UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS - RIO CLARO
Joice Paulo Constantini
EDUCAÇÃO AMBIENTAL E CIDADANIA: CONCEPÇÕES E RELAÇÕES
EM PRÁTICAS DE UNIVERSITÁRIOS
Rio Claro 2009
CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
JOICE PAULO CONSTANTINI
EDUCAÇÃO AMBIENTAL E CIDADANIA: CONCEPÇÕES E RELAÇÕES
EM PRÁTICAS DE UNIVERSITÁRIOS
Orientador: Prof. Dr. Luiz Carlos Santana
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Campus de Rio Claro, para obtenção do grau de Bacharel e Licenciada em Ciências Biológicas.
Rio Claro 2009
Constantini, Joice Paulo
Educação ambiental e cidadania : concepções e relações em práticas
de universitários / Joice Paulo Constantini. - Rio Claro : [s.n.], 2009
86 f. : il., quadros
Trabalho de conclusão de curso (Licenciatura e Bacharelado -
Ciências Biológicas) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de
Biociências de Rio Claro
Orientador: Luiz Carlos Santana
1. Educação ambiental. 2. Cidadania. 3. Universitários. 4. Estudo de
caso. I. Título.
372.357
C758e
Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESPCampus de Rio Claro/SP
Agradecimentos
É inevitável quando chega a hora de escrever os agradecimentos do TCC pensar em todo o curso, desde o início, ou até mesmo antes dele, na época do cursinho, nas pessoas que ficavam dando força e acreditavam que apesar de todos os condicionantes seria possível fazer uma universidade pública neste país.
A primeira grande pessoa, a quem devo muito mais que a vida é minha mãe, dona Maria da Cruz, que traz a cruz não só no nome, mas que a carrega cotidianamente superando-a a todo o momento. Não sei o que seria de mim sem ela, que apesar de não saber exatamente o que eu tanto fazia no computador, passou noites em claro por causa deste trabalho de conclusão de curso.
O agradecimento seguinte não poderia deixar de ser ao professor Luiz Carlos Santana, que apesar de todas as minhas limitações aceitou me orientar e o fez sempre com grande responsabilidade e paciência (quanta paciência).
Ao meu pai e irmã, que sempre estiveram por perto, e sei que mesmo não expressando isso, estão sempre torcendo por mim.
À família de sangue (materna e paterna) que sempre me incentivou seja dando um bicho para eu identificar (risos), seja oferecendo alguma ajuda material, seja no constante “como é que estão as coisas lá?” ou “você gosta mesmo de abrir esses bichos?”, seja no abraço e benção do retorno. Valeu gente. Acabou! (Ufa!)
Às famílias do coração que se formaram durante esses 6 anos de andanças entre Ilha Solteira e Rio Claro, em Ilha o pessoal da Moradia e da minha turma de 2004. Em Rio Claro não posso deixar de falar da Casa 7 da Moradia em 2005 e da Casa 2 do ano de 2006, ô bagunça boa! E claro não posso deixar de falar da casa da Av. 28, minha última casa do coração. Aprendi muito com esse pessoal todo. A pessoa que sou hoje deve muito a vocês. Amo vocês todos!
Agradeço ao povo do Grupo da Floresta, do Preserve o Planeta Terra (incluo aqui a professora Dejanira de Franceschi de Angelis), do Semente Viva e da Escola Municipal Agrícola de Rio Claro, pois foram nestes espaços que comecei a me formar como sujeito ecológico. Obrigada pelos ensinamentos!
Agradeço ao povo do cursinho Atho, porque as brigas eram sempre boas, e pensar em educação é coisa séria.
Agradeço às pessoas da Sociedade de São Vicente de Paulo (2003) e as catequistas da Comunidade Santa Terezinha (2003), pelo esforço e carinho que sempre dispensaram à mim.
Agradeço àquelas pessoas que passaram pela minha vida e deixaram marcas profundas e indeléveis.
Agradeço à minha turma postiça em Rio Claro (ingressantes 2005) que sempre me acolheram muito bem, morte e destruição para todos vocês (risos... piada interna...).
Agradeço à todos os funcionários da UNESP Rio Claro em especial o pessoal da seção de graduação (como eu dei trabalho para esse povo) e da biblioteca, que sempre foram atenciosos e prestativos.
Agradeço à todos os professores que foram comprometidos com o ensino crítico das Ciências Biológicas entendendo que o ensino na Universidade não é só mais uma tarefa burocrática que deve ser cumprida, mas um espaço de formação de pensadores.
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Nem sempre uma marca tem a mesma forma do corpo que a imprimiu e nem sempre nasce da pressão de um corpo. Às vezes reproduz a impressão que um corpo deixou em nossa mente, e é sinal de uma idéia. A idéia é signo das coisas, e a imagem é signo de uma idéia, signo de um signo. Mas da imagem reconstruo, se não o corpo, a idéia que dela tinha outrem.
(Umberto Eco, O Nome da Rosa)
Sumário Página
1. Introdução ..................................................................................................... 8
2. Cidadania .................................................................................................... 15
2.1. Um pouco de história ................................................................................ 15
2.2. Educar para a cidadania ............................................................................ 21
3. A Educação Ambiental............................................................................... 23
4. A Pesquisa .................................................................................................. 28
4.1. Os sujeitos de pesquisa ............................................................................ 28
4.2. A natureza da Pesquisa ............................................................................ 29
4.3. Observações ............................................................................................. 31
4.4. As entrevistas ............................................................................................ 32
4.5. Análise documental ................................................................................... 32
4.6. Análise das Concepções de Educação Ambiental e Cidadania ................ 33
5. Análise e Discussão ................................................................................... 36
5.1. Histórico do grupo ..................................................................................... 37
5.2. Educação Ambiental e mudança de atitudes ............................................ 39
5.3. Educação Ambiental e transmissão de conhecimentos ............................ 46
5.4. Educação Ambiental e Sensibilização ....................................................... 49
5.4.1. Sensibilização e Arte .............................................................................. 52
5.5. Educação Ambiental e a Abordagem da temática ambiental através da idéia de todo ..................................................................................................... 56
5.6. Educação Ambiental e Relação do Homem com o Meio Ambiente .......... 58
5.7. Educação Ambiental e Cidadania ............................................................. 62
5.7.1. Cidadania e respeito............................................................................... 67
5.7.2. Cidadania e ação ................................................................................... 69
6. Considerações Finais ................................................................................ 73
7. Referências Bibliográficas ........................................................................ 76
8. Anexos ........................................................................................................ 83
8.1.Anexo A - Questionário para as entrevistas ............................................... 83
8.2. Anexo B - Projeto de Extensão Universitária – Semente Viva .................. 84
8.3. Anexo C - Peça de teatro: O conto do Mato Velho .................................... 86
8
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho nasceu das minhas dúvidas e questionamentos relacionados à
temática ambiental, os quais surgiram com o meu envolvimento no grupo de
Educação Ambiental (EA) “Preserve o Planeta Terra”. Este grupo é um grupo de
extensão do Instituto de Biociências da UNESP de Rio Claro ligado ao departamento
de Microbiologia e Bioquímica. Trabalhávamos com crianças da periferia de Rio
Claro e não tínhamos nenhuma orientação específica para realizar as atividades.
Chegou um momento em que as nossas intuições não eram mais suficientes para
realizar um trabalho que estivesse de acordo com os objetivos que nos propusemos
alcançar. Foi assim que então me aproximei da pesquisa em EA.
As motivações para este trabalho vêm também do entendimento de que a
temática ambiental ganha importância na mídia, na escola, e demais espaços de
troca. Isto se dá, dentre outros fatores, em razão do momento de crise que estamos
vivendo. Sobre ele Leff (2003, p.19) afirma: “A crise ecológica atual pela primeira vez
não é uma mudança natural, é uma transformação da natureza induzida pelas
concepções metafísica, filosófica, ética, científica e tecnológica do mundo.”
Soffiati (2002, p. 41) fala de referenciais empíricos que tornam indiscutível a
existência de uma crise ambiental. Esses referenciais (mudanças climáticas,
poluição do ar, água e solo, empobrecimento da diversidade e perda de
ecossistemas, uso de materiais radiativos) são veiculados pela mídia e de certa
forma aceitos pela população sem que haja, muitas vezes, uma reflexão sobre eles
como um problema da coletividade. Acrescentaria ainda a esses referenciais as
condições miseráveis de vida de grande parte da população mundial, o crescimento
da violência, do uso de drogas, o crescimento da corrupção e de uma cultura
massificadora.
Dessa forma devemos entender a atual crise ambiental, como fruto dos
sentidos que a sociedade humana deu às relações dos homens entre si e com o
planeta, de forma que não se vive apenas uma crise do esgotamento do patrimônio
natural disponível para a sobrevivência de todos os seres vivos, vive-se uma crise
do entendimento do ser humano como ser social e como parte da natureza.
9
Sobre isso Guattari afirma:
Paralelamente a tais perturbações [ecológicas], os modos de vida humanos individuais e coletivos evoluem no sentido de uma progressiva deterioração. As redes de parentesco tendem a se reduzir ao mínimo, a vida doméstica vem sendo gangrenada pelo consumo da mídia, a vida conjugal e familiar se encontra freqüentemente “ossificada” por uma espécie de padronização dos comportamentos, as relações de vizinhança estão geralmente reduzidas a sua mais pobre expressão... (GUATTARI, 2005, p. 07)
Jacobi (2003, p.190) chama a atenção para a necessidade de uma reflexão
cada vez menos linear da realidade atual visto que estamos adentrando o tema da
complexidade ambiental e esta precisa ser refletida sobre múltiplos olhares e
possibilidades para que sua percepção seja, além de legítima, não fragmentada.
Tristão (2004, p. 52), por sua vez, salienta que: “A racionalidade instrumental que se
presumia ser a única, prejudicou a capacidade de reflexão e de visão em longo
prazo, pois reduziu, dissociou, fragmentou o conhecimento”.
Pedro Jacobi, ainda discutindo a crise que se instaura, dá uma visão da
abrangência em que esta se manifesta, como uma crise do conhecimento,
perpassando todas as atividades humanas que se baseiam na dinâmica do
conhecimento:
Vive-se uma emergência que se consubstancia na crise do estilo de pensamento, dos imaginários sociais e do conhecimento que sustentaram a modernidade. Uma crise que se manifesta em toda sua plenitude; nos espaços internos do sujeito, nas condutas sociais autodestrutivas; nos espaços externos, na degradação da natureza e da qualidade de vida das pessoas. (JACOBI, 2004, p.19)
Sobre a abrangência da crise, Jacobi na citação acima, pontua “os espaços
internos do sujeito” como um dos âmbitos em que ela se manifesta, pois as
incertezas do futuro se configuram como incertezas do próprio sujeito, e também
como incertezas do seu papel diante do todo social.
Em meio a tal complexidade o sujeito se enxerga impotente e se abstém da
responsabilidade de alguma ação. Esse conformismo que gera passividade não é
uma situação plenamente confortável, mas antes geradora de mais conflitos como
sugere Borheim (2001, p. 6): “Nós estamos tão envolvidos com problemas, com
10
conflitos de tantas ordens, que não conseguimos calcular com toda clareza como o
homem vive”.
Entendendo a sociedade humana como parte da natureza, é indissociável a
relação entre degradação ambiental e degradação da qualidade de vida das
pessoas como afirma Loureiro:
(...) o processo de exploração das pessoas entre si, tendo por base sua condição econômica e os preconceitos culturais, é parte da mesma dinâmica de dominação da natureza, posto que essa se define na modernidade capitalista como uma externalidade e tudo e todos viram coisas, mercadorias a serviço da acumulação de capital. (LOUREIRO, 2004a, p. 68)
A construção dos sujeitos que hoje se vê está baseada nas concepções de
mundo que foram produzidas historicamente (LEFF, 2003), concepções essas
baseadas na dominação da natureza pelo homem, e na dominação do homem pelo
próprio homem (BORHEIM, 2001, p. 3).
Esse quadro de subjugação do homem e da natureza se reflete na concepção
de cidadania historicamente construída, uma vez que essa concepção embora
diferente nas diversas sociedades e períodos da história, sempre esteve, em todos
os casos, ligada às formas de se pensar e organizar a vida coletiva.
A partir do projeto burguês de sociedade, a concepção de cidadania, ainda no
sentido de organizar a vida coletiva, toma um caráter diferenciado para atender as
demandas daquele modelo de sociedade, tendo como referência básica a
propriedade. Esta referência, aliás, modificou não apenas a concepção de cidadania,
mas também a relação desta com a educação:
Estas transformações na organização política – a formação do Estado Moderno -,colocam os homens em novas relações com a natureza -, a ciência moderna e trazem transformações no saber escolar – a escola moderna. (BUFFA, 2001, p. 15).
É importante (se não imprescindível) pensar a educação como um dos
elementos políticos de mudança social, mas não de forma ingênua e unilateral, pois
ela é resultante de várias relações em cada contexto histórico, e pode também
tornar-se meio de reprodução de formas de opressão (LOUREIRO, 2004a, p.77).
11
Paulo Freire é um dos autores que considera a educação como um fator
importante para a transformação de realidades, promotora de uma sociedade
participativa e democrática:
Outro saber de que não posso duvidar um momento se quer na minha prática educativa-crítica é o de que, como experiência especificamente humana, a educação é uma forma de intervenção no mundo. Intervenção que além do conhecimento dos conteúdos bem ou mal ensinados e/ou aprendidos implica tanto esforço de reprodução da ideologia dominante quanto seu desmascaramento. Dialética e contraditória, não poderia ser a educação só uma ou só a outra dessas coisas nem apenas reprodutora nem apenas desmascaradora da ideologia dominante. (PAULO FREIRE, 2008, p.98, grifos do autor)
Pensar numa educação que promova transformação e não reprodução
pressupõe pensar na sociedade como espaço coletivo, onde o indivíduo passa a ser
sujeito, e cada sujeito tem direito e dever de participação nessa transformação.
Assim educação e cidadania tornam-se aliados num mesmo projeto de sociedade
como espaço coletivo e democrático.
Nos dias de hoje, a idéia de educação para a cidadania se manifesta em
maior ou menor grau em grande parte dos projetos político-pedagógicos das
escolas, em atividades na educação não formal, e nos documentos dos governos
como no caso dos PCN:
Eleger a cidadania como eixo vertebrador da educação escolar implica colocar-se explicitamente contra valores e práticas sociais que desrespeitem aqueles princípios1, comprometendo-se com as perspectivas e decisões que o favoreçam. Isso refere-se a valores, mas também a conhecimentos que permitam desenvolver as capacidades necessárias para a participação social efetiva. (BRASIL, 1998, p. 23)
No entanto, o fato de ter como meta a educação para cidadania não significa
que ela se efetive nas ações e projetos em escolas. Assim, a palavra muitas vezes
aparece vazia de significado, ligada a idéia reducionista, simplista e automática de
busca por direitos e deveres.
1 Os princípios estão explicitados na Introdução do documento e se referem à dignidade da pessoa humana, igualdade de direitos, participação e co-responsabilidade pela vida social. Além destes, existem princípios específicos a cada um do temas transversais explícitos na introdução dos respectivos documentos
12
Sobre a definição e os objetivos de educar para a cidadania Jares aponta:
(...) a principal missão de educar para a cidadania consiste em formar pessoas politicamente e moralmente ativas, conscientes de seus direitos e obrigações, responsáveis e respeitosas, comprometidas com a defesa da democracia e dos direitos humanos, sensíveis e solidárias com as circunstâncias dos demais e com o meio em que vivemos. (JARES, 2005, p.9)
Como nos lembra Azevedo (2005, p.17) se falamos em uma educação para a
cidadania estamos admitindo que há uma educação não cidadã e indivíduos não
cidadãos. Podemos daí retomar a idéia dos conflitos enfrentados na realidade atual,
seja pela falta de participação política dos indivíduos na comunidade em que estão
inseridos, seja pela falta de interesse dos detentores do poder em fazer com que
essa situação se modifique.
Se a idéia de que existem não cidadãos é real, e de que esta situação de não
cidadania ajuda a compor o quadro atual de angústia quanto ao futuro e
“coisificação” das pessoas e da natureza, a temática ambiental como um dos
principais pontos de conflito da atualidade, precisa estar unida a uma educação para
a cidadania. E uma cidadania não apenas para garantir direitos e deveres de
proprietários, mas numa perspectiva mais ampla e abrangente.
Na emergência de um momento de crise, a educação ganha um adjetivo
ambiental, na esperança de abarcar um complexo de situações novas:
Talvez o uso indiscriminado do adjetivo “ambiental” não só na educação contribua pouco para resolver a confusão, ou até gere outros níveis de incompreensão, contudo, seu uso se justifica à medida que serve para destacar dimensões “esquecidas” pelo fazer educativo, no que se refere ao entendimento da vida e da natureza, e revelar ou denunciar as dicotomias da modernidade capitalista e da ciência cartesiana e positivista (esfera econômica-esfera social; sociedade-natureza; mente-corpo; matéria-espírito etc.). (LOUREIRO, 2006, p. 34)
A educação ambiental surge, dessa forma, com o papel de
estabelecer uma prática pedagógica contextualizada e crítica, que explicita os problemas estruturais de nossa sociedade, as causas do baixo padrão qualitativo da vida que levamos e da utilização do
13
patrimônio natural como uma mercadoria e uma externalidade em relação à nós. (LOUREIRO, 2004b, p. 16)
Para Loureiro no contexto dessa EA
podemos afirmar que evidenciamos nosso amadurecimento enquanto cidadãos e ampliamos nossa condição de educadores/educandos quando não coisificamos a realidade (pensando os seres como mercadoria) e agimos conscientemente no próprio movimento contraditório que é a história, em permanente transformação. (LOUREIRO, 2004b, p.16)
A educação ambiental que está em sintonia com uma educação para a
cidadania necessita de um olhar crítico sobre o mundo avaliando e atuando sobre
situações complexas a partir de uma perspectiva ampla no sentido de “contribuir
para uma mudança de valores e atitudes, contribuindo para a formação de um
sujeito ecológico” (CARVALHO, 2004, p.18) e contribuir ainda para “(...) a formação
de indivíduos e grupos sociais capazes de identificar, problematizar e agir em
relação a questões socioambientais tendo como horizonte uma ética preocupada
com a justiça ambiental” (CARVALHO, 2004, p.19).
Como já afirmei anteriormente, a crise ecológica que se configura é uma crise
de concepções, uma crise dos sentidos que o homem dá às relações sociais e à
natureza. Assim, apesar de na posição de pesquisadora assumir os significados aqui
expressos através do referencial teórico, palavras como educação, educação
ambiental, cidadania, aparecem muitas vezes esvaziadas de sentido para grande
parte das pessoas que as usam. Tal fato pode caracterizar uma forma de
desarticulação política na medida em que se esvazia concepções fundamentais para
o pensar sobre as próprias práticas sociais:
El significante flota entre un discurso a outro y al flotar se va vaciando de contenido convirtiéndose en um significante vacío. El ser vacío de contenido no significa que no tenga significado sino que incorpora de manera precaria y provisional el significado que se establece em relación com los otros elementos del discurso.(GONZÁLEZ-GAUDIANO, 2008, p. 67)
Pesquisar as concepções das pessoas que usam essas palavras, num âmbito
mais amplo, possibilita o registro das mesmas num dado momento histórico dentro
de seu contexto e suas especificidades e, num âmbito mais específico, como o de
14
um grupo dentro de uma esfera institucional, oferece subsídios para intervenções
pertinentes e ações mais consistentes.
No caso de se pesquisar as concepções de EA e cidadania com grupos
universitários a importância está na relevância do papel da universidade como
centro de produção de conhecimento e, no caso da Universidade Estadual Paulista
(UNESP) campus de Rio Claro, o conhecimento nela produzido está voltado, em
grande parte, para as questões ambientais.
Assim os objetivos deste trabalho se constituem em: identificar as concepções
de EA dos membros do grupo “Semente Viva”, um grupo de extensão universitária
da UNESP campus de Rio Claro, que desenvolve atividades, denominadas por eles
de Educação Ambiental; identificar as concepções de cidadania dos membros deste
grupo, uma vez que a temática da cidadania é algo expresso em seu projeto, e
também investigar o significado que os membros do referido grupo atribuem à
aliança entre Educação Ambiental e cidadania.
PARIZOTTO (2006) investigou as concepções de Educação Ambiental no
mesmo grupo aqui pesquisado, contudo, não as concepções de Cidadania e as
relações possíveis entre Educação Ambiental e Cidadania que os membros do
grupo expressavam. O presente trabalho faz também uma abordagem metodológica
diferente de Parizotto. Além disso, o que poderia justificar mais uma pesquisa com o
grupo é a própria dinâmica de sua constituição, ou seja, a entrada e saída de seus
integrantes. O que significa dizer, dado esta dinâmica, o grupo não é o mesmo.
