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INTERDISCIPLINARIDADE E ENSINO DE BIOLOGIA:
UMA ANÁLISE DAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS E DO
CURRÍCULO MÍNIMO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Caio Roberto Siqueira Lamego (Mestrando do PPGEAS – UERJ e Docente da SEEDUC/RJ)
Maria Cristina Ferreira dos Santos (Faculdade de Formação de Professores e Instituto de
Aplicação/ PPGEAS e PPGEB - UERJ)
Resumo
A interdisciplinaridade é uma perspectiva do processo de ensino e aprendizagem que
propõe a articulação entre disciplinas. Essa palavra tem uso polissêmico e o objetivo desse
estudo é analisar as noções de interdisciplinaridade em documentos oficiais. A pesquisa tem
caráter qualitativo com a análise documental das DCNEB e do Currículo Mínimo 2012 de
Biologia, com uso das noções de interdisciplinaridade de: transversalidade; integração de
conhecimentos; progressão para a transdisciplinaridade; e projetos, temas geradores e eixos
temáticos. Foram identificadas quatro noções de interdisciplinaridade nas DCNEB e três no
Currículo Mínimo 2012. Nesse último não se identificou noção de transdisciplinaridade e sim
a valorização da especialização e disciplinarização do conhecimento.
Palavras-chave: interdisciplinaridade, ensino de Biologia, Diretrizes Curriculares Nacionais
da Educação Básica, Currículo Mínimo.
Introdução
O currículo é um construto sociohistórico marcado por tensões, conflitos e disputas.
Moreira e Silva (2000, p. 7) afirmam que o currículo “[...] há muito tempo deixou de ser
apenas área meramente técnica, voltada para questões relativas a procedimentos, técnicas,
métodos; [...] está impregnado por questões sociológicas, políticas, epistemológicas”. O
currículo não é neutro e o que é considerado importante para ser ensinado e aprendido é
sempre uma seleção cultural, em que alguns conhecimentos são legitimados e hegemonizados
(APPLE, 2001; GOODSON, 1995; MOREIRA; SILVA, 2000).
A organização disciplinar do currículo escolar tem se mantido estável (GOODSON,
1995). A dimensão epistemológica do conhecimento construído temporalmente pelas
disciplinas escolares incorpora saberes próprios da comunidade científica que delimitam
territórios de atuação e investigação (LOPES, 2008, p. 54), mas é possível estabelecer
relações dialógicas entre diferentes áreas de saberes, no âmbito científico ou escolar. O
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desenvolvimento de práticas interdisciplinares no currículo requer uma relação cooperativa e
dialógica entre as disciplinas, respeitando seus limites e saberes de modo a não hierarquizar
um determinado tipo de conhecimento em detrimento de outro. Quando um professor de
Biologia se apropria de saberes dessa área e de outras para explicar um determinado
fenômeno, entende-se que a abordagem possa ser interdisciplinar, se houver
complementariedade e equivalência entre os saberes (FORTUNATO et al., 2013, p. 77).
Diversos autores têm se debruçado em estudos que propõem minimizar as fronteiras
que permeiam os conhecimentos disciplinares, de modo a criar níveis de organização
curricular com diálogo entre as disciplinas escolares (FAZENDA, 2011; POMBO, 2004;
JAPIASSÚ, 1976; JANTSCH, 1972). Fazenda (2008, p. 93) afirma que pensar a
interdisciplinaridade como “[...] junção de disciplinas, cabe pensar currículo apenas na
formatação de sua grade”. A interdisciplinaridade está associada a uma tomada de decisão
pelo docente de modo a refletir sobre aspectos culturais do cenário onde estão inseridos. Para
Fazenda (2011, p.54) “[...] um grupo interdisciplinar compõe-se de pessoas que receberam
sua formação em diferentes domínios do conhecimento (disciplinas) com seus métodos,
conceitos, dados e termos próprios”. Japiassú (1976, p.74) corrobora com essa ideia:
[...] a interdisciplinaridade caracteriza-se pela intensidade das trocas entre os
especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas no interior de um mesmo
projeto de pesquisa (JAPIASSÚ, 1976, p. 74).
