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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO
CENTRO DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA
CURSO DE HISTÓRIA
LEANDRO BARBOSA DE FREITAS
O FAZER-SE DO HIP HOP E O MOVIMENTO DO RAP: Conflitos, separações e superações na crítica da vida cotidiana.
São Luís
2009
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LEANDRO BARBOSA DE FREITAS
O FAZER-SE DO HIP HOP E O MOVIMENTO DO RAP: Conflitos, separações e superações na crítica da vida cotidiana.
Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão, como requisito para a obtenção do título de licenciatura em História.
Orientador: Prof. Ms. Fábio Henrique Monteiro Silva
São Luís
2009
2
Freitas, Leandro Barbosa
O fazer-se do hip hop e o movimento do rap: conflitos,
separações e superações na critica da vida cotidiana / Leandro
Barbosa Freitas. - São Luis, 2009.
116.
Monografia (Graduação) - Curso de História, Universidade
Estadual do Maranhão, 2009.
Orientador: Prof.Ms.Fábio Henrique Monteiro Silva
1.Hip Hop 2.Rap 3. Cultura I.Titulo
CDU: 930.85:78
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LEANDRO BARBOSA DE FREITAS
O FAZER-SE DO HIP HOP E O MOVIMENTO DO RAP: Conflitos, separações e superações na crítica da vida cotidiana.
Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão, como requisito para a obtenção do título de licenciatura em História.
Orientador: Prof. Ms. Fábio Henrique Monteiro Silva
Aprovada em: ___/___/___
BANCA EXAMINADORA
_______________________________ Prof. Ms. Fábio Henrique Monteiro Silva (Orientador)
_______________________________ Prof. Ms. Helidacy Maria Muniz Corrêa
_______________________________ Prof. Ms. Marcelo Cheche Galves
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Dedico essa monografia ao meu primo e amigo Ayan que me ensinou muita coisa nessa vida, desde enrolar a bainha das nossas calças largas até não fazer duas coisas erradas na mesma noite. Aquela bala pode ter tirado nosso sonho de formar um grupo de rap, mas jamais vai matar a vontade de viver que tanto aprendi com você.
5
AGRADECIMENTOS
Muito obrigados aos professores do curso de história: Júlia Constança, Marcelo
Cheche, José Henrique Borralho, meu orientador Fábio Monteiro, Rogério Carvalho,
Ana Lívia, Elizabeth Abrantes, Márcia Milena, Yuri Costa, Helidacy Muniz, Alan
Kardec, Adriana Zierer, Carlos Alberto Ximendes, Reinaldo dos Santos. Valeu a todos.
Agradeço também a professora Zulene Muniz pela disponibilidade e receptividade
constante, e por fim gostaria de deixar um “salve” todo especial a minha professora de
vida Marivânia Furtado, jamais esqueceria essa figura.
A minha mãe, Mariiiiia, pela grana de cada dia (minha única bolsa) e pelo amor.
Ao meu pai que é um exemplo de como não ser politicamente correto, valeu pelos
momentos de gargalhadas. Às chatas das minhas irmãs (Laura e Luciana) que vivem
numa preocupação extrema para com a minha pessoa, também as amo. A minha avó,
Maricota. Meus tios e tias, especialmente a primeira historiadora da família, tia Zélia.
As primas, todas. Aos primos, todos. Bem não vou citar toda minha família, mas amo
quase todos vocês, bem menos do que vocês me amam, mas amo vocês. E a minha
pequena, mas brabíssima namorada Ana Raquel, minha fonte de inspiração e orientação.
Aos meus amigos da zona rural que sempre estão comigo e também onde
encontro inspiração para o dia a dia. Entre tantos outros, Junior Time (responsável
também pelas deficiências dessa monografia, pois não me deixou em paz nesses últimos
meses), a maior galinha do pescoço pelado que existe: Laurenção; Cara de Naja, Mosca
de Boteco, Cara de Lata, F.B.I, Jeferson Gaúcho, Richard, A família Urso, meu
compadre “véia Tampa”, Garoto, Martins, Eduardo Bob Esponja, Ladê, Lamão, Olhos
brilhantes e ao nosso lendário “Chico Baby”, que Baco, Dionísio lhe tenha em um lugar
repleto de bebidas e que a morte nunca mais lhe alcance.
Aos manos de Hip Hop do bairro, toda família Abolicionista, especialmente ao
DJ Shark Móvel. Ao grande grafiteiro e ser humano Kio (Kingston), valeu pelas fontes
e pelas idéias. Aos manos do Hip Hop maranhense, valeu Quilombo Urbano,
especialmente Hertz, Julinho, G.G e Magrão. Meus agradecimentos também ao grande
Lamartine; Preto Ghóez (que não sem encontra mais entre nós) meu parceiro; Bisteka;
DJ Juarez; Nando; Eduardo; Junior Socialista; aos breakers Otto e a Andréia; aos
grafiteiros Maciel e Aurélio; ao meu amigo virtual Patrick Sagat, a Vanguarda do Rap
Nacional e ao grande King Nino Brown, uma das figuras mais importantes para o Hip
6
Hop e sua história, e que gentilmente me cedeu todas as fotos anexadas no trabalho. E
por último, ao meu grande amigo Paulino Marco, valeu pelos livros, idéias e amizade.
Aos amigos dos CINTRA: Leandro Augusto, Rafael Gustavo, Jean Gavião,
Polyana, as Priscilas, Paulinha, Mônica e Racielle; especialmente meu grande melhor
amigo Mauro Jorge. Talita Menon obrigado pelo Abstract. A galera da UFMA: Jorge
Luís, Eduardo, Laert Parente, Diego, Rafael Chaparral, Thayse Cipriano, Ariane,
Franklin Lopes; especialmente ao nosso quarteto doidástico Michael Jackson, Carol e
Letícia.
Aos amigos feitos na UEMA: Desni, Osni, Roberta Lobão, muito obrigado pelos
slides Beta, Neila, ao grande e todo poderoso Artêmio Esbórnia, te adoro cara; aos
amigos feitos nas lutas políticas, especialmente ao nosso vitorioso CME e ao nosso
DCE gestão “Construindo a Transformação com Arte e Revolução”: Antero, Dayse,
Hugo, Gaby, Francisca, Jhonny, Rafael, Manú. E especialmente aos mais especiais,
meus maninhos e maninhas de turma: Arlindinha; Renatinha Carvalho; Fábio (nosso
eterno melhor jogador); Daisy Damasceno; Paulo Cesar; Eudson; ao meu brother mais
chato Jonadabe Gondim Silva; Mariana; Fernando Furtado; ao o mais cachaceiro de
todos, Clenílson Borges Trindade; a nossa autarquia Jorge da Capadócia; ao tarado do
meu compadre e grande irmão Marcola e família (comadre Jose e minha afilhada Layla)
e ao meu grande amigo Paulo Roberto, valeu pelas putarias.
7
“Os vinhos, os destilados e as cervejas; os
momentos em que alguns destes se impunham
e os momentos em que simplesmente
apareciam foram delineando o curso principal
e os meandros dos dias, das semanas, dos
anos. Duas ou três outras paixões, que vou
revelar, ocuparam de modo quase tão
permanente um lugar importante na minha
vida. Mas a bebida foi a mais constante e a
mais presente. No reduzido número de coisas
que me agradam e que eu soube fazer bem, o
que seguramente fiz melhor foi beber. Mesmo
que tenha lido muito, bebi ainda mais. Escrevi
muito menos do que a maioria das pessoas que
escrevem; mas bebi muito mais do que a
maioria das pessoas que bebem.
(…)
É fácil imaginar que tudo isso me deixou bem
pouco tempo para escrever e é justamente o
que convém: a escrita deve permanecer rara,
pois para atingir a excelência é preciso beber
por muito tempo.”
Guy Debod – Panegirico.
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RESUMO
Nas últimas décadas nos quatro cantos do mundo, da Palestina ao México, da Itália à
Austrália, da Colômbia ao Japão, do Brasil aos Estados Unidos, de Angola à
Dinamarca, assisti-se à emergência política de um fenômeno cultural chamado de Hip
Hop. A emergência cultural desse fenômeno político tem início na década de 70 no
decadente bairro nova-iorquino do South Bronx que através da arte das ruas, da
realização do break dance, do grafite e do rap aponta para um caminho de realização de
uma atividade que não tenha como fim a reprodução espetacular da mistificação
contemplativa de um mundo de coisas. As periferias do mundo todo, ou melhor, os
sujeitos das periferias do mundo inteiro encontram no Hip Hop um meio de discutir e
encontrar soluções para seus problemas através da crítica da vida cotidiana. No Brasil
essa relação também tem seus marcos simbólicos e históricos, e a cidade de São Paulo
vai ser durante as décadas de 80 e 90 o principal centro de produção, circulação e
consumo dessa cultura e especialmente da música dessa cultura que é o rap. Nesse
processo, mediado também pelo poder mercantil, a indústria cultural estará
intrinsecamente associada à transformação bem sucedida, mais ainda não totalmente
vitoriosa, do rap em mais uma mercadoria massificada pela aparência de uma revolta
puramente espetacular. É nesse jogo de dados dialético que as três décadas aqui
estudadas buscaram elementos para a reflexão da historicidade do fazer-se do Hip Hop
junto e separado ao movimento do rap num palco de conflitos e superações na crítica da
vida cotidiana.
Palavras- chave: Hip Hop. Rap. Cultura.
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ABSTRACT
In the last few decades of the four parts of the world, from Palestine to Mexico, Italy to
Australia, Colombia to Japan, Brazil to the United States, Angola to the Denmark,
Attend the political emergency of a cultural phenomenon called Hip Hop. The cultural
emergency of this political phenomena has beginning in the 70´s in the declining New
York quarter of the South Bronx that through street art, of the accomplishment of break
dance, the graphite and rap it points to a way of accomplishment of an activity that does
not have as an intention the spectacular reproduction of the contemplative mystification
of a world of things. The outskirts around the world, or rather, they found in Hip Hop
citizens in peripheries of the entire world a way to argue and to create solutions for their
problems through the criticism of the daily life. Brazil also has this relation has its
symbolic and historical landmarks, and the city of São Paulo during the 90´s and 80´s
and the main center of production, circulation and consumption of this culture and
especially of the music of this culture that is called rap. In this process also mediated for
the mercantile power, the cultural industry intrinsically associated with the successful
transformation, but not totally victorious of rap yet, one more merchandise massificated
for the appearance of a purely spectacular revolt. It is in this dialectic game of data, that
the three decades studied here sought elements for the reflection of the historicity
becoming Hip Hop together and separate to the movement of rap on a stage of conflicts
and overcomings in the criticism daily life.
Keywords: Hip Hop. Rap. Culture
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SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS....................................................................................11
1 CRÍTICA RADICAL, TEORIA ESTÉTICA E INDUSTRIAL CULTURAL....18
1.1 Genealogia e História..........................................................................................18
1.2 Hegel, Adorno e Benjamin......................................................................................20
2 O HIP HOP NOS ANOS 70 E 80.............................................................................24
2.1 O Hip Hop no South Bronx………………………………………………….......28
2.2 Break dance............................................................................................................. 29
2.3 No ritmo e poesia das ruas: o rap.......................................................................... 31
2.4 A antítese colorida da morte cinzenta das cidades: o grafite............................. 33
3 OS ANOS 80 DO HIP HOP NO BRASIL.............................................................. 36
3.1 O break dance e a chegada do Hip Hop ao Brasil............................................... 36
3.2 O rap nacional na década de 80............................................................................ 39
4 O DISCURSO DO RAP NACIONAL NOS ANOS 90.......................................... 49
4.1 Questão racial......................................................................................................... 50
4.2 Sentimentos e machismo........................................................................................ 56
4.3 Cultura Hip Hop e indústria cultural................................................................... 62
4.4 Cotidiano marginal................................................................................................. 65
4.5 Problemas sistêmicos.............................................................................................. 72
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 77
REFERÊNCIAS............................................................................................................ 81
ANEXOS........................................................................................................................ 89
11
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Essa monografia tem a pretensão de contribuir para a construção da história do
Hip Hop. Construção esta, que não começa nem se encerra aqui, mais pretende somar
com diversos pesquisadores que de dentro ou de fora da academia iniciaram e
produziram diversas pesquisas que focam este objeto de estudo. Devo esclarecer ainda,
que grande parte desse trabalho se concentra no Hip Hop produzido em duas cidades:
Nova Ioque e São Paulo, mas que o intuito da pesquisa está para além de uma
localização geográfica.
Nova Iorque por ser a cidade em que o Hip Hop apareceu para o mundo através
do bairro South Bronx, as referências a respeito do Hip Hop nesta cidade se darão
basicamente no segundo capítulo. São Paulo, por ser a cidade brasileira em que o Hip
Hop melhor e mais firmemente se fixou, onde se concentra o grosso da produção
estética do Hip Hop, especialmente de sua manifestação musical, o rap. Produção esta
que servirá como material de pesquisa para boa parte das conclusões e reflexões
presentes neste texto. Entretanto, no último capítulo farei uma análise bem abrangente
do rap nacional produzido na década de 90, onde os grupos de rap pesquisados
ultrapassaram os limites de São Paulo, ainda assim é lá que a maioria do rap estudado
se concentra1.
As pesquisas publicadas sobre o Hip Hop no Brasil são relativamente recentes,
tiveram início mais precisamente em 1996, quando Elaine Nunes de Andrade
apresentou sua dissertação na Faculdade de Educação da USP, com o título Movimento
Negro Juvenil: um estudo de caso sobre os jovens rappers de São Bernardo do Campo.
A partir daí outras monografias, dissertações, teses, artigos e livros foram sendo
publicados, principalmente nesta década de 2000, porém, gostaria de destacar alguns
trabalhos fundamentais que ajudaram bastante na coleta de informações e nas reflexões
contidas nessa monografia.
1 Existe Hip Hop em São Luís desde a década de 80, assim como em São Paulo, porém, a carência, ou melhor, a inexistência até 2002 da minha principal fonte de pesquisa, de acordo com os objetivos traçados, que são as produções fonográficas de rap inviabilizaram por hora uma discussão mais elaborada a respeito do rap produzido em São Luís, justamente onde escrevo e vivencio o fazer-se do Hip Hop, os conflitos, separações e superações na sua crítica da vida cotidiana. Apesar dessa observação, não me deterei pormenorizadamente em questões regionais aqui ou acolá, procurarei sim, buscar algumas sínteses das múltiplas determinações relacionais que envolvam aspectos estéticos e políticos do Hip Hop como um todo, obviamente com certas tendências que estarão visíveis no texto.
12
São Paulo, além de conter o grosso do Hip Hop no Brasil, também concentra por
tabela, a maioria das publicações sobre este tema. Destes trabalhos, destaco três teses
que me foram fundamentais. O primeiro é a tese Rap na Cidade de São Paulo: música,
etnicidade e experiência urbana defendida em 1998 na UNICAMP por José Carlos
Gomes da Silva. O outro que destaco, mesmo com toda divergência de abordagem e
percepção, é a tese, também de 1998, e também defendida na UNICAMP, chamada Do
Samba ao Rap: a música negra no Brasil, da autora Maria Eduarda Araújo Guimarães.
E por último, uma tese mais recente, de 2005, intitulado Hip Hop: cultura e política no
contexto paulistano de João Batista de Jesus Felix da USP.
Todos esses trabalhos se reportam aos primeiros anos do Hip Hop no South
Bronx em Nova York, e me serviram muito na pesquisa sobre o Hip Hop da década de
70 e início de 80 naquela cidade. Mais um trabalho em especial gostaria aqui de
destacar para a especificidade nova-iorquina do Hip Hop: um ensaio extraído do livro
Black Noise: Rap Music and Black Culture in Contemporary America (1994), de Tricia
Rose: professora de história e pesquisadora do Africana Studies Program/Faculty of
Arts and Science da New York University. O ensaio traduzido no Brasil se chama Um
estilo que ninguém segura: política, estilo e a cidade pós-industrial no Hip Hop
publicado em 1997 no livro Abalando os anos 90: Funk e Hip Hop, organizado por
Micael Herschmann. Outros trabalhos que estão na bibliografia também me foram
bastante inspiradores, como as monografias da área de jornalismo, O Livro vermelho do
Hip Hop de Spency Pimentel de 1997 e Resistência, Arte e Política: registro histórico
do rap no Brasil de Gilberto Yoshinaga, que foi de grande valia para a confecção do
quarto capítulo.
Mais, devo dizer que fiquei bastante impressionado com a qualidade de dois
trabalhos da UFMA feitos por dois pioneiros do Hip Hop no Maranhão e que hoje são
professores de história, além de ainda contribuírem com a realização do Hip Hop. A
monografia de Hertz da Conceição Dias, intitulada História e práxis social do
movimento hip hop organizado do Maranhão – Quilombo Urbano de 2002, e o outro
trabalho, que considero um dos melhores sobre Hip Hop feito no Brasil, que é a
dissertação: Hip Hop e educação popular em São Luís do Maranhão: uma análise da
organização “Quilombo Urbano”, defendida em 2007 por Rosenverck Estrela Santos.
Estes dois trabalhos foram muito importantes para a produção desta monografia, mesmo
estes tendo como objeto específico de estudo a história e a atuação do Movimento Hip
13
Hop organizado do Maranhão, algo bem diferente das minhas pretensões. Inclusive
esses dois trabalhos me deixaram muito a vontade para construir outra narrativa, com
outras preocupações, contudo, pretendo voltar ao debate sobre o Hip Hop maranhense o
mais breve possível.
Existem várias possibilidades de se estudar e perceber o Hip Hop, e os trabalhos
que utilizei como fonte de pesquisa indicam essas diversas possibilidades. Nesse
sentido, gostaria de demarcar algumas posições e resultados encontrados nos diversos
trabalhos, dos quais tentei me afastar. Em primeiro lugar, não busquei apresentar
possíveis potencialidades do Hip Hop no processo de inserção à educação formal, como
por exemplo, os possíveis usos pedagógicos que o Hip Hop teria nas escolas2. Outras
posições bastante presente em trabalho sobre o Hip Hop, das quais procurei me afastar,
dizem respeito à construção de cidadania através do Hip Hop3, tão comuns aos
discursos das O.N.G’s (Organizações Não Governamentais).
O Hip Hop é essencialmente um movimento. Existem basicamente duas
maneiras de se reportar ao Hip Hop, uma utiliza o termo movimento Hip Hop, dando
ênfase nas potencialidades de organização e ação política; a outra prefere o termo
cultura Hip Hop, pois o considera essencialmente uma cultura de rua que teria como
prioridade o desenvolvimento das potencialidades artísticas do Hip Hop. Eu adotarei a
nomenclatura movimento, não porque tenha uma visão do Hip Hop enquanto
movimento organizado com um direcionamento político na qual a arte deva ser sua
mera subordinada, mais sim por ser mais usual entre os trabalhos, e também por
expressar melhor uma das idéias que tentarei desenvolver do Hip Hop enquanto conflito
numa lógica dialética. Entendo que a separação entre cultura e política operada no Hip
Hop fragmenta e enfraquece o mesmo, deixando-o mais exposto à lógica unilateral do
mercado ao mesmo tempo em que dilacera seu processo de criação cultural na crítica da
vida cotidiana.
O movimento Hip Hop ora tem seu lado cultural como o mais representativo, ora
apresenta seu conteúdo político como fenomenologicamente mais importante. Essa
2 Ver ANDRADE, Elaine Nunes de. (org.). Rap e educação, rap é educação. São Paulo: Summus, 1999. Uma boa parte dos artigos dessa coletânea tem essa preocupação. 3 Ver ABRAMOVAY, Mirian. WAISELFISZ, Julio. ANDRADE, Carla & RUA, Maria. Gangues, galeras, chegados e rappers: juventude, violência e cidadania nas periferias de Brasília. Rio de Janeiro: Garamond, 2002.
14
separação,4 que não é exclusiva do Hip Hop, ela é o fundamento da sociedade
espetacular que vivemos, “a separação é o alfa e o ômega do espetáculo”5, existe na
prática hegemônica do movimento Hip Hop. As posses6 e os MH2O7 estão perdendo
cada vez mais espaço para a separação. Hoje o Hip Hop é tão menos contestatório
quanto mais fragmentado. Digo na prática do movimento, pois teoricamente tem-se
feito um grande esforço nos trabalhos publicados de reconciliação dessas esferas. O que
no fim não tem sentido algum para a realização8 do Hip Hop enquanto arte
revolucionária.
Como veremos o rap veio a se tornar tão autônomo em relação ao movimento
Hip Hop, que nos últimos vinte anos vem aprofundando um processo de separação que
nos remete a várias questões, como a absorção do rap pela indústria cultural, o
esvaziamento da crítica social, os usos da máquina estatal para fins eleitoreiros, enfim, a
introdução do rap no sistema e por outro lado, as possibilidades discursivas de
subversão e contestação através dessa música.
Discuto o movimento do rap não no sentido que a palavra é empregada quando
se fala, ou como se falava em Hip Hop, a idéia aqui não é estabelecer os parâmetros e as
diretrizes que o rap precisa possuir para ter legitimidade enquanto manifestação
político-cultural dos anseios da juventude pobre das periferias. Penso nesse movimento
enquanto dialética: dos aspectos políticos e culturais, dos conflitos, superações, das
4 Separação é um conceito chave na teoria situacionista da qual farei uso largamente. A sociedade
espetacular teria na fragmentação da vida humana um de seus fundamentos: do conhecimento, aos sentimentos, das festas ao paladar, tudo parece caminhar para um embrutecimento do homem no seu processo de alienação. “Os homens vivem separados uns dos outros, separados daquilo que são nos outros, e separados de si mesmos” (VANEIGEM, 2002; 128). 5 DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de janeiro: Contraponto, 2006, p. 26. 6 As posses são espaços onde os participantes do Hip Hop interagem com as comunidades, realizando atividades educativas e comunicativas na promoção da cultura e da política dos organizadores daquela determinada posse. 7 MH2O(Movimento Hip Hop Organizado) é a expressão máxima de organização e atuação política dentro do Hip Hop. Ao contrário das posses, que possuem certa descentralização em sua atuação e está mais ligada a bairros particulares, o MH2O tem uma tendência à centralização das atividades do Hip Hop em determinados Estados ou cidades, por isso mesmo sua quantidade é bem menor que as posses. As posses e o MH2O não são necessariamente antagônicos, muitos MH2O são também organizadores de posses. 8 Outro termo ou conceito importante que farei larga utilização, ele tá dentro da discussão artística que envolve posições situacionistas, adornianas, surrealista e dadaístas. Não dar pra fazer essa discussão numa nota, mas a tese 191 de A sociedade do espetáculo sintetiza a posição situacionista na crítica aos dois últimos, e ao mesmo tempo também diverge do segundo e sua idéia positiva da arte separada como espaço de crítica.
15
contradições, das disputas, das soluções, dos caminhos e descaminhos trilhados pelo
rap.
A perspectiva do fazer-se, desviada do Thompson9, tem como propósito,
apresentar uma narrativa que não tivesse uma preocupação determinista na construção
da história do Hip Hop. O Hip Hop, penso eu, não surge por um fator determinado, não
surge com um manual de conduta, com a cara fechada; não surge enquanto
MH2O(Movimento Hip Hop Organizado), não surge com uma ideologia, ou seja, com
nenhum “ismo”. E minha intenção, é valorizar os sujeitos produtores dessa cultura,
nesse fazer-se deles próprios; valorizar a idéia de alegria, de diversão e de contestação.
Isso, dentro de uma visão de crítica da vida cotidiana.
Este trabalho monográfico tem o Hip Hop como temática central, com destaque
especial para o rap, que é a música do Hip Hop. A partir das minhas reflexões sobre a
genealogia do Hip Hop, alimentadas pelas pesquisas já publicadas, pretendo discutir
inicialmente seu aparecimento nos guetos norte-americanos da cidade de Nova Iorque,
fazendo uma apresentação da constituição dos elementos que forma todo o Hip Hop,
para em seguida, fazer uma discussão mais centrada no caso brasileiro.
Inicialmente, no pequeno primeiro capítulo, faço uma rápida discussão das
minhas principais influências teóricas, que estarão presentes em todo o texto. Com
destaque especial para a teoria situacionista e seus dois principais nomes: Guy Debord e
Raoul Vaneigem. Além da teoria situacionista, também discuto algumas concepções
estéticas e políticas de autores como Hegel, Adorno, Benjamin, entre outros que aqui e
acolá serviram para as reflexões contidas nesta monografia. Essas discussões teóricas
estarão explícita ou indiretamente presentes em toda a monografia.
No segundo capítulo faço referências mais gerais e abrangentes no tempo, no
espaço e na substância contextual do Hip Hop. Nesse capítulo, há referências tiradas das
décadas de 60, 70 e 80. As influências da música negra norte-americana para o Hip
Hop: o Rhythm and blues, o Soul, e principalmente o Funk. As lutas pelos direitos civis
dos negros norte-americanos. Destaco aspectos do Hip Hop norte-americano, de suas
primeiras manifestações, no bairro do South Bronx, na cidade de Nova Iorque. As
influências de países da América Latina: Jamaica, Costa Rica, México.
9 THOMPSON, Edward P. A formação da classe operária inglesa: a árvore da liberdade. 3.ed. Rio Janeiro: Paz e Terra, 1997. v.1.
16
O Hip Hop, neste capítulo, é apresentado através de todos os seus elementos: falo das
festas organizadas no Bronx, do break (a primeira manifestação do Hip Hop), do
grafite, dos DJ’s, MC’s e seu rap (rhythm and poetry).
Faço uma análise do Hip Hop surgido nos guetos norte-americanos junto de
rápidas citações que relacionam este com o Hip Hop no Brasil. Nesse segundo capítulo
estabeleço contato entre a prática artística do Hip Hop e sua crítica da vida cotidiana a
partir de seus próprios pressupostos e formatos que têm nas ruas e praças da cidade seu
território original por excelência.
Já no terceiro capítulo, a análise estará mais particularizada e menos abrangente
no tempo, no espaço e na substância do Hip Hop. Nesse capítulo, focarei basicamente a
década de 80, a primeira metade para falar da chegada do Hip Hop ao Brasil, através do
break, e a segunda metade, para falar do rap. Nesse capítulo, já não discuto o grafite.
Concentrando-me, basicamente no Hip Hop paulista, na relação do break com a Estação
São bento do metrô e na ascensão do rap, a partir da Praça Roosevelt.
As considerações, a respeito da chegada do Hip Hop ao Brasil e a difusão de
seus elementos, será vista neste terceiro capítulo. Essa chegada, notabilizada na cidade
de São Paulo, que assim como a de Nova Iorque, que produziu o Hip Hop para o mundo
nos anos 70, era uma cidade cheia de pessoas vindas de várias partes do mundo, São
Paulo também era uma cidade cheia de pessoas vindas de outras regiões do país com
culturas e modos de vida peculiares, especialmente nordestinos, que participaram de
forma efetiva da realização do Hip Hop. A cidade por si só, com sua estrutura e sua
lógica não determina a produção cultural dos indivíduos, estes, como os imigrantes
jamaicanos, caribenhos e latinos em Nova Iorque, trouxeram de seus locais uma
bagagem cultural, que misturada às condições encontradas no local que agora terão de
viver, produzem uma espécie de hibridização cultural10.
Nesse período da década de 80, o Hip Hop se apresenta primeiramente através
do break dance, uma espécie de primeira arte do Hip Hop. Farei alusão ao break e sua
chegada ao Brasil na década de 80, seu território, que tem na estação São Bento do
metrô paulista o marco simbólico inicial, para logo em seguida me deter na produção e
circulação do rap que como já mencionei, é o resultado da atividade do MC ou rapper e
do DJ.
10 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP & A, 2006, p. 91-97.
17
No quarto e último capítulo, discuto unicamente o RAP. Faço uma análise da
produção desse elemento durante toda a década de 90. A partir do contato com o
material principal dos rap’s que são suas letras, estas, encaixadas nas diversas temáticas
observadas. Este capítulo será o maior pela necessidade de colocar alguns trechos dos
rap’s analisados. Talvez a parte mais extenuante por se tratar de um processo em que
tive que analisar mais de oitenta discos de rap de vários grupos produzidos naquela
década, a fim de esboçar uma visão mais geral dos discursos oferecidos pelo rap
nacional da década de 90, sua crítica da vida cotidiana e possibilidades reflexivas de
conscientização e ação desses sujeitos em prol deles mesmos.
18
1 CRÍTICA RADICAL, TEORIA ESTÉTICA E INDÚSTRIAL CULTURAL
Neste capítulo farei algumas breves considerações de ordem teórica para melhor
compreensão desta monografia. Em primeiro lugar, saliento que é importante ter em
mente que este trabalho é também um exercício de teoria, aqui não há um simples
apanhado de dados e fatos que remetem ao Hip Hop pura e simplesmente, procurei na
medida do possível manter certa coerência teórica a partir do que penso. Farei mais
reflexões teóricas ao longo de todo o texto, mas de forma menos explícita.