Outras pesquisas foram realizadas com o intuito de investigar as concepções
e relações possíveis entre Educação Ambiental e Cidadania (MANZOCHI, 1994;
OLIVEIRA, 2005; AVANZI, 1998), porém, com preocupações voltadas para aspectos
do ambiente escolar ou para políticas públicas na preservação de áreas de proteção.
Essa pesquisa se diferencia das demais na medida em que traz um olhar sobre a
educação não formal, a partir de um grupo de pessoas com interesses comuns que
de forma espontânea, desenvolvem determinadas atividades relacionadas à
temática ambiental.
15
2. CIDADANIA
2.1. UM POUCO DE HISTÓRIA
Tive a preocupação aqui de trazer algumas idéias sobre a questão da
cidadania e da educação, no entanto, por conta da minha própria formação e das
limitações que essa formação teve no que diz respeito à discussão deste tema, não
tenho a pretensão aqui de aprofundá-lo.
A idéia de trabalhar com concepções de cidadania veio também da
experiência com o grupo de EA do qual participei, do meu trabalho na Escola
Municipal Agrícola de Rio Claro e também das demais experiências no espaço
escolar que tive contato, além das atividades no Cursinho Comunitário da UNESP
Práxis/Atho. As atividades como presidente da Moradia Estudantil e outras do
movimento estudantil também foram determinantes na escolha destes conceitos
para a investigação aqui proposta.
A questão da cidadania foi abordada de diferentes formas na história da
humanidade, de acordo com as relações entre sociedade e Estado que se
estabeleciam. Assim como podemos dizer que existem várias educações
ambientais, baseadas em perspectivas teóricas e metodológicas diferentes, pode-se
dizer também que fato semelhante ocorre com a noção de cidadania.
Como salienta Pinsky (2003, p. 9): “Cidadania não é uma definição estanque,
mas um conceito histórico, o que significa que seu sentido varia no tempo e no
espaço.”
Quando se pensa em cidadania, pensa-se de imediato em participação que
tem como finalidade a garantia de igualdade de direitos sociais, civis e políticos. A
relação que a educação tem com a cidadania e seu papel na sociedade também se
modifica historicamente e podemos entender isto num breve resgate.
O resgate histórico ressalta as diferenças e semelhanças na forma de pensar
a sociedade em diversas épocas e consequentemente a concepção de cidadania,
bem como as relações que a educação tem na formação de cidadãos.
16
A palavra cidadania data da Revolução Francesa (1789), mas há quem
defenda que a concepção é bem mais antiga, presente nas sociedades egípcias e
também nos textos anteriores à Cristo na Bíblia (PINSKY, 2003, p. 16).
A noção mais difundida de cidadania nasce na Grécia antiga. Neste âmbito a
cidadania se constituía como participação plena na formação do Estado, sendo este
nada mais que o conjunto de cidadãos que praticam a vida política (VALLE, 2000,
p.13). Existia a partir daí o vínculo forte entre participação, política e cidadania.
Muito do que se pensa hoje sobre cidadania tem inspiração aí com o
nascimento da polis, uma nova forma de organização da sociedade que deixou os
valores tradicionais dos clãs e passou a uma visão de referência central na
coletividade (VALLE, 2000, p.13).
Cabe ressaltar que a cidadania greco-romana não é a forma mais primitiva de
um processo que culminaria no que hoje chamamos de cidadania, mas representava
dentro do campo de sentidos daquelas sociedades, algo muito diverso do que hoje
entendemos por cidadania (GUARINELLO, 2003, p.29).
O cidadão aí se definia pela participação nas funções públicas da vida da
pólis, no face-a-face, na deliberação de questões sobre o bem comum. Este só
poderia ser assegurado pela participação de todos na elaboração das leis, pois só
assim existiria a garantia do benefício de todos e não apenas de alguns.
Um cidadão, no sentido absoluto não se define por qualquer outro critério mais adequado do que sua participação nas funções judiciárias e públicas em geral (...) o cidadão... difere segundo cada forma de constituição, e essa é a razão pela qual a definição que fornecemos é sobretudo a do cidadão em uma democracia... A natureza do cidadão resulta, assim, claramente, dessas precisões: do homem, com efeito, que tem acesso ao Conselho ou às funções judiciárias de um Estado, dizemos que é um cidadão desse Estado; e chamamos de Estado a coletividade de cidadãos que desfrutam desse direito, e em número suficiente para assegurar à polis uma plena independência (ARISTÓTELES,19962 apud VALLE, 2000, p.14).
A família neste contexto tem o papel de prover a vida e a polis o de prover a
boa vida (ANDRADE, 2002, p. 35). A boa vida significava o pleno desenvolvimento
das potencialidades políticas no interior da polis. À família era relegado o espaço de
comportamento pré-político, onde o chefe de família (o cidadão) exercia seu poder
2 Aristóteles. Política.Rio de Janeiro:Ediouro, 1996.
17
coercitivo sobre os demais membros da família (não cidadãos): mulheres, escravos,
crianças (COVRE, 1996, p. 38). No espaço da família as relações de coerção
contrastavam com as relações de deliberação e participação que ocorriam nos
espaços políticos da polis. O comportamento pré-político tinha o papel de sustentar
as atividades políticas na polis, uma vez que na família os não cidadãos eram os
responsáveis por prover a vida no sentido de sobrevivência e realizar os trabalhos
que não eram próprios da atividade política.
Na polis não existia representatividade no sentido que se conhece hoje.
Todos os cidadãos, excluindo pois mulheres, crianças, estrangeiros e escravos,
eram naturalmente iguais, por isso, igualmente capazes de assumir cargos públicos,
o que era efetivado pelo rodízio de funções.
A participação era elemento tão fundamental para os gregos que “sem
participação dos cidadãos no governo da polis, não há Estado” (ARISTÓTELES
apud COMPARATO, 1993, p. 86). Guarinello (2003, p. 33) afirma que espaço
público e Estado parecem se confundir nas origens da cidade-estado.
No que concerne à educação na polis, ela nascia da própria participação
política, na ação e no discurso (ANDRADE, 2002, p. 35; COMPARATO, 1996, p. 88),
do que se pode entender que a educação se dava no aprendizado das leis que
promoviam o bem comum, era uma educação moral e social (ANDRADE, 2002, p.
35; COMPARATO, 1996, p. 88) que nascia do próprio sistema político-social.
A polis “gerava” essa educação como mecanismo de perpetuação de si
mesma. Como salienta Valle (2000, p. 16): “a educação, tornada uma exigência
primordial da política, não é vista como atividade pré-política que dá acesso à
participação, mas como sua decorrência”.
Segundo Valle (2000, p. 15) a cidadania grega pode ser definida por
participação nas deliberações da coisa pública. Embora tal perspectiva pareça a
ideal pela força política que tem a participação face-a-face, já naquela época era
limitada.
Em Roma, a participação tem um caráter diferenciado da participação na
Grécia. As formas de representação em Roma, já se tornavam fator importante pelas
proporções territoriais tomadas no período da república (FUNARI, 2003, p.58). Na
Grécia a participação só seria legítima se todos os cidadãos participassem. Não
havia espaço para representação. Em Roma a idéia de cidadão, também era mais
flexível que na Grécia. Para Cícero, pensador romano, todos os seres humanos são
18
cidadãos, pois todos são dotados de razão, e a lei é produto da razão e critério da
justiça (ANDRADE, 2002, p. 37).
A educação romana tinha grande influência grega e essa influência se tornou
mais abrangente com a atuação dos pedagogos, que eram escravos gregos
elevados à condição de mestres dos jovens de famílias romanas.
A liberdade na Grécia e em Roma era plenamente exercida na busca da boa
vida, que estava ligada ao exercício da razão nos espaços públicos seja na polis ou
na república.
Na Idade Média os ideais de cidadania se perderam uma vez que os espaços
políticos como se conheciam (polis e republica) foram substituídos pela república
christiana, sob o comando de Deus através da Igreja. As leis deixam de ser algo
próprio da razão humana e passam a ser de responsabilidade divina (ANDRADE,
2002, p. 38). Daí a inflexibilidade na mobilidade social, visto que a Igreja difundia
uma visão estóica da própria condição à exemplo do santos mártires.
O direito canônico passa a ditar normas sociais baseado nas passagens do
evangelho, inclusive no que diz respeito ao comércio e ao dinheiro.
A cultura foi monopolizada pela Igreja. Segundo Arruda
saber ler e escrever na Idade Média, era privilégio de bispos, padres, abades, monges. Dessa forma, os membros do clero começaram a participar da administração pública, exercendo as funções de notários, secretários, chanceleres. (ARRUDA, 1977, p. 339)
Com as invasões bárbaras, várias bibliotecas foram destruídas, restando
apenas nos mosteiros as obras da cultura clássica (ARRUDA, 1977, p. 473). O livro
“O nome da rosa” de Umberto Eco (1983) apesar de ficcional, exemplifica bem as
relações da Igreja e a difusão cultural.
Na concepção renascentista de cidadania a idéia de comunidade natural
(polis e republica) é refutada. A concepção central que impulsionará as lutas
burguesas é a de indivíduo (ANDRADE, 2002, p. 43). O teocentrismo é substituído
pelo antropocentrismo.
Os ideais de cidadania passam a expressar uma visão burguesa de ideologia
liberal com o advento do capitalismo e do Estado Moderno.
As revoluções burguesas são a expressão desse ideário que repudia a
existência dos estados absolutos:
19
Desta forma, juntamente com a Revolução Inglesa e Francesa, surgiu a concepção moderna de cidadania, que, no universo liberal, passou a contemplar a liberdade e a igualdade reivindicadas pela burguesia contra o Estado Absolutista, que representava os resquícios do Antigo Regime. (LUIZ, 2007, p. 97)
Na Revolução Francesa, com a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, e o estabelecimento da burguesia, o cidadão passa a ser identificado como
o proprietário (BUFFA, 2001, p. 11). O cidadão é primeiramente proprietário de sua
força de trabalho que uma vez vendida pode conseguir meios para adquirir outros
bens. A cidadania aí se configura a partir dos interesses que o indivíduo tem no bem
do Estado, uma vez que o Estado dá proteção ao direito do indivíduo à propriedade.
Assim o Estado se fortalece e se legitima à medida em que institui as leis para a
proteção da propriedade individual.
Embora o discurso seja igualitário, conforme Buffa afirma ‘alguns são mais
iguais que outros’, uma vez que a sociedade se configura em uma hierarquia de
posses desde o proletário até o capitalista. Essa divisão hierárquica determina
também a oferta da educação: “Haverá, então a proposta de uma educação para os
proprietários [do capital], os cidadãos, e, outra, para os cidadãos de segunda
categoria.” (BUFFA, 2001, p. 27)
A coisa pública e sua gestão estão assim baseadas na liberdade e
propriedade. O bom cidadão é aquele que defende sua propriedade acatando as leis
do Estado, que a protegem.
A liberdade é a liberdade individual de expressão, de ir e vir, de pensamento
e, antes de tudo, de possuir, de ter, contemplando o que se chamou de direitos civis
ou naturais.
Juntamente com os direitos civis a cidadania passa também a ser
caracterizada pelos direitos políticos (o direito ao sufrágio universal, direito a formar
organização sindical ou partidária), e direitos sociais (“são os que permitem ao
cidadão uma participação mínima na riqueza material e espiritual criada pela
coletividade” (COUTINHO, 19993 , p. 50 apud LUIZ, 2007)).
A educação aos poucos vai se tornando facilitadora do estabelecimento dessa
cidadania, uma vez que, na sociedade burguesa, tem como meta a formação do
cidadão ordeiro disciplinado para a execução de seu papel social. Aqui a educação 3 COUTINHO, Carlos Nelson. Democracia e Socialismo. São Paulo: Cortez,1992
20
também tem como função a manutenção de um sistema político e social, a partir da
alienação das classes menos favorecidas, não detentoras do capital (BUFFA, 2001,
p. 27). Lembrando, como já citado, da existência de uma cidadania que atende os
interesses da elite e de uma cidadania para o resto da população.
Comparando com o que ocorria na tradição greco-romana, a cidadania tem
seu caráter modificado, uma vez que a princípio está baseada na plena participação
do indivíduo nas decisões coletivas e posteriormente está limitada à garantia da
segurança de bens individuais, estabelecida por aqueles que ocupam um lugar
privilegiado na hierarquia social (BUFFA, 2001, p. 22).
Na sociedade moderna capitalista, todo o poder político está centrado nas
mãos do Estado, e o interesse deste em ampliar a cidadania está diretamente
relacionado com a manutenção da unidade e soberania nacionais (VALLE, 2000, p.
17).
Diferente das relações entre educação e cidadania grega, na Idade Moderna
a educação promove a cidadania, não uma cidadania ativa, mas uma cidadania para
controle dos indivíduos e para o bom exercício de seus papéis sociais.
Falta aí a afirmação do indivíduo como sujeito, e existe a construção de uma
lógica que associa o exercício dos papéis sociais com a manutenção do sistema, e
não o contrário que seria uma reafirmação de sua subjetividade. Como salienta
Avanzi (1998, p. 28) “O indivíduo passa a ser a projeção das exigências e normas
dessa sociedade, encontrando sua identificação na figura do consumidor,
trabalhador, eleitor, por exemplo”.
No Brasil hoje, se vê uma situação muito diferente daquela sugerida pelos
ideais burgueses, nem mesmo essa cidadania de segunda ordem foi alcançada
pelos brasileiros, pois os direitos sociais, civis e políticos estão longe de se
concretizarem de fato. Buffa (2001, p. 28) afirma “que a realização do capitalismo,
aqui, não se dá nos mesmos termos em que ocorre na Europa. Aqui a realização do
capital – que afinal é o sujeito do capitalismo – se faz às custas da marginalização
da maioria dos brasileiros”.
Então o que se tem é uma grande massa de pobres e miseráveis, que deixam
de se ver pertencentes à um todo social por não ter as condições mínimas de vida,
que deveriam ser garantidas pelo Estado. Quem pensaria no “bem comum”?
Poderiam existir cidadãos famintos e doentes (COVRE,1986, p. 179) identificando-
se num todo coletivo? Se não foi possível realizar “a cidadania de segunda ordem”
21
(BUFFA, 2001, p. 27) proposta pelo ideário burguês, como se realizaria o que se
chama de “cidadania ativa”? (BENEVIDES,1996, p. 20) Mas como mudar a situação
de miserabilidade em que vive a população sem a expressão dos interesses dela na
gestão da coisa pública? “Quem representará os não cidadãos para transformá-los
em cidadãos? (COVRE, 1986, p.185)”. Tais questões, historicamente ainda não
respondidas, devem estar sempre no horizonte dos que se dispõe a refletir sobre a
questão da cidadania.
2.2. EDUCAR PARA A CIDADANIA
A compreensão da cidadania a partir de uma perspectiva crítica procura
superar a idéia reducionista de cidadania do liberalismo reforçando posicionamentos
para a transformação de um modelo de sociedade que massacra cotidianamente
aqueles que a sustentam. Superar a concepção liberal de cidadania é agregar
elementos positivos e substituir os negativos (COMPARATO, 1993, p. 92) em busca
de algo que contemple, de fato, os ideais de bem comum e justiça social. Para
Benevides um caminho possível seria a de uma “cidadania ativa”. Segundo esta
autora:
(...) a cidadania ativa através da participação popular é aqui considerada um princípio democrático, e não um receituário político, que pode ser aplicado como medida ou propaganda de um governo, sem continuidade institucional. Não é “um favor” e, muito menos, uma retórica. É a realização concreta da soberania popular, mais importante que a atividade eleitoral que se esgota na escolha para cargos executivos e legislativos. (...) Esta cidadania ativa supõe a participação popular como possibilidade de criação, transformação e controle sobre o poder, ou os poderes. (BENEVIDES, 1996, p.19, grifos da autora)
Comparato (1993, p. 92) aponta uma “nova cidadania” cuja idéia central
“consiste em fazer com que o povo se torne parte principal do processo de seu
desenvolvimento e promoção social: é a idéia de participação”. Segundo o autor
essa nova cidadania deve instaurar-se em cinco níveis: na distribuição dos bens
materiais e imateriais, indispensáveis à uma existência socialmente digna; na
proteção dos interesses difusos ou transindividuais; no controle do poder político; na
administração da coisa pública e na proteção dos interesses transnacionais.
22
Estas perspectivas de um outro olhar sobre a cidadania superam a velha
cantilena que limita a cidadania a busca por direitos e cumprimento de deveres,
simplesmente, ou ainda ao ato de votar. Pressupõe pertencimento à uma
comunidade, e identificação com os processos de construção da coisa pública.
O que seria então dentro deste contexto educar para a cidadania?
Educar para a cidadania é educar politicamente (BENEVIDES, 1996, p. 21;
JARES, 2005, p. 9), buscando princípios éticos e solidários, sendo capaz de incluir a
diversidade cultural e reconhecer as diferenças (BOLÍVAR, 2005, p. 13):
A educação cidadã absorve em sua ação formadora um profundo questionamento à lógica de comportamentos cotidianos naturalizados, como a violência no trânsito, todo tipo de discriminação e violência contra a pessoa, a agressão ambiental, a produção e o manejo de detritos produzidos pelo consumismo, bem como a preservação da biodiversidade (...). (AZEVEDO, 2005, p. 19)
(...) uma educação cidadã que vise formar o ser sujeito ultrapassa uma visão funcionalista de preparar o indivíduo para necessidades impostas pela sociedade e vai em busca de sua realização pessoal. Seu fim não são as necessidades do sistema, mas invertendo o foco de abordagem, as necessidades do indivíduo são as bases desta educação. (AVANZI, 1998, p. 28)
A educação para a cidadania representa a possibilidade de motivar e sensibilizar as pessoas para transformar as diversas formas de participação em potenciais caminhos de dinamização da sociedade e de concretização de uma proposta de sociabilidade baseada na educação para participação. (JACOBI, 2003, p. 192)
Assim a educação para a cidadania traz em si um caráter desmascarador do
status quo procurando promover uma nova ética que supere os “jeitinhos” ou os
comportamentos naturalizados como nos diz Azevedo. Como aponta Avanzi, o
indivíduo deve ser o centro das questões referentes à construção da sociedade, mas
isso não significa mais uma estratégia para enraizar formas individualistas de viver
em sociedade, ao contrário, valorizar sim as especificidades de cada um para que
haja uma total integração ao todo social. Educar para cidadania neste sentido tem o
papel de promover participação efetiva, como diz Jacobi, através dos mecanismos
criados pelo Estado e poder modificá-los se estes não atenderem aos interesses da
população. Essa perspectiva fortalece o sentido de pertencimento ao bairro, cidade,
ao planeta.
23
3. A EDUCAÇÃO AMBIENTAL
A Educação Ambiental transita entre os espaços da educação e os dos
movimentos ambientalistas, procurando assim unir os sentidos de ambas para
buscar um novo olhar sobre o momento sócio–histórico em que vivemos.
Para tentar compreender os sentidos dessa união cito Layrargues:
Educação Ambiental é um vocábulo composto por um substantivo e um adjetivo, que envolvem, respectivamente, o campo da Educação e o campo Ambiental. Enquanto o substantivo Educação confere a essência do vocábulo “Educação Ambiental”, definindo os próprios fazeres pedagógicos necessários a esta prática educativa, o adjetivoAmbiental anuncia o contexto desta prática educativa, ou seja, o enquadramento motivador da ação pedagógica. (LAYRARGUES, 2004, p. 7, grifos do autor)
Como pontua Layrargues, a Educação Ambiental se configura a partir de dois
campos distintos, porém complementares: o da educação e o do meio ambiente,
tendo no primeiro sua essência. Mas qual a necessidade de adjetivar a palavra
educação?
Vivemos num momento de intensas transformações (GUATTARI, 2005, p.
07), e como não poderia deixar de ser, em função da dinâmica do próprio
conhecimento, e do contexto histórico-social em que esse conhecimento é
produzido, muitos são os sentidos que podem ser atribuídos à uma mesma palavra
como “educação” e “ambiente”.
Segundo Loureiro (2006a, p. 19) “certos conceitos e categorias teórico-
metodológicas passaram a ser tão comuns e recorrentes na fundamentação dos
projetos, programas e ações que se esvaziaram de sentido”.
