fizeram com que a sua obra fosse quase ignorada
durante as primeiras décadas do século passado.
Vygotsky começou a ser mais conhecido no ocidente a partir da década
de 60 do século passado, tendo tido um papel fundamental no incremento que
sofreram os estudos sobre as interacções sociais e sobre a compreensão dos
mecanismos em jogo quando se estabelecem interacções. O relevo que este
autor deu ao domínio do social fez com que muitos dos conceitos até então
aceites fossem abandonados ou revistos, passando a sua teoria a ter uma ampla
aplicação no domínio da educação (Moll, 1990). Desde então, vários autores se
dedicaram à leitura dos originais das obras de Vygotsky, mantendo uma linha
de investigação baseada na sua teoria, comentando-a criticamente (Cole, 1992;
Schneuwly e Bronckart, 1996; van der Veer e Valsiner, 1991; Wertsch, 1985,
1991).
Partindo de uma posição marxista e dialéctica, Vygotsky (1962, 1978) faz
uma abordagem sócio-histórico-cultural do desenvolvimento da criança.
Enquanto para Piaget o paralelismo que existe é entre o funcionamento
biológico e o psicológico, para Vygotsky (1962) o paralelismo faz-se entre a
"produção material", que exige ferramentas e a "produção mental", que utiliza
os signos como "ferramentas mentais" (mental tools). Assim, este autor realça o
carácter mediador dos instrumentos e signos, ou seja, o papel mediador da
cultura em qualquer apropriação de conhecimento.
Um dos conceitos mais frutuosos de Vygotsky (1962, 1978, 1985) é o de
zona de desenvolvimento proximal (ZDP), particularmente importante quando
pensamos na educação (Rogoff e Wertsch, 1984). Para este autor, o sujeito tem
um conjunto de funções ou capacidades que já se encontram plenamente
desenvolvidas e que constituem aquilo que ele designa por "desenvolvimento
real". Todas as aptidões que já fazem parte do desenvolvimento real são
susceptíveis de ser usadas pelo sujeito quando trabalha individualmente. Porém,
o sujeito possui também um "desenvolvimento potencial", constituído por
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aptidões em fase de amadurecimento, que ele consegue utilizar com o auxílio de
pares mais competentes, ou seja, quando trabalha em interacção. Deste modo, a
ZDP seria a distância que mediava entre o desenvolvimento real e o
desenvolvimento potencial e era precisamente nesta zona que seria aconselhável
que os professores trabalhassem com os seus alunos. O professor exerceria o
papel de par mais competente, levando o aluno a aprender mais do que ele
conseguiria aprender se resolvesse as tarefas individualmente, e uma vez que
para este autor o desenvolvimento é função da aprendizagem, os professores
estariam deste modo a contribuir para o desenvolvimento dos seus alunos.
Esta noção foi retomada por diversos autores, em estudos mais recentes,
que abordaremos depois. No entanto, importa salientar que se veio a revelar
ainda muito mais poderosa e rica do que Vygotsky imaginara, pois não é apenas
o par menos competente que consegue promover o seu desenvolvimento numa
situação de interacção, o que se veio a revelar particularmente prometedor do
ponto de vista pedagógico (César, 2000a).
4.1.3. Complementaridade destas duas abordagens. Sabemos hoje em
dia, através de numerosos relatos (Barrelet e Perret-Clermont, 1996), que a
metodologia piagetiana foi muito usada pela escola russa, inclusivamente por
Vygotsky, que defendia o recurso a metodologias de índole qualitativa e que
permitissem compreender as formas de raciocínio da criança. Assim, embora
conjugando o método clínico piagetiano com metodologias de inspiração
etnográfica, Vygotsky não deixou de se inspirar profundamente neste método
ao longo dos trabalhos que desenvolveu.
As críticas a Piaget eram de índole teórica, mas havia uma riqueza nas
suas observações que foi tida como inegável e que nos permitiu compreender
melhor o desenvolvimento infantil. Como afirma van der Veer (1996)
"Felizmente, nenhuma fronteira ideológica ou jurídica pode impedir a
psicologia soviética de ser influenciada pela “tentativa militante” de Piaget de
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mudar a imagem que nós temos da natureza, da origem e do desenvolvimento
da inteligência" (p. 311, aspas no original). Assim, Vygotsky assume também
posições desenvolvimentistas e, em muitos aspectos, que diversos autores
consideram mesmo construtivistas (Tryphon e Vonèche, 1996).
