Katia C. Dias
Prazer A outra face do amor
São Paulo
Primeira Edição
2015
Editora Perse
www.perse.com.br
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Grafia atualizada de acordo com
o Acordo ortográfico da Língua
Portuguesa de 1990, que entrou
em vigor em 2009.
Título original: Prazer - A outra face do amor
Autora: Katia C. Dias
Arte da Capa: Priscila Oliveira
Idioma Original Português (BRA)
São Paulo
2015
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Capitulo: Não me deixe
Eu sabia que estava passando do limite da humilhação, mas
não podia evitar! Estávamos casados há seis anos e ele estava
me deixando por uma mulher que ele sempre criticou.
Carlos e Aline nunca se deram bem. Aline era minha melhor
amiga desde sempre e Carlos era minha vida! Sim, ele era
minha vida e não o amor dela. Patético, mas tão verdade que
eu me encontrava implorando seu amor e sendo bruscamente
rejeitada.
Carlos sempre criticou o jeito exagerado e extravagante de
Aline ser, e eu passei anos me dividindo entre o marido e a
amiga para agora... Perder o marido e a amiga! Perder o
marido para amiga!
- Carlos, vamos conversar... – eu suplicava ridiculamente aos
prantos puxando a mala que ele carregava.
- Melissa não seja mais ridícula! Não temos nada para
conversar. Eu amo a Aline e não você, não há mais motivo
para essa relação continuar. Você sempre foi pouco para mim
e agora estou ciente disso. – Suas palavras cortaram meu
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coração como mil facas. Soltei a mala instintivamente como
se ela queimasse minhas mãos. Eu não tinha mais forças ou
motivos para me manter segurando.
Assim que soltei a mala ele partiu, sem ao menos hesitar ou
olhar para trás, ele apenas se foi. Arrastei-me pelo chão da
sala até o quarto. Senti como se fosse me arrastar pelo resto da
minha vida. Para que caminhar? Meu motivo de respirar
acabara de dizer que nunca me amou, porque respirar? Por
quê? Não consegui chegar até a cama e me encolhi ao lado do
criado mudo como um animal acuado, não.... Acuado não.
Como um animal abandonado, eu estava abandonada.
O quarto vazio cheio de palavras não ditas me fazia querer
gritar. As portas abertas do armário ainda davam a lembrança
sombria dele esvaziando suas gavetas e levando tudo embora,
levando minha vida embora. Minha alma e meu coração
vazios e largados assim como esse armário. Deitei no chão
frio e enrosquei-me em forma de bola tentando manter o ar
dentro de mim, mas não adiantava.
Eu não sei se a dificuldade maior de aceitar tudo isso foi o
fato de Carlos ser minha vida ou o fato de Aline ser
praticamente minha irmã. Eu fui traída duplamente e deixada
duplamente! Eu queria que o bolo de ódio se formasse em
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minha garganta e eu pudesse gritar de raiva, espraguejar suas
vidas e odiá-los; mas tudo o que eu sentia era um imenso
vazio e uma sensação de perda. Deitada no chão frio não fiz
nada além de chorar.
A única coisa que me apavorava mais que a imensa tristeza
que me tomava era a certeza de que de hoje em diante eu
sempre estaria só. Sozinha para sempre no mundo, sozinha
para sempre.... Meu pai e minha mãe haviam falecido há
alguns anos atrás. Aline era o mais próximo que eu tinha de
família e agora eu não teria nada!
A casa foi ficando mais sombria e escura. O quarto adquiriu
um ar macabro conforme ia escurecendo, as portas do armário
aberto pareciam ganhar forma e vida, todas as sombras
dançavam e riam da minha desgraça. Eu continuei sem me
mover.
As horas passavam e eu sabia que eram horas porque a
escuridão tinha aumentado e agora diminuía gradativamente.
Tudo se passava ao meu redor como um filme borrado. Eu
continuei sem me mover.
A luz do sol invadiu as janelas e eu quis levantar para fechá-
las, mas não tive forças. Nunca mais iria querer ver qualquer
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vestígio de luz. Luz não fazia mais parte da minha vida, nada
tão quebrado como eu merecia luz.
O telefone tocou inúmeras vezes e eu não atendi. Finalmente a
pessoa na linha cansou de me esperar atender e falou após o
sinal da secretária eletrônica ciente de que eu iria ouvi-la.