E ainda:
É indiscutível no que se refere à Educação Ambiental (...) a frágil utilização de categorias da teoria social e da teoria política (cidadania, democracia, emancipação, liberdade, parceria, sujeito histórico, grupo social, individualidade, coletividade etc) por educadores que atuam sob um prisma ecológico de mundo e sociedade. Tais conceitos são comumente apropriados sem
24
compreensão do contexto em que se definiram e se definem no domínio do conhecimento científico. (LOUREIRO, 2006a, p. 35)
Então de que educação e de que meio ambiente (MA) estamos falando?
“Educar é saber “ler” o mundo, conhecê-lo para transformá-lo e, ao
transformá-lo, conhecê-lo” (LOUREIRO, 2004b, p. 17). Essa “leitura” de mundo se
faz fundamental para o processo de pertencimento a uma comunidade de forma
efetiva e não ingênua, atuando no reconhecimento do que já foi produzido e numa
perspectiva histórica selecionar aquilo que pode ou não ser relevante na busca pelo
“bem comum”.
Educar é transformar pela teoria em confronto com a prática e vice-versa (práxis), com consciência adquirida na relação entre o eu e o outro, nós em sociedade e o mundo. É desvelar a realidade e trabalhar com os sujeitos concretos, situados espacial e historicamente. É portanto exercer a autonomia para uma vida plena, modificando-nos individualmente pela ação conjunta que nos conduz às transformações estruturais. Logo a categoria educar não se esgota em processos individuais e transpessoais. Engloba tais esferas, mas vincula-se às práticas coletivas, cotidianas e comunitárias que nos dão sentido de pertencimento à sociedade. (LOUREIRO, 2004b, p. 17)
A educação é um processo dinâmico no tempo e no espaço, que acontece na
produção, reprodução e transformação dos sentidos dados à vida em sociedade, a
partir da transmissão dos conhecimentos e experiências acumulados historicamente.
É um processo dialético de identidade e alteridade.
A educação ajuda a elaborar essa forma de pensar4 que, convertida em mediadora, torna-se valioso instrumento de apoio na transformação social. Em outros termos: a apropriação de um saber revelador torna-se momento de denúncia de um saber dissimulador das contradições e anuncia a possibilidade de novas relações sociais. (CURY, 1989, p. 67)
Mas, como já dito, a educação carrega em si duas faces: a da reprodução e a
da transformação. Não se pode compreender a educação como caminho de
redenção social, até porque, como característica intrínseca da educação está sua
relação complexa com uma rede de condicionantes sociais.
4 A forma de pensar da qual Cury fala é a “forma de pensar o real que seja um meio de expressão mais adequado da realidade concreta em que se vai atuar”.
25
Se a educação é um subsistema social sem vida autônoma, mas subordinado à um contexto sócio-histórico mais amplo, precisamos compreender o contexto no qual ela se insere para podermos identificar as forças políticas, culturais e filosóficas que orientam seu processo presente e condicionam seu perfil futuro. (LIMA, 2005, p. 121)
Sobre meio ambiente Reigota o define como:
O lugar determinado ou percebido, onde os elementos naturais e sociais estão em relações dinâmicas e em interação. Essas relações implicam processos de criação cultural e tecnológica e processos históricos e sociais de transformação do meio natural e construído. Procuro deixar implícito nessa definição que meio ambiente é um espaço determinado no tempo, no sentido de se procurar delimitar as fronteiras e os momentos específicos que permitem um conhecimento mais aprofundado. Ele é também percebido, já que cada pessoa o delimita em função de suas representações, conhecimento específico e experiências cotidianas nesse mesmo tempo e espaço. As relações dinâmicas e interativas, às quais me refiro, indicam a constante mutação, como resultado da dialética das relações entre os grupos sociais e o meio natural e construído, implicando um processo de criação permanente, que estabelece e caracteriza culturas em tempos e espaços específicos. (REIGOTA, 1998, p. 14, grifos do autor)
Melo ao discorrer sobre as concepções de meio ambiente na Constituição
Brasileira de 1988 identifica várias dimensões:
O meio ambiente pode ser classificado em: natural, formado pelo solo, pela água, pelo ar, pela flora, a fauna e por todos os demais elementos naturais responsáveis pelo equilíbrio dinâmico entre os seres vivos e o meio em que vivem (art. 225 caput e § 1° da CF/88); cultural, composto pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, científico e pelas sínteses culturais que integram o universo das práticas sociais das relações de intercâmbio entre homem e natureza (arts. 215 e 216 da CF/88); artificial, constituído pelo conjunto de edificações, equipamentos, rodovias e demais elementos que englobam o espaço urbano construído (arts. 21, inciso XX; 182 e ss; e 225 da CF/88); e do trabalho, integrado pelo conjunto de bens, instrumentos e meios, de natureza material e imaterial, em face dos quais o ser humano exerce as atividades laborais (art. 200, inciso VIII, da CF/88).(MELO, 2007, p. 43)
Dessa forma “meio ambiente” tem uma abrangência ampla que extrapola a de
entidade intocada (ou que deveria ser intocada) pelo ser humano, ou ainda como
26
uma fonte de recursos (ambas numa posição antropocêntrica), mas antes entende a
humanidade como sendo parte intrínseca, e tudo o que é tipicamente humano (as
relações culturais, políticas e sociais) integra essa concepção de meio ambiente,
formando-o e transformando-o.
O fazer humano (científico, tecnológico, artístico, religioso etc) é inerente no
que concerne ao meio ambiente. Uma discussão que foca as questões relativas ao
meio ambiente no âmbito naturalista extirpando o ser humano, é reducionista,
porque deixa de considerar relações complexas, fragmentado-as.
A Educação Ambiental surge assim com a tarefa de aproximar da prática
pedagógica as questões ambientais uma vez que estas necessitam em nossa época
de profunda reflexão, que abarque as bases em que nossa sociedade se apóia e a
sustentação desse modelo.
Entende-se que a atual crise ambiental é uma crise do pensamento (LEFF,
2003), uma crise dos sentidos que damos à nossa convivência com o resto do
mundo, e que ela não só se manifesta pela degradação do patrimônio natural, mas
dentro de uma concepção abrangente de meio ambiente e natureza manifesta-se
também na degradação das relações sociais e dos valores, onde essa mesma
dinâmica determina a dominação não apenas do homem pelo homem, mas deste
em relação à natureza, resultando em desequilíbrios das mais diversas formas.
Nossa sociedade ganha o status de sociedade global ampliando a
abrangência da forma destrutiva de ver o mundo, e dentro do contexto das questões
ambientais surge uma nova dimensão de coletividade que pretende estender as
ações ao âmbito global, a de cidadania ambiental e planetária: “Cidadania planetária
é uma expressão adotada para expressar um conjunto de princípios, valores,
atitudes e comportamentos que demonstra uma nova percepção da Terra como
única comunidade.” (GADOTTI, 2000, p. 134, grifos do autor.)
Gutierrez ainda afirma:
A pedagogia da cidadania ambiental da era planetária extrapola, em conseqüência, os estreitos limites da educação tradicional centrada na lógica da competição e acumulação, e na produção ilimitada de riqueza sem considerar os limites da natureza e as necessidades dos outros seres no cosmos. (GUTIERREZ, 1999, p. 38)
A partir disso o que se busca é promover em esfera global os cuidados que
cada um tem com sua casa estendendo o sentido de responsabilidade por sua
27
gestão, funcionamento e sustentabilidade. Morin (2000, p. 67) ressalta a importância
disso quando diz que o mundo encolheu e está cada vez mais presente em cada
uma de suas partes. Ele aponta que a mundialização é unificadora, mas também é
geradora de conflitos, pois deixa evidentes as desigualdades. Com estes
argumentos aponta para uma estratégia criativa para minimizar essa problemática: a
cidadania terrestre.
Essa cidadania tem o papel de instaurar uma antropo-ética (MORIN, 2000,
p.106) que traga novos valores (ou releitura dos antigos) num movimento que
procure a humanização da humanidade e a solidariedade com todos os seres
viventes em nosso planeta.
28
4. A PESQUISA
4.1. OS SUJEITOS DE PESQUISA
Foram sujeitos desta pesquisa os universitários que participaram, no período
das observações, do projeto Semente Viva.
O grupo Semente Viva foi escolhido para esta pesquisa por ser um grupo de
extensão composto por estudantes universitários da UNESP de Rio Claro que
declara em seu projeto trabalhar com Educação Ambiental e com Cidadania.
Carvalho, Cavalari e Santana numa pesquisa realizada no campus da
UNESP de Rio Claro, procuraram identificar o processo de ambientalização
curricular e diagnosticaram nos grupos não-institucionais um papel importante para
esse processo:
Em relação aos grupos não-institucionais, dada a sua natureza, o diagnóstico evidenciou o grande potencial desses grupos para ações de ambientalização curricular, mas, em contrapartida, revelou as fragilidades desse tipo de organização e as dificuldades enfrentadas para a implementação de suas ações. (CARVALHO, CAVALARI e SANTANA, 2003, p. 132)
E ainda:
O compromisso com ações que visam à transformação das relações sociais em diferentes aspectos, e das relações sociedade-natureza em particular, está muito presente no relato dos participantes desses grupos, muitos deles colocando nas suas perspectivas profissionais esse compromisso. (CARVALHO, CAVALARI E SANTANA, 2004, p. 145)
Ressalto aqui mais uma vez a importância de se realizar registros como o que
propõe este trabalho tendo como objetivo ouvir as pessoas e identificar suas
concepções, pois elas colocam “suas perspectivas profissionais” no trabalho que
realizam com todas as suas crenças e experiências, nesse caso, ligadas à temática
ambiental.
29
Embora existam outros grupos (como o Preserve o Planeta Terra e o grupo
da Coleta Seletiva) com o perfil do Semente Viva no campus da UNESP de Rio
Claro, escolhi este por ter estado envolvida durante muito tempo com as atividades
do grupo “Preserve o Planeta Terra” e existir semelhanças entre os dois grupos,
entendendo que realizar a pesquisa com um grupo do qual participei tanto tempo
talvez não me permitisse captar questões que um observador externo perceberia
com mais facilidade.
O grupo Semente Viva chamou atenção por expressar em seu projeto
disponível na internet o objetivo de “desenvolver a noção de cidadania e o despertar
de ações mais participativas do público alvo nas questões sócio-ambientais”. Além
disso, o grupo faz reuniões regulares, está acessível e deu consentimento para
realização da pesquisa.
O grupo tem dois encontros durante a semana: uma reunião para
planejamento e discussão, e a atividade na escola com as crianças.
O grupo desenvolve atividades durante o ano letivo com cada turma
escolhida, e embora as atividades aconteçam dentro da escola, o planejamento das
mesmas, realizado exclusivamente pelos universitários participantes do projeto, é
independente das atividades nela desenvolvidas.
Como o número de participantes e sua freqüência foram variáveis no período,
apenas 12 destes participantes foram entrevistados.
4.2. A NATUREZA DA PESQUISA
Essa pesquisa é de caráter qualitativo, pois pressupõe contato direto com o
ambiente e a situação que está sendo investigada, uma vez que estes são muito
influenciados pelo seu contexto e muito pode ser explicado através da observação
de circunstâncias particulares (LUDKE e ANDRÉ, p. 11, 1986; BOGDAN E BIKLEN,
1994). Além disso, o significado que os sujeitos de pesquisa atribuem às situações
tem relevância fundamental (LUDKE e ANDRÉ, 1986, p. 12).
A pesquisa qualitativa tem caráter descritivo e o processo interessa mais que
o produto (BOGDAN E BIKLEN, 1994).
Dentro da perspectiva qualitativa foi realizada a abordagem através do estudo
de caso. Segundo Ludke e André (1986, p.17) o estudo de um caso específico é
bem delimitado e se constitui numa unidade dentro de um sistema complexo, tendo
30
como princípios a descoberta de diferentes elementos dentro do grupo estudado, a
“interpretação em contexto”, e as tentativas de explorar diferentes perspectivas de
uma mesma situação.
Conforme considera Stake5 (1995) “... o estudo de caso é o estudo da
particularidade e da complexidade de um caso singular, levando a entender sua
atividade dentro de importantes circunstâncias.” (STAKE 1995, p. xi apud ANDRÉ,
2005, p. 18)
Existem três tipos de estudo de caso (ANDRÉ, 2005, p.19). No estudo de
caso intrínseco o pesquisador tem um interesse intrínseco no caso em particular, na
situação a ser investigada. No estudo de caso coletivo o pesquisador estuda vários
casos simultaneamente com finalidade intrínseca ou instrumental. O terceiro tipo é o
estudo de caso instrumental, e é o que foi utilizado para esta pesquisa. Neste tipo de
estudo de caso, o foco não é o caso em si, mas a forma como o caso pode ajudar a
elucidar alguma questão. Por exemplo, nesta pesquisa, o interesse está nas
concepções de Educação Ambiental e de Cidadania. O grupo Semente Viva
expressa em seu projeto o trabalho com as duas temáticas, dessa forma estudando
o grupo poderão ser elucidadas algumas questões referentes às concepções de
Educação Ambiental e Cidadania.
Segundo Merrian6 (1998 apud André, 2005, p. 18) algumas características
são atribuídas ao estudo de caso:
- particularidade: o estudo de caso tem como objeto central de estudo um
fenômeno em particular. Não pretende fazer generalização.
- Descrição: uma vez que o resultado da pesquisa será fruto de observações,
entrevistas, análise de documentos, histórias de vida, uma grande quantidade de
dados descritivos estão envolvidos e muitas variáveis que não podem ser
quantificadas.
-Heurística: significa que o estudo de caso busca elucidar a compreensão do
leitor sobre o fenômeno estudado revelando a descoberta de novos significados e
estendendo a experiência do mesmo.
-Indução: por ser um estudo qualitativo, segue a lógica indutiva, fazendo
relações e pontes entre os dados levantados.
5 Stake, E.E. The art of case study research. SAGE publications, 1995. 6 Merrian, S.B.Case study research in education. San Franscisco: Jossey Bass, 1988.
31
4.3. AS OBSERVAÇÕES
Foram utilizados para coleta de dados três procedimentos de pesquisa:
observações, entrevista e análise de documentos.
Observar possibilita um estreito contato do pesquisador com a situação
investigada, trazendo assim várias vantagens como a verificação da ocorrência de
um determinado fenômeno e a descoberta de aspectos novos de um problema
(LUDKE e ANDRÉ, 1986, p. 26).
As observações devem ser sistemáticas e organizadas para que tenham validade
como ferramenta de pesquisa (LUDKE e ANDRÉ, 1986, p. 25). Para isso orientei as
observações deste trabalho de acordo com as questões de pesquisa pré-
estabelecidas, estando atenta sempre para o que as situações observadas poderiam
trazer de relevante. “A observação direta permite que o observador chegue mais
perto da “perspectiva dos sujeitos”, um importante alvo nas abordagens qualitativas”
(LUDKE e ANDRÉ, 1986, p. 26).
As observações foram iniciadas logo após a aprovação do projeto pelo
Comitê de Ética em Pesquisa. Ocorreram no primeiro semestre de 2009 a partir da
participação nas atividades do grupo.
Foram realizadas observações de 21 atividades do grupo entre reuniões e
atividades na escola. As observações começaram no início de março e foram até
início de julho, pois o grupo segue o calendário letivo para realização de suas
atividades.
As observações das reuniões foram feitas na “casinha de madeira7” dentro do
campus da Unesp de Rio Claro no bairro da Bela Vista. As observações das
atividades desenvolvidas pelo grupo pesquisado foram realizadas na EMEF “Prof.
Sylvio de Araújo” no bairro São Miguel.
A duração das reuniões variou entre uma hora e duas horas e trinta minutos
dependendo da natureza da discussão do dia. As atividades na escola tiveram
sempre a duração de uma hora.
O registro das observações foi feito tomando notas durante as atividades que
foram posteriormente transcritas seguindo o modelo sugerido por Bogdan e Biklen
(1994). Segundo esse modelo, deveria ser tomada nota do maior número possível
7 A “casinha de madeira” é um espaço dentro da UNESP de Rio Claro onde acontecem reuniões dos centros acadêmicos e demais grupos de alunos que solicitem o uso do espaço.
32
de dados, descrevendo com riqueza de detalhes as situações observadas anotando-
se sempre hora e local das reuniões e inserindo os comentários do observador
sobre a situação observada.
4.4. AS ENTREVISTAS
Dentre os procedimentos para a coleta de dados, foram também realizadas
entrevistas semi-estruturadas. A entrevista por sua natureza permite tratar de temas
complexos, contextualizando comportamentos, valores e crenças a partir de dados
do próprio sujeito (ROSA e ARNOLDI, 2006; ALVES-MAZZOTTI E
GEWANDSZNJER, 2001). Foi utilizada a entrevista semi-estruturada por sua
flexibilidade e possibilidade de interação com o entrevistado (LUDKE e ANDRÉ,
1986, p. 34; GIL, 2005).
A partir de um roteiro básico que norteou a entrevista outras perguntas
pertinentes puderam ser feitas para maior esclarecimento (LUDKE e ANDRÉ, 1986,
p. 34; ROSA e ARNOLDI, 2006).
O roteiro da entrevista (Anexo A) foi composto por 9 questões que buscaram
trazer elementos para responder as questões de pesquisa.
O roteiro foi elaborado e testado através de duas entrevistas piloto, realizadas
com membros de outro grupo, com características semelhantes ao grupo
pesquisado. Após algumas alterações o roteiro foi considerado satisfatório para
responder as questões de pesquisa.
Foram selecionados para as entrevistas todos os participantes do grupo
pesquisado que compareceram à pelo menos uma reunião nas três primeiras
semanas do mês de maio (2009), totalizando 12 integrantes entrevistados.
As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas para análise.
4.5. ANÁLISE DOCUMENTAL
A análise documental é outro instrumento de pesquisa importante, pois busca
identificar informações nos documentos a partir das hipóteses de interesse (LUDKE
e ANDRÉ, 1986, p. 38). São considerados documentos segundo Ludke e André
(1986, p. 38) “quaisquer materiais escritos que possam ser usados como fonte de
informação sobre o comportamento humano”. Os documentos são um material de
33
análise vantajoso pois são uma fonte estável e rica, podendo ser consultados várias
vezes, e de onde podem ser tiradas evidências que fundamentam a argumentação
do pesquisador (LUDKE e ANDRÉ, 1986,p. 39)
Foram analisados documentos produzidos pelo grupo de forma a junto com
as observações e entrevistas permitirem a análise dos dados coletados.
Foram coletados como documentos para esta pesquisa:
- o projeto do grupo entregue à escola;
- os textos disponíveis na página do grupo na internet;
- atas das reuniões e discussões de planejamento de atividades
disponibilizadas no e-mail do grupo;
- peças de teatro escritas pelo grupo e utilizadas nas atividades;
- o material de divulgação do grupo na cartilha distribuída aos ingressantes
sobre projetos de extensão.
4.6. ANÁLISE DAS CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL E CIDADANIA
Para a análise das concepções de Educação Ambiental e cidadania dos
membros do grupo Semente Viva foi adotado como procedimento metodológico a
Análise de Conteúdo. Essa forma de análise é adequada para procedimentos como
entrevistas com questões abertas que precisam ser descritas e analisadas e
observações, uma vez que são abordagens de pesquisa que nem sempre resultam
em dados quantitativos (OLIVEIRA et al, 2003, p. 5).
A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas que procura identificar os
principais conceitos ou os principais temas abordados em um determinado texto.
(OLIVEIRA et al, 2003, p. 5). A ordenação rigorosa das unidades8 de sentido
presentes no texto ajuda a controlar a subjetividade do pesquisador durante a
análise.
A execução da análise de conteúdo passa por três etapas e estas etapas
foram consideradas neste trabalho como descrito a seguir.
A primeira etapa é a organização do material de trabalho. Para esta pesquisa
foram usadas para a análise as 12 entrevistas com os membros do grupo que foram
8 As unidades de sentido segundo Oliveira et al (2003) são palavras, conjuntos de palavras ou temas, que estabelecem um sentindo significativo para a análise e são definidas passo a passo e guiam o pesquisador na busca de informações contidas no texto.
34
gravadas, transcritas e impressas para as sucessivas leituras; as observações das
atividades do grupo que foram anotadas num diário de campo e posteriormente
digitadas, codificadas de acordo com o modelo de Bogdan e Biklen (1994) e
impressas para as sucessivas leituras. Os documentos do grupo já descritos foram
recolhidos e também impressos. Esse material foi organizado numa pasta e passou
por leituras atentas sempre tendo como ponto de referência as questões de
pesquisa.
