LABORATÓRIO – PORTAL TEATRO SEM CORTINAS
POÉTICAS ATORAIS – ENTREVISTAS
Entrevista com a atriz Anna Toledo, realizada por Caio Bichaff.
Revisão: Edilaine Dias
Arquivo: 07.PA.0002
Laboratório - Portal Teatro Sem Cortinas
Poéticas Atorais
07.PA.0002
Entrevista concedida no dia 02 de Outubro de 2014.
Caio: Eu trouxe duas copiazinhas, tem até um erro aqui de escrita, mas eu vou
lendo e falando. É só pra você ter também.
Anna: Entendi.
Caio: É...onde eu tava? Ah, eu tava falando do ensaio. E do projeto. É....que
que aconteceu. Ela falou pra eu escolher alguém que eu tivesse interesse, e no
ano passado eu assisti o Vingança. E os primeiros nomes que vieram na minha
cabeça quando ela falou da sua tarefa foi: o seu nome e do André Loddi1,
sabe?
Anna: Sei, claro!
Caio: É. E aí eu falei “Ah tal”, e nesse finalzinho eu falei “Ah, acho que ela é
mais acessível”. E te mandei mensagem.
Anna: É... eu sou! (risos) Mas o Loddi também é. Que legal...
Caio: Então... aí eu fiz uma pesquisinha de Google sobre você para pensar em
algumas perguntas.
Anna: Tá.
Caio: Tentei relacionar a maioria delas à interpretação. Mas, como você
trabalha como várias coisas, acho que permeia outras áreas também.
Anna: Então vamos lá.
Caio: Eu fiz cronologicamente. Cronologicamente, a primeira coisa escrita que
eu achei sobre você foi A Ópera dos Três Vinténs. Na verdade eu não sei se foi
isso.
Anna: Não foi o primeiro trabalho mas acho que foi o mais importante. Um dos
primeiros... né. Eu faço teatro desde os 14 anos. E aí fiz muito teatro infantil,
enfim, coisas tipo Maria Clara Machado.2 Agora, comecei a trabalhar
profissionalmente fazendo Brecht. Fazendo uma colagem de Brecht que
1 André Loddi (1991-) é um ator paulistano de Teatro Musical 2 Escritora e dramaturga conhecida por suas peças infantis.
acabou sendo no Rio de Janeiro. Isso em 1988. Os três vinténs foi acho que
em 93, 94, sendo a primeira grande montagem que eu participei. E foi grande
mesmo. Não sei, foi a primeira vez que montavam no Brasil em 40 anos. Foi
em Curitiba, com um elenco nacional, numa montagem no Teatro Guaíra. Nos
anos 90 o Teatro Guaíra, lá de Curitiba, possuía corpos estáveis, ou seja, tinha
um elenco de ballet contratado, uma orquestra contratada, um coral contratado,
e ele tinha um negócio chamado teatro paranaense de comédia, o TPC. Que
era a companhia estável, mas os atores contratados por temporadas. Por
espetáculo. Todo mundo tinha que ser profissional, e tínhamos um período de
ensaios e quando a gente apresentava era a baixíssimo custo para a
população. Ficava de terça a domingo.
Caio: Que legal!
Anna: É, muito bacana! Não ficou muito tempo em cartaz por que tinha a coisa
de Curitiba não abarcar peças muito tempo em cartaz, mas a gente ficou dois
meses em cartaz de terça a domingo, e foi bastante... E aí a gente tinha o
Guga Petri, né, Luiz Gustavo Petri, ele foi o nosso diretor musical. O
Christopher fazia o Mac, a Sônia Guedes fazia a Mrs. Pitcher, então eram
grandes atores paranaenses. A Rosana Stavis fez a Polly. A Rosana Stavis 3
foi indicada pro Shell ano passado, ela já era incrível. E aí foi o meu primeiro
contato com uma grande produção e eu fazia um monte de pequenos papéis.
Mas eu já tinha feito Brecht antes e fiz Brecht depois. Foi como a escola né? Já
tinha feito faculdade de artes cênicas, mas tive a possibilidade de fazer com um
grande diretor né, que era o Marcelo Marchiori. Inclusive faleceu semana
passada.
Caio: Jura?
Anna: É. Que era um cara extremamente caprichoso. Ele era muito
caprichoso, bom, não é a melhor palavra pra defini-lo, mas ele tinha um
cuidado muito grande com todos os elementos: a gente tinha uma
dramaturgista que ia lá, contar pra a gente, mostrar filmes, explicar Brecht. Ele
não apenas dava a linguagem, ele explicava por que que a gente tava fazendo
3 Atriz paranaense.
daquele jeito. Então foi uma escola pra mim, e essa escola de Brecht, de
musical... épico, musical brechtiano, foi o primeiro contato que eu tive com..
Caio: Teatro musical..
Anna: É... eu já gostava de musical, de filme, gostava de ópera, muito! Mas foi
a primeira experiência que eu tive pra poder fazer teatro musical foi com
Brecht.
Caio: Você começou com o canto lírico, né?
Anna: É, eu acabei indo estudar canto lírico porque não tinha como estudar
teatro musical na época. Não existiam escolas. Nem existia um mercado,
existiam pessoas que cantavam no teatro. Isso sempre existiu. Mas não existia
esse mercado que todo mundo canta muito bem e sabe dançar e sabe atuar. A
formação não existia. Então eu queria muito cantar em cena e acabei vendo
que eu ia ter que ir pro canto lírico, e aí pra estudar o canto lírico eu me envolvi
com ópera, então foi um tempo que eu fiquei realmente muito envolvida. Fiz
faculdade de canto lírico depois. Eu fiz artes cênicas e fiz canto lírico.
Caio: Nossa! Que legal...e faculdade é uma outra visão né?
Anna: É, artes cênicas eu fui porque eu queria me profissionalizar logo pra
poder trabalhar logo e queria entrar no TPC, né? Poder ser contratada e a
faculdade tinha uma espécie de convênio com o Teatro Guaíra então a gente
tinha sempre muita entrada pra fazer coro nas óperas ou fazer figuração e
nisso eu acabava sempre envolvida nas montagens. Até chegar a me
profissionalizar e começar a fazer as montagens profissionais mesmo. E o
canto lírico eu entrei na faculdade porque a professora que tinha na faculdade
era com quem eu queria estudar. Aí eu ia ter a oportunidade de estudar com
ela o canto. Senão não ia fazer faculdade DE NOVO, né? Com vinte e cinco
anos que foi quando eu fui fazer aula na faculdade. Eu já tava trabalhando e foi
dificílimo fazer, mas deu certo! (risos)
Caio: Que bom (risos) É...lá, assim, só pra quebrar um pouco, lá na UNESP
tem canto lírico. E as meninas que eu tenho mais contato passam um
perrengue né? Por que tão trabalhando, cantando em casamento, em coro,
OSESP, essas coisas e tem que conciliar com a faculdade.
Anna: Mas é um preço que você paga. Se você não... Eu falo isso pros meus
alunos! Às vezes eles falam: “Ai, não consigo dar conta do repertório, não
consigo dar conta do que você está pedindo, não consigo fazer essa matéria” e
eu falo “Não faz. Não tem problema! Você escolhe.” Porque tem horas que
você vai ter que escolher, você vai ter que escolher trabalhar um pouco menos
pra poder terminar a faculdade, ou você vai ter que não terminar a faculdade e
terminar quando você puder! Essa carreira é escolha. E essa carreira de
artista, você não precisa fazer uma faculdade, você faz se você quiser. Você
faz por que você quer estudar a fundo algumas coisas ou porque você quer
trabalhar com alguns professores. Por que você quer ter algumas matérias que
você não vai estudar, ou quer estudar papéis que você jamais vai fazer na sua
carreira. Porque na faculdade você tem a oportunidade de estudar clássicos,
né? De testar papéis que...
