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Page 1: Jornal Circulando

ANO 15 NÚMERO 403 JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVALE - FEVEREIRO/MARÇO DE 2013

CIRCULANDODISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Com vontade de aproveitar cada vez mais a vida, o maquinista aposen-tado Ladislau Moreira, de 73 anos, dá a receita: “A seresta é a melhor coisa do mundo!”. Membro da Associação dos Ferroviários, ele é um dos orga-nizadores de uma seresta que acon-tece há 20 anos na cidade e que re-úne amantes das músicas antigas em busca de diversão num clima bastante familiar. Outra que não para de pro-duzir, apesar de já ter se aposentado, e dá dicas para uma vida equilibrada é Maria das Mercês de Meira, 67 anos. “Se pararmos, enferrujamos. Vou até onde puder”. Leia reportagem com-pleta na Página 8.

OP

INIÃ

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Quem dança seus males espantaOs alunos-repórteres Adriano Félix e Mari Fialho foram a campo investigar

como é a rotina de trabalho de pessoas que ganham a vida colocando seus corpos à venda. O valor de um programa com essas garotas ou garotos do sexo varia de R$ 50,00 a R$ 200,00, “dependendo do gosto do cliente”, como costu-mam explicar. Na maior parte dos casos, não sabem quem são os contratantes. As BR’s 116 e 381 há tempos são pontos estratégicos para esses profissionais conseguirem clientes, além da Praça Serra Lima e a esquina da Rua Afonso Pena com Belo Horizonte, bem no Centro da cidade. A reportagem também faz um resgate histórico da zona boêmia valadarense, revelando que, no passado, a prostituição vinha recheada de requinte e sofisticação. Páginas 6 e 7

Nesta edição do Circulando estreia Lettícia Gabriella Carvalho de Oli-veira, 17 anos, do 1º período de Jornalismo. Com a crônica “Reflexão”, ela indaga como “seria bom poder mudar determinadas coisas, refazer aquilo que gostaríamos que fosse diferente, o que foi feito às pressas na correria do dia-a-dia”. Também na editoria Opinião destaca-se a rese-nha do livro “Maus - a história de um sobrevivente”, indicação da aluna Vanessa Fófano, do 5º período de Jornalismo. Por meio de quadrinhos, Maus narra a história de um judeu polonês que viveu os horrores da Se-gunda Guerra Mundial. Página 2

Instigados pelas ideias dos docu-mentários “Levante sua voz” e “A his-tória das coisas”, alunos do 1º período de Jornalismo manifestaram-se acerca do monopólio dos meios de comunica-ção no Brasil e a incompatibilidade da lógica de consumo do sistema capitalis-ta em um mundo com recursos naturais finitos. O aluno Guinther Carvalho Kerr ousou um pouco mais e deu sua con-tribuição por meio de um roteiro para uma charge que foi desenvolvida pelo graduando Renan Duarte, do 5º período de Design Gráfico. Página 3

Profissionais do sexo

Cabeças pensantes

Com muita sensibilidade, o repórter George Gonçalves, aluno do 7º período de Jornalismo, buscou entender com profundidade a realidade de uma minoria marginalizada de Governador Valadares: os moradores de rua. Pacientemente, George abriu os ouvidos e o coração para acolher as histórias, as angústias e os sonhos de quem, dia após dia, somente encontra as calçadas e ruas para viver. Em visita ao Centro de Referência em Assistência Social à População de Rua

(CREASPOP), acompanhou momentos de sociabilidade entre dezenas de mo-radores de rua. Conheceu duras histórias e presenciou alguns sorrisos. Fazendo uso de técnicas do Jornalismo Literário, a reportagem tem a proposta de mini-mizar incompreensões de muitos que veem os moradores de rua com olhos de medo, como criaturas estranhas que devem se manter o mais distante possível do convívio “civilizado”. Páginas 4 e 5

Vidas que seguem à margem

Alexandrina Santanna

George Gonçalves

Há duas décadas, Ladislau se diverte na seresta

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2CIRCULANDOFevereiro/Março de 2013

O Jornal-Laboratório Circulando é uma publicação bimestral do Curso de Jornalismo da Faculdade de Artes e Comunicação (FAC).

Fundação Percival FarquharPresidenteFrancisco Sérgio Silvestre Universidade Vale do Rio DoceReitora Profa. Mylene Quintela Lucca Coordenador do Curso de JornalismoProf. Pedro Lucca Neto Editora e Jornalista ResponsávelProfa. Fernanda de Melo F. da Silva (MG11497/JP)

Editoração EletrônicaAline Nascimento Ribeiro, Andréia Márcia de Oliveira Silva, Camilla Xavier Viana de Paiva, Gisele Coelho Cunha, Karoline Teixeira de Almeida, Renan Silva Duarte, Sylvia Cristina Gomes, Thiago dos Santos Guimarães, Thuana Botelho Mendes, Victor Augusto Fernandes Pigoretti (Alunos do 5º e 7º Período de Design Gráfico/Univale) Impressão / TiragemGráfica Unidos / 500 exemplares

RedaçãoLaboratório de Jornalismo Carlos Olavo da Cunha Pereira (LabJor)Rua Israel Pinheiro, 2.000, Bairro Universitário - Campus Antônio Rodrigues Coelho - Edifício Pioneiros, Sala 4 - Governador Valadares/Minas Gerais - CEP: 35.020-220.Contato: (33) 3279-5956 / [email protected]

Maus - a história de um sobrevivente

Reflexão

RESENHA

CRÔNICA

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OPINIÃO

Quando apareceu lá em casa um qua-drinho chamado “Maus” olhei aque-la capa com dois ratinhos abraçados e uma suástica ao fundo. Achei estranho, mas intrigante. Não me chamou tanto a atenção no primeiro momento. Aquela velha história de não julgar o livro pela capa não funciona muito bem pra mim. Num dia de bastante ociosidade resol-vi ler o quadrinho de capa estranha. “Maus” é uma verdadeira viagem aos tempos de guerra. O autor, Art Spiegel-man, consegue fazer com que a gente se imagine nas situações, se emocione, devore a história. E foi o que aconteceu. Li as 296 páginas em um dia. Histórias como essas tão reais e carregadas de sentimento prendem a atenção de for-ma que não tem como parar.

