Laurence Marie Moreira
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO
TRABALHO
Dissertação apresentada no âmbito do 2.º Ciclo
de Estudos em Direito da Faculdade de Direito
da Universidade Nova de Lisboa, na área de
especialização em Ciências Jurídicas Forenses.
Orientador: Doutor João Nuno Zenha Martins
Julho de 2015
Declaração Antiplágio
Declaro, por minha honra, que a dissertação que apresento é original, da minha
exclusiva autoria, e que a utilização de contribuições e de textos alheios está
corretamente referenciada.
Tenho consciência de que a utilização de elementos alheios não identificados
constitui uma grave falta ética e disciplinar.
Resumo analítico
Nesta dissertação, tratar-se-á da discriminação em função da idade, mais
especificamente dos trabalhadores mais velhos.
Nos últimos anos constatou-se um interesse cada vez maior, por parte da
doutrina e da jurisprudência quanto a este tema. De facto, num mundo em que se vive
uma verdadeira crise económica, os trabalhadores mais velhos tendem a ter dificuldades
na procura de emprego ou são alvos de discriminação em função da idade, quer no
momento da contratação, quer no decurso da relação laboral.
Assim, debruçar-nos-emos sobre a discriminação. Analisaremos, primeiro, a
diferença entre discriminação direta e indireta, tendo em conta a importância do ónus da
prova, para, de seguida, estudar as figuras das medidas de ação positiva. Depois, tratar-
se-á do enquadramento legislativo da discriminação baseada na idade, isto é, à luz do
Código do Trabalho e da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de
2000. Por fim, acabaremos por determinar os casos em que se pode admitir a
discriminação etária. De facto, para que estas diferenças de tratamento em função da
idade sejam justificadas, terão que visar um objetivo legítimo através de meios
apropriados e necessários.
Analytical summary
In this thesis, we will treat the discrimination based on age, more specifically of
older workers.
In recent years, there was an increasing interest on the part of doctrine and
jurisprudence on this subject. In fact, in a world in which you live a real economic
crisis, older workers tend to have difficulties finding jobs or are targets of the
discrimination based on age, at the time of hiring or during the contract.
Thus, we will focus on discrimination. We will examine, first, the difference
between direct and indirect discrimination, taking into account the importance of the
burden of proof, then we will study the figures of positive action measures. Then, treat
the legislative framework of the discrimination based on age, that is, in relation to the
Labor Code and the Directive 2000/78/EC of November 27, 2000. Eventually, we will
determine the cases in which they may accept the discrimination based on age. In fact,
these differences in treatment based on age are justified, but must be aimed at a
legitimate objective with appropriate and necessary means.
Agradecimentos
Aos meus pais, pelo apoio ao longo destes (muitos) anos. Por tudo, obrigado!
E assim termina um longo percurso e se encerra mais um capítulo.
“O sucesso não é definitivo, o fracasso não é fatal:
o que importa é a coragem para continuar.”
Winston Churchill.
“Dans l’état de nature les hommes naissent
bien dans l’égalité, mais ils n’y sauroient
rester. La société la leur fait perdre, et ils
ne redeviennet égaux que par les lois.”
MONTESQUIEU, De l’Esprit des Lois,
Livro VIII, Capítulo III
Abreviaturas
Ac. – Acórdão
al. – alínea
als. - alíneas
art. – artigo
arts. – artigos
CC – Código Civil
CDFUE – Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia
Cfr. - Conferir
CRP – Constituição da República Portuguesa
CT – Código do Trabalho
Diretiva – Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000
DUDH – Declaração Universal dos Direitos Humanos
EM – Estados-Membros
n.º - número
ob. cit. – obra citada
p. – página
pp. – páginas
Proc. – Processo
ss. – seguintes
STJ – Supremo Tribunal de Justiça
TFUE – Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia
TJUE – Tribunal de Justiça da União Europeia
UE – União Europeia
Vol. - Volume
A Discriminação em Função da Idade no Direito do
Trabalho
INTRODUÇÃO………………………………………………………………… p. 1
CAPÍTULO I: DO CONCEITO DE IGUALDADE E DE DISCRIMINAÇÃO NO DIREITO DO
TRABALHO…………………………………………………………………… p. 4
1. A importância do Princípio de Igualdade no Direito do Trabalho.. p. 6
2. A Discriminação no Direito do Trabalho - em função da idade, em
especial…………………………………………………………… p. 13
2.1 As diversas formas de Discriminação…………………...…… p. 18
2.2 A Discriminação Direta e a Discriminação Indireta…………. p. 19
3. A Obrigação de diferenciação…………………………………….. p. 27
CAPÍTULO II: A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE – O SEU ENQUADRAMENTO
LEGISLATIVO………………………………………………………………… p. 30
1. A Discriminação em função da idade no Código do Trabalho...… p. 31
1.1 O artigo 348.º do Código do Trabalho……………………….. p. 33
2. A Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000.. p. 42
CAPÍTULO III: A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE – UMA DISCRIMINAÇÃO
AUTORIZADA EM CERTOS CASOS…………………………………………… p. 47
1. Objetivo legítimo……………………………………………….. p. 50
2. Objetivo apropriado e necessário……………………………….. p. 53
3. A diferença de tratamento em função da idade no CT………….. p.56
CONCLUSÃO……………………………………………………….………… p. 61
BIBLIOGRAFIA………………………………………………………………. p. 65
INTRODUÇÃO
1
Introdução
O Direito do Trabalho sempre suscitou o nosso interesse, não só pelo impacto
que provoca diariamente na vida das pessoas, como também pelo conflito de direitos
que nasce constantemente entre trabalhadores e empregadores. Escolhemos, por isso, o
tema da discriminação em função da idade no Direito do Trabalho para a elaboração da
nossa dissertação, mais especificamente a discriminação dos trabalhadores mais velhos.
Em Portugal, a esperança de vida é cada vez mais alta, o que leva ao crescente
envelhecimento da população e torna, assim, o nosso país cada vez mais idoso.
Paralelamente, constata-se a diminuição de nascimentos, o que criou dificuldades a
vários níveis. Por um lado, verificam-se fortes desigualdades no mundo; por outro,
grandes dificuldades nos sistemas da Segurança Social com o problema das reformas,
pois são cada vez menos os trabalhadores a descontarem para as pensões, perguntando-
se, desde modo, quem irá pagar as reformas. Assim, na verdadeira crise económica que
se vive nos dias de hoje, os idosos vêem-se na obrigatoriedade de trabalhar mais e
durante mais tempo, sustentando-se, por vezes, não só a eles próprios mas também os
dependentes que têm dificuldades em arranjar um emprego.
Perante esta realidade, parece-nos importante analisar os requisitos à contratação
de um trabalhador mais velho e/ou que tenha idade para se reformar, as suas condições
de trabalho em comparação com um trabalhador mais jovem, a sua imagem no seio da
empresa e determinar sobre que condições é que poderá ser tratado de forma diferente
sem se tratar de discriminação etária… Pois, a partir de uma certa idade, torna-se
bastante difícil para um trabalhador mais velho arranjar um emprego dado que, muitas
vezes, os empregadores tendem em pressionar os trabalhadores mais velhos no sentido
de fazer cessar o contrato de trabalho com o intuito de libertar postos de trabalho a favor
dos trabalhadores mais jovens. Assim, na nossa sociedade, muitos são os empregadores
que valorizam mais a juventude e a dinâmica do que a experiência profissional
adquirida ao longo dos anos.
Com efeito, perguntamos até que ponto a idade avançada tem um impacto
negativo na relação laboral entre o trabalhador e o empregador, dado que, geralmente,
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
considera-se que um trabalhador mais velho pode ter mais problemas de saúde, ficar
menos tempo ao serviço da empresa, ser mais oneroso para a empresa com formações
necessárias que lhe são impostas para o uso de novas tecnologias, etc… Consideramos,
no entanto, que os trabalhadores mais velhos, muitas vezes, são vítimas de estereótipos
sociais sem razão aparente e são desvalorizados por causa da idade. Assim,
frequentemente, verifica-se esta prática discriminatória.
Analisaremos se a discriminação etária é igual a qualquer outra discriminação
(em função do sexo, da raça, da religião, etc…), e se é facilmente identificável. Ao
nosso ver, consideramos esta prática discriminatória extremamente complexa uma vez
que é difícil de determinar as verdadeiras razões de um despedimento tendo por base a
idade: tratar-se-á somente da idade ou do desempenho do trabalhador? Será que a idade
afeta, de facto, a capacidade do trabalhador? E, quando é que a discriminação etária
pode ser justificada? Quais são os requisitos a ter em conta?
A idade é um conceito muito complexo: trata-se de um critério variável e não
fixo e à diferença da discriminação em razão do sexo em que conseguimos, sem
qualquer problema, determinar o sexo masculino do sexo feminino, a discriminação
etária pode ser interpretada de várias formas. Isto é, certos empregadores podem
considerar como velho um trabalhador de 40 anos, outros podem considerar que não.
Veremos também, quanto a este ponto, que o conceito de idade relaciona-se com a real
capacidade do trabalhador no exercício da sua função. Por exemplo, para exercer a
função de bombeiro, o trabalhador deverá ter capacidades físicas excecionais que um
homem de 60 anos muito dificilmente terá; por outro lado, um trabalhador da mesma
idade poderá exercer a função de advogado sem que a idade seja considerada um
problema, sendo, ao contrário, vista como uma vantagem, pois, presume-se, neste caso,
que o trabalhador mais velho é mais experiente.
Assim, a idade é considerada como um importante fundamento de diferenciação
na nossa sociedade.
Por outro lado, analisaremos as exceções à discriminação baseada na idade uma
vez que elas existem e que são difíceis de determinar. Os trabalhadores mais velhos são
muitas vezes julgados por terem uma idade avançada e não pelas suas verdadeiras
capacidades. Assim, veremos em que circunstâncias poderá, efetivamente, haver
diferenças de tratamento justificadas, em função da idade.
INTRODUÇÃO
3
Nestes casos, cabe determinar um objetivo legítimo para a diferença de
tratamento, que terá de ser realizado por meios apropriados e necessários.
Para tal, será observado o artigo 6.º da Diretiva e vários acórdãos serão
analisados para tentar perceber este mecanismo de exceção à discriminação baseada na
idade.
Assim, a presente dissertação versará sobre um tema muito pouco discutido até
hoje, que é a discriminação dos trabalhadores mais velhos no Direito do Trabalho, mas
com cada vez mais importância1.
Ao contrário da discriminação em função de certos critérios como, por exemplo,
a discriminação em função do sexo - que já é um tema debatido ao pormenor -, a
discriminação etária é considerada como um novo tema e tem suscitado cada vez mais
interesse por parte da doutrina e da jurisprudência europeias.
No âmbito da nossa dissertação, começaremos por, num primeiro capítulo,
definir o que é a discriminação e, por isso, faremos também alusão ao princípio da
igualdade, determinando quais são os limites impostos ao empregador no momento da
celebração do contrato de trabalho. De facto, ao celebrar um contrato de trabalho, o
empregador terá de usar do seu poder de direção de forma justa, isto é, terá de chegar a
um justo equilíbrio entre o princípio da igualdade e não discriminação e o princípio da
liberdade contratual. Neste mesmo sentido, será analisado o princípio da proteção do
trabalhador uma vez que se trata de um princípio-chave do Direito do Trabalho que visa
garantir a dignidade e os direitos pessoais do trabalhador.
Neste mesmo ponto, veremos, sucintamente, as diversas formas de
discriminação, recorrendo ao CT e analisaremos os conceitos de discriminação direta e
discriminação indireta.
Por um lado, a discriminação direta manifesta-se pelo tratamento menos
favorável a uma pessoa que tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em
situação comparável. Por outro, a discriminação indireta surge quando uma disposição,
critério ou prática aparentemente neutra seja suscetível de colocar numa situação de
desvantagem pessoas de uma determinada classe etária por exemplo, comparativamente
com outras pessoas, ou seja, quando uma prática supostamente neutra é, na realidade,
1 2012 foi o “Ano Europeu do Envelhecimento Ativo e da Solidariedade entre Gerações”.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
aplicada para prejudicar uma pessoa em relação a outra em razão do mesmo critério.
Consideramos a discriminação indireta muito mais complexa do que a discriminação
direta, pelo que a iremos estudar mais em pormenor.
Faremos também alusão à importância do ónus da prova e determinaremos o que
são as medidas de ação positiva que permitem a discriminação positiva.
Depois, num segundo capítulo, analisaremos o enquadramento legislativo da
discriminação em função da idade, tanto no CT como na Diretiva 2000/78/CE do
Conselho, de 27 de Novembro de 2000.
No CT, consideramos de grande importância os artigos 23.º e ss, uma vez que
tratam da igualdade e não discriminação, mas também o artigo 348.º que prevê a
conversão do contrato de trabalho em contrato a termo após reforma por velhice ou
idade de 70 anos. Este último artigo trata da caducidade do contrato de trabalho em
razão da reforma por velhice do trabalhador ou quando este atinja 70 anos de idade.
Consideramos que este artigo visa uma justiça inter-geracional com o objetivo de
libertar postos de trabalho, promovendo a saída do mercado de trabalho dos
trabalhadores mais velhos para se poder inserir os mais jovens. No entanto, o art. 348.º
não é tratado como uma caducidade automática mas sim como uma caducidade atípica.
De facto, vários são as especificidades que este artigo tem de respeitar. Iremos tratá-las
todas.
Na Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, a
discriminação em função da idade é mencionada diretamente nas considerações 8 e 25 e
nos artigos 2.º e 6.º. No entanto, também serão analisados outros artigos fundamentais
ao estudo da discriminação etária, como o artigo 4.º por exemplo.
E, por fim, num terceiro e último capítulo, debruçar-nos-emos sobre uma
discriminação etária permitida em certos casos com base na jurisprudência e, mais
especificamente, na Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000.
“Impossible de vous dire mon âge, il
change tout le temps”
Alphonse Allais, Aphorismes, 1902
DO CONCEITO DE IGUALDADE E DE DISCRIMINAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO
5
CAPÍTULO I: DO CONCEITO DE IGUALDADE E DE DISCRIMINAÇÃO NO DIREITO DO
TRABALHO
Para começar, parece-nos oportuno recordar uma frase de JOÃO LEAL AMADO:
“o princípio da igualdade e o mandato antidiscriminatório, tendo conteúdos próximos,
complementam-se, mas não se confundem.”2. Será assim, uma vez que não se pode
perder de vista que o princípio da igualdade tem por objetivo tratar igual o que é igual e
desigual o que é desigual ao passo que o princípio da não discriminação visa tratar de
forma igual o que é diferente por se entender que a diferença não é relevante. Nestes
termos, não podemos confundir o princípio da igualdade e o mandato
antidiscriminatório. O princípio da igualdade não poderá ser aplicado da mesma forma a
situações diferentes, pelo que teremos sempre de ter em conta as diferenças existentes.
Parafraseando CATARINA SANTOS BOTELHO, “o princípio da igualdade incide
sobre o ponto de partida, ao passo que o princípio da proibição da discriminação
atende aos resultados. Assim sendo, dar aplicabilidade prática ao princípio da não
discriminação, implica sempre assumir e reconhecer a diferença, procurando impedir
que os indivíduos sejam prejudicados por essas diferenças e permitindo até que, em
certos casos, sejam beneficiados por causa delas (discriminação positiva). Nesta última
hipótese, fala-se, inclusive, de uma obrigação de diferenciação, de modo a obter uma
“igualdade de resultados”.”3.
2 Cfr. JOÃO LEAL AMADO, Contrato de Trabalho, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 184.
3 Cfr. CATARINA SANTOS BOTELHO,, Algumas reflexões sobre o princípio da paridade retributiva in Liberdade
e Compromisso, Vol. II, Estudos dedicados ao Professor Mário Fernando de Campos Pinto, Universidade
Católica Editora, Lisboa, 2009, p. 101.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
1. A importância do Princípio de Igualdade no Direito do Trabalho
É aos estóicos que se deve a igualdade como princípio fundamental da existência
humana, considerando os homens naturalmente iguais e sendo esta igualdade essência
da Justiça4. Assim, o princípio de igualdade é um direito fundamental e essencial no
Direito do Trabalho. Hoje, no ordenamento jurídico português, o princípio de igualdade
define cada cidadão como igual perante a lei, independentemente da sua condição
social5.
Existem duas formas de igualdade: a igualdade formal e a igualdade material.
Passamos a analisá-las.
A respeito da igualdade formal, é em 1793, na Constituição Francesa e sob o
espírito liberal, que é estabelecido que “tous les hommes sont égaux par la nature et
devant la loi.”6. Desta feita, a igualdade vê-se consagrada perante a lei. A Déclaration
des Droits de l’Homme de 1789, que teve um papel importante, limita o legislador, uma
vez que o vincula aos princípios consagrados na Declaração e estabelece no seu artigo
6.º que “elle (a lei) doit être la même pour tous, soit qu'elle protège, soit qu'elle
punisse.”.
Por outro lado, nas Constituições Portuguesas também se procurou, ao longo do
século XIX, a consagração da igualdade formal. Hoje, no artigo 13.º, n.º 1, com uma
imposição geral de igualdade, a CRP procura chegar a uma perfeita igualdade formal,
proibindo a diferenciação das pessoas7, embora nem sempre este princípio se verifique
nos diversos casos atuais. O n.º 1 do artigo 13.º da CRP prevê a igualdade entre todas as
pessoas, ou seja, o princípio da igualdade stricto sensu; o n.º 2, por sua vez, prevê a
proibição de qualquer discriminação concreta.
4 Cfr. GUILHERME MACHADO DRAY, O princípio da igualdade no Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra,
1999, p. 25. 5 Cfr. Art.º 13.º, n.º1 da CRP que estabelece que “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são
iguais perante a lei”. 6 Cfr. Art. 3.º de la Déclaration des Droits de l’Homme et du Citoyen, Acte Constitutionnel du 24 Juin
1973. 7 Cfr. JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada –
Artigos 1.º a 107.º, Vol. I, (artigo 13.º), 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, p. 338.
DO CONCEITO DE IGUALDADE E DE DISCRIMINAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO
7
Ora, considera-se que a igualdade formal não é suficiente para garantir uma
igualdade justa entre os homens. E será nesse sentido que também se busca a perfeita
igualdade em sentido material.
A igualdade material está consagrada na Constituição Portuguesa de 1976 e
traduz-se na proibição de discriminação, na proibição do arbítrio e na obrigação de
diferenciação. Assim, procura-se alcançar uma igualdade real, tratando de forma igual o
que é igual e de forma desigual o que é diferente, recorrendo a medidas corretivas de
desigualdades, através de discriminações positivas8.
Importa frisar o facto de que os fatores enunciados no artigo 13.º da CRP apenas
são exemplificativos, pois a idade não faz parte dos fatores enunciados; porém, é
considerada um motivo que pode fundamentar uma prática discriminatória. São, deste
modo, apenas enunciados os elementos que se consideravam mais significativos em
relação à diferença de tratamento no momento em que a norma foi elaborada. Hoje, a
idade tornou-se um critério significativo, pois, com o envelhecimento da população, a
discriminação em razão da idade tem tendência a aumentar consideravelmente. Por isso,
consideramos o critério da idade fundamental.
