Paralellus, Recife, v. 4, n. 7, p. 7-19, jan./jun. 2013
Jos Comblin e os sinais de Deus na profecia
Joseph Comblin and the signs of God in prophecy
Jorge Roberto A. Aguiar1
Resumo
Este trabalho tem por finalidade examinar o sentido do termo profeta na obra A profecia na Igreja, de Jos Comblin, a partir de categorias bourdieusianas. A ideia de profeta em Bourdieu consiste em produzir e distribuir bens de salvao de um tipo novo e propensos a desvalorizar os antigos. Essa compreenso aparece no cristianismo proftico especialmente em Comblin, onde procurei subsdios para uma nova configurao da profecia. Quatro momentos do estrutura a este trabalho. O primeiro momento define as questes tericas para melhor observar as interrelaes no campo-religioso. O segundo verifica a compreenso da idia de profeta do autor. O terceiro analisa os Santos Padres da Amrica Latina, e, por fim, o quarto momento estuda as novas configuraes da profecia. Inscrevendo-se neste quadro, chegou-se a concluso que as novas situaes estruturais favorecem a uma nova configurao do profeta no imaginrio de Jos Comblin.
Palavras-chave
Campo religioso.
Novos Profetas.
Autonomia.
Pobre.
Novos smbolos.
1 Mestre em Cincias da Religio pela Universidade
Catlica de Pernambuco (2011). Especialista em Filosofia e Existncia (2006), Histria do Brasil (1990) e Administrao Escolar (1998). Possui graduao em Histria pela Universidade Federal de Pernambuco (1977). Atualmente professor do Liceu Alagoano e do Colgio Marista de Macei. Tem experincia na rea de Histria e Filosofia, com nfase em Histria Latino-Americana, Filosofia da Histria, tica da Alteridade e da Libertao. Email: [email protected]
Abstract
This study will to examine the meaning of the word "prophet" in the book "The prophecy in the Church" by Jos Comblin from the categories developed by the french sociologist Pierre Bourdieu. The idea of a prophet in Bourdieu is related to one that produce and distribute goods of salvation and a new kind likely to devalue the old. This understanding appears in prophetic Christianity especially Comblin, which sought subsidies for a new configuration of the prophecy. This study is structured in four parts. The first one defines the theoretical issues to better observe the interrelations in field-religious. The second checks the understanding of the idea of a prophet of the author. The third analyzes the Fathers of Latin America, and, finally, the fourth structure study the new configurations of prophecy. In the end we reached the conclusion that the new structural conditions conducive to a new configuration in the imagination of the prophet Joseph Comblin.
Keywords
Religious field. New Prophets. Autonomy. Poor. New symbols.
Dossi
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1 Consideraes iniciais
A linha central do trabalho situa-se em
Sociologia da Religio com nfase no
funcionamento do campo religioso, categoria
assimilada em Pierre Bourdieu no seu artigo
Gnese e estrutura do campo religioso, onde
deixa claro que para o seu funcionamento, no
basta o conjunto de prticas e esquemas de
pensamento coerentes e bem estruturados.
Neste artigo, Bourdieu (2007, p. 57) leva em
conta, que necessria uma eficcia simblica
para inculcar-se nos membros de uma
determinada sociedade e assim moldar seu
comportamento. Entendemos que no campo
religioso, todo poder simblico impe
significaes, legitimando as relaes de fora,
o que nos permite concluir que a estrutura do
campo religioso conflituosa. Bourdieu nos d
um exemplo: o corpo sacerdotal, sempre ocupa
a posio dominante em uma dada formao
social, no entanto o aparecimento de profetas,
capazes de mobilizar setores significativos do
pblico contra o monoplio desse poder
constitui uma ameaa.
Por outro lado, Otto Maduro (1983, p.
143) comentando Bourdieu, deixa bem claro
em seu livro, Religio e luta de classes, que
em uma sociedade de classes onde vigora o
trabalho religioso especializado, h sempre
condies religiosas objetivas para gerar e
apoiar movimentos de subverses. Mesmo
assim, segundo Maduro, a existncia das
condies sociorreligiosas para a subverso
no suficiente para gerar um movimento
proftico, entendido como uma mobilizao de
foras questionadoras do modo de produo
religiosa dominante. Para que se produza um
movimento proftico, necessrio que surja
um profeta, isto , uma pessoa capaz de
articular em seu discurso e na sua prtica
aquela condio social que torne possvel tal
movimento. O profeta, na compreenso de
Otto Maduro (1983), aquele capaz de fazer
explcito o implcito, capaz de formular nos
discursos e nos atos um conjunto de procuras
religiosas insatisfeitas. Reforando essa idia
Maduro explica:
[...] o profeta aquela pessoa capaz de unir um significante j existente a um significado que carecia de significante, construindo assim um novo signo, que mais que puro signo, smbolo mobilizador das energias individuais e coletivas dos portadores do significado (MADURO, 1983, p. 143).