Maus - ratos em alemão - é a histó-ria de um judeu polonês que viveu os horrores da Segunda Guerra Mundial. O próprio sobrevivente narra toda a história ao filho, Art Spiegelman, autor do quadrinho. O roteiro é envolvente e emocionante tamanha é a riqueza de detalhes com que o protagonista relata sua história. “Maus” é considerado um livro-reportagem, pois o autor baseia toda a história em entrevistas realiza-das com o próprio pai.

Os personagens são representados no quadrinho como animais. Os ju-deus são desenhados como ratos, os nazistas como gatos, poloneses não--judeus são porcos e americanos, cachorros. A ideia de representá-los dessa forma ironiza o fato de que as imagens propagandistas do nazis-mo retratavam os judeus e polone-ses como ratos e porcos. Esse recurso e a opção pelo preto e branco dão o tom dramático/perturbador à histó-ria, que relata verdadeiras tragédias e profundo sofrimento vividos pelo protagonista. Ao mesmo tempo, o preto e branco também traz o ar de leveza e afeto à história.

Foi criada uma categoria especial no Prêmio Pulitzer para o quadrinho Maus, pois o comitê não se decidiu se o categorizava como uma obra de ficção ou biografia. Com um texto fluente e desenhos muitas vezes cho-cantes e profundamente sentimen-tais, Maus é um quadrinho impecá-vel e imprescindível a qualquer um que curta a arte das narrativas grá-ficas. Confesso que apesar de ter lido em apenas um dia é preciso algumas pausas pra conseguir respirar e tirar o “cisco” do olho.

Seria bom poder mudar determi-nadas coisas, refazer aquilo que gos-taríamos que fosse diferente, o que foi feito às pressas na correria do dia-a--dia. Deixar o presente parado por um tempo, pois quem sabe desta forma problemas futuros fossem evitados. Refletir apenas.

Ter tempo o bastante para pensar no que deve ser feito, decidir como e quan-do prosseguir. Repensar os erros e ava-

liar em quanto ficará o conserto. Quem sabe assim não houvesse tantos erros, quem sabe não fossemos mais felizes.

Ficar um tempo sem falar com as pessoas, desligar o computador, sair da frente da TV. A libertação de todas as influências. Decidir o certo e o errado, independentemente dos conceitos pré--estabelecidos pela sociedade. Exercer o pensamento crítico, sair da caverna.

E, então, deixar o tempo voltar a cor-

rer. Observar aonde a reflexão irá nos levar, ver as decisões nos guiando en-fim. Voltar ao contato com as pessoas, o pensamento concreto, agora longe de mudanças, não mais influenciável. Pas-sar a mensagem para quem quiser ouvir, e, então, parar o tempo novamente, para que novos conceitos sejam processados.

E quando ele, enfim, voltar a correr, apenas seguir em frente, porque ao fi-nal do dia, o que passou não volta mais.

SPIEGELMAN, Art. Maus: edição completa. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. 296 p.

VANESSA DE OLIVEIRA FÓFANO / 5º PERÍODO DE JORNALISMO

LETTÍCIA GABRIELLA CARVALHO DE OLIVEIRA / 1º PERÍODO DE JORNALISMO

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Maristela do Valle/Folhapress

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3CIRCULANDOFevereiro/Março de 2013

Direito à comunicação em um mundo capitalistaSOCIEDADE

“O vídeo “Levante sua voz” é um documentário que fala sobre a ‘falsa liberdade de expressão’ a que nós bra-sileiros estamos submetidos. Só espero que possamos pensar e agir diferente no exercício de nossa profissão.”Evanilson Correia

“É sabido que a mídia tem um poder de formar opinião, mas quando esse po-der está nas mãos de poucas pessoas, a informação tem o risco de ser passada de forma bem parcial, devido a questões que possam envolver postura política, interesses financeiros, dentre outras. A pessoa que recebe a informação ou notí-cia, às vezes, fica privada da questão que realmente poderia interessar-lhe, depen-dendo de como é feita a comunicação.”Fábio Eustáquio Velame Silva

“Como um país de quase 200 mi-lhões de habitantes pode ser influen-ciado por apenas 11 famílias? Com muito dinheiro, bons contatos e deten-do o monopólio das comunicações, isto é possível num país chamado Brasil.”Mauro Lúcio Rodrigues da Silva

Levante sua voz

A história das coisas

De forma didática e com humor, o documentário, produzido pelo In-tervozes Coletivo Brasil de Comuni-cação Social, pauta o direito à comu-nicação e à liberdade de expressão e retrata a concentração dos meios de comunicação existente há décadas no Brasil. Trata-se de uma crítica contundente e ácida às poucas famí-lias que são detentoras dos principais canais de TV e rádio no país, que fun-cionam mediante concessão pública liberada pelo Senado Federal.

Com linguagem clara, simples e bem humorada, a ambientalis-ta norte-americana Annie Leonard revela no documentário os passivos sociais e ambientais gerados pelos hábitos de consumo da sociedade capitalista atual. Por meio de ani-mações, é mostrado passo a pas-so o funcionamento da cadeia de produção, desde a exploração dos recursos naturais, passando pela produção na indústria, pela compra até chegar ao descarte, onde nossas aquisições viram lixo. Para acalen-tar um pouco o espectador, ao final, Annie sugere ações que podem con-tribuir para melhorarmos a nossa sociedade e o planeta.

