LILLIAN AUGUSTE BRUNS CARNEIRO
DA UNIVERSIDADE COMO AUDITÓRIO E DO PROFESSOR COMO ORADOR:
uma análise omnilética dos argumentos de valorização/desvalorização da carreira docente.
Rio de Janeiro
2017
Lillian Auguste Bruns Carneiro
DA UNIVERSIDADE COMO AUDITÓRIO E DO PROFESSOR COMO ORADOR:
uma análise omnilética dos argumentos de valorização/desvalorização da carreira docente.
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação, Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Educação.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Mônica Pereira dos Santos
Rio de Janeiro
2017
Para meu marido, amor e companheiro,
José Carlos de Oliveira.
You must remember this
A kiss is still a kiss
A sigh is just a sigh
The fundamental things apply
As time goes by
As Time Goes By (HUPFELD, H., 1931)
AGRADECIMENTOS
Deixo aqui registrado meus mais profundos agradecimentos àquelas maravilhosas
pessoas que construíram comigo esse trabalho. Sem a aquiescência das professoras e gestoras
da Escola Municipal Doutor Cícero Penna, este trabalho não teria acontecido. Em especial, a
Roseli Rainho, Ana Paula Ferreira e Ana Maria Prazeres, mulheres fortes e apaixonadas pela
vida e pela profissão. Aprendi com vocês muito mais do que possam imaginar.
À minha querida amiga Márcia Rihan por ter-me trazido o mais belo desafio da minha
vida: Bernardo Costa. A esse menino, devo toda minha bela caminhada pela inclusão.
Serei eternamente grata àquelas companheiras de pesquisa que estiveram ao meu lado
durante esses quatro anos de trabalho. Foram minhas parceiras mais preciosas e companheiras
críticas da minha jornada pela pesquisa: Alline, Mayara, Emília, Monik, Beatrice, Fabiana,
Eli, Ranah, Simone, Ida Beatriz, Ana Lúcia, Daliana, Daniely, Manoella e Regina.
À minha querida companheira dos bancos escolares, Prof.ª Dr.ª Michelle Pereira
Fonseca. Sem a sua amizade, jamais teria conhecido o grupo de pesquisa LaPEADE e suas
“Quartas-Abertas”.
Muito especialmente desejo agradecer à minha orientadora Prof.ª Dr.ª Mônica Pereira
dos Santos, por ter-me acolhido com toda a minha complexidade e ensinado a compreender,
omnileticamente, as culturas, políticas e práticas que me constituem. Com você aprendi a
perceber-me em constante movimento, inacabada e pronta para novos desafios.
Ao Prof. Dr. Renato José de Oliveira, registro minha profunda gratidão pelas suas
orientações tão importantes para a conclusão deste trabalho.
“Quem agradece conspira para que a vida seja caminho sem fronteiras, por receber dos
outros o prazer de ser ajudado” (A.D.)
“Aos professores, fica o convite para que não descuidem de sua
missão de educar, nem desanimem diante dos desafios, nem deixem de
educar as pessoas para serem ‘águias’ e não apenas ‘galinhas’. Pois,
se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela,
tampouco, a sociedade muda.” (Paulo Freire, 1997).
RESUMO
CARNEIRO, Lillian Auguste Bruns Carneiro. Da universidade como auditório e do professor como orador: uma análise omnilética dos argumentos de valorização / desvalorização da carreira docente. Rio de Janeiro, 2017.Tese. (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ.
A presente tese de doutorado investiga a hipótese de que os argumentos apresentados pelos professores do ensino fundamental de uma Escola Municipal do Rio de Janeiro, durante a leitura e discussão do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011), contêm uma justificativa de desvalorização da ação profissional, constituindo-se em barreira para o desenvolvimento do seu trabalho. A tese objetivou identificar e analisar os tipos de argumentos levantados pelos professores que evidenciavam as barreiras à sua autonomia e participação pedagógica. Para atingir esse objetivo da maneira mais apropriada possível, esse trabalho buscou analisar as estratégias argumentativas dos professores por meio do Tratado daArgumentação (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996), e propor reflexões sobre as culturas, políticas e práticas dos professores e como elas dialogam e se legitimam (ou não) baseando-se na perspectiva Omnilética (SANTOS, 2012). Essa outra perspectiva de análise propõe compreender os fenômenos sociais em sua integralidade visível e em sua potencialidade invisível, mas não necessariamente ausente, seja por estar apenas oculta, seja por existir, ainda, apenas potencialmente (SANTOS, 2013). Durante a prática da pesquisa foi possível identificar os esforços de colaboração e os momentos de conflito vividos durante os encontros pedagógicos e as estratégias argumentativas usadas para persuadir e convencer o auditório à tese do que poderia constituir-se como barreiras à autonomia e à participação pedagógica. O desenvolvimento do material Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011)propiciou um significativo avanço na culturas, políticas e práticas dos professores envolvidos na pesquisa, resultando na espontânea construção do Projeto Político-Pedagógico da escola, além de possibilitar a sua projeção entre seus pares ligados à Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Foi nesse movimento complexo e dialético que encontramos os princípios que confirmaram nossa hipótese inicial de que os elementos discursivos suportam ora o argumento de valorização ora de desvalorização da carreira docente. Essa aparente dualidade, quando vista sob a perspectiva Omnilética, sinaliza que as bases culturais, políticase práticas revelam a prevalência de um tipo de argumento que identificamos como sendo aquele que defende a tese de que a profissão docente não é reconhecida como profissão e que um dos possíveis caminhos para alcançar essa valorização passa, necessariamente, pela posição política perante o seu labor.
Palavras-chave: perspectiva Omnilética – Teoria da Argumentação
-valorização/desvalorização docente – inclusão em educação.
ABSTRACT
CARNEIRO, Lillian Auguste Bruns Carneiro. From the university as an auditorium and from the teacher as a speaker: an Omnilectical analysis of the appreciation / devaluation arguments of the teaching career.2017. 171p.Thesis. (Doctorate degree) Postgraduate Program in Education of the Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
This thesis investigates the hypothesis that arguments presented by the elementary school teachers of a Public School in Rio de Janeiro, during the reading and discussion of the Index for inclusion (BOOTH; AINSCOW, 2011), contain an argument for the devaluation of the professional action, constituting a barrier to the development of their work. This thesis aimed to identify and analyze the types of argument presented by the teachers that indicated the barriers to their autonomy and pedagogical participation. In order to properly achieve this goal, this work sought to analyze the teachers' argumentative strategies through the Argumentation Treaty (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996), and propose reflections on teachers' cultures, policies and practices and how they dialogue and legitimize themselves (or not) based on an Omnilectical Perspective (SANTOS, 2012). This perspective of analysis proposes to understand social phenomena in their visible integrality as well as in their invisible, but not necessarily absent, potentiality either because it is only hidden, or because it only potentially exists (SANTOS, 2013). During the practice of the research it was possible to identify the collaboration efforts and the moments of conflict experienced during the pedagogical meetings and the argumentative strategies used to persuade and convince the auditorium of the thesis of what could be regarded as barriers to autonomy and to pedagogicalparticipation. The development of the material Index for inclusion (BOOTH; AINSCOW, 2011) provided a significant advance in the cultural and political practices as well as in the practices of the teachers involved in this research, which not only resulted in the spontaneous construction of the school's Political Pedagogical Project but also enabled its projection among its peers connected to the Municipal Secretary of Educacion of Rio de Janeiro It was in this complex and dialectical movement that we found the principles that confirmed our initial hypothesis that the discursive elements support both, the arguments of appreciation andof devaluation of the teaching career. This apparent duality, when seen from an Omnilectical perspective, signals that the cultural, political and practical foundations reveal the prevalence of a type of argument that we identify as that which advocates the thesis that the teaching profession is not recognized as a profession and that one of the possible ways to achieve this appreciation does necessarily go through the political position in relation to his labor.
Key words: Omnilectical perspective - Argumentation theory– teacher’s appreciation / devaluation – inclusion in education
RESUMÉN
CARNEIRO, Lillian Auguste Bruns Carneiro. De la universidad como auditorio y delprofesor como orador: un análisis Omnilético de los argumentos de valoración / desvaloraciónde la carrera docente. 2017. Tesis. (Doctorado) Programa de Postgrado en Educación de laUniversidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
La presente tesis de doctorado investiga la hipótesis de que los argumentos presentados porlos profesores de la enseñanza fundamental de una Escuela de la Comarca de Rio de Janeiro,durante la lectura y discusión del Index para la inclusión (BOOTH; AINSCOW, 2011),contiene la justificación de desvaloración de la acción profesional, constituíndose en ladificultad para el desarollo de su trabajo. La tesis ha objetivado identificar y analizar los tiposde argumentos puestos en relieve por los profesores los cuales han evidenciado lasdificultades a su autonomía y participación pedagógica. Para alcanzar a ese objetivo de formamás adecuada posible, el trabajo ha buscado analizar las estratégias argumentativas de losprofesores por medio del Tratado de Argumentación (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA,1996), y proponiendo reflexiones sobre las culturas, políticas y prácticas de los profesores ycomo ellas dialogan y se legitiman (o no) basandose en la perspectiva Omnilética (SANTOS,2012). Esa otra perspectiva del análisis propone la comprensión de los fenómenos sociales ensu integralidad visible y en su potencialidad invisible, pero no necesariamente ausente, sea porestar oculta solamente, sea por existir solo potencialmente todavía (SANTOS, 2013). Durantela práctica de la búsqueda ha sido posible identificar los esfuerzos de colaboración ymomentos de conflicto vividos durante las citas pedagógicas y las estrategias argumentativasusadas para persuadir y convencer al auditorio a la tesis de lo que podría constituirse comoproblema a la autonomía y participación pedagógica. El desarrollo del material Index para lainclusión (BOOTH; AINSCOW, 2011) ha propiciado un significativo avance para lasprácticas culturales, políticas y también a la práctica de los profesores involucrados en labúsqueda, resultando espontánea construcción del Proyecto Político Pedagógico de la escuelaademás de posibilitar su proyección entre sus pares junto a la Secretaría de la Comarca deEducación de Rio de Janeiro. Ha sido en este complejo y dialético movimiento donde hemosencontrado los princípios los cuales han confirmado nuestra hipótesis inicial de que loselementos discursivos soportan ora el argumento de valoración, ora de desvaloración de lacarrera docente. Esa aparente dualidad, cuando observada bajo la perspectiva omnilética,sinaliza que las basis culturales, políticas y prácticas revelan la prevalencia de un tipo deargumento que hemos identificado como aquello que defiende la tesis de que la profesióndocente no es reconocida laboralmente y que unos de los posibles caminos para el alcance dela valoración pasa, necesariamente, por la posición política delante de su labor.