O princípio da igualdade encontra-se também estabelecido no art. 59.º n.º 1 da
CRP9. Neste artigo, o princípio da igualdade prevê uma limitação ao princípio geral da
liberdade contratual na elaboração dos contratos de trabalho10
.
No Direito do trabalho, o princípio da igualdade de tratamento aparece outro
tanto na vertente da igualdade de oportunidades no que diz respeito ao acesso ao
emprego, carreira e formação profissional11
.
8 Cfr. CATARINA SANTOS BOTELHO, ob. cit., p. 82.
9 Cfr. Art.º 59.º, n.º1 da CRP que estabelece que “Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo,
raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna; b) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar; c) A prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde; d) Ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas; e) À assistência material, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego; f) A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.” 10
Cfr. CATARINA SANTOS BOTELHO, ob. cit., p. 87. 11
Cfr. CATARINA SANTOS BOTELHO, ob. cit., p. 86.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
Os artigos 23.º e ss do CT são artigos referentes à igualdade e à não
discriminação.
Nos termos do art. 25.º, n.º 1, do CT, “o empregador não pode praticar qualquer
discriminação, direta ou indireta”. Assim, o empregador deverá tratar os seus
trabalhadores de forma igual, tendo o dever de não discriminar, especialmente na fase
do acesso ao emprego, pois a entidade empregadora é considerada uma entidade
dominante na relação laboral e mais ainda quando se trata da contratação. De facto,
como refere CATARINA SANTOS BOTELHO, o carácter desigual das partes envolvidas no
contrato é evidente, uma vez que a relação jurídica se baseia numa estrutura de direção-
subordinação e por isso, o contrato de trabalho assenta neste binómio poder de direção
vs. dever de obediência. A autora considera que “a parte mais fraca não permite a
manifestação absoluta da autonomia privada, pedindo a intervenção equilibradora do
princípio da igualdade, na medida em que o direito do trabalho possui uma conexão
umbilical com o princípio da dignidade da pessoa humana.”12
.
Assim, visa-se chegar a um “juste milieu” entre o direito à igualdade e não
discriminação e a tutela da liberdade contratual, evitando, por um lado, qualquer abuso
por parte da entidade empregadora no exercício do seu poder de direção e, por outro,
que a força de trabalho disponibilizada pelo trabalhador não se alarga à disponibilidade
da sua vida pessoal13
.
Consequentemente, surgem-nos as seguintes perguntas: poderá a entidade
empregadora ser limitada pelo princípio da igualdade nas suas contratações? Os
interesses da entidade empregadora justificam a limitação da liberdade do trabalhador?
Outrora, a liberdade contratual era quase absoluta. De facto, “qui dit contractuel,
dit juste”, isto é, o legislador quase não intervinha nas relações privadas por se entender
que as partes podiam reger elas próprias os seus interesses de forma justa14
.
Assim, não sendo impostas quaisquer restrições, o empregador tinha a
possibilidade de abusar dos seus poderes perante um trabalhador que não podia ter
12
Cfr. BOTELHO, CATARINA SANTOS, ob. cit., p. 96. 13
Vide GUILHERME MACHADO DRAY, O Princípio da Proteção do Trabalhador, Almedina, Coimbra, 2015, p. 641. 14
Neste mesmo sentido, JOSÉ JOÃO ABRANTES, Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 32.
DO CONCEITO DE IGUALDADE E DE DISCRIMINAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO
9
qualquer opinião15
. Deste modo, considera-se a proteção do trabalhador como um
princípio-chave do Direito do trabalho, assegurado, nomeadamente, através de normas
ditas imperativas, isto é, que não podem ser afastadas pela vontade das partes; da
utilização de subprincípios operacionais (como o princípio do tratamento mais favorável
ao trabalhador); da criação de normas de interpretação e com a consagração de
determinados limites internos ou externos à modificabilidade do Direito do trabalho16
.
Desta forma, limitaram-se as condições de celebração do contrato de trabalho, tendo
como ponto fulcral a proteção do contraente débil. Como o refere GUILHERME
MACHADO DRAY, “o princípio da proteção do trabalhador visa garantir a preservação
da dignidade do mesmo e dos respetivos direitos pessoais. Visa impedir que o mesmo
seja injustamente prejudicado e visa, enfim, garantir um núcleo intransponível de
direitos pessoais que decorrem da sua dignidade enquanto pessoa e enquanto
trabalhador – o direito à igualdade e à não discriminação inscreve-se nesta linha.”17
.
Assim, o Direito do trabalho surgiu para, nomeadamente, proteger o contraente
débil, e, acima de tudo, a sua dignidade18
.
Com isto, procura-se chegar à igualdade entre o os contraentes.
No que respeita aos direitos fundamentais, JOSÉ JOÃO ABRANTES considera que a
sua eficácia é “natural” no contrato de trabalho uma vez que o seu objeto é que constitua
uma ameaça para a liberdade do trabalhador19
que se envolve inteiramente na relação
laboral. Assim, com o contrato de trabalho pretende-se preservar a dignidade do
trabalhador, dado que o seu trabalho está relacionado com a sua própria pessoa20
.
Consideramos, pois, o Direito do trabalho como um ramo predestinado à
realização dos direitos fundamentais do trabalhador, pois o contrato de trabalho coloca a
15
Neste mesmo sentido, JOSÉ JOÃO ABRANTES, Direitos Fundamentais da Pessoa Humana no Trabalho, Almedina, Coimbra, 2013, p. 14. 16
Cfr. GUILHERME MACHADO DRAY, O Princípio da Proteção do Trabalhador, Almedina, Coimbra, 2015, pp. 69 e 70. 17
Cfr. GUILHERME MACHADO DRAY, O Princípio da Proteção do Trabalhador, Almedina, Coimbra, 2015, p. 566. 18
Cfr. GUILHERME MACHADO DRAY, O Princípio da Proteção do Trabalhador, Almedina, Coimbra, 2015, p. 74. 19
Cfr. JOSÉ JOÃO ABRANTES, Direitos Fundamentais da Pessoa Humana no Trabalho, Almedina, Coimbra, 2013, p. 15. 20
Vide MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Estudos de Direito do Trabalho, Volume I, Almedina, Coimbra, 2003, p. 160.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
própria pessoa do trabalhador numa esfera que não controla, pondo em risco a sua
integridade física ou psíquica ou ainda a sua força de trabalho.
Para maioria dos trabalhadores, o trabalho é uma necessidade que lhes permite
existir de um ponto de vista social mas também económico e é através da sua força de
trabalho que o trabalhador consegue sustentar-se e ao seu agregado familiar21
. De facto,
como já o referimos, vive-se uma verdadeira crise económica e tornou-se essencial aos
trabalhadores mais velhos trabalharem mais e durante mais tempo.
Ora, na realidade, persiste uma desigualdade material entre o trabalhador e o
empregador22
. Pois como o refere JOSÉ JOÃO ABRANTES23
, “nem o recurso a figuras
como o abuso de direito ou a boa fé logrou êxito na ultrapassagem dos problemas
gerados pelas situações de desigualdade real entre as partes de um contrato.”. De
facto, ainda hoje, o empregador continua com mais poder e exerce sobre o trabalhador
um poder de direção, através do contrato de trabalho, apesar de o Direito do trabalho
tender a satisfazer os interesses legítimos e pessoais tanto do trabalhador como do
empregador.
Veja-se, no momento da contratação, que o desequilíbrio entre as partes é maior
e o candidato a emprego sofre de maior fragilidade uma vez que, por um lado, negoceia
com quem lhe pode oferecer um emprego, deixando o empregador com mais poder; por
outro, sendo apenas um candidato a emprego, não existe nenhum vínculo laboral pelo
que o Direito do trabalho não protege totalmente o candidato a emprego24
.
Em todo caso, o trabalhador não pode permitir, ao celebrar um contrato de
trabalho, que os seus direitos fundamentais, enquanto pessoa humana, sejam
diminuídos25
. Desta forma, existem normas que permitem a salvaguarda da liberdade do
trabalhador, como por exemplo o art. 128.º alínea e) do CT que estabelece que “sem
prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve: Cumprir as ordens e instruções do
21
Cfr. JOSÉ JOÃO ABRANTES, Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 36. 22
Cfr. JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, Direito do Trabalho, Vol. I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 25 a 42. 23
Cfr. JOSÉ JOÃO ABRANTES, Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 35. 24
Cfr. GUILHERME MACHADO DRAY, O Princípio da Proteção do Trabalhador, Almedina, Coimbra, 2015, p. 556. 25
Cfr. MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, ob. cit., p. 172.
DO CONCEITO DE IGUALDADE E DE DISCRIMINAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO
11
empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança
e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias”26
.
Neste caso, o CT quis afirmar o facto do trabalhador ser livre e, por isso, poder
desobedecer legitimamente ao empregador quando achar que os seus direitos ou
garantias estejam ameaçados. No entanto, pode haver exceções a estas normas, isto é,
limitações à liberdade do trabalhador que são, por exemplo, traduzidas no dever de
lealdade.
Assim, apesar dos direitos fundamentais serem cruciais na relação laboral,
existem limitações. De facto, os interesses legítimos da entidade empregadora devem
harmonizar-se com os direitos fundamentais do trabalhador. Para tal, terá de verificar-se
o princípio da proporcionalidade, isto é, procurar um justo equilíbrio entre os
contraentes; a necessidade, traduzida pela salvaguarda da boa execução do contrato; a
adequação, entre o objetivo a alcançar com a limitação e o nível deste; e, por fim, a
proibição do excesso, devendo a restrição ser mínima em relação ao objetivo a ser
alcançado com a sua imposição27
.
Com isto, consideramos que a nossa ordem jurídica limita, pelo princípio da
igualdade, a entidade empregadora nas suas contratações quando não colidir com os
seus interesses para o bom funcionamento da empresa. Deste modo, estes limites são,
segundo JOSÉ JOÃO ABRANTES, “interesses legítimos” do empregador que são
alcançados através de um princípio de proporcionalidade, de necessidade, de adequação
e de proibição do excesso. Assim, terá que se procurar sempre o equilíbrio entre os
direitos fundamentais do trabalhador e os acordos definidos no contrato de trabalho
entre ele e o empregador.
Neste sentido, cabe ter presente o artigo 18.º da CRP. De facto, nos termos do n.º
2, “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente
previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para
salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”. Assim,
importa sempre ter em conta o princípio da proporcionalidade, proibindo qualquer
excesso. Dentro deste princípio, verificam-se três subprincípios que já citamos: o
26
Neste mesmo sentido, JOSÉ JOÃO ABRANTES, Direitos Fundamentais da Pessoa Humana no Trabalho, Almedina, Coimbra, 2013, p. 17. 27
Cfr.JOSÉ JOÃO ABRANTES, Direitos Fundamentais da Pessoa Humana no Trabalho, Almedina, Coimbra, 2013, p. 18.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
princípio da adequação que determina as medidas restritivas como meios adequados aos
fins visados pela lei como por exemplo a salvaguarda de outro direito; o princípio da
necessidade em que as medidas restritivas deverão ser necessárias; e o princípio da
proporcionalidade em sentido restrito sendo que as medidas restritivas e os fins obtidos
devem procurar um “juste milieu” não podendo haver medidas restritivas
desproporcionadas em relação aos fins obtidos28
. Assim, no entendimento de JOSÉ JOÃO
ABRANTES29
, há “uma presunção de liberdade, a qual significa que qualquer limitação
imposta à liberdade civil do trabalhador deverá revestir natureza absolutamente
excecional, não podendo justificar-se senão em obediência aos critérios de
proporcionalidade e de respeito pelo conteúdo essencial mínimo do direito atingido.”30
.
Desta forma, o contrato pode legitimar os poderes do empregador mas também
os limita, procurando um resultado justo entre as contraentes. Procura-se minimizar o
conflitos de direitos e equilibrar os interesses do empregador com os do trabalhador. O
poder patronal está, deste modo, sujeito aos direitos fundamentais do trabalhador.
Em suma, a celebração do contrato de trabalho tem de respeitar dois princípios:
o princípio da liberdade contratual estabelecido no artigo 405.º do CC e o princípio da
igualdade no acesso ao emprego que se encontra estabelecido nos artigos 13.º da CRP e
23.º e ss do CT.
A nível internacional, enquanto artigos que consagram o direito a igual
tratamento, encontramos o art. 23.º da DUDH, que estabelece no seu n.º 2 que “todos
têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual”, e o art. 21.º
n.º 1 da CDFUE31
, que admite a discriminação etária como uma violação de direitos
fundamentais.
Também a nível europeu, muitas são as diretivas que têm abordado o tema da
discriminação32
, só uma sendo relevante para o nosso tema: a Diretiva 2000/78/CE, de
28
Cfr. GOMES CANOTILHO, JOSÉ JOAQUIM; MOREIRA, VITAL - Constituição da República Portuguesa Anotada – Artigos 1.º a 107.º, Vol. I, (artigo 18.º), 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 392 e 393. 29
Cfr. JOSÉ JOÃO ABRANTES - Direitos Fundamentais da Pessoa Humana no Trabalho, Almedina, Coimbra, 2013, p. 20. 30
Neste mesmo sentido, BOTELHO, CATARINA SANTOS, ob. cit., p. 96. 31
Cfr. Art. 21.º n.º1 da CDFUE: “É proibida a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual.” 32
Alguns exemplos:
DO CONCEITO DE IGUALDADE E DE DISCRIMINAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO
13
27 de Novembro de 2000, que trata da igualdade de tratamento no emprego e na
atividade profissional.
2. A Discriminação no Direito do Trabalho – em função da idade, em
especial
Ao contrário da discriminação em função do sexo, raça ou da orientação sexual,
a discriminação etária é considerada separadamente por várias razões. De facto, a
discriminação etária, como refere BRUNO MESTRE33
, não constitui uma característica
fixa mas variável e não é motivada pelo mesmo ódio ou preconceito irracional do que,
por exemplo, a discriminação em razão da orientação sexual. Aliás, certos estereótipos
em relação à idade podem até ter alguma racionalidade, como, ilustrativamente, quando
servem como indicadores de performance em que se verifica uma ligação entre a idade
e a capacidade física do trabalhador. Segundo este autor, os estereótipos podem ser
normativos ou estatísticos. Serão normativos quando considerados como uma convicção
generalizada desprovida de fundamentação objetiva e estatísticos quando a convicção
será baseada em elementos objetivos que poderão sugerir um juízo genericamente
válido para o grupo entendido como um todo.
1) a Diretiva 2000/43/CE do Conselho de 29 de Junho de 2000 que aplica o princípio de igualdade
de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica; 2) a Diretiva 2002/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro de 2002, que
altera a Directiva 76/207/CEE do Conselho relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e à promoção profissionais e às condições de trabalho;
3) a Diretiva 2004/113/CE do Conselho de 13 de Dezembro de 2004 que aplica o princípio de igualdade de tratamento entre homens e mulheres no acesso a bens e serviços e seu fornecimento;
4) a Diretiva 2010/41/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Julho de 2010, relativa à aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres que exerçam uma atividade independente e que revoga a Diretiva 86/613/CEE do Conselho.
33 Cfr. BRUNO MESTRE, Discriminação em função da idade – análise crítica da jurisprudência
comunitária e nacional in Para Jorge Leite Vol. I, Escritos Jurídico-Laborais, Coordenação João Reis, Leal Amado, Liberal Fernandes, Regina Redinha, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 572.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
Para começar, importa sempre delimitar a discriminação, isto é, determinar os
fatores discriminatórios, recorrendo à lei, e determinar se se trata de uma discriminação
direta ou indireta.
Várias são as discriminações existentes no Direito do Trabalho. O art. 13.º, n.º 2,
da CRP estabelece que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado,
privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo,
raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas,
instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.” e reconhece
assim a igualdade de todos perante a lei, proibindo o tratamento arbitrário e
discriminatório. Os fatores de discriminação ilegítimos são assim enunciados, não de
forma exaustiva, podendo haver algumas diferenciações de tratamento em certos casos.
A discriminação está, deste modo, analisada como um todo mas, veja-se, a
discriminação etária não é aqui citada, embora tenha tido, nestes últimos anos, cada vez
mais relevância. Contudo, encontra-se estabelecida no CT, nos seus arts. 24.º e 25.º.
Segundo a Age Platform Europe34
, a recente crise económica levou a uma
crescente necessidade de prolongação da vida ativa dos idosos. Com efeito, a idade da
reforma vê-se aumentada, a natalidade não cresce e a segurança social sofre
dificuldades quanto ao seu financiamento, obrigando assim os idosos a ficarem no
mercado do trabalho durante mais tempo tendo por objetivo lutar contra a crise, isto é,
contra os deficits públicos. Em 2012, a crise é vista, por dois terços dos europeus, como
um fator de discriminação etária no emprego para as pessoas com mais de 55 anos,
dificultando as suas entradas no mercado do trabalho. De facto, quando um idoso está
desempregado, é muito difícil conseguir um emprego, ficando mais tempo no
desemprego em comparação com um desempregado jovem.
Importa também relembrar que muitos são os empregadores que se aproveitam
da idade dos trabalhadores mais velhos para tentar despedi-los a qualquer momento. No
nosso ordenamento jurídico, as modalidades de cessação do contrato de trabalho estão
estabelecidas no art. 340.º do CT, prevendo-se a sua cessação, nomeadamente, por
caducidade (alínea a)). De facto, e nos termos do art. 343.º alínea c) do CT, o contrato
de trabalho pode caducar com a reforma do trabalhador, por velhice.
34
Cfr. “Les personnes âgées aussi souffrent de la crise”, publicação de Novembro de 2012 da Age Platform Europe.
DO CONCEITO DE IGUALDADE E DE DISCRIMINAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO
15
Mas, e nos termos do art. 348.º, o contrato de trabalho também se pode converter
em contrato de trabalho a termo quando o trabalhador permanecer ao serviço decorridos
30 dias sobre o conhecimento, por ambas das partes, da sua reforma por velhice. Neste
último caso, ficará o contrato de trabalho sujeito ao regime do contrato a termo
resolutivo, embora sujeito a determinadas adaptações (art. 348.º, n.º 2), o que permitirá
ao empregador a possibilidade de fazer cessar o contrato de trabalho, se assim o desejar,
no final do prazo (art. 344.º do CT), isto é, no final de 6 meses.
Este tipo de contrato não necessita de redução a escrito; só pode vigorar por 6
meses, renovando-se por períodos iguais e sucessivos, sem qualquer limites e a sua
caducidade fica sujeita a aviso prévio de 60 ou 15 dias, caso a iniciativa seja do
empregador ou do trabalhador, respetivamente; por fim, a sua caducidade não impõe
qualquer compensação ao trabalhador.