A segunda etapa foi o estabelecimento das unidades de pesquisa, e estas
unidades de pesquisa foram identificadas por temas, uma vez que define um
conjunto de palavras por seu valor semântico, e não pela sua formulação, centrando
assim o interesse nos sentidos dados pelos sujeitos de pesquisa à determinada
sentença.
Para esta etapa foram realizadas leituras do material e identificação de
temáticas que eram recorrentes nos materiais. Foram feitas marcações no material
impresso que identificassem semelhanças entre as temáticas. Terminada essa fase
de identificação das temáticas que seriam relevantes para responder as questões de
pesquisa, as passagens com as marcações foram reunidas nos seguinte temas:
cidadania e ação; atividades artísticas; EA e conscientização; EA e cuidado com o
ambiente; relação entre EA e cidadania; entendimento da essência das coisas como
parte dos fazeres da EA; importar-se e cidadania; despertar para a temática
ambiental; mudar atitudes; relação como MA; respeito e cidadania; resultados da
EA; o tempo para o sucesso das atividades de EA; EA e sensibilização; EA e
transmissão de conhecimentos; e EA e valores.
Os excertos do material que se identificavam com estes temas foram reunidos
e impressos para passar por nova leitura.
A partir dessa nova leitura do material foi realizada a terceira etapa, a
categorização.
Segundo Oliveira et al (2003, p. 9) “a categorização gera classes que reúnem
um grupo de elementos da unidade de registro. As classes são compiladas a partir
da correspondência entre a significação, a lógica do senso comum e a orientação
teórica do pesquisador”.
Dessa forma as unidades de registro identificadas anteriormente foram
reorganizadas passando a representar as seguintes categorias que foram usadas
para a interpretação das concepções de EA e cidadania do grupo Semente Viva
35
neste trabalho: EA e mudança de atitudes; EA e transmissão de conhecimentos; EA
e relação do homem com o meio ambiente; EA e sensibilização, como subcategoria
desta: sensibilização e arte; EA e a abordagem da temática ambiental através da
ideia de todo; EA e cidadania; e como subcategorias desta: cidadania e respeito, e
cidadania e ação.
Este procedimento de análise foi adotado numa perspectiva didática de
exposição dos dados da pesquisa realizada, uma vez que as categorias elaboradas
estão amplamente relacionadas umas com as outras e cada membro do grupo traz
um conjunto de crenças, valores e idéias que estão unidas por uma lógica
estabelecida em cada um deles.
Não há a intenção de generalizar as interpretações deste trabalho uma vez
que o estudo de caso busca entender e interpretar o caso específico em questão.
Em todo o material procurou-se identificar as falas dos integrantes do grupo e
para preservar sua identidade será usada a sigla “SV” (Semente Viva) seguida de
um número dado aleatoriamente a cada um dos integrantes (SV1, SV2...SV12).
36
5. ANÁLISE E DISCUSSÃO
Apresento aqui as categorias de análise elaboradas através dos
procedimentos já descritos. Essas categorias colaborarão para a compreensão e
discussão das concepções expressas pelos membros do grupo Semente Viva.
Tentei aqui associar trechos das entrevistas, descrições das atividades do grupo e
também excertos dos materiais produzidos por eles de forma a aproximar o máximo
possível as discussões do contexto em que foram observadas.
O quadro 5.1. reúne o número de citações de cada uma das categorias nas
entrevistas, observações e no projeto do grupo enviado à escola. O quadro ajuda a
olhar para as categorias de análise e sua expressão de acordo com os diferentes
procedimentos de pesquisa.
Ele será retomado na discussão de cada uma das categorias.
Antes de entrar propriamente na discussão das categorias falarei rapidamente
do histórico do grupo que pude conhecer durante as observações das atividades.
Nº de citações-
Entrevistas
Nº de citações –
Observações
Nº de citações
– Projeto
Total
Categoria EA e mudança
de atitudes 25 4 2 31
Categoria EA e
transmissão de
conhecimentos
7 4 1 12
Categoria EA e relação do homem com o meio ambiente
16 14 3 33
37
Categoria EA e
sensibilização 12 6 0 18
Subcategoria Sensibilização e Arte
8 2 0 10
Categorias EA e a
abordagem da temática
ambiental através da
ideia de todo
6 3 0 9
Categoria Relação EA e cidadania
9 0 1 10
SubcategoriaCidadania e
respeito 5 11 1 17
Subcategoria Cidadania e ação
22 0 1 23
Quadro 5.1. Número de citações de cada categoria de análise nas entrevistas,
observações e no projeto do grupo Semente Viva.
5.1. Histórico do grupo
O projeto “Semente Viva” foi idealizado por alunos do curso de Ecologia no
ano de 2000 e tinha como objetivo o trabalho com hortas e sistemas agroflorestais
com crianças da Educação Infantil (4 à 5 anos) da EMEI “Benjamin Ferreira”, no
município de Rio Claro, e com um assentamento rural na cidade de Cordeirópolis. O
projeto em Cordeirópolis durou dois anos e não mais continuou por corte na verba
para o transporte dos alunos envolvidos, que vinha de uma parceria com a Prefeitura
de Limeira e com uma Associação Rural.
38
As atividades na EMEI foram até 2007, mas a falta de apoio da escola na
manutenção da horta, fez com que os integrantes do grupo repensassem a
abordagem, e de acordo com SV14 que representava o grupo na ocasião da
apresentação aos ingressantes, esta “mudou para uma EA tradicional” na área
urbana com o intuito de inserir as crianças neste contexto. Sobre essa afirmação
não houve mais comentários posteriormente, mas os demais representantes do
grupo pareceram concordar com SV14. Essa classificação como tradicional pode ser
em função do grupo enxergar as atividades desenvolvidas anteriormente com
sistemas agroflorestais, pouco comuns, ou mais próximas do que compreendem ser
boas atividades de educação ambiental, pelo próprio contato com a terra (que fica
mais evidente na discussão da categoria sensibilização) ou fugindo do que
tipicamente é aplicado nas escolas em termos de Educação Ambiental. Como não
houve mais referências a isso, não tive mais elementos para poder elucidar essa
questão. O que aparece com alguma freqüência na fala dos participantes é um certo
repúdio à projetos de educação ambiental desenvolvidos pela escola e/ou pelos
governos, como fica exemplificado na fala de SV8:
Eu via EA como algo talvez não muito efetivo, porque tendo em vista o aplicado, sabe, pelos governos, eu não acho que seja tão efetivo o que é aplicado, ainda que seja muito importante, já é alguma coisa. (SV8)
No ano de 2007 o projeto com a “nova abordagem” mudou também de público
alvo: atenderiam agora uma classe de 2ª série da EMEF “Profª. Djiliah Camargo de
Souza”. Em geral as atividades propostas pelo grupo até aqui tiveram como tema
gerador os 4 elementos: terra, água, fogo e ar.
Em 2008 o projeto muda novamente de escola vai para a EMEF “Prof. Sylvio
de Araújo”, no município de Rio Claro, e continua trabalhando com classes de 2ª
série. No primeiro semestre de 2009, período em que acompanhei o grupo, as
atividades foram realizadas na mesma escola porém, com crianças de uma turma de
4ª série.
Apesar do grupo ter sido idealizado por alunos do curso de Ecologia, são
realizadas divulgações convidando todos os alunos do campus para participar das
atividades. No período de realização dessa pesquisa, no entanto, a participação foi
predominantemente de alunos do curso de Ecologia.
39
No início das atividades, logo após a divulgação do grupo no campus, se
reuniram a ele alunos dos cursos de Geografia e de Biologia, que participaram
durante algum tempo das atividades. No entanto a participação destes alunos durou
apenas algumas semanas, ficando até o fim das atividades do semestre apenas
alunos do curso de Ecologia.
5.2. EDUCAÇÃO AMBIENTAL E MUDANÇA DE ATITUDES.
No projeto do grupo enviado à escola está expresso como parte de suas
ações interagir “com o público alvo na busca de uma nova consciência, valores e
atitudes que atendem à interdependência fundamental existente dentro dos
ecossistemas naturais, e o comportamento do ser humano dentro desse contexto.”
A importância dada à mudança de atitudes esteve muito presente na fala dos
integrantes do grupo Semente Viva, e também a preocupação em realizar atividades
que pudessem influenciar na mudança de atitudes por parte das crianças. Como
pode ser observado no quadro 5.1. essa categoria esteve presente nas
observações, no projeto e nas entrevistas, estando nesta última a maior
concentração de citações.
Numa das reuniões o grupo discutia a melhor forma de desenvolver o projeto
junto às crianças e a maior parte dos integrantes apoiou a idéia de realizar
novamente uma maquete que o grupo foi construindo a cada atividade, juntamente
com as crianças, no ano de 2008. No início a maquete representava um ambiente
nativo, sem a interferência do homem e aos poucos eles iam mudando a maquete
incluindo a presença humana, até chegar a um estado de urbanização completa.
Com esta atividade era demonstrado que o estado de degradação dos ambientes
nativos tinha início com uma pessoa que montava uma casa à beira do rio, e que
aos poucos se transformava em cidade. SV1 defendeu nesta ocasião uma
abordagem diferenciada desse tema: “A gente deveria relacionar a maquete ao nível
de casa. Acho importante nas maquetes as crianças se contextualizarem e saberem
que o impacto da casa é o meu impacto”.
SV9 disse que o grupo deveria “tratar algo que fosse mais do ambiente das
crianças”. Outras sugestões seguiram, dentre elas, a de se trabalhar um semestre
com “macro elementos” e no outro o “contexto do indivíduo”. O que o grupo chamou
de “macro elementos” seria o impacto num âmbito mais amplo como o da cidade,
40
que estaria mais longe do indivíduo. O contexto do indivíduo estaria ligado às
questões próximas, como desperdício, produção de lixo, consumo.
Assim, as atividades a serem desenvolvidas pelo grupo deveriam ter a
intenção de mostrar ao indivíduo que ele também é responsável pelos impactos
ambientais, sem, no entanto, a intencionalidade expressa de levá-lo a perceber que
atitudes individuais e coletivas são interdependentes e se relacionam, a todo
momento, dando um enfoque predominante às atitudes individuais.
Sobre isso SV4 levantou nesta ocasião a questão: “Como cobrar deles [dos
alunos] uma visão integrada se a gente mesmo separa?”, o restante do grupo não se
posicionou.
Durante a entrevista, SV4 fala de mudar a relação das crianças com o MA
mudando as atitudes delas de acordo com o que o grupo identificava como certo.
Segundo este membro do grupo, este “certo” estaria ligado à questões como “não
jogar lixo no chão”. SV4 faz uma crítica, por entender que grande parte do grupo
ainda valoriza estas questões as entendendo como aspectos fundamentais das
atividades da EA.
O que a gente faz é ir lá à escola, tentar passar alguma coisa pras crianças... eu acho que o objetivo abstrato que todo mundo tem, é fazer a criança ter uma relação melhor com o MA dela, melhorar a relação e não ter atitudes que vão contra aquilo que a gente acha errado, coisas assim. (...) Abstratamente [a EA] seria a pessoa, não jogar lixo no chão, as pessoas [do grupo] pensam muito nisso. (SV4)
Essa crítica de SV4 se sustenta por algumas falas dos colegas de grupo
como veremos a seguir.
SV7 de forma semelhante àquela da fala de SV1 na reunião descrita acima,
durante a entrevista fala de mostrar que as atitudes têm conseqüências:
Ao meu ver, os objetivos do projeto é conscientizar, não conscientizar ... dar uma noção pras crianças pra elas repararem um pouco mais o que elas fazem assim, nas atitudes delas, que elas tem conseqüências e tal, que elas não tão sozinhas e que não é só cuidar de si próprio, cuidar do meio que você vive, acho que o objetivo é fazer elas pensarem um pouco nisso. (SV7)
Segundo Carvalho (2004, p.18) “o projeto político pedagógico de uma
Educação Ambiental Crítica seria o de contribuir para mudanças de valores e
41
atitudes, contribuindo para a formação do sujeito ecológico”. A mudança de atitudes
a que se refere Carvalho está relacionada à identificação, problematização e ação
em relação às questões ambientais e está comprometida com uma ética ambiental
que extrapola as ações individualizantes e tem em vista ações solidárias. Sendo
assim a mudança de atitudes não seria feita no plano dos comportamentos
individuais com ações pontuais como “não jogar lixo no chão”, mas numa mudança
de postura para o que a autora chama de ética ambiental.
A mudança de atitudes em algumas falas do grupo está expressa em não
jogar lixo no chão, reciclar, evitar desperdícios, não cortar árvores, que também
esteve muito presente durante as atividades do grupo nas falas de seus membros,
seja em momentos que alguém tenha expressado uma frustração em relação a
alguma destas atitudes observadas nas crianças, como expressa SV12 na fala a
seguir, seja durante as atividades na escola:
... eu acho que a gente tem que trabalhar bastante pra conseguir resultados efetivos assim, porque não é só chegar e falar pra eles... é que nem hoje a gente perguntou: “ é então vocês mascam chiclete e depois o que faz com o chiclete?” Joga no chão. “ Ah vocês jogam no chão?” Então eles falaram “não, no lixo”, mas a primeira coisa foi no chão, então, eles... a gente tá lá, tentando passar assim os conceitos tentando fazer com que eles percebam, o que vai... os atos deles que vão prejudicá-los no futuro que vão prejudicar agora mesmo, mais isso a gente vai alcançar com mais tempo, conforme a gente conseguir assim que eles comecem a transformar essas coisas em hábitos, que por enquanto eles talvez dentro da sala eles achem, eles aprendam “ah legal isso”, tudo, mais eles não vão passar aquilo pra vida deles fora da escola tão rápido, e aí eles acabam cometendo uma coisa dessa ou outra assim, de jogar lixo no chão, tal.(SV12)
Neste sentido durante uma reunião em que o grupo discutia o cronograma
das atividades a serem realizadas com as crianças, SV9 retomou a discussão
anterior descrita acima dizendo que as crianças deveriam “montar um projeto em
que elas buscassem solução para um problema real”. Completa dizendo que “tudo o
que foi feito [no ano anterior] é essencial, esclarece bastante, eles [os alunos] vêem
de uma forma diferente”, mas que as atividades poderiam começar de uma forma
abrangente no começo com os conceitos teóricos e fechar depois com a prática ,
com atividades como montagem de composteira e economia de água, trabalhando
com contas de água, “coisas que fazem parte do dia-a-dia”. Sugeriu ainda a idéia de
se plantar um canteiro.
42
A peça de teatro “O Conto do Mato Velho” (Anexo C) escrita pelos integrantes
do grupo para dar início as discussões da construção da maquete, também colabora
no sentido de demonstrar como as ações humanas modificam de forma prejudicial o
ambiente nativo:
Figurante: Ei! Acabaram os peixes do rio! Figurante: E as árvores? De onde vamos tirar lenha agora? Figurante: A culpa é do Estevão, que cortou todas as árvores! Estevão: Cortei as árvores porque não tinham mais frutos. A culpa é da Jani.
A peça conta a história de Jani uma garota que se muda de sua casa na
cidade de Mato Velho para uma casa próxima ao rio onde a natureza não humana
ainda está preservada. Com o passar do tempo a margem do rio vai sendo ocupada
por outros moradores da cidade, que iniciam um processo de exploração do
patrimônio natural ali existente. Com isso a peça reforça a idéia de interferência no
ambiente nativo pela causa e efeito das ações individuais.
Neste mesmo sentido SV7 indica algumas ações que poderiam “ajudar a
melhorar” situações como estas:
Eu acho que muitas delas não tem uma noção assim, pela escola, pelos pais, não tem uma noção, de coisas simples que eles podiam fazer pra melhorar ajudar, sei lá, trocar lixo reciclável, fechar a torneira, essas coisas básicas assim, que acho que as vezes eles não tem noção mesmo, não se preocupam então com isso eles vão prestar mais atenção nos atos deles.(SV7)
Alguns membros do grupo consideram superficial pensar na EA como uma
forma de minimizar o problema do lixo ou pensar em reciclagem. SV8 faz a
associação desta forma de pensar a EA com os programas dos governos.
Eu via EA como algo talvez não muito efetivo, porque tendo em vista o que é aplicado, sabe, pelos governos, eu não acho que seja tão efetivo o que é aplicado, ainda que seja muito importante, já é alguma coisa, já. Então eu tinha esse conceito de ensinar só as pessoas a não jogar lixo nas ruas, uma coisa que... é importante é claro, uma questão de educação, mas ainda assim raso. (SV8)
SV11 fala de uma forma mais ampla de pensar a EA e fala de ser uma coisa
“mais de postura”, mas não deixa claro o que isso quer dizer, indicando que a EA
deve ser mais que ações como reciclar o lixo:
43
Pra mim o que seria assim um objetivo alcançável assim é... despertar alguma coisa nas crianças alguma coisa que não seja só elas relacionarem EA que elas tem por outros projetos talvez, a não jogar óleo na pia ou reciclar o lixo, essas coisas práticas que a EA acaba sendo reduzida, depois que você tem um bocadinho assim de contato você vê que é um coisa muito mais ampla, que é uma coisa muito mais de postura assim, se a gente conseguir despertar isso nelas, já vai ter alcançado o objetivo assim. (SV11)
O grupo desenvolveu com as crianças uma atividade denominada
“interpretando o meio ambiente”, que tinha o intuito de mostrar para elas a existência
de ambientes menores, ambientes dentro de ambientes e que esses ambientes
menores são compostos por vários elementos. As crianças em grupos deveriam em
forma de mímica representar esses elementos para que o restante da classe
descobrisse qual era o ambiente. As crianças apresentaram esta atividade na escola
e escolheram os elementos que queriam representar. Sobre a escolha feita pelas
crianças para a apresentação na escola SV6 comentou: “As crianças não reduziram
ao que todos pensam”. Segundo SV6 as crianças “pensaram na questão do
consumo” quando escolheram representar o MA da blusa.
Por esta fala de SV6 e a fala de SV11 quando mostra a necessidade de
pensar de forma mais ampla a EA, embora percebam que é reducionista falar
apenas de lixo e reciclagem, ainda relegam ao indivíduo e às mudanças individuais
a resolução dos problemas ambientais. SV6 considera importante pensar no
consumo, mas não fala de produção, e não faz a ponte entre o papel da relação
indivíduo-sociedade para a superação dos conflitos ambientais.
Neste mesmo sentido as falas de SV5 e SV12 reforçam a idéia das posturas
individuais:
... o que eu me lembro que a gente procura tentar fazer uma conscientização ambiental nas crianças, procura e... fazer com que elas valorizem mais as atitudes individuais, às vezes a gente pensa que o problema a nível individual não pode ser resolvido e a gente olha muito problema na TV, é catástrofe, são coisas grandes distantes da gente, e aí eu acho que o grande problema hoje é isso, as pessoas acharem que elas não podem fazer nada, se conformam com a situação, que não dá pra fazer nada, e aí procurar sensibilizar isso nas crianças, né essa percepção de que elas podem fazer alguma coisa e fazer a diferença assim.. é isso. (SV5)
Acho... é iniciar um pensamento diferente nas pessoas, nada melhor que nas crianças, quando se é criança se você aprende uma coisa, e
44
aquilo fica fixo, você aprende que aquilo é bom, vai ficar na tua cabeça e você vai agir de acordo com aquilo. Então seria aplicar essa educação e mudar pelo menos o pensamento das crianças, vê o que elas tão aprendendo em casa, o que tá sendo passado na escola, e dá uma mudada nisso assim, e elas já crescem cidadãos melhores, mais conscientizados assim, porque falam que daqui algumas gerações já não vão ter terra habitável, é pro bem delas mesmo. (SV12)
Carvalho (2004, p. 20) levanta alguns aspectos interessantes para esta
discussão. Ela chama a atenção para a dimensão individualista do “quando cada um
fizer a sua parte” e recusa a crença de que a mudança social pode vir da soma das
mudanças individuais. Ao mesmo tempo ela discute a despersonalização do
movimento de mudança da sociedade em que a sociedade muda para dar condições
para mudança das pessoas. Mas quem/o quê é a sociedade que deve mudar?
Assim Carvalho indica que o pensamento deve partir da relação indivíduo-sociedade
num movimento de responsabilização consigo e com o mundo onde sejam
superadas a dicotomia e a hierarquização das mudanças.
Ao mesmo tempo em que incentivar um posicionamento individual é
importante para que os indivíduos se enxerguem fazendo parte do mundo de
relações em que vivem, saindo assim de um estado de conformismo, há o perigo de
se responsabilizar o indivíduo pelos problemas ambientais o que poderá
individualizar os problemas, passando a uma visão reducionista destes, uma vez
que se entende que jogar o lixo no lixo ou não desperdiçar energia elétrica, são
suficientes para resolver os problemas ambientais.