Encarando o legado de Piaget de uma forma dinâmica, e conjugando-o
com outras abordagens, que realcem ainda mais o relevo que o aspecto social
tem na apropriação do conhecimento e na mobilização de competências,
podemos chegar a um quadro de referência teórico sólido, que nos permita
compreender de uma forma aprofundada muitos dos mecanismos interactivos
em jogo numa sala de aula. A conjugação das duas teorias permite, também,
moderar as posições extremas de cada um dos autores, tornando-as mais
adaptadas ao que acontece nas nossas práticas profissionais.
Piaget acreditava que os sujeitos podiam - e deviam - aprender tudo quase
exclusivamente por si próprios, enquanto construtores do seu próprio saber mas,
muitas vezes, enquanto construtores isolados. Se, por um lado, esta posição
permitiu chamar a atenção para o papel activo do sujeito na sua própria
aprendizagem, por outro lado é pouco viável conceber a reconstrução individual
de todo o conhecimento científico hoje disponível.
Vygotsky veio realçar o papel do professor, que ele acreditava ser o par
mais competente necessário para que o sujeito pudesse trabalhar, de forma
eficiente, na sua zona de desenvolvimento proximal (ZDP). Assim, sublinhou a
importância do professor enquanto transmissor de conhecimentos, mas não foi
capaz de prever a força e a riqueza das interacções sociais em si mesmas, nem
as potencialidades que estas podiam ter quando utilizadas entre pares e na sala
de aula. Para além disso, ao realçar de forma extrema o social, esqueceu, por
vezes, o papel do intrapsíquico, da reflexão pessoal sobre as práticas, das
formas de aprendizagem que não são socialmente organizadas, nem formais.
Considerar a conjugação destas duas teorias possibilita-nos o acesso quer
ao papel activo dos alunos quer à promoção das interacções entre pares na sala
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de aula, enquanto forma para atingir o seu pleno desenvolvimento e melhores
desempenhos académicos. O que se consegue é que o papel do professor e do
aluno sejam encarados de um forma mais equilibrada, em que nem tudo
depende de um deles, nem do outro, tendo mesmo de ser tidas em conta as
normas da comunidade educativa em que estes parceiros sociais se inserem. As
interacções verticais diminuem, as horizontais aumentam, mas ambas têm um
contributo a dar para a apropriação dos conhecimentos, por parte dos alunos.
4.2. Algumas investigações de charneira entre a teoria piagetiana e as
abordagens psicossociais
Ainda antes da segunda metade da década de 70 do século passado,
alguns autores conceberam planos empíricos engenhosos que constituíram um
primeiro ensaio da conjugação destas duas abordagens. Nestes casos, o que
pretendiam estudar a influência das interacções sociais no desenvolvimento e
desempenho cognitivo dos sujeitos. Nielsen (1951) sentava duas crianças lado a
lado, pedindo-lhes que fizessem um desenho. Porém, dava-lhes dois lápis
unidos por uma corda que tinha um tamanho estudado de modo a que cada um
delas só fosse capaz de escrever quando a outra a deixava fazê-lo, pois não
podiam escrever em simultâneo.
Mais tarde, Flavell e os seus colaboradores (1968) estudaram a
capacidade das crianças para comunicar, adoptar um determinado papel,
coordenar as suas próprias acções com as do experimentador que joga com elas,
ou a capacidade para contar histórias a partir de um desenho e de as modificar
quando se reduz o número de desenhos. Por seu lado, Dami (1975) vai observar
a evolução de estratégias cognitivas em jogos de cooperação que envolvem
duas crianças e Moessinguer (1974) analisa situações de partilha.
Apesar das interacções sociais ainda não serem a unidade de análise
destes estudos, que ainda estão muito ligadas à explicação do processo de
desenvolvimento enquanto processo universal, ou seja, à noção de sujeito
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epistémico, elas constituem um primeiro embrião do que viriam a ser as
preocupações dominantes a partir da década de 70, com o aparecimento do
quadro de referência teórico da construção social da inteligência.