“No Brasil, muitas pessoas se sen-tem superiores às outras pelo fato de serem mais bem sucedidas. Acham que têm o poder nas mãos e não dão o direito de pessoas mais simples, com pouca escolaridade, se expressarem, se comunicarem. Temos que mudar esta realidade. Todos têm os mesmos direi-tos. Direito de ir e vir, direito à liberda-de de expressão. Levante sua voz!”Gabriella Mariano

“A economia de materiais é um sis-

tema em crise, porque se trata de um sistema linear e nós vivemos em um planeta finito. A dinâmica social con-sumista que estamos inseridos não leva o consumidor a refletir sobre os seus hábitos e atos, que estão sendo refletidos diretamente na escassez de recursos naturais, essenciais para a so-brevivência humana.”Kessy Almeida Pereira

“Depois de tanta luta por liberda-de de expressão, ainda existe censura por parte dos meios de comunicação do nosso país. No Brasil, cerca de 10 famílias detém as maiores emissoras de TV, além de jornais e emissoras de rádio. Muitas vezes, elas passam aos cidadãos as notícias que os “grandes” querem que as pessoas saibam e não o que realmente deveria ser passado.”Marcela Ferreira

“A mídia manipula e nos transmite aquilo que a convém fazendo as pesso-as terem as informações pela metade. Na maioria das vezes, omitindo e es-condendo a verdade dos telespectado-res. A mídia tem uma grande força no Brasil. Sendo assim, somos obrigados a assistir, ouvir e ler aquilo que ela tem a nos dizer e a nos influenciar.”Otacílio Rodrigues

“O documentário ‘A história das coisas’ revela de forma bastante clara tudo o que nossos olhos não percebem a respeito do sistema de extração, pro-dução, venda, consumo e descarte de produtos comuns em nosso cotidiano, nos proporcionando uma visão mais ampla de sustentabilidade, e alertan-do sobre os atuais problemas ambien-tais e sociais.”Salomão Renato R. Santana

“Erga a voz brasileiros sonhadores, mesmo que os donos da comunicação tentem tirar a nossa liberdade de ex-pressão. Dinheiro algum, nem mesmo a pressão de um mundo capitalista, pode tirar o nosso direito de falar o que pensamos. É só falar, a qualquer hora e em qualquer lugar. Precisamos de pessoas que tenham compromisso com a verdadeira informação. A nossa beleza está em nossas atitudes. Por-tanto, abra a boca e diga o que seu co-ração quer transmitir.”Talita Ramalho de Souza

“Vivemos em uma sociedade cheia de injustiças, vítima de poderes que nos deixam sem esperança dia após dia, cada vez mais sem ação e comple-tamente impotentes. Enquanto isso, os engravatados de colarinhos brancos se enchem de poderes e regalias cada vez mais e o cidadão comum vive como pode e agradece.”Viviane Ferreira dos Santos

“A liberdade do mais forte de se ‘ali-mentar’ do mais fraco acontece com muita frequência em nossa sociedade. Mas é preciso ter democracia para que todos tenham direitos iguais.”Kesia Melo

Acreditando que a universidade, por excelência, é o espaço do pensamento, da crítica e da diversidade de opiniões, alunos do 1º período de Jornalismo da Universidade Vale do Rio Doce (Univale) debateram questões polêmicas sobre o direito à informação e à liberdade de expressão, o monopólio dos meios de comunicação no Brasil e suas implicações para a democracia e, também, o desequilíbrio entre a atual lógica de exploração do sistema capitalista versus a finitude dos recursos naturais do nosso planeta.

O debate foi norteado pelo conteúdo apresentado nos documentários “Levante sua voz” e “A história das coisas” - ambos dis-poníveis na internet. Após assistirem aos vídeos pela disciplina Ética e Cidadania, os futuros jornalistas expressaram seu ponto de vista. Confira abaixo!

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4CIRCULANDOFevereiro/Março de 2013 CIDADANIA

Se essa rua fosse minha...

Eles estão à margem. Vivem nos centros, espalhados pelas ruas, aban-donados à sorte de uma alma carido-sa que decida ajudar. São vistos com olhos de medo. Como criaturas estra-nhas, por alguns.

Eles vivem perambulando pelas calçadas. Ou parados nas esquinas. As mãos estendidas, maltratadas pela vida, denunciam a condição. Com poucas peças de roupa, algumas até rasgadas, têm a oportunidade de dizer que são cidadãos. Com documento, dignidade e tudo. Por eles, infinitos destinos, com pressa de chegar, pas-sam todos os dias. Passos atrasados para o trabalho, para compromissos inadiáveis ou, quem sabe, para secos encontros, cheios de superficialidade e egoísmo. Há pessoas que quando se deparam com essa realidade crua e cruel, sentem o que não tem nome, talvez repulsa. Sentem dó, pena e fim.

A precipitada conclusão, que já vi-rou certeza, fica escondida no pensa-mento. Mas transparece na distância que o corpo sutilmente toma ao ver um morador de rua. Como, ironica-mente, acontece com o ímã. Mas, neste caso, só há repulsão entre pólos iguais. É a própria natureza ensinan-do que todos têm algo em comum. Então, atravessa-se a rua, por medo de assalto ou outra coisa. Atitude de gente que acha que é mais gente por-que tem carro, casa e conforto.

Lutam para conquistar um pedaço para chamar de seu. Querem a chance da felicidade, sabidos de que ela pode, sim, ser alcançada com uma vida mais digna. Eles, de tantas ruas, se vêem num beco sem saída. Tentam fugir da verdade do hoje. Escolhem um mundo imaginário, onde são donos da condi-ção. Onde têm poder de decidir o que querem ser. “Não somos mendigos./Nem somos tampouco andarilhos./So-

mos, simplesmente, amantes./ Aman tes da arte do sofrimento!”, despeja a moradora de rua, Rosiane Pires dos Santos, que faz poesia da sua realidade.

A vida é urgente no coração de quem sofre todos os dias. De quem ex-perimenta a miséria, a humilhação, o frio, o calor, o desconforto, a pobreza. São moradores de rua. Brigam, sem levantar a voz, por um lugar que os acolha. Um pedaço de parede fecha-da, com teto, para chamarem de casa.