Para Jantsch (1972, p. 106), a pluridisciplinaridade é a “[...] justaposição de várias
disciplinas, porém no mesmo nível hierárquico, agrupados de maneira tal a melhorar as
relações entre elas”. Fazenda (2011), ao se apropriar desta definição de Jantsch (1972),
modifica o conceito e propõe que a pluridisciplinaridade hierarquiza saberes escolares. A
integração curricular seria a etapa final do processo e não intermediária nas práticas
pedagógicas interdisciplinares. A validade da integração curricular só se efetiva em uma
concepção interdisciplinar se o trabalho pedagógico, executado pelos docentes, for exercido a
partir de uma nova atitude diante da questão do conhecimento, de abertura à compreensão de
aspectos ocultos do ato de aprender e dos aparentemente expressos, colocando-os em questão.
Alguns documentos curriculares para o ensino fundamental e médio produzidos dos
anos 1990 até a atualidade incluíram a interdisciplinaridade entre seus objetivos. As Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, instituídas,
respectivamente, pelo Parecer n.4 de 29 de janeiro de 1988 e a Resolução n.3 de 26 de junho
de 1988, estabeleceram um ensino pautado no desenvolvimento de competências como
objetivo fundamental da escolarização e a interdisciplinaridade como proposta de organização
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curricular (CARVALHO, 2001). O Plano Nacional de Educação n. 10.172 de janeiro de 2001
ressalta a valorização de um paradigma curricular pautado na interdisciplinaridade e do
trabalho docente de modo coletivo. O Parecer CNE/CEB n. 7/2010 e a Resolução CNE/CEB
n. 4/2010 acentuam a proposta interdisciplinar no currículo da educação básica. O Parecer n.
5/2011 dispõe no Art.5 que: “[...] o Ensino Médio em todas as suas formas de oferta e
organização, baseia-se em: VI – integração de conhecimentos gerais e, quando for o caso,
técnico-profissionais, realizada na perspectiva da interdisciplinaridade e da contextualização”.
Em 2013 foram estabelecidas novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica
(DCNEB) (BRASIL, 2013), que incluem a interdisciplinaridade. O atual Plano Nacional de
Educação (2014-2024) reitera a questão da interdisciplinaridade, incentivando: a “[...] relação
entre teoria e prática, por meio de currículos escolares que organizem, de maneira flexível e
diversificada, conteúdos obrigatórios e eletivos” (BRASIL, 2014, p. 53). Tal observação não
significa que as perspectivas interdisciplinares nesses documentos sejam similares, pois os
documentos curriculares pressupõem mudanças e, como Lopes (2008, p. 20) ressalta, “[...]
apontam possíveis transformações nas maneiras de abordar os conteúdos e, por meio dessas
novas abordagens, visam à modificação dos conteúdos ensinados”.
A interdisciplinaridade no ensino de Biologia vem ganhando destaque ao discutir e
refletir sobre a necessidade de estreitar fronteiras entre conhecimentos de diversas matrizes
que constituem essa disciplina escolar (AUGUSTO; CALDEIRA, 2005), compartilhando
linguagens para representar e interpretar os fenômenos naturais e biológicos (OLIVEIRA;
SANTOS, 2014). O trabalho interdisciplinar no ensino de Biologia é compreendido como
modo de produção de mudanças nas estruturas curriculares por meio de tensões e conflitos,
mas também em acordos em torno de certas demandas entendidas como defesas da qualidade
de ensino de uma disciplina (BUSNARDO; LOPES, 2007).
Nesse estudo sobre a interdisciplinaridade no ensino de Biologia, o objetivo principal
é analisar as noções de interdisciplinaridade nas DCNEB (2013) e no Currículo Mínimo do
estado do Rio de Janeiro (SEEDUC, 2012). A análise pode contribuir para reflexões sobre os
sentidos atribuídos à disciplina escolar Biologia em documentos curriculares.