- Mel é a Nora. Eu sei que você está aí! Poderia atender a
merda deste telefone? Mel o Carlos foi embora! Pare de se
matar por dentro! – Ela aguardou alguns segundos antes de
continuar – Caralho! Mel atende! Estou indo aí e é bom que
na porta você me atenda! – Nora parecia super nervosa e
preocupada. Eu queria me importar, mas não consegui.
Eu imaginaria qualquer telefonema menos o dela. Nós éramos
sócias há um ano, mas nunca fomos muito amigas fora do
ambiente profissional. Todos achavam Eleonora imponente e
decidida enquanto eu era apenas uma investidora de sorriso
frágil. Eu deveria ter desconfiado de algo quando Carlos me
deu dinheiro para investir no meu próprio escritório, ele nunca
quis que eu advogasse e do nada quis que eu tivesse mais
tempo para mim e para minha profissão, na verdade ele queria
era mais tempo sem mim. Ele queria mais tempo para se livrar
de mim.
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Nora não era minha amiga, mas nos conhecemos desde a
faculdade e ela precisava de uma sócia para finalmente ser
independente. Eu não queria riscos de conhecer gente nova e
mesmo odiando o Carlos, ela prontamente aceitou meu
dinheiro e minha sociedade. Ela sempre me alertava sobre
Carlos, sempre dizia que eu precisava me amar mais.... Será
que ela de fora percebia algo que eu não? Mas é claro que
sim. Na minha vida tudo girava em torno de Carlos então eu
não sei quem ou que se passava se não fosse para ele ou na
presença dele. Eu não notava nada que não fosse ele, mas ele
parecia não ser o mesmo para mim.
As lembranças aumentaram o vazio no peito causado pela
abstinência de Carlos, tudo em meu corpo doeu e latejou
como uma fratura exposta. Minha cabeça girou com a imagem
de Aline e Carlos se beijando. Sim eu vi os dois se beijando
na sala da minha casa há uma semana.... Foi quando tudo
começou! Essa imagem piscava diante de meus olhos desde
então, mesmo quando eu os fechava ela estava lá!
Eu senti um bolo se fechar em minha garganta e eu pensei que
era sensação de vomito ou de qualquer coisa que fosse
sintoma de que a morte iria me levar, mas não. O
formigamento correu meu corpo e estalou na minha cabeça
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sendo solto em um soluço mais alto. Eu não havia notado que
desde ontem não havia parado de chorar! Eu chorava sem
sentir. Meu corpo estava cansado e desidratado de lágrimas,
mas eu ainda não tinha chorado nem um terço do que eu
queria chorar.
As lágrimas rolavam agora em conjunto com soluços altos
que não queriam mais parar. Eu queria tomar fôlego para
gritar, mas não tinha de onde tirar forças e o máximo que eu
consegui foi um sussurro leve e sofrido de: Não me deixe!
Mas era tarde.Carlos já havia me deixado e não deixou
indícios de que voltaria atrás.
Tudo acabava aqui... Minha vida acabava aqui.
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Capitulo: O estagiário
Hoje completava oito meses da partida de Carlos. Nora fez
questão de arrancar todo centavo que pode com o acordo de
divórcio, mas ele nem se importou. Além de tudo, Carlos teve
o desplante de no dia da assinatura do divórcio aparecer com
Aline e dizer que não importava o dinheiro que fosse gasto
desde que se visse livre dessa perturbação. Até agora me
pergunto em ponto da vida passei a ser uma perturbação para
ele.
Nora insistiu terrivelmente para eu me mudar, mas não quis
deixar o apartamento que por muitos anos foi meu ninho de
felicidade. Enquanto minha vida pessoal era terrível a
profissional ia bem e o escritório cresceu bastante devido a
minha total dedicação ao trabalho. Isso nos fez expandir e
precisar de funcionários contratamos três estagiários que
estavam no último ano de Direito, Leonardo, Pablo e Daniel.
Esse Daniel era o único que eu não conhecia pessoalmente, a
Nora monopolizava seus serviços e o chamava de braço
direito. Eu pensei em dizê-la que isso preteria minha posição
no escritório, mas como sempre nada disse. A minha vida
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inteira guardei minhas insatisfações para mim e não pretendia
mudar.