Caio: Coisas que não vão acontecer..
Anna: Que raramente vão acontecer na sua carreira. Então é o lugar que a
gente pode ter para experimentação, mas tem um preço, você vai ter que abrir
mão de algumas coisas Tipo, sei lá, comer bem! (risos), andar de táxi durante
um bom tempo ( mais risos). Mas eu acho que vale o preço.
Caio: É...não sei, acho que sim. É...só uma pergunta que nem tá aqui, mas
você ainda dá aula na 4ACT4?
Anna: Não.
Caio: Hm...você saiu a pouco tempo?
Anna: Esse ano.
Caio: Qualquer coisa que eu falar e você achar que não deve ser publicado...
Anna: Tudo bem!
Caio: Você me fala...deixa eu ver se ainda tá (verifica se ainda está gravando.)
Morro de medo de parar sem eu saber.
Anna: Sim.
4 Escola paulistana de teatro musical.
Caio: Ainda está. Ah! Eu vi que você viajou pra fora do país para estudar
também
Anna: Foi!
Caio: Boston
Anna: É.
Caio: E...você estudou alguma coisa relacionada a interpretação para teatro
musical? Por que foi num conservatório de música né?
Anna: Era na Berkeley. É uma faculdade de música. E eu estudei um negócio
chamado performance vocal. Que aí envolvia inclusive como se comportar
com a banda, como se colocar no palco, como acabar uma música, como
indicar que você vai voltar no refrão, essas coisas. Isso era uma das coisas que
aprendi além de técnica vocal, improvisação, além de toda a parte que eles
chamam de musicianship que é o básico né. Harmonia, escrita, composição.
Caio: Mas tudo isso você já sabia, né?
Anna: Eu sabia mas lá eles têm vários níveis. Você faz uma prova e eles veem
em que nível te colocam. Então é bacana. E, por exemplo, harmonia que eu
aprendi na Berkelee5 foi (onomatopeia) antes e depois! Mudou minha cabeça.
Por que meus conhecimentos e minha visão de pra que que servia, como
servia e como usar mudaram. Então foi bem bacana, Eu me lembro que na
época eu trabalhava muito como cantora. Quando eu voltei de Boston eu me
lembro que um menino da minha banda falou assim: “Cê tá ouvindo mais!” e
era verdade! É muito doido como às vezes a gente não percebe que a gente
canta, canta, e não ouve o que o outro está falando. Eu comecei a me
relacionar melhor com a banda. E virei uma musicista melhor, né? Porque aí eu
comecei a escutar o que eles estavam me dando, e não cuidava apenas do
meu, mas entendia melhor o conjunto. Isso é legal. Tive aula com alguns
excelentes professores. De improvisação principalmente, e uma professora de
performance... vocal. Umas coisas...não é bem firula, mas assim: “aqui você
não bota tanto vibrato, aqui você põe vibrato, põe vibrato no final da nota”,
5 Berklee College of Music; Boston.
coisa que a gente intuitivamente faz, mas lá é tudo by the book 6 lá eles te
ensinam um sistema. E aqui você usa quando você quer e se você quiser. Foi
bacana...foi bem importante.
Caio: É...eu fico imaginando. Relacionando a mim, eu penso de repente em
fazer uma pós ou alguma coisa fora, acho que é uma experiência...entrar em
contato com outra cultura. Eles vêem...querendo ou não, eles veem a arte de
outro modo, né? Nesse sentido tem muito a acrescentar.
Anna: Na época eu tava muito interessada no Jazz. Por que eu tava
trabalhando bastante como cantora de jazz. Então eu fui me especializar nisso.
E aí consegui uma bolsa, então, deu pra fazer um pouquinho...
Caio: Quanto tempo? Desculpa...
Anna: Não, foi um semestre. Que eu não consegui fazer o curso porque a
bolsa não cobria. A bolsa era parcial. Então eu fiz o que eu consegui. Lá eu tive
contato com um pouquinho de noção de técnica para teatro musical porque
tinha uma eletiva e eu fui fazer. Eu já tava fazendo teatro musical quando eu fui
pra Berkeley, então eu falei: “Vou ver o que que eles falam.” Não tinha nada de
novo, mas foi interessante porque era tudo novamente. Tudo muito
sistematizado, tudo muito explicado, tudo já botado em tópicos, botado em
bulletpoints7 né? Pra você saber como agir, o que fazer, enfim. Aí eu acabei
descobrindo uma professora em Nova Iorque que me deu técnica voltada só
para teatro musical chama Liz Caplan 8e com ela fiz uma coisa muito maluca:
de seis em seis meses eu ia pra Nova Iorque e ficava uma semana lá. Fazia
três aulas, gravava as aulas, voltava pro Brasil, fazia acompanhamento aqui
com a minha professora. Ouvia as aulas. Foi bem interessante...não sei o
quanto resulta isso, mas eu botei na minha cabeça que eu queria fazer isso e
fiz durante um tempo. Super extravagância né? Mas eu queria ter contato com
a técnica americana de cantar em teatro, e eu descobri que ela é muito mais
flexível do que a técnica vocal que passam aqui no Brasil.
Caio: Sei...
6 Expressão que organiza a metódica americana de ensino. 7 Tópicos. 8 Professora de canto residente em Nova Iorque.
Anna: É muito mais flexível, pelo menos a Liz, ela abraçava muito mais a
maneira como eu cantava, ela não falava: “Não, tem que ser assim” mas ela
pegava a minha voz e explicava como ela poderia fazer funcionar no teatro.
Caio: Nossa, isso é interessante né?
Anna: Muito interessante. Não me exclui de nenhum estilo, é claro que isso
depende do diretor musical, se ele fala: “Eu quero esse timbre, eu quero aquele
timbre.” Mas ela não fabricou um timbre. Ela em nenhum momento falou assim:
“Seu timbre tem que ficar mais assim”. Era mais voltado para expressão da
música que eu tava querendo cantar, e isso foi muito bacana. E aí eu trouxe
esse conceito pra mim como professora, o que eu acho que é um conceito
muito... afetuoso, amoroso, que não exclui as pessoas. Depende muito do
diretor musical! Não adianta você ficar forçando uma barra pra cantar igual
àquela outra que pegou o papel. Você vai cantar do seu jeito. Bem né? Bem,
muito bem, muito expressivo, mas o diretor musical pode querer ou não aquele
som.
Caio: Sim, é.. o que define é a escolha do diretor mesmo. Você pode crescer
dentro de...
Anna: Dentro do seu potencial. Você pode descobrir vários recursos, e não
significa que você vai cantar só deu um jeito, mas pode descobrir vários
recursos dentro do seu instrumento. Isso foi uma sacada na época que eu tive
estudando lá fora. Por que eu achava que justamente quando eu fosse lá fora
eu ia aprender como é que canta nem o povo lá de fora. Daí eu descobri que,
primeiro: eles cantam cada um de um jeito. Você vai numa peça e descobre
que as pessoas cantam diferente umas das outras. Você vê... eu vi Wicked9
com a Idina10, vi com a Julia Murney e vi com a Stephanie J. Block fazendo a
Elphaba. E são três vozes muito diferentes. Quando você vê no Youtube,
Wicked é um bom exemplo porque você vê que eles fazem colagens de
Elphaba’s11
Caio: É! Tem muitas né? 9 Musical de Stephen Schwartz adaptado do romance de Gregory Maguire que desenvolve um outro
lado da história de “O Mágico de Oz”. 10 Idina Menzel: atriz. Atuou em musicais como Rent (filme), Glee (série de TV) e If/Then (musical). 11 Personagem protagonista de Wicked.