Metodologia
A pesquisa teve abordagem qualitativa com análise documental. Esse tipo de análise
caracteriza-se por os dados serem extraídos estritamente de documentos, podendo ser escritos
ou não, configurando-se como fontes primárias (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 174). Para
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Lüdke e André (1986), “[...] os documentos constituem também uma fonte poderosa de onde
podem ser retiradas evidências que fundamentam afirmações e declarações do pesquisador”.
A pesquisa foi desenvolvida tomando como fontes primárias na obtenção de dados as
DCNEB (BRASIL, 2013) e o Currículo Mínimo 2012 do estado do Rio de Janeiro (SEEDUC,
2012). A análise contou com um recorte metodológico onde se objetivou analisar as
concepções de interdisciplinaridade nos documentos referentes aos níveis de ensino
fundamental e médio. Foram analisados nas DCNEB (2013) os capítulos que abordam as
“Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica”, “Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos” e “Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio”. No Currículo Mínimo 2012 do estado do Rio de Janeiro o olhar se
voltou para a disciplina Biologia, de modo a compreender como as noções de
interdisciplinaridade vêm sendo abordadas nas matrizes dessa disciplina no Currículo
Mínimo, utilizado como referência nas avaliações da rede pública estadual.
O procedimento utilizado para a categorização das concepções nos documentos foi
análise de conteúdo, definida como: “[...] um conjunto de técnicas de análise das
comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo
das mensagens” [grifos do autor] (BARDIN, 2011, p. 44). A análise de conteúdo permite, por
meio de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo de uma mensagem,
indicadores que possibilitem conhecimentos relativos às condições de produção/percepção
dessas mensagens (BARDIN, 2011). Para Jacob (2004, p. 518), a categorização permite:
[...] dividir o mundo em grupos de entidades cujos membros têm similaridades entre
eles dentro de um determinado contexto, distinguindo-se da classificação, que é uma
capacidade conceitual humana que utiliza as categorias como ferramentas.
Após sucessivas leituras dos documentos foram elaboradas categorias de análise que
se referem às noções de interdisciplinaridade como: garantia da transversalidade, integração
de conhecimentos, progressão para a transdisciplinaridade e projetos, temas geradores e eixos
temáticos (Quadro 1). Essas noções de interdisciplinaridade se apoiam em Jantsch (1972, p.
103-110), que definiu quatro etapas de cooperação entre as disciplinas: multidisciplinaridade,
pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, posteriormente difundidas
nos estudos de Fazenda (2011, p. 69) por tratar a questão da interdisciplinaridade “[...] como
meio de autorrenovação e como forma de cooperação e coordenação crescente entre as
disciplinas [...]”.
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Quadro 1. Noções de interdisciplinaridade e sentidos atribuídos.
Noção de interdisciplinaridade Sentidos
transversalidade Organização curricular em que o conhecimento perpassa por
diferentes áreas que não se apresentam relacionadas.
integração de conhecimentos Organização curricular por meio da justaposição de saberes
disciplinares, com aproximação entre eles.
transdisciplinaridade Organização curricular que não se divide em saberes
disciplinares ou disciplinas, para além da integração.
Projetos, temas geradores e
eixos temáticos
Organização curricular por meio de temas geradores sem
eliminar os saberes próprios de cada disciplina.
Resultados e Discussão
As DCNEB se organizam em capítulos que trazem diretrizes para a educação infantil,
ensino fundamental, ensino médio, educação profissional técnica de nível médio, educação no
campo, educação especial, educação indígena, educação de jovens e adultos, educação
quilombola, relações étnico-raciais e educação ambiental. Essas diretrizes ressaltam a
importância da interdisciplinaridade e contextualização no ambiente escolar.