Palabras-clave: Omnilética – argumentación - valorización/desvalorización docente
LISTA DE TABELAS, QUADROS E FIGURAS
TABELA 1 - Portal Banco de Teses da Capes.....................................................................................19
TABELA 2 - Portal Periódicos Capes produzidas entre 2010 e 2016..................................................20
TABELA 3 - Artigos Publicados em Anais..............................................................................23
TABELA 4 - Artigos publicados em anais e revistas...............................................................24
QUADRO 1 – Grupo de Trabalho............................................................................................73
QUADRO 2 - Grupo de Trabalho............................................................................................74
QUADRO 3 - Reuniões do Projeto - 2012...............................................................................79
QUADRO 4 - Reuniões do Projeto - 2013.............................................................................113
QUADRO 5 - Reuniões do Projeto - 2014.............................................................................124
FIGURA 1 - Dimensões do Index............................................................................................68
FIGURA 2 - Estrutura do Planejamento..................................................................................68
FIGURA 3 - Esquema de fases................................................................................................69
FIGURA 4 - Desenvolvimento inclusivo.................................................................................90
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANPED Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CRE Coordenadoria Regional de Educação
DMO Dinamizador-Orientador
EMCP Escola Municipal Cícero Penna
GED Gerência de Educação
GEPEI Curso de Atualização em Gestão da Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LaPEADE Laboratório de Pesquisa, Estudo e Apoio à Participação e à Diversidade em
Educação
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MEC Ministério da Educação
P0n Professor (a)
PBF Plano Bolsa Família
PL Pesquisadora do LaPEADE
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PPGE Programa de Pós-Graduação em Educação
PPP Projeto Político-Pedagógico
SEPE Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio De Janeiro
SME Secretaria Municipal de Educação
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12
O Problema e a Hipótese........................................................................................................16
Objetivos da Pesquisa.............................................................................................................18
Revisando a bibliografia sobre o assunto..............................................................................18
A Estrutura da Tese.................................................................................................................26
1 A PESQUISA - SEU CONTEXTO E SUA TRAJETÓRIA..........................................28
1.1 As indagações iniciais e sua relação com a minha trajetória acadêmica.....................28
1.2 O Contexto da Pesquisa....................................................................................................30
2 A VALORIZAÇÃO DO PROFESSOR – UM ARGUMENTO RECORRENTE.......34
3 A ESCOLHA DOS REFERENCIAIS TEÓRICOS.......................................................41
3.1 A Perspectiva Omnilética.................................................................................................41
3.2 A Teoria da Argumentação – a Nova Retórica..............................................................52
4 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA......................................................63
4.1 A pesquisa-ação crítica e participativa...........................................................................63
4.2 O Index para inclusão como proposta metodológica: discutindo as intervenções.......66
4.3 A coleta de dados...............................................................................................................69
4.3.1. Os dados da pesquisa e sua organização para a análise..................................................70
4.3.2. Os dados da pesquisa e sua análise.................................................................................70
4.4 O campo da pesquisa.......................................................................................................72
4.4.1. A Escola Municipal Cícero Penna...................................................................................72
4.4.2. Conhecendo o Corpo Docente da Escola........................................................................73
5 NO COTIDIANO DA ESCOLA – A PESQUISA EM PRÁTICA...............................77
5.1 Definindo as categorias conceituais de análise...............................................................78
5.2 Os argumentos...................................................................................................................79
5.3 Reflexões sobre os argumentos analisados....................................................................108
6 A CONSTRUÇÃO PARTICIPATIVA DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO
DA ESCOLA MUNICIPAL CÍCERO PENNA.................................................................111
6.1 Os princípios norteadores do Projeto Político-Pedagógico........................................112
6.2 O Projeto Político-Pedagógico e seus argumentos: a definição da missão, visão e
valores da escola....................................................................................................................113
6.3 O Projeto Político-Pedagógico e seus argumentos: planejamento das ações
estratégicas.............................................................................................................................123
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................136
REFERÊNCIAS....................................................................................................................143
ANEXOS................................................................................................................................148
12
INTRODUÇÃO
A presente tese de doutorado – Da universidade como auditório e do professor como
orador: uma análise omnilética1 dos argumentos de valorização/desvalorização da carreira
docente – propõe, como desafio, dar a voz aos professores enquanto investiga como eles
argumentam sobre as suas culturas, políticas e práticas a respeito da sua atuação profissional,
tendo como pano de fundo a inclusão de alunos que, por algum motivo, estejam vivendo uma
situação de exclusão.
Nesta pesquisa, adotamos uma postura pouco comum quando optamos por nos manter
na posição de auditório mesmo sabendo que, historicamente, a Universidade é reconhecida
pela sua posição de oradora, ou seja, daquela que detém o dom da palavra e a capacidade de
influenciar o outro. Aqui será o professor que atuará como orador, defendendo sua tese e
exercitando seu poder de convencimento. É nessa ação que ele lançará mão de técnicas
argumentativas para convencer o auditório. Esse efeito argumentativo ligado à presença física
do auditório, na pessoa do pesquisador do Laboratório de Pesquisa, Estudo e Apoio à
Participação e à Diversidade em Educação (LaPEADE), será analisado neste trabalho, no
desejo de buscar os elementos que atuam como possíveis instrumentos capazes de promover a
valorização ou a desvalorização da carreira docente.
Acreditamos que não podemos mais somente apontar falhas, discutir problemas e
dificuldades encontradas no espaço escolar. Precisamos de estudos voltados para o
desenvolvimento da ação e prática pedagógica a partir do ponto de vista do professor, numa
perspectiva Omnilética2 (SANTOS, 2012), capaz de ver além do que está posto, aprofundando
a complexidade e a dialeticidade das suas culturas, políticas e práticas.
Iniciamos esclarecendo que esta pesquisa é um desdobramento de uma pesquisa-
matriz denominada Construindo Culturas, Desenvolvendo Políticas e Orquestrando Práticas
de Inclusão no Cotidiano Escolar.
A pesquisa-matriz surgiu a partir de um primeiro contato feito entre a professora da
sala de atendimento educacional especializado da Escola Municipal Cícero Penna (EMCP) e o
grupo de pesquisa do LaPEADE da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nesse
1Omnilética é um neologismo criado, pensado e desenvolvido por Santos (2012), “fruto de alguns anos de reflexão sobre os processos de inclusão e exclusão em educação” e que na seção Teórico-Metodológica será melhor desenvolvido.2De forma resumida, a Perspectiva Omnilética está alinhada com a visão totalizante de uma multiplicidade de leituras e variações de vida, atos, concepções e intenções que ocorrem no que consideramos as três principais dimensões em que a vida humana e social se manifesta: culturais, políticas e práticas. Reforçamos que esse conceito será melhor analisado na seção dedicada à análise dos referenciais teóricos.
13
primeiro contato, a professora solicitou à coordenação do LaPEADE que visitasse a Escola
Municipal Cícero Penna no no intuito de apresentar ao grupo gestor e professores da
instituição, uma proposta de projeto que ajudasse a conhecer que práticas, em um sistema
escolar, podem inibir ou dificultar a aprendizagem e a participação dos alunos. Essa foi a
questão que impulsionou a direção da EMCP a buscar a ajuda do Laboratório.
Com a preocupação de perscrutar, colaborativamente, soluções para os processos de
exclusão (aqui, especificamente compreendidos no sentido de barreiras à aprendizagem e à
participação de alunos da instituição escolar) encontrados na EMCP, o LaPEADE
desenvolveu a pesquisa Construindo Culturas, Desenvolvendo Políticas e Orquestrando
Práticas de Inclusão no Cotidiano Escolar, que neste trabalho chamamos de pesquisa--matriz,
visando mapear dificuldades, oferecer alternativas de modificação de planejamento e auxiliar
os docentes em suas práticas cotidianas, bem como dar subsídios para a gestão da escola em
direção ao desenvolvimento de culturas, políticas e práticas de inclusão.
Deste modo, a pesquisa-matriz se configurou, concomitantemente, como um trabalho
de extensão. Sua ação justificou-se porque, além de reunir Universidade e Educação Básica,
possibilitou a criação de estratégias que puderam auxiliar a melhoria e a compreensão de tais
dificuldades por parte do corpo docente, técnico, gestor e auxiliar, visando o melhor
desempenho da escola como um todo, e o maior sucesso de seus alunos, em particular.
A pesquisa-matriz foi bem recebida e aceita pela EMCP e em fevereiro de 2012 deu-se
início as leituras e conversas sobre o conceito de inclusão numa perspectiva mais ampla do
que aquela comumente abordada, ou seja, não apenas fixando nos alunos com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, mas compreendendo
toda a comunidade escolar. Essa abrangência se estende às crianças, adolescentes e adultos,
inclusive àqueles com deficiência, pois todos gozam plenamente do direito à educação em
igualdade de condições.
O material utilizado para orientar essas conversas foi o Index para inclusão3 (BOOTH;
AINSCOW, 2011). Este material é desenvolvido pela equipe de pesquisadores do LaPEADE
como proposta alternativa na busca da reflexão sobre o que a inclusão pode significar no meio
acadêmico. Os conceitos-chave do Index para inclusão são: inclusão, barreiras à
aprendizagem e à participação, recursos para apoiar a aprendizagem e a participação e apoio à
diversidade, na 33993tentativa de discutir um desenvolvimento educacional cada vez mais
inclusivo.
3 BOOTH, Tony. AINSCOW, Mel. Index para inclusão para a inclusão: desenvolvendo a aprendizagem e a participação na escola. Traduzido por: Mônica Pereira dos Santos, PhD. Editora CSIE-UK. Editado pelo LaPEADE-BR, 2011. Esse material será melhor explicitado em seção posterior.
14
Nas palavras de Santos et al. (2014):
Desde sua primeira versão, o Index para inclusão para a inclusão tem sido apresentado como “um recurso para o desenvolvimento de escolas. Um documento abrangente que pode ajudar a todos a encontrarem seus próprios próximos passos emdireção ao desenvolvimento de seus ambientes (SANTOS et al, 2014, p. 1).
O Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011) tem como proposta analisar a
realidade institucional de acordo com as dimensões de culturas, políticas e práticas de
inclusão, possibilitando o desenvolvimento de uma atitude autônoma (OLIVEIRA et al,
2014). Esse material tem sido apresentado como “um recurso para o desenvolvimento de
escolas. Um documento abrangente que pode ajudar a todos a encontrarem seus próprios
próximos passos em direção ao desenvolvimento de seus ambientes” (BOOTH; AINSCOW,
2011, p. 1). Booth e Ainscow (2011, p. 1) prosseguem afirmando que esse material foi
concebido com a finalidade de “avançar com base na riqueza de conhecimentos e experiências
que as pessoas têm sobre suas práticas”. Tais materiais “desafiam e apoiam o
desenvolvimento de qualquer escola, independentemente do quão ‘inclusiva’ ela creia que
seja”.
Das leituras e conversas iniciais, sobreveio o interesse em acompanhar as aulas
ministradas por esses professores participantes da pesquisa, como prática da pesquisa-ação,
para que pudéssemos construir, em conjunto, a percepção mais próxima do que acontecia
naquele espaço. Combinamos, então, que as pesquisadoras do LaPEADE assistiriam e
filmariam um determinado dia de aula de cada professor participante da pesquisa, com o
objetivo de registrar as atividades desenvolvidas naquele momento especificamente. O dia
filmado era determinado conforme a disponibilidade do pesquisador e da professora, sem que
estivesse subordinado a alguma atividade específica. O objetivo era observar a rotina da sala
de aula; o movimento dos alunos enquanto a atividade pedagógica acontecia e as ações
desenvolvidas pela professora conforme os eventos escolares decorriam. Isso nos levou a
ampliar nosso entendimento em relação às situações de exclusão vividas não apenas na sala
de aula, mas em outros locais de convivência da escola. Ao final do dia de aula, os
pesquisadores entrevistavam os professores perguntando qual havia sido o momento
evidentemente positivo e qual foi o maior desafio enfrentado. A entrevista também foi
registrada em vídeo e utilizadas a posteriori para análise com o grupo.
A prática do acompanhamento das aulas propiciou uma aproximação entre os
professores e pesquisadores, o que favoreceu a pesquisa, significando um clima de confiança
15
e parceria. Essa confiança se tornou sustentação para que os pareceres anunciados pelos
professores, quando perguntados sobre os pontos positivos e desafios vividos naquele dia,
pudessem ser ditos de maneira franca e sincera.
Minha entrada como pesquisadora deu-se nesse momento, quando me tornei
responsável pelo acompanhamento de uma das professoras do grupo da EMCP. Posso afirmar
que essa prática viabilizou outras leituras da mesma pesquisa, pois o material ali recolhido
durante o acompanhamento mostrou-se diverso e bastante profícuo. Conforme os laços entre
pesquisado e pesquisador foram se desenvolvendo, a confiança e o respeito pela prática
docente observada possibilitou que as entrevistas acontecessem de forma mais determinada e
rica de pormenores, já que ambos, entrevistado e entrevistador, haviam participado dos
momentos referidos.
O acompanhamento, por mim realizado, possibilitou observar os argumentos usados
para definir e diferenciar aquilo que era considerado como sendo uma ação positiva e o que
era percebido como desafio. Essa dinâmica, combinada com a perspectiva Omnilética
(SANTOS, 2012), ou seja, vista e discutida de forma mais totalizante possível, revelou alguns
argumentos baseados nas culturas, políticas e práticas tanto pessoais como resultantes da
constituição específica daquele grupo de professores. Entendemos que os argumentos
utilizados para justificar a preferência de determinada passagem do dia como ponto forte ou
desafio podem ter sido construídos a partir das escolhas e alternativas da prática docente
cotidiana. Isso nos possibilitou perceber que os argumentos utilizados para justificar esta e
não aquela escolha poderiam estar diretamente relacionados ao exame do auditório, ou seja,
do pesquisador da Universidade.
Em outras palavras, podemos dizer que a investigação dos argumentos utilizados pelos
professores e gestores da Escola tornou-se a temática principal da pesquisa decorrente da
pesquisa-matriz. Identificamos, dentro da pesquisa maior, a oportunidade de compreender não
apenas os dados da realidade vivida pelos professores pesquisados como também a percepção
que eles têm de sua realidade. Esses profissionais experimentam um sentimento vago e
confuso de mal-estar e de descontentamento diante de uma situação concreta, qual seja, a
perda da autonomia sobre a sua produção pedagógica.
Com efeito, são as dimensões culturais, políticas e práticas que afloram nos
argumentos do grupo de professores e gestores pesquisados é que serão observados. E, no
interior desses argumentos, o que nos interessa é conhecer aquilo que emerge e sustenta a sua
tese.