Partindo dessa compreenso, a nossa
inteno verificar no texto de Jos Comblin2
A profecia na Igreja uma nova imagem do
profeta, descobrindo novas possibilidades e
2 Jos Comblin nasceu em Bruxelas, no dia 22 de maro
de 1923. Foi ordenado sacerdote em 9 de fevereiro de 1947. Veio para o Brasil no ano de 1958, onde, inicialmente, foi professor no seminrio diocesano e na Universidade Catlica de Campinas e assistente diocesano da JOC. Em 1959 lecionou no Studium Theologicum dos diocesanos em So Paulo. De 1962 a 1965 foi professor na Faculdade de Teologia da Universidade Catlica de Santiago. A pedido de D. Helder Cmara estabeleceu-se em Pernambuco. Lecionou no seminrio Regional do Nordeste e no Instituto de Teologia do Recife (1965-1968). No incio dos anos 70 passou a orientar um grupo de seminaristas que buscavam estudos comprometidos com a realidade rural. A convite do CELAM, de 1968 a 1972, foi professor de teologia no IPLA (Instituto Pastoral latino-americano, Quito, Equador). Jos Comblin estava inserido na Igreja de D. Helder, assessorando na elaborao de posicionamentos, documentos e intervenes que marcavam o cenrio nacional. Considerado subversivo e ameaador ao sistema, Comblin foi expulso do Brasil em 24 de maro de 1972. Decidiu retornar ao Chile onde havia atuado. Residiu em Talca de 1972 a 1980. Pouco tempo depois, ocorreu o golpe militar no Chile, apesar do mesmo, fundou o seminrio rural. Em 1980, com a sua expulso do Chile, retornou ao Brasil, em 1986 foi anistiado. Com o grupo da Teologia da Enxada e o apoio de D. Jos M. Pires, de Joo Pessoa, fundou em 1981 no Avarzeado, PB, o Seminrio Rural. A partir de ento passou a dedicar-se a formao de lideranas populares. E desde 1995 passou a residir na Casa de Retiros So Jos, em Bayeux. (A ESPERANA..., 2003).
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criando novos smbolos em tempo de
globalizao.
Os limites da pesquisa foram traados
na formulao da seguinte questo: de que
modo o novo olhar teolgico de Jos Comblin,
os novos registros elaborados a partir desse
novo olhar podem nos ajudar a perceber a
necessidade de um novo registro da profecia
hoje?
O problema em si centra-se na
produo e no consumo dos bens religiosos
relacionados aos interesses dos grupos ou
classes sociais. Para entender essa correlao
torna-se necessrio examinar que tipo de
agente religioso Jos Comblin e qual a sua
relao com os grupos e classes sociais com
seus diferentes interesses. Como deixa claro
Pedro A. Ribeiro de Oliveira em seu estudo: A
teoria do trabalho religioso em Pierre
Bourdieu:
Essas relaes de transao ligam os diferentes agentes especializados a grupos ou classes sociais com diferentes interesses objetivos. Numa sociedade de classe encontram-se a as classes que pedem religio que legitime sua dominao e seu bem-estar material, bem como as classes dominadas, que pede religio a esperana de libertar-se de sua opresso, ou ao menos, uma forma de compensao (OLIVEIRA, 2003, p. 190).
Constatando que o texto de Jos
Comblin est construdo num contexto scio-
histrico de tenso, nossa hiptese consiste em
que h uma nova imagem do profeta em seu
imaginrio. Para expressar essa nova imagem
no contexto atual, Comblin afirma: [...] a
globalizao no tem poder absoluto. Pode ser
desafiada. H situaes localizadas, parciais,
mas altamente simblicas, que podem
transmitir uma mensagem diferente
(COMBLIN, 2008, p. 273). Ainda referente a
necessidade de uma nova imagem do profeta
hoje, ele considera que: os profetas vo
descobrir a possibilidade de realizar gestos ou
criar fatos simblicos que abalaro o sistema.
Sua misso consistir em despertar, fortalecer
e animar os povos silenciados (COMBLIN,
2008, p. 273). Mas segundo o autor, se verifica
que o novo caminho consistir em despertar
multides para que desafiem as foras e se
tornem capazes de novas transformaes. Para
Comblin, Jesus realizou atos significativos, de
alto valor simblico que denunciavam a
mentira de seus adversrios e estimulavam a
esperana do povo.
Quatro momentos do estrutura a este
trabalho. O primeiro definir as questes
terico-metodolgicas para melhor observar as
interrelaes no campo religioso e a nova
configurao da profecia na obra de Jos
Comblin. O segundo momento, implicar na
sua compreenso de profecia. No terceiro,
analisaremos os Santos Padres da Amrica
Latina, no seu texto, A profecia na Igreja. E,
por fim, guisa de concluso, verificaremos as
configuraes da profecia hoje em Jos
Comblin.
Os profetas vo descobrir a
possibilidade de realizar gestos ou
criar fatos simblicos que abalaro
o sistema. Sua misso consistir
em despertar, fortalecer e animar
os povos silenciados, diz Comblin.
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2 Questes terico-metodolgicas
Na teoria boudieusiana do campo
religioso3 compreendemos que os agentes
religiosos mantm o atendimento demanda
dos leigos. No entanto, Bourdieu (2007),
referindo-se ao campo religioso deixa claro
que, medida que se radicaliza a separao
entre os produtores e consumidores de bens
sagrados, os produtores conquistam
autonomia cada vez mais ampla em relao
sociedade, dando-lhe a iluso de que a religio
refere-se apenas ao sobrenatural. Essa
tendncia do campo religioso autonomia
segundo Bourdieu (2007) contrabalanada
pela reao dos grupos e classes sociais
desprivilegiadas que buscam um sentido
alternativo para justificar sua condio
existencial. De acordo com a teoria de
Bourdieu (2007) prprio do campo religioso
se constituir numa tenso interna, onde se
ope agentes especializados auto-produo
dos leigos e outra que ope os agentes
especializados entre si no atendimento s
demandas leigas.