É neles que os olhos de preconceito miram todos os dias. Carregam o duro esteriótipo de gente que leva a vida por levar. Mas bastam alguns minu-tos, numa conversa descomprometida ou numa entrevista para uma repor-tagem, para revelar a riqueza que têm dentro de si. Machucados pelo martí-rio diário, querem dizer. E querem que a conversa demore. Não é todo dia que alguém pára para escutar.

A mulher invisível

Alaíde Simões de Souza, de 63 anos, não tinha ideia do rumo que sua vida iria tomar após a morte do marido. Era compradora e vendedora de pedras preciosas na cidade e tinha uma boa condição financeira.

Foi numa tarde de domingo, 26 de junho de 1983, que dois assaltantes invadiram sua casa, a renderam junto com o marido, o único filho do casal e a empregada doméstica. O marido reagiu, foi morto com cinco tiros, se-gundo a polícia. “Mas eu e meu filho só ouvimos dois”. Os três outros es-talidos foram ignorados pela audição da mulher desconsolada, que estava prestes a perder tudo. Talvez, incons-cientemente, não quisesse acreditar no que estava acontecendo.

Juscélio Simões, com 13 anos à época, presenciou tudo e ficou trau-matizado, conta Alaíde. “Ele começou a ficar estranho. Parecia viver em ou-tro mundo. Tive que levá-lo para fazer tomografia em outras cidades, a pedi-

do do neurologista, porque aqui não tinha. Fui à Belo Horizonte, Vitória, Rio de Janeiro e São Paulo. Para ban-car a viagem, vendia meus móveis, minhas coisas”.

Dia após dia, tendo que se despren-der do que tinha em nome da saúde do filho, se deparou com a finitude dos pertences. Pouco lhe restou, tal-vez até menos do que o necessário. Ela e o filho, que foi diagnosticado como doente mental, foram condenados a se mudar para um pequeno aparta-mento, de apenas dois cômodos. Al-gum tempo depois, a mulher conta que Juscélio deu uma crise e rasgou

todos os papéis da família e quebrou os poucos móveis da casa pobre.

Uma das duas irmãs de Alaíde, Ire-ne Simões, que mora em Vitória, ficou sabendo da situação da parente e veio buscar ela e o filho para morar no Es-pírito Santo. Lá ficaram 15 anos. Alaí-de conseguiu um emprego como aten-dente de telemarketing e depois como vendedora ambulante de uma revista de culinária. Segundo ela, “a melhor vendedora da empresa”. Ganhava pouco, por isso morava de favor com a irmã. Alaíde diz que não tinha con-dições de bancar sozinha as despesas dela e do filho.

Lutam para conquistar um pedaço para chamar de seu. Querem a chance da felicidade, sabidos de que ela pode, sim, ser alcançada com uma vida mais digna. Eles, de tantas ruas, se vêem num beco sem saída.

GEORGE GONÇALVES7º PERÍODO DE JORNALISMO

Os moradores de rua carregam a angústia de ocupar muitos espaços da cidade sem ter um só para eles

Geroge Gonçalves

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5CIRCULANDOFevereiro/Março de 2013 CIDADANIA

É horrível morar na rua. Se eu pudesse voltava pra casa, de verdade! Mas não tenho o direito de machucar minha família.Keila Costa Miranda

““Mas o destino estava prestes a lhe

pregar outra peça. A empresa faliu e Alaíde ficou desempregada. Orgulho-sa, diz que voltou para Governador Va-ladares porque não tinha mais como ficar na casa da irmã. “Os filhos dela brigavam muito comigo e com o Juscé-lio às escondidas. Quando a Irene esta-va em casa, nada acontecia. Mas basta-va ela sair para eles nos humilharem e até baterem”.

Alaíde e o filho voltaram para as ruas Valadares, desta vez por opção. De Irene e da outra irmã, Lúcia, não tem mais notícias. Prefere evitar o contato. “A Lúcia é muito metida a besta e a Irene tem a vida dela, não quero atrapalhar”.

Depois de um tempo, a mulher con-seguiu internar o filho em uma clínica em Coronel Fabriciano, cidade a 116 km de Governador Valadares, com a ajuda de um programa do Governo Federal, que concede a Juscélio um auxílio R$ 300 por mês. O dinheiro é destinado às despesas do filho, hoje com 42 anos. A última vez que Alaíde o viu foi há 15 dias.

Sem a presença do rapaz, ela tem agora um novo companheiro. Um pe-daço de papelão que lhe serve de cama todas as noites. Quando o material mo-lha, vai à Casa Perso-Brasileira, onde antes era cliente, pegar mais um exem-plar. Nas noites frias, um cobertor que ganhou é seu único acalento. Vive sozi-nha, deprimida, desconsolada.

Droga de rua“Precisava aprender a ser gente. A

vida havia se encarregado de me en-sinar, não aprendi muito, mas vivi bastante. Não tive tempo de correr e, sem querer, acabei caindo em teus braços. Mas hoje tenho certeza: amo muito você! (...)”. A declaração de amor é de Keila Costa Miranda, viú-

va de um marido assassinado, cinco filhos, 38 anos. As palavras cheias de plenitude se revelam independentes do sofrimento das ruas. Sim; os mora-dores de rua também amam, também têm medos, sonhos e projetos. “Quero me livrar do crack. Sou viciada há 14 anos”. É este o sonho de Keila.

O corpo magro e a boca escassa de dentes dão uma ideia das consequên-cias do vício. Mas nem por isso, ela deixa de lado a vaidade. Durante os 20 minutos de entrevista, numa mesa do Centro de Referência em Assistên-cia Social à População de Rua (CRE-ASPOP), ela penteou religiosamente o curto cabelo. “É porque acabei de to-mar banho e não tenho creme. Então fica mais difícil desembaraçar. Estou acostumada com cabelo bem curtinho, mas meus filhos fizeram uma promes-sa e agora eu que estou tendo que cum-prir”, conta, com sorrisos. A promessa, Keila prefere não dizer.