No Currículo Mínimo 2012 do Estado do Rio de Janeiro a disciplina Biologia está
estruturada em habilidades e competências, contemplando um tema central a cada bimestre. O
ensino de conteúdos biológicos está previsto na disciplina Ciências nos anos finais do ensino
fundamental e na disciplina Biologia no ensino médio. O Currículo Mínimo estabeleceu uma
estrutura curricular comum para as escolas públicas estaduais, tendo entre os objetivos
declarados: “[...] a compreensão do processo de produção do conhecimento científico e do
desenvolvimento tecnológico contemporâneo, suas relações com as demais áreas da ciência,
seu papel na vida humana, sua presença no mundo cotidiano e seus impactos na vida social”
(SEEDUC, 2012, p. 3). Foram analisadas as noções de interdisciplinaridade em ambos os
documentos e indicados trechos interpretados como referentes às categorias de análise.
Interdisciplinaridade como transversalidade
Alguns fragmentos das DCNEB se referem à noção de um ensino integrado a partir da
transversalidade, com o distanciamento das fronteiras impostas pelas disciplinas. Esta
organização se baseia num currículo multidisciplinar, ocorrendo, segundo Fazenda (2011, p.
54), uma “[...] justaposição de disciplinas diversas, desprovidas de relação aparente entre
elas”. De acordo com essa autora ocorre uma proposta simultânea que “[...] destina-se a um
sistema de um só nível e de objetivos múltiplos, mas sem nenhuma cooperação”, ou seja, cada
disciplina escolar trata um determinado tema segundo suas próprias visões. Segundo Marques
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(2007, p. 1), “[...] a transversalidade pode ser entendida como uma forma de organizar e gerir
o currículo em torno de competências e saberes multidisciplinares, centrados em projetos que
atravessam várias áreas curriculares, exigindo contributo de equipes docentes”, ou seja, um
conhecimento que perpassa por todas as disciplinas escolares. Nas DCNEB essa noção foi
assinalada em:
[...] uma abordagem que facilita o exercício da transversalidade, constituindo-se em
caminhos facilitadores da integração do processo formativo dos estudantes [...]
(BRASIL, 2013, p. 29).
[...] deve assegurar a transversalidade do conhecimento e diferentes disciplinas e
eixos temáticos, perpassando todo o currículo e propiciando a interlocução entre os
saberes e os diferentes campos do conhecimento [...] (BRASIL, 2013, p. 68).
Este modelo de organização curricular se traduz em um ensino pautado em multi-
objetivos, mas sem haver necessariamente cooperação explícita entre elas (JANTSCH, 1972,
p. 106). Os conhecimentos biológicos perpassam por domínios de saberes de outras
disciplinas que compõem o currículo escolar. A atitude dialógica entre as disciplinas não
aparece de forma clara, cabendo aos professores trabalhar um tema sem refletir de modo
cooperativo e colaborativo sobre ele.
As DCNEB também se referem à interdisciplinaridade relacionada aos conceitos de
contextualização e transversalidade, com o diálogo por meio de temas do cotidiano dos
alunos: [...] interdisciplinaridade e contextualização na articulação entre os diferentes
campos do conhecimento, por meio do diálogo transversal entre disciplinas diversas
e do estudo e pesquisa de temas da realidade dos estudantes e de suas comunidades
(BRASIL, 2013, p. 395).
Busnardo (2010, p. 78) define contextualização como todos os saberes “[...]
referendados fora dos limites disciplinares, sejam eles denominados saberes populares,
saberes cotidianos e saberes prévios dos alunos”. Conhecimentos expressivos das concepções
curriculares circulantes estão intimamente ligados às disciplinas de Ciências e Biologia
(BUSNARDO, 2010). Essa proposta possibilita uma reflexão ao se apropriar da
interdisciplinaridade no diálogo cooperativo com outros saberes disciplinares.
A análise da disciplina Biologia no Currículo Mínimo 2012 indica a noção de
transversalidade em algumas habilidades e competências.
[...] Relacionar os processos referentes à origem da vida a conceitos da Biologia e de
outras ciências, como a Química e a Física. (SEEDUC, 2012, 1º Ano do Ensino
Médio, 1º Bimestre – Origem da Vida).