Veja-se, neste contexto, um exemplo francês. No caso do Arrêt n.º 1523, du 29
Juin 2011 (09-42.165) – Cour de Cassation – Chambre Sociale. Aqui, a empresa
Imprimerie Barat (o empregador) fez cessar, em 2006, o contrato de trabalho que
mantinha com X (a trabalhadora) desde 2002, por esta ter mais de 65 anos de idade e
assim, ter idade para se reformar. Mas, X contesta o seu despedimento por não poder
usufruir da sua reforma integral por falta de trimestres suficientes e alega que já tinha
mais de 65 anos quando foi contratada. Ora, analisando o ordenamento jurídico francês,
a possibilidade de reforma surge a partir dos 65 anos, nos termos do artigo L351-8 do
Código da Segurança Social35
. Desta forma, o empregador não pode fazer cessar o
contrato de trabalho que mantém com X nos termos do artigo L1237-5 do Código do
Trabalho36
, pois, no momento da contratação, a trabalhadora X já tinha 65 anos, ou seja,
idade para se reformar. No nosso entender, o empregador está a agir de má fé tendo em
conta que não se trata de uma situação em que a empregadora atinja a idade para se
reformar (isto é, 65 anos), uma vez que já tinha idade para se reformar no momento da
35
O artigo L351-8 do Código da Segurança Social estabelece que “Bénéficient du taux plein même s'ils ne justifient pas de la durée requise d'assurance ou de périodes équivalentes dans le régime général et un ou plusieurs autres régimes obligatoires: 1° Les assurés qui atteignent l'âge prévu à l'article L. 161-17-2 augmenté de cinq années”. 36
O artigo L-1237-5 do Código do Trabalho estabelece que “La mise à la retraite s'entend de la possibilité donnée à l'employeur de rompre le contrat de travail d'un salarié ayant atteint l'âge mentionné au 1° de l'article L. 351-8 du code de la sécurité sociale”.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
contratação. Ora, nos termos do artigo L1222-1 do Código do Trabalho37
, o contrato de
trabalho tem de ser cumprido de boa fé.
Assim, o Tribunal decidiu não haver causas reais e sérias para o seu
despedimento, isto é, não considerou que a idade fosse um motivo que possa permitir ao
empregador fazer cessar o contrato de trabalho, uma vez que a trabalhadora já tinha 65
anos no dia da sua contratação e o empregador tinha conhecimento desta situação. Posto
isto, o Tribunal rejeitou o pedido da empresa Imprimerie Barrat.
Concluindo, o empregador não pode fazer cessar o contrato de trabalho
conforme a sua vontade e contra as regras da boa fé. O empregador apenas poderá fazer
cessar o contrato de trabalho nos termos da lei. Diferente seria contudo a decisão no
caso de a trabalhadora ser contratada com menos de 65 anos e atingir a idade de
reforma. Neste caso, aplicar-se-ia o artigo L1237-5 do Código do Trabalho, que prevê a
possibilidade ao empregador de fazer cessar o contrato de trabalho no momento em que
o trabalhador atinja a idade de reforma. Para tal, o trabalhador terá de reunir as
condições que lhe permite obter uma reforma “à taux plein” e as condições requeridas
pela convenção coletiva quanto à idade serem verificadas. Cabe referir que, em França,
um trabalhador que tenha obtido o status de reformado uma vez e voltar a trabalhar, não
pode obter o status de reformado uma segunda vez38
.
Em relação à idade, a discriminação surge essencialmente de preconceitos e
muitos são os estereótipos sobre os idosos, o que torna esta prática (discriminatória)
relativamente comum. Pois, os empregadores cada vez menos valorizam a experiência
profissional, preferindo valorizar a dinâmica ou a frescura dos trabalhadores mais
jovens.
Por um lado, os idosos são muitas vezes vistos como menos flexíveis e menos
produtivos e tendo menos motivação, dado que tendem a ter algumas limitações,
designadamente uma diminuição das suas capacidades com o decurso do tempo.
Também se considera que têm uma maior taxa de absentismo devido a doenças; e, por
fim, são vistos como trabalhadores que não querem aprender a usar as novas tecnologias
37
O artigo L1222-1 do Código do Trabalho determina que “Le contrat de travail est exécuté de bonne foi.” 38
Cfr. FRÉDÉRIC-JÉRÔME PANSIER, Droit du Travail, Relations individuelles et collectives, 3º Édition, Litec, 2003, p. 184.
DO CONCEITO DE IGUALDADE E DE DISCRIMINAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO
17
ou incapazes para tal39
, fazendo com que a sua formação profissional seja considerada
mais onerosa. Assim, deveriam deixar lugar aos mais jovens.
Por outro lado, os empregadores não querem correr o risco de investir em
formações profissionais nos idosos tendo em conta que estarão relativamente menos
tempo na vida ativa do que um trabalhador jovem; mas não podemos deixar de ter em
conta que um jovem terá sempre mais tendência para mudar de emprego ao longo da
sua vida profissional (melhores oportunidades, emprego mais bem pago, mais perto de
casa, etc…) do que um trabalhador mais velho, que permanecerá, muito provavelmente,
até o fim da sua. Existe igualmente a ideia de que os idosos, tendo trabalhado vários
anos e tendo assim uma vida já organizada, deveriam deixar aos jovens a oportunidade
de ter um emprego mas a antiguidade limita os empregadores nos despedimentos uma
vez que terão de indemnizar os trabalhadores mais velhos consoante a antiguidade.
Mais, os idosos vêem-se também vítimas quando uma empresa necessita de despedir
trabalhadores, porque têm, geralmente, salários mais altos, o que faz com que as
empresas escolham despedi-los no caso de terem de recorrer às chamadas “curas de
emagrecimento”.
Também nos questionamos sobre a imagem dos trabalhadores de uma
determinada empresa. De facto, perguntamo-nos se a discriminação etária será aceitável
no caso em que, por exemplo, a MTV (canal de música destinado a jovens) não admita
trabalhadores mais velhos por estes não se enquadrarem no conceito da empresa; ou,
noutro exemplo, agora sem referência ao fator etário, de um restaurante chinês que só
admita orientais40
. Nestes casos, caberá ao empregador fundamentar as suas escolhas.
Mas a idade traz também vantagens, pois um trabalhador idoso terá mais
experiência profissional e conseguirá lidar mais facilmente perante certas e
determinadas situações. Hoje em dia, vários são os anúncios em que são procurados
“trabalhadores experientes”.
A discriminação em função da idade é bastante complexa uma vez que, ao
contrário da discriminação em função do sexo ou da raça, a sua discriminação direta
admite um conjunto bem mais alargado de exceções. A discriminação em função da
idade também é fácil de dissimular e, por isso, é difícil determinar as verdadeiras razões
39
Cfr. JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, ob. cit., p. 401. 40
Neste mesmo sentido, BRUNO MESTRE, ob. cit., p. 615.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
de um despedimento (se se trata da idade ou do desempenho do trabalhador) e quando
uma discriminação se justifica (assunto que iremos desenvolver no capítulo III), ao
contrário da discriminação em função do sexo, por exemplo, que é muito mais evidente.
Uma discriminação considerada complexa também por ser uma discriminação que
atinge todos, uma vez que é variável e que um jovem de 20 anos terá, no futuro, 60
anos.
Dito isto, surge-nos outra pergunta: como é que se determina o grupo protegido,
isto é, o grupo ao qual se comparará o grupo, supostamente, discriminado? De facto,
sendo a idade uma característica variável e não fixa, torna-se difícil determinar quando é
que a idade é razão de discriminação. Veremos, mais adiante, que o grupo protegido
será determinado consoante a situação.
Para acabar, cabe frisar que o primeiro acórdão a analisar este tipo de
discriminação foi o Ac. Mangold41
em 2005. Foi nesta altura, e com este aresto, que o
princípio da proibição da discriminação em razão da idade foi considerado como um
princípio geral do direito da União42
. Teremos oportunidade de analisar este acórdão
adiante.
2.1- As diversas formas de Discriminação
Na contratação laboral, a discriminação pode ser definida por vários critérios.
Nos termos do art. 24.º do CT, vários podem ser os motivos de discriminação: em razão
da ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, situação
económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de
trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça,
território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação
sindical.
41
Ac. do Tribunal de Justiça de 22 de Novembro de 2005, Proc. C-144/04. 42
Parágrafo 75 do Ac. Mangold: “O princípio da não discriminação em razão da idade deve, assim, ser considerado um princípio geral de direito comunitário.”.
DO CONCEITO DE IGUALDADE E DE DISCRIMINAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO
19
A Diretiva, por sua vez, é mais restritiva, considerando discriminação a
discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou
da orientação sexual43
.
A discriminação em função do sexo é, sem qualquer dúvida, e desde sempre, a
forma de discriminação mais debatida no mundo. Veja-se, a única forma de
discriminação mais desenvolvida na lei ou discutida na doutrina com mais rigor é a
discriminação em função do sexo, chegando mesmo a ter uma divisão no CT: a Divisão
III “Igualdade e não discriminação em função do sexo” (artigos 30.º e ss do CT)
integrada na Subsecção III “Igualdade e não discriminação”.
De facto, as diferenças entre homens e mulheres sempre existiram e sempre
suscitaram problemas, como por exemplo: a discriminação salarial entre homens e
mulheres, a questão da maternidade, os trabalhos ditos “duros”, etc… Assim, foi a partir
desta forma de discriminação que se conseguiu evoluir em relação às outras formas de
discriminação, mediante a consagração de importantes instrumentos, de que são
exemplo as medidas de ação positiva que foram, até 2003, apenas admitidas para a
discriminação em função do sexo, vindo depois a expandir-se a outras formas de
discriminação, como a discriminação baseada na idade.
2.2- A Discriminação Direta e a Discriminação Indireta
Os conceitos de discriminação direta e discriminação indireta apareceram, pela
primeira vez, no art. 5.º da Declaração dos Direitos Internacionais do Homem, adotada
pelo Instituto de Direito Internacional em 12/10/1929, onde se previa que “L’égalité
prévue ne devra pas être nominale mais effective. Elle exclut toute discrimination
directe ou indirecte.”44
.
Mas é a partir dos artigos 23.º, n.º 1, do CT, e 2.º, n.º 2, da Diretiva que se
procede à delimitação do conceito de discriminação.
43
Cfr. Art. 1.º da Diretiva. 44 Cfr. MARGARIDA LAMY PIMENTA, O conceito de discriminação indireta: um caso de cross-fertilization
in Scientia Ivridica, Revista de Direito Comparado, Janeiro/Abril 2014 – Tomo LXIII – N.º 334, p. 113.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
De acordo com o art. 2.º, n.º 2, al. a) da Diretiva, e com o art. 23º, n.º 1, al. a) do
CT, a discriminação direta traduz-se no tratamento menos favorável a uma pessoa que
tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável, como, por
exemplo, através da imposição de limites máximos de idade aos candidatos a um
emprego sem razão aparente ou a não contratação de uma mulher em razão de se tratar
de um trabalho reservado a homens.
Veja-se, por exemplo, o caso de uma contratação para vendedor de roupa, em
que o empregador, perante dois candidatos com os mesmos critérios, mas em que um
tem 22 anos e o outro 33 anos, não admite nenhum trabalhador acima dos 25 anos por
considerar que se trata de um trabalho em que o aspeto jovem é fundamental. Neste
caso, o empregador teve a intenção de discriminar, o que leva a dizer que houve a
prática de uma discriminação direta: a discriminação direta é determinada pela intenção
do empregador em tratar diferentemente duas situações semelhantes. Nestes casos, há
uma necessidade de comparação, ou seja, deverão ser comparados os dois
trabalhadores/os dois grupos de trabalhadores/etc…, através dos critérios (idade,
género, nacionalidade, qualificações, etc…) pelos quais se verifica uma prática
discriminatória.
A este propósito, vejamos o caso da HALDE (Haute Autorité de Lutte contre les
Discriminations et pour l’Égalité), e a deliberação n.º 2010-212, de 11 de Outubro de
2010. Antes de mais, cabe referir que a HALDE foi uma instituição francesa criada em
2005 e dissolvida em 2011, especializada na luta contra as discriminações.
Ora, na deliberação n.º 2010-212, de 11 de Outubro de 2010, a HALDE
considerou que um professor de inglês de 59 anos tinha sido alvo de discriminação em
razão da sua idade. De facto, a sua candidatura ao TICE (tecnologias da informação e da
comunicação para o ensino) foi rejeitada para o ano escolar de 2009; depois de uma
investigação dirigida pela HALDE, comprovou-se que a idade dos candidatos era um
critério de seleção não justificado. Assim, admitiu-se haver, de facto, uma
discriminação direta com base na idade nos termos do art. 2.º, n.º 2, da Lei n.º 2008-
496, de 27 de Maio de 2008.
Por outro lado, a definição da discriminação indireta, dita discriminação de
facto, é mais delicada e mais difícil de provar.
DO CONCEITO DE IGUALDADE E DE DISCRIMINAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO
21
Foi no caso Griggs v. Duke Power Co. (1971) que o Supremo Tribunal norte-
americano abordou, pela primeira vez, o tema da discriminação indireta. Explicando o
caso, e, muito sucintamente, a decisão foi proferida contra a empresa Duke Power Co.
que só contratava trabalhadores negros para o departamento Labor, onde o salário mais
elevado era inferior ao salário mais baixo praticado em qualquer um dos outros
departamentos. Em 1955, a empresa exigia habilitações académicas de nível superior,
excluindo o departamento Labor onde vários trabalhadores brancos, e somente brancos,
podiam ser promovidos da Labor a outros departamentos sem lhes serem exigido
qualquer habilitação académica de nível superior. Em 1965, com a entrada em vigor do
Civil Right Act de 1964, a empresa desistiu desta política de recursos humanos,
permitindo a todos os trabalhadores (brancos e negros) serem promovidos na condição
de ter habilitações académicas de nível superior. Segundo MARGARIDA LAMY PIMENTA,
o Título VII do Civil Rights Act apenas previa a aceitação de discriminação com base
num determinado critério quando estivesse em causa uma “bona fide occupational
qualification” através de três requisitos: “haver uma relação direta entre a
característica relevante e a capacidade de desempenho das obrigações inerentes à
função, haver uma relação direta entre a “bona fide occupational qualification” e a
essência ou a missão central da atividade do empregador, e inexistir uma alternativa
menos restritiva.”45
.
Esta discriminação consagrada no art. 2º, n.º 2, al. b) da Diretiva e no art. 23º, n.º
1, al. b) do CT existe “sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente
neutra seja suscetível de colocar numa situação de desvantagem pessoas com uma
determinada religião ou convicções, com uma determinada deficiência, pessoas de uma
determinada classe etária ou pessoas com uma determinada orientação sexual,
comparativamente com outras pessoas”.
A proibição de discriminação indireta visa proteger a igualdade substancial entre
os contraentes. Por disposição, entende-se ser a lei, as cláusulas do contrato individual
de trabalho, entre outros exemplos. O critério relaciona-se com o fator idade que leva à
discriminação por parte do empregador como na celebração do contrato de trabalho ou
45
Cfr. MARGARIDA LAMY PIMENTA, ob. cit., p. 120 a 124.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
na altura da promoção do trabalhador. Por fim, a prática inclui a aplicação prática de
uma disposição ou critério46
.
Assim, considera-se haver discriminação indireta quando uma suposta prática
neutra é, na realidade, aplicada para prejudicar uma pessoa em relação a outra em razão
do mesmo critério. TERESA COELHO MOREIRA admite que a proibição da discriminação
indireta supõe uma maior proteção, uma vez que as pessoas ficam protegidas contra o
tratamento injusto mesmo que não seja intencional47
. Pois, ao contrário da
discriminação direta, um dos requisitos da discriminação indireta não é a intenção mas
sim as consequências que tal ato pode gerar.
A discriminação indireta verificar-se-á, por exemplo, no caso em que for
requerido um determinado grau académico, aparentemente neutro, mas que tenha efeitos
diferentes nos trabalhadores de uma determinada faixa etária que não possuem o mesmo
grau académico, a menos que o requisito seja objetivamente justificado quanto à função
a exercer. Dito de outra forma, se a característica requerida constituir uma exigência
profissional essencial e determinante, a prática não será considerada como uma
discriminação. Assim como no caso em que determinado empregador estiver à procura
de candidatos com conhecimentos na área das novas tecnologias, aqui, estar-se-á a
privilegiar as gerações mais novas.
No que respeita à discriminação indireta com base na idade, esta ocorre quando
uma prática, aparentemente neutra, é suscetível de colocar numa situação de
desvantagem pessoas com uma determinada idade, em comparação com outras pessoas,
a não ser que a prática seja objetivamente justificada por um objetivo legítimo
alcançado por meios adequados ou necessários. Para TERESA COELHO MOREIRA,
também será essencial determinar um grupo contingente e escolher um comparador,
provar a desvantagem existente e determinar os meios de prova admissíveis48
.
Neste mesmo sentido, BRUNO MESTRE admite dois tipos de comparadores: os
reais e os hipotéticos. O comparador é real quando duas pessoas em concreto são
comparadas uma à outra e se prova a existência de uma desvantagem com base na
idade, como por exemplo quando A (57 anos) é discriminado em relação a B (20 anos)
por causa da sua idade mais avançada. O comparador é hipotético quando não se pode
46
Cfr. TERESA COELHO MOREIRA, Igualdade e não discriminação, Almedina, Coimbra, 2013, p. 96. 47
Cfr. TERESA COELHO MOREIRA, ob. cit., p. 36. 48
Cfr. TERESA COELHO MOREIRA, ob. cit, pp. 96 e 97.
DO CONCEITO DE IGUALDADE E DE DISCRIMINAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO
23
comparar duas pessoas em concreto e, assim, realiza-se uma análise que visa determinar
se o tratamento teria sido diferente se não fosse a idade, como, por exemplo, analisar
uma situação em que A, com uma idade avançada, foi despedido, tendo, para o efeito,
que se indagar das causas do despedimento49
.
Assim, consideramos primordial a capacidade de provar que a prática
aparentemente neutra é, na realidade, ligada à idade de forma discriminatória e
determinar a partir de que momento é que a diferença com base na idade é relevante
para constituir dois grupos distintos.
Os idosos são muitas vezes alvos de discriminação indireta logo nos anúncios de
emprego. São frequentes os anúncios do género “Procura-se trabalhador dinâmico” ou
“Procura-se trabalhador com experiência profissional”, anúncios que, sendo
aparentemente normais, podem estar associados a um conjunto de candidatos que
poderão ser vítimas de discriminação em razão da sua idade. De facto, o requisito
“dinâmico” pressupõe uma pessoa jovem; por isso, o empregador pode alegar que não
se trata aqui de qualquer discriminação etária, mas apenas de um simples critério e,
assim, tornar a discriminação dificilmente percetível e mais difícil de provar.
Quanto à experiência profissional, esta é automaticamente associada à idade e,
portanto, não há dúvida de que se trata de um critério discriminatório em relação aos
trabalhadores mais novos, que acabem, desta maneira, por não poderem ganhar essa tal
“experiência profissional” que lhes é requerida.
Deste modo, delimitar com precisão os motivos que justificam uma
discriminação é essencial. Neste sentido, o legislador tentou resolver o problema através
da Diretiva que prevê no seu art. 10.º uma espécie de ónus da prova partilhado que
permite às partes provarem a existência de discriminação ou não, ou seja, para este
efeito, o lesado terá que apresentar os elementos da possível discriminação e o lesante
terá de provar a não violação do princípio da igualdade de tratamento, ou seja, provar
que não agiu injustamente e que a sua ação é legítima.
Assim, consideramos que o lesado tem de apresentar ao tribunal os factos que
provam a existência de uma presumível discriminação etária enquanto o lesante não terá
49
Cfr. BRUNO MESTRE, ob. cit., p. 587.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
de demonstrar que não houve discriminação em função da idade, mas sim demonstrar
que a sua ação é justificada e legítima.