Dando continuidade ao esboo de
nosso quadro terico, para melhor observar as
inter-relaes do campo religioso, e as
configuraes da profecia na obra de Jos
Comblin, vamos deixar claro o que entendemos
por profeta como gerador de inovaes. Diante
desta questo, Otto Maduro (1983), utilizando
as palavras de Pierre Bourdieu, explica que
3 Segundo as palavras de Pierre Bourdieu a constituio
do campo religioso, enquanto resultado da manipulao dos bens de salvao por especialistas, acompanha a desapropriao objetiva daqueles que deles so excludos e que se transformam por essa razo em leigos ( ou profanos, no duplo sentido do termo) destitudos do capital religioso (enquanto trabalho simblico acumulado) e reconhecendo a legitimidade desta desapropriao pelo simples fato de que a desconhecem enquanto tal (BOURDIEU, 2007, p. 39)
toda Igreja encara o perigo do aparecimento de
profetas, que so produtores religiosos
envolvidos em estratgias de conquista pelo
poder. O profeta, explica Maduro, um agente
religioso que, a partir de espaos perifricos,
produz em sua prtica uma nova concepo
religiosa. evidente que a legitimidade de sua
produo no deriva das instituies, mas pelo
carisma que lhe socialmente atribudo. Este
carisma lhe d legitimidade para contestar
uma determinada ordem religiosa4. Otto
Maduro (1983) entende que a inovao
religiosa, no uma mera repetio da
tradio, no pode ser adaptativa, tendente a
preservar a ordem estabelecida no meio de
transformaes externas. Mas ao contrrio,
uma inovao religiosa proftica quando
subverte a ordem religiosa estabelecida e
realiza transformaes no campo religioso.
Segundo Maduro, essas inovaes s podem
ser produzidas em espaos perifricos do poder
eclesistico.
Para finalizar esta questo, devemos
reconhecer que a manuteno do monoplio de
um poder simblico uma consequncia da
destreza da instituio que detm o poder em
convencer os excludos, a legitimidade de sua
excluso. Seguindo a orientao de Bourdieu, a
manuteno do monoplio tambm,
4 Na caracterizao do profeta Bourdieu (2007) estabelece
uma relao entre profeta e feiticeiro que tem como trao comum a oposio que fazem ao corpo sacerdotal, no entanto, distinguem-se pelas posies diferentes que ocupam na diviso do trabalho religioso onde se exprimem seus diversos interesses. Enquanto, para Bourdieu, o profeta afirma sua pretenso ao exerccio do poder religioso, produzindo e professando uma doutrina capaz de conferir um sentido unitrio vida e ao mundo, integrando a vida cotidiana em torno de princpios ticos, o feiticeiro atende, apenas, as demandas parciais e imediatas, utilizando o discurso como se fosse uma tcnica de cura e no como um instrumento de poder simblico (BOURDIEU, 2007, p. 60).
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conseqncia da concentrao do capital
religioso. A Igreja, organizada utiliza uma
linguagem que o povo desconhece e detm o
monoplio dos instrumentos do culto. Logo, o
campo religioso se constitui como campo das
relaes de concorrncia que se estabelece no
interior da prpria Igreja. Mesmo assim no
poderamos explicar o xito de um profeta
enquanto nos limitarmos somente ao mbito
do campo religioso. Bourdieu considera que
assim como o sacerdote estabelece aliana com
a ordem existente, o profeta o homem das
situaes de crise quando a ordem estabelecida
ameaa romper-se. Somente nestas situaes o
discurso proftico tem maiores chance de
surgir, ou ento nos perodos em que as
transformaes econmicas ou morfolgicas
determinam a dissoluo das tradies ou
sistemas simblicos que davam os princpios
da viso do mundo. Neste sentido Bourdieu
enftico
O profeta que tem xito aquele que consegue dizer o que para dizer, em uma dessas situaes que parecem exigir e recusar a linguagem, porque
impem a descoberta da inadequao de todos os crivos de decifrao disponveis. Em registros mais profundos, o prprio exerccio da funo proftica s se torna concebvel em sociedades que, tendo-se livrado da mera reproduo, entraram para histria (BOURDIEU, 2013, p. 76)
Tendo em vista essas definies, para
que possamos compreender melhor a
necessidade de um novo registro proftico no
texto de Jos Comblin, passemos agora a
identificar o que seria os velhos registros, e
porque deve ser superado em favor de um
novo.
3 O conceito de profecia em Jos Comblin
Para conceber as novas configuraes
da profecia em Jos Comblin, de imediato nos
perguntamos, qual o seu conceito de profecia
neste texto?
Para Comblin (2008) o profeta no
somente discurso, mas ao de grande
visibilidade, fala com toda sua vida,
atualizao da palavra de Deus no meio do seu
povo, por isso ela religiosa e poltica. No
entanto, ele deixa claro que esta poltica no
trata de conquista nem tem como objetivo
exerccio de poder. Pelo contrario entende ele
que
[...] o profeta no tem nenhum poder e no pretende conquistar um poder, ou seja, nenhuma capacidade de impor coisa alguma aos seus conterrneos. A profecia poltica porque pblica, dirige sociedade inteira e aos seus governantes e anuncia uma mudana radical da sociedade toda. No substitui a poltica que do prprio governo, mas denuncia as injustias do governo e anuncia uma mudana na sociedade e nos seus governantes (COMBLIN, 2008, p. 12).