Anna: É.
Caio: Tem uma que eu gosto que é a Lindsay Mendez! Acho que ela tá...
Anna: Então! Eu ia falar dela agora. Que é outra que canta muito diferente.
Muito diferente! E ainda tem um perfil físico muito diferente. E ela convenceu
porque ela tem uma expressividade, ela tem a força que a personagem precisa,
aí o timbre o diretor musical fala: “Gosto, ou não gosto.” “Serve ou não serve.”.
Caio: Não precisa ser aquele da Idina...
Anna: Ninguém precisa cantar igual a Idina, até porque a Idina canta muito
diferente de todo mundo! Imitar a Idina é sacanagem...vai ficar feio. Ela
consegue fazer daquele jeito e, vamos combinar, é uma voz polêmica até né?
Tem muita personalidade.
Caio: E acho que até é ruim, uma pessoa que vai imitar e não consegue,
assim, as vezes vai achar um caminho que não vai ser bom pra ela.
Anna: Então, e aí você não tá sendo verdadeiro. Você foge do essencial que é
convencer, contar a história, ser verdadeiro e transmitir aquela verdade
naquele momento.
Caio: Sim...antes de você ir pra lá, você falou que já tinha feito musical, eu
fiquei pensando se foi o Cole Porter12?
Anna: Eu tinha feito...já tinha feito bastante coisa aqui. Tinha feito O Beijo da
Mulher Aranha, A Bela e a Fera e o Cole Porter. É, de musical foram esses
três.
Caio: E cada diretor pede uma coisa né?
Anna: É... o Beijo eu fui aceita do jeito que eu era. Eu cheguei lá cantando,
bem sem noção, cheguei cantando um tema de jazz e aí eles falaram: “Legal,
agora canta essa escala aqui”. Cantei. “Agora canta essa música”, música da
peça já. Aí eu cantei. A Claudia estava na platéia né? Claudia Raia. Ela
levantou e falou assim: “Acho que nós já sabemos o que queremos, muito
obrigada.” (risos) “Nós já entendemos o que nós queremos, muito obrigada”.
12 Referente à: Cole Porter – Ele Nunca Disse que me Amava; peça de Charles Moeller e Cláudio Botelho
Beleza. Depois me chamaram pro teste de atuação, que também foi um minuto
e “Muito obrigada, acho que nós já sabemos o que queremos.” e aí rolou.
(risos) foi bem fácil. Não teve nada assim tipo “A sua voz, agora faz assim” E
eu cantei o espetáculo inteiro sem ninguém nunca ter falado alguma coisa de
estilo vocal. Acho que eu dei sorte, né? Porque a minha voz naquele momento
servia para aquela peça naquele momento. A única coisa é que era muito
grave aquele papel pra mim, então eu fui descobrindo uns graves. Eu tinha que
fazer dueto com a Cláudia. A Cláudia fazia umas coisas gravíssimas. Ela tem,
ela é uma contralto! Ela é uma voz raríssima, linda! E ela cantava, usava toda
essa plenitude desse contralto dela e eu tinha que cantar umas coisas, assim,
uma terça acima, mas já era muito grave pra mim! Tinha horas que não
entrava! (risos). Eu tive que me virar e aprender. E aí depois A Bela e a Fera
que foi na sequência eu fui cover13 de Sra. Potts. E também trabalhei bastante
né? Fui uma daquelas covers que trabalhava muito.
Caio: É isso que eu ia falar, você chegou então a fazer várias.
Anna: Meu deus!
Caio: Que legal! Quem que era a..
Anna: Era a Ana Taglianetti.
Caio: Ah...eu já vi foto assim, mas...
Anna: É. Ela fez esse musical, basicamente. E ela tem uma voz linda, era
excelente! Só que ela teve uma série de problemas ao longo dessa temporada.
Então...e era pesado aquele figurino, então ela teve pulsite porque ficava
segurando aquele negócio de três quilos. Aí doeu não sei o que, aí teve um
problema no quadril, aí quebrou o pé. Então...o primeiro ano eu fiz, se não me
engano, 100 espetáculos. Foram dezoito meses né? Aí depois eles treinaram
mais duas. Tinham três Sra. Potts. A gente alternava, por que antes era eu só.
Então o primeiro ano era eu e eu fazia muito. E era uma voz também...era uma
mezzo14 né? Uma voz mais grave. Calorosa, com bastante vibrato15 e a voz
13 Posição dentro de uma produção de teatro musical. Indica que você não é a atriz principal para o
papel, mas entra em cena fazendo-o em eventualidades. 14 Referência à mezzosoprano: voz do coro que canta numa região médio-aguda
calorosa. E aí fui descobrindo qual que era né? Por que eu sou soprano, mas
tudo que eu pegava, pelo tipo físico e tal, era com uma voz de uma mezzo.
Caio: Tá. E no Cole? Eu não sei direito o que foi...
Anna: O Cole Porter era uma revista. Era uma série de quadros musicais com
músicas de Cole Porter. Era uma delícia...
Caio: Imagino...
Anna: E ligados com alguns dados biográficos. Cada mulher representava um
personagem feminino na vida dele. Mas era uma revista, e de extremo bom
gosto. Eu fui swing, então eu fui...
Caio: Várias mulheres.
Anna: Várias mulheres. Eu podia fazer várias coisas, foi legal.
Caio: É, porque o que eu conheço é só o que eu vi naquele livro do Charles e
do Cláudio. Eu dei uma lida, mas eles contam mais sobre as curiosidades do
processo né? Ah, agora ligamos pra tal pessoa e tal pessoa falou não sei o
que, que não tem muito realmente sobre como era, tal. Mas que legal. O
próximo que eu anotei aqui foi o Godspell16. O Godspell eu cheguei a assistir.
Que foi lá no Comune17, né?
Anna: Isso.
Caio: É...e o que eu achei interessante do Godspell, que eu me lembro, é que
ele tinha um frescor; uma coisa viva que hoje em dia...hoje em dia, acho que é
porque eu estou mais crítico também, mas não vejo muito em musicais muito
“enlatados”. É difícil encontrar... e aí a minha pergunta é: como era? Vocês
buscavam esse frescor durante o processo? Aquela coisa da repetição...da
repetição, digo, eu acho que tinha uma marca no palco. Tinha alguma marca
no começo do espetáculo? Como é que foi pra manter esse frescor?
Anna: O nosso diretor aposta muito em jogos.
15 Alteração de altura de nota muito rápida provocada por alguns fatores (relaxamento laríngeo, por
exemplo.) 16 Musical de Stephen Schwartz que narra a jornada de Cristo. 17 Teatro Comune, São Paulo, SP.
Caio: Era o...
Anna: Era o Klebber DiLazzare. E ele não tinha dirigido um musical até então.
Ele tinha feito algumas peças que tinha música, mas era o primeiro contato
dele com uma peça que era um musical mesmo. E, pro bem e pro mal, isso
deu resultado. Ou seja, no começo ele tinha...você entende que você pode
fazer um negócio completamente novo porque simplesmente você não sabe?