Foram incluídos saberes de outras culturas e posicionamentos sociais para uma
compreensão ampla que permita o diálogo e a reflexão. A cultura dominante se vê diminuída
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ao se tratar os conteúdos de modo mais abrangente e refletindo sobre aspectos culturais
diversificados, por isso, Candau (2011, p. 242) coloca em jogo a necessidade de “[...] ter
presente a dimensão cultural para potencializar processos de aprendizagem mais significativos
e produtivos para todos os alunos e alunas”.
[...] Reconhecer a existência de diferentes explicações para a origem do universo, da
Terra e da vida, bem como relacioná-las a concepções religiosas, mitológicas e
científicas de épocas distintas. (SEEDUC, 2012, 1º Ano do Ensino Médio, 1º
Bimestre – Origem da Vida).
[...] Reconhecer a legislação ambiental como de responsabilidade do todo cidadão e
do poder público. (SEEDUC, 2012, 3º Ano do Ensino Médio, 4º Bimestre –
Biotecnologia).
A afirmação de diferenças e da diversidade de linguagens em sala de aula corrobora
com a multiplicidade de saberes e contribui para a aprendizagem do diálogo (CANDAU;
RUSSO, 2010), incentivando nos estudantes a reflexão sobre as dimensões política e cultural
na educação.
Interdisciplinaridade como integração de conhecimentos
Segundo Domingues et al. (2000), o enfoque do currículo integrado “[...] possibilita a
visão de um mesmo objeto de estudo de forma mais abrangente e totalizadora, numa
perspectiva de avaliação crítica da mesma”. Lopes (2005, p. 266) apresentou o “[...] discurso
da integração curricular como privilegiado pelos parâmetros desenvolvidos em torno dos
conceitos de interdisciplinaridade, contextualização, tecnologias e competências”. Entretanto,
é a partir da interdisciplinaridade que a ideia de integração ganha força para ser veiculada e
aprendida a divulgação dos parâmetros (LOPES, 2005). Esta perspectiva nas DCNEB:
[...] entendida como abordagem teórico-metodológica em que a ênfase incide sobre
o trabalho de integração das diferentes áreas do conhecimento, um real trabalho de
cooperação e troca, aberto ao diálogo e ao planejamento [...] (BRASIL, 2013, p. 28).
[...] oferecerá aos docentes subsídios para desenvolver propostas pedagógicas que
avancem na direção de um trabalho colaborativo, capaz de superar a fragmentação
dos componentes curriculares [...] (BRASIL, 2013, p. 138).
[...] o currículo deve contemplar as quatro áreas do conhecimento, com tratamento
metodológico que evidencia a contextualização e a interdisciplinaridade [...] entre
diferentes campos dos saberes específicos [...] (BRASIL, 2013, p. 195).
Cabe ressaltar que a integração dos conteúdos disciplinares deve se dar de forma real,
valorizando as trocas de conhecimentos e as reflexões, para que assim esteja presente de
modo efetivo a interdisciplinaridade. Japiassú (1976) destacou a importância da
interdisciplinaridade para que ela seja experimentada em um grau de integração real, a fim de
que os docentes passem a assumir uma atitude frente à diminuição das fronteiras disciplinares
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constituídas pela organização curricular ao longo dos anos. Segundo Fazenda (2011, p. 131),
deve-se atentar para o conceito do termo “integração”, pois pode levar a concepção que difere
da interdisciplinaridade, caso não seja trabalhado no seu sentido real.
O fato do termo “integração” ser basicamente introduzido para designar o
estabelecimento de uma hierarquia dos conteúdos das matérias, seja na busca de
uma ordenação horizontal ou vertical, poderia levar a uma caracterização de multi
ou pluridisciplinaridade, em que a preocupação primeira seria a justaposição de
conteúdos de disciplinas heterogêneas, ou a integração de conteúdos de uma mesma
disciplina (FAZENDA, 2011, p 131).