4.3. A construção social do conhecimento no século passado
4.3.1. Final da década de 70 – A construção social da inteligência. Os
trabalhos pioneiros de Doise, Mugny e Perret-Clermont (1975, 1976) e de
Perret-Clermont (1976/1978) constituem o marco do início da abordagem que
se designa por construção social da inteligência. Estes autores procederam a
uma renovação da teoria piagetiana, introduzindo-lhe uma dimensão social
explícita, o que não acontecia na maioria dos estudos anteriores.
Nestes primeiros trabalhos, o objectivo consistia em estudar a influência
dos factores sociais, como a interacção entre pares, nos progressos que se
podiam observar no desenvolvimento cognitivo dos sujeitos. Recorriam a
provas de tipo piagetiano, utilizavam o método clínico piagetiano e procediam a
estudos quasi experimentais, caracterizados por um ou vários pré-testes, uma
fase de actuação com diversas condições experimentais que se pretendiam
comparar em termos de eficácia e um ou vários pós-testes. A eficácia das
diversas condições experimentais era medida pelas diferenças obtidas entre os
resultados do(s) pós-teste(s) e os do pré-teste(s).
Um dos conceitos mais estudados, nesta época, foi o de conflito sócio-
cognitivo (Perret-Clermont e Nicolet, 1988).
4.3.2. A década de 80 – A relevância crescente de Vygotsky. Nestas
abordagens sente-se a influência crescente da teoria de Vygotsky, corroborada
pelas evidências empíricas que se iam acumulando. Tornou-se premente a
necessidade de se passar dos estudos semi-laboratoriais para estudos
contextualizados, já efectuados na sala de aula e com tarefas que se
relacionavam com conteúdos académicos (Schubauer-Leoni e Perret-Clermont,
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1980, 1981). A própria noção de contexto foi alargada e surgiu a noção de
contexto interpessoal, o que sublinhava de forma nítida a importância que era
então concedida às interacções sociais, a tudo o que era relacional, como quem
apresentava a tarefa, em que tipo de situação isso decorria, ou como eram dadas
as instruções de trabalho (Rogoff, 1982; Schubauer-Leoni e Perret-Clermont,
1980, 1981).
É no início dos anos 80 que surge a noção de marcação social (Doise e
Mugny, 1981; Mugny, 1985), que realça o papel facilitador que tem, para os
desempenhos dos sujeitos, o facto de uma determinada tarefa ter um significado
social. Percebeu-se, desde então, que aquilo que frequentemente se tomava
como sendo tarefas com um grau de dificuldade equivalente não o eram, pois
não bastava ter em atenção o nível operatório necessário para as resolver, era
preciso também ter em conta o seu significado para os sujeitos. Este aspecto
seria alargado e iluminado, mais tarde, com os estudos que comparavam
desempenhos em contextos diferentes (Carraher, Carraher e Schliemann, 1989).
Os trabalhos na primeira metade da década de 80 do século passado
fizeram repensar a relação existente entre a criança e o saber. Deixou de se
acreditar que os desempenhos dependiam apenas de capacidades operatórias,
que funcionavam como pré-requisitos ao nível das capacidades; ou de
conhecimentos académicos prévios, encarados como pré-requisitos. A questão
de ter ou não sucesso na resolução de uma determinada tarefa passou a ser vista
como muito mais complexa.
Na segunda metade da década de 80 do século passado, com a Psicologia
Social da Transmissão do Conhecimento, o saber passou a ser cada vez mais
encarado como socialmente construído e pré-existente ao sujeito,
nomeadamente quando se tratava de conhecimento científico.
Uma noção que foi muito debatida nesta época foi a de contrato didáctico
(Brosseau, 1988; Schubauer-Leoni, 1986). Segundo vários autores, o contrato
didáctico é um conjunto de regras, geralmente implícitas, que legitima aquilo
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que cada parceiro social espera do outro, numa situação didáctica. Deste modo,
para estes autores, as reacções dos alunos perante as actividades que lhes são
propostas nas aulas são determinadas pelas regras implícitas do contrato
didáctico.
Por último, deu-se uma grande ênfase ao estudo dos mecanismos em jogo
nas interacções sociais (Perret-Clermont e Nicolet, 1988). Percebeu-se que, para
que uma interacção fosse frutuosa, não bastava sentar os alunos lado a lado.