O que que é o formato, o que é o formal? Mas ele também tava muito aberto à
conversar. Bom, ele é um cara muito jovem, tinha uma boa parte do elenco que
tava estreando profissionalmente. E daí tinha eu, a Mari, o Igor e a Janaína que
tínhamos mais cancha né? Mais estrada. E eu e a Mari que éramos mais... não
sei o que falar (risos), mas nós defendíamos mais a linguagem. Defender a
questão do musical. Por que...isso que você falou de falar “Ai, musical é
enlatado. Musical é muito parado. Musical é muito preso. Musical...” a gente
ouve de muita gente. Por que é verdade. Por que as pessoas não tão
inventando alguma coisa pra falar. É verdade, mas a gente sabe que existem
bons musicais que existem processos que podem ser mais criativos. E aí
quando isso aparece como uma verdade do diretor e do próprio elenco, que
tava estreando falando: “Ah, mas é que musical é chato, que musical você vai
lá, vai pro um, levanta o braço, e aí...” isso gerou uma discussão que foi muito
legal na época, porque como o Klebber permitia muita conversa no início, pra
gente discutir o que que ia ser aquele Godspell, eu comentei justamente a
minha experiência de fazer Disney, ou de fazer O Fantasma, porque O
Fantasma era bem assim, você tem dezesseis segundos pra andar, 16 bits pra
dar esse texto. Não tem pausa introspectiva. Por que a orquestra tá tocando e
daqui a pouco vai entrar um camarote, certo? Terminou vai falar “Não”, pá! E
entra o camarote assim.
Caio: No pé do Joba18 né? Ele contou essa história...
Anna: Né, coitado... então existe uma rigidez, um rigor muito grande; formal,
nesses grandes musicais, a Disney: “Anda até o 2, vira pra esquerda, levanta a
mão e (gesticula) pro balcão tal”, porém essa rigidez, esse rigor, ele permite
muita liberdade para o artista se o artista quiser usar. Se você quiser fazer só a
18 Jonatas Joba. Ator de musicais brasileiros que fez sucessos como: “O Fantasma da Ópera”, “Avenida
Q”.
forma, tudo bem. O espetáculo funciona. Mas o artista pode ainda se
manifestar dentro desse formalismo; dessa formalidade. Tanto é que a gente
vai ver A Bela e a Fera e fala “Ah, esse ator é bom, esse não é.” Tão todos
desenhadíssimos. Mas existe uma possibilidade. E esse rigor; esse formalismo,
tem um poder muito grande de comunicação com a platéia, por isso foi
adotado. Por que você tá falando com um público enorme, então você tem que
ser limpo e você tem que ser grande e você tem que (pega o copo) pegar o
copo. Eu não posso fazer isso aqui (pega o copo sem tônus). Né? Meu
movimento demora. Ele demora e ele é limpo. Essa limpeza...ela é poderosa.
Você não pode jogar fora tudo. Só o que é que não funciona. Ah não funciona
eu fazer a mesma marca sem sentido. Por que que eu to indo pro 1? Enfim...
Alguém sabe porquê você tá indo pro um. É importante que você saiba, se
você não sabe o que você tá fazendo inventa! É, justifique por que que eu vou
pro 1 agora, nesse momento. Então, bom, voltando ao Godspell. Eu
falo...(risos)
Caio: (risos) Mas isso é bom. Pra mim é ótimo. Além de ser um trabalho da
faculdade, eu to estudando isso! Então o máximo de opiniões que eu consigo
agregar, ou melhor, assimilar, acho que é sempre muito bom como pessoa,
como profissional, tudo.
Anna: Legal. Bom, então, o processo do Godspell foi o seguinte. Além dessa
rodação de lâmpada que sempre houve, né? Principalmente no início do
processo que o Kléber queria descobrir o que ele não queria fazer, antes de
saber o que ele ia saber, ele apostou, baseado no texto, a gente começou as
primeiras semanas sem saber que papel a gente faria. Ele começou fazendo
jogos e jogos e jogos, e eram oito horas por dia de jogos, improvisação e jogos
baseados nas parábolas, jogos baseados no que o texto propunha, desafios
que o texto apresentava, e então ele começou a pedir pra a gente ler alguns
personagens. E fomos definindo quem ia fazer quem. E continuou jogando.
Foram oito semanas de ensaio. E com seis semanas a gente ainda tava
jogando eu falei “A gente não vai estrear.” (risos)
Caio: Foi bem sincera né?
Anna: Nunca! Quanto mais daqui a duas semanas...e aí na sétima semana ele
falou: “Bom, então agora é o seguinte: Cena 1, sabe aquele jogo tal? É a cena
1. Cena 2: sabe aquele jogo tal? É a cena 2. Cena 4...” pronto. Fez assim:
VRÁ. Então era nosso. As marcas...não sei se você viu mais de uma vez o
Godspell, porque as pessoas iam e achavam que a gente improvisava o
espetáculo inteiro. Mas as marcas eram sempre as mesmas. Eu rolava, caia de
uma cambalhota, batia na cabeça de alguém e caía com o pé em cima de
alguém sempre na mesma pessoa. E a outra pessoa ia lá e, sei lá, coçava o
nariz, era sempre a mesma. Mas parecia que era espontâneo. Tinha espaços
pra alguns cacos e provocações mas não muitos, porque a gente sabia que o
foco tava sempre...essa coisa do jogo foi muito legal, porque como todo mundo
tinha que improvisar, improvisar, improvisar, improvisar de repente o foco
estava com quem tinha o texto. E era aquele jogo de: de repente a bola tá com
fulano. Então todo mundo: pá. A bola tá com fulano então todo mundo vai com
fulano, presta atenção no fulano e pum! (muda de foco). Era uma energia
altíssima. Altíssima. É...altíssima (risos), porque eram duas horas sem intervalo
de jogo jogo jogo jogo, e era um jogo, então tinha dias que a bola fazia pom
pom pom pom (bola caindo). Êeee (bola recuperada). Mas era um jogo, era
muito disso. Foi uma experiência muito legal pra mim. Muito bacana porque
trouxe essa vitalidade...enfim, esse frescor, essa palavra que você usou. Muito
legal, muito bacana. E deixou todo mundo igual. Não tinha hierarquia. O que é
essencial pro Godspell. Não tinha hierarquia, tava todo mundo jogando.
Caio: Que legal...é. Era um espetáculo que chegava né? Isso eu falando como
público, porque na época, eu nem lembro em que fase dos meus estudos eu
tava, mas eu fui assistir com cabeça de espectador mesmo. E o texto chegou
em mim. Eu não sou religioso, mas o que eu conhecia era aquela referência da
Broadway, da última que teve com o Hunter Parrish19...
Anna: Sei! Eu assisti essa, maravilhoso!
Caio: Ah é?
Anna: Com a Lindsay Mendez inclusive...
19 Jovem ator americano que interpretou o papel de Cristo na montagem de 2011 de Godspell
Caio: Ah, é verdade! Ela fazia...
Anna: Ela cantava “Bless the lord, my soul.”
Caio: É ela no CD? Agora eu fiquei pensando. (Anna assenti.) Nossa! Nunca
caiu essa ficha...
Anna: Berrando como se não houvesse amanhã.
Caio: Você vê. Uma pessoa vai fazer....eu não lembro o nome da personagem,
e depois vai fazer Elphaba. Que versatilidade, né?
Anna: É...é.
Caio: Mas que legal. Legal saber essa coisa do processo mesmo.
Anna: Foi um processo bem interessante e diferente do que eu já tinha feito.