Nesse sentido esclareço que boa parte desse trabalho tem como base teórica as
contribuições dos situacionistas11 e sua radical teoria crítica do espetáculo, que tem Guy
Debord e Raoul Vaneigem como seus principais teóricos e praticantes. A crítica da
sociedade do espetáculo, da vida cotidiana, da política, da arte, é fundamentada na
recusa radical e intransigente das separações, papéis, hierarquias, ideologias,
mercadorias, sofrimento, trabalho alienado, sacrifícios, mediações, especializações,
aparências, sobrevivências; ao mesmo tempo em que as ferramentas conceituais e
práticas revolucionárias serão a antítese desses elementos recusados pela crítica radical.
Boa parte desta corrente revolucionária tem em Marx uma de suas principais
influências, portanto idéias como totalidade e dialética12, criatividade, prazer, revolução,
realização, participação, comunicação, experiência vivida, construção de situações,
espontaneidade, poesia fazem parte do referencial teórico situacionista. Outros autores
também poderão ser encontrados aqui e acolá nas análises contidas nesta monografia,
em especial Hegel, Adorno, Benjamin, Lefebvre e Thompson. Todos estes, em menor
ou maior grau, influenciados pela dialética e a concepção de história marxiana.
1.1 Genealogia e História
11 Para uma melhor compreensão dessa corrente, ver DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006; VANEIGEM, Raoul. A arte de viver para as novas gerações. São Paulo: Conrad, 2002; JAPPE, Anselm. Guy Debord. Petrópolis (RJ): Vozes, 1999; INTERNACIONAL SITUACIONISTA. Situacionista: teoria e prática da revolução. São Paulo, Conrad, 2002 e JACQUES, Paola Berenstein(org.). Apologia da deriva: escritos situacionistas sobre a cidade / Internacional Situacionista. Rio de Janeiro: Casa da palavra, 2003. 12 Hegel também é outro autor fundamental para uma parte da teoria situacionista.
19
Busquei elementos para a compreensão do Hip Hop centrado nas suas primeiras
manifestações na década de 70 no Bronx nova-iorquino, que teve na figura do break o
carro chefe e aglutinador do movimento nesses primeiros anos. O mesmo se dando no
Brasil na década de 80. Isso não significa que o intuito da pesquisa a partir da busca
dessas primeiras manifestações do Hip Hop seja encontrar alguma possível origem que
possa justificar ou não determinados pontos de vistas.
Mais conveniente seria considerar a perspectiva genealógica, no sentido
apresentado por Foucault quando discute o capítulo “Nietzsche, a genealogia e a
história” 13, em que coloca a pesquisa genealógica buscando os começos não para
ordenar uma seqüência original e marcar assim semelhanças que possuíam
determinados acontecimentos, mas sim para perceber as diferenças e as possibilidades
oferecidas por esses começos, através da genealogia. É aí que fecho com essa
perspectiva, pois uma das preocupações suscitadas na pesquisa é justamente a questão
dos conflitos e disputas existente dentro do fazer-se do Hip Hop.
O Hip Hop não aparece pronto e acabado na década de 70 no Bronx. Não houve
uma simples junção de alguns grafiteiros, breakers, MC’s e DJ’s em uma determinada
data e local no intuito teleológico de construir um movimento político-cultural de
contestação social e criação estética. Estes foram se agregando organicamente, e
também por acaso, por estarem dispostos a ocupar uma parte do mesmo território
urbano.
A genealogia serve até aí, para valorizar os elementos conflituosos do fazer-se
do Hip Hop, deixando de lado uma visão bastante caricatural e romanceada deste. Para
contrapor uma perspectiva metafísica e supra-histórica que privilegie a origem e seus
essencialismos lineares. Porém, contudo, estabeleço um limite quanto a perspectiva
genealógica que está sendo discutida abre mão da totalidade histórica e dialética, além
de deixar em aberto as próprias separações, tipicamente espetaculares.
Partindo da idéia de Morin, de que a cultura de massas recupera a cultura
folclórica, o ideal de festa, com a diferença fundamental, que é a separação entre
espectadores e atores14, e trazendo essa questão para o Hip Hop, penso que este acaba
por, em um determinado período, desfazer essa separação e tende a uma festa unitária,
13 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2007. 14 MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: neurose, o espírito do tempo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 62.
20
pois os participantes transcendem a mera contemplação espetacular. A produção, a
circulação e o consumo interagem e fazem parte da mesma totalidade dialética da
manifestação do Hip Hop.
Esse momento de festa unitária foi se esfacelando durante a década de 90, num
processo muito esperado, pois, foi o resultado da maior distribuição do Hip Hop por
outros territórios, através do inevitável contato com o sistema da indústria cultural,
tornando o Hip Hop e o rap também um produto como tantos outros do mercado
capitalista, e marginalizando assim uma de suas marcas principais, que era a criação
cultural15. Esse processo, obviamente não é total, e o elemento de crítica tão
característico do rap não desaparece em nenhum momento, o que pode se discutir é o
nível que essa situação se encontra.
1.2 Hegel, Adorno e Benjamin
Além da perspectiva situacionista que está direta ou indiretamente presente em
quase todo esse texto, gostaria de fazer uma breve consideração teórica e estética a
respeito da música e no caso dessa pesquisa, especificamente da música rap tendo como
base três autores que também me serviram bastante nas reflexões desse trabalho: Hegel,
Adorno e Benjamin.
O primeiro desses autores, Hegel, pareceu ignorar suficientemente o progresso
técnico e sua influência na produção e no consumo da música, ou seja, ele não parece
vislumbrar no início do século XIX, uma possível reprodução da obra de arte que
revolucionaria definitivamente sua percepção idealista da música. O subjetivismo puro,
abstrato e ideal contido na música produzida para a contemplação do espírito hegeliano
foi completamente destruído pela reprodutibilidade técnica do século XX. Segundo
Hegel, “A missão principal da música consiste não em reproduzir objetos reais, mas em
fazer ressoar o eu mais íntimo, a sua mais profunda subjetividade, a sua alma ideal”16.
O som não tem mais como o concebia Hegel em seu tempo, a característica de
autodestruição e auto-aniquilação, tem pelo contrário, a característica do eterno presente 15 Ver GOLDMANN, Lucien. A criação cultural na sociedade moderna. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1972. 16 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Curso de estética: o sistema das artes. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p.293.
21
na auto-reprodução que caracteriza a sociedade do espetáculo e o sistema da indústria
cultural17.
A realização do rap está distante, num primeiro momento, do ideal estético
musical hegeliano no qual a subjetividade inerente ao som da música se configuraria
numa abstração extremamente idealista, bastante plausível às “necessidades”
contemplativas do espírito ávido por este tipo de arte.
Mas o que importa nessa breve consideração estética hegeliana é observar alguns
elementos destacados por Hegel, no sentido de historicizar a música. Perceber algo do
ideal estético de Hegel ajuda a pensar a produção e o consumo musical em termos
históricos. Uma época em que os imperativos econômicos ainda não dominavam nem
reificavam a totalidade da criação musical pode ajudar a se pensar na superação
histórica de outro período ligado umbilicalmente aos ditames do mercado, a uma música
feita sob encomenda para a grande mídia, castrando assim uma característica da
produção musical humanizada: a criatividade.
Se a música tomou um dia, como o concebia Hegel, “a sua forma não do que
existe, mas da imaginação criadora”18, a discussão sobre as possibilidades de fazer uma
música como o rap, no sentido de superação do que está posto é válida, pois a história
não se encerra, aqui e agora, com a dominação espetacular da indústria cultural do
consumo passivo e contemplativo.
Para Hegel, a música tem sua centralidade no consumo dirigido pelo espírito,
diferente do nosso outro autor Adorno, que entende, em outro momento histórico, nas
suas idéias para a sociologia da música, a produção desta, dialetizada em torno do seu
caráter social, o elemento mais significativo para a sociologia da música. Porém com
todo o pessimismo característico do pensamento adorniano quando do momento em que
a música entra definitivamente no complexo da indústria cultural, deixando assim, todo
o aspecto ideológico sobressair.
O rap é declaradamente uma música de caráter social. A construção dos temas
pelo compositor não tende a um individualismo com vistas à expressão dos seus
sentimentos mais íntimos para ser compreendido e exaltado enquanto sujeito individual,
como na concepção de Hegel. Pelo contrário, o rap, de um modo geral, segue uma
17 A principal referência que utilizo para caracterizar este conceito é o texto clássico de Adorno e Horkheimer A indústria cultural: o iluminismo como mistificação das massas. 18 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Curso de estética: o sistema das artes. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p.293.
22
proposta comunicativa que expresse de forma clara, aspectos sociais e que abranjam a
maior parte possível da coletividade na qual o rapper está inserido. Mesmo que o tema
seja uma narrativa que se limite a cantar a trajetória de um individuo, ele só o faz
quando tem perspectivas de que aquela narrativa tenha alguma ligação com o social.
Nesse sentido, o caráter do rap está bem próximo e de acordo com a percepção de
Adorno quando nos diz que, “O sujeito da composição não é individual, mas coletivo.
Toda música, que seja a mais individualista pelo estilo, tem uma substância
irredutivelmente social: qualquer tom diz ‘nós’ ”19.
Por outro lado, o rap não parece ter qualquer semelhança com aquilo que
Adorno caracteriza como, “música leve em que o ouvido acostumado consegue, desde
os primeiros acordes, adivinhar a continuação, sentir-se feliz quando ela ocorre”20. A
música rap é criativa e realizadora. Ela não surge como produto da indústria cultural,
surge e desenvolve-se em meio também à indústria cultural; usa e é usada por ela, e este
será mais um dos vários conflitos que o fazer-se do Hip Hop agora na figura do rap, vai
enfrentar.
A indústria cultural, enquanto ideologia técnica e técnica ideológica, a serviço de
um sistema de esquematismos, tende a se apropriar e a usar o rap, assim como todas as
músicas comercializadas, a favor de sua auto-reprodução, mais nesse processo, vai
existir em relação ao rap, uma boa margem dialética de negação na própria negação. Se
para Adorno e Horkheimer, “a dupla desconfiança para com a cultura tradicional como
ideologia se mistura à desconfiança quanto à cultura industrializada como fraude”21, por
outro lado, Benjamin acrescenta um elemento de otimismo na função política da arte.
O mais interessante do conceito de indústria cultural de Adorno e Horkheimer é
percebê-la como um sistema, como uma nova fase do capitalismo em que uma
economia e uma cultura estão juntas num projeto de dominação e imposição cultural
através de técnicas e recursos próprios da reprodução social. A produção cultural em
série, espetaculariza e reduz a cultura a um mero reprodutor dessa nova fase do
capitalismo, e boa parte da história do rap nacional da década de 90 estava ligada
intrinsecamente ao dilema apresentado pelos autores do conceito de indústria cultural:
19 ADORNO, Theodor. Idéias para a sociologia da música. In Walter Benjamin, Max Horkheimer, Theodor W. Adorno, Jurgen Habermas. Textos escolhidos. São Paulo, Abril Cultural, 1980. (Os Pensadores), p. 265. 20 ADORNO, Theodor. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p. 14. 21 ADORNO, Theodor. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p. 64.
23
“Quem não se adapta é massacrado pela impotência econômica que se prolonga na
impotência espiritual do isolado. Excluído da indústria, é fácil convencê-lo de sua
insignificância”22.
Voltando alguns anos no tempo, a partir de Benjamin é possível ter uma visão
menos “apocalíptica”, para usar uma expressão de Umberto Eco23, do uso das novas
técnicas e sua função na reprodução artística ou das obras de arte enquanto práxis
social. Nem tudo estava tão perdido assim, como talvez possam indicar Adorno e
Horkheimer quando tiravam suas conclusões a partir da sociedade norte-americana e do
nazismo Alemão.
Se, por um lado, as novas técnicas de reprodução poderiam servir para uma
dominação social maior, mais sutil e mais sofisticada, como pensavam Adorno,
Horkheimer e Benjamim, por outro lado, o último dialetizava melhor a cena e via
também novas perspectivas de politização de uma arte voltada a uma potencialização
revolucionária do proletariado, além da fundamental superação e destruição do ideal
tradicional da arte que tinha na autenticidade e na aura, sua fundamentação hierárquica
e elitista de ser. Sua função ritualística agora não seria mais necessária, portanto, “desde
que o critério de autenticidade não é mais aplicável à produção artística, toda a função
da arte fica subvertida. Em lugar de se basear sobre o ritual, ela funda, doravante, sobre
uma outra forma de práxis: a política”24.
22 ADORNO, Theodor. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p. 25. 23 ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 1970. 24 BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução. In Walter Benjamin, Max Horkheimer, Theodor W. Adorno, Jurgen Habermas. Textos escolhidos. São Paulo, Abril Cultural, 1980. (Os Pensadores), p. 11.
24
2 O HIP HOP NOS ANOS 70 E 80
Pode-se dizer que o Hip Hop tem como berço o bairro do Bronx localizado na
cidade de Nova Iorque. Fruto de uma construção de negros americanos e latinos de
países como o México e Porto Rico, que viviam no decadente e pobre bairro do South
Bronx. Surge de um caldeirão cultural e da agitação política que foi a década de 1960.
A luta dos negros norte-americanos no Movimento pelos Direitos Civis25 junto
da atuação de líderes negros como o pastor pacifista Martin Luther King e o ativista
islâmico Malcom X, além do ativismo dos Panteras Negras26, forneceram as primeiras
doses de subversão que vão se agregando na composição da atitude hip hopper27. Além
disso, a música negra norte-americana, como o jazz, o funk e soul, também foram
importantes referências musicais para o Hip Hop. Especialmente o funk.
Uma questão que é importante frisar para quem não conhece o Hip Hop, é que o
mesmo não é uma expressão musical, não é um grafite na parede, nem uma dança com
passes acrobáticos. Esteticamente falando, o Hip Hop é a união dessas expressões
artísticas. Portanto, quatro elementos formam o que se denominou em 1968 pelo
pioneiro Africa Bamabaataa, de Hip Hop. “O termo Hip Hop, que significa, numa
tradução literal, movimentar os quadris (to hip, em inglês) e saltar (to hop), foi criado
pelo DJ Afrika Bambaataa, em 1968, para nomear os encontros dos dançarinos de
break”28. Porém, Yoshinaga acrescenta que
sua significação ultrapassa essa limitação literal, sugerindo o desvencilhamento, por alguns momentos, da complexidade da realidade social, e a criação e conquista de uma nova realidade – objetivo que só poderá ser realizado com a conscientização e a mobilização dos indivíduos envolvidos29.
25 KARNAL, Leandro et. al. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. São Paulo, Contexto, 2007, p. 243-249 26 Ver Figura 1 do ANEXO 8. 27 Essa é uma palavra comum entre os membros do Hip Hop. Atitude seria ter um proceder correto para os anseios da periferia através de uma consciência dos problemas locais e de uma ação para a resolução desses problemas, o certo é que essa tal atitude Hip Hop está cada vez menos efetiva e real na totalidade do movimento. 28 ROCHA, J. DOMENICH, M. & CASSEANO, P. Hip-Hop: a periferia grita. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001, p. 17. 29 YOSHINAGA, Gilberto Kurita. Resistência, arte e política: registro histórico do rap no Brasil. Monografia (Graduação em Comunicação Social / Habilitação em jornalismo). Bauru: UNESP, 2001, p. 07.
25
Dito isto, há que se fazer uma breve descrição do que é feito o Hip Hop, sua
substância e conteúdos propriamente ditos. Ele é constituído por quatro elementos: o
Break, o Grafite, o Disc Jóquei (DJ) e o Mestre de Cerimônias (MC). O Break é a
dança do Hip Hop, e é a primeira manifestação do mesmo. Ela surge como expressão
corporal dos jovens que realizavam a dança em meio às ruas e praças da cidade. Estes
jovens também freqüentavam as grandes festas organizadas nas ruas do Bronx.
Inicialmente Afrika Bambaata, pioneiro do Hip Hop, viu no break dance uma
possibilidade de resolução dos conflitos internos entre as diversas gangues, que
assolavam os bairros pobres de Nova Iorque. Portanto, além do entretenimento daquela
difícil e diferente dança, existia desde cedo um elemento de resolução dos problemas
enfrentados por quem vivia naqueles territórios.
O grafite veio somar e enfeitar com tintas alegres e muita criatividade os
territórios ocupados pelos hip-hoppers. Colorindo o visual cinzento morto das grandes
cidades e unindo-se organicamente a cultura de rua que se formava nos guetos destas.
Assim como os outros elementos, o grafite também tem o movimento como uma de
suas principais características, da composição das letras aos locais escolhidos, como os
trens, tem-se um destaque do movimento no grafite.
O DJ (Disc Jockey) é o personagem que produz as bases musicais para que o
MC execute suas letras. Ele é o responsável pelos diversos efeitos no rap, pelas técnicas
de mixagem, como os famosos scratch30. O rap é composto pelo MC e o DJ. Os DJ’s
foram fundamentais no início do Hip Hop, pois eram eles que organizavam e animavam
as primeiras festas de Hip Hop. O pioneiro do Hip Hop, o DJ jamaicano Kool Herc31
trouxe do seu país de origem, as Sound Systems32 e criou o breakbeat33. Trocando o
reggae pelas batidas repetidas tiradas do popular funk, esses DJ criaram o instrumental
do rap.
O último elemento que veio se juntar ao movimento Hip Hop foi o MC (Mestre
de Cerimônias), hoje mais conhecido como rapper. Ele é o responsável pela execução
do discurso do rap, pela elaboração da poesia da música. Geralmente o MC é o
30 Uma técnica que consiste em produzir efeitos sonoros através do atrito da agulha do toca-discos e do próprio vinil. 31 Ver Figura 2 do ANEXO 10. 32 Um sistema de som muito popular e potente da Jamaica em que o DJ tocava e fazia suas festas nas ruas da cidade. 33 Técnica inventada por Hool Herc para samplear trecho de músicas. Consistia na repetição do mesmo trecho para assim criar uma base musical.
26
compositor e o intérprete dos rap’s. Antes o DJ assumia a dupla função de MC e DJ,
“dos seus salves, alôs e recados para a rapaziada”, acabou por se destacar na figura de
um MC que a partir de então passou a elaborar letras que iam além dos primeiros e
pequenos versos improvisados. Desde a segunda metade da década de 80, o MC é a
figura mais exposta e mais conhecida do Hip Hop. É o mais aplaudido, criticado,
cobrado e escutado, justamente por concentrar a maior parte do poder discursivo através
de sua voz e suas letras, algo que até o início da década de 1980 não era tão
fundamental e determinante.
Podemos perceber que todos os elementos do Hip Hop, foram formas
encontradas pelos jovens que sobreviviam excluídos, para expressarem-se através da
arte da dança, da música e da pintura. Posteriormente essa arte vai se politizando e
ganhando contornos cada vez maiores de contestação social. Aprofundando uma visão
mais geral dos problemas e das soluções que estes julgavam certas para sua localidade e
para os que são considerados “seus iguais”, que vivem situações semelhantes de
exclusão e opressão.
Essas expressões artísticas e política dos negros e latinos norte-americanos, logo
desembarcam no Brasil através, primeiramente do break dance, mais com o intacto
conteúdo de valorização do negro. Lá James Brown radicalizava com o funk e o seu
“Black is Beautiful”, aqui Jorge Ben gravava em 1971 uma espécie de tradução do
orgulho negro norte-americano com o disco, Negro é Lindo. Os bailes black já eram
uma verdadeira febre no Rio de Janeiro e em São Paulo. Porém esses bailes já não
refletiam as primeiras críticas sociais do Black Power e do orgulho negro.
Transformaram-se em festas que tinham como único objetivo uma passiva diversão
padrão e conformada. O Soul e o Rhythm and blues, ambas músicas negras bastante
difundida nos Estados Unidos, já estavam completamente a serviço dos ditames
fonográficos do mercado e tinham perdido seu conteúdo de criação cultural que tanto
serviu de trilha sonora para os movimentos pelos direitos civis na década de 60.
Os primeiros rappers brasileiros também tinham a diversão como tema principal
de suas letras, mais com o tempo e os contatos com as músicas de grupos de rap norte-
americanos, como o Public Enemy e o N.W.A(Niggaz With Attitude), houve uma
virada e uma mudança de preocupação. Agora temas como o racismo, a violência e a
pobreza começava a ganhar destaque e a se impor. Nos bailes black, esse tipo de
postura não agradava muito, então o pessoal do Hip Hop, começa a buscar outros
27
território para suas manifestações, encontram a estação São Bento do metrô e a Praça
Roosevelt em São Paulo, é aí que começa e se dissemina a cultura e o movimento Hip
Hop pelas periferias de São Paulo.
Essa descrição se tiver importância, não estará no fato de se querer prender a
curiosidades. Aqui está presente apenas uma brevíssima apresentação sumária dos
elementos e da história do Hip Hop. Não pretendo me ater a curiosidades sobre o Hip
Hop, o que, de certa forma, reforçaria uma tendência em querer enxergar o Hip Hop
como uma excentricidade de jovens da periferia, deixando de lado muitas das
contradições, riqueza e complexidade que a história desse movimento pode nos revelar.
Penso o Hip Hop como um campo em aberto. Ele surge como uma construção de
jovens que desejavam se expressar culturalmente através da dança, da música e do
grafite. A marginalização e a organização autônoma atuantes destes jovens, diante de
um quadro excludente, para se expressarem através da música, da dança e da pintura já
configuram um quadro de participação política consciente por essa cultura
eminentemente de rua.
A percepção de arte e política não se dissocia aqui, no estudo sobre o Hip Hop,
enquanto uma transformação com alegria e vida no meio urbano da miséria e do
sofrimento nem a tediosa militância política de profissionais revolucionários que
reproduzem as mesmas hierarquias que dizem combater, nem a perspectiva burguesa da
“arte pela arte” que reproduz a sociedade mercantil e passiva do espetáculo, são
caminhos teóricos e práticos, simpáticos ao que aqui está escrito.
O Hip Hop nasce como um instrumento de diversão, de tentativa de amenização
de brigas através da dança, de espalhar mensagens no fluxo urbano através das galerias
das cidades, de expressão através da música do cotidiano de pessoas que viam todo o
aparato tecnológico da indústria cultural inacessível e totalmente controlado pelas
grandes corporações. O conflito atravessa o Hip Hop de ponta a ponta, e é também a
partir do conflito que penso a história do Hip Hop.
Este movimento retratava e retrata sim a vida de muitos moradores das periferias
e guetos das grandes cidades do mundo. Essas pessoas produziam sua cultura através
dos restos da indústria cultural, de aparelhos que estavam entrando em desuso pela
técnica, como os toca-discos, através de suas tradições culturais locais e até ancestrais34.
34 Ver SILVA, José Carlos Gomes da. Rap na cidade de São Paulo: música, etnicidade e experiência urbana. Tese (Doutorado em Antropologia). Campinas: UNICAMP, 1998, p. 180-183.
28
Seus discursos não eram de intelectuais acadêmicos ou líderes políticos e sindicais. Eles
não tinham nenhum estatuto ontológico e político revolucionário que desejasse mudar o
mundo, o Hip Hop fez-se e faz-se a partir de suas múltiplas determinações, sem uma
origem que possa remeter a uma idéia de linearidade até o fim da história postulado por
algum líder que pretende ser dono do discurso verdadeiramente original.
2.1 O Hip Hop no South Bronx
Após os acontecimentos de 1968 muitos estudos começaram a dar mais atenção
às práticas da juventude, afinal de contas naquele ano uma parcela significativa dos
jovens do mundo a fora resolveram entre outras coisas fazer revolução, com outro
caráter, digamos mais progressista: com mais diversão, com menos hierarquias, com
mais sexo, com mais alegria, ou seja, tudo o que não fazia parte da totalidade moral e
econômica capitalista e do socialismo realmente burocrático. A arte e a política se
realizavam no cotidiano e na vida de muitos subversivos, muitos dos quais inspirados na
teoria e prática dos situacionistas, que negavam qualquer tipo de concessão à
organização espetacular da (falsa) vida.
Coincidentemente, o termo Hip Hop parece ter surgido no ano de 1968. Porém
foi na década de 1970 que este movimento de fato aparece no gueto do gueto da
metrópole das metrópoles. O South Bronx35 é considerado o berço do Hip Hop. Bairro
pobre de Nova York, o South Bronx era uma miséria total, esquecida, marginalizada e
atacada pelo poder público norte-americano. Lugar de população negra e hispânica que
vivia abaixo do padrão de pobreza norte-americana, situação esta oriunda da sociedade
hierárquica e racista, patrocinada e reproduzida pelo poder político e econômico norte-
americano. O movimento pelos direitos civis da década de 60 também comprova isso.
As dificuldades vividas pela população do South Bronx não impediram que
alguns jovens começassem através da arte, uma revolução cultural denominada Hip
Hop. Este trilhou um caminho inverso do operado e estimulado pela sociedade do
espetáculo, com suas separações e especializações. O Hip Hop pelo contrário, juntou
elementos que estavam dispersos na mesma miséria ao mesmo tempo no mesmo
espaço: o break dance, o grafite e o rap. Os sujeitos que se encontravam imersos num
35 Ver Figura 7 do ANEXO 12.
29
cenário de violência, marginalidade, tráfico de drogas, desemprego e opressão policial,
iniciaram um processo de construção identitária que tinha no Hip Hop seu elemento
comum e agregador, ao mesmo tempo em que preservavam todas as contradições e
diferenças, tendências que acompanham o Hip Hop e estão histórica e
indissociavelmente ligados a ele.
2.2 Break dance
A história do Hip Hop se confunde em seus primeiros momentos com a história
da dança que o caracteriza: o break dance. Seja em Nova Iorque, São Paulo ou São
Luís, o break dance é a primeira expressão que o Hip Hop nos apresenta. Durante a
década de 1970 em Nova Iorque, na primeira metade da década de 1980 em São Paulo e
também em São Luís, o break dance domina algumas ruas e praças dessas cidades, e vai
se constituindo numa verdadeira febre entre os jovens das periferias dessas cidades36.
Com seus passos robotizados, seus giros-de-cabeça, seus saltos mortais, sua
agressividade e toda dinâmica de seus movimentos e quebra de movimentos, o break
dance conquista os corações, os corpos e os olhares de diversas pessoas que
freqüentavam os espaços destinados a realização dessa arte. O break é um produto das
ruas, é uma cultura que reflete não só elementos da cultura de rua enquanto expressão
artística, mas também conserva ao mesmo tempo uma postura de contestação dos
padrões estabelecidos sobre o fazer-se da dança. É uma opção de vida, que tem como
principal critério a participação e a intervenção no território urbano, a contemplação
passiva é algo que não fazia parte da realização dessa arte.
Movidos por uma necessidade humana de viver e não apenas sobreviver, os
dançarinos de break, conhecidos também por b.boy’s (break boys) e b.girl’s (break
girls’) são no Hip Hop, os sujeitos que mais expressam a arte da vida cotidiana não
mediatizada pelo poder mercantil e fetichizado do dinheiro. Ninguém dançava break
para sobreviver através de um salário, eles faziam de fato um esforço físico imenso,
36 Ver ROSE, Tricia. Um estilo que ninguém segura: política, estilo e cidade pós-industrial no hip- hop. In: HERSCHMANN, Micael (org.). Abalando os anos 90: funk e hip-hop, globalização, violência e estilo cultural. Rio de Janeiro: ROCCO, 1997; FÉLIX, João Batista de Jesus. HIP HOP: cultura e política no contexto paulistano. Tese (Doutorado em Antropologia social). São Paulo: USP, 2005 e SANTOS, Rosenverck Estrela. Hip Hop e educação popular em São Luís do Maranhão: uma análise da organização “Quilombo Urbano”. Dissertação (Mestrado em educação). São Luís: UFMA, 2007.
30
várias vezes por semana, talvez todos os dias, principalmente nos dias dedicados ao
descanso do trabalho, os finais de semana e feriados, porém, diferentemente do esforço
físico do trabalho assalariado, existia uma característica fundamental nesse trabalho da
dança: o prazer. O produto dessa dança prazerosa era consumido pelos próprios
produtores, por vezes sobrava um excedente trocado por dinheiro através dos contratos
para se fazer propagandas para comerciais ou dançar em frente a estabelecimentos,
como shopping center’s, afinal os b.boys não estavam em outro mundo, estavam num
mundo capitalista em que as coisas se personificam e as pessoas se coisificam, em que
as mercadorias movem montanhas, enchem barriga, nos transportam, nos vestem, nos
educam, etc; e o dinheiro é o mediador de tais relações inversas que estão
completamente contra a vida e o ser humano37.
O South Bronx estava mergulhado num clima de violência, disputas entre
gangues e confrontos territoriais, e toda essa tessitura conflituosa das ruas irá compor o
Hip Hop. Diante dessa situação, Kevin Donovan morador do Bronx, conhecido
mundialmente como Africa Bambaataa38, um dos pioneiros do movimento Hip Hop,
resolveu propor como solução para as inúmeras brigas entre as gangues de Nova Iorque
disputas no plano artístico, no plano do break dance. Em vez de se exterminarem
fisicamente, as diversas gangues que existiam nos guetos norte-americanos das grandes
cidades começaram a se enfrentar em verdadeiras batalhas através da dança, os grupos
que tinham pendências com outros grupos se desafiavam, e assim as disputas passaram
a ter contornos artísticos em vez da pura violência física.