16
Nossas análises, aqui demonstradas, não estão em busca do que há de certo ou errado
em cada argumento, tampouco discutir seus fundamentos. Nossa proposta é tentar colocar em
evidência as possíveis interpretações das culturas, políticas e práticas nas quais se apoiam
cada argumento e qual a técnica argumentativa explorada em cada um. Reconhecemos que
não há apenas as condições históricas-sociais-culturais que influenciam o argumento. Estas
condições também podem ser explicadas por imposições determinantes, quer sejam por suas
culturas, políticas e práticas herdadas da função docente como noções arquetipais do que a
professora deve ou não fazer. Cunha (2008) é uma das autoras que afirma que um grande
número de professores costuma pautar sua prática escolar nos comportamentos que
considerou positivos nos seus ex-professores.
Porém, não descartamos a autonomia individual e o pensamento criativo que
complexificam o conhecimento.
Não temos a intenção de generalizar as bases dos argumentos apresentados pelos
professores ao traçarmos as possíveis culturas, políticas e práticas que alicerçam cada um,
pois incorreríamos no erro de trivializar o conhecimento produzido, fazendo dele alguma
coisa qualquer. Pelo contrário, reconhecemos que nem a cultura, nem a política e nem a
prática são questões triviais. Até porque o campo social também é um campo científico
(BOURDIEU, 1994) e nossas observações emergem desse campo – a Escola-, onde
reconhecemos a complexa visão de mundo que os participantes trazem para esse espaço.
O Problema e a Hipótese
A primeira disciplina que cursei como doutoranda na UFRJ foi de extrema
importância para essa pesquisa.
Lecionada pelo Prof. Dr. Renato José de Oliveira, a disciplina “Problemas
Contemporâneos da Educação” nos apresentou um quadro com as questões educacionais mais
discutidas nesses últimos anos, vistas pela ótica da Teoria da Argumentação. Com o
transcorrer das aulas, e à proporção que os temas propostos para esta disciplina eram
estudados, foi possível estabelecer uma aproximação entre a Teoria da Argumentação e os
discursos dos professores-sujeitos da pesquisa que se desenvolvia paralelamente. No projeto
da EMCP, no decorrer da discussão do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011), as
práticas argumentativas pelas quais se tentava influenciar não apenas os colegas de trabalho,
mas a própria Universidade ali representada pelo LaPEADE, permitiu a identificação dos
professores como oradores e o LaPEADE como auditório.
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Oliveira (2011, p.40) nos propõe o seguinte desafio: “Se a regra de ouro da teoria da
argumentação é que o orador deve se adaptar ao seu auditório, por que não a estender à sala
de aula, à relação entre professores e alunos? ”. Imediatamente aceitei esse desafio, mas não
sem antes ousar a reescrevê-lo propondo estendê-lo à relação entre professores e
pesquisadores. O LaPEADE estava, na verdade, na posição de auditório enquanto os
professores intercambiavam-se na função de oradores.
Quando optei por evidenciar os argumentos expostos durante os momentos de
encontro com o grupo, baseei-me no fato de que a lógica binária4 – verdade/ mentira,
real/imaginário, possível/impossível - de pouco valia para formular possíveis respostas
àquelas perguntas. Ao olhar os argumentos numa perspectiva Omnilética (SANTOS, 2012),
pude alcançar um espectro muito mais amplo de análise, pois o pensamento omnilético não
tende à redução de uma ou duas opções, mas permite um diálogo entre diferentes
possibilidades, criando sentidos entre os diferentes subsistemas (político, cultural ou até
mesmo religioso). Esse pensamento convive com as incertezas de seu tempo e concebe a
organização das culturas, políticas e práticas por meio da valorização da
multidimensionalidade dos fatos e das pessoas envolvidas, trabalhando a noção de totalidade
junto à relação parte-todo.
Então, era possível que os professores não estivessem se sentindo capazes de se
tornarem autores das suas próprias estratégias de ensino, possibilitando a aprendizagem de
todos os alunos? Esperavam que a Universidade lhes desse a receita de como trabalhar a
inclusão dos alunos com deficiência, ensinando como fazer acontecer a aprendizagem em sala
de aula? Poderiam os argumentos proferidos durante seu discurso constituírem-se em uma
barreira para desenvolver seu trabalho? Os discursos de inclusão podem vir a tornar-se
persuasivos quando os argumentos que justificam as culturas, políticas e práticas excludentes
são discutidos?
Acreditando que uma possível solução para as dificuldades enfrentadas pela
comunidade educacional estaria na construção coletiva de saberes entre seus próprios pares,
iniciamos o estudo do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011) pela leitura conjunta
de suas palavras iniciais, onde os conceitos de inclusão e participação são abordados.
4A lógica binária publicada por George Boole, em 1854, é a base do cálculo computacional. Assim como bem emal, claro e escuro, fácil e difícil, certo e errado são opostos, na lógica Booleana o zero representa falso, enquanto o um representa verdadeiro. Qualquer operação, por mais complexa que pareça, é traduzida internamente pelo processador para estas operações.
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Este livro contém muitas palavras. Mas estas palavras terão pouco significado se nãoestiverem ligadas à reflexão e à ação. Esperamos que você use os materiais para colocar valores inclusivos em ação; para aumentar a participação de todos no ensino,na aprendizagem e nas relações; para ligar a educação ao desenvolvimento de comunidades e ambientes, em nível local e global. Inclusão é uma iniciativa compartilhada. Consideramos a promoção da aprendizagem e da participação e o combate à discriminação como tarefas que nunca têm fim. Elas implicam todos nós no ato de refletir sobre e reduzir as barreiras que nós e outros tenhamos criado e continuamos a criar (BOOTH; AINSCOW, 2011, p. 6).
Na sequência dos encontros, e à medida que as leituras dos indicadores do Index para
inclusão aconteciam, foi possível identificar, nos argumentos dos professores participantes,
um grande incômodo em relação à pouca autonomia percebida no que diz respeito às suas
escolhas pedagógicas, sendo difícil integrar suas culturas, políticas e práticas às demandas
provenientes da Secretaria Municipal de Educação (SME).
A observação das possíveis barreiras que afetam a participação dos docentes
(professores e gestores) da EMCP no projeto, e que surgem no momento em que a sua
participação política é explicitada, pode estar intimamente ligada às questões da política
educacional estabelecida pela Secretaria Municipal de Educação (SME)? Diante desse
cenário, procurei problematizar o campo ali encontrado, observando a realidade de modo
crítico, omnilético, o que possibilitou relacioná-la com os argumentos proferidos pelos
professores.
Entendendo que o embate cultural, político e prático entre os modos como os docentes
estruturam seu conhecimento (BOURDIEU, 1989) estavam presentes nas discussões e
argumentos, investigar se essas mesmas estruturas são produto de uma gênese social dos
esquemas de valorização/desvalorização do magistério do ensino fundamental nos parece
importante.
Minha hipótese parte do princípio de que os argumentos são operações discursivas, ou
seja, um processo discursivo usado na produção e na compreensão de qualquer texto, nas
quais o orador utiliza proposições baseadas nas suas culturas, políticas e práticas, onde os
argumentos apresentados pelos professores, durante a leitura e discussão do Index para
inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011), contém uma justificativa de desvalorização da ação
profissional, constituindo-se em barreira para o desenvolvimento do seu trabalho.
Objetivos da Pesquisa
19
A problematização que acima delineamos definiu o objetivo geral desta pesquisa, qual
seja, o de identificar e analisar omnileticamente os tipos de argumentos levantados pelos
professores que evidenciam as barreiras à sua autonomia e participação pedagógica.
Para atingir esse objetivo da maneira mais apropriada possível, buscamos analisar os
discursos dos professores por meio do Tratado da Argumentação (PERELMAN;
OLBRECHTS-TYTECA, 1996), em especial, as estratégias argumentativas, identificando e
propondo reflexões sobre as relações entre os valores e as crenças nelas contidas;
compreendendo, por meio da perspectiva Omnilética (SANTOS, 2012), as culturas, políticas e
práticas dos professores e como elas dialogam e se legitimam (ou não); identificando os
esforços de colaboração e os momentos de conflito vividos durante os encontros pedagógicos
que sejam passíveis de se tornarem barreiras à autonomia e participação pedagógica;
sugerindo estratégias possíveis para desenvolver ações efetivas e mudanças no campo
pesquisado.
Revisando a bibliografia sobre o assunto
Os primeiros encontros com o grupo de professores da EMCP nos indicaram algumas
palavras-chave que orientaram a revisão bibliográfica.
A primeira palavra-chave que surgiu dos argumentos iniciais do grupo de professores
participantes da pesquisa, e que perdurou até o momento em que ficou estabelecido que era
preciso a construção do Projeto Político-Pedagógico da Escola, foi autonomia. Em seguida foi
possível identificar que outra palavra se evidenciava conforme as leituras dos indicadores do
Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011) aconteciam: valorização docente.
Autonomia costuma ser um aspecto bastante presente em trabalhos e produções sobre
Educação. No exame das dissertações e teses constantes nos Bancos de Tese da Capes,
defendidas no período de 2010-2016, cruzando as palavras-chave “autonomia” + “professor”,
“valorização docente” e “Projeto Político-Pedagógico” + “autonomia” e “omnilética”,
encontramos 27 trabalhos, conforme demonstra a Tabela 1.
TABELA 1 - Portal Banco de Teses da Capes
Dissertações de Mestrado (M) e Teses de Doutorado (D) produzidas entre 2010 e 2016
Critério de busca ANO TOTAL palavra-chave 2010 2011 201 20 201 201 20
20
2 13 4 5 16 “autonomia” + “professor” 0 M=1 M=1 0 0 0 D=
1
3
“valorização docente” 0 M=
2
0 0 0 D=
1
3
“omnilética” M=
2
D=2 M=
2
6
“Projeto Político-Pedagógico” +
“autonomia”
0 M=
1
M=
1
0 0 0 0 2
“argumentação” + “professores” 0 M=1 0 0 0 0 M-
1
2
“argumentação” + “omnilética” 0 0 0 0 0 0 0 0Fonte: Portal Banco de Teses da Capes (2010-2016).
Desses trabalhos, selecionamos dois que mais se aproximam da discussão da
autonomia do professor como partícipe da construção da sua identidade profissional.
O primeiro é uma dissertação cujo título é “Autonomia e Criatividade em escolas
democráticas: outras palavras, outros olhares” (2012), de autoria de Maria Marlene Rodrigues
de Oliveira. De acordo com seu resumo, o trabalho aconteceu entre duas escolas na cidade de
São Paulo identificadas como democráticas, pois todos os membros da comunidade escolar
participam das instâncias deliberativas. Apesar de tratar-se de uma pesquisa que envolve a
observação da autonomia do professor, ela parte da premissa de que essa prática já é um fato
constante nesse espaço escolar, enquanto a nossa pesquisa busca entender as barreiras
existentes para a construção dessa autonomia.
O trabalho seguinte, de autoria de Susel Cabrera Machado Alves (2012), uma
dissertação, está inserido nas discussões sobre a construção do Projeto Político-Pedagógico e
procura revelar a existência de condições nos próprios sujeitos para construção da escola
cidadã. O trabalho revela que a falta de condição e eficiência da estrutura organizacional e
política interna impede a construção do Projeto Político-Pedagógico. Porém, mesmo trazendo
uma temática similar a que estamos pesquisando, a forma como problematizamos essa
questão estende-se além da estrutura organizacional da escola.
A metodologia aplicada, em ambos os trabalhos, foi a análise de depoimentos por
meio do levantamento de dados com questionários, entrevistas, composição de frases
incompletas, visando a conhecer opiniões, pontos de vista e representações dos informantes.
O que pretendemos propor nesta tese é a metodologia da pesquisa-ação institucional, pois
trata-se da relação dialética entre os participantes da pesquisa- pesquisador e pesquisado
-problematizando a questão de forma omnilética. Melhor dizendo, ao aplicar a metodologia da
21
pesquisa-ação, tentaremos buscar o conhecimento preciso e esclarecido “da práxis
institucional do grupo (e pelo grupo) a fim de dar-lhe a possibilidade de saber mais e de poder
agir melhor sobre a realidade” (BARBIER, 1985, p.92)
De acordo com a análise feita a partir dos resumos apresentados, a questão da
autonomia aparece ligada à dificuldade do professor em integrar seus saberes e atuar com
segurança diante das propostas curriculares determinadas pelos governos estaduais e
municipais. A metodologia mais comumente encontrada é a que se baseia na análise das
entrevistas estruturadas ou semiestruturadas e questionários.
Na intenção de explicitar a importância deste trabalho, a revisão bibliográfica
estendeu-se aos periódicos da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior) apresentados na Tabela 2; e na Biblioteca da ANPED (Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Educação), com ênfase no Grupo de trabalho GT08 (Formação de
Professores), os trabalhos publicados entre 2012-2016, com base nos critérios de
expressividade e acessibilidade, considerando-se a importância da instituição divulgadora e
sua circulação nacional.