Nas palavras de Comblin, o profeta no
pode tornar-se alheio aos conflitos de uma
sociedade de classes, nem aceitar como
realidade inquestionada a ordem social,
Bourdieu considera que assim
como o sacerdote estabelece
aliana com a ordem existente, o
profeta o homem das situaes
de crise quando a ordem
estabelecida ameaa romper-se.
Somente nestas situaes o
discurso proftico tem maiores
chance de surgir.
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econmica, poltica, jurdica ou cultural
dominante. Comblin (2008) ressalta que a
lembrana de alguns momentos importantes
da profecia podem ajudar a descobrir e
reconhecer os profetas no nosso mundo, pois,
para ele o importante entender melhor o que
faz um profeta e o que a profecia. Sendo
assim, quando os profetas da Amrica Latina
falavam em justia para os pobres, referiam-se
aos da Bblia. Acreditavam que estavam
renovando a palavra dos profetas do Antigo
Testamento e das comunidades primitivas.
Tendo definido um sentido para
compreenso do profeta, como gerador de
inovaes no campo religioso, fixando essa
compreenso a partir do conceito de campo
religioso, importa agora verificar as intuies
de Jos Comblin sobre a profecia em tempo de
globalizao. Sigamos alguns momentos de sua
reflexo. Partiremos das suas consideraes
aqui na Amrica Latina, a partir da segunda
metade do sculo XX, j que o espao que
dispomos restrito.
4 Os Santos Padres da Amrica Latina
Ao analisarmos a linguagem de Jos
Comblin enquanto discurso, no podemos
deixar de considerar que sua linguagem no
apenas um sistema de signos utilizado para sua
comunicao, ela resultado de sua interao,
um modo de produo social, um lugar para
manifestao de sua ideologia, no podendo
ser avaliada fora do seu contexto, nem de suas
condies de produo.
Neste sentido, pesquisando a gerao
dos bispos que surgiu na segunda metade do
sculo XX, aqui na Amrica Latina, Jos
Comblin (2008) os define como verdadeiros
profetas, pois tiraram a Igreja da inrcia de
colnia para lan-la a uma vida ativa.
Tornaram-se bispos profetas e fizeram com
que a Igreja encontrasse o caminho do
evangelho. Comenta Comblin (2008) que, a
Igreja latino-americana comea em Medellin,
quando se coloca no ponto de vista da
converso para o mundo a servio,
principalmente dos mais pobres. Conclui
citando Medellin:
A Igreja da Amrica Latina, dadas as condies da pobreza e de subdesenvolvimento do continente, sente a urgncia de traduzir esse esprito de pobreza em gestos, atitudes e normas que a tornem um sinal mais lcido e autntico do Senhor. A pobreza de tantos irmos clama por justia, solidariedade, testemunho, compromisso, esforo e superao para o cumprimento pleno da misso salvfica confiada por Cristo (COMBLIN, 2008, p. 205).
Fica claro para Comblin que a
produo do discurso em Medellin e nos
padres que ele vai analisar, vo constituir
exemplos de palavra proftica. Em seu olhar,
eles no traduzem nem consolidam em seus
discursos e prticas, estratgias hegemnicas
inerentes ao bloco dominante da sociedade
latinoamericana. Suas produes no esto
orientadas a se converter, caso seja inculcadas
no pblico do sistema religioso, em
fundamentos de consenso que os dominantes
exigem para garantir sua dominao. Dado ao
espao exguo que dispomos, vamos nos deter
apenas em dois: D. Oscar Romero e D. Helder
Cmara.
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4.1 Oscar Romero5
Quando em 1970 D. Oscar Romero foi
nomeado bispo auxiliar de San Salvador, para
muitos, essa nomeao seria um retorno ao
perodo anterior ao Conclio. Nada indicava
que exerceria um papel proftico.
Em 1972, os jesutas deixaram a
direo do seminrio. Comblin (2008)
informa-nos que nessa poca comeou a
distanciar-se dos jesutas e aproximar-se da
Opus Dei. Em 1973, Romero publicou um
artigo contra as mudanas efetuadas no colgio
dos jesutas com a aplicao do Vaticano II e de
Medellin. Tornou-se porta voz das queixas das
famlias importantes, que no toleravam
quando, no colgio, se falava de problemas
sociais. Em 1974, Romero tornou-se bispo de
Santiago de Maria e permaneceu l por dois
anos. Durante esse perodo, ocorreram na sua
diocese, vrios atentados a camponeses, o que
o tornou inquieto. Escreveu ao presidente da
Repblica, mas no tornou pblica a carta.
Em 1975, segundo o relato de Comblin,
foi nomeado um dos trs consultores
latinoamericanos da Comisso Pontifcia para
Amrica Latina. Pela Cria romana, ele era
visto como o melhor representante do
episcopado latinoamericano. Em Roma,
assistiu a conferncia de Alfonso Lpez Trujillo
5 Oscar Arnulfo Romero y Galdamez nasceu em ciudad
Barrios, povoado situado no departamento de San Miguel, perto da fronteira com Honduras, numa regio montanhosa. O seu pai era empregado do correio e do telegrafo do povoado, mas trabalhava tambm na roa. A infncia de Oscar foi comum. Estudou na escola do povoado. Aos 12 anos, o pai o mandou trabalhar na oficina do carpinteiro local e ali aprendeu a profisso. No entanto, em 1931, aos 14 anos, pode entrar no seminrio menor de San Miguel. De l para c, em 1937, passou para o seminrio maior de San Salvador, dirigido pelos jesutas. Depois de sete meses, o bispo mandou-o estudar em Roma, na Gregoriana. Permaneceu em Roma at 1943. Tinha todas as caractersticas de um seminarista exemplar: tranqilo, reservado, observante dos regulamentos, um pouco tmido, piedoso, bom amigo (COMBLIM, 2008, p. 208).
sobre os efeitos desastrosos da politizao e do
marxismo na Igreja latino-americana. Ficou
impressionado com o que ouviu. Na volta,
escreveu um memorando, apontando os
perigos que corria a Igreja salvadorenha.