Alguns passos do break lembram inclusive uma situação de confronto que os
Estados Unidos tinham se envolvido, a guerra do Vietnã. Alguns passos como o moinho
de vento faziam alusão ao movimento das hélices dos helicópteros da guerra.
O break é uma dança caracterizada por movimentos em que o dançarino tenta reproduzir o corpo debilitado dos soldados que voltavam da guerra do Vietnã; há ainda movimentos que copiavam as hélices dos helicópteros utilizados na guerra”39.
37 MARX, Karl. O capital: crítica da economia política, sessão 1 – Mercadoria e Dinheiro. Volume 1, livro primeiro, tomo 1. São Paulo: Nova Cultural, 1988. (Os economistas). 38 Ver Figuras 4 e 5 do ANEXO 10. 39 ANDRADE, Elaine Nunes de. (org.). Rap e educação, rap é educação. São Paulo: Summus, 1999, p. 86-87.
31
Muitas vezes não dava para segurar, e as disputas extrapolavam ainda para a
antiga forma de resolução das diferenças. O Hip Hop surge no conflito da realidade das
ruas, e este acompanha a história do movimento.
2.3 No ritmo e poesia das ruas: o rap
Os quatro elementos do movimento Hip Hop possibilitam naturalmente uma
margem de participação significativa dos envolvidos, por isso mesmo que se faz Hip
Hop, com raras exceções, este tem uma atitude de realização do movimento através dos
elementos, seja cantando e compondo, dançando, mixando ou grafitando. Os primeiros
realizadores do Hip Hop em Nova Iorque, na maioria das vezes realizavam mais de um
elemento. Era muito comum um DJ grafitar e cantar, um b.boy grafitar, um grafiteiro
que cantava, um MC que dançava. Com o tempo e as necessidades de se profissionalizar
para melhor atender as exigências do mercado e “o movimento autônomo do não-
vivo”40, houve uma radical separação no fazer-se do Hip Hop.
Em Nova York credita-se a três figuras importantíssimas o mérito de organizar
os primeiros eventos de Hip Hop no Bronx. Na parte oeste, o DJ jamaicano Kool Herc,
que muitos chamam de pai do Hip Hop; no Bronx River East, o já citado DJ Africa
Bambaataa que criou a primeira organização de Hip Hop em 1973, a Zulu Nation, e que
hoje se tornou a maior organização de Hip Hop do mundo, e por último, no sul, o DJ
Grandmaster Flash41 que deu uma virada significativa em 1982, com a música The
Message, onde se ver pela primeira vez uma atitude mais critica, atitude esta que logo
fará parte do rap42.
Estes três DJ’s, especialmente os dois últimos, também se tornaram MC’s, ou
seja, rappers. Foi um desenvolvimento meio que natural, pois nas festas que
organizavam eles costumavam mandar mensagens para seus públicos, essas mensagens
por vezes se tornavam rimas humoradas e sarcásticas, posteriormente essas mesmas
40 DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de janeiro: Contraponto, 2006, p. 13. 41 Ver Figura 6 do ANEXO 11. 42 Ver ROSE, Tricia. Um estilo que ninguém segura: política, estilo e cidade pós-industrial no hip- hop. In: HERSCHMANN, Micael (org.). Abalando os anos 90: funk e hip-hop, globalização, violência e estilo cultural. Rio de Janeiro: ROCCO, 1997.
32
rimas foram ficando mais elaboradas, contínuas e longas, se transformando em letras,
tornando-se rap’s. Logo surgiram outros MC’s para somar na cena do Hip Hop.
Em 1979 o grupo Sugarhill Gangs43 gravou Rappers Delight, o primeiro rap
gravado. Alvo de muitas controvérsias posteriores por se tratar de um grupo feito sob
encomenda por uma gravadora, além de que seus membros não participavam de
nenhuma crew44 no Bronx. O rap já vinha sendo produzido antes da gravação dessa
música por outros DJ’s e MC’s; Rappers Delight foi o primeiro a ser gravado. Até o
final da década de 70 e início da de 80 esses rap’s não tinham muita preocupação social,
racial, etc. Geralmente se cantava historinhas e vantagens do dia-a-dia.
Todos esses DJ’s e MC’s tinham uma grande preocupação com a dança. O break
era o combustível e a inspiração da produção da maioria desses primeiros rap’s, as
batidas são mais rápidas e feitas para a prática do break dance. Uma característica que o
rap vai, pouco a pouco, perdendo em favor de sua autonomia para fazer rimas que
tivessem uma maior preocupação informativa, no sentido de conscientização daquelas
pessoas excluídas. O rap muda um pouco sua musicalidade, com toda influência do
funk, que era a música negra mais contundente daquela época nos Estados Unidos, e vai
se tornando mais sério em todos os sentidos. A questão que fica é se esse era um
caminho natural que o rap deveria tomar para se tornar um instrumento mais politizado
ou se as coisas não necessariamente deveriam se dissociar, ou seja, a riqueza e as
possibilidades estéticas, juntas da informação e atitude conscientizadora das letras.
Ao mesmo tempo em que o rap vai abrindo mão ou secundarizando seu aspecto
lúdico da diversão, vai também se defrontando com outras fronteiras que começavam a
aparecer. O break dance, o grafite e o próprio rap já não eram produtos exclusivos do
Bronx nova-iorquino, outras cidades como Los Angeles, também já faziam e
consumiam as músicas e as atitudes hip hoppers. É aí que entra a indústria cultural
norte-americana como mediadora dessa circulação, principalmente na gravação de
grupos de rap. Em 1986 já acontece o primeiro estouro de vendagem de um grupo de
rap, mais especificamente de uma dupla chamada Rum-DMC45. Eles conseguem a
enorme cifra de dois milhões de cópias vendidas, com seu LP Raising Hell46. Depois
43 Ver Figura 9 do ANEXO 13. 44 Gangues de Hip Hop ou grupos organizados de Hip Hop que freqüentavam o mesmo território e partilhavam os mesmos estilos. 45 Ver Figura 9 do ANEXO 13. 46 PIMENTEL, Spency K. O livro vermelho do hip-hop. São Paulo: ECA/USP, 1997, p.11.
33
desse fenômeno comercial, o rap se firma como o elemento mais visível do Hip Hop e
assim o é até hoje, com todas as contradições diante desse contato.
2.4 A antítese colorida da morte cinzenta das cidades: o grafite
Outro elemento formador do Hip Hop e que também fazia parte desse meio
urbano do bairro do Bronx era o grafite. Contrapondo o cinza, dominante das
metrópoles, o colorido do grafite também aparece com a mesma proposta do break:
vida, alegria e confronto do movimento Hip Hop. O grafite é a arte visual do
movimento, e todo o Hip Hop tem as tintas, cores, letras e desenhos feitos pelos
grafiteiros, ou como eles se autodenominavam no Bronx das décadas de 70 e 80, writers
(que em português quer dizer escritor), pois era o que aquelas pessoas faziam,
escreviam por sobre os muros, lojas, trens, metrôs e tudo que tivesse pela frente, pelo
alto e por baixo da Nova York, sem falar da etimologia da palavra grafite que vem de
graphéin que em grego significa escrever47.
O grafite do Hip Hop surge pelo fim da década de 60 e início da década de 70,
como uma forma de expressão artística, informal, subversiva, ilegal e colorida. Taxados
de vândalos, depredadores do patrimônio público, com suas letras sem nexo que
poluíam o visual da cidade sem visual, o grafite dava o tom das grandes festas de Hip
Hop organizadas pelos primeiros DJ’s do Bronx, estes dividiam o território em zonas de
influência para a realização de seus eventos. Das roupas à decoração dos lugares onde a
festa rolava se via a expressão visual dos freqüentadores daqueles espaços. Assim como
o break, o grafite também não nasceu envolto em uma aura de pureza artística e
contemplativa, muito pelo contrário, ele aparece para demarcar território de gangues e
assim estabelecer os limites, as influências e as divergências dos grupos destas gangues,
ou seja, envolto numa perspectiva nada amistosa.
Alguns grafiteiros e outros membros do Hip Hop por vezes tentam suavizar a
prática do grafite com uma aura de arte a partir de critérios que beiram uma concepção
dominante, elitista e hierárquica do que seja arte. E o primeiro ato, em defesa desse
grafite legal e contemplativo é dissociá-lo completamente de outra atividade ilegal, que
47 Revista Como Grafitar nº 01. Ano? O estado físico da revista não me permitiu visualizar o ano de publicação da mesma.
34
é a pixação. Considero que fazer grafite não é pixar, porém, entendo que essas duas
manifestações não são antagônicas e preservam certa aproximação, ambas são feitas
pelas mesmas pessoas, diferindo por vezes o período dessa realização destas pessoas.
Dificilmente se encontrará um grafiteiro que nunca pixou, às vezes o mesmo realiza as
duas atividades sem grandes preocupações morais ou estéticas, mais de um modo geral,
quem começa a grafitar, pára com as pixações. Como diz numa entrevista à primeira
edição da revista “Como Grafitar”, Tinho, um grafiteiro da velha escola, “o grafite veio
da pixação, se não tivesse pixação não teria grafite”48, assim sendo, o grafite seria uma
espécie de evolução da pixação, muito mais elaborada em termos estéticos e políticos.
Um dos primeiros estilos do grafite, o tag, consiste simplesmente em escrever um nome
que identifique o grafiteiro, seja um apelido, o nome da rua onde mora, ou até seu
próprio nome.
O grafite como já foi dito, tinha como intuito além da decoração das festas,
comunicar. Desde um protesto contra o poder público até um simples tag. Por isso uma
das características do grafite era aparecer para um maior numero de pessoas, se possível
movimentando-se. Os trens de Nova Iorque nas décadas de 70 e 80 eram os principais e
mais cobiçados murais dos grafiteiros, uma disputa acirrada se realizava entre os
grafiteiros para conseguir expor suas mensagens nos trens, até que ano de 1987, a
companhia do metropolitano de Nova Iorque, resolveu não mais gastar com a limpeza
dos vagões e investiu na compra de novos vagões de aço, resistentes a tinta spray e
desde então o grafite de trens não mais existe naquela cidade, quando isso aconteceu o
grafite definitivamente se transferiu para os muros, prédios, veículos abandonados,
casas e quadras esportivas49.
O grafite é um tipo de arte que tem as ruas e os espaços públicos como áreas de
sua maior expressividade. Assim como todos os outros elementos do Hip Hop, o grafite
veio em busca de um local, de um território em meio a todo o espaço urbano, não se
constituiu enquanto atividade mercantil, institucionalizada, oficial, acadêmica e legal,
muito pelo contrário. E, jujgo eu, ser esse um dos maiores méritos e combustível de
toda sua criatividade. Hoje existe certa lógica que empurra não só o grafite, mais todo o
Hip Hop a um diálogo com outras esferas reprodutora da sociedade, como o mercado, a
48 Revista Como Grafitar nº 01. 49 Revista Como Grafitar nº 01.
35
mídia e a academia, mais esse processo é muito controverso e deve ser analisado melhor
mais tarde, quando focaremos o estudo no rap.
36
3 OS ANOS 80 DO HIP HOP NO BRASIL
O Hip Hop desembarca em São Paulo na década de 80 e esta cidade logo se
torna a principal referência no Hip Hop nacional, especialmente quando falamos no rap,
assim como chamamos o rap produzido em Nova Iorque de norte-americano,
chamamos o rap produzido em São Paulo na década de 80 de rap nacional50. Talvez a
característica de grande metrópole paulista e as relações estabelecidas em tal cenário,
possam ajudar a entender esse processo de hegemonia e concentração em São Paulo.
Um exemplo disso é o elemento mais representativo do Hip Hop, que é o rap.
Este sempre foi uma referência para o Brasil inteiro, ao mesmo tempo em que há uma
forte influência do rap norte-americano para o rap paulista. Porém, o rap paulista em
seu próprio local de produção ressignifica o rap norte-americano. O que mais tarde
ficará nítido na comparação da substância do conteúdo dos mesmos. A peculiaridade e o
diferencial do rap produzido em outras regiões e Estados do Brasil, especialmente no
norte e nordeste do país, mas também em vizinhos como o Rio de Janeiro, é que estes
outros lugares tiveram e até hoje em certa medida ainda tem, São Paulo como maior
referencial, eu diria que supera, inclusive, as influências diretas do rap norte-americano.
Essa situação vai possibilitar ao rap desses outros lugares uma espécie de
tradução da tradução, ou seja, o rap norte-americano é traduzido pelo rap paulista e este
por sua vez é traduzido pelos rap’s dos outros lugares do Brasil. O resultado disso,
segundo minha hipótese, é de que o formato de se fazer rap que vem dos Estados
Unidos e passa por São Paulo, quando chega a outros lugares se torna bem mais frágil,
enquanto que a cultura local dessas outras áreas, com sua musicalidade e expressões
artísticas, acaba por ter uma influência decisiva nesse rap. Mas essa discussão e,
hipótese, se torna bem mais deficiente após a década de 90, após a disseminação de
vários meios de comunicação, especialmente a internet.
3.1 O break dance e a chegada do Hip Hop ao Brasil
50 Há ainda uma grande tendência predominante no Brasil de chamar todo o rap produzido aqui, de rap nacional, independente de onde ele seja feito.
37
O Hip Hop chega ao Brasil primeiramente como break dance, que começou a
ser praticado pelas pessoas que freqüentavam os bailes black’s51, onde o que se tocava
era basicamente soul, funk e rhyhm and blues. A indústria cultural apresentou o break
dance propriamente dito, através de filmes como Beat Street (1984) e Flash Dance
(1983) e vídeo clipes, como os de Michael Jackson. Muitos migraram dos espaços dos
bailes para as ruas e praças para praticar a dança, nesse momento no Brasil Hip Hop era
break e break era Hip Hop, não havia uma visão do movimento como um todo. Como
procurei mostrar, o break dance é uma dança bastante expressiva que retrata através da
arte, a vida cotidiana de muitos jovens que vivem no conflito da periferia. É só dar uma
olhada numa batalha de b.boys52 para se perceber as expressões de agressividade nos
rostos e nos passos destes b.boys e b.girls, assim como também podemos perceber
outros gestos que caracterizam a vida dessas pessoas: a malandragem, entendida como
“saber viver” no mundo das sobrevivências, as resoluções imediatas dos problemas que
aparecem a todo o momento, o sarcasmo e a ironia para com o oponente.
A história dessa dança no Brasil, passa pela história de uma figura chamada
Nelson Triunfo53. Nordestino de Triunfo, Pernambuco, Nelsão, como é conhecido no
meio do Hip Hop, foi um verdadeiro pioneiro no Brasil e até hoje é tido como uma
referência para os b.boys e b.girls. Ele e seu grupo Funk e Cia54 começaram dançando
funk e soul, os gêneros musicais que agitavam os bailes blacks paulistas e cariocas nas
décadas de 60 e 70 no auge da black power55. Segundo “Nelsão”, ele já imitava os
movimentos de robôs ainda no nordeste, depois começou a freqüentar os bailes que
rolavam na cidade. Quando começou a ter contato, através de filmes como Beat Street,
Flash Dance e clipes que tinham break, foi um passo pra assimilar e propagar o Hip
Hop56 em São Paulo.
51 Ver Figura 11 do ANEXO 15. Para saber mais sobre os bailes black’s ver SILVA, José Carlos Gomes da. Rap na cidade de São Paulo: música, etnicidade e experiência urbana. Tese (Doutorado em Antropologia). Campinas: UNICAMP, 1998, p. 70-76. 52 Abreviação de break boy, aquele que pratica o break dance, as garotas também praticam o break dance e são chamadas de b.girl. O nome b.boy é amplamente difundido não só pela enorme maioria dos dançarinos serem do sexo masculino, mais por uma ideologia machista que está em todos os lugares, especialmente na nossa linguagem. 53 Ver Figura 12 do ANEXO 16. 54 Ver Figuras 13 e 14 do ANEXO 17. 55 Ver artigo Triunfo: a ponte do soul para o Hip Hop, disponível no site http://noiz.com.br/2009/10/29/triunfo-a-ponte-do-soul-para-o-hip-hoa/ acessado em 25/11/2009. 56 ROCHA, J. DOMENICH, M. & CASSEANO, P. Hip-Hop: a periferia grita. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001, p.45-50.
38
Porém, logo apareceram as primeiras dificuldades. Os breakers se apropriaram
de alguns lugares da cidade criando situações que visassem à realização de sua dança. O
espaço natural para a prática do break dance seria os bailes que rolavam na cidade,
porém os organizadores das festas black’s, inicialmente não viam com bons olhos
aquela dança, de certa forma estranha, além de que os próprios breakers logo
perceberam que aquele espaço fechado e apertado não lhes agradava, assim, eles logo
ocuparam ruas, esquinas e praças, principalmente do centro da cidade de São Paulo.
Existia na prática do break dance aquele elemento do conflito que caracterizava
os breakers norte-americanos57, mas aqui esse elemento foi menos constante no inicio.
Havia muito mais união, pois os tipos de gangues (ou crew’s58) territoriais que
caracterizavam os grupos de break dos guetos norte-americanos, praticamente não
existiam aqui, onde o que predominava era uma preocupação quase que exclusiva com a
diversão e o prazer simplesmente dançado. Se puder falar em conflitos nessa história,
esse praticamente não se deu internamente, mas sim externamente, principalmente com
comerciantes e o Estado, através da polícia. Os primeiros alegavam que aquelas “rodas
de breakers” concentravam pessoas indesejáveis próximas de seus estabelecimentos e
afastavam outras desejáveis, ou seja, os consumidores; já os segundos além de estarem a
serviço dos primeiros, também viam naqueles dançarinos os tipos ideais de marginais e
desocupados.
Essa situação que caracterizou os primeiros momentos da dança no Brasil foi
logo amenizada e suavizada pela indústria cultural, pelas aparições na televisão da
dança através de filmes, propagandas e vídeo-clipe. O break na primeira metade da
década de 80 virou uma verdadeira febre em São Paulo59, mas como toda moda logo
passou e somente alguns interessados mantiveram e desenvolveram suas práticas através
do break dance.
Até esse momento na capital paulista, o Hip Hop enquanto movimento composto
pelos famosos quatro elementos, não existia. Como já exposto, o que existia de fato, era
o break dance, e este era praticado basicamente em dois pontos específicos do centro: a
Praça Ramos, em frente ao teatro municipal e na Rua 24 de Maio, esquina com a Dom
57 Ver Figura 8 do ANEXO 12. 58 Ver nota 25. 59 Ver Figura 16 do ANEXO 19.
39
José de Barros60. As galerias que se situam na Rua 24 de Maio até hoje são um dos
principais pontos da cultura Hip Hop em São Paulo, lá é onde se concentra boa parte do
material que é comercializado pelo Hip Hop: CD, vinil, camiseta, etc.
Após 1985 começa-se a vislumbrar o Hip Hop em sua totalidade, enquanto
movimento, a partir do momento em que os breakers se mudam para o local no qual
ficaria na história do Hip Hop, se tornando a maior referência para os hip-hoppers: a
estação São Bento do metrô. Ainda dominada pelos breakers, a São Bento vai atrair um
público maior e mais diversificado. Naquele local também surgem os primeiros rappers,
um pouco marginalizados em relação ao break que concentrava a maior parte das
atenções, porém é este o primeiro território onde se começa a estabelecer os diálogos
entre os rappers e os outros elementos do Hip Hop no Brasil. Algumas personalidades
que vieram a ter algum destaque no rap nacional, como Thaíde e DJ Hum e os
Racionais MC’s61 são dessa época.
3.2 O rap nacional na década de 80
Os primeiros rap’s feitos no Brasil eram produtos exclusivos das ruas, a
indústria fonográfica chega bem depois, o fato das primeiras gravações datarem dos
últimos anos da década de 80 não significa que antes já não havia uma produção voltada
para um consumo mais restrito, no sentido festivo e participativo da cultura. Os
primeiros MC’s da estação São Bento62 realizavam ao som das latas de lixo, das palmas
e dos beat box63 seu Hip Hop. Posteriormente, como veremos a seguir, é que se têm as
primeiras gravações fonográficas em coletâneas organizadas por selos black’s64.
Em 1980 são gravadas duas músicas que são consideradas por muitos como os
primeiros rap’s. A música mão branca de Gérson King Combo e o Melo Do Tagarela
do apresentador Miéle, que era uma paródia do primeiro rap americano gravado,
60 ROCHA, J. DOMENICH, M. & CASSEANO, P. Hip-Hop: a periferia grita. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001, p.49. 61 Nesse momento os Racionais MC’s ainda não existiam enquanto grupo, com seus integrantes. Eles eram duas duplas separadas. Edy Rok e o DJ KL Jay da zona norte de São Paulo e Mano Brown e Ice Blue da sul). 62 Ver Figura 15 do ANEXO 18. 63 Som produzido com a boca que cria uma base para o rapper cantar 64 Kaskatas, Eldorado, Chic Show e Zimbabwe são alguns desses selos que gravaram as primeiras coletâneas do gênero rap.
40
Rapper’s Delight, do grupo Sugar Hill Gang, “Melô do Tagarela (Miéle) e Mão Branca
(Gérson King Combo) podem ser consideradas, oficialmente, as primeiras gravações
brasileiras de rap, datadas do início da década de 80”65.
Porém considero que estas são produções de transição, pelo fato de estes dois
não serem MC’s. Outra canção que alguns consideram como primeiro rap seria a
música de Jair Rodrigues Deixe Que Falem de 1964, na qual desconsidero totalmente
essa afirmação, simplesmente porque o rap ainda nem existia, o que pode ter havido foi
uma feliz coincidência de estilos semelhantes, portanto não dá para classificar aquela
música como rap.
É interessante observar que as primeiras produções do rap brasileiro feitas na
segunda metade da década de 80 possuem uma característica que para muitos hoje em
dia aparecerá como no mínimo estranha, levando-se em consideração que o rap
nacional é mundialmente conhecido como um dos mais politizados e contestadores
(pelo menos o foi hegemonicamente durante a década de 90 e início de 2000). A
diferença dessas primeiras produções para o que viria na década de 90 e início de 2000 é
tremenda. Da temática abordada até a produção musical das bases, há uma distância
notável. Podendo até soar bastante estranho a ouvidos acostumados hoje em dia com o
discurso profundamente elaborado e complexo de grupos como, Facção Central, como
por exemplo, na letra a seguir da música A Capela Dos 50.000 Espíritos66:
Confecciona sua Hugo Boss com Kevlar, Ou Polietileno pra 765 não furar. Tá aberta a temporada do Triller Contemporâneo, Onde eu compro com seu Visa e afundo seu crânio. Não adianta agendar cirurgia espiritual Nem Dr. Fritz vai curar seu corpo físico ou astral. Nossa aula de etiqueta é pra um único buffet, O do canapé com miolo de rico esmagado igual patê. Favela é um mundo particular, país embargado, Sem ajuda exterior como a Cuba de Fidel Castro. Quer vencer monta a agência de carro duble, 7 mil pelo Renault, BMW cupê. O Homo Sapien não ultrapassou o macaco, Não entendeu que só tem paz num mundo igualitário. Que ninguém quer: Corcel II com alto falante em cima e Dona de casa “ó a pamonha fresquinha”.
65 YOSHINAGA, Gilberto Kurita. Resistência, arte e política: registro histórico do rap no Brasil. Monografia (Graduação em Comunicação Social / Habilitação em jornalismo). Bauru: UNESP, 2001, p. 48. 66 FACÇÃO CENTRAL. O espetáculo do circo dos horrores. São Paulo: Sky Blue Music, 2006.
41
As primeiras gravações do gênero versavam sem grandes preocupações sociais,
como contestar a situação do negro e do pobre morador de periferia, temas estes que são
bastante comuns no rap nacional a partir da década de 90. No primeiro disco de rap67
gravado no Brasil de 1987, uma coletânea chamada A Ousadia do Rap68, nenhuma das
faixas possui qualquer caráter de contestação, no sentido assumido pelo rap nacional
posteriormente. Os temas variam dentro de uma lógica de diversão bem humorada
desprovida de questionamentos. A letra da música Cerveja de Mister Théo, por
exemplo, bem que poderia ser cantada por qualquer bom cantor de brega, como
Reginaldo Rossi, mas é um autêntico rap nacional,
Alguém pague uma cerveja agora pra mim Já fui em outros bares agora estou aqui Só foi cinco cervejas que eu bebi pois sim, E aí quem vai pagar pra mim? Só quero uma cerveja pra ficar legal, Pra matar minha sede, levantar meu astral, Não sou nenhum bebum, sou um cara de bem, E o problema que eu tenho vocês não tem. Sou um cara estudado e tenho meus costumes Pela namorada eu morro de ciúmes. O dia não foi bom, estou numa pior, Briguei com a namorada agora estou só. Escuta, agora estou na bosta, meu amor foi embora, Por uma briguinha a toa ela me deu um fora. Agora estou só e eu não sentir firmeza. Mais que tristeza, me pague uma cerveja (...) Já fazem três meses, o que eu faço? Perece que foi ontem, Dizia me amar agora está com outro homem, Fazendo pique-nique comendo melancia, Ir para igreja agora é sua alegria. Até me lembro da última vez das juras de amor que ela me fez, Me chamava de amorzinho, meu bem, pitel, Nas horas de amor, de lábios de mel(...) Vou beber um pouco mais, traga até a sua, Vocês não crêem em mim? Então me traga mais duas. Eu já desabafei em muitos bares, Mais tudo que eu sonhei foi pelos ares. Eu já mexi nisso tudo, eu vou cair no mundo, Não sei se fico ou vou pra outros bares. Meu nome é Théo, sou até bem elegante, Ela partiu mais sei que mulher tem bastante. Eu já aprendi a lição, vou aprender fazer scratch, Vou ser muito famoso cantando esse rap. Agora é pra valer vou esquecer essa mulher, E se ela aparecer vou lhe dar um pontapé, Agora eu estou sozinho bebendo nessa mesa,
67 Um ano antes porém, Mike e Pepeu, já haviam gravado a belíssima faixa sebastian rap. Não conseguir obter mais informações sobre a mesma, onde saiu, quem gravou, etc. 68 COLETÂNEA. A ousadia do rap. São Paulo: Kaskatas, 1987. Ver Figura 18 do ANEXO 20.
42
Pra não mais chorar me pague uma cerveja.
Um ano após o lançamento da coletânea Ousadia do Rap surgem outras
coletâneas fundamentais para a difusão do rap e do movimento Hip Hop. Duas delas
refletem bem as disputas e conflitos iniciais em torno duma música de protesto e outra,
mais preocupada com as curtições dos bailes, das ruas e das festas, ou seja, com a
diversão. Estes conflitos mais tarde vão se acirrar a ponto de um dos lados tornar-se
hegemônico, o do rap enquanto música predominantemente de protesto.
As coletâneas Hip Hop Cultura de Rua69 e a Som das Ruas70 ambas de 1988,
darão o tom dessa aparentemente sem importância disputa de concepção, mas que hoje
mais do que antes, voltou à tona com toda força. O disco Hip Hop Cultura de Rua que
teve mais sucesso, era o que apresentava mais faixas no sentido mais contestador, sem
deixar de ter ainda o tom irônico e engraçado dos primeiros rap’s como na música de
MC Jack, A Minha Banana, porém, o número de faixas com uma relativa crítica social
era maior, principalmente os clássicos de Thaíde e DJ Hum, Corpo Fechado e Homens
Da Lei. Já a coletânea Som das Ruas ficou mais presa ao estilo divertido do balanço,
exceção feita a primeira faixa da coletânea, do grupo Metralhas, chamada Rap Da
Abolição. A outra coletânea que tem um destaque fundamental nesse fim da década de
80, lançada em 1989, Consciência Black Volume I71, marca o aparecimento do grupo
mais bem sucedido no Brasil, os Racionais MC’s. As duas faixas do grupo, contidas
nesta coletânea romperam completamente com todas as perspectivas até então
existentes, suas letras eram extremamente fortes e pesadas. Os quatro integrantes do
grupo nessa coletânea aparecem como duplas separadas e fizeram as músicas Pânico Na
Zona Sul (Mano Browm e Ice Blue) e Tempos Difíceis (Edy Rock e KL Jay), faixas que
irão fazer parte do primeiro disco do grupo no ano seguinte.
A estação São Bento, que até então era o principal ponto de encontro dos
integrantes do Hip Hop, começa a revelar outros conflitos e impasses que serão no final
das contas fundamentais para a posterioridade do Hip Hop enquanto movimento e em
especial em relação ao rap. Como já destacado, na São Bento existia certa
predominância dos dançarinos de break (os primeiros adeptos do Hip Hop) pelo
território e sua prática, os MC’s eram meio que secundarizados naquele espaço.