Entre os periódicos CAPES, que incluem as seguintes coleções: Directory of Open
Access Journals (DOAJ), SciELO, OneFile (GALE), Dialnet e MEDLINE/PubMed (NLM),
encontramos os dados abaixo, indicados na Tabela 2.
Tabela 2 - Portal Periódicos Capes produzidas entre 2010 e 2016
Critério de busca ANO TOTAL
palavra-chave 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
“autonomia” + “professor” 4 2 2 1 3 8 12 32
“valorização docente” 37 30 33 25 10 95 77 307
“Projeto Político-Pedagógico”
5 7 7 2 0 12 9 42
“omnilética” 0 0 0 0 0 0 0
“argumentação” + “professores”
0 0 1 0 0 7 5 12
“argumentação” + “omnilética”
0 0 0 0 0 0 0 0
Fonte: www.periodicos.capes.gov.br/
22
Com o conjunto de palavras-chave autonomia e professor foram encontrados 32
títulos. Observamos dois trabalhos interessantes que discutem a autonomia do professor,
porém focam somente na docência técnica e tecnológica. Como os anteriores, são pesquisas
baseadas em entrevistas e questionários semiestruturados. Nos anos de 2015 e 2016 houve
uma maior produção acadêmica sobre o tema. Verificando os resumos dos artigos publicados
nesse período, notamos que a maioria discute questões relativas à formação de professores,
com ênfase na formação continuada, a partir da análise das Metas 15 e 16 do Plano Nacional
de Educação - PNE 2014-2024, anexo à Lei 13005/14, evidenciando a influência da LDB
9.394/96, das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação
Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena e da Rede Nacional de
Formação Continuada de Professores.
Continuando no mesmo portal científico, a pesquisa alterou sua palavra-chave para o
conjunto valorização docente, obtendo 307 resultados sendo que 23 artigos discutem a
questão da valorização docente ligada diretamente à questão salarial; 12 artigos abordam o
assunto com ênfase na formação inicial e continuada; 8 artigos apresentam estudos sobre as
políticas educacionais e a carreira do magistério e 4 artigos destacam a formação cultural e a
relação estabelecida com o conhecimento como base para a valorização docente. Nos anos de
2015 e 2016 houve uma maior concentração de artigos discutindo o tema por meio das
avaliações das leis e projetos de lei ligados ao Plano Nacional da Educação. Observamos, por
meio da leitura dos resumos, que os documentos utilizados para embasar os artigos foram o
Plano de Desenvolvimento da Educação (BRASIL, 2007), o Projeto de Lei nº 8.035/2010
(BRASIL, 2010) e o Projeto de Lei nº 103/2012 (BRASIL, 2012), os quais dizem respeito ao
novo Plano Nacional de Educação, bem como os documentos com proposições de emendas de
diferentes entidades e as que foram incorporadas pelo Fórum Nacional de Educação
(BRASIL, 2011).
Os outros artigos tratam de áreas específicas como física, contabilidade, enfermagem e
outros profissionais da saúde.
Para a palavra-chave Projeto Político-Pedagógico (PPP) encontramos 42 artigos e,
como nas análises anteriores, os anos de 2015 e 2016 foram os mais profícuos nesse assunto.
De todos os resumos lidos, nos chamou a atenção o fato de que a metodologia da pesquisa-
ação colaborativa tenha sido escolhida na maioria das vezes. Observamos que nas suas
justificativas pela escolha dessa metodologia, havia nos trabalhos o discurso de que as
reflexões oriundas de uma análise colaborativa do próprio processo investigativo eram
bastante apropriadas para o alcance dos objetivos propostos.
23
A pesquisa realizada no portal da ANPED5 , no espaço BIBLIOTECA, nos revelou
173 trabalhos produzidos pelo Grupo de Trabalho (GT) 08. Dentre eles, destacamos o trabalho
de Luiza Alves Ribeiro (2012) – UFRJ -, publicado em 2012, por ocasião da 35ª Reunião
Anual da ANPED. A autora analisa as impressões dos professores de escolas SME-RJ sobre o
preenchimento obrigatório de um determinado documento no qual os professores assinalam
dados sobre a frequência e desenvolvimento pedagógico dos alunos. O trabalho de RIBEIRO
(2012) é discutido a partir da definição bakhtiniana do discurso. O que nos chamou a atenção
nesse trabalho foi sua aproximação com a nossa temática de exclusão quando aborda os
impactos da imposição, pela SMERJ, de tarefas como recurso para a formação continuada
para os professores.
Com o levantamento concluído nessas bases de pesquisa, avançamos para a busca do
conceito omnilético e seu uso na bibliografia acadêmica.
O conceito de análise omnilética tem sido utilizado para definir uma abordagem outra
que não a maneira tradicional utilizada nas pesquisas sobre a inclusão. Essa outra forma de ler
as relações estabelecidas entre a inclusão/exclusão e inclusão/não-inclusão começa a aparecer
em algumas publicações e artigos de eventos, nacionais e internacionais, ligados à Inclusão
em Educação, a partir de 2011. Como exemplo, podemos citar o trabalho de Santos et al.,
intitulado “Concepções sobre inclusão e exclusão: licenciandos de educação física em foco”,
apresentado no VII Encontro da Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação
Especial, em Londrina (2011). Outros títulos (SANTOS, 2012; SANTOS; CARNEIRO, 2013)
revelam que a análise omnilética vem somando possibilidades de interpretar e responder às
questões sobre a inclusão e exclusão não apenas como uma proposição dialética, mas
incitando um pensamento mais reflexivo e contemplativo e, ao mesmo tempo, aplicativo às
culturas, políticas e práticas do grupo e de cada um.
A pesquisa bibliográfica revelou discreto número de publicações que tratam a
perspectiva analítica omnilética como possível chave para compreensão panorâmica da
realidade observada. Foram levantadas publicações de 2011 até 2016, demonstradas na Tabela
3:
TABELA 3 – Artigos publicados em anais
Palavra-chave: Omnilética (O)
Evento Título/ Autor Ano
5Disponível em: <http://www.anped.org.br/biblioteca>. Acesso em: 15 jan. 2017.
24
VII Encontro da Associação Brasileira de Pesquisadores emEducação Especial, em Londrina
Concepções de docentes e licenciandos de educação física acerca de inclusão em educação: Perspectiva Omnilética em discussão. Santos, M. P; Fonseca, M.
2011
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP
Políticas públicas de inclusão de pessoas com deficiência: uma análise omnilética. Santos, M. P.
2012
36ª Reunião Nacional da ANPEd, Goiânia
Ciclo de formação de professores sobre inclusão em educação: em direção a uma Perspectiva Omnilética. Santos, M P.
2013
VIII Encontro da Associação Brasileira de Pesquisadores emEducação Especial Londrina
Coensino: Uma Análise Na Perspectiva Omnilética Da Inclusão De Crianças Com Tea No Ensino Regular. Santos, M. P; Nazareth, P.
2013
Seminário Internacional de Inclusão em EducaçãoUniversidade e Participação 3
A Perspectiva Omnilética: reflexões sobre inclusão em educação em uma escola municipal do Rio de Janeiro.Santos, M. Carneiro, L. Santos, A. Gonçalves, S.
XXXVI Jornada Giulio Massarani de Iniciação Científica, Tecnológica, Artística e Cultural - UFRJ
A Didática Omnilética Silva, O; Guerra, F.
2014
Inclusão em Educação: Um Olhar Omnilético sobre as Políticas e Ações Docentes no Ensino Superior Senna, M; Marques, D.A Gestão da Educação Especial do Município do Rio de Janeiro e o Processo de Inclusão em Educação.Senna, M
IV Seminário Enlaçando Sexualidade
Cyberbullying Relativo à Diversidade Sexual: Um Olhar Omnilético.Santos, M. P.; Santiago, M. C., Quirino G. A.
2015
Anais do XVI ENDIPEEncontro de Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
O ensino superior e as diretrizes para a formação de professores: um olhar omnilético sobre a inclusão em educação. Rodrigues E. ; Galvão, S.
2016
Fonte: www.lapeade.com.br
Na página eletrônica do grupo de pesquisa LaPEADE é possível encontrar, no período de
2011 a 2016, 36 artigos aprovados para publicação, sendo que em 15 artigos encontramos a
referência ao tratamento dos dados das pesquisas por meio da análise omnilética, conforme
demonstramos na Tabela 4:
TABELA 4 – Artigos publicados em anais e revistas
Chave de interpretação dos dados sobre Inclusão em Educação: Perspectiva Omnilética
Evento Título/ Autor Ano
25
VII Encontro da AssociaçãoBrasileira de Pesquisadores em Educação Especial, em Londrina,
Concepções sobre inclusão e exclusão:licenciandos de educação física em foco .
Santos, M P. Fonseca, M.
2011
Anais do II SeminárioNacional de Educação
Especial e XIII SeminárioCapixaba de Educação
Inclusiva
O currículo como dispositivo de promoçãoda inclusão: relato de um estudo de caso.
Santos, M P.; Carneiro, L.
2012
XVII CongresoInternacional del CLAD
sobre la Reforma del Estadoy de la Administración
Pública, Cartagena,Colômbia.
O papel da Escola de Contas e Gestão doTribunal de Contas do Estado do Rio de
Janeiro na promoção de culturas inclusivasna gestão municipal.
Cordeiro, S.; Nazareth, P.
2012
VII Encontro Nacional dosPesquisadores da Educação
Especial
O papel do gestor da educação especial e oPlano de Desenvolvimento da Educação:
tessituras e rupturas. Santos, M P.; Senna, M.
2012
Seminário InternacionalInclusão em Educação -
UP3
O processo de inclusão no ensino médio: oprotagonismo dos alunos em foco.
Lago, M; Santiago, M.
2013
Seminário InternacionalInclusão em Educação -
UP3
A reflexividade dos formadores deprofessores diante das políticas de inclusão
de universidades públicas.Santos, A.; Senna, M. et al.
2013
Revista Brasileira deEducação Física e Esporte
vol.27 no.2 São Pauloabr./jun. 2013
Masculinidades na Educação FísicaEscolar: um estudo sobre os processos de
inclusão/exclusão.Brito, L.; Santos, M. P.
2013
VIII Encontro daAssociação Brasileira de
Pesquisadores em EducaçãoEspecial
Inclusão no sistema educacional: desafiospara a gestão escolar.
Santiago M; Costa, E.
2013
Revista Latino-americanade Geografia e Gênero,
Ponta Grossa, v. 5, n. 2, p.114 - 125, ago. / dez. 2014
Não, Isso Não é Coisa pra Homem -Masculinidades e os Processos de
Inclusão/Exclusão em uma Escola daBaixada Fluminense – RJ
Brito, L. Santos, M P. Freitas, J.G.
2014
Revista Brasileira deEducação Especial, Marília,v. 20, n. 4, p. 485-496, Out.-
Dez., 2014
O Index para inclusão como Instrumentode Pesquisa: uma Análise Crítica
Santos, M. P.; Carneiro, L.
2014
Educação; Realidade, PortoAlegre, v. 40, n. 2, p. 485-
502, abr./jun. 2015
Planejamento de Estratégias para oProcesso de Inclusão: desafios em questão
Santos, M. P. Santiago, M;
2015
IV Colóquio InternacionalEducação, Cidadania e
Exclusão
A Complexidade da Inclusão noatendimento Educacional Especializado
Rocha, A. C.
2015
26
Revista Educação e CulturaContemporânea, vol. 13, no
33 (2016)
Plano Nacional de Educação (2014-2024):considerações omniléticas sobre o
patrulhamento ideológico e as diferençassilenciadas
2016
Revista Philologus, Ano 22,N° 64 Supl.: Anais do VIIISINEFIL. Rio de Janeiro:CiFEFiL, jan./abr.2016
Por políticas, culturas e práticas inclusivasno atendimento educacional especializado
2016
Fonte: www.lapeade.com.br
Porém, no que diz respeito à junção das palavras-chave argumentação e omnilética,
ainda não há trabalhos publicados.
Como resultado da análise desse levantamento bibliográfico, podemos concluir que até
o presente momento ainda não foram publicados trabalhos ou artigos que analisem a questão
da valorização docente partindo da análise dos seus argumentos numa perspectiva Omnilética,
onde o auditório seja a Universidade e os professores os oradores.
A Estrutura da Tese
Na busca por discutir e problematizar as questões que apresentamos anteriormente
elaboramos o presente estudo em seis capítulos e suas considerações finais.