No caso de uma discriminação direta, logo que os factos forem apresentados ao
Tribunal, o juiz avalia a prova e determina se se trata de simples alegações ou se
originam, de facto, uma presumível discriminação etária. Se, para ele, se tratar de
simples alegações, não se considera haver qualquer discriminação etária; pelo contrário,
se considerar haver razões para presumir a existência de discriminação etária, o
empregador será chamado para provar que a diferença de tratamento em causa é
justificada. No entender de TERESA COELHO MOREIRA50
, o ordenamento jurídico
português parece admitir a partilha do ónus da prova de forma demasiada restritiva, pois
só beneficia o candidato ou trabalhador na medida em que ele invocar, além da
diferença de tratamento que lhe é desfavorável, o fator de discriminação que lhe parece
estar na origem da diferenciação que foi praticada e o dano que obteve. Quanto ao
empregador, este terá de provar que a diferença de tratamento é justificada ou que não
existe, tendo, neste último caso, de provar que se trata de duas situações diferentes. Para
tal, os argumentos terão de ser pertinentes.
Relativamente à idade, as diferenças de tratamento podem ser justificadas à luz
do art. 6.º da Diretiva e do art. 25.º, n.º 3, do CT.
No caso da discriminação indireta, a intenção do lesante não pode ser tida em
conta, dado que não se trata de um requisito deste tipo de discriminação. A prova
constituirá numa análise dos efeitos da prática e constituir grupos comparáveis será
determinante. Assim, o candidato ou trabalhador terá de alegar a prática implementada e
provar que a prática colocou o grupo numa posição de desvantagem51
. Quanto ao
empregador, este poderá tratar de forma diferente sem se tratar de discriminação
indireta, pois pode alegar um interesse legítimo que respeita o princípio da
proporcionalidade; contudo, a justificação tem de ser objetiva.
Veja-se, a título de exemplo, o caso Hill52
. Neste caso, tratou-se de um litígio
que opôs Hill e Stapleton aos Revenue Commissioners e ao Department of Finance.
Aqui, o TJUE não achou pertinentes as justificações dadas pelos empregadores. Nos
termos do parágrafo 38, “nem a justificação apresentada pelos Revenue Commissioners
50
Cfr. TERESA COELHO MOREIRA, ob. cit., p. 118. 51
Cfr. TERESA COELHO MOREIRA, ob. cit., p. 119. 52
Acórdão do Tribunal de Justiça, de 17 de Junho de 1998, Proc. C-243/95.
DO CONCEITO DE IGUALDADE E DE DISCRIMINAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO
25
e pelo Department of Finance, segundo o qual existe uma prática corrente na função
pública de “contabilizar” apenas o serviço efetivamente cumprido, nem a justificação
segundo a qual esta prática representa um sistema de recompensa que mantém a
motivação, o empenhamento e o moral do pessoal são pertinentes. A primeira
justificação é uma simples generalidade que não foi justificada por critérios objetivos.
No que respeita à segunda, o sistema de recompensa dos trabalhadores que exercem a
sua atividade no âmbito do regime do trabalho a tempo inteiro não pode ser
influenciado pelo regime de trabalho a tempo partilhado.”. Mais, no parágrafo 40 lê-se
que “No que respeita à justificação baseada em razões económicas, deve recordar-se
que uma entidade patronal não pode justificar uma discriminação que resulta de um
regime de trabalho a tempo partilhado apenas pela razão de que a eliminação dessa
discriminação implicaria um aumento de custos.”.
As duas razões fundamentais para haver uma partilha do ónus da prova estão em
considerar que os queixosos raramente se encontram em posição de provar que houve
uma prática discriminatória e o lesante ter mais probabilidade de acesso à totalidade dos
factos por parte daqueles acusados de discriminação53
. “Este regime visa facilitar aos
trabalhadores, assim como aos candidatos vítimas de discriminação, o acesso à justiça
já que, na maior parte dos casos, é o empregador que detém os elementos que poderão
afastar a presunção de que essa conduta, critério ou medida resulta de um
comportamento discriminatório.”54
. Paralelamente, temos o artigo 25.º, n.º 5, do CT
que estabelece, da mesma forma, que “cabe a quem alega discriminação indicar o
trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado,
incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em
qualquer fator de discriminação.”, uma regra que existia antes do CT de 2003 mas
apenas em relação ao princípio da igualdade em função do sexo.
TERESA COELHO MOREIRA refere também a proteção contra atos de retaliação
(art. 11.º da Diretiva), dizendo que “esta proteção também é válida para testemunhas
em processos de discriminação como uma forma de incentivá-las a testemunhar”55
.
Neste caso, considera-se que o legislador procurou proteger o trabalhador contra
possíveis represálias do seu empregador perante a queixa feita.
53
Vide Igualdade e não discriminação: Relatório anual 2004 da Comissão Europeia, p. 20. 54
Cfr. TERESA COELHO MOREIRA, ob. cit., p. 111. 55
Cfr. TERESA COELHO MOREIRA, ob. cit., p. 37.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
Quanto à discriminação indireta em razão da idade, exemplificamos este
conceito através do acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Fevereiro de 2013, Proc. C-
427/11. Aqui, várias trabalhadores impuseram uma ação contra o Minister for Justice,
Equality and Law Reform, o Minister for Finance e o Commissioner of An Garda
Síochána a respeito de uma diferença de remuneração entre elas e outro grupo de
funcionários. As recorrentes no processo principal são funcionárias do Minister e
afetadas a funções administrativas na An Garda Síochána (polícia nacional) e
consideram exercer um trabalho equivalente a outro grupo de funcionários de sexo
masculino. De facto, os trabalhadores de sexo masculino também exercem funções
administrativas em lugares específicos reservados a membros daquela, ditos os “lugares
designados” ou “lugares reservados”. O Labour Court concluiu que a proporção de
homens e mulheres nos grupos em questão revelava, à primeira vista, uma
discriminação salarial indireta. Assim, o Labour Court presumiu que se tratava
efetivamente de trabalho idêntico e, naturalmente, pediu ao Minister que provasse a
justificação objetiva da aparente discriminação salarial indireta. Deste modo, o Minister
declarou que “a mutação de membros da An Garda Síochána para lugares
administrativos reservados, ou seja, os lugares designados, justificava-se para
responder às necessidades operacionais e era apropriada e necessária para satisfazer
as referidas necessidades de pagar aos membros da An Garda Síochána afetados a tais
funções a remuneração aplicável à sua categoria enquanto membros da An Garda
Síochána”56
. Por sua vez, o Labour Court observou que “a afetação de agentes da An
Garda Siochána a tarefas burocráticas visa satisfazer necessidades operacionais da
força policial ou a necessidade de efetuar o processo de “civilianisation” de uma forma
e a um ritmo que garantem a adesão dos órgãos representativos do pessoal da An
Garda Siochána” e que, consequentemente, “a atribuição aos titulares desses lugares
de remunerações correspondentes às pagas aos membros da An Garda Síochána faz
parte do objetivo prosseguido, na medida em que seria manifestamente injusto e
impraticável reduzir o salário dos membros da An Garda Síochána que ocupam os
referidos lugares.”57
. Assim, compete às trabalhadores provarem a existência de
discriminação e, de seguida, incumbirá ao empregador demonstrar que não houve
violação do princípio da igualdade de tratamento. Neste caso, parte-se do princípio que
existe, de facto, uma discriminação indireta em razão do sexo.
56
Cfr. parágrafo 13 do Ac. do Tribunal de Justiça de 28 de Fevereiro de 2013, Proc. C-427/11. 57
Cfr. parágrafo 15 do Ac. do Tribunal de Justiça de 28 de Fevereiro de 2013, Proc. C-427/11.
DO CONCEITO DE IGUALDADE E DE DISCRIMINAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO
27
Ora, o importante será de determinar se ambos os grupos de trabalhadores
desempenham o mesmo trabalho e o empregador provar a existência de uma justificação
objetiva relativamente à diferença de tratamento, referir esta justificação às pessoas de
referência para constatar a referida diferença e, por fim, o órgão jurisdicional ter em
consideração o interesse das boas relações laborais na sua apreciação das diferenças de
tratamento.
Para JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES58
há, no entanto, exceções à discriminação.
De facto, e nos termos do art. 4.º da Diretiva, os EM podem prever uma diferença de
tratamento baseada na idade sempre que esta seja essencial e determinante para o
exercício de determinada atividade e na condição de o objetivo ser legítimo e o requisito
proporcional. Contudo, estas diferenças de tratamento só poderão ocorrer em
circunstâncias muito limitadas, como o refere a consideração 23 da Diretiva.
Este autor refere igualmente a utilização de estatísticas59
para a demonstração de
discriminação indireta. Para ele, os testes estatísticos são enganadores e abordam
somente um determinado momento, deixando assim passar despercebida a diferença de
tratamento persistente e continuada que pode provar, mais facilmente, a prática de uma
discriminação indireta. No entanto, e apesar de ter sido aceite pelo TJUE, este meio para
provar a discriminação indireta não é único, como o determina a consideração 15 da
Diretiva. Segundo TERESA COELHO MOREIRA, este meio de prova implica que o
demandante tenha de provar que este meio é o mais adequado para demonstrar a prática
discriminatória entre dois grupos e o tribunal tem de considerar este meio como credível
e plausível60
.
3. A obrigação de diferenciação
O conceito de igualdade admite dois lados distintos mas complementares: um
lado igualador onde as situações iguais serão tratadas de forma igual e um lado
diferenciador onde serão tratadas de forma diferenciada as situações desiguais. Contudo,
58
Cfr. JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, ob. cit., p. 394. 59
Cfr. JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, ob. cit, pp. 396 a 398. 60
Cfr. TERESA COELHO MOREIRA, ob. cit., pp. 98 e 99.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
a igualdade não poderá ser aplicada da mesma forma em todos os casos, pois pretende-
se um tratamento igual de situações semelhantes e não um imperativo de tratamento
uniforme de todos. Assim, visa-se corrigir as diferenças existentes através de um
mesmo tratamento perante situações a priori desiguais, assegurando, desta forma, a
proteção da pessoa, evitando qualquer prejuízo que possa vir a sofrer por causa de um
determinado critério (a sua idade, o seu sexo, a sua orientação sexual, etc…).
Segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, a obrigação de diferenciação
será uma “forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a
eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social,
económica e cultural.”61
. Podemos então falar de “discriminação positiva” através de
“medidas de ação positiva”, isto é, medidas que não constituem qualquer discriminação.
Outrora, a discriminação positiva servia essencialmente para proteger o sexo
feminino. De facto, e como já foi mencionado, até 2003, as medidas de ação positiva
apenas eram admitidas para a discriminação em função do sexo. Atualmente, também
são admitidas para a discriminação em função da idade.
A ação positiva está consagrada no art. 7.º, n.º 1, da Diretiva. É através deste
artigo que é permitido aos EM manterem ou adotarem medidas próprias para prevenir
ou compensar desvantagens relacionados com a religião ou convicções, a deficiência, a
idade ou a orientação sexual.
Desta forma, a diferença de tratamento não será apenas uma forma de
discriminação mas poderá ser uma medida de ação positiva, ou seja, uma diferença de
tratamento que não afetará o princípio da igualdade de tratamento. Porém, como o
refere JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES62
, trata-se de uma permissão e não de uma
obrigação, pelo que os EM terão de escolher entre praticar este direito ou não.
Paralelemente, tal medida encontra-se também no art. 27.º do CT, segundo o
qual “não se considera discriminação a medida legislativa de duração limitada que
beneficia certo grupo, desfavorecido em função de fator de discriminação, com o
objetivo de garantir o exercício, em condições de igualdade, dos direitos previstos na
lei ou corrigir situação de desigualdade que persista na vida social.”.
61
Cfr. JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, VITAL MOREIRA, ob. cit., p. 339. 62
Cfr. JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, ob. cit., p. 408.
DO CONCEITO DE IGUALDADE E DE DISCRIMINAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO
29
Para exemplificar, vejamos o caso das quotas. Pretende-se aqui admitir pessoas
sujeitas a discriminação ao acesso ao emprego, como por exemplo, os trabalhadores
mais velhos. Desta forma, procura-se eliminar preconceitos que os considerem menos
produtivos.
É através das medidas de ação positiva que se pretende corrigir as desigualdades
e promover a igualdade e, assim, diferenciar para melhor alcançar a igualdade.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
CAPÍTULO II: A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE – O SEU ENQUADRAMENTO
LEGISLATIVO
A discriminação em função da idade é um assunto tratado pelo direito
comunitário há relativamente pouco tempo. Contudo, a temática não é recente, pois o
conceito de proteção contra a discriminação etária surgiu no sistema jurídico norte-
americano no início do século XX.
A questão mais lógica que surge quando abordamos o tema da discriminação em
função da idade é a seguinte: qual é a idade que determina a discriminação etária?
De facto, nem o CT, nem a Diretiva nos propõem uma definição certa da idade.
A idade é um conceito relativo, pois, uma pessoa com 45 anos de idade será vista como
jovem perante outra pessoa com 80 anos, mas velha comparada com uma pessoa de 18
anos.
Assim, foi em 1967 que surgiu o Employment Age Discrimination Act que
proíbe a discriminação no emprego das pessoas com 40 anos ou mais, impondo uma
idade mínima. O Employment Age Discrimination Act visa proteger os trabalhadores
mais velhos através da discriminação direta e, desde 2005, através da discriminação
indireta. Porém, a Diretiva e o CT continuam sem estabelecer qualquer idade mínima a
partir da qual a discriminação é proibida, considerando discriminação etária, a
discriminação quer dos idosos, quer dos jovens. Deste modo, não tendo limite de idade
para se considerar discriminação etária, o importante será de determinar a necessidade
da idade em cada caso concreto.
Neste capítulo será analisada a discriminação em função da idade no Código do
Trabalho e na Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE – O SEU ENQUADRAMENTO LEGISLATIVO
31
1. A Discriminação em função da idade no Código do Trabalho
A igualdade e a não discriminação encontram-se estabelecidas no artigo 23.º e
seguintes do CT. No entanto, é nosso entender que, no âmbito da presente dissertação,
não nos parece relevante desenvolver cada artigo. Assim, consideramos os artigos 24.º e
25.º do CT os mais relevantes para o nosso tema.
Sendo o contrato individual de trabalho um acordo entre duas partes, hoje muitos
trabalhadores são discriminados em relação à idade pela entidade empregadora,
fenómeno discriminatório que tem vindo a aumentar ao longo dos anos nas relações
laborais.
Nos termos do artigo 24.º do CT, o trabalhador tem direito a igualdade de
tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, não podendo ser discriminado a
partir dos vários fatores de discriminação enunciados, nomeadamente a idade. Com
efeito, vem o n.º 2 estabelecer que o direito à igualdade é previsto nas diversas fases de
formação de contrato de trabalho: na fase de seleção, nas fases de orientação, formação
e reconversão profissionais… mas não só. E, voltando ao n.º 1, considera-se que o
direito à igualdade abrange o trabalhador mas também o candidato a emprego, ou seja, o
direito à igualdade também se aplica na fase anterior à formação do contrato.
No artigo 25.º do CT, a proibição de discriminação mantém-se, mas este artigo
prevê algumas exceções. Exceções que não serão uma questão de diferenciação em si
mas sim uma questão de motivos que a justifiquem63
.
Assim, enquanto no art. 24.º está em causa um sentido positivo da igualdade, isto é,
todos os trabalhadores têm direito à igualdade de oportunidades e de tratamento, neste
artigo está em causa um sentido negativo que visa proibir os privilégios e distinções, o
arbítrio e a discriminação.
Vejamos. No n.º 2, a discriminação é tida como aceite quando o objetivo é legítimo
e o requisito proporcional. Trata-se de proceder a uma delimitação negativa do conceito
de discriminação. Neste mesmo sentido, a Diretiva também permite este tipo de
63
Cfr. PEDRO ROMANO MARTINEZ, LUÍS MIGUEL MONTEIRO, JOANA VASCONCELOS, PEDRO MADEIRA DE BRITO, GUILHERME DRAY, LUÍS GONÇALVES DA SILVA, Código do Trabalho Anotado, 9.ª Edição, Almedina, 2013, p. 176.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
discriminação em relação à idade nos termos do seu artigo 6.º, que analisaremos mais
adiante.
Mas mais relevante para a nossa tese é o n.º 3. Aqui, está estabelecido que “são
nomeadamente permitidas diferenças de tratamento baseadas na idade que sejam
necessárias e apropriadas à realização de um objetivo legítimo, designadamente de
política de emprego, mercado de trabalho ou formação profissional.”, ou seja, tal como
a Diretiva, o CT prevê exceções à não discriminação em função da idade. Assim,
estaríamos perante uma medida de ação positiva64
. Para JOÃO LEAL AMADO, estas
diferenças de tratamento baseadas na idade é que seriam a razão de ser do n.º 465
.
Por fim, o n.º 5 prevê um ónus da prova partilhado, estando o regime geral previsto
no art. 342.º do CC. Outrora, esta norma apenas dizia respeito ao princípio de igualdade
em função do sexo e foi com a entrada em vigor do CT de 2003 que se expandiu a todas
as práticas discriminatórias. Este artigo estabelece que “cabe a quem alega
discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera
discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não
assenta em qualquer fator de discriminação.”.
Assim, num primeiro tempo, cabe ao trabalhador indicar o outro trabalhador perante
o qual se sente discriminado; depois, cabe ao empregador provar que a diferença de
tratamento não é discriminatória. Estamos perante uma espécie de ónus da prova inversa
em que o ónus da prova cabe à parte demandada e, de seguida, cabe ao empregador a
prova de que não houve nenhuma prática discriminatória.
Como já foi referenciado, o artigo 27.º prevê a medida de ação positiva no nosso
ordenamento jurídico, isto é, uma medida legislativa de duração limitada que favorece
certo grupo sem que esta ação seja considerada como discriminação. O artigo 27.º
estabelece que “não se considera discriminação a medida legislativa de duração
limitada que beneficia certo grupo, desfavorecido em função de fator de discriminação,
com o objetivo de garantir o exercício, em condições de igualdade, dos direitos
previstos na lei ou corrigir situação de desigualdade que persista na vida social.”.
Assim, a medida de ação positiva visa lutar um desfavorecimento previamente existente
e é através do tratamento desigual que procura compensar as desigualdades existentes.
64
Cfr. Art. 27.º do CT. 65
Cfr. JOÃO LEAL AMADO, ob. cit., p. 184.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE – O SEU ENQUADRAMENTO LEGISLATIVO
33
O CT prevê também consequências em caso de violação do princípio geral da
não discriminação, nos seus artigos 25.º n.º 7 e n.º 8 e 28.º.
1.1 O artigo 348.º do Código do Trabalho
Em regra, a caducidade traduz-se na cessação “automática” do vínculo em
consequência de determinadas situações que põem um termo ao contrato. Ora, acerca do
artigo 348.º do CT, repare-se, num primeiro tempo, na importância da reforma. Foi em
1975, na Lei dos Despedimentos, que a reforma por velhice surgiu no regime da
caducidade com o objetivo de libertar postos de trabalho numa altura em que se vivia
uma verdadeira crise de desemprego66
, isto é, promovendo a saída do mercado do
trabalho dos trabalhadores mais velhos para inserir os mais jovens. Neste caso, podemos
falar numa verdadeira justiça inter-geracional.