Segundo Oscar Romero, o primeiro
perigo eram os jesutas da UCA, do colgio e da
parquia de Aguilares, onde estava o padre
Rutlio Grande e tambm a nova cristologia da
UCA. Comblin informa-nos que Romero no
citava Jon Sobrino, mas era fcil perceber que
era ele quem estava sendo denunciado.
Romero no previa, comenta Jos Comblin,
que depois de sua morte Jon Sobrino seria o
telogo que mais exaltaria seu pensamento e
sua ao. Nas palavras de Jos Comblin
(2008), o segundo fator de perigo era o
Secretariado Social e a Comisso Justia e Paz.
E o terceiro eram os grupos de sacerdotes,
religiosos e leigos comprometidos, aos olhos do
governo era o centro de subverso, ali usavam
anlises marxistas. Em 1976, durante a festa
nacional fazendo a homilia na presena de
todas as autoridades Romero atacou
duramente a teologia da libertao e as novas
cristologias, ou seja, a cristologia de Jon
Sobrino.
Nesta fase de sua vida, como podemos
constatar, clara a contribuio de Oscar
Romero hegemonia dos grupos dominantes.
A sua produo religiosa apresentava
tendncia hegemonia do bloco dominante,
submetendo-se a sua autorreproduo. Em sua
prtica h uma busca de consenso social com a
dominao, difundia e inculcava produtos
religiosos adequados aos interesses das classes
dominantes. Essas constataes servem para
concretizar o alcance de nossas proposies
tericas. Seu modo de produo religiosa
desempenhava funes conservadoras.
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Porm, no dia 21 de fevereiro, depois
da eleio presidencial em El Salvador, que
havia sido fraudulenta, suscitou a reao
violenta por parte da populao. Comblin
(2008) relata-nos que a tomada de posse do
novo arcebispo fora cancelada e as foras
armadas aumentaram a violncia. Em 5 de
maro houve a primeira reunio dos bispos
aps as eleies presidenciais, onde
elaboraram uma carta de protesto contra o
governo pelas matanas de camponeses, pelas
agresses de sacerdotes estrangeiros. Os bispos
denunciavam a falta de justia social. Depois
de hesitar, Oscar Romero leu a carta na
catedral, acompanhando o que fez todo o clero.
Romero convocou o clero para o dia 10
de maro quando o consultaria sobre o que
fazer naquelas circunstncias. Rutlio Grande
estava presente. Depois da reunio, Rutlio
voltou para casa. No meio do canavial, na
metade do caminho seu carro foi atingido por
balas. Rutlio Grande e com ele um ancio e
um jovem que o
acompanhavam morreram.
Assim comeou a
nova vida de D. Oscar
Romero. No relato de
Comblin, neste momento
que D. Oscar percebe a
realidade, descobriu a
represso do governo que
matava milhares de pobres
que defendiam o que orientava a doutrina
social da Igreja. Os latifundirios mentiam
quando legitimavam as matanas que faziam.
, neste momento de crise, em El Salvador,
que D. Oscar Romero, tornar-se um intelectual
comprometido com os setores subalternos. Um
funcionrio (religioso) solicitado pelas massas,
para exprimir e dar respostas s aspiraes dos
grupos subalternos. D. Oscar passa agora a
representar um papel-chave nessas lutas.
Quando se enfraquecem os laos com os
setores dominantes e a crise se amplia, para
Otto Maduro,
Essa potencial funo revolucionria de certos grupos de clrigos tanto mais provvel quanto, por um lado, os setores subalternos ligados a tais clrigos efetuarem solicitaes religiosas de acentuado contedo autnomo, anti-hegemnico, e, por outro lado, houver na mesma Igreja o desenvolvimento de inovaes teolgicas favorveis autonomia das classes subalternas. Nesse sentido, deve-se observar que as transformaes teolgicas alcanam um impacto sobre a cosmoviso dos setores subalternos, sobretudo atravs da liturgia e da pregao, ou seja, atravs daqueles canais mediante os quais a profuso religiosa se faz presente s funes sociais intelectualmente dominadas do pblico leigo (MADURO, 1983, p. 184).
Sendo assim, na sua produo de novo
discurso religioso, D. Oscar convida
explicitamente o povo a no aceitar a ordem
social, econmica, poltico,
jurdica ou cultural
hegemnica. Ele havia
aberto os olhos para a
realidade e descobriu que
as declaraes do governo
eram mentirosas.
Depois dos
funerais realizados na
catedral, no dia 14 de
maro, houve uma reunio da Conferncia
episcopal e outra do clero na qual foi decidido,
como protesto, que no domingo seguinte
haveria somente uma missa e que seria na
catedral. Tudo foi decidido com a imensa
maioria do clero e dos pobres unidos com seu
arcebispo.
Para Comblin, o que fez Romero
um profeta foi sua coragem. No
quis cumplicidade com as mortes
dos camponeses. Sentiu o dever de
denunciar tudo o que acontecia e
que os meios de comunicao
negavam.