Analisando algumas falas dos membros do grupo em que aparecem as
palavras “consciência”, “conscientizar” e “conscientização” percebo que o significado
dado a estas palavras também é mudança de atitudes. SV1 fala de “intervir nas
pessoas”:
Na verdade foi mais pra conhecer mesmo que eu entrei, e por acreditar também , né, em Educação Ambiental, e tal, e por eu ver o Semente como uma forma de tentar intervir nas pessoas né, despertar consciência. (SV1)
SV7 fala em fazer as pessoas entenderem que o uso tem conseqüências e
que as pessoas podem minimizar “porque são coisas pequenas”:
45
EA é conscientização. [Conscientização] É elas perceberem que tem algo pra ser cuidado que não é de graça assim, as coisas que a gente utiliza não é uma coisa, é gratuita mais tem conseqüências, acho que dá pra tentar minimizar um pouco as conseqüências, porque é coisas pequenas... Acho que EA faz, elas aprenderem isso, desde cedo, porque ela absorve mais as coisas. (SV7)
SV10 fala de “começar a refletir em coisas que elas fazem”.
Tentar fazer as crianças se conscientizarem, começarem a refletir com as coisas que elas fazem, com o meio. De fazerem elas refletirem mesmo, não simplesmente obrigar, ah, você não pode jogar lixo no chão. Construir toda uma coisa antes dela pensar nisso. (SV10)
SV12 fala em “cada um fazer um pouquinho”.
Mais por isso,foi só pelo fato assim... EA conscientizar as pessoas, o maior número de pessoas que a gente puder, da situação, que cada um pode fazer um pouquinho, isso vai contribuir pro geral assim. (SV12)
Assim para estas pessoas o significado que dão à conscientizar se refere às
ações individuais, ao saber que cada um pode “fazer um pouquinho”. Isso se reflete
nas atividades que propõe porque se preocupam em mostrar as causas e os efeitos
das ações individuais como já explicitado anteriormente.
Para Loureiro (2004a, p.76) a EA não deve ser vista como “mecanismo de
adequação comportamental ao que se chamou de “ecologicamente correto””, pois
dessa forma
focaliza o ato educativo enquanto mudança de comportamentos compatíveis a um determinado padrão idealizado de relações corretas com a natureza, reproduzindo o dualismo natureza cultura, com uma tendência a ordem social estabelecida como condição dada, sem críticas às suas origens históricas. (LOUREIRO, 2004a, p. 80)
A categoria ”mudar atitudes” aparece sob várias perspectivas dentro do
grupo, algumas até que se contradizem, no entanto, de forma geral todos atribuem
grande importância às ações individuais com pouca ênfase em posicionamentos
coletivos.
46
5.3. EDUCAÇÃO AMBIENTAL E TRANSMISSÃO DE CONHECIMENTOS
Um aspecto muito valorizado em determinadas abordagens da EA (ver
LOUREIRO, 2004a, p.74) é a transmissão de conhecimentos relacionados à
temática ambiental. Em alguns momentos integrantes do grupo expressam essa
perspectiva de EA e isto está expresso também no projeto do grupo (quadro 5.1.;
Anexo B):
EA não sei explicar, a palavra já diz né, educar... educar nesse sentido ambiental, que é o sentido que mais hoje em dia tá faltando, eu acho bastante essa área... passar... passar o conhecimento dessa área ambiental, o conhecimento básico, porque assim... criança né... mas acho que tem que ser desde pequeno, não sei, é difícil. (...) Ah, eu acho que é [suficiente passar os conhecimentos] , porque desde pequeno é difícil, criança é difícil lidar com criança, você tem que ir evoluindo, tem que ser uma coisa contínua, primeira série, faz atividade para a primeira serie, segunda série faz atividade, mas tem que ser uma coisa contínua, não pode fazer até a quarta serie e depois na quinta serie não tem mais. Acho que tem que ser uma matéria, ser desde pequeno porque assim a pessoa vai criando, né, porque muitas vezes você faz uma coisa, eu nem lembro de coisas que fiz na segunda série, na terceira série, tem que ser uma coisa meio contínua né, como se fosse uma matéria eu acho mesmo, matemática, uma coisa assim... (SV2)
Nota-se aqui a importância dada por SV2 a um conhecimento da área
ambiental, que poderia ser expresso numa “matéria” no currículo escolar, porém não
fica claro qual conhecimento seria esse, mas tradicionalmente em algumas
abordagens, que Loureiro (2006b, p.133) denomina conservadoras ou
comportamentalistas, se relaciona o conhecimento da área ambiental com os
conhecimentos de biologia, ecologia e geografia. Embora não estejam transcritas
aqui todas as falas, outros membros do grupo (SV3, SV12, SV9) indicam a
importância de haver uma disciplina na escola chamada Educação Ambiental.
SV9 fala de um conhecimento a ser construído que inclua os humanos, do
que podemos entender que os humanos são considerados à parte do que
geralmente se classificaria como meio ambiente, e que a EA tem como função
“inserir os humanos”:
Construir uma consciência, um conhecimento, é... do ambiente, dos elementos, eu vejo EA feito com humanos, então como a gente
47
insere os humanos, no caso as crianças que a gente trabalha nesse ambiente. E construir um pensamento em cima disso. (SV9)
Tristão (2004, p.49) aponta que a EA deve superar a fragmentação do
conhecimento através de uma abordagem transdisciplinar que integre as várias
formas de conhecimento, pois o quadro atual de crise do pensamento em que nos
encontramos necessita de uma visão complexa para que possa ser transformado.
Guimarães identifica como conservadora a EA que tende
refletindo os paradigmas da sociedade moderna, privilegiar ou promover: o aspecto cognitivo do processo pedagógico, acreditando que transmitindo o conhecimento correto fará com que o indivíduo compreenda a problemática ambiental e que isso vá transformar seu comportamento e a sociedade; (...). (GUIMARÃES, 2004, p.27)
Dentro do grupo existe ainda quem aponte a transmissão de conhecimentos
como algo insuficiente, porque em geral as crianças se tornam receptores passivos,
sem reflexão. SV2 identifica a educação como algo profundo na esfera dos valores
entrando em contradição com a fala anterior onde identifica “educar” como “passar
conhecimentos”:
Educar é uma coisa bem profunda, não é uma coisa tão básica, é mais de valores eu acho, educar assim, passar valores, não só conhecimento, valores, caráter, dá exemplo, uma coisa mais profunda, mais na cabeça do que conhecimento básico. (SV2)
É possível identificar nas falas de SV7 e SV5 o problema de se fazer uma EA
onde haja a transmissão de conhecimentos sem a participação ativa dos educandos,
onde predomine a memorização:
Acho que sim, que tem bastante dificuldade, acho que esse é o problema de hoje em dia da educação, que fica muito como agente passivo, as crianças só ouvem, recebem informação, não processa informação, então acaba que fica meio decoreba, você precisa saber ciência, precisa saber matemática pra prova, mas fica só nisso assim... (SV5)
Porque aí elas entendem, elas vão aprendendo aos poucos, tipo elas raciocinando e não alguém dando informação pronta pra elas, elas vão raciocinando e aos poucos chegando na conclusão delas, não é certo ou errado, elas vão chegando na conclusão própria de cada um, e tem uma consciência dos cuidados que ele tem que ter. (SV7)
48
SV6 em uma das reuniões expressou seu “medo de deixar o projeto biológico
demais”, uma vez que essa abordagem “acaba sendo a prioridade do grupo”. Os
valores e a afetividade foram frisados como sendo muito importantes, mas estes
temas “ficam num plano secundário”. Durante a entrevista SV6 voltou a falar deste
aspecto:
... e aí a gente tá tentando fugir um pouco da biologia tradicional, porque eu acho que era uma das coisas que a gente tava pecando. (...) Ah, eu acho que a gente tava passando muito conceito de biologia, sabe, tava muito ‘aula’ de biologia, na minha opinião, não sei o que as outras pessoas pensam sobre isso, mais tanto que um dia eu falei isso na reunião, eu até me senti mal por isso, porque não é o objetivo da EA, né, EA é muito mais que isso. Tava tendo muita aula expositiva, passando muita dinâmica relacionada ‘como é o ciclo da água’, lógico que é importante, mas também não tiro a importância de atividades para as pessoas se relacionarem, porque elas também estão relacionadas ao MA. (SV6)
Loureiro (2004a, p.80) identifica como convencional a EA que supervaloriza
aspectos da biologia. Sobre essa EA ele aponta uma característica de biologização
de uma realidade que é ao mesmo tempo “biológica e social na totalidade natural”.
Sobre isso Lima (2004, p.87) problematiza: “(...) o determinismo ecológico
tende a reduzir a questão ambiental a um problema estritamente ecológico, sem
incorporar as demais dimensões sociais, éticas, políticas e culturais que atravessam
e condicionam o fenômeno ambiental.”
Entende-se assim que uma Educação Ambiental que esteja de fato
comprometida em superar os conflitos ambientais de nossa sociedade deve
compreender e problematizar os processos que levaram a eles como fatores
historicamente construídos dentro de um contexto social e político, sendo
insuficiente uma abordagem que apenas apresente conhecimentos técnicos acerca
destes problemas.
No grupo, embora haja alguns integrantes que compreendam a biologização e
a mera transmissão de conhecimentos como uma forma incompleta de educação,
existe também aqueles que ainda dão muita importância à transmissão dos
conhecimentos ligados à área.
49
5.4. EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SENSIBILIZAÇÃO
Como pode ser observado no quadro 5.1. a categoria sensibilização esteve
presente nas entrevistas e observações, mas não no projeto do grupo. O termo
sensibilização tem mais de um sentido expresso pelos membros do grupo, mas em
geral está expresso como forma de um contato mais profundo com a natureza que
visa a construção de uma nova identidade do ser humano. Para SV5 sensibilizar é a
palavra mais importante para definir Educação Ambiental:
(...) o que o grupo procura como objetivo, que procura tentar sensibilizar, acho que essa é palavra mais importante, sensibilizar a criança ou qualquer pessoa, adulto e.. a partir da temática ambiental assim, e.... eu acho que a partir do momento que você passa a valorizar você respeita, se eu passo a ver o parque que eu visito toda semana como parte do meu mundo, da minha casa, aquilo lá também é meu, aí bom, não vou jogar lixo no chão, não vou depedrar, não vou fazer nada, esse aí é grande problema as pessoas não sentem o ambiente ou qualquer lugar como dela, se sujar... qualquer coisa que fizer,” ah não tem problema, não é problema meu”, o que é meu assim, é só a minha casa, o lugar que eu vivo assim. E eu acho que é essa palavra mesmo, sensibilizar pra valorizar... a se valorizar assim dentro, passar a se ver como parte da natureza e assim conseqüentemente valorizar a natureza, você tem que se valorizar no sentido de que você pode fazer alguma coisa.” (SV5)
Nesta fala está expressa uma similaridade entre sensibilização e valorização
que resultará em respeito, e essa sensibilização é uma forma de identidade, “passa
a se ver como parte da natureza” e de pertença “eu passo a ver o parque que eu
visito toda semana como parte do meu mundo, da minha casa, aquilo lá também é
meu”.
SV1 também dá grande importância à sensibilização e a identifica como uma
forma de estreitar a relação homem-natureza:
...[ o objetivo do projeto ] é despertar, bem mais... sensibilizar as crianças né, na relação delas, de ser humano como parte da natureza, né, como ator nas transformações, tanto na sociedade, como na natureza. Mostrar a elas o poder que elas tem de interferência, mais essa sensibilização em si que o conteúdo, pra mim o objetivo principal de EA, ainda mais nessa faixa de idade é sensibilização. (...) Educação ambiental é o processo de educar o ser humano, não de educar, educar no sentido de educação também englobando a
50
sensibilização, né que eu falei pra você, mais esse processo né, de despertar a consciência nas pessoas que elas são parte do MA e que a Terra é nosso lar comum, acho que é isso, né, e dar, humm, “background”, não sei a palavra, pra elas agirem como atores na preservação do ambiente. (...) a maior parte das pessoas concorda assim com a minha visão de sensibilização, e a postura da maioria assim quando as metodologias vão muito pro conteúdo em si, as pessoas questionam e tal, e falam “não, não vamos fazer assim, a gente não pode falar o que é ambiente, não vamos sugerir”, mas tentar despertar de dentro pra fora mesmo. (SV1)
Para SV1 a sensibilização é parte da educação e desperta consciência, mas
também está relacionada à identidade e pertença “elas são parte do MA e que a
Terra é nosso lar”, e “lar” dá uma idéia de afetividade. Também deixa expresso que
sensibilização é algo diferente de conteúdos, a sensibilização está além dos
conteúdos.
Outro aspecto apontado por SV1 durante uma reunião foi a importância do
impacto ambiental no processo de sensibilização. Para SV1 levar as crianças ao
lixão seria mais interessante que simplesmente falar de reciclagem, porque “o
impacto sensibiliza”.
SV8 relaciona sensibilização com “sentir a natureza” como algo que passa
pelos sentidos, mas indica também as danças circulares como forma de realizar a
sensibilização. SV8 fala de uma atividade que chama de “vivência” na Floresta
Estadual Edmundo Navarro de Andrade (FEENA, antigo Horto Florestal) atividade
em que os membros do grupo participam.
Acho que são mais atividades de sensibilização ambiental, a gente faz vivência, tipo no Horto, acho que você nunca chegou a ir, mas acho que é uma atividade, que a partir do momento que você sensibiliza a pessoa sobre o meio ambiente você passa a respeitar mais, é o que se espera, acho que este tipo de atividadeaté a dança circular, de você tentar passar alguma coisa, relacionado a qualquer tipo de.. que você relacione com respeito ao ambiente, é uma atividade que você incorpora cidadania. (...) Acho [que a importância da dança circular] é o lance da sensibilização, mais, não sei qual vai ser a resposta delas, algumas pessoas... esse negócio da sensibilização é complicado, as crianças levam na brincadeira, tipo “vou fechar os olhos e sentir a natureza”, não é culpa delas é claro, é difícil até pra adulto, pra todo mundo sentir isso. Mas acho que é mais por isso, e dá uma descontração também. (SV8)
51
Durante a apresentação do grupo aos ingressantes SV9 falou sobre esta
atividade do grupo na FEENA e se referiu a ela como “forma de EA, que não dá
aula, mas é uma vivência com a natureza mais introspectiva”.
SV11 também expressa sensibilização como algo que passa pelos sentidos,
como uma forma de estreitar a percepção com relação aos elementos da natureza
não humana:
E... tem uma outra atividade que o grupo sempre desenvolve que é a do minhocário, que é uma atividade assim, é bem técnica assim, é pra eles verem como que é estruturado o solo, que a planta precisa do solo estruturado e... você põe umas minhoquinhas lá. E eu gosto dessa atividade não por essa parte técnica, mas por eles têm que colocar a mão na minhoca e colocar a minhoca no minhocário, muitos deles, eu percebo que nunca tiveram esse contato assim, essa sensibilização assim, deles mexerem mesmo, principalmente quando a gente fez isso com crianças menores, acho que isso desperta alguma coisa nelas assim. (...) É... acho que [sensibilização] é trabalhar realmente os sentidos da criança assim, fazer que elas tenham a percepção do ambiente através dos sentidos e que a partir daí que você possa trabalhar essa percepção nelas, de acordo com o que você acha adequado, de acordo com o que eu já tenha estabelecido que é mais adequado, não sei se é certo ou não, mas você despertar essa sensibilidade... física, pra a partir de então ela ter a percepção e você trabalhar em cima dessa percepção. (SV11)
Carvalho (2004, p. 31) pontua que, uma EA que considera uma perspectiva
chamada por ela de crítica, deve superar a mera transmissão de conhecimentos e
também ações de sensibilização, que ela identifica como ações que envolvam
afetivamente os educandos. Superar não significa negar, mas sim associar a um
contexto do processo educativo mais contextualizado e crítico.
Ações denominadas de sensibilização são frequentemente junto com a
transmissão de conhecimentos a essência das propostas de EA no espaço escolar
(CARVALHO, 2004, p. 31). Muitos educadores consideram a sensibilização o ponto
mais alto da ação educativa que denominam EA e, Loureiro chama essas ações de
“ingênuas e naturalistas”, pois muitas vezes estão desvinculadas de outros debates
sobre os modelos de sociedade.
Higuchi e Azevedo (2004, p.63) também problematizam a sensibilização no
contexto das metas do processo educativo da EA. Sobre isso apontam:
52
Sensibilização Ambiental: Trata-se de um processo de “chamamento”, de olhar numa direção antes distante do campo de motivação. É um dos primeiros momentos do processo educativo que insere o educando num mundo que se quer ver (re) descoberto, ou simplesmente notado. Muitos programas, equivocadamente consideram este momento como completo e alavancador de novas condutas. (HIGUCHI E AZEVEDO, 2004, p.63)
Dessa forma a sensibilização é fator relevante para as práticas de EA, mas
não deve ser vista como um fim em si mesma. Visões endurecidas que não
consideram a afetividade como parte do processo educativo, passam também a
fragmentar a nossa realidade, mas práticas em que apenas a dimensão afetiva é
desenvolvida expressa uma perspectiva ingênua e não problematizadora,
fragmentando uma visão que é complexa.
5.4.1. SENSIBILIZAÇÃO E ARTE
Uma das formas pela qual o grupo diz realizar sensibilização é através de
atividades artísticas como teatro, música e principalmente através de danças
circulares. SV11 e SV6 falam da importância das danças circulares para “trabalhar a
cultura” e SV6 fala de interação. SV11 fala ainda da liberdade de expressão de
forma alternativa:
Poderia ter citado ela [dança circular] na última pergunta, porque trabalha expressamente assim a cultura humana, trabalha com cultura com expressão, liberdade de se expressar de uma forma que chega a ser até alternativa, porque é diferente da forma com que elas tão acostumadas a receber pela mídia, então a dança circular nesse quesito de expressão artística e cultural cabe perfeitamente no conceito que eu tenho de cidadania e de EA também porque elas se relacionando entre si. (SV11)
E a dança circular, acho que é uma coisa fantástica, mostrando a interação assim, sem contar que tem muita cultura por trás, também, acho muito legal. (SV6)
Ainda sobre as danças circulares SV1 conta que foram incluídas entre as
atividades desenvolvidas pelo grupo Semente Viva este ano (2009), e fala da ligação
das danças com a questão da sensibilização e de como através das danças pode-se
introduzir a idéia de ambiente coletivo. A idéia de coletividade colabora no sentido de
estabelecer identidade entre os seres humanos e destes com a natureza, o que
53
segundo SV1 estaria relacionado à um contexto propício no que diz respeito à
preservação da natureza:
...esse ano né a gente introduziu as danças circulares, que nunca teve no Semente Viva, também as atividades são propícias assim pra nossa concepção de EA [de sensibilização]. (...) Pra questão da educação nas relações, nessa esfera da nossa vivência que é as relações sociais, ao mesmo tempo que a gente interage com o ambiente, a gente interage com a outras pessoas e com o nosso interior, ao mesmo tempo essas partes se interrelacionam né, concepção de ecologia profunda, das três ecologias, então a EA não pode esquecer do social né, o que é o ambiente, sou eu e os outros né, e a nossa relação tanto com a nossa subjetividade tanto com os nosso semelhantes pra criar um contexto propício, né pra gente preservar né, porque o ambiente é coletivo. Não é é utilitarismo, não é pra que eu vou utilizar o meio ambiente, o ambiente faz parte de mim, o ambiente é minha casa. E as danças circulares nesse sentido elas ajudam né, na questão das relações né, o contato, as próprias letras né, que a gente pega que, fala nós somos a família, nos somos a unidade (...). (SV1)
Abaixo a letra da música da dança circular usada numa das atividades. Note
que a música pontua aspectos como “unidade”, ”harmonia” mesclando valores,
sentimentos e sonhos:
Estamos aqui Juntos de mãos dadas Cantando a canção A canção do coração Essa é a família Essa é a unidade Essa é a celebração Isto é sagrado. ----------------------- Nós somos um com o infinito sol Para sempre, sempre, sempre ----------------------- Nós rezamos pela paz Mundial Nós rezamos pela unidade Nós rezamos para viver como um em harmonia ----------------------- Dentro do meu coração existe Uma luz que brilha e cresce Como o sol que ilumina os demais Porque quanto mais eu dou mais eu tenho para dar É a forma de oração E por isso estou aqui pedindo
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Segundo Ostetto (2009, p. 179) as danças circulares trazem em si a tradição
de diferentes povos que usavam a dança como encontro e reafirmação dos ciclos da
vida, estando presentes em rituais de nascimento, colheita, morte, marcando o seu
pertencimento ao grupo. A autora fala que na prática pedagógica o ato de estar em
círculo é um movimento de encontro e reconhecimento do outro e de si mesmo no
outro, onde a identidade do grupo pode ser fortalecida, num ritual de acolhimento
que poderia deixar as pessoas mais disponíveis ao aprender, numa postura de
rejeição à práticas pedagógicas autoritárias.