A interdisciplinaridade como integração de conhecimento também está presente no
Currículo Mínimo de Biologia ao relacionar conhecimentos que estão contextualizados com
as vivências do aluno, como a aproximação da Biologia com áreas afins, como a Química e a
Física. Por vezes esses saberes estão ainda mais integrados ao se necessitar da apropriação de
conhecimentos que envolvam essas disciplinas para a compreensão de processos bioquímicos
e biofísicos, seja para abordar a dimensão microscópica ao se estudar a célula ou a dimensão
macroscópica no estudo de dinâmicas ecológicas e ambientais.
[...] Reconhecer a existência de diferentes tipos de células, identificando a formação,
organização e funcionamento de cada uma delas, diferenciando, de modo geral, seus
mecanismos bioquímicos e biofísicos (SEEDUC, 2012, 2º Ano do Ensino Médio. 2º
Bimestre – Manutenção dos sistemas multicelulares).
[...] Reconhecer a importância do fluxo de energia para a vida e a ação de agentes ou
fenômenos que podem causar alterações nesse processo, indicando mecanismos de
obtenção, transformação e utilização de energia pelos seres vivos, considerando
aspectos biológicos, físicos ou químicos (SEEDUC, 2012, 3º Ano do Ensino Médio.
2º Bimestre – Os ecossistemas).
Na educação básica são mobilizados conhecimentos de diferentes disciplinas para se
compreender de modo crítico as consequências de avanços tecnológicos. A disciplina escolar
Biologia se apropria de saberes de outras áreas para a contextualização socioeconômica e
política e impactos. É importante o professor não somente atentar para conhecimentos de sua
disciplina, mas também explorar outros:
[...] Identificar critérios utilizados como indicadores sociais e de desenvolvimento
humano e analisar de forma crítica as consequências do avanço tecnológico sobre o
ambiente (SEEDUC, 2012, 3º Ano do Ensino Médio. 1º Bimestre – Humanidade e
ambiente).
Interdisciplinaridade como transdisciplinaridade
Segundo Iribarry (2003, p. 484), o processo transdisciplinar “[...] envolve uma
coordenação de todas as disciplinas e interdisciplinas em um sistema de ensino inovado, sobre
a base de uma axiomática geral” proporcionando o fim comum do sistema. A
interdisciplinaridade pode ser compreendida como uma etapa que antecede a
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transdisciplinaridade. Entretanto, a sua prática no ambiente escolar não garante que o
professor alcance um ensino independente dos conhecimentos próprios de sua disciplina. Esta
perspectiva nas DCNEB:
[...] refere-se ao conhecimento próprio da disciplina, mas está para além dela, tanto
no espaço quanto tempo [...] é complementar à pesquisa pluri e interdisciplinar
(BRASIL, 2013, p. 28).
A interdisciplinaridade como garantia de um processo progressivo à
transdisciplinaridade seria utópico, pois a primeira prevê uma intersubjetividade, não
pretendendo a construção de uma superciência, mas uma substituição da concepção
fragmentária para a unitária do ser humano (FAZENDA, 2011, p. 70-71). Japiassú (2006)
afirma que as propostas de práticas educativas transdisciplinares apresentam tendência
contrária à fragmentação do conhecimento:
[...] promovermos o desenvolvimento, no ensino e na pesquisa, de um espírito ou
mentalidade propriamente transdisciplinar, torna-se imprescindível que
abandonemos a rotinização e as falsas seguranças de que ainda se vangloriam nossas
disciplinas isoladas e nos entreguemos ao sonho da aventura transdisciplinar
concertiva apresentando-se como meio de compensar as lacunas de um pensamento
científico mutilado pela especialização (JAPIASSÚ, 2006, p. 17).
A noção de transdisciplinaridade não foi identificada no Currículo Mínimo de
Biologia, possivelmente porque nesse documento o currículo está estruturado em disciplinas e
não se questiona a disciplinarização do conhecimento.