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Assim, segundo nos conta Jos
Comblin, comearam os trs anos de conflito
com o governo militar e todos os poderes
unidos em torno dos latifundirios. Diz-nos
Comblin que o arcebispo era caluniado,
insultado e ameaado por todos os lados. O
Nncio foi um adversrio totalmente
identificado com as posies do governo. Em
Roma, os cardeais Baggio e Villot queriam que
Romero cedesse ante os poderes e guardasse
silncio em relao ao que acontecia com o
povo campons.
Para Comblin, o que fez Romero um
profeta foi sua coragem. No quis
cumplicidade com as mortes dos camponeses.
Sentiu o dever de denunciar tudo o que
acontecia e que os meios de comunicao
negavam. E assim conclui Comblin:
Oscar sempre recebeu o apoio firme de quase todo o clero da diocese e dos pobres. Houve muitas manifestaes de apoio. Passou a se sentir porta-voz do povo de Deus e profundamente unido ao seu povo perseguido. Era o pastor que d a vida pelas ovelhas (COMBLIN, 2008, p. 214).
Devemos salientar que estas
observaes de Jos Comblin inscrevem-se no
terreno em que intervm as questes tericas
relativas ao campo religioso. A ruptura
religiosa de Oscar Romero em adeso a
estratgia revolucionria das classes
subalternas muda a sua viso religiosa do
mundo que passa ser oposta hegemnica.
Esses novos traos de sua nova viso religiosa
do mundo passa a contribuir para a autonomia
religiosa dos camponeses, o que implicou uma
ruptura com as tradies religiosas das classes
dominantes.
3.2 Helder Cmara6
No relato de Jos Comblin (2008), D.
Helder Cmara, em janeiro de 1936, assumiu
uma funo na administrao federal no Rio de
Janeiro. Na poca, foi recebido pelo Cardeal
Leme. Naquele tempo, na percepo de
Comblin, as circunstncias no eram
favorveis ao profetismo. Dom Leme exercia
uma poltica de aproximao do Estado, a fim
de conseguir mais poderes e mais presena
pblica para a Igreja. Criavam-se mecanismos
que propiciassem o desenvolvimento das
tendncias religiosas mais favorveis,
oferecendo privilgios s categorias do clero
mais prximas a seus interesses e dificultavam
o crescimento de movimentos religiosos oposto
a sua dominao.
Responsvel pela Ao Catlica e pela
Educao Catlica se tornou um articulador
entre as dioceses do Brasil, quando D. Helder
sentiu a necessidade de organizar uma pastoral
comum. Em 1952 conseguiu a fundao da
CNBB, da qual foi nomeado primeiro
secretrio-geral. Situado no centro das
atividades da hierarquia, nomeado bispo
auxiliar de Rio de Janeiro, D. Helder organizou
a conferncia episcopal.
Na vida de D. Helder houve vrias
converses que o fizeram mudar vrias vezes
de rumo. A mais importante foi o encontro
com o cardeal Gerlier, de Lyon
6 D. Helder era cearense. Nasceu em Fortaleza, no dia 7 de
fevereiro de 1909, dcimo primeiro filho de Joo que era empregado na principal casa comercial da cidade e Adelaide que era professora. Desde cedo, Helder manifestava dons muito especiais de uma brilhante personalidade. Entrou no seminrio em 1923. Foi ordenado padre em 15 de agosto de 1931, com 22 anos e meio de idade j manifestando dons extraordinrios para comunicao. E 1935, aos 26 anos, foi nomeado secretrio de educao do Estado do Cear. Naquele tempo a influncia da Igreja era grande no Cear (COMBLIN, 2008, p. 224).
~ 16 ~ Jorge Roberto de A. Aguiar Jos Comblin e os sinais de Deus na profecia
Paralellus, Recife, v. 4, n. 7, p. 7-19, jan./jun. 2013
[...] que o levou para ver a realidade das favelas do Rio e o desafiou: por que no orientar os seus talentos de organizador para buscar uma soluo a essa vergonha? Como admitir que esta cidade possa tolerar esse escndalo? Imediatamente respondeu ao cardeal francs que, a partir daquele momento, a sua vida passaria a mudar e passou a dedicar-se a promover obras de ajuda aos favelados (COMBLIN, 2008, p. 225).
Desse momento em diante, D. Helder
passou a sentir que deveria ser o porta-voz dos
excludos da sociedade, o que no agradou a D.
Jaime de Barros Cmara, arcebispo do Rio que,
em 1964, pediu ao nncio seu afastamento. O
que confirma a funo conservadora
desempenhada pelo clero, mediante a
inculcao de produtos religiosos adequados
aos interesses das classes dominantes, fica bem
fundamentado. De agora em diante, D. Helder
no trabalha mais nesse sentido de impedir a
autonomizao das classes subalternas, no era
mais favorvel a tarefa de impor um novo
consenso religioso hegemonia das classes
dominantes.
Conta-nos Jos Comblin que, J em
Recife, dias aps o golpe militar, onde
Pernambuco era considerado pelos militares
um centro de subverso, com a presena de
Miguel Arraes, Francisco Julio e Paulo Freire,
D. Helder percebeu que teria que ter os seus
cuidados. No pretendia tomar a iniciativa de
romper com o novo sistema que havia recebido
os aplausos da direo da CNBB. Mas, relata
Jos Comblin:
[...] Pouco a pouco, ele descobriu que tinha uma tarefa de profeta que o obrigava a denunciar as arbitrariedades, as torturas, as prises e as matanas cometidas pelo regime. No quis essa funo, mas foi obrigado a aceit-la. Assim aconteceu com vrios profetas de Israel, dentre os quais Isaas e Jeremias. D. Helder foi profeta contra a prpria vontade, por obedincia a uma intimao de
Deus. Deu-se a sua segunda grande converso. Por temperamento, no gostava do conflito e era negociador. No restava seno aceitar essa misso proftica (COMBLIN, 2008, p. 226).