69 COLETÂNEA. Hip Hop cultura de rua. São Paulo: Eldorado, 1988. Ver Figura 19 do ANEXO 21. 70 COLETÂNEA. Som das ruas. São Paulo: Chic Show, 1988. Ver Figura 20 do ANEXO 21. 71 COLETÂNEA. Consciência Black Volume I. São Paulo: Zimbabwe, 1989.
43
Situação esta que com o passar do tempo logo incomodou alguns rappers que buscavam
um maior desenvolvimento para sua prática musical. Estes então resolveram mudar de
território e ocuparam uma praça da capital paulista, a Roosevelt, também localizada no
centro. Muitos rappers então migraram para o novo território e a partir de lá se
solidificaram como MC’s em seus grupos de rap.
Na Praça Roosevelt os rappers adquirem maior visibilidade e maior
responsabilidade enquanto “voz da favela”. A crítica social e racial é elaborada a partir
de estudos de livros que discutem a situação do negro no Brasil, mas outra circunstância
será fundamental e fará aparecer uma peculiaridade da postura dos grupos de rap de
então. Novamente a influência de fora vai dar alguns contornos ao rap nacional. E o
grupo norte-americano Public Enemy será o carro chefe dessa nova perspectiva a partir
da influência do rap americano. Nos vídeos clipe e musicas desse grupo aparecem
figuras da luta dos negros norte-americanos, como Martin Luther King, Malcom X e os
Panteras Negras. Os rappers brasileiros começaram a buscar informações sobre aquelas
figuras, descobriram entre outras coisas, a Autobiografia de Malcom X que teve Alex
Haley como co-autor; se tornando esta, numa espécie de bíblia para os intelectuais
orgânicos autodidatas do Hip Hop. Inclusive essa visão nada cordial e não amistosa das
lutas diretas dos negros norte-americanos deu um considerável embasamento teórico
para a interpretação da própria realidade da periferia brasileira pelos rappers,
primeiramente em total desacordo com qualquer perspectiva de democracia racial.
Novos instrumentos e formas de organizações vão sendo criadas pelos hip
hoppers a fim de intensificar seu desenvolvimento artístico e político, principalmente
através das posses72, do MH2O73 e das rádios comunitárias que se tornaram um dos
veículos de comunicação mais importantes para a difusão do rap nos anos 90. Ao
mesmo tempo em que o Hip Hop através do rap vai se expandindo pelas periferias com
sua música e seu protesto, vai também se deparando com a inevitável indústria cultural
e as conseqüências dessas relações contraditórias vão se aprofundando.
O rap é uma unidade dialética do ritmo e da poesia, como sugere o seu
significado (Rhythm And Poetry). Esse ritmo e essa poesia tiram seu conteúdo e suas
formas das ruas e tem na crítica da vida cotidiana seu fundamento e sua razão de ser. A
poesia do rap não é neutra e contemplativa. Não almeja, nem possui tendências da “arte
72 Ver nota 2. 73 Ver nota 3.
44
pela arte”. O fundamental do rap, assim como da poesia, é a sonoridade da voz no ato
da expressão. O ritmo da base instrumental, dar ao rap seu diferencial enquanto
elemento estético musical.
As primeiras produções de rap da década de 80 estavam ainda em sintonia com
o ambiente descontraído dos bailes blacks que aconteciam na cidade de São Paulo. Era
uma produção dançante e voltada para um público que não queria de um modo geral
“problemas”. Como diz a letra Hey DJ do grupo De Repent74,
Dançando, conseguimos esquecer todos os problemas, Dance, cante, você é capaz, Juntos formaremos um mundo de alegria, Com paz e otimismo, sem dor e sem racismo. A dança não tem cor, a dança não tem raça. Essa é uma receita para ser feliz, Receba a alegria que o dj nos faz sentir. Hey dj faça um scratch. Porque nós queremos é dançar, Porque nós queremos é balançar (grifo nosso).
Fazer rap e dançar break, era uma forma alternativa de diversão que remediava
o sofrimento do dia-a-dia da periferia, era uma forma de ocupar algum lugar através da
arte das ruas em meio ao cenário urbano hostil e privativo, ou seja, a música, a dança, os
bailes eram uma forma de amenizar o sofrimento do dia-a-dia de vários jovens que não
estavam apenas preocupados em reproduzir a sociedade através das mesmas práticas
culturais e formas de sobrevivências, como o trabalho alienado.
Nessa época, as equipes de som, que organizavam os bailes, faziam alguns
concursos nestes locais e os vencedores acabavam participando das primeiras
coletâneas. Apesar da produção do Hip Hop se fazer nas ruas e praças, o crescimento do
público e outras influência da mídia, como a venda de milhões de discos de rappers
americanos foram importantes motivações financeiras para a aposta dessas equipes de
som na gravação destas primeiras coletâneas. Só a dupla RUM-DMC em 1987 com o
álbum Raising Hell, “que registra a participação da banda Aerosmith em “Walk This
Way”, venderia cerca de três milhões de cópias nos EUA e levaria o gênero, pela
primeira vez, à poderosa MTV (Music Television)”75.
74 COLETÂNEA. A ousadia do rap. São Paulo: Kaskatas, 1987. 75 YOSHINAGA, Gilberto Kurita. Resistência, arte e política: registro histórico do rap no Brasil. Monografia (Graduação em Comunicação Social / Habilitação em jornalismo). Bauru: UNESP, 2001, p. 39.
45
Após esse primeiro momento de gravação das primeiras coletâneas, os
integrantes do Hip Hop saem da esfera de dominação dos empresários das grandes
equipes de som e começam a desenvolver seus trabalhos e sua cultura nas ruas e praças
da capital paulista. Tem-se uma maior autonomia na criação cultural, esta com um
ingrediente de subversão e contestação cada vez mais forte. Nesse momento a produção
do rap rompe com duas frentes que “dificultavam” sua autonomia cultural. Um
internamente, ou seja, dentro do Hip Hop, quando estes decidem sair do reduto dos
breakers, na estação São Bento e se mudam para Praça Roosevelt. A outra, que ficará
mais forte no decorrer da década de 90, é o progressivo afastamento das gravadoras e de
seus empresários que financiaram as primeiras produções, resultando numa onda de
selos independentes76 que tinham a totalidade da produção, mais que ao mesmo tempo
tinham uma má distribuição.
O conflito que mais tarde vai se estabelecer de forma profunda dentro do Hip
Hop, especialmente no rap, com o mercado, as mass média e toda indústria cultural no
início dos anos 90 ainda estará quase imperceptível e sem grandes conseqüências na
criação cultural dos hip-hoppers. Na verdade, vai se estabelecendo um movimento
contrário ao da grande apatia que muitos estudiosos dirão caracterizar a década de 90. O
Hip Hop organiza-se politicamente, tendo como seu veículo de comunicação
privilegiado o rap e sua mensagem, para enfrentar os problemas locais (que na verdade
são globais), principalmente os ligados ao racismo e a violência policial tão cruamente
evidente e existente nas periferias. Na letra do clássico rap, corpo fechado77 dos
pioneiros Thaíde e Dj Hum já podemos vislumbrar mais ou menos o discurso que
predominará na década de 90, de embate racial e desconforto social, que poderia estar
no inconsciente ou consciente do MC’s, mas não estavam nas pacificas, inclusivas e
receptivas letras dançantes e alegres das primeiras coletâneas de rap nacional,
76 A propagação desses selos se deu da segunda metade da década de 90 em diante. Só para citar alguns dos mais conhecidos: Só Balanço (do rapper GOG), Brava Gente (da dupla Thaíde e DJ Hum), Cosa Nostra (dos Racionais MC’s), Cia paulista de Hip Hop (Milton Salles, empresário dos Racionais e Edy Rock, compositor e intérprete também dos Racionais), Raízes Disco (Rappin’ Hood e KL Jay, DJ dos Racionais MC’s), 4P (Xis, ex integrante do DMN e KL Jay), Face da Morte Produções (do grupo Face da Morte), DRR Records (Defensores do Ritmo Rua é uma posse da zona leste paulista, que conta com os grupos como Consciência Humana, De Menos Crime, U-Negro, Sistema Central Cerebral e Fim do silêncio) e a Discovery (o selo que grava grande parte dos grupos do Distrito Federal). Para saber mais sobre estes selos, ver YOSHINAGA, Gilberto Kurita. Resistência, arte e política: registro histórico do rap no Brasil. Monografia (Graduação em Comunicação Social / Habilitação em jornalismo). Bauru: UNESP, 2001, p. 83-100. 77 COLETÂNEA. Hip Hop cultura de rua. São Paulo: Eldorado, 1988.
46
Me atire uma pedra Que eu te atiro uma granada Se tocar em minha face sua vida está selada [...] Meu nome é thaíde E não tenho r.g. Não tenho c.i.c. Perdi a profissional Nasci numa favela De parto natural Numa sexta feira Santa que chovia Pra valer Os demônios me protejem e os deuses também Ogum, iemanjá e outros santos ao além [...] Na 43 eu escrevi o meu nome numa cela Queimei um camburão Que desceu na favela [...] Vivo nas ruas com minha liberdade Fugi da escola com 10 anos de idade As ruas da cidade foram minha educação A minha lei sempre foi a lei do cão Não me arrependo de nada que eu fiz Saber que eu vou pro céu não me deixa feliz [...] Não nasci loirinho com o olho verdinho Sou caboclinho comum nada bonitinho Feio e esperto com cara de mal Mas graças a Deus totalmente normal (grifo nosso).
As posses e o MH2O serão os principais instrumentos organizativos do
movimento Hip Hop. O MH2O(Movimento Hip Hop Organizado) foi uma iniciativa
que por um lado não obteve sucesso, na sua tentativa de centralizar as atividades do Hip
Hop de São Paulo, a partir dessa organização maior. Por outro lado, surgiram e foram se
fortificando outra forma organizativa descentralizada, as chamada “posses”. Estas
agrupavam os diversos elementos do Hip Hop em determinada localidade e se
desenvolviam atividades culturais e políticas em parcerias com as comunidades nas
quais as posses eram instaladas.
O Hip Hop foi ganhando corpo e se solidificando em torno dessa união e junção
de elementos estéticos e discursivos em comum, que tinham na figura do rap sua
principal expressão e meio de comunicação. Esse rap, antes predominantemente ligado
aquele ambiente festivo e descontraído, das curtições e dos bailes, vai pouco a pouco
cedendo espaço para um rap dito mais consciente e de atitude.
47
Uma das principais temáticas que dominaram o discurso dos rappers da década
de 90 será a questão do preconceito e da discriminação racial. É interessante observar
que no Brasil existe até hoje, a discussão em torno da democracia racial construída
teoricamente por Gilberto Freyre no seu clássico, Casa-grande e Senzala. O pessoal do
Hip Hop teve como referência às suas visões e discussões raciais, elementos vindos de
fora, vindo dos Estados Unidos.
O grupo de rap Public Enemy78 foi um dos principais responsáveis por essa
virada no rap nacional. Através das imagens veiculadas de seus vídeos-clipe, em que
apareciam figuras como Malcom X, Martin Luther king e os Panteras Negras. Os
rappers passaram a se perguntar e a pesquisar quem eram aquelas figuras negras que
apareciam. Chegaram à famosa biografia de Malcom X que se tornou um manual de
conduta para muitos participantes do Hip Hop. A questão central disso é que o discurso
em torno da segregação e da luta racial que existia nos Estados Unidos, de forma mais
intensa na década de 60, e que estará nas paginas biográfica de Malcom X, é que vai
começar a fazer parte dos discursos dos rappers de agora em diante.
Aquela situação conflituosa americana dizia muito mais da realidade dos
moradores de periferia marginalizados que uma idealizada democracia racial. Esse
discurso racial de luta aberta e declarada contra um sistema embranquecido será um dos
fundamentos da produção do rap na década de 90. Os Racionais MC’s, o grupo mais
influente do rap nacional até hoje, foram com Thaíde e DJ Hum e GOG, talvez as três
figuras que deram o tom e boa parte do conteúdo e da forma do rap nacional na década
de 90. Na aurora do rap nacional, em pleno 1990, os Racionais MC’s no seu primeiro
álbum79, já radicalizava completamente a questão racial, virando de ponta cabeça
qualquer cordialidade racialmente democrática, no contundente som, Racistas Otários80
O sistema é racista cruel Levam cada vez mais Irmãos aos bancos dos réus Os sociólogos preferem ser imparciais E dizem ser financeiro o nosso dilema Mas se analizarmos bem mais você descobre Que negro e branco pobre se parecem Mas não são iguais[...] Porém direi para vocês irmãos
78 Figura 10 do ANEXO 14. 79 Ver Figura 21 do ANEXO 22. 80 RACIONAIS MC’S. Holocausto Urbano. São Paulo: Zimbabwe Records, 1990.
48
Nossos motivos pra lutar ainda são os mesmos O preconceito e desprezo ainda são iguais Nós somos negros também temos nossos ideais Racistas otários nos deixem em paz [...] Os poderosos são covardes desleais Espancam negros nas ruas por motivos banais E nossos ancestrais por igualdade lutaram Se rebelaram morreram E hoje o que fazemos? Assistimos a tudo de braços cruzados Até parece que nem somos nós os prejudicados Enquanto você sossegado foge da questão Eles circulam na rua com uma descrição Que é parecida com a sua: cabelo, cor e feição Será que eles vêem em nós um marginal padrão? 50 anos agoras se completam Da lei anti-racismo na constituição Infalível na teoria, inútil no dia a dia Então que fodam-se eles com sua demagogia No meu pais o preconceito é eficaz Te cumprimentam na frente E te dão um tiro por trás "O Brasil é um pais de clima tropical Onde as raças se misturam naturalmente E não há preconceito racial”(muitos risos) (grifo nosso).
49
4 O DISCURSO DO RAP NACIONAL NOS ANOS 90
Os Racionais MCs com toda certeza foi o grupo de rap nacional mais influente
da década de 90 no Brasil, e hoje ainda continua a ser uma das maiores referências do
gênero. A temática racial, abordada anteriormente na música, Racistas Otários será uma
das mais freqüentes durante essa década, mas obviamente não será a única. Tentarei
neste capítulo fazer um apanhado geral das temáticas apresentadas pelos grupos mais
influentes, durante a década, para perceber melhor as predominâncias discursivas na
produção do rap nacional.
Considero essa análise do conteúdo das letras do rap nacional, nesse importante
período, que foi a década de 90, importantíssimo para se pensar qualquer outra questão
relacionada ao mundo do rap, da estética ao caráter político, da conjuntura nacional a
partir da história do cotidiano relatado e descrito nessas letras, às formas de socialização
e lazer das periferias brasileiras, da criminalidade à educação formal. Enfim, o que a
princípio pode parecer banal para alguns81, julgo ser fundamental.
De antemão, esclareço que criei algumas classificações gerais que têm como
propósito abarcar a produção das letras. Estas classificações podem até ser um tanto
arbitrárias como o são qualquer tipo de classificação. Mas por outro lado ajudam a
pensar avaliar, criticar e criar outras perspectivas diferentes a partir do mesmo
propósito. Essa classificação é um olhar de um sujeito que a partir do contato e da
análise do objeto estudado chega a suas conclusões. E minhas conclusões sugerem que a
produção do rap nacional na década de 90 gira em torno de algumas questões que
tematicamente referem-se ao cotidiano das periferias, das favelas, de seus moradores em
suas relações internas e externas, ou seja, fora da periferia; essas questões ora se
apresentam de forma mais explicita, ora mais indiretamente; algumas têm um discurso
predominantemente local, outras já possuem uma visão mais amplificada das questões
trabalhadas, e outras possuem claramente ambas. 81 Quase nenhum dos trabalhos que tive contato teve uma preocupação em fazer um estudo dessa produção da forma que me propus, o que considero uma falha, pois quando se fala e se tira conclusões sobre o que os rappers falam e produzem não parece haver uma preocupação justamente com a matéria-prima, que são as letras. Pega-se cinco, seis letras de dois ou três grupos, junta-se a experiência pessoal do autor do trabalho, que acaba sendo uma armadilha nesse sentido, e chega-se a conclusões definitivas. O trabalho extenuante que tive de ouvir mais 80 discos, produzidos em 10 anos, com a finalidade de fazer um grande levantamento me possibilitou inúmeras reflexões e problemas, e acho perfeitamente válido e necessário esse caminho quando se quer discutir a tal “voz da favela”, como os rappers autodenominam-se.
50
Geralmente, dentro de cada temática, abre-se um leque de possibilidades e
contradições, há sempre um elemento dialético dentro das questões envolvidas em cada
tema. Por exemplo, na temática das questões raciais, está presente tanto a letra que
critica o racista propriamente dito, como questões referentes à auto-estima do negro, sua
história e a valorização de sua identidade. Já nas questões que envolvem o cotidiano
marginal da periferia, o crime, a opressão policial, o tráfico, o consumo de droga, as
narrativas de tragédias individuais, as pilantragens, aparecem também as idéias que
buscam a solução desses conflitos através da paz, do diálogo, existe também uma
tendência a uma espécie de auto-ajuda à maneira da periferia, através de exemplos de
superação de vida, etc.
Diante do exposto, criei cinco áreas temáticas a partir da minha pesquisa, que
tentam trabalhar na mediada do possível os discursos dos rappers brasileiros da década
passada:
• Questão Racial
• Sentimentos e machismo
• Cultura Hip Hop e indústria cultural
• Cotidiano marginal
• Problemas sistêmicos
Essa demarcação não é estanque e pode-se até considerá-la um tanto rasteira
quando observaremos letras que poderiam ter alguns desses temas juntos. No entanto,
estas só foram separadas abstratamente por questões didáticas, porém na maioria das
vezes há uma predominância ou uma tendência da totalidade da letra a encaminhar-se a
uma ou duas, raramente três, nessas tendências que encontramos nas diversas letras do
vários grupos.
4.1 Questão racial
Como já destaquei anteriormente, a visão que os membros do Hip Hop foram
adquirindo das questões raciais não foram de unificação racial, de democracia entre as
raças, de contribuição do negro, etc. A partir da experiência real do cotidiano, do
51
enfrentamento diário nas periferias da brutalidade do racismo, de sentir na pele a
discriminação no emprego, na escola, na política, no presídio, na sexualidade, nos
transportes, na justiça, na televisão, enfim, na sociedade racista brasileira, dificilmente
alguma ideologia dominante e branca haveria de pacificar aquelas pessoas ou esconder
por muito tempo uma realidade tão clara.
Só isso bastaria para uma possível conscientização do ser e do vir-a-ser negro na
sociedade, mas entre os rappers uma luz de teoria a partir de uma práxis um pouco
distante, também acabou sendo fundamental para a formação desse pensamento crítico.
Falo das lutas pelos direitos civis norte-americano, principalmente da década de 60, que
tiveram nas figuras do pastor Martin Luther King, Malcom X e posteriormente nos
Panteras Negras, uma influência fundamental. A maioria dos rappers teve algum tipo de
contato com a Autobiografia de Malcom X, e que mais tarde em 1992 será a base do
filme de Spike Lee, Malcom X, outro material obrigatório no repertório intelectual dos
rappers. Talvez este tenha sido o livro dos hip-hoppers da década de 90, principalmente
dos da primeira metade.
Por vezes tende-se a exagerar o tema racial no rap brasileiro, colocando-o num
nível muito acima dos outros temas. É óbvio que a questão racial foi e ainda é de suma
importância nos discursos dos rappers, basta escutar cinco músicas aleatoriamente que
será bem provável que surja o assunto, principalmente se estes rap’s forem da década de
90, porém destaco que a questão racial não era absolutamente a mais enfatizada, nem
mesmo na década de 90. Na atual década então menos ainda.
Durante boa parte da década de 90 criou-se um verdadeiro estigma do rap
enquanto música feita exclusivamente por pretos e para pretos. Um branco ou até
mesmo um pardo cantar rap era quase um sacrilégio, mesmo este sendo pobre82, essa
situação foi progressivamente mudando, até que praticamente não se discute mais isso, e
a cor do rapper está cada vez menos importante.
Voltando propriamente para a temática racial abordada nos rap’s analisados,
gostaria de sublinhar que a temática se concentra em duas questões fundamentais, uma
na figura do racista e a outra na do negro e sua auto-estima. Além disso, verificam-se
também abordagens centradas nas questões da escravidão e da história embranquecida
que direta ou indiretamente também dizem respeito ao racista e à auto-estima do negro.
82 Gabriel pensador, por exemplo, não tinha nenhum requisito neste caso, para cantar rap, daí o fato dele ter sido quase que totalmente ignorado no movimento.
52
Nas primeiras produções do rap nacional na década de 80, como já foi dito, há
uma predominância de uma música mais voltada à diversão, a curtição dos bailes e
festas, e as historinhas do dia-a-dia. Poucos rap’s abordaram a questão da opressão
racial na sociedade brasileira. O Rap Da Abolição do grupo “Os Metralhas”83, e a
música Pânico Na Zona Sul de Mano Brown e Ice Blue84, são as duas músicas que
sugerem algo nesse sentido de crítica racial, mas mesmo assim muito limitado, não
existe uma ênfase no sentido de embate. O primeiro disco da dupla Thaíde e Dj Hum85,
não possui nenhuma faixa que possa ser considerada de crítica aberta e direta à situação
marginal do negro. Essa questão só foi colocada de forma aberta, crua e direta pela faixa
já analisada, Racistas Otários do primeiro álbum dos Racionais MC’s em 1990.
A partir daí praticamente todos os discos até 1995 terão algum elemento que
toque na questão racial. Ainda em 1990 a dupla Thaíde e DJ Hum, no seu segundo
disco86, faz uma música em que aparece destacada a questão racial, na faixa Luz Negra
a dupla, com a participação de Edy Rock dos Racionais MC’s, discute a busca da
liberdade a partir da luz advinda da África, luz essa que faz o negro prosseguir na sua
busca de liberdade a partir do conhecimento dessa história africana, que ajuda a
enxergar e contestar a atual situação de opressão do negro na sociedade.
Outro grande expoente do rap nacional, GOG87, um dos mais renomados e
respeitados rappers da década de 90, e dos dias atuais, em seu primeiro disco Peso
Pesado88, quase não toca na questão racial. Nenhuma das quatro faixas do seu disco traz
esta temática como ponto principal abordado. Da mesma forma e no mesmo ano, a
dupla pioneira Thaíde e DJ Hum em seu terceiro disco89 também não tem nenhuma
faixa centralizada nas questões raciais, apesar de ser uma das identidades que irão
caracterizar a dupla, a valorização da cultura e da luta do negro.
Novamente quem irá fazer a linha de frente na temática racial no ano de 1992,
será o grupo Racionais MC’s. Talvez essa postura inicial dos Racionais ajude a entender
melhor a imagem que temos do rap centrado na questão racial, pois quando se fala em
rap no Brasil, faz-se sempre referência aos Racionais, aí surge uma questão de lógica, 83 COLETÂNEA. Som das ruas. São Paulo: Chic Show, 1988. 84 COLETÂNEA. Consciência Black Volume I. São Paulo: Zimbabwe, 1989. 85 THAÍDE E DJ HUM. Pergunte a Quem Conhece. São Paulo: Eldorado, 1989. 86 THAÍDE E DJ HUM. Hip Hop na veia. São Paulo: Eldorado, 1990. 87 Iniciais de seu nome completo: Genival Oliveira Gonçalves. 88 Não encontrei as referências sobre a gravadora desse disco produzido no Distrito Federal. 89 THAÍDE E DJ HUM. Humildade e Coragem São Nossas Armas Para Lutar. São Paulo: TNT Records, 1992.
53
se os Racionais MC’s estão centrados nas questões raciais, sendo estes os principais
representantes do nosso rap, logo nosso rap estaria centrado de forma hegemônica
também nas questões raciais. A análise das letras dos primeiros três anos da década de
90 não diz bem isso.
Em 1992 eles gravam o single Escolha Seu Caminho90 totalmente centrado na
questão racial. E de uma forma que ajuda a entender melhor como analiso essa temática.
O single dá duas interpretações do mesmo tema da situação desfavorável do negro. São
duas frentes que atacam o mesmo problema. Há tanto a acusação ao sistema racista
brasileiro que exclui e oprime o negro, isso daria uma imagem de que o problema viria
de fora para dentro, assim como por outro lado, há uma ênfase muito grande na auto-
estima do negro, ou seja, numa questão mais íntima.
Essa última perspectiva está presente nas duas faixas, especialmente na primeira,
em que o próprio nome da faixa já diz bem a que veio: Negro Limitado. Enquanto que
na música racistas otários os Racionais atacam e concluem que o problema estava no
sistema racista, negro limitado já seria uma espécie de autocrítica, uma reflexão sobre
os valores assumidos e praticados pelos negros. A solução estaria na sua própria
desmistificação, a afirmação do diferente negro na sociedade branca era uma busca bem
mais eficaz que a dialética senhor-escravo que sempre afirmaria o senhor na sua
condição de dominante91. Porém a visão dos Racionais não era unilateral, no sentido de
esquecer que existe uma estrutura e uma ideologia que seriam obstáculos reais a uma
libertação do negro.
O negro limitado seria então aquele que assumiria e assimilava os valores
brancos, o negro limitado não protesta, não recusa; só aceita e baixa a cabeça. Seu
oposto, um negro de atitude, busca na educação, nos livros e na reflexão sobre sua
história uma forma de superar tal situação,
Escolha o seu caminho. Ser um verdadeiro preto, puro e formado. Ou ser apenas mais um negro limitado.92
A outra faixa já apresenta uma visão mais dialética da situação, Voz Ativa se
propõe a atacar o sistema racista justamente tendo como condição básica uma
90 RACIONAIS MC’S. Escolha o Seu Caminho. São Paulo: Zimbabwe Records,1992. 91 Ver DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a filosofia. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976. 92 Id.
54
consciência dotada de elementos contestatórios da situação do negro. A voz ativa do
negro é uma voz de embate frente à passividade, uma voz que não cala frente à
discriminação e exclusão de toda uma população,
Brancos em cima negros em baixo Ainda é normal, natural 400 anos depois, 1992 tudo igual Benvidos ao Brasil colonial e tal Precisamos de nós mesmos essa é a questão DMN meus irmãos descrevem com perfeição então Gostarmos de nós brigarmos por nós Acreditarmos mais em nós Independente do que os outros façam Tenho orgulho de mim,um rapper em ação Nós somos negros sim de sangue e coração.
Outros grupos fizeram coro ao apelo dos Racionais e vieram com a mesma
pegada de denúncia direta e reta da situação do negro nas periferias do Brasil, até os
nomes dos grupos começaram a ser denominados pelo termo negro: D.M.N.
(Defensores do Movimento Negro), Câmbio Negro, Sistema Negro, MRN (Movimento
e Ritmo Negro), para citar só os mais antigos, da primeira metade da década.
O Câmbio Negro, grupo formado na Ceilândia, cidade satélite do Distrito
Federal, não apresentou como maior preocupação de suas composições a questão racial,
apesar do próprio nome do grupo e do título do disco, Sub-Raça93, sugerir algo nesse
sentido. Uma ou duas faixas apresentam essa proposta, as outras todas falarão daquilo
que se tornou um dos principais temas do rap do Distrito Federal, a pilantragem e o
cotidiano violento dessas cidades satélites. Exceção a tudo isso, foi a faixa título, Sub-
Raça, que mantém a base de revide a qualquer preço típica do Distrito Federal, mais
centrada na crítica à figura do racista,
Sub-raça sim é como nós chamamos Aqueles que não respeitam as caras Dos filhos dos pais dos ancestrais deles Não sabem que seu bisavô como eu era escuro E obscuro será o seu futuro Se não agir direito Talvez seja encontrado em um esgoto da ceilândia Com três tiros no peito O papo é esse mermo a realidade é foda Não dê um bote mal dado senão câmbio te bota Fique esperto racista se liga na fita
93 CÂMBIO NEGRO. Sub-raça. Distrito Federal: Discovery, 1993.
55
Somos animais mermo se foda quem não acredita.
O D.M.N, desses últimos grupos citados, foi o que construiu uma postura mais
incisiva no sentido de contestação da situação do negro nas periferias brasileiras. Foi o
grupo que mostrou uma visão mais bem elaborada e complexa da situação, a maior
parte do seu primeiro disco94 traz a questão racial à tona. A novidade também veio na
substituição do termo negro pelo preto, esse termo pareceu mais adequado e menos
ideológico para o grupo paulista, essa posição será amplamente aceita pelos demais
grupos que valorizam a questão racial.
Nesse disco, a questão do negro passou a ser abordada das várias formas
encontradas pelo grupo, a visão deles é bastante ampla. O negro é abordado nas
questões políticas, econômicas, culturais e sociais. Destacam-se aspectos da música
negra e de diversas personalidades importantes da história passada e atual dos negros,
como na faixa 4P (Poder Para o Povo Preto). Também apresentam um panorama da
história do negro, da escravidão, dos mais de 400 anos de opressão da população preta
no Brasil, como a música Considere-se Um Verdadeiro Preto. A preocupação com a
auto-valorização do preto também é bastante destacada, como na faixa Precisamos De
Nós Mesmo. Além da faixa Já Não Me Espanto, que coloca a produção do racismo pelo
sistema, como mais uma das formas de manutenção da história de marginalização do
negro.