Até porque, teatro musical, como é uma coisa muito profissional, existe aquela
coisa do: vêm pronto já. Vem pronto.
Caio: É, tem até uma pergunta que eu vou cair em cima disso.
Anna: É...e aí existe uma lição de casa. Pressupõe-se que você tenha
ferramentas para fazer a lição de casa. Por isso que é tão... que as audições
são tão específicas. São tão: “Eu quero que ele seja, que ele tenha um metro e
oitenta e seis, e tenha um perfil...” porque pressupõe-se que as pessoas que
chegaram naquele ponto da audição, que elas tenham ferramentas pra montar
um personagem e o personagem tem que estar o mais próximo daquela
pessoa ali, que o.... eu não sei se eu me faço entender, mas o diretor e o
coreógrafo e a pessoa que tá escolhendo, eles não tão ali pra ensinar o ator a
chegar naquele personagem. Eles querem enxergar que o ator já tem uma
certa personagem.
Caio: Uhum. Com certeza.
Anna: Por que o cara vai chegar e ele vai ter seis ou oito semanas pra entregar
aquela história. E não dá tempo dele ir procurar onde é que tá, e compor, e
compor a voz, ele tem que ter ferramentas, recursos, pra trazer coisas e no
processo rapidamente chegar ali onde eles tão querendo.
Caio: Experimenta tudo e vai cortando, né?
Anna: É, ele faz a lição de casa. Então você tem que ter uma técnica pra você
acessar essas coisas. Por que a pesquisa é sua. É feita individualmente.
Caio: Certo...(risos) Vamos lá. “Meu coração é...”
Anna: Olha!
Caio: É...seu terceiro CD, né?
Anna: É, isso.
Caio: Ouvindo ele eu fiquei muito curioso porque são canções populares de
vários artistas, não só do Lupicínio, e aquelas faixas de abertura, interlúdio e do
epílogo, me deu uma impressão de que é uma história, entendeu? E aí eu
fiquei com essa curiosidade e pensei: “Ah, acho que é legal trazer isso na
entrevista”. Quando você montou você pensou num caminho dramatúrgico das
músicas? Como é que foi?
Anna: É.. foi um show né? Que foi gravado. E o show aconteceu porque eu
tava na época querendo fazer o Vingança e...
Caio: Já tava na sua cabeça...
Anna: As músicas já estavam na minha cabeça e o Vingança, ele demorou pra
ser viabilizado. Então enquanto isso eu queria continuar cantando essas
músicas e pesquisando e investigando. E aí eu comecei a fazer esse show de
samba-canção incluindo outros sambas-canções além das músicas do
Lupicínio com o Guilherme Terra. A gente fez muitos shows aqui em são Paulo
Só que aí quando eu vendi esse show pra Curitiba o Gui não podia ir e eu fui
pra Curitiba e ensaiei com um time de lá que são super meus amigos, com
quem eu já tocava, porque a gente se entende assim (estalo) e eu mandei as
músicas pro Fábio, que era o pianista/maestro com algumas ideias e ele
apresentou essas interpretações que eu achei lindas. E a gente fez alguns
shows em Curitiba e gravou. Então quando gravou eu falei: “Puxa! Eu podia
fazer um disco né?” e consegui fazer um disco. Eu fiz um crowdfunding... eu
não sei se você...
Caio: Crowd funding? O que que é?
Anna: Crowdfunding é quando você coloca na internet: “Vou fazer um disco e
preciso de tanto. Quanto você quer contribuir?”
Caio: Ah! É tipo um catarse...
Anna: É...exatamente. É um catarse. No caso era um movery. Mas
crowdfunding é financiamento coletivo. Eu fiz através de um site desses de
financiamento coletivo e levante dezesseis mil reais. Gravei o disco, quer dizer,
tava gravado né? Mas aí viabilizei o disco, paguei tudo, lancei e aí,
respondendo a sua pergunta, né? O show ele era todo entremeado desse
poema que é um poema de uma menina chamada Cionara Souza. Que ela é
cearense. Mas ela mora no Paraná. E esse poema, eu achava que ele tinha a
ver com as músicas, porque ele fala de vários estados emocionais. E as
músicas são muito afetivas, muito emotivas e também revelam estados
emocionais diferentes. Na verdade, no disco eu fiz mais ou menos como eu
fazia no show, mas no disco eu troquei um pouco a ordem das músicas, porque
CD é diferente, né? Eu sempre penso e me coloco no lugar da pessoa que tá
escutando, porque, como eu começaria um CD e como eu começo um show é
diferente né? A linguagem é outra. Mas foi tentando reproduzir a atmosfera do
show.
Caio: Bom, mas vamos lá. Vingança. Chegamos (risos). Minha pergunta do
Vingança é mais relacionada à sua personagem, mas isso não impede de falar
de tudo.
Anna: Ah, que legal...não, acho ótimo!
Caio: Foi seu primeiro texto publicado e encenado né?
Anna: Foi...
Caio: Você tem outros textos?
Anna: Hã...não. Tenho, mas não.
Caio: (risos): Sempre foi o seu projeto do coração esse é?
Anna: É, esse foi o que eu insisti até o final em realizar porque, sabe aqueles
textos que você faz e você acaba? Tipo: “Ah, acabou. Pronto, a história
acabou.” Nesse eu insisti, eu falava: “Aqui não tá andando”. Eu ia lá... então foi
o primeiro texto que eu achei que tava bem acabado, bem feito, e que ele
merecia realmente ser montado, visto, e foi um texto que eu defendi muito
durante muito tempo para que ele fosse montado. Quando você não acredita
no seu projeto, não rola. Você chega e fala assim: “Olha só, eu to com um texto
que eu escrevi, não é muito bom, mas dá uma olhada...” Né? Então, como eu
tinha dedicado um bom trabalho, tinha feito várias revisões e chegou um
momento que eu parei de achar que era meu e comecei a ver: “Não, isso é
bom.” “Isso aqui tá legal.” “Hm, essa história tá bacana”. Eu defendi ele com
muita tranquilidade, sabe? Muita segurança. Liguei pra pessoas importantes
pra falar do texto. “Olha, escrevi um texto que vai ser legal, que vai ser legal
pra você produzir...E não tinha nenhuma arrogância nisso. Têm uma segurança
de que você está levando um bom material pras pessoas e eu tive também a
felicidade da Célia ser uma pessoa ultra generosa e ultra aberta, porque eu
mandei um twitter pra ela e falei: “Ah, Célia, tenho um texto aqui que eu preciso
mostrar pra você” e ela: “Me manda.”
Caio: E começou assim né?
Anna: Começou. Muito bem. Começou muito bem...
Caio: E como foi o processo de encenar...na verdade, interpretar. Interpretar
uma personagem que você mesma tinha criado?
Anna: Foi muito doido. Por que...eu escrevi e eu sabia que eu ia fazer a Luzita.
Eu escrevi em voz alta. Então eu escrevo para que as palavras caibam na boca
de todo mundo né? Não ter cacofonia, aquelas coisas. Então eu escrevo em
voz alta e fico falando o tempo todo o texto todo. Toda trancada, né? Trancada
em casa falando sozinha. Aí as ideias, as situações todas, depois que eu tinha
estruturado toda a ação, os diálogos saiam com muita fluência. Só que na hora
de fazer o que a Luzita tinha que fazer eu percebi que era difícil. Que eu tinha
escrito um personagem que eu realmente ia ter que fazer uma liçãozinha, fazer
uma pesquisa, buscar recursos que eu nunca tinha usado antes pra realizar as
coisas que a Luzita precisava fazer. Eu tinha que acessar algumas
vulnerabilidades
Caio: É.... que é uma personagem...