No Capítulo 1, apresentamos as indagações iniciais sobre a questão da valorização-
desvalorização do professor a partir da perspectiva histórica pesquisada na dissertação de
Mestrado (CARNEIRO, 2010), sua aproximação com o Laboratório de Pesquisa, Estudo e
Apoio à Diversidade em Educação. Narramos a nossa trajetória na pesquisa-matriz
Construindo Culturas, Desenvolvendo Políticas e Orquestrando Práticas de Inclusão no
Cotidiano Escolar, e a nossa intenção em continuar a pesquisa sobre a valorização-
desvalorização da profissão docente partindo dos argumentos utilizados pelos professores
durante o desenvolvimento do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011).
No Capítulo 2, narramos a situação atual dos professores do Ensino Fundamental
ligados a SME-RJ e a sua luta pela definição da sua profissionalidade, fazendo inferência com
os documentos que regem a carreira.
No Capítulo 3, apresentamos os referenciais teóricos com os quais iremos analisar os
dados coletados na pesquisa-ação. Apresentamos a perspectiva Omnilética como uma
proposta inovadora para a análise dos argumentos e a Teoria da Argumentação como base
27
para a identificação das técnicas argumentativas utilizadas pelos professores no momento do
desenvolvimento do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011).
No Capítulo 4, apresentamos a metodologia da pesquisa-ação crítica e participativa,
escolhida para esse trabalho e que será aplicada no decorrer dos encontros realizados na
EMCP. Descrevemos, em detalhes, o material selecionado, o Index para inclusão (BOOTH;
AINSCOW, 2011), e apresentamos sua proposta de revisão do processo educacional por meio
das três dimensões - culturas, políticas e práticas. Em seguida, apresentamos a forma como os
dados (os argumentos) foram coletados e como procedemos à sua análise. Concluímos o
Capítulo apresentamos o campo da pesquisa e seus participantes.
No Capítulo 5, apontamos as categorias conceituais de análise e apresentamos o
primeiro quadro argumentativo destinado à análise. Em seguida, iniciamos as análises dos
tipos de argumentos numa perspectiva Omnilética. Finalizamos o capítulo com uma primeira
conclusão e indicamos os rumos que a pesquisa tomou.
No Capítulo 6, demonstramos que a metodologia escolhida, ou seja, a pesquisa-ação
crítica e participativa, propiciou a evolução do trabalho com a escolha da revisão e
reconstrução do Projeto Político-Pedagógico da EMCP. Analisamos omnileticamente, em três
etapas divididas em três quadros, os argumentos que envolviam o objetivo dessa pesquisa.
Nas Considerações Finais, apresentamos nossas impressões sobre as análises, por
meio da perspectiva Omnilética dos argumentos. Terminamos o trabalho apontando os
importantes desdobramentos que essa prática propiciou e indicamos possíveis continuidades.
28
1 A PESQUISA - SEU CONTEXTO E SUA TRAJETÓRIA
1.1 As indagações iniciais e sua relação com a minha trajetória acadêmica
Na dissertação de Mestrado, que realizei no PPGE/UFRJ (2010) sob o título A
Professora Primária e as Operações de Valorização/Desvalorização Profissional nos anos
1920-1930, cujo principal objetivo foi identificar a presença de operações de valorização e
desvalorização no processo de inserção da professora dos anos iniciais no contexto social e
profissional, dediquei-me a analisar os discursos proferidos pelos intelectuais da Educação –
Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Lourenço Filho e Almeida Jr - sobre a carreira do
magistério, nos anos entre 1920-1930.
Observei os argumentos que convergiam para a valorização e/ou desvalorização dessa
profissional, contextualizando tais discursos às concepções político-pedagógicas de seus
formuladores. Abordei o assunto na perspectiva da história cultural (CHARTIER,1995, LE
GOFF,1996), que entende que os textos, que materializam os discursos, são produtos da
maneira de pensar de uma época, cuja tendência a construir um saber coletivo desenvolvido
no cotidiano das relações sociais exerce forte influência na construção individual das
representações (SPINK, 1993).
Importante esclarecer que os discursos analisados na referida dissertação tomaram
como referência a produção e a compreensão de documentos que assumiram a condição de
monumentos (LE GOFF, 1996). Para Le Goff, a história – forma científica da memória
coletiva – é resultado de uma construção, sendo que os materiais que a imortalizaram são o
documento e o monumento. Para o autor (1996, p. 535),
[...] o que sobrevive não é o conjunto daquilo que existiu no passado, mas uma escolha efetuada quer pelas forças que operam no desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade, quer pelos que se dedicam à ciência do passado e do tempoque passa, os historiadores. Estes materiais da memória podem apresentar-se sob duas formas principais: os monumentos, herança do passado, e os documentos, escolha do historiador.
A pesquisa intencionou, por meio da análise histórica, observar e identificar como se
deram a produção de argumentos como mecanismos de valorização /desvalorização do
magistério primário. Durante o seu caminhar foi possível identificar a presença de estratégias
de valorização e desvalorização no processo de inserção da professora primária no contexto
social e profissional, sobretudo nos discursos formulados pelos educadores responsáveis pela
profissionalização dessa categoria. Do mesmo modo foi apontada a maneira pela qual as
29
professoras absorveram esses discursos e os transformaram em paradigmas de sua atuação
profissional. A pesquisa concluiu que a desvalorização do profissional docente não aconteceu
por acaso na história brasileira.
Durante o percurso desse estudo, pude fazer um levantamento dos discursos da época
(1920-30) e concluir que:
No entendimento de que as operações de valorização/desvalorização profissional exercidas em torno da professora primária diz mais sobre os discursos de convencimento da missão nata da mulher para a educação do que propriamente da sua capacidade intelectual, esta pesquisa propõe, como possível desdobramento, a possibilidade de investigar em que medida o reconhecimento político da sua ação educadora influencia na imagem social construída pelo senso comum, redimensionando a sua função social e o seu valor profissional. (CARNEIRO, 2010, p. 103).
Dar continuidade à investigação dos argumentos dos professores sobre sua condição
profissional nos dias de hoje poderia vir a ser um contributo positivo para compreender mais
profundamente a questão da dualidade entre valorização e desvalorização da carreira docente.
Essa dualidade estaria ligada diretamente à identidade profissional que, segundo
Nóvoa (1996),
[...] não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço em construção de maneiras de ser e de estar na profissão. Por isso, é mais adequado falar em processo identitário, realçando a mesma dinâmica que caracteriza a maneira como cada um sesente e se diz professor (NÓVOA, 1996, p.72).
Por conseguinte, uma investigação sobre a natureza dos argumentos usados pelos
professores durante a discussão dos problemas referentes aos alunos em situação de exclusão
mostrou-se bastante oportuna, pois revelaria suas concepções políticas, culturais e práticas
acerca de como cada um se sente na sua prática profissional. Dessa maneira, não há como
afastar a ideia de que a argumentação se desenvolve tanto para o auditório quanto para o
próprio orador, já que um dos grandes problemas que lhe cabe enfrentar é descobrir quais são
culturas, políticas e práticas lhes são próprias quando sua formação profissional está em
questão. Assim, o problema dessa pesquisa está concentrado na observação das diferentes
formas que assumem as argumentações dos docentes quando diante de um auditório especial e
quais adaptações o orador faz diante do discurso de inclusão/exclusão de alunos e de si
próprio enquanto professor diante das barreiras impostas (ou criadas) ao seu exercício
profissional.
30
Ressaltamos que o problema da pesquisa não se refere somente à escolha dos
argumentos a serem utilizados, mas quais culturas, políticas e práticas sustentam cada um
deles. Desejamos tornar visível, por meio da perspectiva Omnilética (SANTOS, 2012), a
argumentação dos professores como um processo de persuasão ou de convencimento, ou seja,
como uma argumentação pautada nas suas convicções e relatadas perante um auditório
relacionado com a Universidade, espaço acadêmico de produção de saber.
1.2 O Contexto da Pesquisa
Seguindo minha motivação, parti em busca de espaços acadêmicos que pudessem
oferecer suportes outros para a compreensão e discussão sobre as barreiras enfrentadas pelos
professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, na construção da própria identidade
profissional.
Neste mesmo período, 2012, o Laboratório de Pesquisa, Estudos e Apoio à
Participação e à Diversidade em Educação (LaPEADE), da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, abriu inscrições para o curso de Gestão de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva (GEPEI).
Minha identificação com essa proposta foi imediata já que, nessa mesma época, vivia
intenso dilema acerca da inclusão de um aluno, por parte dos gestores e professores da escola
onde atuo como supervisora pedagógica, que necessitava de um atendimento pedagógico
domiciliar. Motivar os professores a incluir um aluno que se encontrava nessa situação
requeria um cuidado que envolveria a revisita às culturas, políticas e práticas docentes, além
do fomento de atitudes positivas, de valorização do ensino e da aprendizagem. Isso provocou
importantes discussões em torno da relevante participação de todos da escola, professores e
gestores, e envolveu estudos e reflexões que viessem a favorecer a reorganização de seus
conhecimentos e levar a uma atuação docente mais eficiente e eficaz.
Interessada em continuar os estudos sobre o reconhecimento cultural, político e prático
da ação educadora pelo viés da Inclusão em Educação, procurei o LaPEADE e me dispus a
fazer parte do grupo de pesquisa. Minha proposta foi imediatamente aceita pela Coordenadora
Prof.ª Dr.ª Mônica Pereira dos Santos que, na época, precisava de ajuda na orientação do
projeto formado pelos professores da EMCP. Esse grupo surgiu a partir de uma solicitação
feita ao LaPEADE, pela professora da sala de atendimento educacional especializado da
Escola, para que fossem ministradas palestras que auxiliassem os professores da escola, no
sentido de ampará-los e orientá-los na busca de estratégias e soluções que os ajudassem a
31
enfrentar as fragilidades educacionais que vinham identificando no tocante à promoção de
inclusão. Sendo assim, em 2012, tornei-me pesquisadora e colaboradora do LaPEADE no
projeto da EMCP, entendendo que a inclusão em educação não abrangeria somente as
situações de exclusão de alunos com deficiência, mas a exclusão dos professores dos anos
iniciais, como profissionais políticos e intelectuais. Ser professor/professora significa, antes
de tudo, ser um sujeito que se reconhece como profissional autônomo, capaz de pensar,
discutir e promover ações pedagógicas, bem como envolver-se em discussão e elaboração de
novos projetos educacionais.
Todas as leituras desenvolvidas no projeto tomaram como base o Index para inclusão
(BOOTH; AINSCOW, 2011), instrumento de reflexão-ação que, desenvolvido com o apoio da
análise omnilética, coloca as instituições que o desenvolvem em contínua mobilização e
autoaperfeiçoamento.
Conforme as leituras do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011) aconteciam,
percebi que dar continuidade à investigação da relação entre os discursos de
valorização/desvalorização do magistério da Educação Básica e a construção da sua
identidade profissional poderia ser feito pelo viés da inclusão em educação e pela análise
omnilética dos argumentos utilizados pelos professores durante sua formação continuada.
Concordando com Santos et al. (2014),
[…] a leitura do Index para inclusão torna-se um momento de reflexão sobre as possibilidades de transformação das práticas diárias, seja na escola ou em outro ambiente social, como um referencial teórico. Basta uma rodada de leituras do Indexpara inclusão, uma discussão sobre os conceitos que definem as noções de barreiras à aprendizagem e à participação para que observemos a gama de oportunidades de interpretações que esse material oferece e que tocam de maneira quase íntima cada um que o estuda (SANTOS et al, 2014, p. 493).
O projeto da Escola Municipal Cícero Penna (EMCP) iniciou-se em fevereiro de 2012.
A primeira reunião aconteceu, na própria escola, entre a equipe do LaPEADE e os professores
do 1º segmento para apresentação do projeto, suas intenções e de que maneira aconteceriam
as discussões dentro daquela proposta.
A intenção inicial do projeto era mapear as barreiras à aprendizagem e à participação
dos alunos; identificar as dificuldades que porventura viessem a prejudicar a implantação de
alternativas de modificação de planejamento das atividades de sala de aula e auxiliar os
docentes em suas práticas cotidianas que suscitam tomadas de decisões no coletivo com o
comprometimento de todos no enfrentamento dos problemas institucionais. Pela crescente
demanda da problemática no ambiente escolar que causa as dificuldades de aprendizagem,
32
essa ação encontrou sua justificativa na possibilidade de fomentar a discussão de estratégias
que pudessem auxiliar na melhor compreensão de tais dificuldades por parte do corpo
docente, visando um desempenho efetivo da escola, como um todo, e o sucesso de seus
alunos, em particular.