Tentou-se explicar, de forma mais detalhada, em que condições as interacções
eram mais ricas e susceptíveis de serem um elemento facilitador dos
desempenhos dos alunos (César, 1994).
4.3.3. A década de 90 – As interacções sociais enquanto unidade de
análise. Na última década do século passado registou-se mais um alargamento
do quadro conceptual, integrando contributos de outros autores: a noção de
subjectividade da situação de teste (Grossen, 1988) foi alargada para o campo
da educação, vendo-se também qual o papel que a subjectividade e a
negociação jogam quando os professores interagem com os alunos e qual o
papel que as regras institucionais têm na criação dessa subjectividade e nas
formas de negociação que se estabelecem entre os diversos actores da relação
didáctica (Grossen e Py, 1997; Schubauer-Leoni e Grossen, 1993); a noção de
arena, enquanto palco em que os diversos actores da situação didáctica
interagem, vinda da teoria da aprendizagem situada (Lave, 1988); ou a de
intersubjectividade, ou a de vozes e ecos, que foram constructos introduzidos
por Wertsch (1991), e que permitiram compreender a complexidade dos
processos interactivos.
Verificou-se ainda uma crescente importância dada à situação e à
necessidade que os sujeitos têm de lhe atribuírem um significado, assim como
ao contrato didáctico, que passou a ser abordado através de diferentes ângulos:
do professor, do aluno ou do metacontrato (Schubauer-Leoni e Perret-Clermont,
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1997). As interacções sociais, nomeadamente as interacções entre pares,
passaram a ser analisadas em termos de atribuição de significados (César, 1996,
1998, César e Torres, 1997a, 1997b; Schubuer-Leoni e Perret-Clermont, 1997;
Pontecorvo, 1990) e não apenas dos efeitos que elas têm no desenvolvimento
dos sujeitos, tal como acontecia na década de 80. Por tudo isto, foi também
atribuída uma maior importância a uma análise detalhada do discurso.
Assim, podemos afirmar que, com a década de 90, se deu o aparecimento
de uma nova unidade de análise: já não se procura estudar o sujeito, enquanto
pensador isolado afectado por factores sociais; a actual unidade de análise são
as interacções e trocas que existem entre os parceiros sociais, situados
socialmente, sujeitos a um contrato didáctico, mas também a um metacontrato
institucional (Schubauer-Leoni e Perret-Clermont, 1997).
4.4. Os desafios do século XXI
4.4.1. Os princípios da inclusividade. Numa primeira fase, a noção de
escola inclusiva surgiu para dar uma resposta mais convincente à inserção das
crianças com necessidades educativas especiais (NEE) na escola e na sociedade
em geral (Ainscow, 1991). Porém, a escola inclusiva acabou por tomar um
sentido mais abrangente, quando a passámos a encarar como uma realidade que
se deseja para Todos, porque Todos somos especiais, Todos temos
características próprias que nos distinguem dos demais, percursos de vida que
são só nossos, sentimentos, acontecimentos que vivenciámos, sistemas de
valores que construímos. Mas também todos temos uma voz (ainda que
silenciada), todos temos espaços-tempos que nos são próprios e que, se é certo
que os construímos pela interacção com os outros (Valsiner, 1998), também os
recriámos, dando-lhes um significado próprio.
Do ponto de vista dos direitos humanos, a inclusão de todas as crianças
no ensino regular aparece contemplada em muitos países, sendo vista como
fundamental para promover uma sociedade em que cada um possa encontrar o
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seu lugar enquanto cidadão participativo (Bénard da Costa, 1996; Clark, Dyson,
Millward e Skidmore, 1997). Para além disso, muitos países, entre os quais
Portugal, assinaram a Declaração de Salamanca (1994) onde se defende que
"todos os alunos devem aprender juntos, sempre que possível,
independentemente das dificuldades e das diferenças que apresentam. Estas
escolas [inclusivas] devem reconhecer e satisfazer as necessidades diversas dos
seus alunos, adaptando-se aos vários estilos e ritmos de aprendizagem, de modo
a garantir um bom nível de educação para todos através de currículos
adequados, de uma boa organização escolar, de estratégias pedagógicas, de
utilização de recursos e de uma boa cooperação com as respectivas
comunidades" (pp. 21-22).