A decisão de sair de casa foi dela mesma. A família mora no Conjunto Sir, em Valadares. Um dos filhos dela ficou com a mãe biológica, os outros três filhos, “com a mãe de coração”, e a mais velha, de 23 anos, “já sabe se vi-rar”. Keila conta que, pelo vício, dava muito trabalho aos familiares quando morava com eles. Decidiu ser só para

não prejudicá-los. “Mas eu tenho con-tato com todos”, garante.

Nas ruas, fica mais perto daquilo que quer fugir e enfrenta a tentação diariamente. “Quando não estou aqui no Centro, estou fazendo coisa errada nos bairros vizinhos”, confessa. Ela alimenta o vício proporcionalmente à vontade que tem de deixá-lo. “Eu me escondo das pessoas. Tenho vergonha disso tudo, mas não consigo me livrar. É uma força maior que eu”.

De vez em quando aparece algum serviço, já que, segundo ela, é uma ex-celente decoradora. Também já traba-lhou como salgadeira, cozinheira, em farmácia e numa loja de calçados or-topédicos em São Paulo, de onde che-gou há 23 anos.

Morar na rua é o castigo de Keila. Está isolada de todos que ama por-que não consegue lidar com o desejo de se drogar. O exílio cobra um alto preço. “Nós somos vistos como bandi-dos. Alguns policiais nos tratam como animais, até. Pegam nossas coisas, co-mem, jogam fora, fazem pouco caso delas”, denuncia. “É horrível morar na rua. Se eu pudesse, voltava pra casa, de verdade! Mas não tenho o direito de machucar minha família”, conclui.

Assim que se livrar do vício, ela pro-mete se organizar para ter sua casa, morar com os filhos e tomar as rédias da vida. Enquanto isso, procura uma solução para seu problema crônico.

Mão estendidaHá algo em comum nas histórias

que você conheceu na reportagem. Alaíde e Keila são atendidas no Cen-tro de Referência em Assistência So-cial à População de Rua (CREASPOP, em Governador Valadares. O lugar foi inaugurado em abril de 2011.

Por de trás do portão marrom, da casa que fica na rua Belo Horizonte, alugada pela Prefeitura de Governa-dor Valadares, diferentes histórias passeiam, livres, pelos cômodos. Cer-ca de 35 pessoas são atendidas diaria-mente. Lá, podem tomar banho, lavar a roupa e descansar sob um teto que não os acusa.

A semelhança os aproxima. São amigos porque experimentam, cada um à sua maneira, uma mesma rea-

lidade. Participam de oficinas, como cultura e artesanato, para desenvolver suas aptidões. Os trechos de poesia in-seridos nesta matéria, inclusive, fazem parte de uma oficina de jornal, onde os educadores sociais estimularam a criação artística sobre a vida na rua. Ao final, a fanzine, pequena Revista feita pelo Centro, intitulado “VAGO – produção transeunte e sem moradia fixa!”, eternizou nas folhas de papel o sentimento guardado, e poucas vezes expressado, dos moradores de rua.

Segundo a psicóloga Natália Alves dos Santos, mestre em Saúde Mental, que trabalha como educadora de ní-vel superior no Centro, o perfil do pú-blico atendido é formado de homens, geralmente com algum contato com a dependência química. Apenas pes-soas maiores de 18 anos são aceitas no CREASPOP, que funciona na Rua Belo Horizonte, nº 816, no Centro, de segunda a sexta, de 7h30 às 17h. “Muitos chegam aqui com a vida frag-mentada e o vínculo familiar fragiliza-do. Eles têm sonhos, mas não sabem como concretizar”.

O secretário de Assistência Social do município, Jaime Luiz Rodrigues Júnior, explica que o trabalho com os moradores de rua tem dado resultado. “É a primeira vez na história de Go-vernador Valadares que é feito algo concreto para esse público”, destaca. “O Centro é um projeto de inclusão social que tem vários desafios. O pri-meiro deles foi a própria implantação. Agora, a Secretaria Municipal de As-sistência Social busca consolidar essa política pública”, conclui Jaime.

Muitos chegam aqui com a vida fragmentada e o vínculo familiar fragilizado. Eles têm sonhos, mas não sabem como concretizar.Natália Alves dos SantosEducadora do CREASPOP

A vida é urgente no coração de quem sofre todos os dias. De quem experimenta a miséria, a humilhação, o frio, o calor, o desconforto, a pobreza. São moradores de rua. Brigam, sem levantar a voz, por um lugar que os acolha.

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6CIRCULANDOFevereiro/Março de 2013 PROSTITUIÇÃO

O dia a dia de quem usa o corpo como instrumento de trabalho

Em Governador Valadares, garotas de programas e travestis sustentam que 80% de seus clientes são homens casados. Já os garotos afirmam que 30% de sua clientela é fixa e a maioria

é composta por casais que os procuram para satisfazer fantasias sexuais

ADRIANO FÉLIX E MARI FIALHO7º PERÍODO DE JORNALISMO

São quase 22h de uma noite quente em Governador Valada-res. Ainda que seja difícil, deci-

dimos sair em busca dos profissionais que utilizam o corpo como instrumen-to de trabalho pelas ruas da cidade. Paramos na BR 116, quatro prostitu-tas encontrava-se no local. Logo, uma delas vem ao nosso encontro e oferece o serviço. É um travesti que se iden-tifica como tal, enquanto as outras apenas acompanham a amiga e fazem sinais para chamar a atenção dos ou-tros motoristas que passam pelo local. Iniciamos uma conversa e logo nos deparamos com os efeitos do trabalho na noite: medo, frustração, sonhos.

A prostituição é uma das profissões mais antigas do mundo e uma das mais arriscadas. As pessoas que ofe-recem esse tipo de serviço, na maio-ria das vezes, não sabem quem são os seus clientes. Entram nos carros, nos hotéis e motéis com um desconhecido e entregam seus corpos em troca de dinheiro e alguma esperança.