Durante o desenvolvimento do projeto, os professores e gestores que se
comprometeram em participar das reuniões de formação continuada começaram a sinalizar
certo incômodo em relação aos outros colegas que não aderiram ao projeto. Aqueles, quando
indagados sobre sua recusa em participar dos encontros, alegavam preocupação em perder
horas de aula e atraso dos conteúdos didáticos. Isso nos levou a refletir sobre as barreiras
apresentadas pelos docentes como responsáveis pelo impedimento à sua aproximação com o
projeto. Nossa análise nos levou a compreender a posição desses professores com base no
argumento do desperdício. O argumento do desperdício fundamenta-se na estrutura do real e
consiste em dizer que é preciso ir até o fim de uma determinada ação mesmo sabendo que esta
pode não ser a melhor escolha, mas é inimaginável desperdiçar tanto esforço investido
partindo numa nova empreitada. Entendemos que os argumentos usados para justificar a
escolha ou a recusa em participar dessa atividade de aprofundamento e reflexão poderiam
estar diretamente relacionados com o discurso de valorização/desvalorização da função
docente e de reconhecimento político da sua ação educadora. Esses primeiros argumentos nos
chamaram a atenção, pois acreditamos que o professor tende a assumir um papel primordial
de dinamizador de participação e de mobilização quando o assunto está diretamente ligado à
sua prática. Compreender a escolha daqueles que optaram em não participar, naquele instante,
do projeto, mostrou-se fundamental para que pudéssemos considerar as culturas, políticas e
práticas de cada membro e os papéis a eles associados, bem como as normas organizacionais
que orientavam aquele grupo para o andamento daquela atividade. E foi na conjugação destes
fatores que definimos, posteriormente, as formas que cada um, pesquisadores e pesquisados,
estaria na escola. Nesta interação foram necessários ajustamentos mútuos, que ao longo do
tempo evoluíram permitindo que, no avançar dos encontros, alguns professores optassem por
aderir ao projeto.
Encontramos no Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011, p.11) a defesa da
ideia de que sem a participação não há como discutir a inclusão: “Aumentar a participação de
todos envolve desenvolver sistemas e ambientações educacionais de modo que estes sejam
responsivos à diversidade para valorizar igualmente a todos”. Isso implica olhar o espaço
ocupado pelo grupo coordenador e professores como um espaço social multidimensional de
33
relações sociais entre agentes que costumam compartilhar interesses próximos. Esse espaço
social pode ser melhor compreendido quando visto sob a proposição de Bourdieu (1996) que
nos chama atenção para a luta constante entre os atores sociais e a ocupação dos espaços nos
diferentes campos sociais. Segundo o autor, devemos aplicar o sentido marxista no que se
refere às classes sociais, pois estas somente se tornam classes mobilizadas e atuantes quando
acontece um trabalho político de construção. Em suas palavras, o espaço social costuma
apresentar-se como:
[…] um campo, isto é, ao mesmo tempo, como um campo de forças, cuja necessidade se impõe aos agentes que nele se encontram envolvidos e como um campo de lutas, no interior do qual os agentes se enfrentam, com meios e fins diferenciados conforme a sua posição na estrutura do campo de forças, contribuindo assim para a conservação ou transformação de sua estrutura (BOURDIEU, 1996, p. 50).
Desta forma, pudemos entender que o campo construído durante os encontros com a
equipe de desenvolvimento do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011) da EMCP
constituiu-se em um lugar de mudanças permanentes, pois ali existiam reais possibilidades de
transformação, que diferiam consoante a posição ocupada por cada um.
Os docentes que decidiram participar dos encontros, mesmo sabendo que não era
proposta principal do Laboratório tratar da inclusão na perspectiva da educação especial,
declararam não estarem preparados para enfrentar o trabalho pedagógico dos alunos com
deficiência sem o auxílio constante de um mediador. Alguns evidenciavam a falta de cursos de
capacitação para lidar com esse “tipo de aluno” (sic). Outros afirmavam desconhecer a
maneira correta de usar as novas tecnologias de informação como ferramenta para auxiliar os
alunos com necessidades especiais. Apenas no que dizia respeito ao currículo escolar, todos
eram unânimes: aluno deficiente não pode fazer as mesmas atividades que os outros alunos,
pois não são capazes de aprender as mesmas coisas. Então, o que realmente esperavam os
professores daqueles encontros?
A primeira exigência que essa questão provocou foi a necessidade de definir uma
posição política, para além da postura pedagógica, a favor da possibilidade de aprofundar os
debates que surgiram em torno da leitura do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW,
2011). A forma de pensar e agir expressa pelo grupo de professores, a partir das suas culturas,
políticas e práticas, parecia tender à aceitação das normas impostas pelos estamentos sociais
que se prestam à alienação da prática educativa como algo desprovido de autoria, ou, dito de
outra forma, de valor. Os primeiros dados encontrados no campo precisavam ser investigados.
34
Com essas questões em mente, construímos um projeto de pesquisa e o submetemos à
avaliação do PPGE/UFRJ, como requisito para a admissão no curso de Doutorado.
35
2 A VALORIZAÇÃO DO PROFESSOR – UM ARGUMENTO RECORRENTE
A questão da valorização dos professores nos parece ser um ponto de interseção nos
discursos e documentos produzidos pelos órgãos públicos envolvidos direto ou indiretamente
com o Ministério da Educação. Citamos, como exemplo, a 11ª Semana de Ação Mundial
(SAM 2013) que teve como tema “Nem herói, nem culpado. Professor tem que ser
valorizado!”, quando se refere à melhoria da educação pública. Outro exemplo é a estratégia
anunciada pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado, convocada para discutir
o Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), realizada no dia 15 de outubro de 2013, por
ocasião das comemorações do Dia do Professor, para promover uma melhoria dessa
qualificação. O secretário-executivo do Ministério da Educação (MEC) à época, José
Henrique Paim, lembra de ser o magistério a única categoria que tem piso estabelecido na
Constituição. Merece esclarecer que o estabelecimento do piso salarial para o magistério
remonta à Constituição Imperial.
Ao outorgar a Lei de 15 de outubro de 18276, o Imperador estabeleceu, no artigo 3º, a
responsabilidade dos presidentes dos distritos e províncias, em conselho, em taxarem
interinamente os vencimentos dos professores e das professoras, regulando-os de acordo com
o sexo do professor, as circunstâncias da população e as demandas dos lugares. Não apenas da
questão do salário dos professores tratava a lei, mas inclusive da formação docente,
estabelecendo currículo diferenciado para a formação dos professores e das professoras. Essa
preocupação com a retribuição salarial e com a formação diferenciada dos professores é algo
que reporta à constituição do Império Brasileiro e até hoje ocupa grande espaço nas
mensagens oficiais, conforme observamos na Lei do Piso (BRASIL, Lei n° 11.738, de 16 de
julho de 2008), que instituiu o piso salarial profissional nacional para os profissionais do
magistério público da Educação Básica, e na Resolução nº 7, de 26 de abril de 2012, do
Ministério da Educação.
Vale ressaltar que em 2012, segundo a reportagem de um jornal de grande circulação7,
o docente dos anos iniciais da Educação Básica, com formação em Pedagogia, recebia, em
média, somente 57% do registrado entre profissionais igualmente com formação superior. O
6Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM-15-10-1827.htm>. Acesso em: 22 mar. 2017.7Para conhecer um pouco mais sobre a participação da sociedade civil na Educação brasileira indicamos a página disponível em: <http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/>. Acesso em: 25 abr. 2015.
36
Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2001), para o decênio 2014-2024, aprovado pela Lei
Nº 13.005, de 24 de junho de 2014, estabelece, no seu Art.2º, as diretrizes para a educação
nacional. Dentre elas, destacamos a diretriz IX — a valorização dos (as) profissionais da
educação— que confirma a presença desta preocupação. Para garantir o alcance dessa diretriz,
estabeleceu-se a Meta 17, cujo propósito é: “valorizar os (as) profissionais do magistério das
redes públicas de educação básica de forma a equiparar seu rendimento médio ao dos (as)
demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência deste
PNE” (Nota Técnica: avaliação técnica da Meta 17, prevista no Projeto de Lei Ordinário
(PLO) nº 8035/2010, denominado Plano Nacional de Educação - PNE – correspondente ao
decênio 2011-2020.).
O piso salarial nacional do magistério, definido pela Lei do Piso (BRASIL, 2008) e
regulamentado pela disposição já prevista na Constituição Federal (alínea ‘e’ do inciso III do
caput do artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, BRASIL, 2008), e na
Lei de Diretrizes e Base da Educação – LDBEN ( BRASIL, 2012), é de R$ 2.298,80.
Segundo o Ministro da Educação, Mendonça Filho (2017), durante um
pronunciamento sobre o assunto: “o professor que tem carga horária mínima de 40 horas
semanais e formação em nível médio (modalidade curso normal) não pode receber menos do
que esse valor.” Nessa mesma reunião estava presente o presidente da União Nacional dos
Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Alessio Costa Lima, que explicou que a lei
estabelece o piso nacional do professor, não o percentual. Ele explicou que “O piso nacional
de R$ 2.298,80 é o valor sobre o qual nenhum professor do país inteiro pode ganhar menos”,
e ainda disse que “No entanto, temos diversas situações de municípios e estados que já pagam
os salários dos seus professores acima desse valor.” No caso desses estados, ainda segundo
Costa Lima, não há a necessidade de aplicar o percentual de 7,64%. 8
Outras metas foram traçadas no mesmo plano (PNE 2014-2024) com o objetivo de
valorizar a docência. É o caso das metas 15 e 18 que, possivelmente, implicarão na formação
da carreira do magistério: a meta 15, objetivando assegurar que todos os professores e
professoras da Educação Básica possuam formação específica de nível superior, em curso de
licenciatura na área de conhecimento em que atuam (BRASIL, 2015b), e a meta 18 tratando
da valorização dos profissionais da educação escolar básica, preocupando-se em retomar a
8O pronunciamento do Ministro da Educação pode ser lido na íntegra na página disponível em: <http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=43931>. Acesso em: 12 abr 2016
37
definição da nomenclatura “profissionais da educação escolar básica”. Conforme o artigo 61
da Lei n° 9.394/1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB):
Art. 61. Consideram-se profissionais da educação escolar básica os que, nela estandoem efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são: I – professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio; II – trabalhadores em educação portadores de diploma de pedagogia, com habilitação em administração, planejamento, supervisão, inspeção e orientação educacional, bem como com títulos de mestrado ou doutorado nas mesmas áreas; III – trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim. (BRASIL, 2009,).
Cabe destacar que a valorização do magistério compreende uma série de condições
que dizem respeito não apenas a um fator isolado como parecem demonstrar as Metas 15 e 18,
mas a um conjunto de fatores que incluem, além do econômico, o social, o político e o
psicológico. A luta pelo seu reconhecimento e valorização por vezes leva o professor a
utilizar-se do movimento grevista como um modo de resistência à prescrição excessiva do seu
trabalho e à consequente desvalorização da sua profissão.
Na pauta da greve dos professores do Município do Rio de Janeiro, em 2013, estavam
listadas algumas reivindicações, a saber: um reajuste salarial de 19%; um plano de carreira
unificado próximo ao que os professores da rede federal possuem; 1/3 da carga horária para
planejamento e melhoria das condições de trabalho nas escolas e creches. De acordo com o
Sindicato dos Professores Municipais do Rio de Janeiro9 (SEPE/RJ), a principal reivindicação
da classe era a revisão do plano de metas10 — programa que anunciava as cinco frentes de
trabalho para a educação pública ao longo dos próximos quatro anos. Os professores, apesar
de terem sido alvo de violenta ação por parte da Polícia Militar do Rio de Janeiro, no
momento em que ocupavam a Câmara Municipal da cidade, se manifestavam e lutavam por
uma política de educação que lhes permitisse autonomia, já que, com a política educacional
da SME/RJ em exercício à época, boa parte da metodologia aplicada em sala de aula e do
material pedagógico eram impingidos por empresas terceirizadas, fundações, organizações
não-governamentais (ONGs) e institutos privados. Os professores afirmavam que essa prática
propiciava a perda da autonomia na seleção e organização do material pedagógico, reduzindo
9Disponível em: <http://educacao.uol.com.br/noticias/2013/10/08/entenda-a-greve-dos-professores-da-rede-estadual-do-rj.htm>. Acesso em: 12 abr. 2016.10 Para mais detalhes sobre o plano de metas, sugerimos a leitura do texto publicado disponível em: <http://www.uff.br/observatoriojovem/materia/plano-de-metas-da-educaco-do-rio-de-janeiro-do-economicismo-ao-cinismo>. Acesso em: 12 abr. 2016.
38
os conteúdos didáticos em apenas o mínimo para atender às necessidades do mercado,
exigidas pelos exames do governo. Some-se aos baixos salários a falta de infraestrutura
mínima nas salas de aula para que a situação se tornasse insuportável e culminasse na
indignação da categoria.