Com a reforma por velhice, o trabalhador passa a ter direito a uma prestação
pecuniária dada pelo sistema da segurança social e que visa substituir o seu rendimento
de trabalho. Pois, nos termos do artigo 63.º n.º 3 da CRP67
, o sistema da segurança
social protege os cidadãos na velhice. Importa relembrar que o trabalhador reformado só
poderá usufruir deste direito a partir dos 65 anos, como o determina o artigo 20.º68
do
Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio que define e regulamenta o regime jurídico de
proteção nas eventualidades invalidez e velhice do regime geral de segurança social,
embora a lei admita algumas exceções.
Assim, nos termos do art. 343.º alínea c), o contrato de trabalho caduca com a
reforma por velhice do trabalhador.
A este propósito, JORGE LEITE defende que esta norma visa, principalmente,
libertar postos de trabalho para os que procurem emprego, sendo assim mais uma
66
Cfr. ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 16.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2012, p. 458. 67
Nos termos do art. 63.º n.º 3 da CRP: “O sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.”. 68
O artigo 20.º do DL n.º 187/2007, de 10 de Maio estabelece que “O reconhecimento do direito a pensão de velhice depende ainda de o beneficiário ter idade igual ou superior a 65 anos”.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
questão de política de emprego e não tanto uma questão de impossibilidade do
trabalhador mais velho. Pois este autor considera que, contrariamente à reforma por
invalidez que se pode incluir no art. 343.º alínea b) (dado que se presume uma
impossibilidade do trabalhador de continuar a exercer as suas funções), a reforma por
velhice é mais complexa69
.
Admitindo que a reforma por velhice visa libertar postos de trabalho para os
desempregados, esta não se pode incluir no art. 343.º alínea b), pois a reforma não
pressupõe necessariamente a incapacidade do trabalhador mais velho. Assim, JORGE
LEITE considera que o art. 343.º alínea c) do CT pouco tem que ver com um caso de
caducidade nos termos gerais de direito70
, considerando-a, desta forma, uma caducidade
atípica.
Neste mesmo sentido, PEDRO FURTADO MARTINS também considera que a
cessação do contrato de trabalho através da reforma por velhice é promovida por valores
laborais, nomeadamente para a libertação de postos de trabalho para os jovens
trabalhadores, estando dirigida à empregabilidade71
.
Em Portugal, a reforma por velhice é voluntária e é permitido aos trabalhadores
reformados cumularem a pensão da Segurança Social com um emprego remunerado.
Posto isto, o artigo 348.º do CT prevê a “Conversão em contrato a termo após
reforma por velhice ou idade de 70 anos”. Encontra-se aqui uma exceção à não
discriminação em função da idade uma vez que este artigo estabelece uma diferença de
tratamento.
Nos termos do n.º 1 e 2 do art. 348.º, existe conversão em contrato a termo, do
contrato de trabalho do trabalhador que permaneça ao serviço decorridos 30 dias após o
conhecimento da sua reforma pelas duas partes. De facto, o conhecimento do direito à
pensão é que importa, pois, como o refere ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, pode
demorar um longo período antes de o empregador ter conhecimento da reforma do seu
69
Cfr. JORGE LEITE, Direito do Trabalho, Volume II, Serviços de Ação Social da Universidade de Coimbra,
Serviço de Textos, Coimbra, 2004, p. 204. 70
Cfr. JORGE LEITE, ob. cit., p. 198. 71
Cfr. PEDRO FURTADO MARTINS, Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, Principia, Cascais, 2012, p. 111.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE – O SEU ENQUADRAMENTO LEGISLATIVO
35
trabalhador72
e, desta forma, o contrato cessa não por efeito da reforma mas sim no
momento do conhecimento desta por ambas as partes73
.
Assim, a reforma não determina necessariamente a cessação de um contrato,
apenas o converte em contrato a termo certo74
, tornando o vínculo precário.
PEDRO ROMANO MARTINEZ determina, deste modo, a não caducidade automática
(fazendo desta forma de caducidade uma situação excecional, pois necessita-se do
conhecimento da situação de reforma pelo empregador e da vontade das partes que têm
de intervir), comparando esta situação com a prevista no art. 343.º alínea a) do CT.
Porém, o empregador terá sempre um meio para o fazer cessar se assim o
entender mas o contrato de trabalho terá, independentemente da decisão que será
tomada, de manter-se durante os 30 dias estabelecidos no n.º 1 do art. 348.º.
Da mesma forma, o trabalhador terá de fazer um requerimento à segurança
social se desejar pôr um termo ao contrato de trabalho e receber o status de reformado,
não sendo, de todo, uma imposição.
Se nada for dito durante o período de 30 dias, o contrato converte-se
automaticamente em contrato a termo, sendo dispensada a redução do contrato a escrito
(art. 348.º n.º 2 alínea a)), sendo a sua duração de 6 meses (nada impedindo que a
renovação seja por período inferior), renovável por períodos iguais e sucessivos, sem
qualquer limite (art. 348.º n.º 2 alínea b)), a caducidade ficando sujeita a aviso prévio de
60 ou 15 dias, consoante a iniciativa pertença ao empregador ou ao trabalhador (art.
348.º n.º 2 alínea c)) e não concede qualquer compensação ao trabalhador (art. 348.º n.º
2 alínea d)). Importa frisar, no entendimento de PEDRO ROMANO MARTINEZ, que “a
extinção do vínculo só se verificará quando ambas as partes tomem conhecimento da
situação e não no momento em que o trabalhador se reforma”75
. Nestes termos,
encontramo-nos perante uma exceção ao regime geral do contrato a termo que vamos
relembrar de seguida, muito sucintamente.
72
Cfr. ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, ob. cit., p. 458. 73
Neste mesmo sentido, JOÃO NUNO ZENHA MARTINS, Nótula sobre a Reforma por Velhice e a Caducidade do Contrato de Trabalho in Prontuário de Direito do Trabalho, Centro de Estudos Judiciários, n.º 68, Maio – Agosto de 2004, p. 95. 74
Neste mesmo sentido, PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 6.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2013, p. 878. 75
Cfr. PEDRO ROMANO MARTINEZ, ob. cit., p. 878.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
O regime geral de contrato a termo encontra-se estabelecido nos artigos 139.º e
seguintes do CT. O artigo 140.º prevê a “Admissibilidade de contrato de trabalho a
termo resolutivo” e esclarece no seu n.º 1 que “o contrato de trabalho a termo
resolutivo só pode ser celebrado para satisfação de necessidade temporária da empresa
e pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade.”. Assim, os
contratos a termo apenas podem ser celebrados para satisfazer uma determinada
necessidade da empresa e só podem ser renovados até três vezes com uma duração
máxima de três anos, incluindo as renovações76
. Ora, no novo contrato a termo
estabelecido no art. 348.º, este não necessita de uma redução a escrito, vigora por mais 6
meses, renovando-se por períodos iguais e sucessivos, sem limites de renovações e sem
qualquer compensação ao trabalhador.
Por sua vez, o n.º 3 dispõe que “o disposto nos números anteriores é aplicável a
contrato de trabalho de trabalhador que atinja 70 anos de idade sem ter havido
reforma.”, ou seja, para haver conversão para contrato a termo, o principal critério é o
trabalhador ter atingido 70 anos de idade e não requerer a sua reforma, e aplicar as
especificidades do n.º 2. Deste modo, a idade aparece aqui como um limite ao contrato
por tempo indeterminado.
Assim, o trabalhador manterá o seu contrato de trabalho, mas este ficará sujeito a
um termo certo de 6 meses. Contrariamente, no Ac. Palacios de la Villa, a legislação
nacional espanhola, na sua Ley 14/2005, de 2 de Julho, estabelece a cessação
obrigatória do contrato de trabalho dizendo que “nas convenções coletivas, poderão ser
estabelecidas cláusulas que possibilitem a extinção do contrato de trabalho por o
trabalhador ter atingido a idade normal de reforma fixada na regulamentação da
segurança social”, uma vez que esta medida está ligada a objetivos legítimos que visam
melhorar a qualidade do emprego e conquanto o trabalhador em causa tenha direito à
pensão de reforma77
78
.
Analisando o n.º 1 e o n.º 3 do art. 348.º do CT, vimos que existe uma diferença
quanto à aposição automática do termo. De facto, no n.º 1, o contrato converte-se em
contrato a termo consoante existir um pedido de reforma ou não e haver conhecimento
da situação de reforma por parte do empregador; no n.º 3, o único requisito é o
76
Cfr. Art. 148.º do CT. 77
Cfr. PAULO RAMOS DE FARIA, Velhos são os trapos: discorrendo por analogia sobre o acórdão Palacios de
la Vila, Questões Laborais, Ano XVI, N.º 34, Julho/Dezembro 2009, Coimbra Editora, p. 225-226. 78
Vide Ac. Palacios de la Vila, parágrafo 22.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE – O SEU ENQUADRAMENTO LEGISLATIVO
37
trabalhador atingir 70 anos79
. Assim, no entender de JORGE LEITE, no n.º 1, o contrato
extingue-se com a reforma do trabalhador, criando desta forma um novo vínculo entre
as duas partes se o trabalhador permanecer ao serviço decorridos 30 dias sobre o
conhecimento, por ambas as partes, da reforma por velhice do trabalhador. No n.º 3, o
autor considera que o contrato não se extingue, apenas se transforma80
.
Neste quadro, no n.º 1, a caducidade depende da reforma do trabalhador com
conhecimento pelo empregador e haver um pedido de uma das partes para pôr termo ao
contrato de trabalho; no caso de não haver nenhum pedido para pôr fim ao contrato
durante o período de 30 dias após o conhecimento da reforma por ambas as partes, a
relação laboral converte-se em contrato de trabalho a termo certo de 6 meses,
necessitando de um aviso prévio superior ao aviso prévio normal em caso de
caducidade81
. Neste caso, a caducidade não determina o pagamento de qualquer
compensação ao trabalhador, como o indica o art. 348.º n.º 2, alínea d) do CT.
No n.º 3, o contrato não caduca por o trabalhador completar 70 anos mas
somente se houver denúncia nos 30 dias após ele ter feito 70 anos ou depois de decorrer
o termo resolutivo de 6 meses. PAULO RAMOS DE FARIA admite duas interpretações
possíveis quanto a este n.º 3. Primeiro, a conversão apenas se aplica se, depois do
trabalhador reunir as condições para a reforma, não a requerer; segundo, o legislador
decide converter o contrato do trabalhador que atinja 70 anos em contrato a termo, no
intuito de demonstrar que a conversão não depende de o trabalhador reunir as condições
para a reforma82
.
Ora, com base no art. 348.º do CT, o empregador aceita contratar o trabalhador
apesar da sua idade avançada e aceita, assim, a suposta capacidade reduzida do
trabalhador.
Por sua vez, o art. 348.º n.º 2 alínea d) não determina qualquer compensação ao
trabalhador, ao contrário do art. 344.º n.º 2 que prevê uma compensação ao trabalhador
em caso de caducidade do contrato de trabalho a termo certo decorrente de declaração
do empregador.
79
Cfr. PEDRO ROMANO MARTINEZ, ob. cit., p. 880. 80
Cfr. JORGE LEITE, ob. cit., p. 201. 81
Cfr. art. 344.º n.º 1 e art. 348.º n.º 2 alinea c). 82
Cfr. PAULO RAMOS DE FARIA, ob. cit., p. 232.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
Importa frisar que, nos termos da lei, esta conversão não implica a cessação do
vínculo laboral, nem a existência de um novo contrato a termo, pois mantém-se o
mesmo vínculo laboral83
. Desta forma, os direitos e deveres de ambas as partes
continuem os mesmos, sendo que a única alteração que surge com a conversão é o
vínculo ficar sujeito ao regime de cessação do contrato a termo.
Relevante é analisar o caso do artigo 348.º n.º 3 e perguntar-nos se esta norma
também é aplicável aos trabalhadores de 70 anos ou mais que tenha celebrado um novo
contrato de trabalho com um empregador diferente do que teve anteriormente ou apenas
se aplica aos trabalhadores que atinja 70 anos de idade no mesmo vínculo laboral?
No entendimento de JOÃO NUNO ZENHA MARTINS84
, dois trabalhadores de 70
anos de idade e da mesma empresa não devem estar sujeitos a regimes diferentes, apesar
de um continuar ao serviço do mesmo empregador e de outro ter sido admitido apenas
depois de se ter reformado e assim começar uma nova relação laboral com um novo
empregador.
Na jurisprudência, nomeadamente no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto,
de 28 de Maio de 2007, entendeu-se o contrário. De facto, o Acórdão do Tribunal da
Relação do Porto, de 28 de Maio de 2007, considera que as duas situações aqui
previstas não podem ser consideradas análogas uma vez que a aplicação do princípio da
igualdade não depende apenas da situação do trabalhador, mas também da situação do
empregador e da do mercado de trabalho, entre outras.
De facto, o empregador, ao empregar um trabalhador de 70 anos ou mais, não o
pode tratar de forma diferente sob pena de violar o princípio da igualdade. Assim sendo,
o trabalhador reformado que celebrou um contrato de trabalho com um novo
empregador terá de estabelecer, com este último, as condições contratuais do novo
contrato de trabalho
Por outro lado, acontece que o artigo 348.º n.º 1 refere-se ao “trabalhador que
permaneça ao serviço”, supondo, desta forma, que o legislador, quando determina a
conversão em contrato a termo, quis apenas referir-se ao contrato já existente entre
empregador e trabalhador que atinja 70 anos de idade e não a um novo contrato com um
empregador diferente.
83
Cfr. PEDRO FURTADO MARTINS, ob. cit., pp. 115 e 116. 84
Cfr. JOÃO NUNO ZENHA MARTINS, ob. cit., p. 101.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE – O SEU ENQUADRAMENTO LEGISLATIVO
39
Deste modo, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28 de Maio de
2007, não considera as situações do trabalhador reformado que continua no mesmo
empregador e de outro que foi admitido ab initio como iguais, sendo que não aprova a
aplicação ao último caso, pois não considera que esta norma tenha de ser aplicada por
analogia uma vez que não se trata de casos análogos e que a norma é excecional.
Quanto aos efeitos da reforma, iremos recorrer ao Acórdão do Supremo Tribunal
de Justiça, de 27 de Maio de 2010. Neste caso, A intentou uma ação declarativa de
condenação contra “B – Empresa de Trabalho Portuário de Setúbal, Lda”, pedindo que a
Ré seja condenada a reintegrá-lo no seio da empresa e a pagar-lhe prestações
retributivas e ressarcitórias, alegando que se achava vinculado à Ré por um contrato de
trabalho sem termo, que a demandada não procedeu às atualizações salariais a que se
vinculara, sendo que lhe proporcionou, nos últimos meses, deficientes condições de
trabalho, provocando--lhe um estado depressivo que se agravou com a comunicação do
despedimento e que não procedeu à reparação da viatura que lhe estava distribuída e não
lhe forneceu a necessária formação profissional. Apenas iremos analisar a questão do
despedimento ilícito.
Ora, a Ré contesta dizendo que o vínculo laboral entre ambas as partes era
precário uma vez que só teve conhecimento de que o Autor já era reformado do seu
precedente emprego após a celebração do contrato. As instâncias decidiram no sentido
de que o artigo 348.º n.º 1 e 2 não pode ser aplicado a este caso uma vez que o Autor já
se encontrava reformado por velhice na data em que foi contratado pela Ré e que este
artigo só pode ser aplicado aos casos em que o trabalhador se mantém vinculado à
entidade empregadora quando atinge a idade da reforma por velhice. No entanto,
quando o trabalhador atinja 70 anos de idade, o contrato converte-se em contrato de
trabalho a termo de 6 meses.
Em suma, verifica-se a caducidade do contrato de trabalho quando o trabalhador
tem direito à reforma e opta pela cessação do contrato de trabalho por já não estar apto a
exercer as suas funções. Outro caso é quando um trabalhador é contratado já com status
de reformado e o empregador ter conhecimento desta situação. Neste último caso, o
empregador admite ao seu serviço o trabalhador reformado, independentemente da sua
idade.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
Com referência a esta situação, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de
27 de Maio de 2010, o Autor, com status de reformado, foi contratado pela Ré,
celebrando, desta forma, um contrato ex novo, pelo que não se pode associar ao artigo
348.º do CT. Assim, aplica-se o regime da lei geral e considera-se haver um
despedimento ilícito.
Ora, admitindo o despedimento ilícito, o contrato de trabalho entre ambas as
partes mantém-se por tempo indeterminado. Contudo, o Autor perfez 70 anos de idade
e, nos termos do art. 348.º nº 3 do CT, o contrato de trabalho converte-se em contrato a
termo por 6 meses, permitindo, desta forma, ao empregador, fazer cessar o contrato de
trabalho.
Por outro lado, perguntamo-nos se o artigo 348.º será compatível com o Direito
Comunitário? Para responder a esta questão, ter-se-á que ter em conta a Diretiva
2000/78/CE e a Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de Junho de 1999, respeitante
ao acordo-quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo.
Antes de mais, parece-nos importante referir que foi no Ac. Mangold85
que se
admitiu o princípio da não discriminação em razão da idade como um princípio geral de
Direito Comunitário. Assim, “a idade é o fundamento de discriminação protegido pelo
Direito Comunitário que respeita a todos: porque toda a gente tem uma idade, a idade
abrange todos os grupos etários, novos e velhos.”86
.
Contrariamente ao art. 348.º do CT, a Diretiva 1999/70/CE dispõe no seu art. 5.º
n.º 1 disposições para evitar abusos, isto é, permite aos EM introduzir medidas para
evitar os abusos decorrentes da conclusão de sucessivos contratos de trabalho ou
relações laborais a termo, nomeadamente “razões objetivas que justifiquem a renovação
dos supramencionados contratos ou relações laborais” (al. a)), “duração máxima total
dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo” (al. b)) e “número
máximo de renovações dos contratos ou relações laborais a termo” (al. c)).
Veja-se, agora, o n.º 3. Para JOANA ALMEIDA87
, este n.º 3 contém um elemento
de discriminação direta quando visto juntamente com o artigo 2.º n.º 2 al. a) da
85
Ac. do Tribunal de Justiça de 22 de Novembro de 2005, Proc. C-144/04, parágrafo 75. 86
Cfr. JOANA ALMEIDA, Do artigo 348.º do Código do Trabalho à luz do Direito Comunitário, Revista de Direito e de Estudos Sociais, 2009, n.º34, p. 136. 87
Cfr. JOANA ALMEIDA, ob. cit., p. 120.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE – O SEU ENQUADRAMENTO LEGISLATIVO
41
Diretiva88
. De facto, o n.º 3 visa os trabalhadores com 70 anos de idade ou mais e
transforma os seus contratos a termo indeterminado em contratos a termo certo. Neste
mesmo sentido, JOANA ALMEIDA considera que o n.º 1 do artigo 348.º contém um
elemento de discriminação indireta uma vez que esta norma visa os que se reformam
junto da Segurança Social e permanecem no ativo (trata-se aqui de trabalhadores com
65 anos ou mais, nos termos do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio).
Contudo, considera-se que estas medidas visam objetivos de política de emprego
embora não identificados e atuam, deste modo, dentro dos requisitos do artigo 6.º n.º 1
da Diretiva. O mesmo acontece no Ac. Palacios no seu parágrafo 56 que diz que “não se
pode, com efeito, inferir do artigo 6.º n.º1 da Diretiva 2000/78 que uma imprecisão da
legislação nacional em causa, quanto ao objetivo prosseguido, tenha por efeito excluir
automaticamente que essa legislação possa ser justificada nos termos desta
disposição.”.