O valor de um programa com essas garotas ou garotos do sexo gira de R$ 50,00 a R$ 200,00, “dependendo do gosto do cliente”, como costumam di-zer. Esses profissionais são facilmen-te encontrados em pontos do Centro da cidade, como na Praça Serra Lima; Rua Afonso Pena esquina com Belo Horizonte e nas BR’s 116 e 381. Pes-quisa divulgada pela Polícia Rodoviá-ria Federal (PRF) revela que são 1.776 pontos de prostituição existentes pró-ximos às rodovias brasileiras. Destes, 252 ficam em Minas Gerais, estado com a maior malha rodoviária do país.

O Estado também se destaca por ser pioneiro num concurso de beleza voltado para esse público. Em setem-bro de 2012, enquanto o Ceará sedia-va o concurso que escolheu a repre-sentante oficial do Brasil para o Miss Universo 2012, Minas Gerais voltava os olhos para as beldades da primei-ra edição do “Miss Prostituta”. Com o argumento de combater o preconceito contra a classe, profissionais do sexo que atuam na capital mineira desfi-laram charme na passarela montada em um shopping popular de BH, onde uma capixaba foi eleita.

Exibição de corposHoje, são cada vez mais comuns os

sites que divulgam o trabalho de ga-rotas e garotos de programa. Muitos optam por construir blogs próprios para evitarem os custos do serviço de divulgação de suas fotos em sites es-pecializados. Há aquelas que procu-

Nossa personagem, que não quis se identificar, anuncia no Diário do Rio Doce e atende em casa. Diz que a opção de anunciar no jornal é melhor porque não precisa ir para as ruas para conseguir seus clientes. A casa onde mora e atende a quem procura pelo serviço é simples, mas bem organiza-da. Apesar de não consumir, tem far-tura de bebidas alcoólicas no barzinho que fica na copa. Ela tem 38 anos e desde os 15 trabalha como profissio-nal do sexo. Tem um filho de 21 anos e um netinho de dois que moram com

os avós, no Espírito Santo. O namo-rado, com quem se relaciona há cerca de quatro anos, sabe da sua profissão e, segundo ela, aceita. “Meu maior sonho é ter meu filho e meu netinho perto de mim, casar com meu namo-rado que eu amo muito, apesar dele ser casado”, acrescenta.

Ela conta que cobra R$ 200,00 pelo programa, com duração entre 15 mi-nutos a, no máximo, uma hora cada. Em média, faz entre 15 a 20 progra-mas por mês. A entrevistada garante que não fica sem usar preservativos, mas já teve propostas para não usá--los. Revela que o filho e os vizinhos sabem da sua profissão. O filho não aceita, por isso foi embora; já os vizi-nhos não se incomodam.

Travestis Não são apenas as mulheres que

usam o corpo para ganhar dinheiro neste mercado. Os travestis são uma realidade nas ruas e rodovias. Bian-ca (nome fictício) tem 23 anos e há quatro se prostitui. Ela conta que é atriz de teatro e entrou para essa vida porque o lucro é bem maior. Assim como as mulheres, revela que parte do dinheiro que ganha é para ajudar nas despesas de casa. A outra parte é para comprar roupas, perfu-mes e calçados. Ela cobra R$ 50,00 pelo programa. Disse que atende até seis clientes por dia, quando o mo-vimento está bom e que a grande maioria é casada.

Meu maior sonho é ter meu filho e meu netinho perto de mim, casar com meu namorado que eu amo muito, apesar dele ser casado.

Tenho medo das pessoas, porque a gente não as conhece. Entramos no carro deles sem saber para onde estão indo e se vão fazer programa mesmo, sabe-se lá. É muito arriscado.BiancaTravesti

““

Segundo Bianca, o medo persegue as travestis. Por causa da violência vi-vida por ela e pelas amigas, se vê obri-gada a andar com uma faca na bolsa para se prevenir. “Tenho medo das pessoas, porque a gente não as conhe-ce. Entramos no carro deles sem saber para onde estão indo e se vão fazer programa mesmo, sabe-se lá. É mui-to arriscado”, revela. “Graças a Deus nunca aconteceu nada comigo, mas perdi uma amiga aqui já faz dois anos. Ela morreu assassinada atrás dos mo-téis”, relembra.

ram exibir seus corpos através de sites na internet, onde a fotografia estimu-la os clientes. Outra prática que tem aumentado na região são os anúncios nas páginas de classificados dos jor-nais impressos, onde exploram com detalhes as formas físicas, a cor da pele e dos olhos.

Tanto as mulheres quanto os homens entrevistados na reportagem revelaram receber ofertas financeiras maiores para programas sem uso de camisinha

Arquivo Circulando

Page 7: Jornal Circulando

7CIRCULANDOFevereiro/Março de 2013 PROSTITUIÇÃO

Legalização é defendida no Senado

Se na atualidade a prostituição em Governador Valadares caminha na escuridão, no passado ela vinha recheada de requinte e sofisticação.

Enquanto os profissionais do sexo trabalham no lado obscuro da infor-malidade, a legalização da prostituição já tem representante no Senado brasi-leiro. O Deputado Federal Jean Wyllys (PSOL/RJ) protocolou o Projeto de Lei 4211/2012, que visa regulamentar a atividade de profissionais do sexo. O objetivo é garantir que o exercício da atividade desses profissionais seja vo-luntário e remunerado, tirando-os de um submundo de marginalização, se-jam homens ou mulheres.

Batizada de Lei Gabriela, o nome é uma homenagem à escritora, presi-dente da ONG Davida - que representa prostitutas - e ex-aluna de Filosofia da USP, Gabriela Leite, que decidiu virar prostituta aos 22 anos. Um dos pontos principais do projeto é também tipi-ficar a exploração sexual diferindo--a do instituto da prostituição, a fim de combater o crime, principalmente contra crianças e adolescentes. Em seu blog, o deputado Wyllys defende que “a mesma sociedade que desaprova a prostituição a utiliza”, complemen-tando que “desenvolver a cidadania

das e dos profissionais de prostituição caminha no sentido da efetivação da dignidade humana”.