Os outros dois eu conhecia bem, estavam sempre por ali. O
Leonardo e a Nora ficaram íntimos rápido e ele sempre dizia
que ela só tinha essa carapuça de má no tribunal. Eu
honestamente nem quis perguntar de onde ele tirava essa
porque sendo o Leo da maneira que é ia me responder, e o
pior me dar detalhes! O Pablo era uma graça e nós ficamos
amigos logo de cara. Ele sempre me falava que o Carlos era
um babaca por ter me deixado e como eu era maravilhosa e
tinha perdido muito tempo da minha vida com alguém que
não valia à pena. Isso não era bem o que eu queria escutar,
mas era alguma coisa e ajudava.
Mais um dia se passou e eu, como sempre, fui à última a
deixar o escritório. Eram quase onze da noite, se não fosse
mais, e eu ainda estava saindo daqui. Às vezes o Pablo tentava
me acompanhar, mas sempre dormia em cima da papelada e
eu o mandava embora. Hoje ele, Nora e Leo foram para uma
“noite relax” e eu como sempre não quis acompanhá-los.
Noite relax não é para Melissa Borges.
O estacionamento sempre estava vazio há essa hora e era
quase sombrio, mas eu já havia me habituado. Eu sempre
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levava as pastas mais importantes comigo para ter o que fazer
em casa, não gostava de ficar em casa sozinha com minha
imensa solidão. O ambiente silencioso e assustador do
estacionamento nunca me incomodou, mas hoje tinha algo
diferente. Não havia ninguém a vista, mas em meio ao
silêncio eu ouvia passos me seguindo. Tentei me apressar para
o meu carro e isso pareceu aproximar mais ainda os passos de
mim. Estava sendo perseguida? Mas por quem? E por quê?
Estava tão concentrada em quem me seguia que me esqueci
de olhar para frente e acabei batendo de cara em alguma coisa
e derrubando todas as pastas no chão. Eu jurava ter batido
numa pilastra, mas não me lembrava de pilastra no meio do
estacionamento. E pilastras não andavam em minha direção e
pegavam as pastas do chão para me devolvê-las com um
sorriso charmoso e encantador.
- Deveria olhar para frente quando anda. – o moreno alto, que
parecia mesmo uma pilastra, falou comigo.
- Obrigado. – disse a ele enquanto pegava minhas pastas de
sua mão.
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Ele me olhou analisando meu corpo de cima a baixo como se
me estudasse e depois de alguns segundos me encarando
sorriu abertamente. Eu, idiota como sempre, desviei o olhar.
- Daniel Fernandes. – ele estendeu a mão para mim.
Nossa! Então essa era Daniel Fernandes!Eu nunca o via no
escritório, Nora o considerava a melhor coisa na vida dela
depois de brigadeiro de colher. Ela dizia que ele era um
profissional feroz e exalava confiança por todos os poros.
Além da Nora, o Pablo também vivia a falar dele, mas não por
seus atributos profissionais. Pablo o descrevia como uma
beleza indomável e um sorriso perigosamente e sexualmente
selvagem. Agora frente a frente com o tão falado homem pela
primeira vez, eu honestamente acho que nem a Nora e nem o
Pablo fizeram a descrição correta dele, ele é muito mais do
que qualquer um dos dois já tenha dito.
- Melissa Borges. – disse enquanto segurava sua mão.
- Borges? De Borges e Sandro? - ele perguntou rindo.
- Sim. Por quê? – perguntei devido a suas risadas.
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- Pensei que só os subalternos trabalhassem. Nunca a vi no
fórum e você está com todos esses casos. – ele apontou para
minha mão enquanto falava.
Eu não ia dizer que os casos não eram meus e sim do Pablo. E
muito menos que eu não gostava de fóruns ou tribunais, que
estava com esses casos para separar a documentação e fazer o
trabalho que qualquer auxiliar de escritório poderia fazer. Eu
não contaria a um estranho que eu era covarde e que toda
minha vida profissional que ia muito bem, era baseada nos
sucessos da Nora nos processos e não nos meus.
- Se sente bem? – ele perguntou depois do meu longo silêncio.
- Sim. Eu estou cansada. – respondi com um breve sorriso.
- Deixe-me te ajudar. – ele pegou as pastas da minha mão me
deixando apenas com a minha bolsa. – Seu carro está para lá?
– ele perguntou apontando para direção de onde ele veio.
Fiz que sim a cabeça e seguimos em silêncio até o carro. Eu
sempre fui tímida e tinha algo nele que de alguma forma me
intimidava ainda mais. Chegamos ao carro e ele esperou que
eu o abrisse e guardasse as pastas no banco de trás.