Assim, parece-nos justo dizer que o art. 348.º n.º 1 do CT atua dentro dos
requisitos do art. 6.º n.º 1 da Diretiva, uma vez que, se não fosse o art. 348.º n.º 1, o
contrato de trabalho caducaria com a reforma do trabalhador por velhice, nos termos do
art. 343.º al. c) do CT. Mais, visando um objetivo de política de emprego e de mercado
de trabalho, não se considera haver, no art. 348.º n.º 1 do CT, qualquer discriminação
indireta. Por outro lado, não nos parece aceitável o art. 348.º n.º 3 enquadrar-se no art.
6.º n.º 1 da Diretiva, pois a disposição não assiste os trabalhadores de forma alguma
porque o empregador não teria qualquer fundamento para fazer cessar o contrato uma
vez que eles não se reformaram e, portanto, não se aplica o artigo 343.º al. c)89
. Para
PAULO RAMOS DE FARIA, “para que seja tida por conforme à Diretiva 2000/78/CE, a
norma contida no art. 348.º, n.º 3, do Código do Trabalho de 2009 deve ser
interpretada restritivamente (apenas é aplicável quando o trabalhador reúna as
condições para obter a reforma) e extensivamente (aplica-se aos contratos celebrados
depois do trabalhador, com direito à reforma, atingir os 70 anos).”90
É incontestável que com a idade avançada, as capacidades para prestar o seu
trabalho tendem a diminuir. Ora, quando o contrato do trabalhador mais velho se
converte em contrato a termo é irreversível, deixando, desta forma, o trabalhador em
88
Vide PAULO RAMOS DE FARIA, ob. cit., p. 228. 89
Cfr. JOANA ALMEIDA, ob. cit., p. 142. 90
Cfr. PAULO RAMOS DE FARIA, ob. cit., p. 236.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
causa numa situação precária, renovando-se a cada 6 meses (embora sem limitações de
renovações). Deste modo, o empregador poderá mais facilmente pôr fim à sua relação
contratual com o trabalhador sem se tratar de um despedimento ilícito, pois cuidar-se-á
da expiração do contrato de trabalho.
Com este artigo, procurou-se incentivar a empregabilidade dos trabalhadores
mais jovens à custa dos mais velhos que veem assim a sua estabilidade de emprego
sacrificada91
. Assim, o empregador poderá fazer cessar o contrato de trabalho para
contratar um trabalhador mais jovem.
2. A Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000
Por força do art. 288.º do TFUE, as instituições adotam, nomeadamente, diretivas,
para poderem exercer as competências da União. Assim, “a diretiva vincula o Estado
membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às
instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios.”.
A nível comunitário, foi em 2000 que a UE aprovou a Diretiva 2000/78/CE do
Conselho, de 27 de Novembro de 2000, com o intuito de combater a discriminação no
emprego e no trabalho, limitando a liberdade negocial do empregador na celebração de
contratos de trabalho. Neste caso, os EM dispuseram até 2 de Dezembro de 2003 para
alterar a legislação nacional de forma a cumprir com a dita Diretiva. No entanto, foram
concedidos mais 3 anos por se achar necessário que era preciso mais tempo para
implementar a diretiva sobre a igualdade no emprego em relação à discriminação com
base na idade. Portanto, a Diretiva assumiu, designadamente, o combate à discriminação
com base na idade e teve um grande impacto na UE mas limitou-se ao emprego e à
atividade profissional, o que é visto na doutrina como um defeito sendo que, desta
forma, o seu âmbito de aplicação é restrito92
, não abrangendo a proteção social e os
benefícios sociais por exemplo.
91
Cfr. JOANA ALMEIDA, ob. cit., p. 141. 92
Cfr. JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, ob. cit., p. 391.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE – O SEU ENQUADRAMENTO LEGISLATIVO
43
Assim, a Diretiva proíbe a discriminação etária a todas as pessoas, sejam elas do
setor público ou do setor privado e dirá respeito às condições de acesso ao emprego, ao
trabalho independente ou à atividade profissional; ao acesso a todos os tipos e a todos os
níveis de orientação profissional, formação profissional, formação profissional avançada
e reconversão profissional; às condições de emprego e de trabalho e à filiação ou
envolvimento numa organização de trabalhadores ou patronal, ou em qualquer
organização cujos membros exerçam uma profissão específica93
.
A respeito da discriminação em função da idade, retiramos da Diretiva as
considerações 8 e 25 e os artigos 2.º e 6.º, pois é aqui diretamente mencionada a idade
apesar dela nunca ser definida pela Diretiva, pois, não estabelece nenhuma idade
mínima a partir da qual podemos considerar haver discriminação ao contrário dos
Estados Unidos que estabeleceram uma idade mínima de 40 anos, como o foi
mencionado anteriormente. Consideramos, desde modo, que o legislador comunitário
pouco discutiu a questão da discriminação com base na idade, outorgando mais
importância à discriminação baseada na raça ou na origem étnica (através da Diretiva
43/2000/CE, de 29 de Junho de 2000).
No entendimento de JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, é a partir da consideração 8 da
Diretiva que podemos afirmar que a discriminação etária relacionada com os
trabalhadores mais velhos considera-se mais preocupante do que a discriminação etária
relacionada com os jovens94
. De facto, é na consideração 8 que se sublinha a
“necessidade de prestar especial atenção ao apoio aos trabalhadores mais velhos, para
aumentar a sua participação na vida ativa.”.
No que respeita ao “princípio da igualdade de tratamento”, estabelece o artigo 2.º n.º
1 da Diretiva que se trata da “ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta”.
Assim, retira-se da Diretiva dois tipos de discriminação. Por um lado, existe a
discriminação direta sempre que “uma pessoa seja objeto de um tratamento menos
favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em
situação comparável” (artigo 2.º n.º2, alínea a) da Diretiva, definição que também
podemos encontrar estipulada no art. 23.º n.º 1, alínea a) do CT). Por outro lado, existe a
discriminação indireta sempre que “uma disposição, critério ou prática aparentemente
neutra seja suscetível de colocar numa situação de desvantagem pessoas com uma
93
Cfr. art. 3.º da Diretiva. 94
Cfr. JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, ob. cit., p. 400.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
determinada religião ou convicções, com uma determinada deficiência, pessoas de uma
determinada classe etária ou pessoas com uma determinada orientação sexual,
comparativamente com outras pessoas” (artigo 2.º n.º2, alínea b) da Diretiva e artigo
23.º n.º 1, alínea b) do CT). Considera-se, porém, os conceitos de discriminações muito
vagos, pois, não são delimitados aos motivos que as justificam95
.
Em certos casos, podem existir práticas discriminatórias justificadas, pois, pode
haver uma real incapacidade de adaptação do trabalhador mais velho na tarefa a
desempenhar ou, pelo menos, uma redução da sua capacidade. Assim, a idade pode,
efetivamente, determinar a limitação das capacidades do trabalhador a exercer as suas
funções96
. Desta forma, diferenças de tratamento baseadas na idade podem ser
justificadas por objetivos legítimos de política de emprego, do mercado de trabalho e da
formação profissional. Neste caso, importa saber distinguir estas diferenças de
tratamento com base na idade, que podem ser justificadas, das discriminações
proibidas97
.
Poderá, porém, haver confronto com uma convenção coletiva como foi o caso no
Ac. Prigge98
, em que a convenção coletiva fixava em 60 anos a idade limite a partir da
qual se considerava que os pilotos deixavam de ter as capacidades físicas requeridas
para o exercício das suas funções, apesar das regulamentações nacional e internacional
fixarem essa idade em 65 anos. Veja-se que, neste plano, a consideração 23 afirma que
somente em circunstâncias muito limitadas é que se pode justificar diferenças de
tratamento.
Assim, é incontestável que as capacidades físicas diminuem com a idade, mas, ao
decidirem fixar a idade limite em 60 anos, terão os parceiros sociais imposto uma
exigência proporcionada? É para responder a esta pergunta que surge o artigo 4.º n.º 1
da Diretiva que teremos de interpretar de forma restritiva. Neste caso, o Tribunal
considerou a exigência dos parceiros sociais desproporcionada na aceção do art. 4.º n.º 1
da Diretiva.
Ora, a diferenciação etária constitui, em certos casos, um requisito essencial e
determinante para o exercício de uma atividade profissional. Assim, sempre que houver
95
Neste mesmo sentido, JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, ob. cit., p. 389. 96
Cfr. JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, ob. cit., p. 390. 97
Cfr. consideração 25 da Diretiva. 98
Ac. do Tribunal de Justiça de 13 de Setembro de 2011, Proc. C-447/09.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE – O SEU ENQUADRAMENTO LEGISLATIVO
45
limitações físicas ou psíquicas por causa da idade, a discriminação em causa poderá ser
admitida99
. Deste modo, são várias as profissões em que a idade constitui um critério
essencial ao indicar uma idade limite para a potencial capacidade dos trabalhadores. É o
caso, por exemplo, dos bombeiros ou dos polícias que têm de realizar certos esforços
físicos e, desta forma, a necessidade de se fixar uma idade limite é essencial. Neste
mesmo sentido, a idade também pode ser um requisito fundamental no momento da
contratação quando, por exemplo, procura-se um ator para desempenhar o papel de um
jovem adolescente, excluindo, logo de início, as pessoas mais velhas.
Assim, o art.º 6.º, talvez o artigo mais importante e relevante para o nosso tema,
trata da justificação das diferenças de tratamento com base na idade. Estas diferenças de
tratamento não constituem qualquer discriminação se forem justificadas por um objetivo
legítimo e desde que os meios para o realizar sejam apropriados e necessários e,
poderão incluir “o estabelecimento de condições especiais de acesso ao emprego e à
formação profissional, de emprego e de trabalho” (al. a)); “a fixação de condições
mínimas de idade, experiência profissional ou antiguidade no emprego para o acesso
ao emprego ou a determinadas regalias associadas ao emprego” (al. b)) e “a fixação de
uma idade máxima de contratação, com base na formação exigida para o posto de
trabalho em questão ou na necessidade de um período razoável de emprego antes da
reforma.”. (al. c)). A dúvida que pode surgir acerca destes tratamentos desiguais
justificados é de saber o que se entende por objetivo legítimo, pois, o conceito é vago
mas podemos considerar, ao analisar o n.º 1 do artigo, que se trata de interesses
públicos.
Por sua vez, o art. 7.º prevê a ação positiva e medidas específicas. Isto é, “a fim de
assegurar a plena igualdade na vida ativa, o princípio da igualdade de tratamento não
obsta a que os Estados-Membros mantenham ou adotem medidas específicas destinadas
a prevenir ou compensar desvantagens relacionadas com qualquer dos motivos de
discriminação referidos no artigo 1.º” como por exemplo a idade. Assim, perante um
tratamento desvantajoso em relação à idade, os EM podem tomarem, ou não, medidas
de ação positiva para assegurarem a igualdade de tratamento. Estas medidas de ação
positiva consideram-se uma espécie de discriminação positiva uma vez que existem
para compensar desigualdades de tratamento.
99
Cfr. art. 4.º da Diretiva.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
Em caso de presunção de discriminação, incumba à parte requerida provar que não
houve violação do princípio da igualdade de tratamento100
. Cabe ao trabalhador
apresentar provas para a presunção de discriminação seja ela direta ou indireta e ao
empregador cabe-lhe provar que não houve violação do princípio da igualdade existindo
uma razão legítima para o seu ato. Neste mesmo sentido, o artigo 25.º n.º 5 do CT
estabelece que “cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou
trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao
empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de
discriminação.”.
Mais, o legislador, nos termos do art. 11.º da Direiva, quis proteger o trabalhador,
permitindo-lhe defender-se sem ter qualquer receio de que o seu ato seja penalizado
pelo empregador. Assim, quando o trabalhador prestar queixa por ter sido discriminado,
não poderá sofrer represálias da entidade patronal.
100
Cfr. art. 10.º da Diretiva.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE – O SEU ENQUADRAMENTO LEGISLATIVO
47
CAPÍTULO III: A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE – UMA DISCRIMINAÇÃO
AUTORIZADA EM CERTOS CASOS
A idade é um fator de discriminação mais complexo do que qualquer outro
(como o sexo, a raça, a orientação sexual, etc…). De facto, a delimitação da idade ainda
é confusa, pois trata-se de um elemento que é comum, uma vez que todos nós
envelhecemos. Assim, torna-se fundamental, mas muito difícil, saber a que grupo etário
é que se deve fazer referência para afirmar a existência de discriminação etária.
A proibição de discriminação baseada na idade não pode ser aplicada de forma
igual em todos os casos. Com efeito, o art. 25.º n.º 3 do CT permite diferenças de
tratamento que terão, no entanto, de ser fundamentadas. Assim, existem várias exceções
que justificam a discriminação etária quando, por exemplo, a idade reduz a capacidade
de trabalho ao limitar física ou psiquicamente o trabalhador. Deste modo, será difícil
diferenciar se a causa da diferença de tratamento relaciona-se com a idade ou com o
desempenho profissional limitado.
A prática discriminatória terá de ser avaliada consoante a situação, o objetivo
terá de ser legítimo e o princípio da proporcionalidade terá de ser respeitado. Neste
sentido, a Diretiva veio consagrar este princípio na sua consideração 25 e nos seus
artigos 4.º n.º 1 e 6.º n.º 1.
De facto, a consideração 25 admite diferenças de tratamento com base na idade
ao considerar que “em determinadas circunstâncias, podem-se justificar diferenças de
tratamento com base na idade, que implicam a existência de disposições específicas que
podem variar consoante a situação dos Estados-Membros.”. Assim, a Diretiva permite
aos EM aplicarem diferenças de tratamento perante determinadas situações, quando o
for necessário. Contudo, estas diferenças de tratamento terão de ser justificadas por
objetivos legítimos.
No art. 4.º n.º 1 da Diretiva, os EM podem admitir uma diferença de tratamento
em função da idade sem que esta seja considerada discriminação etária. Por isso, a
diferença de tratamento deverá constituir um requisito essencial e determinante para o
exercício da atividade profissional, sendo o objetivo legítimo e o requisito proporcional.
Contudo, este artigo tem de ser interpretado de forma restrita como aconteceu no caso
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
Prigge101
em que foi interpretado no sentido em que se opôs a uma cláusula de
uma convenção coletiva que limita em 60 anos a idade em que os pilotos deixam de ter
as capacidades necessárias para exercer as suas funções apesar das regulamentações
nacional e internacional considerarem essa idade limite em 65 anos. Neste caso, o
Tribunal determinou como objetivo legítimo a garantia da segurança do tráfego aéreo.
Mais, com a idade limite de 60 anos, o Tribunal também considerou que os parceiros
sociais impuseram uma exigência desproporcionada na aceção do art. 4.º n.º 1 da
Diretiva.
Cabe, por último, referir que, segundo JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES102
, nos
EUA, a idade já representa um requisito essencial em certos empregos, como, por
exemplo, para os bombeiros, os agentes de polícia, pilotos de aviação ou qualquer outra
atividade em que a idade constitui um marcador da capacidade potencial de resistir às
exigências físicas do emprego. A idade também é relevante na contratação para
situações muito específicas, como por exemplo, a de um ator que terá de desempenhar o
papel de um jovem adolescente.
Por sua vez, nos termos do art. 6.º da Diretiva, considera-se que os tratamentos
desiguais com base na idade são legítimos uma vez que estes sejam justificados de
forma objetiva e razoável, por um objetivo legítimo e desde que as medidas para
realizar este objetivo sejam apropriadas e necessárias, ou seja, têm de respeitar o
princípio da proporcionalidade. Consequentemente, os EM poderão aplicar diferenças
de tratamento com base na idade sem que estas sejam consideradas práticas
discriminatórias.
Neste âmbito, há que referir o caso Hennigs (Proc. C-297/10) e Mai (Proc. C-
298/10)103104
. Trata-se, nos dois casos, de uma convenção coletiva que determina a
remuneração de cada trabalhador em função da idade, no momento do recrutamento.
Assim, com base no parágrafo 58 do Ac. Hennigs e Mai, a remuneração de dois
trabalhadores recrutados no mesmo dia, mas com idades diferentes, seria diferente.
101
Ac. do Tribunal de Justiça de 13 de Setembro de 2011, Proc. C-447/09. 102
Cfr. JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, ob. cit., p. 406. 103
Ac. do Tribunal de Justiça, de 8 de Setembro de 2011, Processos apensos C-297/10 e C-298/10. 104
Cfr. RITA CANAS DA SILVA, Discriminação laboral em função da idade in Congresso Europeu de Direito do Trabalho, Coordenação Científica do Professor Doutor José João Abrantes, Almedina, Coimbra, 2012, p. 256-257.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE – UMA DISCRIMINAÇÃO AUTORIZADA EM
CERTOS CASOS
49
Existindo uma diferença de tratamento, cabe determinar se esta é justificada à luz do art.
6.º da Diretiva. Ora, por não entender que esta diferença de tratamento se justificava, o
Tribunal decidiu não haver compatibilidade entre a Diretiva e a convenção coletiva em
causa. De facto, argumentou-se, erradamente, que os trabalhadores com mais idade
teriam maiores necessidades financeiras, maior experiência profissional e demonstrava a
sua fidelidade à empresa105
, ora, a idade não determina, de todo, as necessidades
financeiras ou mesmo a experiência profissional.
Pois, no parágrafo 70, afirma-se que “um agente jovem pode ter de suportar
encargos familiares importantes quando um agente mais idoso pode ser solteiro e não
ter filhos a cargo” e que “um agente sem experiência profissional, contratado aos 30
anos de idade num emprego classificado num dos graus III a X auferirá, desde o seu
recrutamento, uma remuneração de base equivalente à auferida por um agente que
tenha a mesma idade, que ocupe o mesmo emprego, mas que tenha sido contratado aos
21 anos de idade e que comprove uma antiguidade e uma experiência profissional no
seu emprego de nove anos. Da mesma forma, o primeiro agente atingirá o escalão
máximo do seu grau tendo uma antiguidade e uma experiência menores que as
adquiridas pelo segundo agente contratado com 21 anos de idade no escalão de base
do seu grau.”106
. Por isso, estamos perante uma discriminação em função da idade.
Assim, para determinar quando é que uma diferença de tratamento não se
considera discriminação, teremos, num primeiro tempo, de delimitar o conceito de
discriminação, uma tarefa que se julga difícil, como faz salientar MARIA DO ROSÁRIO
PALMA RAMALHO107
. Para tal, ter-se-á de aplicar o art. 24.º n.º 1 do CT que define, em
regra geral, a definição de discriminação. Depois, aplicar-se-á o art. 25.º n.º 2 do CT que
estabelece que “Não constitui discriminação o comportamento baseado em fator de
discriminação que constitua um requisito justificável e determinante para o exercício
da atividade profissional, em virtude da natureza da atividade em causa ou do contexto
da sua execução, devendo o objetivo ser legítimo e o requisito proporcional.”.