Anna: É! É um personagem que fica patética no final, né? Que se vulnerabiliza,
e no início ela é muito frágil e eu não sou assim, eu sou uma pessoa mais...
PÁ! E a Luzita tem que passar o primeiro ato inteiro quase que invisível. E eu
tinha que fazer isso sem pintar tipo: “Estou invisível! Ó.” Então foi um exercício
e até hoje o primeiro ato é difícil de fazer pra mim, porque ela é muito contida.
Eu lembro que eu passei no processo e uma hora eu cheguei e falei: “Não sei
se eu sei fazer isso que eu escrevi pra fazer! Não sei.” Mas o processo foi
muito interessante, porque foi um processo de pesquisa. Foi pouco tempo mas
a gente pesquisou bastante. Até porque ali todo mundo era muito ninja e todo
mundo chegou com o texto quase pronto. As músicas também, todo mundo...
Então o processo de pesquisa de todo mundo foi muito grande. De pesquisa do
personagem. E pesquisa física. O que me ajudou muito foi que teve muito
trabalho físico. Com isso eu consegui acessar algumas coisas que
racionalmente eu não teria condições de chegar onde eu consegui chegar com
a Luzita. Então eu tive que encontrar no meu corpo, em sensações físicas,
aquelas vulnerabilidades e as travas.
Caio: Isso com a Kátia?
Anna: Com a Kátia. E com o André, claro, pedindo pra Katia o que ele queria.
Falava pra Kátia: “Eu preciso que eles façam isso, que eles cheguem em tal
lugar.” E aí a Kátia malhava a gente enlouquecidamente.
Caio: Nossa, é. Eu tive a oportunidade de fazer um curso com ela e eu fico
imaginando como ela é em uma produção.
Anna: Foi muito especial. Foi muito especial a colaboração do André com a
Kátia foi incrível.
Caio: Só curiosidade, pra você saber, eu sou muito amigo da Patrícia né, que
era assistente da Katia. Então vira e mexe ela tava me contando e eu achando
super legal, mas não sabia direito o que era. Ela me contava que ela saia de lá
assim...ela já é uma pessoa muito...
Anna: Emotiva, né?
Caio: Exatamente. E ela saia de lá todos os ensaios ela chorava, né?
Anna: É...esse processo foi...todo mundo saía de lá meio mal, aí a gente
sentava, ficava um pouquinho assim, ia pro café, fechava o chakra...
Caio: (risos) Lia um livro de criança...
Anna: É... eu voltava andando. A gente fazia ali na Benedito Calixto. Eu
sempre voltava andando até aqui pra ir...voltando pra terra. Por que era...
Depois que a gente chegou onde tinha que chegar, e entendeu quais eram as
sensações, e entendeu quais eram os recursos ficou mais fácil. Quando a
gente tava fazendo em temporada, tudo bem. Que as pessoas falam assim:
“Como é que você faz o espetáculo e depois volta pra casa?” “Ah, tudo bem!”
“Tá tudo bem”. Eu saio pra coxia e tá tudo bem. Às vezes, né, até o camarim já
cheguei bem. Mas no processo em que a gente tava procurando, cavocando,
foi um processo bem delicado. Mas foi muito legal. Muito legal. Eu confesso
que assim, semana passada eu descobri umas coisas que eu falei “pô, podia
ter feito isso há dois anos atrás”. Em questão de clareza, de limpeza, de
mostrar pro público. Até porque a gente começou a fazer teatros grandes. A
gente foi pro São Pedro que era Váaa (gesticula um tamanho enorme) e então
eu já tenho esse treino de fazer teatro grande. E a Luzita era o contrário, o
André falava: “Anna: nada, nada, nada, nada, nada, nada. Tem muito. Tem
sobrancelha. Tira.” Primeiro ato e eu não podia mexer uma sobrancelha.
Desesperada. Ele falava: “Anna, tá tudo aí. Não se preocupa, tá tudo aí.” E eu
desesperada que eu não mexia. Eu não levanto o braço. Canto Vingança com
o braço abaixado, com o braço baixo. Eu não posso fazer isso (levanta o
braço).
Caio: Chega na apoteose e pede, né?
Anna: Então! Mas eu faço isso aqui (mostra um gestual de braços na altura do
peito). É o máximo que eu posso fazer. Que me foi dado. E eu acho
interessante porque isso é do personagem. O personagem é uma pessoa
restrita. Então o corpo dela é restrito. Não é o meu corpo. Mas é puxado.
Caio: Imagino
Anna: Sim, mas não sofro não, é ótimo. É uma maravilha você poder
experimentar outros corpos. Por que você começa a entender outras pessoas,
né? Compreender melhor os outros.
Caio: Vocês estavam agora no Jaraguá né?
Anna: É, foi Jaraguá e depois a gente vai pra Porto Alegre.
Caio: E vai voltar pra São Paulo?
Anna: Não, esse ano não. A gente deve ir pro Rio ano que vem. Agora a gente
para.
Caio: Ah, eu queria assistir com o novo elenco, que...
Anna: Você não viu?
Caio: Com o Leandro e com a...
Anna: Amanda...
Caio: Eu assisti naquele show que teve..
Anna: Você foi em qual? No Bourbon?
Caio: É, no Bourbon. É que a minha amiga, Natália, ela é muito amiga do Joba.
Ela trabalhou com ele, acho que no NUO, não sei. Não sei se tem umas aulas
no NUO, o Núcleo Universitário de Óperas.
Anna: Pode ser. Pode ser. Ele é amigo do Pedrão né?
Caio: Isso. E aí...enfim. Mas legal, obrigado, de novo. Agora é mais geral
assim. O mercado atual. Ah, aliás, antes de entrar nisso. Você sabe que a
gente fala muito sobre o Vingança nas aulas de história lá do SESI. Do Jamil.
Anna: É? Que legal.
Caio: Tem várias pessoas que assistiram e falam: “Não, porque o Vingança é o
início de um teatro musical original brasileiro”
Anna: Interessante isso, mas né?
Caio: Você já tinha pensado dessa forma?
Anna: Não. Eu jamais. Você não pode ter essa pretensão de que você vai
escrever alguma coisa, porque senão você morre! Se não você não faz nada.
Tem alguém, não sei quem, que falou assim: “O caminho mais certo pro
fracasso é tentar agradar todo mundo.” Então se eu tenho uma pretensão
dessas de ser o pioneiro, ou qualquer coisa, não vai dar certo, porque eu vou
querer fazer tudo certo. Eu não vou me permitir arriscar nada.
Caio: É, a pessoa que falou...eu não concordo, mas acho que, até porque
tiveram muitas coisas nos anos 60...
Anna: Eu fico super contente de ter uma percepção de que é uma coisa
diferente que foi feita. Eu não sei... sabe o que que acontece quando a gente...
é bem isso que você tá falando: foi feito muito teatro no Brasil. O primeiro teatro
no Brasil foi teatro musical. O primeiro formato teatral no Brasil foi teatro
musical. O primeiro teatro no mundo foi teatro musical. Por que teatro grego
era musical também. E tem poucos registros... o próprio teatro grego, quando
ele foi reinventado, ele foi reinventado em forma de coro falado; jogral porque
as pessoas não sabiam como era a música, mas se cantava antes. E a nossa
informação acabou vindo de que o teatro grego era todo declamado, mas ele
era cantado. Então foi feita uma revisão histórica. A mesma coisa aqui no
Brasil, a gente tem muito pouco acesso ao material de como era o teatro. Então
se você vai pegar um Arthur de Azevedo, tem o texto. Tem tudo em pdf. Mas
as músicas têm só a letra. E aí você tem que compor música nova, ou você faz
sem a música. Mas você tem uma ideia de pelo menos como era estruturado.