O cristianismo de D. Helder de agora
em diante no realizar mais funes
conservadoras mediante a unificao simblica
e a ocultao dos conflitos sociais. Juntamente
com Maduro (1983), compreendemos que as
religies no desempenham apenas funes
conservadoras com respeito s relaes sociais
conflitivas de dominao. Os Santos Padres
desempenharam, segundo o relato de Jos
Comblin, um papel nas lutas dos dominados
contra a dominao interna e externa.
D. Helder durante 20 anos defendeu os
oprimidos, assistido por um grupo de bispos
que havia participado do Pacto das
Catacumbas. Segundo Jos Comblin, o pice de
sua ao proftica
Foi o discurso pronunciado em Paris, em 1970, para denunciar as torturas que havia no Brasil. Essa denuncia lhe valeu uma perseguio sistemtica que duraria at o fim regime militar. Uma imensa campanha de difamao foi organizada e penetrou na administrao da Cria romana. D. Helder no recebeu o premio Nobel da Paz por interveno direta do governo brasileiro, e no foi feito cardeal. Foi o profeta rejeitado pelas as altas autoridades, mas identificado com as esperanas do povo (COMBLIN, 2008, p. 227)
Este o momento em que D. Helder
passa a efetuar a reconstruo simblica da
experincia coletiva das massas, e dos
dominados, sobretudo, quando a unificao
religiosa dos dominantes e dominados no
parece mais possvel. quando, nas palavras
de Comblin, D. Helder comea
a sentir de perto o custo da rejeio da classe dominante e ao mesmo tempo a confiana e o carinho e a fidelidade das comunidades pobres da cidade. Foi no Recife que nasceu o
Jorge Roberto de A. Aguiar Jos Comblin e os sinais de Deus na profecia ~ 17 ~
Paralellus, Recife, v. 4, n. 7, p. 7-19, jan./jun. 2013
movimento de comunidades eclesiais de base com o nome de Encontro de irmos Ali era o lugar de preferncia de D. Helder. O profeta descobriu o seu lugar histrico: no meio dos pobres, dos perseguidos, dos suspeitos vigiados pelos rgos de segurana (COMBLIN, 2008, p. 227).
Acabamos de fazer algumas
consideraes sobre dois profetas latino
americanos na segunda metade do sculo XX
aqui na Amrica Latina. Infelizmente o nosso
espao, no permite ver como a profecia
evoluiu no decorrer das transformaes da
sociedade, no entanto, visvel que ela evoluiu
de acordo com o tempo e a cultura de cada
grupo humano. Porm, como explica Comblin
(2008), h nessa evoluo elementos comuns
que permanecem e se renovam a cada
momento. Na sua elaborao textual o profeta
acolhe a palavra de Deus, mediante a presena
do pobre. No aparecimento de um profeta,
Comblin considera que Deus se comunica
Mostrando ao profeta o pobre seja na sua misria, na sua humilhao pelos poderosos, ou no seu grito de desespero. Claro que Deus no fala todas as vezes que encontramos um pobre. Isso porque, quando encontramos um pobre, reagimos por meio de um mecanismo de defesa. Deus escolhe algumas pessoas, que ento so preparadas para assumir esse papel de expressar a sua palavra (COMBLIN, 2008, p. 246).
Para complementar sua ideia, Comblin
reconhece que h pessoas, que perceber a
imagem de Deus no encontro com o pobre, fica
iluminada. Entretanto, muitas outras esto
totalmente fechadas para tal experincia,
nunca tero uma motivao proftica. E,
citando o novo testamento, afirma que Deus
est presente nos pobres aos quais se d po ou
gua. Segundo Comblin (2008), Jos Igncio
Gonzales Faus, um dos estudiosos mais
profcuos do pobre como sacramento de Deus,
afirma que, Ele est presente no pobre, ainda
que o olhar distrado que temos quase sempre
no nos mostre a sua presena.
No entanto, diante do mistrio da
pobreza, a Igreja fica indiferente, da a
denuncia do profeta. A Igreja segundo Comblin
(2008) se torna prisioneira e se envolve com a
funo que lhe atribui a sociedade, fornece
sociedade estabelecida a justificao que ela
deseja e ento busca apoio dos poderosos, em
parte, para aproveitar e tambm pela seduo
que exerce todo o poder.
5 guisa de concluso os profetas de hoje
Toda religio uma realidade situada
num contexto humano especfico. Ela ser
sempre a religio de seres humanos concretos,
pois se assim no fosse seria inexistente, seria
pura fantasia da imaginao. Porm, os seres
humanos no s compartilham ritos, mas
Segundo Comblin e, o pice da
ao proftica de D. Helder foi o
discurso pronunciado em Paris, em
1970, para denunciar as torturas
que havia no Brasil, [...] lhe valeu
uma perseguio sistemtica que
duraria at o fim do regime militar.
Uma imensa campanha de
difamao foi organizada e
penetrou na administrao da
Cria romana. D. Helder no
recebeu o premio Nobel da Paz por
interveno direta do governo
brasileiro, e no foi feito cardeal.