No entanto, volvidos dez anos, continuamos a verificar um fosso
profundo entre os ideais e princípios expressos nesta declaração e em diversos
documentos portugueses de política educativa (Benavente et al., 1994;
Ministério da Educação, 1986) e as práticas que observamos no quotidiano.
Como realçam diversos autores (Ainscow, 1991, 1999; Karagiannis, Stainback e
Stainback, 1999), o processo de implementação de escolas verdadeiramente
inclusivas é algo complexo, lento, que não está isento de avanços e recuos, pois
implica mudanças radicais na forma como concebemos não só a Escola, mas
também a nossa participação social. Por isso mesmo, este processo pode gerar
desconfianças múltiplas, medos, que conduzem à falta de aderência à mudança
(Dyson e Millward, 2000). Como salientam Gaspar e Pereira (1997), é frequente
que as mudanças legislativas não correspondam a mudanças nas concepções e
nas práticas profissionais dos agentes envolvidos no processo educativo e, por
isso mesmo, diríamos nós, as mudanças profundas necessitam do envolvimento
voluntário dos diversos agentes da comunidade educativa o que, como
evidenciou Ainscow (1999), exige um contacto muito directo entre os pólos
promotores da mudança e aqueles que a vão continuar, depois, no terreno.
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4.4.2. O dialogical self. Tal como Valsiner (1998), consideramos que a
personalidade não se constrói apenas através da reflexão, vivências e
interiorizações várias de um pensador isolado, mas antes pelos diálogos situados
que mantemos com o(s) que nos rodeia(m). Como este autor afirma, “Esta
personalidade é sociogenética (isto é, baseada socialmente) nas suas origens e é
semi-autónoma em relação a qualquer contexto social num dado tempo e espaço.
Esta personalidade constrói activamente o seu futuro – estabelecendo metas,
tentando atingi-las e abandonando-as.” (p. 28), acrescentando ainda que cada
pessoa é interdependente do contexto cultural, sendo constrangida por ele, mas
também actuando sobre ele, modificando-o.
Alguns dos mais recentes contributos para a compreensão da construção
da identidade têm sido desenvolvidos por Hermans e seus colaboradores (1992,
1996, 1998, 2001) e relacionam-se com a concepção de dialogical self. Nesta
abordagem, também de cariz histórico-cultural, “O self e a cultura são
concebidos em termos de uma multiplicidade de posições entre as quais se
podem desenvolver relações dialógicas” (Hermans, 2001, p. 243, sem itálico no
original). Desta forma, o self é estudado como culture-inclusive e, por sua vez, a
cultura é concebida como self-inclusive, o que significa que ambos são vistos
como profundamente interdependentes.
Se concebermos a identidade como um dialogical self, então cada aluno é,
simultaneamente, diversas personagens, que podem gerar maiores ou menores
conflitos, facilitando a sua inserção académica, ou tornando-a mais difícil. Por
exemplo, se um aluno provém de um meio cujos valores são profundamente
diferentes dos da Escola, é bastante provável que exista um conflito difícil de
resolver entre o que ele é como filho, como habitante de um determinado bairro,
como amigo de pessoas da sua cultura de origem e o que ele tem de ser como
aluno, para ser aceite pela comunidade educativa. Porém, se a escola assumir
uma perspectiva de inclusividade, estes diferentes personagens são respeitados
na sua diversidade e, assim, o nível do conflito interno que este aluno tem de
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saber gerir torna-se suportável. Por outro lado, numa perspectiva de
inclusividade, as diferenças são admitidas, não são vistas como uma fraqueza,
nem como um estigma, ou algo que mereça ser menos respeitado. Assim, os
diversos aspectos do self têm melhores oportunidades de dialogar sem porem em
risco a aceitação do aluno por parte da comunidade educativa, podendo até levá-
lo a compreender posições diferentes que outros agentes da comunidade
educativa possam ter tomado, ou vir a tomar.
4.4.3. O trabalho colaborativo. A importância crescente que tem sido
conferida ao trabalho colaborativo neste século pode ser, em parte, explicada
pelo facto de vivermos numa sociedade que valoriza diversas formas de
cooperação, a nível inter e intra-institucional. Para além disso, numa sociedade
onde a mudança tem sido uma constante, até em termos curriculares, o trabalho
colaborativo afigura-se como uma mais valia que não pode ser desperdiçada.