Interdisciplinaridade por projetos e eixos temáticos
A interdisciplinaridade vem sendo disseminada no ambiente escolar por meio da
elaboração de projetos e eixos temáticos. Para Oliveira e Santos (2014, p. 4), um “[...] projeto
interdisciplinar surge muitas vezes do sujeito que carrega em si a atitude interdisciplinar, e
isso contagia os demais”. Este modelo de prática interdisciplinar se legitima se a interação
colaborativa existir de modo real entre os docentes onde um grupo de disciplinas se estabelece
no mesmo nível hierárquico (JANTSCH, 1972, p. 106). Os trechos adiante trazem concepções
de interdisciplinaridade por projetos e eixos temáticos segundo as DCNEB:
[...] conhecimento constitutivo de diferentes disciplinas, por meio de ação didático-
pedagógica mediada pela pedagogia dos projetos temáticos (BRASIL, 2013, p. 28).
[...] propostas curriculares ordenadas em torno de grandes eixos articuladores;
experiências de redes que trabalham projetos interdisciplinares com base em temas
geradores formulados a partir de problemas detectados na comunidade [...]
(BRASIL, 2013, p. 119).
[...] a pesquisa associada ao desenvolvimento de projetos, ganha maior significado
para os estudantes, além de seu forte sentido ético-social (BRASIL, 2013, p. 164).
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Os projetos estão intimamente associados à organização curricular por eixos
temáticos, pois, segundo Franco (2008), “[...] delimitam e direcionam o foco para o qual deve
convergir a formação em suas dimensões conceituais, procedimentais e atitudinais”:
A organização e desenvolvimento de um currículo por projetos não elimina a
existência de conhecimentos disciplinares, mas reposiciona-os, reúne-os novamente,
rompendo com as fronteiras disciplinares e com a compartimentalização do
conhecimento ao integrar saberes e conceitos-chave de diferentes recortes
disciplinares e ampliá-los a partir da consideração e da inclusão de conteúdos do
mundo vivencial (FRANCO, 2008, p. 69).
Projetos e eixos temáticos podem ser trabalhados em um dos descritores do Currículo
Mínimo de Biologia, onde se observa a integração da Biologia e disciplinas das ciências
humanas aplicadas à saúde individual e coletiva, para a ampliação de saberes relacionados a
hábitos saudáveis da população.
[...] Elaborar propostas com vistas à melhoria das condições sociais, diferenciando
as de responsabilidade individual das de cunho coletivo, destacando a importância
do desenvolvimento de hábitos saudáveis e de segurança, numa perspectiva
biológica e social. (SEEDUC, 2012, 2º Ano do Ensino Médio. 4º Bimestre –
Doenças e promoção da saúde).
Tanto nas DCNEB como no Currículo Mínimo 2012 foram analisados fragmentos de
texto que podem ser relacionados à interdisciplinaridade. Nas DCNEB foram apontados
trechos referentes às quatro noções de interdisciplinaridade estabelecidas nesse estudo e
vários utilizam os termos inter, multi, pluri e/ou transdisciplinar, ao passo que no Currículo
Mínimo não foi identificada a noção de transdisciplinaridade no texto e as palavras acima
referidas não foram frequentemente usadas. Com apoio em Japiassú (2006), entende-se que a
transdisciplinaridade tem menor destaque em ambos os documentos, pois assume uma
tendência oposta à valorização da especialização e organização curricular disciplinar.
Considerações finais
Os documentos curriculares contingenciam as possibilidades de ensino e
aprendizagem na educação básica. Os documentos analisados possibilitam o desenvolvimento
de um ensino de Biologia pautado na interdisciplinaridade e na integração de conhecimentos.
Dessa forma, a organização curricular prevê o diálogo dos conteúdos da disciplina de
Biologia com outras áreas do saber, valorizando aspectos interdisciplinares e de
contextualização com a realidade dos alunos.
Foram indicadas aproximações entre as DCNEB e o Currículo Mínimo 2012 em
relação a três das quatro noções de interdisciplinaridade. Contudo, a transdisciplinaridade não
foi explicitada na Biologia no Currículo Mínimo, possivelmente por esse documento
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apresentar-se estruturado em disciplinas e valorizar a especialização de saberes, se
distanciando da noção transdisciplinar.
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