Quer dizer, qual era a função da música. E você vê pela letra da música como
ela entra. Como ela funcionava, então você já vê que era diferente de o que a
gente considera teatro musical hoje. Era mais parecido com uma opereta. Para,
entra uma música, o coro canta: “Laiá, pobre menina, la la la la la” e continua a
história. Uma coisa assim...
Caio: Sim...e estamos nessa fase do teatro brasileiro...
Anna: É, você pega por exemplo aquele A Capital Federal. Que é imenso, e
tem um monte de música. Mas se você tirar todas as músicas não faz falta.
Mas se tiver a música, deve ser legal também! Mas tem que saber como era a
música. Aí compõe outra música...enfim.
Caio: E pensando nessa coisa brasileira de atualmente...
Anna: Ah, eles não falam de 7 não?
Caio: Ah! Teve uma menina que falou.
Anna: 7 pra mim, quando eu vi eu falei assim! (expressão surpresa)
Caio: É isso, né?
Anna: Eu lembro que eu fui uma louca pra cima do Charles e do Cláudio, que
não me conhecem até hoje, eu já fiz três peças deles, mas eu sempre entrei no
elenco paulista. Então eles não tem a menor ideia né...eles vão na estréia e
falam: “Parabéns! Vocês são lindos”. E aí eu fui ver o 7, quando eu tava
fazendo Noviça na época. Que é deles. E eu era freira...tipo eu e mais um
pinguím...mas aí eu terminei e fui que nem uma louca. Eu falei assim: “Foda-se
se eles não me conhecem. Preciso falar pra eles o quanto isso é bom. Eu
cheguei, eles devem ter achado que eu era uma louca mesmo: “Isso aqui é
novo, isso aqui nunca foi feito, isso é a nova dramaturgia, vocês estão criando
uma dramaturgia de teatro musical no Brasil.” E eles dizem assim: “Brigada,
querida! Brigada.” Eu saí e eles devem ter dito: “Que mulher louca, que mulher
chata” mas eu precisava ter dito isso. Por que era isso. A música tava
completamente inserida na história. A música substituia o texto. Tava tudo alí!
Só que o que acontece: se tem gente que hoje fala que o Vingança inaugurou
isso é porque o 7 não tem o texto publicado, não tem a partitura editada, não
tem um disco, não tem um DVD, não tem um registro que ele existiu. Então
quem tem vinte e cinco anos não viu 7.
Caio: Eu...(risos). Não tenho vinte e cinco anos, mas.
Anna: Porque o 7 foi em...2007. 2008. Não viu 7, não vai ver. Vai ouvir falar
que era legal e que tinha a Maestrini e a Zezé Motta.
Caio: É... tem razão. O que eu ouço é que era uma peça incrível né? Que tinha
uma obscuridade...
Anna: A música contava a história. A peça era muito legal, a música era muito
boa. As atrizes eram muito boas, tinha... uns buracos de roteiro no começo.
Depois eles arrumaram. Tipo, na temporada de São Paulo...eu tenho um
bootleg20 do Rio de Janeiro e depois eu vi aqui em SP. E eles foram
arrumando, o roteiro fechou, porque eles ainda tinham uns buraquinhos. Então
teve um cuidado e o roteiro é interessante. Era lindo, era um negócio que eu
não tinha visto até então. Mesmo as peças do Chico, se você for ser super
pique, é...por exemplo, Gota d'água, quantas músicas tem? Tem seis. Você
fala que é musical por que é a melhor música do mundo! Mas é teatro e de vez
enquanto tem umas músicas. Mas é, tudo bem, podemos falar que é teatro
musical. Mas é uma outra linguagem. Uma linguagem que o 7 andou a frente.
O Cambaio, que é bem mais novo, tem o problema de a música e o texto não
serem...
Caio: Não serem necessários? No sentido de...
Anna: A música tem a ver com o texto mas não são os mesmos personagens.
Quem canta não é a mesma pessoa que tá falando. Se você for analisar a
melodia, a música, a dramaturgia da música, o texto que tá sendo dito, com os
personagens padrão. E o 7 tinha...
Caio: Que é um pouco o que eu vou entrar na minha última pergunta.
Seria...em relação aos (musicais) brasileiros de atualmente. Por que tá tendo
esse movimento dos autobiográficos né? Como chama?
Anna: Sim...biográficos.
Caio: Sim, dos biográficos, e de outras coisas, por exemplo: Se eu fosse você,
que é um musical em que entra as músicas de um artista… e, sei lá, nos
biográficos até que sim, porque é a história dele. Mas não exatamente. Entra
Ovelha Negra e você não sabe se ela tava pensando aquilo quando escreveu
Ovelha Negra.
Anna: É..mas é que nem o Vingança. O Se eu fosse você é a mesma coisa. Só
que o Se eu fosse você é uma comédia e o Vingança é um drama, mas você
pega as músicas de um compositor e você insere elas, e você muda o
contexto, e você cria um contexto pra elas. É só uma questão de se deu certo
ou não. Mas a fórmula é essa. O modelo é o Mamma Mia!21. Que é um bom
20 Gravação amadora em vídeo de uma peça. 21 Musical de Bjorn e Benjamin Ulvaeus com as músicas do grupo ABBA.
jukebox. Eu tenho muita dificuldade de chamar de jukebox o Vingança porque
eu acho que é tão brasileiro! São sambas-canções, e chamar de jukebox? Mas
é uma coletânea de músicas de um mesmo compositor que foi adaptada e
contextualizada para contar uma história. O Se eu fosse você também. Pegou-
se músicas da Rita Lee pra contar uma história, a história lá do filme. E
escolheram as músicas. Então é um jukebox também; você pode chamar de...
eu quero mudar esse nome! Falava pros meus alunos que eu quero mudar
esse nome porque é chato falar jukebox de um musical brasileiro.
Caio: É… eu entendo. E como você chama?
Anna: Eu falo coletânea. Não é tão forte né? Jukebox é… um nome bom, mas
é que… é uma coletânea de músicas que você faz e que não tem caráter
biográfico. Não tem um: “Vou contar a história de tal artista através das
músicas”, não,eu vou contar uma história. Ficcional, através dessas músicas. E
tem fórmulas que funcionam mais, tem menos, tem músicas que se prestam
mais a isso. Teve um musical aqui chamado Primo Basílio. Que também usava
esse formato. Que pegava bossa nova e contava a história do Primo Basílio e
quando eles cantavam eles cantavam músicas de bossa nova. Então, não é um
formato: “Wow.”, porque tem alguns que funcionam mais do que outros. Tem
uns que a dramaturgia se adapta mais à música e que a música se adapta
mais à dramaturgia. A contar uma história. Mas esse formato não é novo. E é
um formato importado.
Caio: E você acha que é um caminho pra fugir dos “enlatados”?
Anna: Das franquias você quer dizer?
Caio: Exatamente. Das franquias. Você acha que esse recurso é um caminho
para...