De acordo com as informações colhidas no próprio site do SEPE/RJ11, as
reivindicações, à época, não foram atendidas e a luta contra o arrocho salarial, contra a
política pedagógica da Secretaria Municipal de Educação do Estado do Rio de Janeiro
(SME/RJ), exemplificada na proposta da prefeitura de “Reestruturação” da rede, e contra as
más condições de trabalho continuou em 2014.
O docente, em especial aquele ligado à SME/RJ, tem perdido progressivamente a
capacidade de decidir qual será o eixo norteador do seu trabalho, pois este chega previamente
estabelecido na forma de disciplinas, horários, programas, normas de avaliação e outras
estratégias determinadas pelas equipes gestoras. Hoje, o professor não goza de uma
independência completa. Mesmo possuindo competências adquiridas por meio da sua
formação acadêmica, no que diz respeito aos critérios de avaliação e gestão de suas aulas, o
gerenciamento da escola e a imposição de modelos pedagógicos invadem seu espaço de
atuação. Para fazer valer o direito à participação na implantação das políticas educacionais da
SME/RJ, lutando contra a falta de democracia desse órgão, o SEPE/RJ precisou, em 2006,
iniciar um processo civil para ter seus direitos respeitados. Entendendo que são eles, os
professores, os principais interessados nas mudanças promovidas pelo governo municipal na
sua rede, a Justiça deu a causa como favorável aos pleiteantes, restabelecendo alguns direitos
antes revogados. A adoção de formas de gestão autoritária, como o que ocorreu nos anos de
2008-2014, no Município do Rio de Janeiro, propiciou significativa redução da margem de
liberdade dos docentes devido aos processos de controle ideológicos e profissionais,
provocando a perda de autonomia profissional dos professores.
Falar do trabalho docente impõe enxergar os professores e professoras como
profissionais. Significa inquirir o sentido da autonomia na constante construção da identidade
profissional docente (APPLE,1989; CONTRERAS, 2012; DUBAR, 2005; KUENZER, 1999;
LAW, 2001; LIBÂNEO, 2001; PIMENTA, 2000), considerando suas culturas, políticas e
práticas pedagógicas. Defendemos, assim, a importância da construção da identidade docente
tendo a autonomia como condição provável para uma mudança na realidade educacional e
sociopolítica.
11Disponível em: <www.seperj.org.br> Acesso em: 15 fev. 2017.
39
Dubar (2005) nos apresenta a possibilidade de compreender o conceito de identidade
profissional como algo que pode dar “sentido à existência individual” (p. 352). Comumente
chamado de “ofício”, “vocações” ou “profissões”, o exercício da atividade não se limita à
troca de energia física e mental por um salário, mas traz uma recompensa simbólica de
satisfação pessoal e de reconhecimento social pelo esforço desprendido. Sendo coletivamente
reconhecida por um nome específico, a função desempenhada, durante o trabalho, cria um
sentido de pertencimento a uma determinada categoria. O espaço de reconhecimento dessa
identidade profissional é, segundo o mesmo autor, inseparável dos espaços de legitimação dos
saberes e competências a ela associadas. É possível, então, que tanto a identidade quanto a
autonomia dos docentes sejam constantemente consolidadas ou enfraquecidas pelos estímulos
que recebem no dia a dia, quando confrontadas pelas suas culturas, políticas e práticas.
Lawn (2001) afirma que a identidade do professor costuma ajustar-se à imagem do
projeto educativo da nação, por meio dos seus regulamentos, serviços, programas
educacionais e outros programas derivados do discurso educacional. Sendo assim, essa
identidade é produzida e reproduzida pelas mesmas ações que constroem os programas de
governo. Podemos considerar que essas ações, se não oferecem espaço para a autonomia do
professor na construção da sua prática pedagógica, podem interferir na construção da
identidade profissional.
Para Lawn (2001),
A identidade do professor tem o potencial para não só refletir ou simbolizar o sistema, como também para ser manipulada, no sentido de melhor arquitetar a mudança. A tentativa de alterar a identidade do professor é um sinal de pânico no controle da educação, ou um sinal da sua reestruturação (LAWN, 2001, p. 119).
Mas de que profissão estamos falando quando tratamos do magistério da Educação
Básica?
O Estudo Exploratório sobre o Professor Brasileiro (BRASIL, 2009), elaborado pela
Diretoria de Estatísticas Educacionais do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (Inep),
reconhece como docência a profissão cujo seu executor é o sujeito que está em sala de aula,
na regência de turmas e em efetivo exercício. Esse Estudo foi elaborado a partir dos dados do
Censo Escolar da Educação Básica de 2007 e tem o propósito de apresentar um conjunto de
informações sobre os professores das escolas brasileiras. Analisou a divisão da educação
básica em três etapas (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio), alertando
para a mudança do perfil do professor e das suas condições de trabalho.
40
De acordo com esse estudo, os professores da Educação Infantil (creche e pré-escola)
costumam ser docentes que trabalham em apenas uma escola, atendendo até duas turmas. Já
no Ensino Fundamental, aparecem diferenças entre os professores de anos iniciais e os dos
anos finais.
Os professores dos anos iniciais atuam, na maioria dos casos, em apenas uma turma
por turno e são multidisciplinares. Alguns são licenciados em Pedagogia, outros possuem
apenas o Curso Normal. Da mesma forma, há professores lecionando nos anos iniciais que
são graduados e licenciados em outras disciplinas, como Psicologia, Direito ou
Administração.
Os professores dos anos finais são especialistas com bacharelado e licenciatura na
disciplina em que atuam, e lecionam em várias turmas. No Ensino Médio, os professores são
especialistas de disciplina, da mesma forma que os professores dos anos finais do Ensino
Fundamental, atuando, igualmente, em diversas turmas.
Em especial, chamamos a atenção para a formação dos professores da Educação
Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Para atuar como professor, o candidato
pode escolher formar-se no antigo Curso Normal, em nível médio, ou no curso normal
superior, dentro dos institutos superiores de educação e ainda nos cursos de graduação
oferecidos pelas universidades – pedagogia e licenciatura.
Sobre a formação de docentes para a Educação Básica, os artigos 62 e 63 da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei nº 9.394/1996, dispõem que:
Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutossuperiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos 5 (cinco) primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio na modalidade normal.Art. 63. Os institutos superiores de educação manterão:I -cursos formadores de profissionais para a educação básica, inclusive o curso normal superior, destinado à formação de docentes para a educação infantil e para asprimeiras séries do ensino fundamental;II -programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior que queiram se dedicar à educação básica. (BRASIL, 2009).
Diferente daqueles que optam pela carreira de Engenharia, Arquitetura ou Medicina,
cuja formação básica para exercer a profissão é o bacharelado, para a carreira do Magistério
há um grande leque de opções. Observamos na página eletrônica do MEC12 a seguinte
orientação para quem quer exercer a profissão do magistério:
12Disponível em: <http://sejaumprofessor.mec.gov.br>. Acesso em: 15 fev. 2017.
41
Podem lecionar nos Ensinos Fundamental e Médio das escolas de Educação Básica, os graduados em licenciaturas e Pedagogia. Na Educação Infantil (creches e pré-escolas) e nos quatro primeiros anos do Ensino Fundamental, admitem-se professores com formação mínima de nível médio, na modalidade normal. Porém, o projeto de lei 5.395/09, que tramita no Congresso Nacional, prevê que apenas a Educação Infantil admita professores com formação mínima de nível médio, na modalidade normal. Para ingressar como professor de qualquer instituto federal, basta apenas a graduação. Entretanto, o plano de carreira prevê uma retribuição por titulação, que aumenta o salário caso o professor tenha mestrado, doutorado ou mesmo especialização. (grifos nossos) (http://sejaumprofessor.mec.gov.br/internas.php?area=como&id=requisitos.).
Dessas informações retiradas do portal eletrônico do MEC, podemos depreender que a
formação do professor da Educação Básica está prevista em leis e decretos. Os conteúdos a
serem estudados pelos licenciandos em Pedagogia estão preestabelecidos nos programas dos
cursos de licenciatura e pós-graduação. Há um saber reconhecido que deve ser passado a esse
formando para que o habilite a desempenhar seu ofício, tornando-o um profissional consciente
de suas competências e habilidades.
Sabemos que a profissionalização costuma ser legitimada pelo seu saber científico e
isso nos permite atentar a um fato destacado por Contreras (2012, p. 69) que diz respeito à
formação do professor em relação a outras categorias profissionais:
Diferentemente de outras ocupações, nas quais há uma continuidade de formação e detitulação entre os que exercem diferentes funções dentro de uma mesma comunidade de discurso, no caso do ensino parece haver uma fratura entre os que possuem um conhecimento reconhecido e uma legitimação científica sobre a docência enquanto campo discursivo, por um lado, e os professores (não universitários), por outro (CONTRERAS, 2012, p. 69).
Assim posto, entendemos que quando perguntamos sobre qual profissão estamos
falando quando tratamos do magistério da Educação Básica, devemos levar em consideração
também a histórica caminhada de desvalorização profissional.
Incluir esse dado nas nossas reflexões apresentou-se como uma das formas de
descobrir as nuances do processo que leva ao atual quadro profissional do magistério.
42
3 A ESCOLHA DOS REFERENCIAIS TEÓRICOS
“Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: - Me ajuda a olhar!” (GALEANO, 1989).
3.1 A Perspectiva Omnilética
Esta tese apresenta particularidades em sua configuração metodológica, pois trabalha
com uma perspectiva pouco conhecida nos meios acadêmicos. Esse fato poderá causar alguma
estranheza inicial, porém, procuraremos demonstrar como essa nova proposta é capaz de
tornar possível uma interpretação baseada nas culturas, políticas e práticas humanas,
dialeticamente relacionadas e explicitamente complexas sem, no entanto, serem complicadas
de se entenderem.
A abordagem teórica que pretendemos utilizar nesta pesquisa, e que nos ajudará a
olhar o campo, é a perspectiva Omnilética (SANTOS, 2012, 2013). O termo omnilética foi
criado pela professora Dr.ª Mônica Pereira dos Santos a partir de três elementos morfológicos:
o prefixo latino omni, que significa tudo e/ou todo; o termo grego leto que, como substantivo,
significa um grupo de elementos linguísticos que diferenciam grupos de acordo com suas
variações de fala, e como verbo significa aquilo que está oculto; e o sufixo grego ico, que
significa ‘pertinente a’, ‘relacionado com’, indicando a ideia de referência e de relação
(SANTOS, 2013).
Construiu-se o termo omnilética para caracterizar uma perspectiva de análise que
significa, em última instância, compreender os fenômenos sociais em sua integralidade visível
e em sua potencialidade invisível, mas não necessariamente ausente, seja por estar apenas
oculta, seja por existir, ainda, apenas potencialmente (SANTOS, 2013). Significa entender a
integralidade de leis, decretos, diretrizes (e os recortes analíticos suscitados pela pesquisa) em
seus elementos únicos, íntima e dialeticamente relacionados e complexos, o que envolve
cultura, política e prática em relação.
A perspectiva analítica omnilética, segundo Santos (2013, p. 23), é um modo de
explicar/conceber e ser ao mesmo tempo. Um conceito, portanto, de caráter tanto reflexivo e
contemplativo quanto aplicativo às práticas, ao seu modo de ser.
43
A base epistemológica dessa proposição está, de acordo com Santos (2015), nas
dimensões propostas por Booth (2011), de culturas, políticas e práticas; nos conceitos de
dialética, inspirados no ideário marxiano (Konder, 1981; Luckács, 2003) e na ideia de
complexidade das relações (Morin, 2006).
De acordo com Santos e Santiago (2014, p. 487), a omnilética parte do princípio de
que:
[...] todo e qualquer fenômeno humano e social pode ser compreendido (e desafiado)a partir do reconhecimento das relações, ao mesmo tempo, dialéticas e complexas, das três grandes dimensões nas quais manifestamos nossa existência pessoal, coletiva e institucional: a das culturas, políticas e práticas. A dimensão das culturas refere-se a valores que temos e justificativas que damos para explicar o mundo. A das políticas faz referência não apenas às conhecidas políticas públicas, como também abrange toda intenção expressa que tem por objetivo orientar e organizar ações. Políticas refletem decisões tomadas e geralmente implicam em planos de ação. A das práticas refere-se às práticas e ações pessoais e sociais propriamente ditas, a o quê e como fazemos as coisas.
Omnilética significa, então, uma maneira totalizante de compreender as diferenças
como partes de um quadro maior, caracterizado por suas dimensões culturais, políticas e
práticas em uma relação ao mesmo tempo complexa e dialética (SANTOS, 2013). O conceito
omnilético ultrapassa a dimensão inicial que, na sua criação, inspirou-se na amplitude do
pensamento de Luckács (2012), de Leandro Konder (1981) e de Edgar Morin (1977, 2011) e
expandiu-se, a partir da síntese de elementos dialéticos inseridos nas culturas, nas políticas e
nas práticas pedagógicas, em direção à criação de um corpo analítico.