Foi o profeta rejeitado pelas as
altas autoridades, mas identificado
com as esperanas do povo.
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Paralellus, Recife, v. 4, n. 7, p. 7-19, jan./jun. 2013
tambm uma maneira de produzir alimentos,
de fabricar abrigos, de comunicar-se e de
organizar-se como tambm uma maneira de
conceber a realidade. Sendo assim,
entendemos que a religio uma parte da vida
coletiva e est estritamente ligada com o resto
da vida social, em todas as outras dimenses.
Inscrevendo-se neste quadro que
articula a religio com o social, voltamos a
nossa pergunta inicial: de que modo o olhar
teolgico de Jos Comblin pode nos ajudar a
perceber a necessidade de um novo registro da
profecia hoje?
Compreendemos que as novas
situaes dos pobres de hoje conseqncia
das mudanas estruturais de nosso tempo.
Referindo-se ao surgimento da globalizao,
Milton Santos (2008) em seu livro: Por uma
outra globalizao, identifica nos ltimos anos
do sculo XX grandes mudanas. Segundo
Santos o mundo tornou-se unificado, como
resultado das novas tcnicas, bases slidas
para a ao humana mundializada. Porm,
impe-se uma grande parte da humanidade
uma globalizao perversa. Santos considera
que a globalizao trouxe
[...] em primeiro lugar, a emergncia de uma dupla tirania, a do dinheiro e da informao, inteiramente relacionadas. Ambas juntas fornecem as bases do sistema ideolgico que legitima as aes mais caractersticas da poca e, ao mesmo tempo, buscam conformar segundo um novo ethos as relaes sociais e interpessoais, influenciando o carter das pessoas. A competitividade, sugerida pela
produo e pelo consumo, a fonte de novos totalitarismos, mais facilmente aceitos graas confuso dos espritos que se instala. Tem as mesmas origens a produo, na base mesma da vida social, de uma violncia estrutural, facilmente visvel nas formas de agir dos Estados, das empresas e dos indivduos. A perversidade sistmica um dos seus corolrios (SANTOS, 2008, p. 37)
De acordo com essa teoria, Santos explica como se impe grande parte da humanidade essa globalizao perversa.
Dentro desse quadro, as pessoas sentem-se desamparadas, o que tambm constitui uma incitao a que adotem, em seus comportamentos ordinrios, prticas que alguns decnios atrs eram moralmente condenadas. H um verdadeiro retrocesso quanto noo de bem pblico e de solidariedade, do qual emblemtico o encolhimento das funes sociais e polticas do Estado com a ampliao da pobreza e os crescentes agravos soberania, enquanto se amplia o papel poltico das empresas na regulao da vida social (SANTOS, 2008, p. 38).
Essa chave de compreenso da
globalizao de considervel relevncia para
nossa discusso sobre as novas configuraes
do profeta em tempo de globalizao. Com o
progresso das tecnologias, surgiu um novo
ethos que demanda muitos objetos. Neste
contexto o cidado tornou-se um consumidor e
dedica-se a consumir para que o sistema possa
crescer. Fica fora quem no pode contribuir
com o mercado. Dentro deste contexto Jos
Comblin questiona: o que significa o evangelho
para esses consumidores? Os que optaram
para o consumo mnimo como ficam?
Jorge Roberto de A. Aguiar Jos Comblin e os sinais de Deus na profecia ~ 19 ~
Paralellus, Recife, v. 4, n. 7, p. 7-19, jan./jun. 2013
Infelizmente o clero passa a ser visto
como uma classe integrada. Esta integrao
no estaria criando uma certa dependncia?
Como pode evangelizar o povo dos excludos?
Para Comblin (2008) somente os profetas
tero de descobrir possibilidades de criar
novos smbolos, que abalem o sistema e, estes,
vo se levantar do meio dos pobres e,
assumiro o risco de se opor s foras
dominantes.
Referncias
A ESPERANA dos pobres vive!: lembrando os 80 anos do Pe. Jos Comblin. So Paulo: Paulus, 2003. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simblicas. Trad. Srgio Miceli. 6 ed. So Paulo: Perspectiva, 2007. COMBLIN, Jos. A profecia na Igreja. So Paulo: Paulus, 2008. MADURO, Otto. Religio e luta de classes. Petrpolis: Vozes, 1983.
OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro de. A teoria do trabalho religioso em Pierre Bourdieu. In: TEIXEIRA, Faustino (Org.). Sociologia da religio: enfoques tericos. Petrpolis: Vozes, 2003. SANTOS, Milton. Por uma globalizao: do pensamento nico conscincia universal. 16 ed. Rio de Janeiro: Record, 2008. TEIXEIRA, Faustino (Org.). Sociologia da religio: enfoques tericos. Petrpolis: Vozes, 2003.
Artigo recebido em 13/05/2013. Aprovado em 31/05/2013.
Deus est presente nos pobres... No entanto, diante do mistrio da pobreza a Igreja
fica indiferente, tornando-se prisioneira, envolvendo-se com a funo que lhe
atribui a sociedade. Com as transformaes surgidas a partir de uma globalizao
excludente, em que o cidado tornou-se consumidor, fica fora quem no pode
contribuir com o mercado. Deste modo, somente os profetas tero de descobrir
possibilidades de criar novos smbolos, que abalem o sistema e, estes, vo se
levantar do meio dos pobres e, assumiro o risco de se opor s foras dominantes.