A temática racial vai estar presente em toda a década de 90, aqui e ali. Em 1994,
por exemplo, ela é abordada de uma maneira diferente pelo grupo Comando DMC,
quando coloca um problema recorrente nas periferias paulistanas, mas não levado com a
seriedade necessária pelo restante da sociedade. A atuação de grupos de skinhead
neonazistas. Alguns negros sofreram ataques desses grupos e o Comando DMC relata
de forma violenta essa luta, pois de forma nenhuma, segundo eles, os negros deveriam
aceitar ou até mesmo pedir socorro para o Estado, o revide seria na rua mesmo, com
todas as armas necessárias, afinal, como diz a letra São Paulo Está Se Armando, “Hitler
já morreu, Alemanha muito longe”, aqui é Brasil, periferia paulista e na rua aprende-se
a “não levar desaforo para casa”, ainda mais de “uma raça de filhos da puta”,
Com ideais idiotas querem nos combater Filhos da puta racistas, filosofia que dar nojo
94 D.M.N. Cada vez mais preto. São Paulo: Zimbabwe Records, 1993.
56
Você já matou um neonazista hoje? White Power força branca da ignorância Playboyzada covarde que se alimenta da matança95.
Poderia continuar a discutir outros discos e músicas, mas vou me ater a essa
primeira metade da década de 90 para discutir a temática racial. Temática esta, que
tornei ampla e unitária, afim de não fazer diversas subclassificações e fragmentar por
demais o trabalho. Interessante destacar aqui, e isso servirá para outras temáticas, que os
assuntos trabalhados nas letras dos rap’s e que classifiquei aqui como racial, possuem
certa dinâmica que vai do local ao global, fala-se tanto de uma atuação racista da policia
num bairro como São Mateus, como da história de escravidão, de zumbi dos palmares,
etc.
4.2 Sentimentos e machismo
De antemão gostaria de dizer que me senti um pouco desconfortável com esse
nome escolhido como representação desta temática, contudo, na falta de outro menos
sentimental, conservá-lo-ei. Outra informação que é importante esclarecer é o que eu
entendo, nesse contexto de análise das letras de rap, por sentimentos. Aqui estarão
presentes nas letras basicamente assuntos que tratem de amor, paixão, saudades, perdas,
patriotismo e religiosidade. Também incluirei nessa temática a questão do machismo,
tão característico e apontado no rap.
Essa questão, digamos sentimental, era bem comum nos rap’s da década de 80
como já discuti anteriormente, principalmente o sentimento de amor e paixão de um
homem por uma mulher, ou como diriam os rappers, “dos manos pelas minas”. Se
voltarmos às primeiras coletâneas lançadas na década de 80, encontraremos uma maré
de músicas que tem essa linha sentimental. Já na década de 90 podemos encontrar um
discurso hegemônico no meio do rap que propunha uma verdadeira cruzada contra esse
tipo de rap, digamos, mais meloso; excluindo é claro os outros sentimentos, de
patriotismo e de religiosidade (esse pelo contrário, só cresceu com o tempo) e de
amizade (geralmente de “mano para mano”). A década de 90 foi a da cara fechada, do
biquinho de mal, do “é nóis na fita mano”. Questões de amor, de paixão, de saudades da
95 COMANDO DMC. São Paulo está se armando. São Paulo: TNT Records, 1994.
57
mina, não eram assuntos para um cantor de rap, talvez um pagodeiro, até um funkeiro,
mas jamais para um rapper.
Não estou aqui para criticar essa posição, até porque de fato existiam outros
sentimentos bem mais reais e constantes na periferia, como a fome, o ódio de classe, o
sentimento de mudança, etc. Só estou tentando “historicizar a história” para
percebermos que as coisas nem sempre foram assim, e não há nada que comprove que
as coisas sempre serão assim. O rap tem na realidade sua funcionalidade e seu
conteúdo, a realidade é múltipla e contraditória, o rap também o é.
E em matéria de contradição ninguém melhor do que o rapper paulista Ndee
Naldinho, que começou cantando rap historinhas no final da década de 80, como o
Melô Da Lagartixa96 e dez anos depois é considerado um legítimo representante do
gangsta rap nacional97 com músicas como O 5º Vigia98, Vai Liberar99 e Essa É A
Lei100. Mas na verdade o que interessa no Ndee Naldinho da década de 90 são suas
inúmeras canções que tratam da nossa temática sentimental. No seu primeiro disco
Menos Um Irmão Chega Disso101, já aparecem de cara duas faixas que entram
perfeitamente em nossa temática. A primeira expressa um tema importantíssimo,
extremamente polêmico e muito caro para o rap nacional: o machismo; logo mais vou
fazer algumas considerações sobre a relação de gênero a partir das produções do rap
nacional, por hora interessam observar o cavalheirismo romanesco dos rappers, suas
músicas que tratam do amor, da paixão. Começando pela nossa figura Ndee Naldinho e
sua faixa Eu Preciso De Você, na qual expressa todo sentimento por uma mulher, a
necessidade que sente por essa pessoa e o desejo profundo e amoroso que Naldinho
sente,
96 COLETÂNEA. Som das ruas. São Paulo: Chic Show, 1988. 97 O gangsta rap é um estilo que surgi nos EUA, que dizem, entre outras coisas, fazer apologia ao uso de drogas, à bandidagem, possuem um discurso machista, etc. Bem, eu discordo de muita coisa do que se diz sobre gangsta rap, inclusive do que se entende por esse estilo. No Brasil, o Distrito Federal é reconhecido como a capital do gangsta rap. Essa discussão de gangsta rap daria sem dúvida outra monografia, por isso não vou entrar nesse assunto. Para saber algo a respeito, ver SILVA, José Carlos Gomes da. Rap na cidade de São Paulo: música, etnicidade e experiência urbana. Tese (Doutorado em Antropologia). Campinas: UNICAMP, 1998. p.231-233; FÉLIX, João Batista de Jesus. HIP HOP: cultura e política no contexto paulistano. Tese (Doutorado em Antropologia social). São Paulo: USP, 2005, p. 130-153 e ROCHA, J. DOMENICH, M. & CASSEANO, P. Hip-Hop: a periferia grita. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001, p.65-70. 98 NDEE NALDINHO. Preto do gueto. São Paulo: TNT Records, 2000. 99 NDEE NALDINHO. O apocalipse. São Paulo: TNT Records, 1999. 100 Id. 101 NDEE NALDINHO. Menos um irmão chega disso. São Paulo: TNT Records, 1991.
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Eu me entrego à noite, eu me levo à loucura. Pensando em você meu coração te procura. A noite que não passa, você que não vem, Cada vez mais sofrendo, eu fico te querendo Eu te amo baby e já não agüento ficar sem você. Seus olhos baby penso, eu preciso te amar, Aí pra viver agora eu preciso de você.
Naldinho, posteriormente voltaria ao amor. No álbum Bem Vindo Ao Hip
Hop102, com a faixa Sem Você Eu Não Sou Nada, em 1997 com as músicas Eu e Ela e
Razão Do Meu Viver103. Uma das coisas mais intrigantes na observação das
composições do rap nacional é que justamente dos rappers que possuem uma temática
mais voltada à bandidagem, à pilantragem, à violência do cotidiano da periferia, e
daqueles que geralmente não expõem uma imagem muito boa das mulheres enquanto
gênero, enfim, aqueles que muitos classificam de gangsta, é que vêm algumas dessas
letras consideradas amorosas, talvez Freud explique. O grupo Câmbio Negro do Distrito
Federal é outro exemplo, eles possuem uma das canções mais clássicas nesse sentido.
Em seu primeiro disco104, a música X105 Sem Ana, expõe um verdadeiro suplício pela
sua amada, chega a dar dó,
Demorei muito prá dizer o que digo agora Já passou da hora eu sei Que errei muito contigo, mas eu te digo Que sem você eu não me sinto senhor dos meus atos Troco as palavras troco as bolas tropeço em meus passos Mas tenho a esperança de tê-la em meus braços Sei que por várias vezes não atendi seus apelos Mas se quiser refazê-los não vai se arrepender Ah ! sabe por quê ? De bracos abertos vou recebê-los ! Por muitas horas vários instantes Me sinto um zero a esquerda insignificante Marcha sem cadência, orquestra sem harmonia O bem sem o mal, a noite sem o dia Terra sem habitantes, espelho que não reflete Palmares sem Zumbi, Jamaika sem seus scratch's Soldado sem sua pátria, esposa amante mundana Africa sem negros, X sem Ana "volta pra mim ! Volta pra mim ! Volta pra mim sentimento não se foi."
102 NDEE NALDINHO. Bem vindo ao Hip Hop. São Paulo: TNT Records, 1995. 103 NDEE NALDINHO. Você tem que acreditar. São Paulo: TNT Records, 1997. 104 CÂMBIO NEGRO. Sub-raça. Distrito Federal: Discovery, 1993. 105 Leia-se X em inglês, ou seja, Exi.
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Além desses dois exemplos para nosso primeiro sentimento analisado nas
composições do rap’s, poderíamos citar também outras músicas que vão nessa mesma
linha de “amor apaixonado”. Os paulistanos Athalyba e a Firma, que ficaram
conhecidos pela fabulosa letra Política no seu primeiro disco106, também mandaram ver
no amor com a faixa Fim De Tarde (Perdi Você), mostrando serem ótimos na arte de
rimar a poesia do dia-a-dia, incluindo o amor. Outro grupo paulistano, esse agora do
interior (Ribeirão Preto), Consciência X Atual, ligado muito mais aos rappers do
Distrito Federal (a capital do gangsta rap) pelo fato da sua gravadora Discovery, ser
quem gravava a maioria dos grupos do DF; também deixou sua marca na temática
amorosa com a música, Sonho Lindo,
Quero você sempre Mais por todo infinito Ao teu lado adormecer E ter um grande sonho lindo Quero desvendar os seus mistérios Deixar fluir entre nós o amor Eterno, repleto de alegrias mil Quero a paz com você.107
Voltando aos outros temas que classifiquei como sentimentos, depois do amor
vem a polêmica. Uma das críticas mais duras que se faz o rap nacional é que ele possui
ainda uma forte tendência ao machismo, menos, é verdade que o norte-americano, mas
mesmo assim bem forte. Os rappers geralmente não conseguem se explicar quanto a
essa questão. O fato é que muitas das letras, talvez menos do que se imagine, são
realmente de cunho machista. E aí vem novamente a questão antes discutida em relação
à temática racial, que às vezes é exagerada como sendo absoluta no rap nacional.
Novamente temos como pivô dessa situação os Racionais MC’s, eles também
apresentam em suas composições, além da temática racial, um discurso amplamente
classificado de machista. Novamente vem aquele problema de lógica. Se os Racionais
MC’s possuem músicas extremamente machistas, sendo estes os principais
representantes do nosso rap, logo nosso rap seria de certa forma também machista. A
análise das letras dos primeiros três anos da década de 90 não diz bem isso.
O problema do machismo nas letras de rap é um pouco complexo, e eu confesso
que tenho muita dificuldade para discutir essas questões de gênero, como amante do rap
106 ATHALYBA E A FIRMA. De política em política. São Paulo: BMG, 1992. 107 CONSCIÊNCIA X ATUAL. Tráfico de idéias. São Paulo: Discovery, 1996.
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talvez exista um bloqueio machista que atrapalhe tal reflexão, mas enfim, continuemos.
Como já disse, o rap tende a reproduzir as contradições do meio que está inserido e a
sede de hierarquia intrínseca a sociedade, quem quiser enxergar o rap como, a pureza da
revolução e libertação do povo da periferia através da politização dessa arte, terá certa
dor de cabeça, ele não é uno em sua concepção e ação. Podemos encontrar várias teorias
e linhas dentro do mesmo estilo musical, que é o rap nacional, dentre essas está, o
machismo, que obviamente não deve ser ignorado a fim de romancear o rap.
Os Racionais MC’s carregam esse estigma com eles e dificilmente conseguirão
livrar-se dele. Eles como “voz da favela” dizem falar a verdade, e a verdade é que para
eles existe uma moral feminina assumida por grande parte delas de que o que vale é se
dar bem a custa de alguns trouxas, elas querem se dar bem, aparecer e “sugar” o quanto
puderem. Essa concepção, adianto não é contra o gênero feminino, pois se tem uma
figura supervalorizada no meio do rap, essa figura se chama mãe. Além do que, vimos
diversos rappers assumirem amores platônicos por determinadas garotas, e é aí que está
a questão. De um modo geral, quando se fala de forma positiva das mulheres, se dá
nomes, é alguém em específico, é a mãe, é a Ana, é a Cláudia; já quando apresenta-se
uma imagem depreciativa, geralmente fala das mulheres, das prostitutas, da putas, das
vacas, das traidoras, etc. Vamos ver melhor esse ponto na música Mulheres Vulgares
dos Racionais MC’s108
Derivada de uma sociedade feminista Que considera e dizem que somos todos machistas. Não quer ser considerada símbolo sexual. Luta pra chegar ao poder, provar a sua moral Numa relação na qual Não admite ser subjulgada, passada pra trás. Exige direitos iguais... E o outro lado da moeda, como é que é? Pode crê! Pra ela, dinheiro é o mais importante. Seu jeito vulgar, suas idéias são repugnantes. É uma cretina que se mostra nua como objeto, É uma inútil que ganha dinheiro fazendo sexo. No quarto, motel, ou tela de cinema Ela é mais uma figura viva, obscena. Luta por um lugar ao sol, Fama e dinheiro com rei de futebol! (ah, ah!) No qual quer se encostar em um magnata Que comande seus passos de terno e gravata. (otário....) Ela quer ser a peça central em qualquer local. E a jura é total,
108 RACIONAIS MC’S. Holocausto urbano. São Paulo: Zimbabwe Records,1990.
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Quer ser manchete de jornal. Somos Racionais, diferentes, e não iguais. Mulheres Vulgares, uma noite e nada mais!
Além desse hino do rap machista nacional, os Racionais ainda produziriam dois
anos mais tarde em seu terceiro disco109 a faixa Parte II, dando continuidade a sua
posição de cunho machista,
Fique de olho na sua mulher, fique atento, mesmo sendo de mil anos confie apenas 50 por cento, tire da cabeça que mulher é incapaz, capaz ela é e mentirosa o quanto quiser, nunca se sabe o que se passa na cabeça dela, muda a cada instante de cão pra cadela.
Em relação a essa temática, acabei optando por priorizar essas duas formas de
expressão, por um lado a mulher, a namorada enquanto figura bela e perfeita, por outro
o machismo e sua implicações. Dentro da minha análise dessa temática, outras questões
entrariam aqui, como as questões do sentimento nacional e da religiosidade. As músicas
Auto-Estima do grupo Câmbio Negro110 e Imagem Brasileira do grupo Consciência
Humana111 são dois bons exemplos de temas que abordem a questão nacional.
Uma das fortes tendências hoje em dia no rap nacional é o rap gospel, tendência
essa cheia de ódios e amores. Se hoje uma parte do rap é legalmente da igreja cristã,
essa história começa antes. Muitos rappers, como a dupla Thaíde e DJ Hum e os
próprios Racionais MC’s no intuito de valorizar a cultura negra, falavam normalmente
em suas letras dessa tradição e de suas participações. Ogum, Oxalá, Iemanjá,
candomblé, eram termos facilmente citados por esses rappers na década de 90,
misturando com o cristianismo oficial. Ndee Naldinho, por exemplo, gravou em 1995
no seu disco Bem Vindo Ao Hip Hop, uma música chamada Ogum E Iemanjá, que
possui essas características. Houve uma tendência crescente no rap nacional de sobre-
determinação do cristianismo oficial, hegemonicamente do protestante, em relação aos
elementos africanos, criando assim a figura do rap gospel.
A tendência aos valores cristãos existia dentro do rap desde o início, não poderia
ser diferente, pois boa parte dos moradores de periferias e favelas tem suas esperanças
109 RACIONAIS MC’S. Raio X do Brasil. São Paulo: Zimbabwe Records,1993. 110 CÂMBIO NEGRO. Diário de um feto. Distrito Federal: Discovery, 1995. 111 CONSCIÊNCIA HUMANA. Enxergue seus próprios erros. São Paulo: MA Records, 1995.
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reduzidas aos céus. Parte dos rappers propunha questões espirituais, deus, etc, como
forma de amenização dos problemas terrenos. Essa parte dos rappers não tinha mais a
ilusão de que os homens poderiam resolver seus próprios problemas, ainda mais quando
se tinha como referência para essas questões, os políticos profissionais. As músicas Não
Seja Tolo da dupla Thaíde e DJ Hum112, Deus Decepção do grupo Duck Jam e a Nação
Hip Hop113 e Pai Celestial de PMC e Poetas de Rua114 são alguns exemplos.
4.3 Cultura Hip Hop e indústria cultural
Nessa temática procurei organizar as músicas que fazem referência à cultura Hip
Hop enquanto realização de uma festa, enquanto realização de uma cultura que começa
nas ruas, mas logo em seguida depara-se com as possibilidades de massificação através
de alguns elementos do sistema da indústria cultural, aqui apresento duas posições
antagônicas, e ao mesmo tempo, ligadas. “A opção de viver é uma opção política”115, e
a opção de viver o Hip Hop na dança, no rap e no grafite, criando a diversão também é
uma opção política. Essa atitude contestadora e criativa também é apropriada e
mistificada pela indústria cultural e a totalidade da sociedade do espetáculo. “À
aceitação dócil do que existe pode juntar-se a revolta puramente espetacular: isso mostra
que a própria insatisfação tornou-se mercadoria”116. Existe uma quantidade abundante
de rappers que assumem tal postura; da mesma forma que existe uma qualidade de
rappers que nega a organização social através de uma crítica realmente revolucionária.
De forma simplificada tentarei apresentar um breve histórico do Hip Hop e seu
contato com o meio da indústria cultural. De início, muito já se falou do seu lugar por
excelência, que foram as ruas e praças das grandes cidades. A estação São Bento do
metrô é o grande marco para o caso brasileiro, é de lá que sairiam parte dos primeiros
rappers. As equipes de bailes blacks de São Paulo organizavam grandiosas festas, e
durante um determinado período as grandes equipes, como a Chic Show, passaram a
112 THAÍDE E DJ HUM. Humildade e Coragem São Nossas Armas Para Lutar. São Paulo: TNT Records, 1992. 113 DUCK JAM E A NAÇÃO HIP HOP. A nação quer saber a verdade. São Paulo: TNT Records, 1992. 114 PMC E POETAS DE RUA. Revolução de novos ideais. Minas Gerais: TNT Records, 1994. 115 VANEIGEM, Raoul. A arte de viver para as novas gerações. São Paulo: Conrad, 2002, p. 18. 116 DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de janeiro: Contraponto, 2006, p. 68.
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promover em suas festas concursos de rap para que se selecionasse as melhores músicas
que comporiam as coletâneas do gênero. Os rap’s antes da gravação dos primeiros
trabalhos, já existiam nas praças e ruas, na época em que se “batia latinhas” a fim de se
produzir aquela música. A questão da gravação foi o momento em que há os primeiros
diálogos com a indústria fonográfica, e sob a batuta dessas grandes equipes de som,
saem as primeiras coletâneas, existindo nessas gravações uma nítida relação do
ambiente desses bailes com a criação das músicas.
A dupla Thaíde e DJ Hum ainda em 1989117 já levantavam as questões que se
tornariam tensa durante toda a década que se iniciava. Na música Problema eles relatam
a situação de quando eram humilhados e deixados de lado pelos donos dos meios de
comunicação de produção musical. Esse problema de se fechar as portas para o rap se
reconfigurou quando os mesmos agora queriam se apropriar da produção daqueles
rappers, ou seja, o problema continua quando agora eles não sabem mais quem é quem
no jogo de bajulações feito por alguns aproveitadores.
Os rappers mantiveram contatos no início da década com as gravadoras, mas no
decorrer da década houve uma clara tendência a criação de selos independentes118.
Antes disso, há também os primeiros contatos com as rádios FM’s. Algumas cedem
uma pequena parte de sua programação à música rap, mas esse elo se mostrou muito
fraco e o rap buscou alternativas para a divulgação de suas produções, as rádios
comunitárias. Essas talvez tenham sido o elemento de comunicação mais bem sucedido
para o rap no Brasil. Inúmeras rádios comunitárias começaram a ter em suas grades de
programação espaços dedicados ao rap, justamente pelo fato de a música ter uma
grande aceitação e identificação com as comunidades em que existiam. A maior parte
dos rappers reconhece o papel fundamental das rádios comunitárias, inclusive gravando
músicas para destacar essa realidade, como a faixa O Rádio do grupo RZO119(Rapaziada
da Zona Oeste),
Estamos aí então com multinacionais Que sempre dependem da FM Que se vendem até a alma. É tipo assim, Se você tem uma música, Tipo insignificante, um merda, sem futuro
117 THAÍDE E DJ HUM. Pergunte a Quem Conhece. São Paulo: Eldorado, 1989. 118 Ver nota 49. 119 RZO. Todos são manos. São Paulo: Cosa Nostra, 1999.
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Se pagar, direto e reto. Eu lhe asseguro, um troço sem cultura Sem pé, nem cabeça, nem me interessa, descarto. Eu não sou otário e não entro de embalo Eu acho que o FM é importante é claro. Mas aproveito mais escutando as rádios piratas Que pra nós são as rádios comunitárias.
Na segunda metade da década de 90 o rap teve seu contato mais intenso com o
meio de comunicação mais conturbado, a televisão. As discussões sobre o aparecimento
ou não na T.V até hoje rendem debates no meio do rap, grande parte dessa postura
também é advinda pela intransigência dos Racionais MC’s que se negam até hoje, por
exemplo, a conceder qualquer tipo de entrevista ou mesmo participar da grade das TV’s
Globo e SBT. Mas nessa relação com a TV, um canal teve um papel fundamental e ao
mesmo tempo contraditório, a MTV, que se tornou o único local de destaque onde a
parte cética dos rappers aparecia, porém na época, a MTV era um canal fechado a uma
determinada camada, a maior parte da periferia não tinha contato com esse canal, que
inclusive criou um programa dedicado ao rap, o Yo! MTV Rap. Nos quatro últimos anos
da década, diversos clipes foram produzidos e veiculados nesta emissora. Alguns destes
ganharam grande destaque, como o vídeo-clipe Diário De Um Detento dos Racionais
MC’s120, que acabou ganhando o prêmio de melhor vídeo clipe escolhido pelo público.
Nos últimos anos a internet se tornou o maior veículo de divulgação do rap
nacional. Do clássico vinil, e da fitinha cassete, passando pelo vídeo em VHS e pelo
CD, chegando nos DVD’s e MP3,4,5,6, o rap foi utilizando toda a técnica ao mesmo
tempo em que é usado por quem detém o poder da mesma. Porém entendo que é muito
difícil a massificação do rap no sentido de uma produção voltada em sua totalidade para
os ditames do mercado, penso que esse empreendimento seria tão complicado quanto,
por exemplo, acabar com o tráfico de drogas, matando, prendendo ou ressocializando os
soldadinhos do tráfico. Existe um exército de reserva enorme que garante a
continuidade sem grandes esforços do tráfico, assim como existem inúmeros grupos de
rap com uma postura intransigentemente subversiva e anti-sistêmica.
Na nossa temática temos então dois eixos. A falsa contestação reprodutora da
ideologia materializada do espetáculo. E, por outro lado, uma visão que enxerga o Hip
Hop enquanto realização de uma cultura. E nesse caso, as músicas feitas destacam os
valores da festa Hip Hop, uma festa que não deixa de ser uma escolha política. O 120 RACIONAIS MC’S. Sobrevivendo no inferno. São Paulo: Cosa Nostra, 1997.
65
segundo disco da dupla Thaíde e DJ Hum tratou logo de demarcar território,
apresentando essa cultura como tema prioritário em toda essa produção. O nome do
disco já diz muito, Hip Hop Na Veia121 e a metade das faixas trata diretamente da
cultura Hip Hop, das suas potencialidades.
Dentro da cultura Hip Hop, o rap tem espaço declaradamente privilegiado, por
se tratar do elemento que possui o discurso do movimento em forma de letras e não
exigir tanta percepção e reflexão artística como é o caso da dança e do grafite. A faixa O
Verdadeiro MC do grupo Doctor MC apresenta uma visão muito interessante desse
elemento do Hip Hop,
Vou falar pra você o que é um MC; Sim o cantor de rap que agora está aqui; Que sobe no palco, improvisa na rima; Canta na batida e a galera se anima; Fala de um povo e do seu tormento; Chamando atenção só por um momento; Ele fala do racismo e da sua arte; Palavras coladas há, há parte á parte; Fala do racismo um pouco mais forte; E da sua arte que é o hip-hop; Ele fala do racismo um pouco mais forte; E da sua arte que é o hip-hop; No começo ele falava do break e sua origem; Hoje fala de um mundo em total vertigem; Critica o governo de um modo anormal; Fala de um povo e da indiferença social; Canta, protesta e avisa dando um toque; Canta sob o som de uma batida forte; Não usa indireta, não está nem aí; Esse é o cantor de rap, o verdadeiro MC.
4.4 Cotidiano marginal
Aqui estão inclusos os rap’s que tratam de várias questões do cotidiano da
periferia122, cotidiano este que tem seu lado violento e dramático como o mais destacado
por essas letras. Ao mesmo tempo em que se coloca tal situação de brutalidade cometida
em toda periferia, há um discurso antitético que apela para a busca da paz dentro do
121 THAÍDE E DJ HUM. Hip Hop na veia. São Paulo: Eldorado, 1990. 122 Estou usando o termo periferia de modo genérico para representar todos os territórios pobres e marginalizados que os rappers costumam usar, portanto, periferia aqui representa territórios que na linguagem dos rappres podem ser, por exemplo, chamados de: favelas, morros, quebradas, vielas, guetos, áreas, comunidades, etc.
66
lugar em que o rap é produzido. A contradição é vista e posta em relevo a partir da
reflexão de motivos e sujeitos geradores desse conflito, dessa guerra interna.
Dentro desse cenário de violência e crime constante, diário e quase naturalizado,
a maioria dos rap’s aponta para um sujeito que, segundo a concepção dos mesmos, seria
talvez o maior propagador da violência dentro das periferias, me refiro à polícia que
atua dentro destas. Não só “muita pobreza estoura a violência” como diria a faixa
Brasília Periferia123, mas a atuação em diversas situações abusivas, humilhantes,
criminosas e até assassinas da polícia, geram um ódio dessa instituição retratada
incisivamente pelas canções dos rappers.
A atuação opressiva da polícia talvez seja a maior constante dentro dos discursos
do rap. Em nenhum momento houve uma diminuição desta denúncia, da década de 80,
passando por toda a década de 90 até os dias atuais, a polícia é o grande e mais odiado
dos vários vilões para os rappers. A perseguição da polícia ao Hip Hop é histórica e o
revide também. Hoje talvez essa situação tenha diminuído ou se mascarado, mas não o
suficiente para existir uma maior interação ou diálogo entre essas duas partes que atuam
na periferia. Do break dance, ao grafite, todos já sofreram enquadro e opressões
policiais. E o rap é o principal denunciador e voz ativa do lado do Hip Hop.
Os hip-hoppers sempre tiveram de dar satisfações de sua atuação à polícia e isso
gerou um ódio histórico do movimento e particularmente do rap. A música Homens Da
Lei de 1988 da dupla Thaíde e Dj Hum talvez seja a primeira mais direcionada a atacar
a atuação da polícia em São Paulo,
Policial é marginal e essa é a lei do cão A polícia mata o povo e não vai para a prisão São homens da Lei; reis da zona sul Vestidos bonitinhos com o seu traje azul Somem pessoas; onde enfiam eu não sei E não podemos dizer nada, pois não somos da Lei Oh! Meu Deus quando vão notar Que dar segurança não é apavorar Agora não posso mais sair na boa Porque ela me pára e me prende à toa Não adianta dizer que ela está errada Pois a Lei é surda,cega e mal interpretada124.
123 GOG. Dia-a-dia da periferia. Brasília: Só Balanço, 1994. 124 COLETÂNEA. Hip Hop cultura de rua. São Paulo: Eldorado, 1988.
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Os choques entre a polícia e os moradores de periferias são tão constantes que
alguns rappers tentam criar alternativas nessa luta, pois diante das armas legais que a
polícia tem a seu dispor e todos os seus métodos coercitivos, como extorsões, torturas e
o forjamento de flagrantes, essa luta torna-se muito desigual numa periferia em que
quem deveria dar a proteção é justamente quem espalha o medo. O grupo MRN em sua
faixa Eles Não Sabem De Nada passa toda a música ironizando a policia que os
enquadra e dá uma receita,
Tudo que queremos é contar com vocês irmão, Quando te pararem não reaja Não faz nada, fale só na ironia, Com palavras vocês estarão dando uma porrada de inteligência125.