105
Cfr. parágrafo 69 do Ac. Hennigs e Mai. 106
Cfr. parágrafo 76 do Ac. Hennigs e Mai. 107
Cfr. MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2014, p. 172.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
1. Objetivo legítimo
Para a discriminação etária ser aceite, o objetivo tem de ser legítimo, isto é, o
empregador tem de comprovar que a idade é um requisito essencial para o emprego.
Segundo a Diretiva, nos termos do art. 6.º n.º 1, são incluídos os objetivos legítimos de
política de emprego, do mercado de trabalho e de formação profissional.
Em termos de jurisprudência, vários são os acórdãos a discutirem esta questão.
Veja-se, por exemplo, o caso Mangold108
. Trata-se de um litígio entre um
trabalhador (W. Mangold) e o seu empregador (R. Helm) no âmbito de um contrato de
trabalho a termo que vincula Mangold ao empregador.
Mangold, 56 anos, celebrou um contrato de trabalho a termo com o seu
empregador (R. Helm), tendo iniciado em 1 de Julho de 2003 e acabado em 28 de
Fevereiro de 2004. Este contrato de trabalho a termo seria baseado numa disposição
legal destinada a facilitar a celebração de contratos de duração determinada com
trabalhadores mais velhos, disposição legal que se encontra prevista no parágrafo 14
n.º3 da TzBfG e que estabelece que “A celebração de contratos de trabalho a termo não
requer uma razão objetiva quando o trabalhador já tenha completado 52 anos de idade
no início dessa relação laboral.”. Assim, considera-se que o contrato de trabalho a
termo traduz uma diferença de tratamento diretamente baseada na idade109
uma vez que
ele só se celebra por o trabalhador ter completado 52 anos. Desta, forma, o objetivo
legítimo é permitir aos trabalhadores mais velhos e desempregados uma mais fácil
inserção no mercado de trabalho uma vez que a idade limita bastante uma pessoa a
voltar a encontrar emprego110
.
No caso Prigge111
, a questão principal (determinar a compatibilidade entre a
Diretiva e a convenção coletiva) surge no âmbito de um litígio entre dois trabalhadores,
ambos comandantes de bordo da Lufthansa, e o empregador, a respeito da cessação
automática dos seus contratos de trabalho aos 60 anos, por força de uma cláusula
inserida numa convenção coletiva (a convenção coletiva n.º 5a) que estabelece no seu
parágrafo 19 n.º 1 que “a relação de trabalho cessa, sem necessidade de rescisão do
108
Ac. do Tribunal de Justiça de 22 de Novembro de 2005, Processo C-144/04. 109
Cfr. RITA CANAS DA SILVA, ob. cit., p. 263. 110
Cfr parágrafos 59 a 61 do Ac. Mangold. 111
Ac. do TJUE de 13 de Setembro de 2011, Processo C-447/09.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE – UMA DISCRIMINAÇÃO AUTORIZADA EM
CERTOS CASOS
51
contrato, no final do mês em que se completa 60 anos”, apesar de a regulamentação
internacional fixar essa idade em 65 anos, sob certas condições.
Assim, os dois pilotos consideram-se vítimas de discriminação em razão da
idade. Ora, o Tribunal considerou existir uma diferença de tratamento baseada na idade,
lembrando, no entanto, que mesmo que uma legislação nacional autorize uma
convenção coletiva a cessar automaticamente contratos de trabalho com base numa
determinada idade, não está por isso isenta de respeitar o direito da União, mais
precisamente, a Diretiva112
.
Consequentemente, questiona-se aqui se, nos termos do artigo 6.º n.º 1, alínea a)
da Diretiva, a segurança aérea constitui ou não um objetivo legítimo? Neste caso, o
Tribunal entendeu que sim (parágrafo 69) com base no artigo 4.º n.º 1 da Diretiva, mas
restringiu a interpretação do artigo 6.º n.º 1, considerando que a segurança aérea não faz
parte dos objetivos referidos neste artigo.
No caso Wolf113
, ao contrário do caso Prigge analisado precedentemente, não se
trata de uma idade máxima de vinculação, mas antes de uma idade máxima de
recrutamento. Este acórdão foi proferido no âmbito de um litígio entre um trabalhador
(Colin Wolf) e o seu empregador por este último ter recusado a candidatura de Colin
Wolf para efeitos de recrutamento no âmbito de emprego do serviço técnico intermédio
dos bombeiros, por ter ultrapassado o limite de idade de 30 anos. Segundo os parágrafos
37, 38 e 39, a finalidade de tal medida seria de assegurar o carácter operacional e o bom
funcionamento do corpo dos bombeiros profissionais. Deste modo, os serviços não
podem ser obrigados a recrutar pessoas sem as capacidades necessárias para o exercício
de todas as funções que possam ter de exercer, como o determina a Diretiva na sua
consideração 18.
Assim, e nos termos do artigo 4.º n.º 1 da Diretiva, a preocupação de assegurar o
carácter operacional e o bom funcionamento do serviço dos bombeiros profissionais
constitui um objetivo legítimo. Pois o exercício físico é mais exigente, tornando a idade
relevante no momento da contratação uma vez que a capacidade física diminui com a
idade.
112
Vide parágrafos 45 e 46 do Ac. Prigge. 113
Ac. do TJUE de 12 de Janeiro de 2010, Processo C-229/08.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
Neste mesmo sentido, importa referir o Ac. da Relação de Lisboa, de 3 de Junho
de 2009114
. Neste caso, estamos perante uma prática discriminatória na procura de
candidatos para uma vaga de empregado comercial especializado. De facto, os
candidatos têm de ter idade inferior a 27 anos, por se considerar que assim possuem
requisitos de apresentação, energia e eficácia. Ora, o candidato em causa tinha 29 anos,
porém, preenchia todos os outros requisitos exigidos. Desta forma, não está aqui
respeitado a igualdade de oportunidades e de tratamento no acesso ao emprego. O Ac.
da Relação de Lisboa, de 3 de Junho de 2009 estabelece que é permitido que, “no
acesso dos candidatos a um determinado emprego, haja uma diferenciação baseada na
idade, mas apenas quando tal seja necessário e apropriado para a realização de um
objetivo legítimo.”. O que se constata neste caso é que “as funções a desempenhar pelas
pessoas a contratar para o exercício destas atividades, embora possam exigir delas
determinados requisitos – apresentação, energia e eficácia – não permitem concluir
que a idade dos eventuais candidatos constituísse um pressuposto essencial e, muito
menos, decisivo para o desempenho das mesmas.”. Logo, a diferença de tratamento
com base na idade não pode ser aceite.
No caso Palacios de la Villa115
, estamos perante um litígio que opõe o
trabalhador e o empregador a respeito da caducidade do contrato de trabalho por se
verificar duas condições cumulativas: o trabalhador ter atingido 65 anos e ter direito a
reforma, pois, trata-se aqui do limite de idade estabelecido pela convenção coletiva para
a reforma obrigatória. No que respeita à causa da caducidade do contrato de trabalho,
verifica-se que se trata aqui de uma clara diferença de tratamento assente na idade e
pergunta-se se esta é conforme à Diretiva116
. Palacios de la Villa, considerando-se
lesado em relação à sua idade, impõe uma ação. Com a introdução de reforma
obrigatória, podemos considerar haver um objetivo legítimo no âmbito da política
nacional de emprego consistindo em promover o pleno emprego, ao favorecer o acesso
ao mercado de trabalho aos mais jovens. No entanto, a disposição em causa neste caso
não faz formalmente referência a este objetivo (parágrafos 54 e 55).
Por fim, iremos analisar o caso Fuchs e Köhler117
. Trata-se aqui de dois litígios
quase semelhantes que opõem Fuchs e Köhler ao Land Hessen. Os dois recorrentes
114
Proc. n.º 94/08.0TBSGS.L1-4. 115
Ac. do Tribunal de Justiça de 16 de Outubro de 2007, Processo C-411/05. 116
Cfr. RITA CANAS DA SILVA, ob. cit., pp. 267 e 268. 117
Ac. do Tribunal de Justiça de 21 de Julho de 2011, Processos apensos C-159/10 e C-160/10.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE – UMA DISCRIMINAÇÃO AUTORIZADA EM
CERTOS CASOS
53
(Fuchs e Köhler), tendo completado os dois 65 anos de idade em 2009, exerceram as
funções de procurador principal e vêem-se obrigados a serem aposentados por terem
atingido o limite de idade nos termos do parágrafo 50 n.º 1 da Lei relativa à Função
Pública do Land Hessen, conforme alterada pela Lei de 14 de Dezembro de 2009
(doravante, HBG).
Nos termos do parágrafo 50 n.º 3 da HBG, os recorrentes pediram para exercer
as suas funções durante mais um ano mas o Ministro da Justiça do Land Hessen
indeferiu os pedidos. O Tribunal considerou como objetivo legítimo o equilíbrio entre
as gerações, bem como a planificação das saídas e dos recrutamentos, favorecer a
contratação e a promoção dos jovens e evitar os litígios sobre a aptidão do funcionário
para exercer a sua atividade após 65 anos.
2. Objetivo apropriado e necessário
Nos termos do artigo 6.º n.º 1 da Diretiva que prevê a justificação das diferenças
de tratamento com base na idade, considera-se haver um tratamento menos favorável
assente na idade apenas justificável quando for objetiva e razoavelmente justificado por
um objetivo legítimo e que os meios que pretendem atingir esse objetivo sejam
apropriados e necessários ou quando, nos termos do art. 4.º n.º 1, a característica
discriminatória constitua um requisito essencial e determinante para o exercício da
profissão em causa, na condição de o objetivo ser legítimo e o requisito proporcional.
Deste modo, aplica-se o princípio da proporcionalidade, isto é, para atingir o objetivo
legítimo (provado), os EM só podem aplicar diferenças de tratamento na idade se o
objetivo não puder ser alcançado de outra forma. E, assim, no entendimento de TERESA
COELHO MOREIRA118
, prevê-se um juízo prévio sobre a necessidade da medida e outro
posterior sobre a proporcionalidade dos sacrifícios que comporta para os direitos
fundamentais dos trabalhadores. Ou seja, será necessário um juízo de ponderação do
caso concreto para avaliar a necessidade da medida, isto é, determinar se é, de facto,
apropriada e necessária para atingir o fim pretendido.
118
Cfr. TERESA COELHO MOREIRA, ob. cit., p. 101.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
Os limites de idade têm de ser justificados de forma clara, tanto a limitação de
uma idade máxima, como a limitação de uma idade mínima. Veja-se alguns exemplos: a
limitação de uma idade mínima pode ser requerida como por exemplo na profissão de
juiz em que é exigido uma duração de formação inicial mínima. Da mesma forma, pode
ser exigido a um bombeiro certas capacidades físicas, fixando assim um limite de idade
máxima para exercer a sua profissão.
Surge ainda a questão das reformas. De facto, a idade de reforma de um
trabalhador terá de ser justificado à luz do art. 6.º da Diretiva ou terá de constituir uma
característica essencial e determinante por força do art. 4.º.
Neste mesmo sentido, dispõe o art. 16.º al. b) da Diretiva que “Os Estados-
Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que: b) Sejam ou possam ser
declaradas nulas e sem efeito, ou revistas, as disposições contrárias ao princípio da
igualdade de tratamento que figurem nos contratos ou convenções coletivas, nos
regulamentos internos das empresas, bem como nos estatutos das profissões
independentes e liberais e das organizações patronais e de trabalhadores.”.
Veja-se alguns exemplos em que o Tribunal tem por objetivo determinar se as
medidas são apropriadas e necessárias.
No caso Mangold, o Tribunal não considerou que os meios para alcançar o
objetivo legítimo fossem apropriados e necessários. De facto, a legislação alemã prevê,
no seu parágrafo 14 n.º 3, uma celebração de contrato de trabalho a termo com os
trabalhadores com mais de 52 anos. Neste caso, o princípio da proporcionalidade não
foi respeitado uma vez que a redução de 58 para 52 anos, sem razão objetiva, não
garante a proteção das pessoas mais velhas no trabalho119
.
No caso Palacios de la Villa, no parágrafo 73, o Tribunal entende que a medida
não pode ser considerada excessivamente prejudicial para os trabalhadores em causa,
uma vez que estes beneficiem de uma pensão de reforma. De facto, um trabalhador
velho terá sempre dificuldades em reencontrar um novo emprego. Assim, a pensão da
reforma por velhice compensará , por assim dizer, a prestação de trabalho120
.
No caso Fuchs e Köhler, mais propriamente no parágrafo 83, é dito que “para
que seja demonstrado o carácter adequado e necessário da medida em causa, esta não 119
Vide parágrafo 27 do Ac. Mangold. 120
Cfr. PAULO RAMOS DE FARIA, ob. cit., p. 232.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE – UMA DISCRIMINAÇÃO AUTORIZADA EM
CERTOS CASOS
55
se deve afigurar desrazoável à luz do objetivo prosseguido e deve basear-se em
elementos cujo valor probatório incumbe ao juiz nacional apreciar”. Ou seja, para que
se assegura a legitimidade da política social baseada na idade, os meios não podem ser
desrazoáveis em relação ao objetivo pretendido.
Assim, também nos questionamos quanto à verdadeira capacidade dos
trabalhadores. De facto, o objetivo legítimo só pode ser alcançado por meios
apropriados e necessários se não puder ser alcançado de outra forma. No entanto,
considera-se que os Estados muitas vezes tendem em priorizar as opiniões gerais e não a
verdadeira capacidade dos trabalhadores em causa. Tal acontece no caso Prigge em que
os comandantes de bordo viram os seus contratos de trabalho terminarem por estes
terem atingido a idade de 60 anos e, assim, por se considerar que já não apresentavam as
capacidades físicas requeridas nesta profissão. Ora, a opinião geral prevalece mas além
de se tratar de um meio apropriado e necessário, é importante tal meio não implicar um
limite excessivo nos interesses legítimos dos trabalhadores mesmo que eles sejam
muitas vezes sacrificados por o Tribunal considerar que os motivos de política social
justificam o sacrifício, levando assim a que os trabalhadores sejam discriminados em
função da idade e permitir, neste mesmo sentido, aos parceiros sociais que decidem em
lugar dos trabalhadores qual a idade adequada para que o contrato de trabalho cessa
legitimamente.
Neste caso, o Tribunal entendeu, no parágrafo 67, que “no que respeita aos
pilotos de linha, é essencial que possuam, nomeadamente, capacidades físicas
particulares, na medida em que nesta profissão as falhas físicas são suscetíveis de ter
consequências importantes. É igualmente inegável que essas capacidades diminuem
com a idade. Daqui resulta que o fato de possuir capacidades físicas particulares pode
ser considerado um “requisito profissional essencial e determinante”, na aceção do
art. 4.º n.º1 da Diretiva 2000/78, para o exercício da profissão de piloto de linha e que
a posse de tais capacidades está ligada à idade”. Ora, considera-se que, os parceiros
sociais impuseram uma exigência desproporcionada ao fixar em 60 anos o limite de
idade a partir do qual um piloto de linha não possui mais as capacidades exigidas para a
sua profissão121
. De facto, somente em circunstâncias muito limitadas é que se podem
justificar diferenças de tratamento baseadas na idade, constituindo esta um requisito
essencial e determinante (consideração 23 da Diretiva).
121
Vide parágrafo 75 do Ac. Prigge.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
Neste sentido, cabe referir o parágrafo 85 do caso Fuchs e Köhler que estabelece
que “uma legislação só é adequada para garantir a realização do objetivo invocado, se
corresponder verdadeiramente à intenção de o alcançar de maneira coerente e
sistemática.”.
Concluindo, o meio tem, num primeiro tempo, de ser apropriado, isto é, tem de
corresponder ao meio mais adequado para atingir o objetivo pretendido. Num segundo
tempo, terá de ser necessário, ou seja, terá de ser o único meio capaz de obter o objetivo
pretendido; dito de outra forma, o objetivo legítimo não poderá ser obtido por qualquer
outro meio a não ser o necessário.
3. A diferença de tratamento em função da idade no CT
No que respeita à diferença de tratamento no CT, surge o artigo 348.º que
estabelece a conversão em contrato a termo após reforma por velhice ou idade de 70
anos. A este propósito, a questão do art. 348.º já foi desenvolvida no capítulo anterior,
pelo que não nos debruçaremos com profundidade sobre este assunto.
Como o refere RITA CANAS DA SILVA122
, o artigo 348.º n.º 1 e 2 determina o
regime de conversão de contrato por tempo indeterminado do trabalhador que se
encontra em situação de requerer a reforma, em contrato a termo, sendo a razão de ser
desta norma de política legislativa uma vez que o trabalhador se encontra numa
sustentação económica autónoma. Assim, a discriminação etária presente nesta norma
vê-se justificada e considera-se, desta forma, válida. Aliás, nos termos do art. 348.º n.º 2
alínea d), “a caducidade não determina o pagamento de qualquer compensação ao
trabalhador”, assim, considera-se que o trabalhador que esteja em situação de reforma
não necessita de qualquer compensação dado que esta apenas é atribuída numa situação
de precariedade para ajudar financeiramente.
A este propósito, há que salientar que a caducidade do contrato de trabalho não é
unicamente determinada pela idade do trabalhador sendo que o trabalhador pode ou não
122
Cfr. RITA CANAS DA SILVA, ob. cit., p. 277 e ss.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE – UMA DISCRIMINAÇÃO AUTORIZADA EM
CERTOS CASOS
57
recorrer à sua reforma. Assim, “no que respeita ao artigo 348.º, n.º 1 e 2 do Código do
Trabalho, é ajustado concluir pela razoabilidade da solução acolhida – incluindo o não
pagamento de compensação pela cessação – no que respeita a trabalhadores que terão
já beneficiado de um regime de estabilidade contratual, que se encontram reformados e
que beneficiam de uma pensão de reforma.”123
.
Quanto ao n.º 3, torna-se mais complexa a questão da discriminação etária. Pois,
o regime de conversão do contrato surge consoante um só requisito: o trabalhador ter
atingido 70 anos de idade. Procurou-se, desta forma, libertar postos de trabalho para os
trabalhadores mais jovens. No caso Palacios de la Villa, o acesso dos mais jovens ao
mercado de trabalho constituiu um objetivo legítimo, permitindo validar a norma do art.
348.º n.º 3 do CT124
. Assim, segundo BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER, “a lei
pretendeu evitar que os trabalhadores de idade muito avançada que não se queiram
reformar continuem a beneficiar das garantias de estabilidade geralmente asseguradas,
atendendo a que a sua produtividade é normalmente diminuta, bem como às vantagens
de renovação do mercado de trabalho.”125
. Pois, contrariamente aos n.º 1 e 2, o n.º 3
pressupõe que o trabalhador não se queira reformar.
Podemos, pois, falar de solidariedade entre gerações em que terá, no entanto, de
se verificar se o meio é o mais adequado à prossecução deste fim126
, ou seja, à
promoção da inserção profissional dos trabalhadores mais jovens. Contudo, para RITA
CANAS DA SILVA, o recurso ao art. 348.º n.º 3 tem de ser restrito por sujeitar certa
categoria de trabalhadores a um tratamento de desfavor com base na idade. Neste
mesmo sentido, PAULO RAMOS DE FARIA também considera que este artigo tenha de ser
interpretado de forma restrita, isto é, quando o trabalhador reunir as condições para
obter a reforma; e de forma extensiva, ou seja, aos contratos celebrados depois do
trabalhador, com direito à reforma, atingir os 70 anos de idade127
.