E por falar em dignidade humana, em Governador Valadares trabalhos voltados especificamente para profis-sionais do sexo é uma lacuna, sejam trabalhos de assistência direta, acom-panhamento ou até de reconhecimen-to. A realidade local não se difere das demais cidades do interior do Brasil. No cenário político municipal, tam-bém não há representantes que, ofi-cialmente, levantam a bandeira em defesa da legalização.

A psicóloga Maria José Pio avalia que trata-se de um assunto delicado. Para ela, é preciso encontrar um equi-líbrio diante desta questão que não deixa de ser polêmica. “Temos impor-tantes vertentes para serem levadas em conta nesta discussão. Se de um lado discute-se a legalização da profis-são, de outro há quem pense que estas pessoas precisam de um trabalho de resgate à cidadania, saindo totalmen-te dessa margem para “entrar” para a sociedade”, exemplifica.

“Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é, será que ele é...”. Quem nunca ouviu esse refrão certamente não é brasileiro. Esta, entre outras marchinhas carnavalescas, vinha sem-pre acompanhada de gente enfeitada, carros alegóricos, bebida, lança-per-fume e muita mulher bonita. São es-tas as recordações de um tempo em que Governador Valadares era palco de celebridades. E foi exatamente neste período que a zona boêmia da cidade era frequentada por artistas de renome nacional, como Nelson Gonçalves e Al-temar Dutra, que não só passavam por aqui como também garantiam sua volta. Eles se apresentavam na cidade, principalmente nos clubes, ou no Cine Palácio (atual Ilusão Esporte Clube), e depois faziam “festão” para a turma dos boêmios nas boates da zona.

Se na atualidade a prostituição em Governador Valadares caminha na escuridão, no passado ela vinha recheada de requinte e sofisticação. Quem estava na cidade à época tem história para contar. Conhecida pela discrição e elegância das mulheres, era o período de Carnaval que atraía clientes de todo o Brasil para a zona boêmia, cujas beldades desfilavam em um carro alegórico enfeitado e anima-do ao lado de outros que representa-vam clubes carnavalescos locais.

Quem recorda com saudades do período é o advogado Ivaldo Tassis. “Você vê o Rio de Janeiro com aquelas escolas de samba? Nós tínhamos isso tudo! Lógico que era em tamanho menor, micro. Mas nós tínhamos aquela beleza, aquela coreografia, aqueles efeitos visuais todos aqui na cidade”, relembra.

O advogado conta ainda que era tudo muito fascinante e que seu pai era um carnavalesco emérito, junto a figuras marcantes em nossa socie-dade, como o médico Arnóbio Pitanga. “E tinham ainda os blocos dos clubes, que bancavam a disputa de quem era campeão. O lança-perfume era libera-do. E o povo participava, tinha outros blocos”, anima-se.

Quem sustenta as informações é o colecionador de objetos antigos e pes-quisador diletante da história local e regional, Harley Cândido, também formado em Direito. Ele explica que na cidade realmente havia a rotativi-dade de mulheres na zona boêmia, in-formando que pesquisas dão conta de que elas vinham da região, de longe, sempre mulheres bonitas.

RespeitoO pesquisador também sustenta

a relação de respeito presente den-tro das boates da zona, à época. “Era proibido ter sacanagem no salão. Não tinha disso naquela época. A maior intimidade era para dentro dos apar-tamentos que ficavam bem nos fun-dos, em uns quartos específicos, ca-muflados”, completa.

O pesquisador acrescenta que al-guns quartos eram das mulheres que iam para trabalhar e também mora-vam na boate. Ele destaca que as mais conhecidas eram as Boate Norman-di, cuja proprietária era chamada de Rosa, e a Boate Frenesi, de proprie-dade de dona Dulce, todas localiza-das na região do atual Mercado Mu-nicipal, esquina com a Rua José Luiz Nogueira e Euzebinho Cabral. As duas boates disputavam a grande cli-entela de Governador Valadares.

Harley Cândido conta ainda que havia uma classificação das zonas locais, que variavam de A a B – nor-malmente as mais centralizadas - e ainda as de classe média, que eram aquelas localizadas nas imediações das ruas Afonso Pena e Bárbara He-liodora, boates consideradas médi-as, de onde algumas mulheres eram donas. O pesquisador ressalta que haviam ainda as boates denomina-das de “Torresmo”, de baixo mer-etrício, onde ocorriam muitas brigas com o famoso “puxa faca”, ambien-te mais pesado.

Harley Cândido prepara o lança-mento de um livro em que contará detalhes importantes da antiga zona boêmia de Valadares.

Zona boêmia de GV já foi palco de celebridades

O deputado federal Jean Wyllys (PSOL/RJ) defende a diferenciação entre exploração sexual e prostituição

Altemar Dutra já cantou na zona boêmia de GV

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8CIRCULANDOFevereiro/Março de 2013

ALEXANDRINA SANT’ANNA E GEORGE GONÇALVES7° PERÍODO DE JORNALISMO

O que você faz com R$5,00? Para cerca de 300 pessoas, em Governador Valadares, o dinheiro tem desti-no certo nas noites de sexta-feira. É o preço do ingresso de uma seresta organizada há 20 anos na cidade, que reúne amantes das músicas antigas dispostos a encarar uma diversão num clima bastante familiar. “A seresta é a melhor coisa do mundo!”, conta Ladislau Moreira, de 73 anos, que organiza o evento desde o princípio.

Os passos já não são mais os mes-mos. A lentidão ao caminhar revela a fragilidade que os anos deixaram em Ladislau. As marcas do tempo tam-bém são visíveis no rosto. Mas com o sorriso de um menino, demonstra muita vitalidade e revela um dos se-gredos para envelhecer com saúde: dançar. Uma das armas do maquinis-ta aposentado contra o tempo. Dono de uma boa saúde, só vai ao médico para fazer exames de rotina. O bem--estar vindo da dança, segundo ele, é uma excelente fisioterapia.