Outras formas de expressão artística também são muito valorizadas pelo
grupo como possibilidade de associar informação e entretenimento. Uma delas é o
teatro.
SV1 considera os teatros, escritos e encenados pelo grupo, como atividades
“completas” por trazerem em si não só informação, mas também valores, além de
ser algo que desperta interesse, uma forma de misturar “tudo”:
Acho que os teatros [são atividades que considera de EA], né, porque eles juntam a arte, né, porque a arte é uma coisa que prende o ser humano né, a novidade tal, até por eles não terem contato né, algumas crianças não tem contato com o teatro e ver o teatro é uma coisa nova pra eles assim, eles ficam... eles realmente prestam atenção, teatro é uma coisa que você pode misturar tudo né, tanto informação, quanto questão de valores né, eu acho que o teatro é uma das atividades mais completas que a gente tem... (SV1)
SV7 também fala da importância de ganhar a atenção das crianças através da
arte e desvincula as atividades artísticas da teoria dizendo que a teoria “não rende
muita coisa”:
Ah, acho que é válido qualquer coisa que faça a criança se interessar assim, por exemplo ficar na teoria acho que não rende muita coisa, então sei lá, teatro, danças, essas coisas que eles se interessam mais, aí eles tem vontade de participar e de entender o que tá acontecendo. (SV7)
Duarte Junior defende que antes que o objeto a ser conhecido tenha sido
significado há uma etapa que vai além do próprio ato de pensar:
Porém, antes que o pensamento possa tomar qualquer experiência como seu objeto, ocorre já um certo “colocar-se” em relação à situação, que envolve aspectos para além da consciência simbólica.
55
Este experienciar compreende então um envolvimento mais abrangente do homem com o mundo, em que se incluem percepções e estados afetivos anteriores às simbolizações do pensamento.(DUARTE JUNIOR, 1988, p. 16)
O autor defende, a partir destas idéias, a arte como uma forma de
conhecimento daquilo que não pode ser transformado em símbolos, é uma forma de
expressão daquilo que pode apenas ser sentido.
Essa perspectiva vem ao encontro da fala de SV4 que indica as atividades
artísticas como formas de sensibilização e expressão de outros aspectos do
conhecer que não apenas os racionais:
As [atividades] que eu considero mais amplas são as artísticas mesmo, que a criança consegue expressar de outra forma e interpretar da forma dela também e construir em conjunto com as outras, que seria reduzir muito, por isso que a gente faz um trabalho com várias atividades no mesmo dia de preferência (...). E na questão da EA, é uma questão que... da sensibilização mesmo e da arte como uma forma de fazer a criança construir de outras formas que não sejam só conceituais, que é uma coisa que vai além do que se tem hoje, tudo muito conceitual, tudo muito racional, é uma forma de fazer a criança pensar que ela pode sentir um pouco e não só ficar pensando, pensando, aquela coisa quadrada que a gente tem hoje entendeu. Até num assunto não relacionado diretamente à EA, tem que ter mais contato com a arte, porque a gente tem mania de separar né, quando a pessoa ta envolvida com aquilo, tem uma sensibilização com aquilo ela tende a, não quer dizer que seja só por causa da arte, pode ser outras coisas, mas é um fator que ajuda a desenvolver essa nova forma de se relacionar com as coisas, sem ser só uma coisa quadradinha, escrita, conceitual, então ela vai aprendendo a se expressar de outras formas. (SV4)
Assim a arte pode se configurar como uma forma importante de expressão
num primeiro momento da educação ambiental, a de sensibilização, e de um
reencantamento e estetização da vida cotidiana (Tristão 2005, p. 259).
Pode-se observar que uma justificativa muito recorrente (SV1, SV4, SV7) para
o trabalho com as atividades artísticas é a fascinação que estas atividades causam
nas crianças, pois “prendem” a atenção para aquilo que deve ser comunicado. Este
é um indício que para alguns dos membros do grupo a perspectiva dada às
atividades artísticas seja apenas uma ferramenta para transmitir informação ou
algum conhecimento.
Embora SV4 expresse uma forma diferenciada de ver o potencial destas
atividades, isso aparece com menos clareza nas outras falas.
56
5.5. EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A ABORDAGEM DA TEMÁTICA AMBIENTAL ATRAVÉS DA IDEIA DE TODO
Outra categoria elaborada a partir das falas dos participantes do grupo
Semente Viva é a visão de meio ambiente como “todo” e a Educação Ambiental
como responsável por explorar os aspectos deste “todo”. SV12 fala que “tudo” é MA,
mas não pontua quais são os aspectos deste “tudo”.
EA é ensinar as pessoas.... mostrar... acho que não é nem ensinar, é mostrar que a ... tudo é MA. (SV12)
SV4 fala de uma educação que prepare as pessoas para o “todo, tudo
mesmo” e pontua que dentro deste todo se inclui também a relação da pessoa com
ela própria.
... é uma educação que prepara a pessoa pra enxergar pra esse todo, pra se relacionar com a pessoa de maneira bacana, esse todo tudo mesmo, com ela mesma inclusive, muita gente acha que isso é individualismo, eu não acho, a pessoa tem que se.. tem que ser uma coisa que saia de dentro pra fora, é uma coisa que tem que despertar na pessoa de dentro pra fora e isso consequentemente se reflete nas outras coisas que a pessoa faz, nessa relação que ela tem com o todo, então uma educação que prepara para isso, para esse todo. (SV4)
Contudo, é difícil determinar o que faz parte do “todo” que SV4 e SV12 falam.
De fato está no discurso de algumas perspectivas de EA buscar estabelecer
uma relação complexa com todos os elementos uma vez que o paradigma de
sociedade que promoveu os conflitos de todas as ordens que vivemos hoje baseava-
se no pensamento da parte pelo todo como nos fala Guimarães :
Focado na parte, vê o mundo partido, fragmentado, disjunto. Privilegiando uma dessas partes, o ser humano, sobre as demais, natureza, estabelece uma diferença hierarquizada que constrói a lógica da dominação. Pela prevalência da parte na compreensão e na ação sobre o mundo, desponta características da vida moderna que são individuais e sociais: sectarismo, individualismo, competição exacerbada, desigualdade e espoliação, solidão e violência . A violência sinaliza para a perda da afetividade, do amor, da capacidade de se relacionar do um com o outro (social), do um com o mundo (ambiental), denotando a crise socioambiental que é de um
57
modelo de sociedade e seus paradigmas; uma crise civilizatória. (GUIMARÃES, 2004, p.26)
No entanto, essa complexidade não deve ser vista como “qualquer coisa”, as
relações que se estabelecem devem estar amparadas por um contexto e por uma
intencionalidade. SV3 em sua fala diz que “tudo é válido” e SV4 diz que “toda a
atividade é válida”, mas não expressam o que o grupo pretende trabalhar nesta
perspectiva de todo.
Se MA é tudo, tudo o que você passar vai ser EA, se falar que tem um coco no chão é EA, porque você ta falando do todo, de alguma coisa(...). Talvez uma frase que se diga pode ser construtiva pra ela, num sei, acho que tudo nessa vida é válido. (SV3)
Como acho que tem a ver com o todo, toda a atividade é valida, porque por exemplo, à vezes acha alguma coisa, ela vai absorver de uma maneira, às vezes não absorve, porque é uma sala heterogênea, a gente trabalha com muitas crianças, então a gente tem que plantar a sementinha em uma, pelo menos, então pensando nisso como um todo toda atividade vai ser válida, porque a pessoa vai construindo não só com o que eu to falando, pra ela, se é uma coisa do todo, é tão complexa, que eu tenho que dar uma base pra ela se tocar de alguma coisa, com o tempo e aí outras vivências dela algum dia vai lembrar, ah isso aqui ta relacionado com alguma coisa que eu fiz uma vez (SV4)
Loureiro fala do relativismo que a idéia de que “tudo é válido” pode gerar
dentro do contexto da EA:
A idéia de que “tudo é válido” desde que se almeje proteger o ambiente, ignorando o modo como este se constitui, não colabora para alcançarmos novas relações sociais e formas sensoriais e perspectivas de nos compreendermos e nos sentirmos como parte da sociedade e de uma vida planetária. (LOUREIRO, 2006, p. 22)
Assim, a ausência de objetivos claros sobre o processo educativo que se
deseja, e a importância dada aos resultados da EA, podem ser os sustentadores da
idéia de tudo ser válido, pois entendendo que a prática educativa é um processo
intencional, processual e sistemático a idéia de “tudo ser válido” desmerece a
importância do planejamento das ações pedagógicas.
Tristão (2005, p.261) analisa ainda o quanto a idéia de holismo impregnou as
narrativas da Educação Ambiental num movimento contra o reducionismo da
58
racionalidade positivista, no entanto a autora argumenta que o holismo também se
tornou uma forma de redução em muitos discursos, uma redução ao todo.
5.6. EDUCAÇÃO AMBIENTAL E RELAÇÃO DO HOMEM COM O MEIO AMBIENTE:
A relação do homem com o meio ambiente foi outro aspecto muito presente
entre os membros do grupo Semente Viva e também no projeto do grupo (quadro
5.1.). Algumas atividades desenvolvidas pelo grupo tiveram como intuito deixar mais
claro para as crianças qual a relação entre o homem e o meio ambiente e também
saber qual visão as crianças traziam sobre tal relação.
Em uma das reuniões SV9 lembrou uma atividade que realizou, que poderia
servir para saber a noção de meio ambiente das crianças, chamada “Café Mundial”.
As crianças seriam divididas em grupos e deveriam discutir sobre três questões, e
teriam um papel pardo para representar a síntese. Então poderia ser perguntado
para as crianças o que é meio ambiente. SV13 e SV4 disseram que nem elas
sabiam o que é meio ambiente. SV4 sugeriu ainda que fosse feita alguma questão
sobre a relação pessoa-meio ambiente, e uma sobre o que eles gostariam de
aprender durante o ano.
SV11 disse que achava a atividade sugerida por SV9 essencial porque “é a
base, porque se a gente não souber o que é meio ambiente, o que a gente é no
meio ambiente, o resto não faz sentido”. Ressaltou a importância de se saber “qual a
relação que eles [os alunos] têm com o meio ambiente” e só a partir de então montar
um cronograma do projeto.
SV9 disse que não achava perda de tempo discutir sobre meio ambiente, no
que SV11 concordou reiterando que “se a gente conseguir que as crianças pensem
que fazem parte do meio ambiente, ganhamos o ano”. SV9 disse ainda que a
atividade do Café Mundial possibilitaria “não só dar opinião mas saber a opinião do
outro”.
Para esta atividade foram selecionadas as seguintes questões: O que é meio
ambiente?; Quando se sentem participando do meio ambiente? O que esperam
aprender com o grupo? De forma geral ficou explícito durante esta discussão que
presenciei que o grupo gostaria que as crianças chegassem à duas conclusões: que
59
elas também fazem parte do meio ambiente, e que o ambiente construído também
faz parte do meio ambiente.
Após o desenvolvimento da atividade “Café Mundial”, todos ressaltaram que
as crianças têm uma visão naturalista. “Meio Ambiente é igual à natureza pra eles
[os alunos]”. As crianças tiveram problemas em responder se faziam parte da
natureza. O grupo identificou isso como um problema, e poucas crianças falaram do
meio ambiente construído. Para SV8 ficou muito forte a questão de aparecerem
frases iniciadas com “não” como “não poluir o ar”, “não jogar lixo nos rios”. SV8 disse
ainda que essas respostas eram “EA básica, EA de escola”. As crianças
responderam as três questões com respostas deste tipo, inclusive a pergunta sobre
quando elas se sentiam parte do meio ambiente.
É importante esclarecer aqui que o significado que alguns membros do grupo
dão à ambiente, meio ambiente e natureza, são muito parecidos, e em alguns
momentos iguais. Em algumas citações aparece também natureza como os
elementos da fauna e flora extirpando aí o humano e tudo o que é tipicamente
humano. Não me aprofundarei aqui nas diferenças entre estes termos, considerando
o uso prioritário do termo “meio ambiente” e também o seu sentido.
Outros membros do grupo pontuaram que as crianças associavam viver na
roça com fazer parte do meio ambiente. Outras crianças tentavam fazer analogias
entre o próprio corpo e o das árvores: “Faço parte do meio ambiente porque meu
braço é da cor do tronco”. SV9 ressaltou que a atividade foi importante porque pelo
menos deixou dúvidas nas crianças.
O grupo reuniu, numa das atividades, as diversas idéias que as crianças
expressaram por desenhos e textos sobre “o que as incomodava no caminho de
casa à escola” num cartaz e SV4 e SV5 indicaram para as crianças tudo o que
estava desenhado. As crianças concordaram que tudo o que estava no cartaz fazia
parte do meio ambiente.
Havia um rio com árvores nas margens, montanhas, e o sol ao fundo. No
primeiro plano estava uma pequena cidade com ruas, casas, carros e pessoas, além
de uma fábrica. SV4 tirou de um pote réplicas dos desenhos das crianças com uma
pessoa “pichando” um muro, fumaça para os carros e para a fábrica, e lixo que
espalhou pelas ruas e no rio.
As crianças indicaram no desenho os lugares onde os recortes deveriam ser
colados. Este desenho expressa a tentativa de mostrar às crianças que o que deve
60
ser considerado meio ambiente integra tanto elementos de um ambiente nativo
quando elementos de um ambiente modificado pelo homem.
Fica explicitado que os membros do grupo consideram que existe uma
distância entre homem e ambiente e que esta é uma das abordagens que deve ser
feita pela EA. Fazer com que as crianças entendam que fazem parte do meio
ambiente e que o mundo construído também faz parte dele foi algo bastante repetido
nas atividades. Incluo aqui a atividade já citada “interpretando o meio ambiente”
onde eles pretendem que as crianças compreendam a existência de ambientes
dentro de ambientes. Essa preocupação em aproximar homem e meio ambiente
vem da dinâmica de dominação que o homem tem imposto à natureza, deixando de
se ver como parte dela e sim como dono dela.
Sofiatti (2005, p.23-41) fala de como as relações do homem com a natureza
passaram de uma perspectiva sacralizadora da natureza (das antroposociedades
que tinham nos elementos da natureza divindades) à uma perspectiva exploratória
dela (da sociedade do capital que vê a natureza como algo contrário à ordem e ao
progresso, devendo ser “civilizada” pela técnica e pela ciência) e como desta última
resulta o modelo de sociedade em que vivemos e as causas da crise ambiental.
Esse modelo estabeleceu relações de utilitarismo, exploração e
instrumentalização da natureza não humana causando desequilíbrios nos
ecossistemas de tal ordem que ameaçam a sustentabilidade da vida na Terra.
Assim o estabelecimento de um novo relacionamento entre homem e o meio
ambiente se faz necessário e este foi apontado pelos membros do grupo como
sendo um dos pontos de atuação da EA. Durante a entrevista, SV4 fala de uma nova
forma de ver as coisas que resultará numa nova relação com o meio ambiente.
...aquilo do objetivo abstrato, a gente faz com que eles tenham uma relação, querendo ou não a gente tenta nas atividades, que eles tenham uma relação diferente com as coisas, que eles pensem e vejam de outra forma, então se eles vêm de outra forma, automaticamente, se funcionar, eles absorverem aquilo e refletirem nas atitudes deles, eles vão acabar se relacionando de uma outra maneira com as coisas e isso pode incluir essa questão de cidadania. (SV4)
SV6 fala em aproximar o homem da natureza inclusive no aspecto espiritual:
61
Acho que é tentar se aproximar, não só no sentido físico, mas acredito também que no espiritual, mas aí depende de como cada um vai levar a EA. Acho que é a tentativa de aproximar o homem da natureza, e isso se faz das diferentes formas, através das atividades... (SV6)
Dentre os membros do grupo destaco aqui dois posicionamentos sobre como
seria essa nova relação com o meio ambiente. Neles podem-se observar pontos que
se contrapõe. Para SV11 EA se refere a uma visão utilitarista do meio ambiente.
Esta visão deveria, de acordo com sua fala, ser superada por uma educação
ecológica que seria mais ampla e pontua aspectos a ela ligados como unidade,
evolução. Mais a frente fala que a educação ecológica que propõe, superaria
conceitos como desenvolvimento sustentável e cidadania e não seria nem
antropocêntrica nem naturalística.
Eu chamaria EA de educação ecológica, porque quando fala ‘Educação Ambiental’ restringe a postura do ser humano com relação ao ambiente na tentativa de apropriar o ambiente pra si, o ambiente enquanto recurso, agora quando você fala de ecologia você fala da unidade, da evolução, você fala do ser com os outros seres vivos, do ambiente físico, uma postura muito mais ampla, uma visão mais holística assim. Essa mudança na concepção de natureza que a gente tem é a de ser humano, acho que seria o primeiro passo para fazer uma educação que eu chamaria de educação ecológica verdadeira. Essa EA desses projetos acaba sendo como desenvolvimento sustentável e para mim o próprio termo cidadania é um remendo pra uma estrutura social, que eu considero um equívoco humano, mas se você mudar a concepção de natureza e de ser humano mesmo, aí sim você vai ter uma educação verdadeira. [A ecologia] Com as relações, principalmente isso, ela valoriza as relações, não valoriza o homem, ela não antropocêntrica nem naturalística, ela não valoriza o ambiente ali longe do homem ela meio que quebra essa dicotomia que é o principal erro para mim, o principal equívoco. (SV11)
SV12 levanta aspectos diferentes. Valoriza os “fundamentos do
desenvolvimento sustentável”, faz uma separação entre “coisas que se pode mexer”
e “coisas que não se pode mexer” indicando então que o equilíbrio de que fala seria
alcançado criando áreas que deveriam ser resguardadas do uso que o homem faria
das outras áreas, mas não fala desse uso. Fala ainda sobre a relação entre as
ações das pessoas e suas conseqüências justificando assim o porquê deveriam ser
seguidos os fundamentos do desenvolvimento sustentável, para que as próprias
62
pessoas não sejam prejudicadas. Isso é importante considerar para a compreensão
do que SV12 entende como relação com o meio ambiente:
Tentar mostrar o que é MA, o que é natural e o que foi já mexido pelo homem. Tem coisas que a gente pode mexer e tem coisas que é inevitável a gente não mexer, tem coisas que dá pra deixar intacto e tem coisas que são necessárias a nossa sobrevivência. Então é criar um equilíbrio assim, mostrar que a gente tem que criar esse equilíbrio, e bom senso... e ter o bom senso assim de saber que a gente pode extrair da natureza pra gente, e o que a gente pode cultivar, conservar, preservar assim, então é meio que... os fundamentos do desenvolvimento sustentável, e as pessoas tem esses princípios na cabeça, e perceber o que faz bem assim pra elas onde elas tão, acho que ninguém quer viver num lugar assim que tem muita fumaça, que não dê pra respirar e.. seja um lugar desagradável, feio, cheio de lixo, muito consumo e também que são coisas que não são necessárias. (SV12)
Tanto SV11 quanto SV12 não vêem os problemas ambientais a partir de
processos sócio-históricos. Embora SV11 problematize a visão da natureza como
recurso, sua fala fica vazia de sentidos ao falar de uma nova visão que seria mais
ampla, não pontua quais seriam os aspectos dessa nova visão, e nega a cidadania
como prática legítima para essa nova perspectiva.
SV12 apresenta uma compreensão naturalista e conservacionista dos
problemas ambientais, relegando a mudanças comportamentais a solução para elas,
não problematiza o “desenvolvimento” como sendo uma das causas da
insustentabilidade do nosso modelo de sociedade e põe a necessidade de mudança
numa perspectiva antropocêntrica uma vez que olha apenas pelo ângulo das perdas
humanas.
Outras falas ressaltam a importância do estabelecimento de uma identidade
humana como parte do meio ambiente para que possa repensar as atuais relações.