No entanto, o trabalho colaborativo não pode ser encarado como um todo
homogéneo, em termos de teorização e investigação. Segundo van der Linden,
Erkens, Smidt e Renshaw (2000), uma perspectiva que designam por
cognitivista orienta-se por princípios construtivistas, focando-se essencialmente
na aquisição de conhecimento, na qual os factores sociais agiriam como
facilitadores da aprendizagem; uma abordagem distinta, a da aprendizagem
situada, é a participação social que explica as diversas formas de aprendizagem.
No entanto, entre estes dois extremos, que podemos designar por mais
ortodoxos, existem posições intermédias, que tentam conjugar alguns aspectos
destas abordagens.
O que parece hoje ser mais consensual é que a construção do
conhecimento envolve tanto aspectos individuais como sociais. A margem de
actuação de cada um deles e a sua importância relativa é o que distingue as
diversas abordagens que se designam por colaborativas. De qualquer modo,
todas elas enfatizam a relevância de alguns aspectos, como a autonomia, a co-
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responsabilização dos diversos participantes ou a importância dos processos e
dos discursos, incluindo os não verbais.
Um aspecto que tem sido estudado neste século prende-se com a
negociação da construção da identidade (Grossen, 2000). A noção de identidade,
neste caso, é entendida como dinâmica e, por isso mesmo, como construída no
seio dos diversos grupos sociais que os indivíduos integram. Assim, segundo os
grupos em que estão inseridos, os indivíduos assumem diversos aspectos da sua
identidade, o que significa que numa situação de trabalho colaborativo não se
negoceiam apenas significados quanto ao processo interactivo em curso, também
se negoceiam as identidades que se podem, ou não assumir naquela situação.
4.4.4. Um exemplo de operacionalização: O projecto Interacção e
Conhecimento. Partindo de investigações de tipo quasi experimental, efectuados
em contexto escolar e com tarefas relacionadas com conteúdos matemáticos
(César, 1994; César, Perret-Clermont e Benavente, 2000), foi possível analisar
detalhadamente os mecanismos que explicam o funcionamento das interacções
entre pares, compreendendo os processos em jogo e o papel de diversos
elementos (tipo de tarefa, de instruções de trabalho, de díade, estatuto de quem
apresenta a tarefa, entre outros) nos desempenhos dos sujeitos.
Estes primeiros trabalhos possibilitaram, numa fase posterior deste
projecto, construir dinâmicas colaborativas entre investigadores e professores,
tendentes a facilitar a inclusão dos diversos alunos numa Escola que se pretende
de Todos e para Todos (César, 2000a, 2000c), onde tanto professores como
alunos têm um papel activo na co-construção e partilha de saberes, onde as
diversas vozes são desocultadas, permitindo ouvir mesmo os que habitualmente
são silenciados. Assim, ao iluminarmos aspectos que os alunos desconheciam
mesmo sobre si próprios, como as competências que conseguiam mobilizar na
resolução de tarefas académicas, foi possível estabelecer uma policromia de
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diálogos, que facilitou a inclusão social dos alunos, bem como a apropriação de
conhecimentos matemáticos.
Um dos desafios a que o projecto Interacção e Conhecimento tem
procurado responder, ao longo da sua existência – que, curiosamente, começou
no mesmo ano em que foi assinada a Declaração de Salamanca (1994) – é o da
implementação de práticas mais inclusivas, que permitam responder às
necessidades de todos os alunos que nele participam. A análise de alguns casos
permite iluminar os contributos que este projecto tem dado para a promoção da
inclusividade (César, 2000b, 2002, in press; César e Silva de Sousa, in press).
Actualmente, para além da Matemática, o projecto foi também estendido
a outras disciplinas, como as Ciências, a Filosofia e a História, tendo o trabalho
colaborativo revelado potencialidades nítidas na implementação de ambientes
mais inclusivos (Barata, Melro e César, 2001; Borges e César, 2001; Correia e
César, 2001). No entanto, devido às especificidades de cada uma destas
disciplinas, se há pontos comuns que se mantêm, existem também diferenças,
nomeadamente quanto à natureza das tarefas que elaboramos, às instruções de
trabalho que são fornecidas ou, até, à distribuição espacial que os professores
julgam mais adequada naquela disciplina.