Na década de 90, o que não falta são músicas feitas questionando e atacando a
polícia e sua atuação. Podemos citar inúmeros exemplos, como as seguintes faixas
selecionadas para representar essa temática. Só no disco no Entre A Adolescência E O
Crime do grupo Consciência Humana126, existem três faixas de crítica à polícia: Rato
Cinza Canalha, 121 (Rajada Parte II) e Geral. GOG também deixou sua mensagem
sobre a temática com a música Polícia no seu quinto disco em 1998127. Por fim, gostaria
de apresentar mais uma letra bem representativa nesse sentido: Policiais do grupo De
Menos Crime,
Policiais; Por trás desse nome se escondem os piores marginais; Que dizem proteger a lei e honrar a Pátria; Mas na verdade não passam de uns grandes canalhas; Fazem das delegacias seus reinados; Comandam blitz, agridem suspeitos; Lideram ousados esquemas de estorção; Mas por trás se esconde toda a corrupção; Eles estão nas ruas e muitos vão dizer; Que eles vieram pra nos proteger; Mas se vêem um suspeito não querem nem saber; Primeiro atiram sem ter o porquê; E se você os denunciar; Uma bala na cabeça você vai levar; É por trás das câmeras da tv; A polícia diz, diz nos proteger; Mas a noite agem ao contrário; Pessoas sendo vítimas desses policiais.[...]
125 MRN. Só se não quiser ser. São Paulo: Zimbabwe Records, 1994. 126 CONSCIÊNCIA HUMANA. Entre a adolescência e o crime. São Paulo: DRR/Zâmbia, 1998. 127 GOG. Das trevas à luz. Distrito Federal: Zâmbia, 1998.
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A polícia na rua faz seu próprio sistema; Tiro, porrada, esse é seu lema; Mãe, mãe, mães choram por seus filhos; Que na calada da noite foram abatidos á tiros; Por serem confundidos com bandidos; Há muito tempo eles vêm agindo assim; Agredindo as pessoas sem nenhum motivo; Aonde estão os nossos direitos; Que pela polícia vem sendo violados há muito tempo128.
Além da questão da opressão policial que se inscreve na temática do cotidiano
violento, destaco que dentro desta grande temática se encontram ainda outros sub-temas
com o mesmo ou até mais destaque que as divergências com a policia. Uma abordagem
bastante comum nas letras de rap diz respeito ao que chamo de narrativas de tragédias
individuais. Na periferia não faltam história de pessoas que tiveram algum problema
dramático, e a morte como o fim mais comum. Na maioria das vezes, os rappers
apresentam essa história para dar um exemplo das possibilidades de “se perder” no
cotidiano da periferia. Essas pessoas que vivem uma tragédia individual retratada nas
músicas geralmente têm seu lado positivo destacado, dando um ar dramático à narrativa
após as tragédias do acaso, das opções, etc. Dentro dessas histórias encontramos
drogados, traficantes, detentos, vinganças, aidéticos, mães que perdem seus filhos para a
violência, pais alcoólatras, prostituição, menores abandonados, entre outros.
Inúmeras músicas se enquadram nessa perspectiva. Na faixa Bala Perdida o
grupo Câmbio Negro, por exemplo, narra a história de um rapaz, “um grande homem”,
chamado Jhonny que teve sua vida interrompida por uma bala perdida129. O grupo
Cirurgia Moral, em seu primeiro disco130, descreve a trajetória de um humilde e
tranqüilo indivíduo que teve seu fim ao optar pelo crime e suas seduções, na faixa Seu
Primeiro Homicídio. Já Athalyba e a Firma131 fazem um apelo ao uso da camisinha, na
faixa Camisa De Vênus, como forma de se evitar a triste história de Mariana que depois
do desespero da gravidez soube que também tinha contraído o vírus da AIDS. S.L é a
sigla do nome de um jovem dependente de crack que mata a mãe, destrói a família e a si
próprio, essa história quem nos conta é o grupo M.R.N na sua faixa SL(Um
128 DE MENOS CRIME. Na sua mais perfeita ignorância. São Paulo: Kaskata’s Records, 1995. 129 CÂMBIO NEGRO. Sub-raça. Distrito Federal: Discovery, 1993. 130 CIRURGIA MORAL. Cérebro assassino. Distrito Federal: Discovery, 1993. 131 ATHALYBA E A FIRMA. De política em política. São Paulo: BMG, 1992.
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Depentende)132. Maldito Cinco De Março é o nome da faixa e a data em que um rapaz
fica paraplégico depois um tiro, segundo o grupo Guind’art 121133.
Na maioria dos rap’s há uma forte tendência ao sentimento de vingança, de
revidar um ataque, não deixar barato, mostrando assim sua capacidade de homem viril e
forte da periferia. GOG inverte e rejeita essa posição, e na faixa Momento Seguinte, em
que o personagem principal é atingido por tiros de um inimigo, este passa muito tempo
no hospital depois de ficar entre a vida e a morte, depois de se recuperar tem a
possibilidade de se vingar do agressor, mas na hora “H” lembra dos pontos, do sangue,
do sofrimento familiar e resolve não dar prosseguimento a esse sentimento de
vingança134. Já o grupo Face da Morte narra a história de uma vingança em que um
assaltante acaba por encontrar o homem que num tempo passado havia aliciado e tido
relações sexuais com a empregada, esta teria engravidado e este homem havia
abandonado-a. Aquela mulher era sua mãe, e este empresário que agora estava em sua
mira, seu pai. Depois de ter certeza que aquele homem era o monstro que tinha feito
aquilo com sua mãe, o assaltante desiste do roubo e simplesmente mata seu pai. O nome
da faixa é sugestivo: A Vingança135.
Para finalizar esse sub-tema, deixo mais seis faixas que considero as mais
representativas sobre o exposto até aqui. Estas seis faixas estão anexadas ao final para
consulta, pois as letras são enormes, em quantidade e qualidade. São letras
quilométricas e que merecem ser lidas ao todo.
Das seis, três são dos Racionais MC’s: Homem Na Estrada136, considerada por
muitos a música mais clássica dos Racionais, esta musica tem, entre tantas
caracteristicas, a forma que vai se tornando hegemônica no rap nacional da década de
90, que são as grandes letras, com faixas de longas durações. Esta por exemplo tem
8’42’’. Narrativa da tragédia de um homem em meio ao violetno cotidiano da periferia,
um homem que cometeu um crime no passado e que mesmo depois de cumprir sua pena
continuou pagando, até sua morte. Acho muito interessante uma musica dessa como
fonte indispensável para a história do cotidiano das periferias das grandes cidades. Não
tenho dúvidas de que tal empreendimento grandioso que foi a produção dessa letra não
132 MRN. Só se não quiser ser. São Paulo: Zimbabwe Records, 1994. 133 GUIND’ART 121. Ser ou não ser gangsta. Distrito Federal: Discovery, 1995. 134 GOG. Prepare-se. Distrito Federal: Só Balanço, 1996. 135 FACE DA MORTE. Quadrilha da morte. São Paulo: Independente, 1998. 136 RACIONAIS MC’S. Raio X do Brasil. São Paulo: Zimbabwe Records,1993.
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seria possivel sem a vivência de tais fatos e de tal cotidiano. A outra faixa dos Racionais
MC’s anexada é To Ouvindo Alguém Me Chamar137, uma das histórias mais bem
elaboradas sobre trajetórias trágicas. Essa música aborda o crime sob a ótica da traição.
Há toda uma contextualização envolvendo um moleque que admira muito um bandido
mais velho, segue todos os seus conselhos e que no final é morto a mando desse seu
ídolo do crime. O narrador é a vítima que enquanto tem seus últimos instantes de vida,
faz uma reflexão sobre toda sua trajetória até aquela situação que o deixou morrendo. E
por fim, também inclui a faixa, Diário De Um Detento138, ela talvez seja a história mais
conhecida narrada pelos Racionais MC’s. Se passa dentro de um presídio. Diário De
Um Detento vai relatando minuciosamente o cotidiano dentro do Carandiru, até então, o
maior presídio da América Latina. As outras três são: Lembranças de Consciência
Humana139, Recanto Obscuro De Uma Existência do grupo Consciência X Atual140 e A
História De Um Traficante do grupo Facção Central141. Todas estas seis letras estarão
anexadas ao final deste trabalho.
Para fechar essa temática centrada na periferia e seu violento cotidiano, gostaria
de levantar o último sub-tema que chamo de pilantragem, pois este nome é o mais usual
entre os rappers e representativo dessa abordagem. Tema bem comum dos grupos do
Distrito Federal como Álibi, Câmbio Negro e Cirurgia Moral, mas não só estes. Esse
tema aparece em diversos outros grupos, mas estes três grupos especialmente dão uma
ênfase muito grande ao assunto. Pilantras, traíras, falsos e “vacilões” são figuras
bastante atacadas e repreendidas por boa parte da produção do rap nacional da década
de 90.
Existem também dezenas de músicas que enfatizam e criticam a falsa
malandragem, os oportunistas e aproveitadores. O problema é que muitas vezes a
fronteira entre a amizade e a falsidade é tão tênue que um amigo em um dia, talvez o
melhor dos amigos, se transforme no outro dia, como num passe de mágica, no pior dos
seres humanos. Esse assunto é muito interessante porque diz respeito a uma briga
histórica dentro do rap nacional, especificamente no Distrito Federal. Até 1993 os
quatro principais representantes do rap candango: GOG, Câmbio Negro (representado
137 RACIONAIS MC’S. Sobrevivendo no inferno. São Paulo: Cosa Nostra, 1997. 138 Id.. 139 CONSCIÊNCIA HUMANA. Entre a adolescência e o crime. São Paulo: DRR/Zâmbia, 1998. 140 CONSCIÊNCIA X ATUAL. Tráfico de idéias. São Paulo: Discovery, 1996. 141 FACÇÃO CENTRAL. Estamos de luto. São Paulo: Rhythm and Blues, 1997.
71
por seu vocalista X), Cirurgia Moral e Álibi, mantinham parcerias, ao ponto de
gravarem juntos, mas, logo em seguida, começou um ataque feroz de dois lados
opostos: GOG e Cambio Negro de um lado versus Cirurgia Moral e Álibi de outro. Até
hoje essa situação não foi resolvida e em algumas músicas, como Do A Ao X Da
Questão, podemos perceber a tensão e os ressentimentos,
Cale sua boca bandido, traidor Do movimento agora tu é dispensável Enquanto isso muitos puxam o teu saco Foragido em seu próprio domínio, em seu quarto Tem palavras bonitas em seu dicionário Agora se ferrou, seu bunda, otário[...] Quem é que quer um amigo como você? Rolamos tanto tempo juntos, nunca vou me esquecer [..] Ultimamente tive pensando, você já foi o meu melhor amigo, um mano, X da questão da eu fico de cara.142
Os ataques em termos musicais foram bem mais direcionados do segundo grupo
ao primeiro. Nessa faixa anterior o grupo Álibi ataca X, vocalista do Câmbio Negro. Já
na seguinte faixa Falsa Malandragem as posições ficam ainda mais claras e definidas.
Nesta música de Cirurgia Moral, os ataques são direcionados principalmente a GOG,
mas também ao X. Vejamos um trecho,
Ninguém te conhece como nós Derrubou eu, tú, ele, nós, vós Eles que não te conhecem chamam de poeta Muito pelo contrário só pagou vexa Quem não conhece GOG girinão o gangstar? Fala demais em seu show correu pra não apanhar Fala de quebras do entorno nunca nem pisou. A malandragem que conhece é só gravata, morou? Derrubou vários irmãos só metendo o queixo Discovery, Planet, Abutre, não tem nem mais jeito Ninguém cai mais na sua lábia babão Juntou-se de novo com o cão Só São Cipriano pode te libertar, Nem missangas, nem guias podem te guardar Do mal que você plantou em você mesmo Te arruma otário que agora vai pegar Sempre foi fraco quando se fala em irmandade “Eu não preciso do D.F”. Isto é uma verdade! Só que de rocha eu falo sério, escuta aí A nossa área tá melhor sem você aqui
142 ÁLIBI. Abutre. São Paulo: Discovery, 1995.
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Irmãos de São Paulo podem se preparar, Girinão o gangstar tá na área podem se cuidar Muitos vão cair e ele vai subir, eternamente por que é assim. Quem não te conhece é que te compra Muito agito já rolou nunca te vimos na onda Pedimos sempre pela paz você quer é guerra... Você não perde por esperar! [...] Diga X, quero uma foto de vocês dois vocês tão pouco se lichando pra CEI(Ceilândia) pois Aqui mudou tão vendendo peixe errado Cipriano e Barrabás vocês tão ferrado Eu me faço gozar, manipulando suas vozes... Chupa X chupa GOG Enquanto muitos ralam e vão andando Aí, cala a boca e continua chupando Nos chamam de bandidos incentivadores Falamos só o que sabemos e não são rumores Hoje fala contra as drogas, safado ó a coronha Quem te compra é que não te conhece rola a maconha Sua saga é triste por nós sempre lembrada Falso pacificador senhor da desgraça Já tomou arara dos homem e não tava errado Faça sua boca parar safado Pode vir com palavras de dicionário Sua choradeira é sempre a mesma otário A sua dupla ação ainda inclui o Marcão Que não tem guerra conosco, CÃO.143
4.5 Problemas sistêmicos
Nesta última temática, abordaremos os discursos que se propõem a ter uma
amplitude maior dos problemas enfrentados no Brasil. Uma palavra bastante comum no
dicionário dos rappers é sistema, este seria o responsável maior pelos problemas de
classes, econômicos, políticos, ambientais, ideológicos, ou todos juntos, além de
indicarem caminhos para a superação dessas “questões sistêmicas” a partir de
concepções também ampliadas de educação, emancipação, revolução. A partir de agora
me deterei em apresentar as questões sistêmicas que alguns rappers destacam em suas
letras.
Duas questões há de se considerar de início, em primeiro lugar considero que o
rapper que mais destaque deu às questões sistêmicas durante toda a década de 90, se
chama GOG. Em segundo lugar, há uma predominância nas críticas sistêmicas à
conjuntura política, especialmente aos políticos profissionais e seus mecanismos de
143 CIRURGIA MORAL. A minha parte eu faço. Distrito Federal: Discovery, 1996.
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poder que dirigem o país. Porém, gostaria de destacar outro grupo que em seu primeiro
disco, em 1992, conseguiu apresentar talvez a melhor síntese em um único disco sobre
questões de ordem sistêmica, Athalyba e a Firma, em seu álbum De Política Em
Política. Este disco junto com Dia-a-dia Da Periferia de GOG são os dois mais
representativos dessa temática nos anos 90.
Em relação especificamente à crítica política, existem duas faixas destes dois
grupos citados anteriormente que se tornaram verdadeiros clássicos do rap nacional. A
primeira de Athalyba e a Firma, Política144 faz uma crítica muito bem elaborada a certo
tipo de política, mostrando uma visão analítica da crise política que o Brasil enfrentava
nos primeiros anos da década de 90, entre tantas questões abordadas podemos observar:
crítica a situação inflacionária do governo Collor, a fracassos das medidas econômicas,
a onda de violência como reflexo dessa política, denúncias de corrupção, as discussões
sobre plebiscito que decidiriam a forma de governo do país, as reformas e seus
fracassos, etc145.
Se a primeira direciona sua crítica a política enquanto tal, a segunda, Assassinos
Sociais, de GOG ataca de forma muito incisiva os políticos, que para o autor são
verdadeiros assassinos sociais que interferem na vida de milhões. A crítica se concentra
no parlamento e estes assassinos sociais são literalmente demonizados,
A lição meu irmão esta ai Nos ataques a bomba No genocídio em huanda Na pobreza no haite É triste mais eu vi O clamor materno Rogando logo o céu o inferno Ao seu filho subnutrido Que aos dezoito não pesava mais que vinte e poucos quilos Mas de nada adiantava isso Do outro lado do mundo seu futuro era decidido Num café matinal entre políticos malditos Parasitas cínicos Assassinos sociais hé Os poderosos são demais Derramam pela boca seus venenos mortais Poluindo a mente dos que são de paz [...] E o que dói mais é ver muitos de meu povo Caindo na cilada Trabalhando em campanhas milionárias
144 ATHALYBA E A FIRMA. De política em política. São Paulo: BMG, 1992. 145 A letra da música política está em anexo.
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por migalhas Empunhando bandeira no sol a sol O corpo suado coração está do outro lado Mas infelizmente a necessidade fala alto A idéia é: Trabalhando contra nós mesmo sempre sairemos derrotados E enquanto isso o que eles fazem Começam em Brasília a semana na quarta e encerram na quinta Matam a segunda a terça a sexta Mal político em qualquer canto do planeta É um ante cristo um cisto a besta A atração principal do telejornal A procura de estatus investe no visual Realmente eu sou um marginal E quero ver sua cabeça seu oco seu mal Bicho mesquinho Vejo em seus olhos tochas de fogo luzindo Nas suas costa azas vermelhas se abrindo É só olhar pra eles e verá que não estou mentindo Que não é vacilo delírio nem sonho Mal político pra mim o pior dos demônios Junta logo suas balas e vai.146
Três músicas exploram bem as questões sistêmicas a partir de uma crítica mais
econômica. A primeira e mais interessante é novamente do grupo Athalyba e a Firma147,
com a faixa Dinheiro. Nela tem-se uma boa crítica ao fetiche do dinheiro. As outras
duas faixas que vão na mesma linha de crítica econômica são as músicas Década148, que
apresenta alguns elementos da década de 90 para explicar o empobrecimento da
população e seu baixo poder aquisitivo; e Esse É Meu País149, que apresenta uma visão
bem ampla dos problemas enfrentados pelo Brasil, inclusive de ordem econômica
através de seu sub-desenvolvimento.
Em relação às questões de classe, os grupos De Menos Crime150 e Sistema
Negro151 fizeram cada um, uma música com o mesmo nome e com as mesmas
confusões, especialmente o segundo. Burguesia expressa uma visão meio confusa,
ingênua e romântica desses dois grupos em relação à burguesia, porém o mais relevante
é o ponto de vista que enxerga a burguesia como produtora da miséria social e inimiga
146 GOG. Dia-a-dia da periferia. Brasília: Só Balanço, 1994. 147 ATHALYBA E A FIRMA. De política em política. São Paulo: BMG, 1992. 148 CONSCIÊNCIA HUMANA. Enxergue seus próprios erros. São Paulo: MA Records, 1995. 149 CÂMBIO NEGRO. Câmbio negro. Distrito Federal: Trama Music, 1998. 150 DE MENOS CRIME. Na sua mais perfeita ignorância. São Paulo: Kaskata’s Records, 1995. 151 SISTEMA NEGRO. Ponto de vista. São Paulo: MA Records, 1993.
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de classe. Por outro lado a dupla Thaíde e DJ Hum152nos fala em sua faixa Brava Gente
sobre o cotidiano do trabalhador.
A dupla153 anteriormente citada possui uma faixa que discute outra questão
sistêmica, esta agora ligada mais especificamente às questões ambientais. Poema À
Minha Terra critica a poluição do planeta a partir de analogias com o ser idealizado e
puro da mulher. Outra faixa um pouco mais elaborada e crítica sobre as questões
ambientais é a música Flores de Athalyba e a Firma154,
O respeito à fauna e a flora, e as regiões abissais Devem ser muito mais Que um simples movimento iniciado Por pressões de órgãos internacionais Eles vão ter na raiz que quanto mais se queima, Mais se vive infeliz, Então se eles queimam tendo lucros como meta, Vão morrer sem ar e vão morrer carecas, Cuidem bem das flores, do jardim do seu quintal, Pois podem faltar flores para O enfeite no seu funeral, Não perca tempo, alerte a nação, Podem faltar flores para o enfeite no seu caixão.
Outra crítica feita ao sistema de forma bem elaborada, foi a música Televisão do
grupo Face da Morte. Ela possui um caráter direcionado a uma critica das questões
ideológicas e toda paralisia social diante desse poderoso meio de comunicação
unilateral, que é a televisão, mas diante de todo esse quadro, muitos rapprers apontam
caminhos para a superação dessa situação, especialmente através da informação e da
educação, principais caminhos apontados para uma revolução. GOG talvez seja o mais
representativo nesse sentido, seus discos estão recheados de críticas e de incentivo a
uma luta através do uso da inteligência, dos estudos e da educação, é o que chama de
“revolução sem sangue, revolução de idéias”155. Porém, deixo para falar de revolução,
uma faixa de mesmo nome, Revolução de uma dupla que não se caracterizou por
músicas desse calibre, Thaíde e DJ Hum,
Mentiras, planos falíveis mais mentiras É a panela política cozinhando seu cérebro O tempero fica por conta do faz de conta,
152 THAÍDE E DJ HUM. Brava gente. São Paulo: Hip Hop Brasil, 1994. 153 Id. 154 ATHALYBA E A FIRMA. De política em política. São Paulo: BMG, 1992. 155 GOG. Vamos apagá-los com nosso raciocínio. Distrito Federal: Discovery, 1993.
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Vê se não conta com as falcatruas, não Eu sei que essa é a hora, a hora é agora Vamos embora que esperar não é saber Temos que vencer, tomar o poder, De uma vez por todas Revolução é o que é preciso e eu to nessa lista Precisamos com coragem unir as nossas forças E acabar com esse flagelo, capitalista.[...] Eu fico admirado, vendo nós todos sendo roubados, Explorados. Até parece que gostamos, pois ficamos calados, Parados, com os olhos fechados E na verdade é só abrirmos pra vermos os fatos. O desemprego aumentando E a muito estamos falando Mas ninguém quer nos ouvir, preferem sorrir O sorriso banguela da barriga vazia Até que chega aquela festa bonita, Todo mundo curtindo com a sua fantasia Totalmente enganados esquecem do dia-a-dia Só quero ver quando esse transe acabar Com certeza, vão começar a reclamar, Com seus filhos para alimentar Com aluguel atrasado, sem grana pra pagar Ai vem os políticos prometem e o povo fica contente E é por isso que o país não vai pra frente. Se você não acredita em uma salvação Está chegando a minha, a sua, a nossa revolução. Se de repente analisarmos com mais atenção Poderemos amenizar nossa situação Nos informando mais politicamente, sendo mais exigentes Quem sabe até mudando alguma opinião Pois enquanto corruptos, maliciosos, Continuarem com esquemas gananciosos Votando projetos de lei em benefício próprio O país não vai mudar, mais que óbvio Militarismo disfarçado, pacote de fundo furado Com deputados defendendo suas mordomias Não tem como não se revoltar Muitos até acham que eu estou militando e querem me pegar Mas é melhor ser militante do que militar Que nunca teve boa imagem, perante o povo Que não aceita esse sistema de opressão O chamado Brasil novo Que está deixando seus filhos Mais miseráveis do que são Sem oportunidades, sem educação Se você não acredita em uma salvação Está chegando a minha, a nossa, a sua revolução156.
156 THAÍDE E DJ HUM. Preste atenção. São Paulo: Brava Gente/Eldorado, 1996.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
É difícil plantar ambição, sem ver a ganância nascer No coração de um ser, que nunca viu nada acontecer Pra si, sabe? Nem ao redor Vai fuder quem tá do lado, se isso te trazer o melhor E te fazer melhor, e o que é melhor aqui parceiro? Cê vai viver de amor do lado de quem mata por dinheiro? Ruas vazias, aqui ou em Gaza Hoje as pessoas boas, se escondem atrás da grade das casas Frio é habitual, saudade? Mais que normal Solidão virou segurança, medo virou natural Internet, rádio, MP3,4,5,6 Talvez tenha poder, mas não aproximou vocês Ao entender, sem sentir, cês vão ver no fundo Cada janela que se abre, é uma porta a menos pro mundo E vê-lo por um olho mágico, rouba a magia Que dava sentido ao dia, ao esbarrar com quem não conhecia Era bom, ficou pra trás Tenho vários manos que não morreu, só que também não vive mais Não existe meio certo, nem meia verdade Nem mais ou menos, nem meia liberdade Quando o tema é vida, meio termo não existe Ou se é feliz, ou se é 100% triste Os MC nem sabe mais, se pede um drink ou pede paz Se aqui é Disney ou Alcatraz, se nós é Rouge ou Racionais Se as mina é puta, ou algo mais Se a cota é luta, ou tanto faz Se essa porra de 'nóiz' existe mesmo, ou é outra idéia que ficou pra trás[...] Artistas mudando o nariz, de cabelo alisado Reforça essa merda de que ter cabelo crespo é pecado Século XXI, progresso, olha de novo irmão Cê vai ver que os preto ainda tão, na rua, no gueto e na prisão Sem saber se são regras, ou exceção Todo mundo é igual, e ainda assim, nós tá fora do padrão Hoje compro em disco, o que já ganhei no meio Minha missão aqui, é provar que é possível pro cês Mas o trampo exige foco, tem que viver a parada Isso é fácil como tirar doce da boca de outra quebrada Natural, igual Pentágono, ainda hoje, igual Guantánamo Meu olhar de quadrilátero, diz que bom ainda não tá mano To caminhando, plantando o que precisa O mar é imenso, e vários tão emocionados só com a brisa A vida acontece, não avisa Atrasa a caminhada de quem para nas baliza Uns veio comer várias minas, outro assina vários cheques Uns pra ter várias tretas, tio, eu vim pra fazer RAP! Entregar meu tempo a causa, sem pensar duas vez[...] E a cultura de favela, canto enquanto penso nela Vendo vários ganhando a vida, e vários perdendo ela Pensando em fama, status, damas, contratos Sonhos pequenos demais pra mim, vamos voltar aos fatos É estranho 2009, o inverno é quente, no verão chove A fumaça engole a luz do sol, enquanto a terra se move LCD, Kalishnikov, iPod, coquetel molotov Mulher Melancia, Barishnikov, milhões de sabores...Prove!
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Informações demais, pra uma vida tão curta Carros andam centímentros, aí vagabundo surta Seguimos nos tempos difíceis, que Edi Rock cantou Mostrei o refrão pros irmão, logo geral concordou Que é necessário voltar ao começo Quando os caminhos se confundem, é necessário voltar ao começo Não sabe pra onde ir? Tem que voltar pro começo Pra não perder o rumo, não pode esquecer do começo Cê entende, que assim é verdadeiro? Que cada dia que se vive, é o último e o primeiro Sei bem qual é a real, entre todos maloqueiros E da posição que ocupo, por isso eu to ligeiro Jesus perdoou demais, morreu Lampião confiou demais, morreu Sou tipo um general que lidera uma tropa vinda do breu E eu não confio, nem perdoou, por isso mandaram eu! (grifo nosso)
A letra acima, É Necessário Voltar Ao Começo, de 2009 do rapper Emicida é
bastante expressiva como representação das possibilidades da crítica inerente ao Hip
Hop e seu elemento mais representativo, o rap. A mesma também indica parte da crise
na qual esse discurso está inserido sob a lógica mercantil que absorve e transforma a
subversão numa revolta meramente espetacular. Inserido num contexto social, o Hip
Hop buscou durante as últimas décadas, através de seus sujeitos, uma forma de
realização prática pela sua subjetividade de outra forma de vida em meio à decadência
dos bairros pobres situados no cenário urbano, que tivesse como critério a participação
através de uma atitude que contestasse o status quo que garante a reprodução e as
hierarquias sociais.
Cada janela aberta com fins lucrativos em detrimento da criação cultural é uma
porta a menos para o mundo dos homens, a fragmentação da comunicação do Hip Hop
através dos meios dominantes da mídia e de toda a unilateralidade do sistema de poder
da indústria cultural pouco a pouco vêm minando qualquer forma de crítica verdadeira
de ruptura dos valores e padrões estéticos e sociais. A magia da ocupação e realização
do Hip Hop em meio às ruas e praças e todos os relacionamentos sociais estabelecidos
ali estão perdendo terreno para uma contemplação virtual desprovida de qualquer laço
de união, tão característico do Hip Hop, os meios se transformaram num jogo de
finalidades e se impõem como pré-requisito para a maioria das produções.
O fazer-se do Hip Hop é também uma volta ao começo numa perspectiva de
avaliação histórica do movimento. Não no sentido de defini-lo como algo uno que
justifique essa ou aquela posição política, como muitos o fazem, mas uma maneira de
historizar e perceber que existe no Hip Hop formas subversivas de crítica da vida
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cotidiana através de sua autônoma criação. O Hip Hop está e sempre esteve inserido
numa lógica conflituosa, sempre teve ao lado dessa possibilidade subversiva, a sua
negação através de sua inserção no mundo das coisas, das coisas que se auto-
reproduzem.
Minha conclusão pode ser um pouco precipitada em relação a resultados e
desdobramentos. Refletirei agora não só o que já foi dito nesse trabalho, mais também
esboçarei algumas considerações que dizem respeito a uma forma de pensar e refletir
sobre o Hip Hop e o rap.
Entendo que o Hip Hop não almeja, ou pelo menos acredito que não deveria
almejar o eterno presente, como uma espécie de obra de arte feita para se cultuar.