SV9 aponta uma forma de estabelecer esta identidade através dos ciclos naturais,
pois o homem os presencia em seu cotidiano:
Acho que despertar o interesse das crianças pra educação mesmo com ambiente, e... se sentir mais integrado a tudo o que acontece ao redor, e respeito com as pessoas e todos os outros elementos. Acho que é formar uma consciência mesmo, mais pessoal. Que eles percebam que eles têm influência, que as coisas influenciam e eles influenciam as outras coisas, acho que a gente tenta fazer atividades que eles vejam ação e reação, ou se não ciclos, e que eles presenciam esses ciclos o tempo todo, e que como a gente tenta
63
colocar eles dentro da ... não só dos ciclos biológicos, mas na convivência e ver que eles fazem parte de várias outras coisas (SV9)
Os ciclos biológicos estão inclusos entre as atividades mais marcantes do
grupo. Embora no tempo em que tenha realizado a observação essas atividades não
tenham sido desenvolvidas, foi muito freqüente a referência à estas atividades
durante as observações, como coisas que precisariam ser realizadas. Estas
atividades foram idealizadas e escritas pelo grupo. O grupo encena uma peça de
teatro sobre o ciclo da água, uma simulação sobre a cadeia alimentar e fazem com
as crianças a montagem de um terrário e um minhocário. Estas atividades além do
encantamento que causam nas crianças têm a intenção de demonstrar que o
homem também faz parte de uma cadeia alimentar ou que também é influenciado
pelo ciclo da água. É uma forma de “convencer” as crianças de que também são
natureza e de que sua vida está inevitavelmente ligada a processos não humanos.
SV10 conta a experiência de uma atividade do qual participou, onde num
percurso preparado as pessoas deveriam passar por um processo de contato físico
com vários elementos da natureza não humana: pedras, folhas, troncos, terra e...
... então dava o maior choque no final, você tava com tudo aquilo assim, tocando a natureza e também você sentir que você faz parte da natureza e dá aquele choque você olhar no espelho, caraca, você faz parte disso também, achei bem interessante, é que com as crianças no tempo que a gente tem não daria pra fazer, mas é legal, pras pessoas perceberem que elas também tão ali dentro, não é natureza e homem, é os dois juntos. Achei legal. (SV10)
Nas dois excertos transcritos, a identificação do humano com a natureza se
daria a partir de um contato com o que é da natureza não humana entendendo o ser
humano como uma parte do todo natural num sentido naturalista sem considerar aí a
natureza social do homem.
Segundo SV1 e SV6 a relação homem-homem também é parte da dinâmica
de uma nova interação com o ambiente, dando ênfase nas relações entre as
pessoas.
Pra questão da educação nas relações, nessa esfera da nossa vivencia que é as relações sociais, ao mesmo tempo que a gente interage com o ambiente, a gente interage com a outras pessoas e com o nosso interior, ao mesmo tempo essas partes se interrelacionam né, concepção de ecologia profunda, das três ecologias, então a EA não pode esquecer do social né, o que é o
64
ambiente, sou eu e os outros né, e a nossa relação tanto com a nossa subjetividade tanto com os nosso semelhantes pra criar um contexto propício, né pra gente preservar né, porque o ambiente é coletivo. (SV1)
E como a gente procura isso, das diferentes formas de atividades, a gente tá trabalhando com uma coisa muito legal agora, que são as relações interpessoais, né, a gente ta trabalhando com dança circular, que eu acho que é uma das maneiras bem interessantes para se trabalhar isso. (SV6)
As falas não situam claramente como seria a relação entre os humanos. Nas
observações que realizei é muito freqüente a presença da palavra respeitar (veja
tópico 5.7.1.) e também a perspectiva de harmonia, não violência, que fica indicado
na forma como valorizam as danças circulares (tópico 5.4.1.) e atividades que
tenham como intuito desenvolver a afetividade.
Assim, boa parte dos membros do grupo Semente Viva consideram que atual
relação do humano com o meio ambiente precisa ser modificada, e para isso
também precisa ser modificada a relação entre os humanos. Não existe consenso
sobre como seria essa mudança, e nem mesmo muita clareza com relação a isso.
5.7. EDUCAÇÃO AMBIENTAL E CIDADANIA
Foi quase unanimidade no grupo a concordância na relação entre cidadania e
EA. Houve 10 citações confirmando a existência de relação de educação ambiental
e cidadania (quadro 5.1.). Muitos falaram que não vêem separação e que teriam
dificuldade de trabalhar as duas separadamente.
SV1 aponta que a separação da educação ambiental e da cidadania seria
própria de uma visão de mundo mecanicista:
Eu acho que tem um pouco de dificuldade só pelo fato de.. da própria concepção arraigada, mecanicista, isto aqui é EA, isso aqui é cidadania, a própria visão já impregnada na nossa sociedade, acho que isso vai depender mais do educador em si, da visão, da concepção do educador se o educador tiver ciência que as duas coisas estão interligadas, não tem muita dificuldade, basta ter um pouco e criatividade pra abordar as duas conjuntamente, né. (SV1)
SV8 aponta que é algo tão intrínseco que não precisaria ser dito:
65
Eu não sei, acho que algo que tá intrínseco, você não precisa nem dizer, as pessoas vão aprender... se você conseguir absorver alguma coisa do que tá sendo passado pela EA, acho que você aprende junto a ser um cidadão, espero. (SV8)
Assim a relação que o grupo faz de EA com cidadania, se estabelece a partir
de uma relação de conseqüência: atuando na Educação Ambiental
conseqüentemente se estará promovendo situações que desenvolva a idéia de
cidadania, como indica SV5 quando diz que não dá pra ver segregado ou quando diz
que a EA não é uma coisa só para si:
Ah sim [ EA e cidadania se relacionam], porque acho que hoje em dia não dá pra ver nada segregado, né, por exemplo, a parte, sei lá, de... economia não dá pra ver separado de meio ambiente, tudo ta relacionado com meio ambiente, a partir do momento que você faz alguma coisa pra mudar, assim o todo, que não seja só localmente... mas eu acredito que sim que faz cidadania, e a EA não é uma coisa que não fica só pra você, a partir do momento que você ta conscientizado e sensibilizado, se você ver alguém, ou seu filho, você vai procurar passar assim, não vai ficar só pra você. (SV5)
SV2 afirma num sentido semelhante que cidadania seria o resultado da EA:
Eu acho que... cidadania é o resultado. EA é o processo, longo, mas cidadania seria mais ou menos o resultado dessa EA. Sim, com certeza, podem ser trabalhadas juntas, acho que uma coisa meio que puxa outra naturalmente. (SV2)
Ao que parece não há intencionalidade para se realizar um trabalho que se
proponha educar para a cidadania. Isso fica explícito nas falas de SV4 e SV11:
(...) é tão natural pra mim que perde o sentido a palavra que devia ser assim mesmo, independente de ser cidadão ou o que quer que se chame isso. Eu to aqui, to vivendo aqui vou ter que me relacionar, não vou me isolar, pra mim é tão intrínseco, assim que não tem porque, (...) não costumo pensar nisso assim. Porque é tão intrínseco que perde o sentido, antes tinham um sentido, designava um certo grupo, mas hoje se ampliou tanto. (SV4)
É .... eu acho que sim. Eu acho que ela se aplica nisso que eu falei que eu entendo por EA, no patamar assim da relação do indivíduo com a sociedade. Acho que isso não é uma coisa clara, não é uma palavra freqüente, mas é intrínseco quando a gente se propõe a trabalhar EA, acho que ta intrínseco assim. (SV11)
66
Um dos objetivos indicados pelo grupo no projeto entregue na escola como já
dito é o de: “Desenvolver a noção de cidadania e o despertar de ações mais
participativas do público alvo nas questões sócio-ambientais”.
Destaco que, embora o grupo tenha usado estes objetivos no projeto enviado
à escola este ano, as próprias pessoas do grupo disseram que eles estavam
desatualizados, uma vez que tinham sido elaborados numa outra formação do grupo
Semente Viva. Todos os anos, com a conclusão do curso por alguns dos integrantes
e a vinda dos ingressantes, a formação do grupo muda.
Na apresentação realizada para divulgação no campus o grupo falou de
apenas dois objetivos: Promover EA formal e trabalhar com valores. Objetivos pouco
específicos, em função talvez do pouco aprofundamento do grupo nestas questões
justamente pela dinâmica de sua formação. Como todos os anos as pessoas
mudam, a continuidade das experiências e ideias desenvolvidas no grupo é
prejudicada.
Há participantes do grupo que apontaram a ideia de cidadania como algo
negativo ou algo que não tem mais razão de ser:
Sinceramente eu não penso muito nisso, pq assim, cidadania é um conceito que foi construído historicamente, antigamente significava uma coisa e ele foi tomando outra dimensão com o passar do tempo, e eu sinceramente acho que não cabe mais essa palavra, antes era pra designar os homens livres na Grécia, então tinha um certo grupo que era considerado cidadão. Hoje isso se ampliou de tal forma, que eu acho que... embora nem todos tenham acesso a direitos, por ex o Brasil que a gente sabe que tem toda uma questão de poder e tudo mais, todas as pessoas devem ser cidadãs, todas elas tem responsabilidades e direitos, coisas que todo mundo fala, então não cabe mais , é estar no mundo, então não tem porquê. (SV4)
Essa EA desses projetos acaba sendo como desenvolvimento sustentável e para mim o próprio termo cidadania é um remendo pra uma estrutura social, que eu considero um equívoco humano, mas se você mudar a concepção de natureza e de ser humano mesmo, aí sim você vai ter uma educação verdadeira. (SV11)
Fica claro por tudo o que aqui foi levantado que embora boa parte dos
integrantes do grupo expresse que existe relação entre Educação Ambiental e
Cidadania, o grupo não tem intencionalidade de desenvolver a temática da
cidadania, porque este tema não é algo discutido entre as pessoas do grupo,
67
embora em outra formação do Semente Viva, com outras pessoas, isso tenha sido
valorizado e expresso nos objetivos do projeto.
Então a cidadania se expressa como uma decorrência natural do próprio
trabalho com a Educação Ambiental.
5.7.1. CIDADANIA E RESPEITO
A categoria respeito apareceu muito, principalmente durante as observações
(quadro 5.1.) mais especificamente abrangendo a questão da cidadania segundo as
entrevistas com os participantes do projeto. Em algumas falas aparece apenas como
uma indicação, e em outras há pistas do que poderia se entender por respeito. SV10
fala de uma atividade que afirma abordar o tema da cidadania. SV10 associa
respeito “à ouvir o outro”:
Acho que a única [ atividade que se relaciona com cidadania] que eu vi assim, se refere a respeito, que é aquela que eu falei aquele dia, de aprender a ouvir as pessoa, todo mundo sentado em roda, eu ficava de costa, outro ficava de frente, e... eu tinha que perguntar pra pessoa da frente, responder pra pessoas de trás e todo mundo tinha que fazer isso ao mesmo tempo, então ficava uma bagunça e... todo mundo saía muito irritado (SV10)
Na fala de SV10 respeito parece estar sendo identificado como uma forma de
‘educação’ como o expresso pelo senso comum (LIBÂNEO, 1998, p. 65) como forma
de adequar os comportamentos às exigências de uma convivência social.
Para SV8, a cidadania está associada a respeitar o meio ambiente e uma
forma de se desenvolver esse respeito é através da sensibilização:
A cidadania, é aquele velho negócio de seus direitos e deveres, acho que no caso da relação com EA é você, ser um cidadão é você respeitar, né, o ambiente em que você vive, respeitar as pessoas, acho que é mais isso. Não sei se tá claro. É um conceito difícil de explicar o que é. Acho que principalmente ser cidadão é você respeitar o ambiente em que você vive. (...) Acho que [atividades de cidadania] são mais atividades de sensibilização ambiental (...). (SV8)
68
Ferreira (1993, p. 220) fala da importância do “conviver” quando se trata de
cidadania. Para ela com-viver “demanda reciprocidade, solidariedade, respeito ao
próximo e acima de tudo generosidade”.
A autora ainda fala da importância da sensibilidade no processo de formação
do cidadão para não formar “pessoas rígidas e insensíveis, intelectualizadas, mas
sem compromisso com os outros”.
... a sensibilidade nos permite identificar nossos semelhantes, nos ligar uns aos outros. Sem isso só existem os contrários, situações que contribuem com o afastamento dos homens entre si, o isolamento, a solidão. (FERREIRA, 1993, p. 227)
Assim o respeito é identificado como um dos valores da cidadania que deve
ser desenvolvido. SV8 identifica a sensibilização como uma das formas de promover
o respeito ao meio ambiente, estabelecendo assim segundo a perspectiva de
Ferreira uma “identificação dos semelhantes”, estabelecendo uma relação mais
próxima entre homem e meio ambiente.
Outro aspecto que pode ser percebido em duas das falas é respeito
associado a limites entre os espaços do eu e do outro:
Cidadão é aquele que, faz as coisas não por você, mas por todos, de uma maneira que não destrua, não desrespeite, e que o seu respeito acaba quando o outro começa. Então você tem que respeitar. Entender o que é certo ou que não é certo. (SV3)
....mas a discussão feita depois [da peça de teatro sobre lixo], perguntando pra eles, o que eles tem a ver com isso, achei bacana, porque a gente fala da questão do consumo, a questão da educação... do respeito com o próximo, do respeito com a rua deles, o que eles pensam de... qual é o espaço entre espaço deles e espaços dos outros, limite, (SV9)
Ferreira fala do desafio da conciliação entre os homens para viver em
sociedade:
Aos homens só cabe o desafio da difícil conciliação entre seus próprios interesses e os interesses coletivos, suas necessidades e as necessidades dos outros. Sua liberdade está sempre tensionada com a presença dos outros, com antagonismos conflitos, lutas por reconhecimento. (FERREIRA, 1993, p. 219)
69
SV3 fala ainda da importância da generosidade na ação cidadã: “cidadão é
aquele que faz as coisas não por você, mas por todos”, reforçando a perspectiva de
respeitar para a construção da vida coletiva.
Assim é possível inferir que o respeito é um dos valores com os quais o grupo
preocupa-se em trabalhar associando o respeitar ao desenvolvimento da cidadania.
5.7.2. CIDADANIA E AÇÃO
A cidadania é indicada por alguns dos membros do grupo como “ação” e esta
ação na maior parte dos casos está associada ao fato de mudar fisicamente algo em
determinado lugar como fala SV2:
Levar as crianças, igual a gente faz no Girassol, pra levar pra limpar uma área que ta suja, pra elas pegarem os lixos, jogarem, levar as crianças pra fora da sala, pra elas limparem, acho que dá pra elas sentirem mesmo, como é a coisa. Acho que seria uma boa atividade [de cidadania]. (SV2)
Este pensamento é tão forte que quatro membros do grupo indicaram que o
grupo não desenvolve atividades voltadas para o exercício da cidadania, uma vez
que o grupo não desenvolve ações (como mutirões para coleta de lixo), por
exemplo, o que fica de certa forma expresso quando olhando o quadro 5.1. não há
nenhuma referência à cidadania e ação durante as observações:
Um cidadão ele se move pra fazer a diferença, se move pra plantar uma árvore, pra andar na rua, se move pra fazer o lixo, se move pra pensar, se move pra qualquer coisa, pensar não... num engloba nesse ponto que eu to falando. Pra se mexer fisicamente. O cidadão ele... não só, mas por isso não engloba toda a cidadania, engloba parte dela talvez, que é tornar uma pessoa com pensamentos, com mente aberta, entendendo um pouco mais sobre o meio ambiente, aí você se torna um cidadão, uma pessoa boa de caráter, com pensamentos bons sobre isso, e saber que você tem que fazer isso. Mas na questão de atos, uma criança não vai fazer muita coisa, não vai, entendeu? Cidadão é você lutar com os caras, os trabalhadores lá da roça, vamos fazer cidadania ai, você pode, você pode levantar uma enxada e carpir aqui, uma criança não. Seria cidadania se englobasse todo mundo, as crianças, os adultos.... (SV3)
70
SV3 fala no “pensar” como uma forma secundária de cidadania onde formaria
uma “pessoa boa de caráter”, mas o legítimo exercício de cidadania estaria no
“levantar a enxada”. Gadotti (2000, p.133) ao falar da importância de uma cidadania
ambiental, pontua que a lógica liberal de ver a cidadania como algo próprio de
“pessoas boas” deve ser superada, uma vez que essa idéia ignora as construções
coletivas.
SV12 afirma que o Semente Viva não trabalha com cidadania (ou pelo menos
não completamente) porque as crianças não podem a agir na sociedade enquanto
crianças:
Eu considero que eles estão formando cidadãos através das crianças, as crianças elas são cidadãos e vão crescer e vão agir mais na sociedade, então pra mim eles estão trabalhando com cidadania, mas não... assim, no momento é para as crianças né, então isso é um investimento a longo prazo, se tudo agir, acontecer do jeito que a gente espera e elas aprenderem e perceberem o quanto isso é importante pra vida delas então a gente vai ter concluído nosso objetivo. Momentaneamente a gente não trabalha com a cidadania completamente, não trabalha ali, pelo menos o grupo semente viva, não trabalha com outras pessoas, outras faixas etárias, não tem nenhum projeto paralelo do semente, não eu acho não, não tem mesmo, que ao mesmo tempo ofereça palestras, coisas pra outros tipos de pessoas.(SV12)
SV7 e SV5 indicam que os membros do grupo estão exercendo cidadania
porque eles desenvolvem as ações com as crianças, mas não falam de nenhum
trabalho para desenvolver a questão da cidadania com as crianças:
Ah, em partes (sic.) eu acho que forma um pouco a gente pra cidadania assim, a sociedade investe na gente, então a gente devolve um pouco, mas formar as crianças pra cidadania pelo pouco tempo que eu to [no grupo] lá eu não percebi. (...) acho que fazer a EA é um ato de cidadania, mais eu não sei se isso passa pras crianças, que nem eu falei, no Semente eu não notei assim, então eu não sei se isso, se fazendo isso a gente passa cidadania, é se elas tão, as crianças estão fazendo alguma coisa relacionada com cidadania, mais eu acho que fazer EA é ter cidadania. (..) Ah é só elas [as crianças] aplicarem... o que elas aprendem , se elas conseguissem aplicar ou passar pra alguém, sabe, aí sim [elas seriam cidadãs]. (SV7)
... não sei, pra assim cidadania você tem que participar de alguma forma, ta, todo mundo tem que ter direitos iguais e tudo, educação, liberdade e tal, mas também, tanto você tem direitos, como deveres também participar do futuro assim da humanidade como um todo,
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apesar de ser ...um grupo, uma escola, uma coisa pontual, mas acredito que com essa ação, cada um ta fazendo a sua parte, então ta to indo na escolinha, é um grupo de 20, 25 crianças, mas eu acredito que sabe eu esteja desenvolvendo a minha noção de cidadania e exercendo né.. (SV5)
Nestas falas fica muito claro que para algumas pessoas do grupo as crianças
não são cidadãs porque não agem, não atuam em alguma instância ou não
expressam isso para outras pessoas.
Não se deve confundir ações pontuais (mutirão, reciclagem...) com
participação. Loureiro (2004b, p.18) afirma que a participação é o cerne da
aprendizagem política, e a partir dela a educação é vinculada à cidadania.
Para ele:
Participar é compartilhar poder, respeitar o outro, assegurar igualdade na decisão, propiciar acesso justo aos bens socialmente produzidos (...). Participação significa exercício da autonomia com responsabilidade, com a convicção de que nossa individualidade se completa na relação com o outro no mundo, em que a liberdade individual passa pela liberdade coletiva. (LOUREIRO, 2004b, p.18)
Pensando nisso, as ações pontuais ficam muito pequenas diante da
responsabilidade contida na idéia de participação. Ela passa por uma construção do
sentido de coletividade e demanda muito mais que fazer, demanda também o
pensar e o sentir. A ação legítima é aquela que contextualiza os problemas histórica
e politicamente não reduzindo a participação à resolução momentânea e irrefletida
das situações, mas discutindo os conflitos em suas causas.
SV5 e SV1 falam da importância das ações no plano individual:
Acredito que sim, porque é isso que eu to falando sempre de eles passarem a perceber que eles podem fazer alguma coisa, e que isso é interessante na cidadania, que eles não estão sozinhos, que eles fazem parte de uma sociedade, e que... o futuro tanto da humanidade quanto do planeta como um todo depende deles. Ação conjunta de cada um. Acho que sim. (SV5)
Eu acho que isso ajuda na cidadania porque a gente mostra né, você pode fazer isso, você pode estar reciclando, não é só cobrar dos políticos, tal, a cidadania, vem primeiramente de você, você cobrar dos políticos é só uma parte da sua cidadania, você agir é cidadania entende, por isso eu acho que apesar dos defeitos essa é uma atividade que mais desperta cidadania. (SV1)
72
Como já discutido, o discurso do “cada um fazer sua parte” têm o perigo de
responsabilizar os indivíduos pela causa dos problemas e ter a falsa idéia de que as
ações pontuais são suficientes para superá-las.