Por sua vez, o artigo 368.º n.º 2 do CT, aprovado pela Lei n.º 27/2014, de 8 de
maio, estabelece que: “havendo na secção ou estrutura equivalente uma pluralidade de
postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico, para determinação do posto de
123
Cfr. RITA CANAS DA SILVA, ob. cit., p. 283. 124
Vide PAULO RAMOS DE FARIA, ob. cit., p. 231. 125
Cfr. BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2011, p. 695. 126
Cfr. RITA CANAS DA SILVA, ob. cit., p. 286. 127
Cfr. PAULO RAMOS DE FARIA, ob. cit., p. 236.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
trabalho a extinguir, a decisão do empregador deve observar, por referência aos
respetivos titulares, a seguinte ordem de critérios relevantes e não discriminatórios:
a) Pior avaliação de desempenho, com parâmetros previamente conhecidos pelo
trabalhador;
b) Menores habilitações académicas e profissionais;
c) Maior onerosidade pela manutenção do vínculo laboral do trabalhador para a
empresa;
d) Menor experiência na função;
e) Menor antiguidade na empresa.”.
Assim, perguntamo-nos se o art. 348.º n.º 2 alínea e) traduz uma discriminação
indireta em função da idade por se tratar de trabalhadores mais novos.
Ora, o despedimento por extinção de posto de trabalho acontece quando, por
motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, relativos à empresa, o empregador faz
cessar o contrato de trabalho128
. Assim, o empregador não poderá fazer cessar o contrato
através de despedimento por extinção de posto de trabalho a não ser que haja uma
“redução da atividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de
bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses
bens ou serviços no mercado”129
, um “desequilíbrio económico-financeiro, mudança de
atividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos
dominantes”130
ou “alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização de
instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como
informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação.”131
. A norma
determinou, desta forma, e com precisão, as razões pelas quais se pode justificar o
despedimento por extinção de posto de trabalho.
No n.º 2, são estabelecidos os critérios dos trabalhadores que o empregador deve
observar para determinar que posto de trabalho deve extinguir. A este propósito, não
nos parece discriminatório o critério da antiguidade na empresa. De facto, este é um
critério que surge em último recurso, prevalecendo o desempenho do trabalhador, as
128
Cfr. art. 367.º n.º 1 do CT. 129
Cfr. art. 359.º n.º 2 alínea a) do CT que determina os motivos de mercado. 130
Cfr. art. 359.º n.º 2 alínea b) do CT que determina os motivos estruturais. 131
Cfr. art. 359.º n.º 2 alínea c) do CT que determina os motivos tecnológicos.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE – UMA DISCRIMINAÇÃO AUTORIZADA EM
CERTOS CASOS
59
suas habilitações académicas e profissionais, o seu custo na empresa e a sua experiência
na determinada função. Assim, consideramos os meios proporcionados uma vez que a
necessidade da empresa o justifica.
Para qualquer empregador, o bom desempenho do trabalhador na empresa é
fundamental. É com um bom desempenho profissional que o trabalhador consegue uma
máxima eficácia no emprego, promovendo assim a produtividade da empresa e a
obtenção de bons resultados. A questão que se pode colocar aqui é saber como é que se
avalia o desempenho de um trabalhador.
A seguir, temos o critério das habilitações académicas e profissionais. Assim,
um trabalhador com menos habilitações será sempre em desvantagem a um trabalhador
que tenha habilitações e, deste modo, que terá mais conhecimento e será mais formado.
Neste mesmo sentido, consideramos que as habilitações académicas e profissionais
requeridas sejam relacionadas com o posto de trabalho.
Vem, depois, o critério relacionado com o custo que o trabalhador tem para a
empresa. Um trabalhador “oneroso” para a empresa é desvantajoso em termos
financeiros. Por isso, para reduzir os custos, a empresa terá a necessidade de despedir
estes trabalhadores.
Resta ainda referir a experiência que o trabalhador tem na sua função. A
experiência vê-se valorizada em qualquer emprego. Assim, um trabalhador com
experiência na sua função, ou seja, eficiente, será mais produtivo para a empresa.
E, por fim, a antiguidade. Este critério apenas será utilizado em último recurso,
isto é, se o empregador não puder determinar o posto de trabalho a extinguir pelos
critérios acima indicados, ter-se-á recurso ao critério da menor antiguidade na empresa.
Considera-se justo e lógico os trabalhadores com maior antiguidade permanecerem na
empresa, dando-lhes, deste forma, proteção pela sua lealdade à empresa. No entanto,
alguns empregadores consideram a antiguidade um custo para a empresa por terem de
versar benefícios aos trabalhadores mais velhos e decidem, por isso, fazer cessar o
contrato de trabalho132
.
132
Neste mesmo sentido, JÚLIO VIEIRA GOMES, ob. cit., pp. 402 e 403.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
A antiguidade resulta do longo período de tempo de permanência do trabalhador
na relação laboral. Por isso, considera-se que o trabalhador tenha de permanecer no seio
da empresa uma vez que se criou, entre ele e a empresa, uma forte ligação.
Com a antiguidade, o trabalhador goza de várias vantagens, tal como promoções
a melhores postos de trabalho, salário mais elevado mas também vantagens no momento
da cessação do contrato de trabalho. De facto, no momento da cessação do contrato de
trabalho, no caso do despedimento por extinção do posto de trabalho por exemplo, a
antiguidade é tida em conta como o vimos anteriormente. Cabe referir que a antiguidade
também é relevante no caso do trabalhador ter direito a uma indemnização uma vez que
os anos de serviço são de grande importância, é o caso nos artigos 366.º n.º 1, 345.º n.º
4, 391.º n.º 1, 392.º n.º 3 e 396.º. Estas normas visam proteger o trabalhador no caso do
empregador querer despedi-lo. A antiguidade conta a partir do início da prestação de
trabalho (art. 147.º n.º 3 do CT) ou do início do período experimental (art. 112.º n.º 6 do
CT).
Assim, a antiguidade beneficia de uma proteção específica e o empregador não
pode fazer cessar o contrato e readmitir o trabalhador para o prejudicar em relação à sua
antiguidade, como o determina o artigo 129.º n.º 1 alínea j) do CT.133
Por outro lado, a antiguidade pode prejudicar o trabalhador mais velho. Pois, no
caso de um despedimento colectivo, o trabalhador com mais antiguidade (geralmente
mais velho) pode ser despedido, considerando que esteja quase a atingir a idade da
reforma.
Em suma, podemos considerar o artigo 368.º n.º 2 alínea e) do CT conforme com
a Diretiva, dado que visa atingir um objetivo legítimo, o da necessidade da empresa,
subjacente à extinção do posto de trabalho. Mais, a norma esclarece que os critérios
referidos são não discriminatórios, retirando qualquer dúvida quanto à legitimidade do
critério de antiguidade que consideramos proporcionado ao objetivo visado.
133 Cfr. LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, Direito do Trabalho, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2014, pp.
188 a 190.
CONCLUSÃO
61
Conclusão
Do nosso estudo, retiramos que a discriminação não se pode associar ao
princípio da igualdade, uma vez que o princípio de igualdade é fundamental para
entender o conceito de discriminação. Contudo, não são conceitos idênticos. De facto, o
empregador, logo no momento da contratação, terá de agir de forma justa, uma vez que
dispõe de um poder maior perante o trabalhador. Assim, terá de tratar de forma igual os
trabalhadores, evitando, desta forma, qualquer discriminação. Será primordial chegar a
um justo equilíbrio entre o princípio de igualdade e não discriminação e a liberdade
contratual para poder proteger o trabalhador e a sua dignidade, bem como os interesses
do empregador. Assim, o poder patronal está sujeito aos direitos fundamentais do
trabalhador.
A discriminação em função da idade tem evoluído consideravelmente ao longo
do tempo. Num mundo cada vez mais “velho”, onde se vive nos dias de hoje uma
verdadeira crise financeira e onde a entrada no mercado do trabalho se faz cada vez
mais tarde, as diferenças de tratamento em função da idade têm suscitado cada vez mais
interesse. Muitas são as dúvidas que se colocam, como, por exemplo, a de saber quem
irá pagar as reformas, uma vez que existem menos pessoas na vida ativa do que
reformados. Por isso, procurou-se incentivar os trabalhadores a trabalharem mais e
durante mais tempo.
Diferente da discriminação em função do sexo, da raça ou da orientação sexual,
a idade é considerada como uma característica não fixa que diz respeito a todos, embora
em fases diferentes das suas vidas, sendo assim, nalguns casos, associada à reduzida
capacidade do trabalhador. No entanto, os trabalhadores mais velhos possuem,
geralmente, mais experiência profissional. Mas quando um trabalhador mais velho está
desempregado, torna-se difícil para ele conseguir um emprego, pois vários são os
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
empregadores que preferem valorizar a juventude e a dinâmica em lugar da experiência
profissional.
Cabe, neste caso, relembrar que, muitas vezes, os trabalhadores mais velhos são
vítimas de preconceitos, senso julgados pela idade e não pela verdadeira capacidade que
possuem para uma determinada função.
Nesta dissertação, foi fundamental analisar o conceito de discriminação indireta.
Enquanto a discriminação direta é relativamente simples de determinar - uma vez que se
trata da intenção de prejudicar -, a discriminação indireta é muito mais complexa. A
discriminação indireta traduz-se em práticas supostamente neutras que, na realidade, são
aplicadas no sentido de prejudicar uma pessoa em razão de um mesmo critério.
Ao contrário da discriminação direta, um dos requisitos da discriminação
indireta não é a intenção, mas antes as consequências que o ato pode gerar, o que torna
esta prática difícil de provar. Assim, considera-se primordial poder provar a existência
de discriminação indireta. Para tal, ter-se-á de recorrer ao ónus da prova partilhado
estabelecido no artigo 10.º da Diretiva. Será a partir deste artigo que o lesado terá de
apresentar os elementos da possível discriminação e o lesante, por sua vez, terá de
provar a não violação do princípio da igualdade de tratamento, isto é, que não agiu
injustamente e que a sua ação foi legítima.
Contudo, apesar da luta constante contra esta forma de discriminação, ela
continua omnipresente em Portugal. Deste modo, torna-se essencial recorrer às normas
internacionais de direitos humanos, às normas da Constituição que estabelecem o
princípio da igualdade e proíbem a discriminação mas também ao direito da União
Europeia, isto é, à Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, que
estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade
profissional. Importa relembrar que a discriminação etária foi abordada pela primeira
vez em 2005, pelo Ac. Mangold.
Por um lado, no CT, vimos que os artigos relevantes para a nossa dissertação são
os artigos 23.º e ss, em que é abordado a igualdade e não discriminação.
Por outro, temos o artigo 348.º. Este artigo prevê a conversão do contrato de
trabalho em contrato a termo quando o trabalhador tenha idade para se reformar ou
atinja os 70 anos de idade. Muitas dúvidas se colocaram quanto a este artigo, tal como:
CONCLUSÃO
63
qual é a razão da sua existência? Será que, nos termos do n.º 3, a norma aplica-se ao
trabalhador de 70 anos ou mais que tenha celebrado um novo contrato de trabalho com
um empregador diferente do que teve anteriormente?
Primeiro, considera-se que este artigo surgiu com o intuito de libertar postos de
trabalho. De facto, o trabalhador que tenha idade para se reformar passa a ter direito a
uma pensão, podendo, assim, dar lugar aos mais jovens. A pensão aparece como uma
prestação pecuniária que substitui o salário, tratando-se de uma espécie de justiça entre
gerações.
Quanto ao n.º 3, várias são as opiniões. Ao nosso ver, entendemos que um
trabalhador de 70 anos ou mais que tenha celebrado um novo contrato de trabalho com
um empregador diferente do que teve anteriormente não pode ser tratado da mesma
forma do que um trabalhador que tenha permanecido ao serviço do mesmo empregador.
De facto, consideramos que, no primeiro caso, o trabalhador terá de estabelecer as
condições contratuais com o seu novo empregador, e não ser, desta forma, sujeito ao n.º
3.
Quanto à Diretiva, ela trouxe, em nosso entender, um verdadeiro progresso no
âmbito da discriminação com base na idade, embora ainda tenha algumas lacunas. De
facto, sendo as noções que não são bem delimitadas, o TJUE tem procurado recortá-las
com precisão definindo orientações importantes quanto à melhor forma de interpretar a
Diretiva.
Outro ponto que merece especial atenção são as diferenças de tratamento em
função da idade, sendo a lei que admite diferenças de tratamento baseadas na idade.
Para tal, têm de ser justificadas por um objetivo legítimo e os meios para alcançar esse
objetivo têm de ser apropriados e necessários. De facto, estas diferenças de tratamento
em função da idade visam um determinado objetivo e representam uma verdadeira
violação dos direitos à igualdade de tratamento quando não são justificadas. Neste
sentido, admite-se duas grandes categorias de justificações: os fundamentos de
justificações assentes na gestão do mercado de trabalho e os fundamentos assentes em
motivos ocupacionais. Quanto aos primeiros, os tribunais têm vindo a considerar
aceitável a caducidade do contrato de trabalho quando o trabalhador atingir uma
determinada idade e poder receber um rendimento substitutivo. No que diz respeito aos
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
segundos, a capacidade física é relevante dado que esta diminui com a idade. O
importante será, assim, fazer um juízo de proporcionalidade.
Vários foram os acórdãos que nos ajudaram a entender este mecanismo de
justificação de diferença de tratamento com base na idade, tendo igualmente sido
analisada a diferença de tratamento estabelecida no art. 348.º do CT, verificando-se,
também aqui, que a discriminação em função da idade ganhou crescente importância,
suscitando cada vez mais interesse por parte da doutrina e da jurisprudência. Com o
Direito comunitário a atribuir ao princípio da não discriminação em função da idade a
natureza de um princípio geral de Direito comunitário, é de esperar que esta matéria
venha a conhecer novos desenvolvimentos.
65
Bibliografia
• ABRANTES, JOSÉ JOÃO – Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais,
Coimbra Editora, Coimbra, 2005. • ABRANTES, JOSÉ JOÃO – Direitos Fundamentais da Pessoa Humana no
Trabalho, Almedina, Coimbra, 2013. • ALMEIDA, JOANA – Do artigo 348.º do Código do Trabalho à luz do Direito
Comunitário, Revista de Direito e de Estudos Sociais, 2009, n.º34, páginas 117 a
155. • AMADO, JOÃO LEAL – Contrato de Trabalho, 4.ª Edição, Coimbra Editora,
Coimbra, 2014. • BOTELHO, CATARINA SANTOS – Algumas reflexões sobre o princípio da paridade
retributiva in Liberdade e Compromisso, Vol. II, Estudos dedicados ao Professor
Mário Fernando de Campos Pinto, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2009,
pp. 79 a 130. • CAMPOS, JÚLIA – Igualdade e não discriminação no Direito do Trabalho, in IV
Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Coordenação de António Moreira,
Almedina, Coimbra, 2002, pp. 267 e ss. • COMISSÃO EUROPEIA – Igualdade e não discriminação: relatório anual 2004,
Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias, 2004. • DRAY, GUILHERME MACHADO – O princípio da Igualdade no Direito do
Trabalho. Sua aplicabilidade no domínio específico da formação de contratos
individuais de trabalho, Almedina, Coimbra, 1999. • DRAY, GUILHERME MACHADO – O princípio da Proteção do Trabalhador,
Almedina, Coimbra, 2015. • FARIA, PAULO RAMOS DE – Velhos são os trapos: discorrendo por analogia
sobre o acórdão Palacios de la Vila, Questões Laborais, Ano XVI, N.º 34,
Julho/Dezembro 2009, Coimbra Editora, Coimbra, páginas 225 a 236. • FERNANDES, ANTÓNIO MONTEIRO – Direito do Trabalho, 16.ª Edição, Almedina,
Coimbra, 2012, páginas 455 a 461. • GOMES CANOTILHO, JOSÉ JOAQUIM; MOREIRA, VITAL – Constituição da
República Portuguesa Anotada – Artigos 1.º a 107.º, Vol. I, (artigo 13.º e artigo
18.º), 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2007. • GOMES, JÚLIO MANUEL VIEIRA – Direito do Trabalho, Volume I, Relações
Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, páginas 385 a 408. • LEITÃO, LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES – Direito do Trabalho, 4.ª Edição,
Almedina, Coimbra, 2014.
A DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA IDADE NO DIREITO DO TRABALHO
•
• LEITE, JORGE – Direito do Trabalho, Volume II, Serviços de Ação Social da
Universidade de Coimbra, Serviço de Textos, Coimbra, 2004. • MARECOS, DIOGO VAZ – Código do Trabalho Anotado, 2.ª Edição, Coimbra
Editora, Coimbra, 2012. • MARTINEZ, PEDRO ROMANA – Direito do Trabalho, 6.ª Edição, Almedina,
Coimbra, 2013, páginas 878 a 882. • MARTINEZ, PEDRO ROMANO; MONTEIRO, LUÍS MIGUEL; VASCONCELOS, JOANA;
MADEIRA DE BRITO, PEDRO; DRAY, GUILHERME; GONÇALVES DA SILVA, LUÍS –
Código do Trabalho Anotado (artigos 24.º e 25.º), 9.ª Edição, Almedina,
Coimbra, 2013. • MARTINS, JOÃO NUNO ZENHA - Nótula sobre a Reforma por Velhice e a
Caducidade do Contrato de Trabalho in Prontuário de Direito do Trabalho,
Centro de Estudos Judiciários, n.º 68, Maio – Agosto de 2004, pp. 91 a 107. • MARTINS, PEDRO FURTADO – Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição,
Principia, Cascais, 2012, páginas 111 a 123. • MESTRE, BRUNO – Discriminação em função da idade – análise crítica da
jurisprudência comunitária e nacional in Para Jorge Leite Vol. I, Escritos
Jurídico-Laborais, Coordenação João Reis, Leal Amado, Liberal Fernandes,
Regina Redinha, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pp. 569 a 624. • MOREIRA, TERESA COELHO – Discriminação em razão da idade dos
trabalhadores: anotação ao acórdão do TJUE, Richard Prigge, de 13 de
Setembro de 2011, processo C-447/09, Questões Laborais, Ano XIX, N.º 39,
Janeiro/Junho 2012, Coimbra Editora, Coimbra, páginas 137 a 141. • MOREIRA, TERESA COELHO – Igualdade e não discriminação, Almedina,
Coimbra, 2013. • PANSIER, FRÉDÉRIC-JÉRÔME – Droit du Travail, Relations individuelles et
collectives, 3º Édition, Litec, 2003. • PIMENTA, MARGARIDA LAMY – O conceito de discriminação indireta: um caso
de cross-fertilization in Scientia Ivridica, Revista de Direito Comparado,
Janeiro/Abril 2014 – Tomo LXIII – N.º 334, pp. 111 a 137. • RAMALHO, MARIA DO ROSÁRIO PALMA – Estudos de Direito do Trabalho,
Volume I, Almedina, Coimbra, 2003. • RAMALHO, MARIA DO ROSÁRIO PALMA – Tratado de Direito do Trabalho, Parte
II – Situações Laborais Individuais, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2014. • SILVA, RITA CANAS DA – Discriminação laboral em função da idade in
Congresso Europeu de Direito do Trabalho, Coordenação Científica do
Professor Doutor José João Abrantes, Almedina, Coimbra, 2012.