Entendo-o inserido numa luta, num conflito, numa dialética constante do seu fazer-se no
cotidiano e na construção de situações que levem a um processo oposto ao da
mistificação geradora desse mundo de aparências, a um processo de criação cultural que
leve a uma verdadeira participação e intervenção política. Para isso há que se negar
radicalmente as hierarquias do poder da sociedade, que chamo de espetacular, à maneira
situacionista.
A realidade é que o Hip Hop e especialmente o rap são também mercadorias e
servem à ortodoxia do mercado de coisas. Mesmo assim, existe resistência das pessoas
que fazem Hip Hop, mesmo diante de todas as falsas possibilidades de melhoramento e
desenvolvimento dos elementos através dos financiamentos e reconhecimento de
grandes multinacionais e do poder público atual, muita gente ainda faz e ainda vai fazer
Hip Hop com o propósito revolucionário de criar sentimentos, poesias, danças,
musicalidade e artes visuais para a realização do ser humano enquanto tal, consciente e
senhor de seu destino.
As possibilidades reais apresentadas e verificadas na história desse movimento
me levam a crer que a realização artística e cultural empreendida pelo Hip Hop possui
um potencial significativo no processo de conscientização social da periferia na busca
de uma mudança real e efetiva. Pode parecer utópico, e ser o for melhor ainda, pois
como diria Löwy,
Utopias são aquelas idéias, representações e teorias que aspiram uma outra realidade, uma realidade ainda não existente. Têm, portanto, uma dimensão crítica ou de negação da ordem social existente e se orientam para sua
80
ruptura. Deste modo, as utopias têm uma função subversiva, uma função crítica e, em alguns casos, uma função revolucionária157.
O Hip Hop é uma escola de vida, uma escola informal e marginal, e é aí que se
encontra seu potencial revolucionário. Informal por não ser constituída de elementos
legalmente introduzidos de fora para dentro. Por haver debates, liberdade e muito
conflito, que acabam deixando uma margem considerável para a superação das
contradições. E marginal por se tratar de uma realização em que os processos de
mediação característicos dos mecanismos reprodutores da sociedade não dominarem a
totalidade do processo de criação cultural.
As complexas relações e determinações do Hip Hop e do rap nos apresentam
uma história rica de possibilidades a gostos e contragostos, ora se apresenta em seu
conjunto, ora esfacelado em um único elemento, por vezes sendo censurado no Brasil,
acusado de fazer apologia ao crime e as drogas através de seu rhythm and poety das
ruas, para logo em seguida ser apresentado pelos mesmos que o censuraram, como um
meio idealizado de construção de cidadania, mesmo se essa cidadania tiver de ser
mantida materialmente por um programa assistencialista miserável qualquer.
A história do movimento do rap está toda mergulhada nesse mar de contradições
e lutas. Não há um discurso elaborado a priori que unifique a produção do rap. O
movimento aqui observado diz justamente isso, que na história do rap você pode
vislumbrar algo, mas jamais imaginar essa produção voltada a uma totalidade
direcionada a um fim político-cultural, ele pode ajudar na construção de situações que
almejem a ruptura da ordem estabelecida em uma rua, bairro, cidade, região ou país,
como no recente caso francês, bastante noticiado, em que as autoridades acusaram o rap
de ter sido a trilha sonora que impulsionou os distúrbios sociais, com os inúmeros carros
destruídos no fim de 2005; mas também pode estar nas comemorações de fim de ano de
uma televisão como a Rede Globo, a fim de suavizar as lutas sociais.
157 LÖWY, Michael. Ideologias e ciência social: elementos para uma análise marxista. São Paulo: Cortez, 2006, p. 13.
81
REFERÊNCIAS
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Discografia consultada
(Artista. Título do álbum. Estado de origem do artista: Selo/Gravadora, ano de
lançamento)
ÁLIBI. Abutre. Distrito Federal: Discovery, 1995. ÁLIBI. Pague pra entrar, reze pra sair. Brasília: Distrito Federal, 1997. ATHALYBA E A FIRMA. De política em política. São Paulo: BMG, 1992. BASEADO NAS RUAS. Reflexão. Distrito Federal: Discovery, 1998. CÂMBIO NEGRO. Sub-raça. Distrito Federal: Discovery, 1993. CÂMBIO NEGRO. Diário de um feto. Distrito Federal: Discovery, 1995. CÂMBIO NEGRO. Câmbio negro. Distrito Federal: Trama Music, 1998. CIRURGIA MORAL. Cérebro assassino. Distrito Federal: Discovery, 1993. CIRURGIA MORAL. Respeito a quem merece. Distrito Federal: Discovery, 1998. CÓDIGO PENAL. Vivemos como o diabo gosta. Distrito Federal: Discovery, 1996. CÓDIGO PENAL. Extrema-unção: é isso que vocês quer. Distrito Federal: Discovery, 1998. COLETÂNEA. A ousadia do rap. São Paulo: Kaskatas, 1987. COLETÂNEA. Consciência Black Volume I. São Paulo: Zimbabwe, 1989. COLETÂNEA. Hip Hop cultura de rua. São Paulo: Eldorado, 1988 COLETÂNEA. Som das ruas. São Paulo: Chic Show, 1988. COMANDO DMC. São Paulo está se armando. São Paulo: TNT Records, 1994. COMANDO DMC. Sangue no olho. São Paulo: TNT Records, 1996.
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CONEXÃO DO MORRO. Single Saiam da mira dos tiras. São Paulo: Rhythm and blues, 1999. CONSCIÊNCIA HUMANA. Enxergue seus próprios erros. São Paulo: MA Records, 1995 CONSCIÊNCIA HUMANA. Entre a adolescência e o crime. São Paulo: DRR/Zâmbia, 1998. CONSCIÊNCIA X ATUAL. Tráfico de idéias. São Paulo: Discovery, 1996. CONSCIÊNCIA X ATUAL. Contos do crime. São Paulo: Discovery, 1998 DA GUEDES. Cinco elementos. Rio Grande do Sul: Trama, 1999. DE MENOS CRIME. Na sua mais perfeita ignorância. São Paulo: Kaskata’s Records: 1995. DE MENOS CRIME. Na sua mais perfeita ignorância. São Paulo: DRR/Kaskata’s Records: 1999. DETENTOS DO RAP. Apologia ao crime. São Paulo: Fildzz, 1998. DETENTOS DO RAP. O pesadelo continua. São Paulo: Fildzz, 1999. DJ JAMAIKA. Utopia. Distrito Federal: Discovery, 1998. DJ JAMAIKA. De rocha. Distrito Federal: Discovery, 1999. D.M.N. Cada vez mais preto. São Paulo: Zimbabwe Records, 1993. D.M.N. single H. aço. São Paulo: Cia paulista de Hip Hop, 1999. DOCTOR MC’S. Para quem quiser ver. São Paulo: Kaskata’s Records, 1995. DOCTOR MC’S. Agora a casa cai. São Paulo: Kaskata’s Records, 1998. DUCK JAM E A NAÇÃO HIP HOP. A nação quer saber a verdade. São Paulo: TNT Records, 1992. EDI ROCK. Single Edi Rock. São Paulo: Cia paulista de Hip Hop, 1999. FACÇÃO CENTRAL. Juventude de atitude. São Paulo: Rhythm and Blues, 1995. FACÇÃO CENTRAL. Estamos de luto. São Paulo: Rhythm and Blues, 1997. FACÇÃO CENTRAL. Versos sangrentos. São Paulo: Five Special, 1999.
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FACE DA MORTE. Meu respeito eu não enrolo numa seda. São Paulo: TNT Records, 1996. FACE DA MORTE. Quadrilha da morte. São Paulo: Independente, 1998. FACE DA MORTE. O crime do raciocínio. São Paulo: Face da Morte Produções, 1999. FACES DO SUBÚRBIO. Faces do subúrbio. Pernambuco: MZA Music, 1999. FILOSOFIA DE RUA. Valeu a experiência. São Paulo: Rhythm and Blues, 1994. GOG. Peso pesado. Distrito Federal: Discovery, 1992. GOG. Vamos apagá-los com nosso raciocínio. Distrito Federal: Discovery, 1993. GOG. Dia-a-dia da periferia. Distrito Federal: Só Balanço, 1994. GOG. Prepare-se. Distrito Federal: Só Balanço, 1996. GOG. Das trevas à luz. Distrito Federal: Zâmbia, 1998. GUIND’ART 121. Ser ou não ser gangsta. Distrito Federal: Discovery, 1995. GUIND’ART 121. Livre arbítrio. Distrito Federal: Discovery, 1999. MARCELO D2. Eu tiro é onda. Rio de Janeiro: Sony Music, 1998. MRN. Só se não quiser ser. São Paulo: Zimbabwe Records, 1994. MT BRONK’S. Nova era. São Paulo: Zimbabwe Records, 1993. NDEE NALDINHO. Menos um irmão chega disso. São Paulo: TNT Records, 1991. NDEE NALDINHO. Bem vindo ao Hip Hop. São Paulo: TNT Records, 1995. NDEE NALDINHO. Você tem que acreditar. São Paulo: TNT Records, 1997. NDEE NALDINHO. O apocalipse. São Paulo: TNT Records, 1999. NDEE NALDINHO. Preto do gueto. São Paulo: TNT Records, 2000. PAVILHÃO 9. Single Primeiro Ato. São Paulo: PA Radical, 1993. PAVILHÃO 9. Procurados vivos ou mortos. São Paulo: Paradoxx Music, 1995. PAVILHÃO 9. Cadeia nacional. São Paulo: Paradoxx Music, 1997. PAVILHÃO 9. Se Deus vier que venha armado. São Paulo: Paradoxx Music, 1999.
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PMC E POETAS DE RUA. Revolução de novos ideais. Minas Gerais: TNT Records, 1994. PMC E DJ DECO. Identidade. Minas Gerais: Virgin/EMI, 1998. RACIONAIS MC’S. Holocausto urbano. São Paulo: Zimbabwe Records,1990. RACIONAIS MC’S. Escolha o Seu Caminho. São Paulo: Zimbabwe Records,1992. RACIONAIS MC’S. Raio X do Brasil. São Paulo: Zimbabwe Records,1993. RACIONAIS MC’S. Sobrevivendo no inferno. São Paulo: Cosa Nostra, 1997. REALIDADE CRUEL. Só sangue bom. São Paulo: Face da Morte Produções, 1993. RPW. RPW... Está na área. São Paulo: Spotlght, 1996. RZO. Todos são manos. São Paulo: Cosa Nostra, 1999. SISTEMA NEGRO. Ponto de vista. São Paulo: MA Records, 1993. SISTEMA NEGRO. Ponto de vista. São Paulo: MA Records, 1993. SISTEMA NEGRO. Bem vindos ao inferno. São Paulo: Zimbabwe Records, 1994. SISTEMA NEGRO. A jogada final. São Paulo: Zimbabwe Records, 1997 SISTEMA NEGRO. Na febre. São Paulo: Porte Ilegal, 2000. THAÍDE E DJ HUM. Pergunte a Quem Conhece. São Paulo: Eldorado, 1989. THAÍDE E DJ HUM. Hip Hop na veia. São Paulo: Eldorado, 1990. THAÍDE E DJ HUM. Humildade e Coragem São Nossas Armas Para Lutar. São Paulo: TNT Records, 1992. THAÍDE E DJ HUM. Brava gente. São Paulo: Hip Hop Brasil, 1994. THAÍDE E DJ HUM. Preste atenção. São Paulo: Brava Gente/Eldorado, 1996. TRIBUNAL POPULAR. Single Xeque... mas não mate. São Paulo: Cosa Nostra, 1999. VISÃO DE RUA. Herança do vício. São Paulo: Discoo Box, 1999. XIS. Seja como for. São Paulo: 4P Discos, 1999.
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ANEXOS
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LETRAS DE RAP NACIONAL
ANEXO 1 Letra: O homem na estrada Autor: Racionais MC’S Álbum: Raio X do Brasil Ano: 1993 Um homen na estrada recomeça sua vida. Sua finalidade: a sua liberdade. Que foi perdida, subtraída; E quer provar a si mesmo que realmente mudou, que se recuperou E quer viver em paz, não olhar para trás, Dizer ao crime: nunca mais! Pois sua infancia não foi um mar de rosas, não. Na febem, lembranças dolorosas, então. Sim, ganhar dinheiro, ficar rico, enfim. Muitos morreram sim, sonhando alto assim, Me digam quem é feliz, quem não se desespera, Vendo nascer seu filho no berço da miséria. Um lugar onde só tinham como atração: O bar e o candomblé pra se tomar a benção. Esse é o palco da história que por mim será contada. Um homem na estrada... Equilibrado num barranco incômodo, mal acabado e sujo, Porém, seu único lar, seu bem e seu refúgio. Um cheiro horrível de esgoto no quintal, Por cima ou por baixo, se chover será fatal. Um pedaço do inferno aqui é onde eu estou. Até o IBGE passou aqui e nunca mais voltou. Numerou os barracos, fez uma pá de perguntas. Logo depois esqueceram, filhos da puta! Acharam uma mina morta e estuprada, Deviam estar com muita raiva. "Mano, quanta paulada!". Estava irreconhecível, o rosto desfigurado. Deu meia noite e o corpo ainda estava lá, Coberto com lençol, ressecado pelo sol, jogado. O IML estava só dez horas atrasado. Sim, ganhar dinheiro, ficar rico, enfim, Quero que meu filho nem se lembre daqui, Tenha uma vida segura. Não quero que ele cresça Com um "oitão" na cintura e uma "PT" na cabeça. E o resto da madrugada sem dormir, ele pensa O que fazer para sair dessa situação. Desempregado então. Com má reputação. Viveu na detenção. Ninguém confia não. E a vida desse homem para sempre foi danificada.
Um homem na estrada... Amanhece mais um dia e tudo é exatamente igual. Calor insuportável, vinte e oito graus. Faltou água, ja é rotina, monotonia, Não tem prazo pra voltar, hã! Já fazem cinco dias. São dez horas, a rua está agitada, Uma ambulância foi chamada com extrema urgência. Loucura, violência exagerada. Estourou a própria mãe, estava embriagado. Mas bem antes da ressaca ele foi julgado. Arrastado pela rua o pobre do elemento, O inevitável linchamento, imaginem só! Ele ficou bem feio, não tiveram dó. Os ricos fazem campanha contra as drogas E falam sobre o poder destrutivo delas. Por outro lado promovem e ganham muito dinheiro Com o álcool que é vendido na favela. Empapuçado ele sai, vai dar um rolê. Não acredita no que vê, não daquela maneira, Crianças, gatos, cachorros disputam palmo a palmo Seu café da manhã na lateral da feira, Molecada sem futuro, eu já consigo ver, Só vão na escola pra comer, apenas nada mais, Como é que vão aprender sem incentivo de alguém, Sem orgulho, sem respeito, sem saúde e sem paz. Um mano meu tava ganhando um dinheiro, Tinha comprado um carro, até rolex tinha! Foi fuzilado a queima roupa no colégio, Abastecendo a playboyzada de farinha, Ficou famoso, virou notícia, Rendeu dinheiro aos jornais, hã! Cartaz à policia Vinte anos de idade, alcançou os primeiros lugares... Superstar do notícias populares! Uma semana depois chegou o crack, Gente rica por trás, diretoria. Aqui, periferia é miséria de sobra. Um salário por dia garante a mão-de-obra. A clientela tem grana e compra bem, Tudo em casa, costa quente de sócio. A playboyzada muito louca até os ossos! Vender droga por aqui, grande negócio. Sim, ganhar dinheiro ficar rico enfim, Quero um futuro melhor, não quero morrer assim, Num necrotério qualquer, Como indigente, sem nome e sem nada,
Um homem na estrada... Assaltos na redondeza levantaram suspeitas, Logo acusaram a favela para variar, E o boato que corre é que esse homem está, Com o seu nome lá na lista dos suspeitos,
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Pregada na parede do bar. A noite chega e o clima estranho no ar, E ele sem desconfiar de nada, vai dormir tranquilamente, Mas na calada caguentaram seus antecedentes, Como se fosse uma doença incurável, No seu braço a tatuagem, DVC, uma passagem , 157 na lei... No seu lado não tem mais ninguém. A Justiça Criminal é implacável. Tiram sua liberdade, família e moral. Mesmo longe do sistema carcerário, Te chamarão para sempre de ex presidiário. Não confio na polícia, raça do caralho. Se eles me acham baleado na calçada, Chutam minha cara e cospem em mim, é.. Eu sangraria até a morte...Já era, um abraço!. Por isso a minha segurança eu mesmo faço. É madrugada, parece estar tudo normal. Mas esse homem desperta, pressentindo o mal, Muito cachorro latindo, ele acorda ouvindo Barulho de carro e passos no quintal. A vizinhança está calada e insegura, Premeditando o final que já conhecem bem. Na madrugada da favela não existem leis, Talvez a lei do silêncio, a lei do cão talvez. Vão invadir o seu barraco, "é a polícia"! Vieram pra arregaçar, cheios de ódio e malícia, Filhos da puta, comedores de carniça! Já deram minha sentença e eu nem tava na "treta", Não são poucos e já vieram muito loucos. Matar na crocodilagem, não vão perder viagem, Quinze caras lá fora, diversos calibres, E eu apenas com uma "treze tiros" automática. Sou eu mesmo e eu, meu Deus e o meu Orixá. No primeiro barulho, eu vou atirar. Se eles me pegam, meu filho fica sem ninguém, E o que eles querem: mais um "pretinho" na febém. Sim, ganhar dinheiro ficar rico enfim, A gente sonha a vida inteira e só acorda no fim, Minha verdade foi outra, Não dá mais tempo pra nada... bang! bang! bang! “Homem mulato aparentando entre vinte e cinco e trinta anos é encontrado morto na estrada do M'Boi Mirim sem número. Tudo indica ter sido acerto de contas entre quadrilhas rivais.Segundo a polícia, a vitíma tinha "vasta ficha criminal."
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ANEXO 2
Letra: Tô ouvindo alguém me chamar Autor: Racionais MC’S Álbum: Sobrevivendo no Inferno Ano: 1997 ("Aí mano, o Guina mandou isso aqui pra você") Tô ouvindo alguém gritar meu nome Parece um mano meu, é voz de homem. Eu não consigo ver quem me chama É tipo a voz do Guina. Não, não, não, o Guina tá em cana. Será? Ouvi dizer que morreu. Sei lá! Última vez que eu o vi, eu lembro até que eu não quis ir, Ele foi, parceria forte aqui era nós dois Louco, louco, louco e como era Cheirava pra caralho, (vixe) sem miséria Todo ponta firme, foi professor no crime Também mó sangue frio, não dava boi pra ninguém Puta aquele mano era foda! Só moto nervosa, só mina da hora, só roupa da moda Deu uma pá de blusa pra mim Naquela fita na butique do Itaim Mas sem essa de sermão, mano, eu também quero ser assim Vida de ladrão não é tão ruim! Pensei, entrei. No outro assalto eu colei e pronto Aí o Guina deu mó ponto: - Aí é um assalto, todo mundo pro chão, pro chão...! - Aí filho-da-puta, aqui ninguém tá de brincadeira não! - Mais eu ofereço o cofre mano, o cofre, o cofre..... - Vamo lá que o bicho vai pegar! Pela primeira vez vi o sistema aos meu pés Apavorei, desempenho nota dez Dinheiro na mão, o cofre já tava aberto O segurança tentou ser mais esperto Foi defender o patrimônio do playboy (tiros) Não vai dar mais pra ser super-herói! Se o seguro vai cobrir (Ha! Ha!), foda-se, e daí ? O Guina não tinha dó: se reagir, Bum!, vira pó. Sinto a garganta ressecada E a minha vida escorrer pela escada Mas se eu sair daqui eu vou mudar Eu to ouvindo alguém me chamar Tinha um maluco lá na rua de trás que tava com moral até demais Ladrão, e dos bons. Especialista em invadir mansão
Comprava brinquedo a reviria, Chamava a molecada e distribuía Sempre que eu via ele tava só O cara é gente fina mas eu sou melhor Eu aqui na pior, ele tem o que eu quero: Jóia escondida e uma 380(três oito zero) No desbaratino ele até se crescia Se pan, ignorava até que eu existia Tem um brilho na janela, é então A bola da vez, tá vendo televisão (Psiu....Vamo, vai, entrando) Guina no portão, eu e mais um mano "- Como é que é neguinho?" Se dirigia a mim, e ria, ria, como se eu não fosse nada Ria, como fosse ter virada Estava em jogo, meu nome e atitude. (tiros) Era uma vez Robin Hood. Fulano sangue-ruim, caiu de olho aberto Tipo me olhando, eh, me jurando Eu tava bem de perto e acertei uns seis O Guina foi e deu mais três. Lembro que um dia o Guina me falou Que não sabia bem o que era amor Falava quando era criança, uma mistura de ódio, frustração e dor De como era humilhante ir pra escola Usando a roupa dada de esmola De ter um pai inútil, digno de dó Mais um bêbado, filho da puta e só. Sempre a mesma merda, todo dia igual Sem feliz aniversário, Páscoa ou Natal Longe dos cadernos, bem depois A primeira mulher e o 22, Prestou vestibular no assalto do busão Numa agência bancária se formou ladrão Não, não se sente mais inferior Aí neguinho, agora eu tenho o meu valor Guina, eu tinha mó admiração, ó Considerava mais do que meu próprio irmão, ó Ele tinha um certo dom pra comandar Tipo, linha de frente em qualquer lugar Tipo, condição de ocupar um cargo bom e tal talvez em uma multinacional. É foda... Pensando bem que desperdício Aqui na área acontece muito disso Inteligência e personalidade Mofando atrás da porra de uma grade Eu só queria ter moral e mais nada Mostrar pro meu irmão, pros cara da quebrada. Uma caranga e uma mina de esquema Algum dinheiro resolvia o meu problema O que eu tô fazendo aqui? Meu tênis sujo de sangue, aquele cara no chão Uma criança chorando e eu com um revolver na mão
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Era um quadro do terror, e eu que fui o autor Agora é tarde, eu já não podia mais Parar com tudo, nem tentar voltar atrás Mas no fundo, mano, eu sabia Que essa porra ia zoar a minha vida um dia Me olhei no espelho e não reconheci Estava enlouquecendo, não podia mais dormir Preciso ir até o fim Será que Deus ainda olha pra mim? Eu sonho toda madrugada Com criança chorando e alguém dando risada Não confiava nem na minha própria sombra Mas segurava a minha onda Sonhei que uma mulher me falou, eu não sei o lugar Que um conhecido meu (quem?) ia me matar Precisava acalmar a adrenalina Precisava parar com a cocaína Não to sentindo meu braço Nem me mexer da cintura pra baixo Ninguém na multidão vem me ajudar? Que sede da porra, eu preciso respirar! Cadê meu irmão? Eu to ouvindo alguém me chamar Nunca mais vi meu irmão Diz que ele pergunta de mim, não sei não A gente nunca teve muito a ver, outra idéia, outro rolê Os malucos lá do bairro Já falava de revolver, droga, carro Pela janela da classe eu olhava lá fora A rua me atraia mais do que a escola Fiz 17, tinha que sobreviver Agora eu era um homem, tinha que correr No mundão você vale o que tem Eu não podia contar com ninguém Cuzão,fica você com seu sonho de doutor! Quando acordar cê me avisa, morô? Eu e meu irmão era como óleo e água Quando eu sai de casa trouxe muita mágoa Isso há mais ou menos seis anos atrás Porra, mó saudade do meu pai! Me chamaram para roubar um posto Eu tava duro, era mês de agosto Mais ou menos três e meia, luz do dia Tudo fácil demais, só tinha um vigia Não sei, não deu tempo, eu não vi, ninguém viu Atiraram na gente, e um moleque caiu Prometi pra mim mesmo, era a última vez... Porra, ele só tinha 16! Não, não, não, tô afim de parar Mudar de vida, ir pra outro lugar Um emprego decente, sei lá, talvez eu volte a estudar Dormir a noite era difícil pra mim Medo, pensamento ruim Ainda ouço gargalhadas, choro, vozes A noite era longa, mó neurose Tem uns malucos atrás de mim
Qual que é? Eu nem sei. Diz que o Guina tá em cana e eu que cagüetei Pô, logo quem, logo eu, olha só, ó! Que sempre segurei os B.O.! Não, eu não sou bobo, eu sei qual é que é! mas eu não to com esse dinheiro que os cara quer Maior que o medo, o que eu tinha era decepção A trairagem, a pilantragem, a traição Meus aliado, meus mano, meus parceiro Querendo me matar por dinheiro Vivi sete anos em vão Tudo que eu acreditava não tem mais razão, não... Meu sobrinho nasceu, diz que o rosto dele é parecido com o meu Eh, diz... um pivete eu sempre quis Meu irmão merece ser feliz Deve estar a essa altura bem perto de fazer a formatura Acho que é direito, advocacia Acho que era isso que ele queria Sinceramente eu me sinto feliz Graças a Deus, não fez o que eu fiz Minha finada mãe, proteja o seu menino O diabo agora guia o meu destino Se o júri for generoso comigo: Quinze anos para cada latrocínio... Sem dinheiro pra me defender Homem morto, cagueta, sem ser Que se foda, deixa acontecer Não há mais nada a fazer. Essa noite eu resolvi sair Tava calor demais, não dava pra dormir Ia levar meu canhão, sei lá, decidi que não É rapidinho, não tem precisão Muita criança, pouco carro, vou tomar um ar Acabou meu cigarro, vou até o bar ( E aí, como é que é, e aquela lá ó?) To devagar, to devagar. Tem uns baratos que não dá pra perceber Que tem mó valor e você não vê Uma pá de árvore na praça, as criança na rua O vento fresco na cara, as estrela, a lua Dez minutos atrás, foi como uma premonição Dois moleques caminhando em minha direção Não vou correr, eu sei do que se trata Se é isso que eles querem Então vem, me mata! Disse algum barato pra mim que eu não escutei Eu conhecia aquela arma, é do Guina, eu sei! Uma 380 prateada, que eu mesmo dei Um moleque novato com a cara assustada ("Aí mano, o Guina mandou isso aqui pra você") Mas depois do quarto tiro eu não vi mais nada Sinto a roupa grudada no corpo Eu quero viver Não posso estar morto! Mas se eu sair daqui eu vou mudar Eu tô ouvindo alguém me chamar.
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ANEXO 3
Letra: Diário de um detento Autor: Racionais MC’S Álbum: Sobrevivendo no Inferno Ano: 1997 São Paulo, dia 1º de outubro de 1992, 8h da manhã. Aqui estou, mais um dia. Sob o olhar sanguinário do vigia. Você não sabe como é caminhar Com a cabeça na mira de uma HK. Metralhadora alemã ou de Israel. Estraçalha ladrão que nem papel. Na muralha, em pé, mais um cidadão José. Servindo o Estado, um PM bom. Passa fome, metido a Charles Bronson. Ele sabe o que eu desejo. Sabe o que eu penso. O dia tá chuvoso. O clima tá tenso. Vários tentaram fugir, eu também quero. Mas de um a cem, a minha chance é zero. Será que Deus ouviu minha oração? Será que o juiz aceitou a apelação? Mando um recado lá pro meu irmão: Se tiver usando droga, tá ruim na minha mão. Ele ainda tá com aquela mina. Pode crer, moleque é gente fina. Tirei um dia a menos ou um dia a mais, sei lá... Tanto faz, os dias são iguais. Acendo um cigarro, e vejo o dia passar. Mato o tempo pra ele não me matar. Homem é homem, mulher é mulher. Estuprador é diferente, né? Toma soco toda hora, ajoelha e beija os pés, E sangra até morrer na rua 10. Cada detento uma mãe, uma crença. Cada crime uma sentença. Cada sentença um motivo, uma história De lágrima,sangue, vidas e glórias, Abandono, miséria, ódio, sofrimento, Desprezo, desilusão, ação do tempo. Misture bem essa química. Pronto: eis um novo detento Lamentos no corredor, na cela, no pátio. Ao redor do campo, em todos os cantos. Mas eu conheço o sistema, meu irmão, hã... Aqui não tem santo. Rátátátá... preciso evitar que um safado faça minha mãe chorar. Minha palavra de honra me protege pra viver no país das calças bege. Tic, tac, ainda é 9h40.