O aposentado Jairo Firmino, de 75 anos, também foi um dos colabo-radores para a criação da seresta. A alegria de relembrar um passado não muito distante é visível em seu rosto. Jairo conta que, quando começaram o evento, participavam dez pessoas, mas já tiveram noites em que recebe-ram cerca de 1.000 participantes. “Os benefícios da seresta são mui-tos; principalmente porque na cidade a maioria das pessoas tem uma renda baixa. O valor cobrado pela entrada é simbólico, o que permite a participação de mais pessoas. O entretenimento e a diversão, aqui, são garantidos”, destaca.

A Associação Ferroviária ganha uma decoração especial para o mo-mento. Luzes, mesas e cadeiras dispos-tas pelo salão ajudam a enfeitar o lugar. A maioria dos participantes já viveu bastante coisa nessa vida. O evento conquista, principalmente, o público da terceira idade. E nada de chegar no horário certinho. Os participantes têm hábitos de jovens, atrasar para a seresta é um deles.

Marlene Solarich frequenta o local há três anos e conta que a dança é um remédio eficaz para o corpo e para a alma. A preparação para a velhice começou cedo. Aos 47 anos, é mãe “O entretenimento e a diversão, aqui, são garantidos”, revela o aposentado Jaime Firmino, de 75 anos

de dois filhos e cuida da saúde do corpo praticando musculação em uma academia.

Na seresta, não há espaço para dores no corpo. O desenrolar dos passos funcionam como uma terapia. Para animar o público da terceira ida-de, o cantor José das Graças, de 58 anos, acompanha há 15 anos a fes-ta. O repertório é feito de acordo com o que o público pede. “Geralmente to-camos bolero, a valsa e o tradicional forró. As músicas mais antigas fazem sucesso. Eles são muito animados e participativos”, diz.

Envelhecer faz parte do processo hu-mano. Mas o grande desafio, atualmen-te, é chegar à “melhor idade” com qua-lidade de vida. A maturidade, associada a bons hábitos, segundo os médicos, garante a saúde do corpo e da mente, fundamentais nessa fase da vida.

Saúde em diaA geriatra Isabel Pimenta Seolin

afirma que é preciso buscar um equi-líbrio na saúde biopsicossocial, aque-la que responde pela integralidade do ser humano. “Os cuidados na ter-ceira idade devem ser os mesmos de qualquer pessoa: atividades físicas, alimentação saudável e hábitos de vida mais tranquilos. O que muda é a questão previdenciária, que na minha opinião, deve ser olhada com atenção pelo idoso”.

Isabel explica que muitas pessoas não têm acesso a serviços de saúde por

questões financeiras. “O atendimento oferecido pelo governo, sozinho, não dá conta de receber a demanda com eficiência”, completa.

Pela lei, é considerado idoso quem está acima dos 60 anos. Mas ainda segundo a médica, é difícil restringir--se a um conceito específico porque cada pessoa reage de uma forma ao envelhecimento. “Existem pessoas jovens, por exemplo, que tem um condicionamento físico de um idoso e vice-versa. A gente começa a enve-lhecer desde quando é gerado. Esse processo natural pode ser encarado de várias formas diferentes”, conclui.

Mas como encarar bem a velhice? A psicóloga Mary Gláucia Ribeiro, que trata de pacientes na terceira idade, revela um dos segredos: não deixar a vida social de lado. “Muitos, quando aposentam, perdem o vínculo com ou-tras pessoas. As serestas e os momentos de lazer para a terceira idade em geral, ajudam a construir laços”, destaca.

Trabalho na velhiceMaria das Mercês Meira, 67 anos, se

diz realizada com a vida que até aqui construiu. Viúva, mãe de quatro filhos e avó de quatro netos, a professora aposentada segue cheia de energia e satisfação em seu trabalho.

Com quase cinco décadas de pro-fissão, Mercês, como é conhecida, começou dando aulas para crianças. Natural da cidade de Diamantina, veio para Governador Valadares após

se casar. A missão de lecionar conti-nuou em nova terra. Com o passar do tempo, no Colégio Imaculada Concei-ção, formou adolescentes para o curso de Normal Superior, onde ministra aulas até hoje.

“Gosto de boa música.Para mim, a vida é maravilhosa de viver.Por isso, a gente precisa aproveitá-la ao máximo.

O melhor da vida na terceira idade

Thiago dos Santos

Mercês também atua na Superinten-dência Regional de Ensino na função de pedagoga. “Atender a cidade de Valada-res e os municípios vizinhos não é uma tarefa nada fácil, mas faço com muito amor, dedicação e entusiasmo”, afirma.

A aposentadoria não foi, para ela, sinônimo de descanso. Para Mercês, continuar trabalhando é muito grati-ficante. “Considero o trabalho como uma benção. Através dele, contribuo com a dimensão divina, social e huma-na. Não vejo motivos para não traba-lhar. O corpo humano é uma obra de Deus. Esta máquina necessita estar em constante movimento. Se pararmos, enferrujamos. Vou até onde puder”.

O processo de envelhecer tem se tornado prazeroso. Ter saúde nesta fase da vida e continuar exercendo a profis-são, para Mercês, é um bem primordial. Mas para chegar a terceira idade saudá-vel, pequenos cuidados são necessários para que sejam grandes aliados na ve-lhice. Do contrário, o envelhecimento pode ser doloroso.

Mercês valoriza a boa alimentação e os exercícios físicos. Mas deixa outra dica importante: “A boa convivência familiar e as amizades contribuem para nossa paz de espírito. A relação com o outro é muito importante”.

A senhora, com aparência de menina, mantêm seus desejos. Aprender é um deles. “Como qualquer ser humano os erros são inevitáveis, mas através deles, aprendemos. Ser feliz é minha meta. Gosto muita daquela música de Gonza-guinha: ‘Viver e não ter a vergonha de ser feliz. Cantar e cantar e cantar a be-leza de ser um eterno aprendiz’. Quero continuar aprendendo e acreditando na felicidade”, revela, sorrindo.