Fica aqui então muito claro que quando pensam em cidadania grande parte
dos integrantes do projeto pensa em ação. É importante ressaltar que em função
disso alguns deles dizem que o projeto não trabalha com o tema da cidadania. E
isso deve estar associado à falta de intencionalidade de trabalho com esta temática,
ou de o ver como decorrência do desenvolvimento de ações relacionadas à temática
ambiental.
73
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa buscou investigar as concepções de Educação Ambiental e
Cidadania e suas relações para os membros do grupo Semente Viva entendendo
que o quadro de crise ambiental que presenciamos na atualidade pode ser superado
pelas discussões trazidas pelos movimentos ambientalistas (LOUREIRO, 2004a;
2004b; 2006a) e pela participação num projeto de transformação social que se
constituiria numa cidadania ativa ou nova cidadania (BENEVIDES, 1996;
COMPARATO, 1993).
Entende-se a partir do referencial teórico aqui apresentado, que esta crise
não se constitui apenas como uma crise que afeta e que nasce das questões de
degradação ligadas à natureza não-humana, mas antes estes problemas são
decorrência da forma de pensar (LEFF, 2003) que as sociedades humanas
desenvolveram ao longo de sua história e que afeta não só a fauna, flora e ciclos
biológicos, mas também a estrutura social construída pelo ser humano, dividindo a
humanidade entre marginalizados e detentores do poder.
Investigar o grupo Semente Viva trouxe alguns aspectos relevantes para a
discussão de como o desenvolvimento de ações que têm como pano de fundo essas
concepções são realizadas e quais os limites de sua atuação.
O caráter da constituição do grupo é multirreferencial e não sistemático no
que concerne à construção e reconstrução das concepções de seus participantes
que se dá num processo espontâneo nas experiências do fazer cotidiano.
Isso traz em si as conseqüências que se pode observar como falta de
objetivos claros, falta de clareza com relação à concepção de educação ambiental,
ambivalência em ter ou não a cidadania como parte da agenda da educação
ambiental.
É quase consenso no grupo o desenvolvimento de atividades voltadas para
sensibilização e mudança de atitudes individuais. Há uma busca de questões
espirituais (no sentido de valorização da esfera mística do eu) e afetivas que, a meu
ver, é um contraponto à racionalidade moderna que endurecida reduziu e
74
fragmentou as relações e a forma de ver o mundo. No entanto o que acaba por ser
praticado é uma outra forma de reducionismo.
Fica também evidente neste sentido que a esfera em que os membros do
grupo procuram estabelecer as atividades e o relacionamento com as crianças é a
da afetividade e da identidade de forma naturalista com a natureza.
Poucos foram os momentos em que se valorizou um posicionamento mais
politizado sobre as questões incluindo a questão da participação ou mesmo de
contextualização da crise ambiental como um processo histórico construído a partir
das decisões que as sociedades tomavam sobre os rumos da vida coletiva.
A educação ambiental para a maior parte dos integrantes do grupo precisa
ser focada nas ações individuais, no “cada um fazer a sua parte”, o que como já
discutido transfere a responsabilidade para o indivíduo e dá a falsa ilusão de que a
solução para a crise ambiental é a soma das ações individuais, e sem a clareza de
perceber que neste caso é fundamental pensar que o todo complexo, é muito mais
que a soma das partes (MORIN, 1990, p. 124).
Ficou também bastante claro que os membros do grupo acreditam que uma
nova relação do homem com a natureza precisa ser estabelecida, uma vez que a
atual promove a degradação do meio ambiente, mas não fica claro como seria essa
nova relação, apenas que dentro dessa perspectiva deveria se estabelecer também
uma nova relação entre os seres humanos.
É importante ressaltar que como toda pesquisa ao olhar para um fenômeno
complexo e cheio de nuances, esta pesquisa está longe de esgotar os sentidos que
os membros do grupo em questão dão à cidadania e à educação ambiental, bem
como entender como estes sentidos foram se significando ao longo da experiência
de realizar o projeto de educação ambiental.
Finalizando quero pontuar ainda a importância da participação no processo de
superação da crise ambiental e o resgate (ou criação) do significado de cidadania
para fundamentar a identidade coletiva dos sujeitos ecológicos:
Politicamente, um dos traços distintivos do educador ambiental, parece ser partilhar, em algum nível, de um projeto político emancipatório. A idéia de mudanças radicais abarca não apenas uma nova sociedade, mas também um novo sujeito que se vê como parte desta mudança societária e a compreende como uma revolução de corpo e alma, ou seja, uma reconstrução do mundo incluindo o mundo interno e os estilos de vida pessoal. Este parece
75
ser o elemento diacrítico que confere o caráter promissor e sedutor do campo ambiental e do saber que ele busca fomentar em suas esferas de formação de especialistas, publicações e teorização. (CARVALHO, 2005, p.62)
Assim um posicionamento político se faz necessário para ir além de posturas
conservacionistas e comportamentalistas que reforçando ou mascarando a dinâmica
de dominação da natureza pelo homem, extirpa dela o próprio homem e ignora o
seu fazer social. Assim os processos de degradação ficam maquiados sob o
discurso de preservação do patrimônio natural que acaba por agudizar em alguns
casos as desigualdades sociais.
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83
8. Anexos
8.1. Anexo A - Questionário para as entrevistas
1. Fale um pouco sobre como você conheceu o projeto “Semente Viva”. O que motivou sua entrada neste projeto?
2. Quais os objetivos do projeto? Como o grupo busca atender estes objetivos?
3. Você já tinha tido algum contato com EA antes?
4. Conte um exemplo de atividade desenvolvida pelo grupo que mais se aproxima do que se entende por EA.
5.O que é Educação Ambiental para você?
6. No projeto do grupo que está disponível na internet, apontam-se alguns objetivos de formação para a cidadania. O que se entende por cidadania?
7. EA e Cidadania têm alguma coisa em comum? Elas podem ser trabalhadas juntas? Por quê?
8. Conte alguma atividade desenvolvida pelo projeto que contribui para a formação da cidadania.
9. Nas atividades desenvolvidas pelo grupo existe alguma dificuldade no desenvolvimento do conteúdo relacionado á temática ambiental e cidadania? Fale um pouco sobre isto.
84
8.2. Anexo B - Projeto de Extensão Universitária – Semente Viva
O Projeto de Educação Ambiental Semente Viva teve início no ano de 2000 e
foi criado por alunos do curso de Ecologia da Universidade Estadual Paulista
(UNESP), campus de Rio Claro.
Os integrantes do grupo são alunos de diferentes cursos e estão envolvidos
num mesmo pensamento ecológico baseado em valores como a cooperação, a
conservação, a associação e a qualidade de vida, com o intuito de gerar melhores
condições sócio-ambientais, na tentativa de criar uma nova perspectiva para as
futuras gerações. Busca também o despertar de uma nova relação homem-natureza,
mais harmônica, sensível e ecológica. Desse modo, o projeto possibilita aos
estudantes a aplicação prática dos conhecimentos adquiridos na universidade,
socializando e facilitando o acesso da comunidade a esses conhecimentos.
O grupo vem, assim, desenvolvendo trabalhos de caráter extensivo
junto à comunidade, especificamente com crianças do Ensino Fundamental de
escolas públicas de Rio Claro, tendo realizado anteriormente projetos em
assentamentos rurais e com crianças da pré-escola, interagindo com o público alvo
na busca de uma nova consciência, valores e atitudes que atendem à
interdependência fundamental existente dentro dos ecossistemas naturais, e o
comportamento do ser humano dentro desse contexto. Todo esse processo envolve
atividades selecionadas de acordo com a realidade em que o público alvo em
questão está inserido de modo a alcançar os seguintes objetivos:
• Criar uma relação de harmonia e respeito entre o ser humano e a
natureza;
• Mudar a percepção ambiental dos participantes, tornando-os mais
envolvidos para com os problemas ecológicos e mais responsáveis e conscientes
nas suas atitudes, aplicadas à vida diária individual e social;
• Avaliar as diferentes ações ligadas à questão e o quão importante é o
processo de Educação Ambiental como instrumento para estimular, transformar e
desenvolver essas ações;
• Despertar a consciência ecológica e o senso crítico das pessoas
participantes do projeto e do público alvo;
84
• Oferecer alternativas de hábitos e ações que estimulem a percepção
dos envolvidos sobre o meio ambiente, aproximando-os mais da natureza e
melhorando as inter-relações sociais;
• Desenvolver a noção de cidadania e o despertar de ações mais
participativas do público alvo nas questões sócio-ambientais;
• Criar um vínculo de caráter extensivo entre a universidade e a
comunidade;
• Oferecer a oportunidade de um aprendizado participativo dos
estudantes envolvidos.
Nossa proposta, portanto, é realizar atividades de Educação Ambiental -
desenvolvidas a partir de procedimentos e recursos didáticos diversificados,
incluindo atividades lúdicas, teatros, jogos, músicas e discussões - com uma turma
de alunos da 4ª série do Ensino Fundamental, no período da tarde, uma vez por
semana (quintas-feiras, das 13 às 13:50 hrs).
����
8.3. Anexo C - Peça de teatro: O conto do Mato Velho
[Entre em cena o narrador]
Narrador: Boa tarde, meus amigos! Hoje vou contar pra vocês uma história que
começou lá pras bandas de mato velho. Alguém aí conhece mato velho? Como não?
Mato velho é essa vila que vocês estão vendo aqui! Um lugar pequeno, sossegado e
que tem mercados onde todo mundo vai vender e comprar tudo... Em Mato Velho,
vive uma adorável e sonhadora garota chamada Jani.
[Narrador sai de cena. Jani, seu pai e Dom Almeida entram em cena.]
[Dom Almeida passa a cena manuseando seus produtos e oferecendo aos
figurantes que eventualmente passam em frente a sua barraca]
Jani: Ai ai ... Essa minha vida em Mato velho! Nada pra fazer nessa cidade...
Sempre as mesmas coisas acontecendo todos os dias. O Dom Almeida vendendo e
comprando de tudo em sua pequena barraca de comercio. Meu pais sempre
ocupado com sua borracharia. Todo mundo que conheço fazendo sempre as
mesmas coisas.
Pai: Filha! Que ocê ta fazendo ai reclamando da vida de novo?
Jani: Não pai, tô aqui falando com meus novos amiguinhos...
Pai: Opa, vocês estão aí? ‘Bas tarde’! Então filha, ocê ta sabendo a novidade?
Jani: Tô não pai! O que aconteceu?
Pai: Sabe a sua tia Avez? Ela ta de mudança lá pros estrangeiro, e decidiu dexar as
terras que ela tem logo ali oh, perto do rio pra nós.
Jani: Pra nois pai?Mas o que é que tem por lá?
Pai: Nada de bão. Só uma casinha veia do lado de um rio cheio de árvores.
����
Jani: Uma casinha? Um rio? Cheio de árvores? Humm, não to fazendo nada
mesmo...Acho que vô lá dá uma espiada...Quem sabe não é a nova vida que eu to
querendo?!
[Jani começa a montar sua mala. Seu pai sai de cena.]
[Jani atravessa o palco em direção às margens do rio.]
Jani: Virgemaria! Olha quanta coisa legal que tem pra fazer aqui! Nadar no rio
limpinho que ate dá pra ver o fundo, subindo as árvores! Bem melhor que aquele
lugar chato.
Mas essa caminha toda me deu uma baita fome! E agora? Será que tem alguma
coisa pra comer aqui?
[Jani começa a vasculhar o cenário]
Jani: Olha! Banana, que gostoso!Mangas também tem por aqui... e laranja...dá até
pra fazer salada de fruta! Na verdade, com este tanto de coisa dá até pra morar aqui
e levar de vez em quando algumas dessas frutas pra trocar lá no mercado do Dom
Almeida.
[Jani colhe uma ou duas frutas coloca em sua mochila e leva pra Mato Velho]
1ª Colheita – Frutas (1/4)
Jani: Olá Dom Almeida! Como vão as coisas aqui por Mato Velho?
Dom Almeida: Olá Menina. Tudo muito bom. Hoje mesmo já vendi quase dez quilos
de farinha para a festa da quermesse. Mas por onde você anda Jani? Faz tempo
que não te vejo na vila?
Jani: Olha Dom Almeida. Eu não moro mais por aqui não. Agora to morando logo
ali, ó!
[Jani aponta para o segundo cenário]
����
Dom Almeida: Oia só, que coisa. Que o que vem fazer de bão de volta em Mato
Velho?
Jani: Tenho aqui comigo algumas frutas. Gostaria de trocar elas por carne e frango.
[Dom Almeida e Jani trocam as mercadorias]
[Estevão entra em cena]
Estevão: Jani minha amiga cê ta sumida! Onde ocê ta morando?
Jani: Ah Estevão! Eu to morando logo ali ó, na mata perto do rio. Ocê precisa di vê o
tanto de coisa que lá... tanta coisa que até pego umas frutas e trago pra trocar no
mercadinho ali.
Tudo essas coisas aqui eu to levando embora por causa da troca que eu fiz.
Estevão: Sério? Tudo isso? Mas lá é bão pra morar?
Jani: Lá é ótimo... Não é parado como aqui...E tem comida farta, ar fresco, o rio!
Mas tenho que ir antes que escureça. Tchau Estevão.
[Jani atravessa o cenário em direção ao rio e sai de cena]
[Estevão permanece em cena pensando em voz baixa. Matuta entra em cena]
Matuta: Estevão, meu amigo!Que ta fazendo parado por aí uma hora dessas. Tá
bobo é?
Estevão: Eita Matuta, ocê que assustou! Sabe Matuta, to aqui pensando. Ocê sabia
que a Jani mudou lá pra bêra do rio?
Matuta: Por que ela fez isso?
Estevão: Ela disse que lá a vida é farta. Que tem de tudo na natureza.
����
Matuta:Oia só homi! Ocê não devia ir ver como é que é esse lugar aí? Afinal, ocê
não ta sem emprego?
Estevão: É mesmo. Eu costumava cortar lenha aqui por Mato Velho, mas as árvores
acabaram. Não tem nenhum pé de mato que eu possa cortar por aqui e tirar uma
braçada de lenha.
Matuta: Estevão. Olha pra lá, ó. Olha quanto mato. De certeza que vai de tê lenha
pra ocê cortar!
Estevão: Ocê ta certo. Vou tentar vida nova na berada do rio com a Jani.
[Estevão cumprimenta Matuta e vai pegar sua bagagem]
[Matuta vai até Dom Almeida, compra alguns produtos. Matuta sai de cena.]
Estevão: Deixa eu ver o que eu preciso levar... Roupa limpa, pão e machado.
[Estevão atravessa o palco para a margem do rio]
Estevão: Eita trembão! Aqui é incrível... Olha quanta fruta! Dá até pra fazer salada
de fruta! Olha o rio... É aqui mesmo que eu vou morar... E aqui tem lenha, vou poder
trabalhar de novo!
[Estevão monta sua casa ao lado da casa de Jani]
Estevão: Ufa, que trabaiera. Hora de dormir um pouco.
[Estevão sai de cena. Dom Almeida sai de cena. Narrador entra em cena]
Narrador: Nossa! Já está de noite em Mato Velho. Acho que vou dormir também.
[Narrador sai de cena]
[15 segundos se passam]
[Jani e Estevão acordam. Dom Almeida entra em cena com Marianatânia]
����
Estevão: Bom dia Jani. Agora sou seu vizinho. Aqui é realmente muito melhor que
em Mato Velho. Tem muita lenha pra pegar e fruta pra comer!
Jani: Sim! Que bom que você veio. Agora tenho com quem conversar!
[Estevão pega seu machado e começa a cortar as árvores. Jani começa a colher os
frutos]
2ª colheita-Frutas (2/4)
1ª colheita- Madeira (1/3)
[Estevão e Jani juntam suas colheitas e vão até Dom Almeida. No caminho passam
por Marianatânia]
Marianatânia: Eita! Olha se não são Estevão e Jani. Ocês tão sumido, hein!
Jani: Oi Marianatânia!
Jani: É que nóis dois nos mudamos lá pro mato logo ali, ó! A gente colhe nossas
próprias frutas e vendemos nossa lenha! A vida lá é boa!
Marianatânia: Que sorte a de ocês... Minha vida de pescadora não vai bem não... A
represa de Mato Velho ta quase sem peixe... Todo mundo já pescou todos, e os que
sobraram morreram como lixo que vem da vila.
Jani: Ora! Por que ocê não vem com a gente? Lá onde a gente mora tem um rio
limpinho, cheinho de peixes. Dá pra ocê ficar morando lá com a gente.
[Estevão pega as colheita e leva pra Dom Almeida]
Marianatânia: Nossa! Sério? Mas não vou atrapalhar ocês?
Jani: ‘ Magina! Só eu e o Estevão vivemos por lá. Tem espaço de sobra!
����
Marianatânia: Eita! Intão eu vou!
Jani [falando alto]: Ô Estevão! Fala tchau pro Dom Almeida e vamo pra casa!
Estevão[falando alto]:Tô indo! Falta só um saco de farinha!
[Estevão pega alguns sacos com Dom Almeida. Marianatânia pega as suas malas.
Os três partem para o outro lado do cenário].
[Eles começam a construir a casa de Marianatânia; depois colhem frutos, cortam
árvores e pescam no rio.]
3ª Colheita- frutas (3/4)
2ª Colheita-Madeira (2/3)
1ª Colheita- Peixes ( 1/2)
Marianatânia: Aqui é realmente incrível. Ainda tem muitos peixes nessas águas!
[No cenário de Mato Velho, figurantes começam a se aglomerar em torno de Dom
Almeida. Uma a um os figurantes começam a atravessar o palco em direção ao rio,
até que Dom Almeida fique só.]
[Os figurantes cumprimentam, acenam para Jani, Estevão e Marianatânia, e
começam a interagir com o palco, retirando frutas, árvores, peixes, além de rochas,
aves e qualquer outra coisa que esteja no caminho.]
4ª Colheita-frutas (4/4)
3ª Colheita – Madeira (3/3)
2ª Colheita – Peixes (2/2)
1ª Colheita – Aves e rochas (1/1)
Figurantes: [realizam conversas espontâneas sobre como é fácil pescar, colher e
cortar lenha, e como vão vender tudo em Mato Velho]
����
[Figurantes levam as colheitas para Dom Almeida, e trocam por dinheiro ou sacos
fechados. Estevão, Jani e Marianatânia fazem o mesmo]
[Os recursos estarão terminado. Todos os personagens com exceção de Matuta e
Dom Almeida, se encontram na margem do rio]
Figurante: Ei! Acabaram os peixes do rio!
Figurante: E as árvores? De onde vamos tirar lenha agora?
Figurante: A culpa é do Estevão que cortou todas as árvores!
Estevão: Cortei as árvores porque elas não tinham mais frutos. A culpa é da Jani.
Figurante: A culpa é da Marianatânia, isso sim.
Todos [em confusão]: A culpa é sua! Acabaram as frutas! Acabaram os peixes!
Acabaram as árvores! Não cabe mais ninguém aqui.
Figurante: Já que não tem mais árvores por aqui, vamos abrir uma rua, igual a de
Mato Velho.
Todos [em confusão]: Ótima idéia! E construir um mercado! E colocar placas! E
construir mais casas...
[Todos se reúnem em círculo fechado e começam a murmurar. Matuta entra em
cena ao lado de Dom Almeida]
Matuta: Olá Dom Almeida! Como vai?
Dom Almeida: Bem! Os negócios estão ótimos. Nunca vendi e comprei tanto em
toda a minha vida.
Matuta: Eita! Mas que mansidão por aqui! Onde foi parar todo mundo?
����
Dom Almeida: Oia, todo mundo de Mato Velho se mudou lá pro meio do mato, logo
ali, ó!
Matuta: Meio do mato!?!? Tudo o que eu vejo é um monte de casas na margem do
rio. Não tem nem um pé de árvore lá!
Dom Almeida: Eita!
[Todos os personagens congelam. O narrador entra em cena.]
Narrador: E foi assim que todos viram as margens do rio, aquele lugar no meio do
mato, virar uma nova cidade cheia de gente, igualzinho à tranqüila e pacata Mato
Velho. E assim termina nossa história... Mas a da Jani não, porque ela acaba de se
mudar pra um lugar mais tranqüilo pra montar uma quitanda!
[Jani descongela e sai de cena]
Enredo: Dedê (2002)
Roteiro: Carol (2006), Beraba (2006), Dedê (2002)
Semente Viva.
Abril de 2008.