Anna: É mais um caminho... eu não acho que a gente tenha que fugir das
franquias. Eu adorei fazer uma franquia. E as franquias abriram portas pra mim
que eu jamais teria... eu fiz contatos. Todo mundo que trabalha comigo no
Vingança eu conheci fazendo franquias. O Joba a gente fez A Bela e a Fera e o
Fantasma. As meninas, a própria Célia e Selma eu conheci quando eu tava
trabalhando na CIIE(?), que agora é T4F. Nas produções delas. Que elas eram
gerentes de produção. Todo mundo: a Amanda eu conheci fazendo My Fair
Lady, o Lu, que fez a primeira temporada a gente fez My Fair Lady juntos...ou
seja, você conhece gente muito boa, você aprende com as pessoas. Eu não
tenho nada contra a franquia não, a franquia é uma boa porta de entrada para
esse universo. Agora, não precisa ser só isso. Mas elas não são o lobo mau,
você tem que fazer o seu.
Caio: Sinceramente...eu também não acredito que elas sejam o lobo mau, mas
o contexto da minha faculdade...é um pouco do que você falou. Tem um pouco
de resistência. Pessoas que são contra, que acham que musical é puro
entretenimento, então assim. Não que essas perguntas sejam todas baseadas
na ideologia da minha faculdade, mas existe um lado que eu tenho que abarcar
que é esse lado deles. Inclusive pra contrapor. Chegar e falar: “Olha, musical
franquia não é ruim. Não é não brasileiro.”
Anna: Ele não é brasileiro. Assim como Shakespeare não é brasileiro. Assim
como Moliére não é brasileiro. Você entende? A gente tá fazendo obras
estrangeiras. Se você tá fazendo um Hamlet você tá fazendo uma obra
estrangeira. Ou se você vai fazer um Tenessee Williams você ta fazendo uma
obra estrangeira. E se você vai fazer O Fantasma da Ópera, que é de Andrew
Lloyd Webber e Tim Rice, você ta fazendo uma obra estrangeira. Simples
assim. Da mesma forma como se você for olhar hoje né? Tem pouca coisa
brasileira que tá sendo montada no teatro. Né? É. Por que tem bastante coisa
no mundo e você pode escolher.
Caio: Mas então o ponto está em admitir que isso não é errado?
Anna: O que que seria errado?
Caio: Errado seria...que nós não precisamos só fazer coisas brasileiras.
Anna: Pelo amor de deus, a gente tem que fazer o que a gente...quer! Escuta,
é mercado profissional. A gente tem que trabalhar. Você tem que trabalhar. E
existem coisas interessantíssimas a fazer além do repertório brasileiro. Se eu
tiver oportunidade de fazer um Soundheim22, um próprio Stephen Schwartz, é
interessantíssimo. Gente, tem compositores e autores interessantíssimos com
22 Stephen Sondheim; compositor.
coisas interessantíssimas e belíssimas a dizer. Em várias línguas. O monopólio
é meio complicado. Você igualar teatro musical a teatro musical americano é
burro. É falta de conhecimento. O musical existe em vários formatos e várias
linguagens. Então quando você fala: “Eu não gosto de musical” você tá
dizendo: “eu não gosto de musical americano” é bem diferente. E dentro do
teatro musical americano também existe… são cem anos! Ou mais. De
produção de teatro musical americano. Tem muita coisa. Quando você fala: “eu
não gosto de teatro musical” você pode tá falando que não gosta de Brecht.
Certo? E boa parte da obra do Brecht se embasou no poder da música chegar
nas pessoas. Mesmo as peças dele que não eram supostamente musicais,
como Mãe Coragem, tem música. Tem canções. Por que ele sabia que tinha
um momento que ele tinha que alcançar a emoção das pessoas. Não só o
intelecto. Existe um poder.
Caio: Que aliás é dele né? Digo, é uma ferramenta que ele usa muito né?
Anna: Exatamente! Por que a música é uma ferramenta poderosa. Você negar
a força do teatro musical e a linguagem como um grande recurso é ignorante. E
você dizer: “Teatro musical”, colocar tudo no mesmo balaio, e falar que tudo é
obra do Mickey é ignorância. Só ignorância. É não conhecer o repertório. A
gente precisa de conhecer o que a gente já fez no Brasil pra poder ter uma
linguagem que evolua. Por que a gente fica se enfiando muito que vai andar,
mas a gente esquece. As pessoas esquecem. Elas não viram 7, né? Daqui a
pouco também vão esquecer o Vingança. A gente fez um livro, fez um CD, vai
fazer um DVD, por que a gente quer que lembrem. Mas, esquecem. É uma arte
efêmera. É importante que haja registro das coisas que foram feitas pra a gente
aprender como era e ver o progresso, ver que estão acontecendo outras. Mas
a linguagem precisa amadurecer, evoluir. Agora, ela inclusive aprende e evolui
olhando pros lados. O 7 têm referências de linguagem de Soundheim que são
bizarras. Você fala: “Olha! Soundheim compôs um musical brasileiro?” É muito!
O Ed Motta é louco por Soundheim. Ele fez um musical muito brasileiro mas
com toda a linguagem musical de um compositor norte-americano. Os meninos
também, a dramaturgia é baseada na dramaturgia moderna do musical
americano. O Vingança também. O Vingança é calcado na dramaturgia
moderna do musical americano. Só que ele é brasileiro. A temática é brasileira,
o emocional é brasileiro e a música é brasileira. Ele é extremamente brasileiro
mas eu usei ferramentas olhando pro lado. Então não tem como você evoluir
sem olhar pro lado e aprender com o que os outros estão fazendo também.
Caio: Eu acho que isso vai ser o tema do meu ensaio...(risos)
Anna: (risos) Legal.
Caio: Nossa. Obrigado.
Anna: Magina...
Caio: Você tem alguma coisa que você gostaria de falar, complementar...
Anna: Mais? (risos) Eu falo sem parar...saudades de dar aula, então eu fico
falando. Eu sinto falta de dar aula. Sinto falta de conversar e saber quais são
as dúvidas, quais são as perguntas, por que essas perguntas que você me fez
eu acho que é interessante conversar sobre isso. Sobre esse equívoco que
você faz sobre o que é teatro musical. E você colocar tudo num balaio só.
Teatro musical é muita coisa...Brecht é teatro musical. E é uma linguagem que
influenciou o outro lado. Enfim, com o distanciamento, pá, canta. É um jeito de
fazer. Você negar isso é você enfiar a cabeça no buraco, é você negar um
monte de coisas com as quais você pode aprender e melhorar como artista,
como performer, cantando ou não.
Caio: É...realmente. É que, particularmente ainda é uma pergunta. Eu sempre
me pego perguntando sobre essa questão de teatro musical e teatro musicado.
Anna: Mas isso são especificidades que você vai precisar pra você dar aula.
Como profissional de teatro, eu não vejo diferença nenhuma. Porque a
abordagem sempre vai ser a mesma. A abordagem do performer cantando. Aí
o diretor vai falar: eu quero que você cante isso distanciado. Eu quero que você
cante isso entregue. Eu quero que você, enfim... aí é o diretor que vai definir. É
o estilo da peça, mas né? Sei lá, Happy Ending é um musical, por exemplo. O
Mahagonny é um musical. É tudo musical.
Caio: O Mahagonny é do mesmo compositor que...
Anna: É! É do Kurt Weill23. Happy Endings também.
Caio: Legal...me abriu muito. Eu gosto muito de conversar sobre isso, porque
eu me sinto naquele momento que você fala: “Não, péra. Deixa eu ver se o que
eu penso é isso mesmo.” Quero agradecer a você...
Anna: Magina! Magina, foi um prazer.
23 Compositor que compunha para as peças de Bertolt Brecht. Ele compôs para outras obras como “A
Ópera dos Três Vinténs”