O projecto Interacção e Conhecimento contempla dois níveis de
intervenção: 1) - Um nível de micro-análise, onde se efectuam estudos quasi
experimentais contextualizados, que permitem uma análise aprofundada dos
mecanismos inerentes às interacções entre pares; 2) - Um nível de investigação-
acção, onde se implementam as interacções entre pares na sala de aula, pelo
menos durante um ano lectivo, enquanto forma para promover a auto-estima
positiva por parte dos alunos, atitudes mais positivas face à escola e ás
disciplinas consideradas, o seu desenvolvimento sócio-cognitivo e afectivo e o
seu sucesso escolar, sendo o objectivo último conseguir proporcionar vivências
que subscrevem os princípios da escola inclusiva.
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As turmas abrangidas pelo projecto vão do 5º ao 12º ano de escolaridade.
Os professores que colaboram no projecto têm formações iniciais e experiências
profissionais muito distintas. De salientar que estes professores desempenham
um duplo papel: de professor e investigador, participando nas diversas tomadas
de decisão que caracterizam um projecto que já dura há 10 anos. Assim, o
próprio projecto constitui-se como uma vivência, para a sua equipa, de formas
de trabalho colaborativo, contribuindo para o desenvolvimento pessoal e
profissional dos que nele participam.
4.5. Algumas questões ainda em aberto
Num mundo onde o acesso à informação é cada vez mais diversificado,
onde as formas de transmissão a apropriação dos conhecimentos são cada vez
mais variadas, os estudos contextualizados tendem a contemplar novos
contextos sociais e relacionais, numa busca de apreensão da dialéctica entre
aquilo que designamos pelo global e o particular, tentando formas inovadoras de
articulação que permitam cada vez mais o acesso de todos ao conhecimento.
Assim, estudos recentes, já deste século, tendem a evocar contextos como os
museus enquanto espaços interactivos e de aprendizagem de conhecimentos
científicos.
Por outro lado, as interacções sociais ganharam novos contornos (basta
pensarmos na comunicação através de novas tecnologias), continuando a ser um
domínio de investigação onde teremos muito a explorar. Por isso mesmo, um
novo domínio de investigação se abre quando pensamos nas interacções virtuais
e no papel que elas desempenham na apropriação de conhecimentos e
mobilização de competências.
Cada vez mais interessa discutir não apenas o que se aprende, mas como
se aprende e para que se aprende, ou seja, a qualidade das aprendizagens
efectuadas tornou-se uma questão central, mudando o foco das questões do
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sucesso académico para as da literacia e da numeracia, para a preparação de
uma cidadania crítica e activa.
Diversas questões ainda em aberto prendem-se com o que entendemos
por aprender (César, 2001; van der Linden, Erkens, Schmidt e Rensaw, 2000) e
com o papel mediador que diversos instrumentos e signos podem ter nesse
processo.
Assim, por tudo o que foi dito, algumas das questões ainda em aberto são
de ordem metodológica, nomeadamente aquelas que se referem a encontrar
formas, ao nível da escrita, de divulgar resultados de abordagens de índole
interpretativa ou narrativa.
5. Considerações finais
Para quem lê os estudos que foram feitos desde a década de 70, o mais
surpreendente deste quadro de referência teórico é a sua capacidade heurística,
em conjunto com a riqueza de interpretações das diferentes realidades que
permite. Provavelmente, são estas duas características que explicam a forte
aderência que tem tido e, como não poderia deixar de ser, as críticas a que
também tem estado sujeito. Inegável parece-nos o facto de que a sua leitura
constitui um enorme desafio para os investigadores do domínio da Educação,
nomeadamente pelo modo inovador e, simultaneamente aprofundado, como
permite compreender as interacções sociais, um aspecto cada vez mais relevante
para o processo de apropriação de conhecimentos e mobilização de
competências.
No entanto, convém realçar que esta abordagem é apenas uma das
abordagens possíveis. A Educação lida com fenómenos complexos, pelo que
cada abordagem tem as suas vantagens e limitações, que deverão ser
equacionadas quando se interpretam resultados de investigação.
6. Referências bibliográficas
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