O relógio da cadeia anda em câmera lenta. Ratatatá, mais um metrô vai passar. Com gente de bem, apressada, católica. Lendo jornal, satisfeita, hipócrita. Com raiva por dentro, a caminho do centro. Olhando pra cá, curiosos, é lógico. Não, não é não, não é o zoológico Minha vida não tem tanto valor Quanto seu celular, seu computador. Hoje, tá difícil, não saiu o sol. Hoje não tem visita, não tem futebol. Alguns companheiros têm a mente mais fraca. Não suportam o tédio, arruma quiaca. Graças a Deus e à Virgem Maria. Faltam só um ano, três meses e uns dias. Tem uma cela lá em cima fechada. Desde terça-feira ninguém abre pra nada. Só o cheiro de morte e Pinho Sol. Um preso se enforcou com o lençol. Qual que foi? Quem sabe? Não conta. Ia tirar mais uns seis de ponta a ponta (...) Nada deixa um homem mais doente Que o abandono dos parentes. Aí moleque, me diz: então, cê qué o quê? A vaga tá lá esperando você. Pega todos seus artigos importados. Seu currículo no crime e limpa o rabo. A vida bandida é sem futuro. Sua cara fica branca desse lado do muro. Já ouviu falar de Lucífer? Que veio do Inferno com moral. Um dia... no Carandiru, não... ele é só mais um. Comendo rango azedo com pneumonia... Aqui tem mano de Osasco, do Jardim D'Abril, Parelheiros, Mogi, Jardim Brasil, Bela Vista, Jardim Angela, Heliópolis, Itapevi, Paraisópolis. Ladrão sangue bom tem moral na quebrada. Mas pro Estado é só um número, mais nada. Nove pavilhões, sete mil homens. Que custam trezentos reais por mês, cada. Na última visita, o neguinho veio aí. Trouxe umas frutas, Marlboro, Free... Ligou que um pilantra lá da área voltou. Com Kadett vermelho, placa de Salvador. Pagando de gatão, ele xinga, ele abusa Com uma nove milímetros embaixo da blusa. Brown: "Aí neguinho, vem cá, e os manos onde é que tá? Lembra desse cururu que tentou me matar?" Blue: "Aquele puta ganso, pilantra corno manso. Ficava muito doido e deixava a mina só. A mina era virgem e ainda era menor. Agora faz chupeta em troca de pó!"
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Brown: "Esses papos me incomoda. Se eu tô na rua é foda..." Blue: "É, o mundo roda, ele pode vir pra cá." Brown: "Não, já, já, meu processo tá aí. Eu quero mudar, eu quero sair. Se eu trombo esse fulano, não tem pá, não tem pum. E eu vou ter que assinar um cento e vinte e um." Amanheceu com sol, dois de outubro.Tudo funcionando, limpeza, jumbo. De madrugada eu senti um calafrio. Não era do vento, não era do frio. Acertos de conta tem quase todo dia. Tem outra logo mais, eu sabia. Lealdade é o que todo preso tenta. Conseguir a paz, de forma violenta. Se um salafrário sacanear alguém, Leva ponto na cara igual Frankestein Fumaça na janela, tem fogo na cela. Fudeu, foi além, se pã!, tem refém. Na maioria, se deixou envolver Por uns cinco ou seis que não têm nada a perder. Dois ladrões considerados passaram a discutir. Mas não imaginavam o que estaria por vir. Traficantes, homicidas, estelionatários. Uma maioria de moleque primário. Era a brecha que o sistema queria. Avise o IML, chegou o grande dia. Depende do sim ou não de um só homem. Que prefere ser neutro pelo telefone. Ratatatá, caviar e champanhe. Fleury foi almoçar, que se foda a minha mãe! Cachorros assassinos, gás lacrimogêneo... quem mata mais ladrão ganha medalha de prêmio! O ser humano é descartável no Brasil. Como modess usado ou bombril. Cadeia? Claro que o sistema não quis. Esconde o que a novela não diz. Ratatatá! sangue jorra como água. Do ouvido, da boca e nariz. O Senhor é meu pastor... Perdoe o que seu filho fez. Morreu de bruços no salmo 23, Sem padre, sem repórter. Sem arma, sem socorro. Vai pegar HIV na boca do cachorro. Cadáveres no poço, no pátio interno. Adolf Hitler sorri no inferno! O Robocop do governo é frio, não sente pena. Só ódio e ri como a hiena. Ratatatá, Fleury e sua gangue Vão nadar numa piscina de sangue. Mas quem vai acreditar no meu depoimento? Dia 3 de outubro, diário de um detento.
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ANEXO 4
Letra: A história de um traficante Autor: Facção Central Álbum: Estamos de Luto Ano: 1997 Me recordo de uns anos atrás dos tempos de criança O sonho dos brinquedos, a inocência ingenuidade, a minha infância O mundo lindo na ponta do dedo O futebol na quebrada brincadeiras mil risadas Valia mais que qualquer dinheiro Nem me liga no desespero que me rondava Uma coroa chorando de canto depositando na sua oração A ultima esperança em cada palavra Mal me importava se no prato dificilmente Havia carne, salada ou um rango suficiente Ou se o refrigerante era so em festa de vizinho ou na minha mente Ou no olhar em qualquer bar no copo dos outros como sempre Ainda me lembro como a feira da goma era repetitiva Todo domingo frutas estragadas tiradas do chão ate apodrecidas Uma cama, uma tv preto e branco, um fogão Um quarto dois por dois E uma familia dividindo seus centímetros pelo chão Na escola o motivo de risadas Olhar de nojo pode crê ladrão Eu tinha algo muito engraçado As minhas roupas velhas e humildes Ou o meu tênis sola descolada destacando-se nos incontáveis, Inúmeros buracos A lista de material sempre foi um tiro de PT Preço maldito, um caderno pequeno, um lápis é o máximo que eu podia ter Era natal e a bicicleta dos meu sonhos não chegou Papai noel era um playboy que a gente enquadrou No ano novo tava aí o meu presente, não desceu pela chaminé Busquei com varias no pente Se pá já tinha me empapuçado Daquela goma inundada com água de esgoto Daquele prato só de enfeite ali do meu lado Eu mal tinha nascido só que já era hora de fazer o meu futuro ou meu enterro No fim eu vejo se tem lágrimas, eu vejo quem chora O cardápio é recheado de caminhos: traficantes,
ladrão, viciado Mais só um destino! Outro menino que devia ir pra escola Outro menino que devia esta jogando bola Não derretendo no cachimbo a sua historia Nunca mais brinquedo, sonhos alegrias O céu agora é inferno, tático, revolver, paranóias, gramas e cocaína Tênis importado, dinheiro, relógio. Uma 9 na sinta agora essa é minha vida Adiantei meu velório O moleque tava ali, ninguém olhou até escorrer o sangue Criaram um demônio e esse é seu inferno, essa é sua historia... A historia de um traficante A historia de um traficante. Uma historia com morte no fim A historia de um traficante No meu velório reze por mim É impossível não dizer que estou crescendo a olhos vistos Me montando no dinheiro, nos artigos Também nos inimigos Minha cabeça está a premio querem o que é meu O moleque cresceu e do cardápio traficante foi o que ele escolheu Tomei de assalto a quebrada já faz um tempo Sem miséria tem pedra, tem do branco a vontade, tem do preto Vários funcionários um em cada esquina Fui coroado o rei daqui, o dono da cocaína Mês que vem lançou um carro e nem é necessário Vídeo cassete, tv, som, pra mim é tudo descartável Basta estalar os dedos, vem como um ímã Cai do céu, chove noite e dia pra mim Só tenho que definir o valor, quando é, em papel Eu só o Deus e os viciados são meus seguidores Sou o demônio e os nóias são as minha almas As vadias fazem fila na minha porta Um de 5, um de 10 por um foda Os meus amigos de infância estão no osso, só o pó Que triste imagem Quantos estão no veneno? Na cadeia? Na busca do meu crack? Semana passada em um velório eu parei pra pensar Sem minha droga esse moleque que eu vi nasce não estaria lá Eu fui olhado com ódio nem pode dar meus sentimentos
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Uma tático descarregou sem dó, por um papel, quantos ferimentos Chorei por dentro é esse o lado ruim Cocaína com bicarbonato, dinheiro dobrado mais um triste fim Eu enveneno porque fui envenenado Sou conseqüência de um vidro no farol fechado, de migalhas no prato Não sou o primeiro e nem o ultimo do mundo E se não fosse traficante Com certeza seria um mendigo morrendo em qualquer viaduto Eu preferi envenenar ao invés de comer lixo Se eu sou demônio desse inferno tenho vários cúmplices comigo É isso aí eu me levanto fodendo os outros Pago acerto pra policia compro minha liberdade e a minha morte aos poucos O moleque estava ali ninguém olhou até escorrer o sangue Criaram um demônio e esse é seu inferno, essa é sua historia A historia de um traficante Hoje o dia amanheceu nublado La na esquina mal vejo bem mais tem um carro Ontem não foi um bom dia não teve lucro Um vacilão não segurou, lançou a boca, apreenderam tudo Pela primeira vez na vida Deus viu meu lado Eu consegui dar fuga, me joguei pelos muros fugir pelos telhados Toda farinha pedra e armamento, tudo já era Destruíram minha goma, zuaram minha familia que merda O carro la da esquina dar a partida se aproxima e agora? Vários revólveres na cara engatilhados, chegou a hora É um gambé da minha folha de pagamento Querendo o seu da semana explicação não conta só lamento Até a meia noite é o prazo. Sem o dinheiro amanhã tem velório e adivinha quem é o finado? Só criei inimigos na porra dessa vida Agora quem estende a mão pro rei da cocaína? Será quem vão me envenenar com o meu próprio veneno? São 9 horas, não vendi nada nem levantei o terço do dinheiro Já acendi a minha vela, já fiz a minha oração Eu não dei fuga da fome pra qualquer prego me
manda pro caixão Relembro minha familia, todo veneno, tretas, Tudo que eu atropelei Uma vida no lixo. É impossível voltar daqui do lugar que eu cheguei Já entopi minha PT até a boca Na hora certa o primeiro tiro na cabeça define quem segue nessa porra Infelizmente já chegou a hora é outra meia noite em ponto comum pra nós E o demônio estende a sua mão em forma de um carango preto Com vários fulanos, morrer é em segundos numa fração Vários fulanos sedentos de sangue Armados de PT, oitão. Jogando varias de 12, um na cabeça, um no peito e um no rosto. E a criança miserável que perdeu na vida Foi resumida a apenas um outro corpo O sangue escorre pela calçada E a mãe de um moleque que morreu nas drogas Num um gesto humano, com um jornal cobre a minha cara Serei mais um inquérito em qualquer DP Jamiais lembrado, nunca apurado, esquecido Aqui se cria o demônio depois se abate nas cadeias, nas favelas Com rajadas de tiros É outra historia de um outro pobre brasileiro Não interessa o caminho é sempre o mesmo destino Caixão, polícia, tiro, enterro O rabecão do IML muito tempo depois vem chegando Jogado como um lixo pra dentro A ultima folha da historia de um traficante... vai se virando
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ANEXO 5
Letra: Recanto Obscuro de Uma Existência Autor: Consciência X Atual Álbum: Tráfico de Idéias Ano: 1996 Esteja em paz aonde estiver Esteja em Paz Esteja em Paz Esteja em paz aonde estiver Esteja em Paz O palco de guerra, miséria, o medo impera O resumo submisso onde não existem regras Habitado por um povo que tira de letra Com muito orgulho sou um filho da periferia não se esqueça Aqui os privilégios sempre foram limitados Simplicidade é o dilema a qual fui educado Aos poucos vou compreendendo a ideologia, incentivo ocultado Aprendizado escasso A moradia é sem luxo, a casa é bem humilde O rapaz é abalado com o divórcio dos seus pais E como herança a família o desejava um berço hereditário Chamado honestidade mas pelo contrário O sonho de se destaca na vida Predominava não era simples ambição Era necessidade Dinheiro, carro e uma bela casa Status financeiro respeitado na comunidade Gírias de ladrão, mano, tretas do mundão Proceder malicioso já frequentava a função Não tinha tempo nem cabeça pra escola O pensamento paga-pau do mal E muita pretensão É foda O bê-a-bá do crime e as leis do cão Lição da rua, um sistema intransigente Praticamente iniciava sua auto-destruição Um passaporte para o inferno Eu vi o seu começo, eu me lembro desta época Derivados de tal moda, boné e bicicleta Altas motos na sequencia, profissional eficiente Um cinco cinco cinco sete enquadro competente Apetitoso não subestimava Queria ser o mais periculoso da quebrada Tantos pecados a serem pagos Tamanha penitência Recanto obscuro de uma existência Esteja em paz a onde estiver Esteja em Paz Esteja em Paz
Esteja em paz a onde estiver Esteja em Paz Durante muito tempo Problemas rotineiros A polícia no encalço, já não tinha mais sossego Um PM lá da área era seu espinho O desafio, a crocodilagem no caminho De certa forma se tornava um alvo imobilizado Na cabreiragem um refúgio intocado Na malandragem uma entrada comemorativa Infelizmente um labirinto sem saída Por vingança se tornou um homicida Não suportou a ver seu mano ser covardemente assassinado Justiça feita, tendo aceitado Mas no desfecho descobriu que era capaz de matar Eu tô ligado, e mataria novamente se fosse preciso Bicho solto, instinto de matador Encomendou a sua alma e não se arrependia disso Sangue frio Sem remorso, paga-pau do horror HÁ Inicia a sua vida criminal A sombra da maldade a curto prazo pode ser fatal E não temia o versículo mais conhecido Quem fere com ferro, com ferro será ferido Pela primeira vez encarcerou na Detenção Alguns meses na FEBEM , que perrê Hãm O ódio alimentava sua ilusão Não se arrependeu de seus pecados Por outro lado Quando sua liberdade foi cantada A ganância já o controlava É tudo ou nada! Suas palavras francamente me espantavam Conselhos positivos não adiatavam Foi aí que se entrutou se afundou na ignorância Comércio ilegal, falsa esperança O tráfico de drogas realizaria os sonhos de criança Esteja em paz aonde estiver Esteja em Paz Esteja em Paz Esteja em paz aonde estiver Esteja em Paz Sucessão de dias, meses imita-se o cenário Destaque no comércio Fazia mó sucesso A freguesia, aglomeração de usuários Hã, dia e noite o consumo é fora do sério Fundo do poço, viciados na destruição A consciência tá tranquila mano sangue bom! Periferia o baralho ponto a cima O crack é o rei, a cocaína é a rainha
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Adivinha queria pouco mas era ambicioso Não se contentava com o que já tinha, eu via Nos seus olhos refletia um brilho insaciável Insatisteito a permanência inevitável Viver a vida inteira atrás de correria Facilmente a previsão de um destino pertubado Limitado, escravo de uma teoria irredutível Seu pensamento já estava irreconhecível Em pouco tempo o mano já estava montado Ele fez a sua cara, andava bem armado Grossos calibres Automática e matraca Aliados por todo lado considerado Muito dinheiro o ano inteiro vejam só Os seus bens conquistados as custa de casqueiros Talvez ousado a subestimar a competição Uma pá de cara crescia o olho então Entrou em guerra com a concorrência, com várias bocadas Queria mesmo o total domínio da quebrada Várias rajadas na mira do inimigo Não, não há saída desse labirinto Estava escrito Quem tá dentro não sai e um dia a casa cai Te digo mais por ferro em brasa, a hora da verdade No pé da letra a culpabilidade ou a inocência Recanto obscuro de uma existência Esteja em paz aonde estiver Esteja em Paz Esteja em Paz Esteja em paz aonde estiver Esteja em Paz Recanto obscuro, liberdade contestada Quem lhe garante a existência prolongada? Futuro inseguro que irá acontecer Preceito principal a lei do cão: Matar pra não morrer Trocou bala com espinho eu sei que é embassado Não foi ao chão alvo mal direcionado O PM escamoso ascendeu pesando a sua Recompensa vivo ou morto Filhos da puta a procura Desnorteado desorientado O pensamento tão confuso Indeciso, coragem e medo Resumo de uma vida sem sossego O crime financia o seu sonho Depois cobra um alto preço Ele ligou numa qual foi a razão Me diga, se estava em ascensão nada justifica aí Tempo esgotado teoria irrevogável Segundos que não voltam, foi precipitado Tempra tomado de assalto viaturas acionadas
Enquadro inevitável, a fuga já tá dominada G.P.P.E. a sigla cerco para todo lado Tribunal fatal já tô ligado Depoimento a mídia A polícia alega auto-defesa Pretexto, julgado e condenado ali mesmo Sem testemunho a crocodilagem Revolta a Zona Norte Setenciado a pena de morte Infelizmente extrema face de um sistema injusto No peito eu sinto um odio eu vejo a função de luto Família destruída exemplo de um final maldito Não estou surpreso, é rotineiro, é queima de arquivo Que sirva de lição aos que restaram Impunidade, fatalidade, dramaticidade mas Deus é meu testemunho, é juiz desse processo É a ele que eu peço justiça e paz Esteja em paz aonde estiver Esteja em Paz Esteja em Paz Esteja em paz aonde estiver Esteja em Paz
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ANEXO 6 Letra: Lembranças Autor: Consciência Humana Álbum: Entre a adolescência e o crime Ano: 1998 Ei W DEE eu estou com saudade do meu mano; Em uma noite dessas ele apareceu no meu sonho; Com um ar diferente, parecia estar contente; Com seu novo lar, com o seu novo lar; Que pena que ele se foi a uma outra noite dessas; Quando eu me lembro dessa noite o sentimento se quebra; Quando a notícia chegou lá em casa todos choravam; E eu simplesmente com um nó na garganta e uma cede de vingança. Ei APLICK a vingança é o pecado, o pecado é o medo da morte; A morte é a vingança que de surpresa dá o bote; E ele foi 1 entre 1000 que naquela noite levou um bote da vida; É triste pra família, mas eu no seu lugar não me culparia; Pois agindo assim não ajudaria em nada e na sua casa; Alguém precisa de um incentivo, é com você amigo, é com você amigo; Eu sei que não é fácil, mas temos que nos acostumar; E não nos culpar dos fatos ocorridos, contrariar o destino; Além do mais há muito tempo que ele partiu deste mundo, flutuava no escuro; E que Deus o tenha em um bom lugar; E onde quer que ele esteja eu espero que ele esteja; Com a paz que eu sempre sonhei. Como ele foram vários eu sei, mas não acreditei; Talvez eu fracassei no apoio que dei; O crack foi mais forte que as boas palavras; Conselhos de mãe, irmãos e amigos não lhe valeram nada; Ele não nos escutou, fracassou e o apoio não bastou; E o crack superou e dominou seu cérebro; E o por que disso tudo eu quero, e o por que disso tudo eu quero. Me fala, me fala, me fala; Por que tem que ser assim. A lembrança do passado nos torna uma penitência;
É que quando lembramos das vítimas; Das balas perdidas, do crack e da cocaína; E da inocência das pessoas que moram na periferia; Por ter um dia marcado e ter a noite perdida; De dia é os planos de furto que nos rodeiam; É um distúrbio mental, a morte cerebral; É o desaparecer do ser humano; São pessoas boas que estão se tranformando em pessoas más; Não posso acreditar que se deixou levar; A ponto de pelo crack estar dominado; Foram 26 anos perdidos em poucas horas; E pelo crack você ignorou a sua própria vitória; Ei cara, quando eu me lembro das suas palavras; Dos seus planos de vida, das nossas idéias trocadas; Das noites de sorriso e das baladas geladas; Em que comigo você se preocupava; Você me dizia pra não entrar nas paradas erradas; E que me afastasse das drogas e das armas; Que eram uma jogada macabra; E que o mundo pro criminoso era escuro; E que não era futuro pra mim; Pra eu seguir os seus conselhos e não os seus caminhos; Por que onde morreram as rosas ficaram os espinhos; E quem não tem bom aliado anda sempre sozinho; Pra não ser queima de arquivo, não ser queima de arquivo; Eu ouvi seus conselhos, mas você fracassou; Em um balada gelada o crack te dominou; E os seus planos de vida você ignorou; Dizendo que o crack superou suas palavras; E na noite andava como uma alma penada; E no meio de campo com muitos outros; Fazia parte da jogada macabra, a noite passava; E a saudade das pessoas provocam as lágrimas. Me fala, me fala, me fala; Por que tem que ser assim. “Ei mano por essa fase da vida; Todo mundo têm que passar; Por que a morte faz parte da vida; E eu facilitei a minha; E o destino não me escolheu pro bote.” E as perguntas que me faço se referem á você; Eu não consigo entender por que; Você opinou por esse lado da vida; Sua família chora a sua morte; A saudade bate forte, o destino te escolheu pro bote; É foda a saudade cara, ás vezes na madrugada;
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Me lembro das baladas, das idéias, dos rastros de lágrimas; Que corriam de preocupação; De um com o outro e o conviver dos nossos outros irmãos; Você se lembra cara das nossas idéias somente em mágoas passadas; E os conselhos que você me dava; Por ter vivido tal experiência, não me cabia esse tipo de convivência; Por isso o motivo da sua morte pra mim não foi convincentes; Usou demais o nariz e a boca e se esqueceu da mente, infelizmente; Naquela madrugada você no canto da sala; A sua hora chegava, a morte se aproximava; E de nós para sempre ela o levava; Viagem é viagem, pra muitos o crack é uma viagem; Mas pro Consciência Humana não; E pra aqueles que são conscientes também não. Ei APLICK não é legal você ficar se martirizando; O tempo vai passando e eu estou ligado que é foda; Mas a gente suporta, é você e os que ficaram é que nos importam. É W DEE, mas ele era um irmão meu. Ei mano ele é, mas desse mundo não é mais; Ele morreu infelizmente esse foi o destino que ele escolheu; Fora de tudo em um outro mundo; Deixou o subúrbio, acabou o consumo; DIGA NÃO AO CRACK!
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ANEXO 7 Letra: Política Autor: Athalyba e a Firma Álbum: De política em política Ano: 1992 Nossa vida mais e mais ficando crítica Basta olhar que você vê que a vida cívica Deteriora tanto quanto a coisa pública Quanto choro, quanta fome, quanta suplica Quanto nojo de saber que gente estúpida De mamatas vão vivendo na república chegou lá sem declarar riqueza subita Joga o jogo de enganar postura física De enganar figura lá postura cênica Vem política estúpida e anêmica Vem política raquítica, cínica Choque vai, inflação vem de forma cíclica Nem precisa consultar a estatística Pois de fato a gente sente a vida rústica Que não há como mudar o tom da música Pois vai mudar, vai melhorar, vai ficar nítida Sua alegria de viver será explícita Nos palanques bem montados, boa acústica São patéticas promessas de política Essa política gerando gente cínica povo mais cada vez ficando cético Gabiru será um dia milimétrico São escândalos, processos quilométricos São seqüestros, falcatruas sem inquéritos Ser parente se promove pelo mérito Superfaturada a compra, coisa ilícita Divulgado o resultado da balística Só se tinha um tiro certo para o céfalo Deram dois na inflação, efeito ínfimo Galopante volta a fera, segue o ritmo Qual doença degradando o corpo aidético Então o político declara ser o médico Diagnostica que a cura é pelo empréstimo Com certeza vai querer morder o dízimo E ao problema ele receita um analgésico E toda verba vai pro bolso dos corruptos E todo o povo ajoelhado ante o púlpito Ora a deus, pede luz para o facínora Encarnado na figura do publícola. Avanço no futuro, cibernética Com videogame, disc-laser, informática Mili-dados vão na fita magnética E essa política atrasando o sul da América Demagogia se tornando vida prática
Recessão na economia mais estática A gente não sabemos nem uma gramática E na saúde como a coisa está dramática Se ganho vinte: noves-fora, matemática Lá vai imposto numa construção lunática Teve debate na TV caiu na sátira Lobbies lobos lambem lá de forma sádica Outros bobos querem resolver na mágica Alguns acharam a solução compondo máximas Outros já preferem agir de forma tácita E tudo via se aprofundando na retórica E de política o povo está com cólicas E vai levando na sua vidinha módica Quando o que dá risadas, sente cócegas Do salário de miséria, coisa cômica Parlamentarismo, monarquia ou republica Muda o nome e terão todos forma única Se não mudar a mentalidade lúdica, modo de se encarar a coisa pública Enquanto isso a esperança mais umbrícola Secando a roupa no varal ainda úmida sol batendo numa gota d'água fúlgida, Que será de nós e de nosso habitat ... Suando as mãos nós limparemos a política A inflação é conseqüência desse cólera E todo mal que nos assola é uma alíquota Cujo montante principal é a política Essa política sem lógica, sem nexo Essa política do próprio paradoxo Essa política larica mais que tóxico Essa política do fight bem no plexo Essa política que não respeita sexo Essa política perdida em circunflexo Essa política mentiras em anexo Essa política do choque heterodoxo
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FOTOGRAFIAS158
ANEXO 8
158 Todas as fotografias foram gentilmente cedidas por King Nino Brow. Uma das figuras mais importantes na difusão do Hip Hop no Brasil. Pioneiro ao lado de personalidades como Nelson Triunfo e Thaíde, Nino Brown é o principal representante da maior organização de Hip Hop do Mundo, a Zulu Nation, aqui no Brasil. Além disso, possui o maior acervo histórico sobre Hip Hop no país.
Figura 1: Black Panther (Panteras Negras), uma grande referência das lutas políticas dos negros estadunienses. Tiveram bastante influência na concepção do Hip Hop enquanto movimento político.
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ANEXO 9
Figura 2: Gafite de DJ Kool Herc. Chamado pelos hip-hoppers de pai do Hip Hop, ele foi quem trouxe as primeiras técnicas da Jamaica, utilizadas pelos DJ’s na realização de suas festas.
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ANEXO 10
Figura 4: África Bambaata nas ruas do Bronx. Um dos pioneiros na cultura Hip Hop.
Figura 5: Bambaata nos toca-discos de suas grandes festas no Bronx.
Figura 3: Os membros do Hip Hop se organizavam nas suas atividades e disputas através de suas gangues ou crew’s. Esta é a Savage Skulls, ex gangue do Kool Herc.
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ANEXO 11
Figura 6: DJ GrandMaster Flash completa o trio das três figuras consideradas mais importantes para a difusão da cultura no Bronx dos anos 70. Do lado direito o álbum considerado um divisor de águas entre a velha e a nova escola. A partir desse álbum The Message de 1982, o rap passou a assumir em suas composições uma atitude mais contestadora.
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ANEXO 12
Figura 7: Adeptos e realizadores do hip Hop no decadente bairro do Bronx.
Figura 8: Do lado esquerdo, a gangue New York City Breakers; na direita a gangue Rock Steady Crew. Duas das mais importantes gangues de break dance do Bronx. Nos anos 80 estas duas construíram a maior rivalidade dentro na história do break dance.
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ANEXO 13
Figura 9: Dois grupos que tiveram grande destaque para a história fonográfica do rap. Ao lado esquerdo o grupo Sugar Hill Gang, responsáveis pela primeira gravação de um rap, com a clássica e polêmica Rappers Delight, que no Brasil era conhecida como “melo de tagarela”. Já do lado direito a dupla RUM-DMC, responsáveis pelo primeiro boom do rap com o disco Raising Hell de 1986 que vendeu cerca de dois milhões de discos e contou com a participação da banda Aerosmith.
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ANEXO 14
Figura 10: Public Enemy talvez tenha sido o grupo de rap mais influente da new school americana. O grupo deu uma cara diferente para o rap, através de um discurso duro e direcionado a atacar o sistema e os valores norte-americanos. Foi através das imagens veiculadas em seus video-clipes que alguns rappres brasileiros conheceram figuras como os líderes negros americanos, como Malcom X e Martin Luther King e o Black Panther.
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ANEXO 15
Figura 11: Baile black na sede Vila Vivaldi. O Hip Hop brasileiro tem uma profunda ligação com os bailes blacks que rolavam na capital paulista, os dançarinos de soul e funk desses bailes vão também ser os primeiros breakers das ruas e praças da cidade.
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ANEXO 16
Figura 12: Os bailes e festas blacks eram verdadeiros fenômenos na capital paulista. Grande equipes de som, como a Chic Show, organizavam festas semanais, além de show’s periódicos com artistas nacionais e internacionais. Nesta foto Nelson Triunfo faz uma performance na abertura do show de James Brown em 1978 no palmeiras, local tradicional que as equipes alugavam para a realizavam de seus eventos.
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ANEXO 17
Figura 13: Funky e Cia em 1979. Grupo de dança que se apresentava nos diversos bailes da cidade e quem em seguida vai iniciar o break dance nas ruas e praças da cidade.
Figura 14: Em 1984 a Funky & Cia já era um grupo de break dance que tinha nas ruas seu território por excelência.
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ANEXO 18
Figura 15: A estação São Bento do metrô é maior marco simbólico do Hip Hop nacional.
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ANEXO 19
Figura 16: Jornal de 1984 mostra a atuação dos breakers na Rua 24 de Maio, na época conhecida como “febre do break”
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ANEXO 20
Figura 17: Mike e Pepeu gravaram em 1986 o primeiro rap nacional sebastian boys rap.
Figura 18: A Ousadia do Rap foi a primeira coletânea de rap nacional, gravada em 1987 pela equipe de som Kaskata’s
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ANEXO 21
Figura 19: Hip Hop Cultura de Rua foi lançada em 1988. A coletânea de rap nacional da década de 80 que obteve maior sucesso. Lançando a dupla Thaíde e DJ, esta já vislumbrava um rap com uma pegada mais contestatória.
Figura 20: No mesmo ano da Hip Hop Cultura de Rua, sai também O Som das Ruas, que diferente desta outra, preservou um ambiente mais festivo e menos contestador.
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ANEXO 22
Figura 21: Primeiro álbum dos Racionais MC’s, Holocausto Urbano de 1990 inaugura definitivamente o rap com o discurso tão característico da década de 90 de contestação social e racial.