Ao fundamentar o presente estudo na perspectiva Omnilética, elegemos a análise dos
argumentos elencados pelos professores como categoria por considerá-los o mais relevante do
processo de reflexão sobre os indicadores do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW,
2011). Os dados mais significativos para a construção de uma abordagem específica do
argumento, centrado na Teoria da Argumentação de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996),
serão interpretados à luz da perspectiva analítica omnilética.
Com efeito, para que essa maneira omnilética de perceber a totalidade seja um
pensamento aplicável, e para que possa estar em condições de oferecer bases para uma
análise, a sua constituição deverá passar, durante cada efetivo exercício da análise dos
argumentos extraídos e destacados dos encontros entre professores, por alguns procedimentos
filosóficos, como a dialética e a complexidade, que se apresentam como pressupostos
imprescindíveis para o alcance do seu pleno e rico significado. Esse trajeto omnilético
44
(culturas, políticas, práticas, dialético e complexo) é o procedimento escolhido como sendo
possível de proporcionar um estatuto científico à referida pesquisa.
A totalidade é uma das categorias fundamentais da perspectiva Omnilética e que pode
ser melhor compreendida a partir do conceito elaborado na década de 1940 por Lukács, que
assim a definia:
A categoria de totalidade significa (...), de um lado, que a realidade objetiva é um todo coerente em que cada elemento está, de uma maneira ou de outra, em relação com cada elemento e, de outro lado, que essas relações formam, na própria realidadeobjetiva, correlações concretas, conjuntos, unidades, ligados entre si de maneiras completamente diversas, mas sempre determinadas (LUKÁCS, 1967, p. 240).
A categoria da totalidade, na perspectiva Omnilética, não pode ser compreendida sem
que sejam discutidas as questões das culturas, políticas e práticas em jogo, para não incorrer
no erro de obter-se, na apropriação e no decorrer da análise dos argumentos, uma
interpretação superficial. Sem essa discussão, em vez de contribuir para revelar o que de
explicativo há no argumento, correríamos o risco de criar um obstáculo intransponível para
sua análise.
A totalidade de um determinado fato, assim compreendida, constituiu-se de um todo
composto por partes e de relações conectadas entre si e em constante movimento. A
fragmentação do todo em partes pode causar uma desarticulação, possivelmente impedindo a
compreensão do todo. Da mesma forma, o conhecimento das partes isoladas do todo não é
conhecimento nem das partes e nem do conjunto.
De acordo com Konder (1986, p. 36) “Qualquer objeto que o homem possa perceber
ou criar é parte de um todo.”. Cada parte também é um todo, um universo em si. Essa ideia
aproxima-se de uma definição do significado de cultura na perspectiva Omnilética.
Para Booth e Ainscow (2011), as culturas refletem as relações pessoais, os valores e
crenças profundamente enraizados. Esse conjunto de ideias, comportamentos, símbolos e
práticas sociais são passíveis de serem aprendidos e apreendidos, passados de geração a
geração por meio da vida em sociedade. Devido à sua característica cumulativa, as culturas
são herdadas entre as gerações, onde vão se transformando, perdendo e incorporando outros
aspectos.
Geertz acredita que a cultura seja formada por construções simbólicas. Para ele, “a
análise cultural é intrinsecamente incompleta e, o que é pior, quanto mais profunda, menos
completa” (GEERTZ, 1989, p. 39). Essa perspectiva semiótica que o autor utiliza para
explicar como é que o ser humano interpreta o entorno/ambiente que o envolve, como elabora
45
o conhecimento e os significados, nos aponta para uma abordagem interpretativa do seu
estudo, comprometendo-se “com a visão da afirmativa etnográfica como essencialmente
contestável” (idem). A cultura, então, é vista como uma ciência interpretativa, à procura de
um significado.
Segundo Geertz (1989):
Acreditando, como Marx Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado. É justamente uma explicação queeu procuro, ao construir expressões sociais, enigmáticas na sua superfície (GEERTZ, 1989, p. 39).
Importante ressaltar que o conceito de cultura possui grande ambiguidade e
diversidade de uso, principalmente nas ciências sociais. A polissemia de definição e
delimitação do termo nos levou a pesquisar seus diferentes sentidos. No dicionário Michaelis
online, podemos encontrar, como significado de cultura, 21 (vinte e uma) referências, sendo
que, para efeito de demonstração deste trabalho, destacamos três, a saber:
13-Sociologia: sistema de ideias, conhecimentos, técnicas e artefatos, de padrões de comportamento e atitudes que caracteriza uma determinada sociedade. 14-Antropologia: Estado ou estágio do desenvolvimento cultural de um povo ou período, caracterizado pelo conjunto das obras, instalações e objetos criados pelo homem desse povo ou período; conteúdo social. 15-Arqueologia: Conjunto de remanescentes recorrentes, como artefatos, tipos de casas, métodos de sepultamento e outros testemunhos de um modo de vida que diferenciam um grupo de sítios arqueológicos. (MICHAELIS, 2015.).
O objetivo deste trabalho não é estabelecer uma definição última para o termo cultura,
mas apenas discutir significados associados a ele e esclarecer qual é a acepção de cultura aqui
utilizada na análise dos argumentos dos professores.
A primeira diferenciação que pretendemos deixar clara é em relação ao uso do termo
“cultura” no singular. Quando o termo “cultura” é usado no singular induz à aceitação de uma
cultura única onde um conjunto de características pré-determinadas define igualmente os
membros de um determinado grupo. Se pensarmos na definição de cultura a partir do senso
comum, a encontraremos fortemente ligada ao conceito de erudição. Essa perspectiva, que é
tão forte, foi bem destacada por Bourdieu e Passeron (2015) quando analisaram o processo de
perpetuação e legitimação da herança cultural da classe dominante por meio da desigualdade
do acesso aos meios e processos de escolarização. Desse ponto de vista, cultura define, então,
46
uma unidade que historicamente foi usada para demarcar fronteiras, sejam elas sociais ou
tecnológicas.
Durante muito tempo a cultura foi entendida numa perspectiva linear, ancorada de
forma resistente e conservadora nos modelos conservadores de tradições religiosas e
aristocráticas e que faziam parte de um mundo que resistia e se articulava sob o discurso de
que desenvolvimento cultural de uma determinada sociedade demonstrava sua evolução a
partir de um estágio anterior avançando a um outro estágio mais desenvolvido. A cultura,
como própria da humanidade, esteve associada à ideia de progresso, evolução, educação e
razão, servindo para classificar, determinando uma escala hierarquizada. Essa ideia de linha
evolutiva da cultura serviu durante muito tempo para balizar o preconceito e a discriminação
racial. A diversidade cultural das várias sociedades representava estágios de evolução cultural
diferentes. Assim, o ameríndio estaria no estágio cultural de selvageria enquanto o europeu
ocuparia um lugar muito mais avançado nessa escala cultural.
Defendemos que a palavra cultura deva estar sempre no plural, pois convivemos com
uma pluralidade de culturas; um indivíduo não pertence a uma única cultura, mas a várias
culturas diferentes. Não podemos negar que as nações, sociedades e grupos humanos estejam
em constante interação. Essa interação proporciona uma riqueza incontável de formas de
construções sociais, de modo que a realidade social está sempre em transformação. Santos
(2006) afirma que é fundamental entender os sentidos que uma realidade cultural tem para
aqueles que a vivem.
A maneira que conduzimos até aqui a questão das culturas aproxima-se de Santos
(2006) quando este propõe que esse conceito possa ser visto sob dois aspectos: o aspecto da
realidade social e o aspecto do conhecimento. Para a autora, “cultura diz respeito a tudo
aquilo que caracteriza a existência social de um povo ou nação, ou então grupos no interior de
uma sociedade” (SANTOS, 2006, p. 24). Mesmo que consideremos de forma particular a
cultura de um determinado grupo social, povo ou nação, encontramos a indissociabilidade
entre as culturas que os permeiam. Isso porque é inegável a interação entre os povos.
Indubitavelmente, a discussão sobre cultura é muito importante, pois permite-nos olhar por
diversos ângulos a nossa própria constituição social. Nossas crenças e valores pessoais são
adquiridos ao longo de nossa história de vida e de nossos aprendizados, sendo alterados de
acordo com o tempo.
Sustentamos a ideia de que não se pode propor um estudo dos argumentos dos
professores sem ter em mente as complexas inter-relações entre cultura, política e prática, e o
lugar daqueles que participaram da construção do Projeto Político-Pedagógico da escola. A
47
prática profissional é, certamente, resultado de uma especialização e, portanto, baseada em
destrezas desenvolvidas em situações rotineiras. É essencial, como nos afirma Contreras
(2012), que o profissional da educação tenha liberdade para realizar seus próprios juízos,
baseados na sua cultura, com respeito à prática apropriada.
Entendemos, desta forma, que a cultura é uma dimensão do processo social e que
podemos utilizá-la para compreender aspectos da formação social, em especial, a formação da
classe dos professores.
Segundo Bourdieu:
A cultura dominante contribui para a integração real da classe dominante (assegurando uma comunicação imediata entre todos os seus membros e distinguindo-os das outras classes); para a integração fictícia da sociedade no seu conjunto, portanto, a desmobilização (falsa consciência) das classes dominadas; paraa legitimação da ordem estabelecida por meio do estabelecimento das distinções (hierárquicas) e para a legitimação dessas distinções (BOURDIEU 1989, p. 10).
Importante notar que o estudo da cultura não se restringe apenas às suas expressões e
representações, mas à maneira como ela se relaciona com as expressões de dominação de
classe. É igualmente certo que os processos culturais estão intimamente relacionados com os
processos educacionais e que estes reproduzem as relações de poder existentes dentro da
sociedade.
Marx (1977) nos diz que:
A teoria materialista de que os homens são produto das circunstâncias e da educaçãoe de que, portanto, homens modificados são produto de circunstâncias diferentes e de educação modificada, esquece que as circunstâncias são modificadas precisamente pelos homens e que o próprio educador precisa ser educado. Leva, pois, forçosamente, à divisão da sociedade em duas partes, uma das quais se sobrepõe à sociedade (MARX, 1977, p. 118-119).
Compartilhando desse pensamento, podemos dizer que a perspectiva Omnilética
propõe a compreensão das culturas como processos dialéticos e complexos, em que se
considera as mudanças manifestas de maneira observável ou apenas pressentidas, que se
apresentam de forma oculta, quantitativas ou qualitativas, e que podem ocorrer de modo
gradual ou repentino, apresentando-se na forma de saltos de um estado de coisas para outro
como resultado do cruzamento de uma série de saberes relacionados com as políticas e as
práticas de cada um.
O conceito de políticas adotado neste trabalho aproxima-se da definição de que
política é uma atividade orientada ideologicamente para a tomada de decisão. Numa ótica
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prática, podemos considerar que políticas nessa perspectiva significa aquilo que a sua raiz
etimológica propõe: viver em sociedade.
Booth e Ainscow (2011) nos expõem que:
Os valores são compreendidos pela observação de ações, assim como a compreensãoda natureza das políticas depende da observação de tentativas de influenciar a prática. Colocar a palavra ‘política’ na capa do documento não o torna uma política em nenhum sentido importante, a menos que represente a clara intenção de regular aprática. Sem uma estratégia de implementação, a dita política documental se torna retórica, usada talvez somente para impressionar inspetores e visitantes (BOOTH; AINSCOW, 2011, p. 46).
Agir cooperativamente, com coleguismo e solidariedade, é uma escolha que envolve
um posicionamento político, já que as políticas são uma referência permanente no nosso
cotidiano cultural, pois estão diretamente relacionadas com as questões sociais.
Num significado mais abrangente, o termo “política” pode ser entendido como um
conjunto de regras ou normas de uma determinada instituição.
Booth e Ainscow (2011) situam o conceito de políticas no campo do comum, ou seja,
no espaço onde é possível abarcar todas as atividades e práticas que devam ser partilhadas. No
Index para inclusão, material utilizado como base para essa pesquisa, os indicadores tratam
das questões políticas do dia a dia da escola, ou seja, propõem reflexão sobre as decisões que
são tomadas diariamente no fluxo do dia escolar e que têm a ver com as nossas culturas e
práticas. Assim, para nós, as políticas de trabalho de uma escola e de sua equipe devem ser
definidas a partir da visão, missão, valores e compromissos com os alunos.
Contreras (2012) chama a atenção para o fato de que esse fluxo escolar não é algo
rotineiro, pois as situações vividas na escola, em especial numa sala de aula, são situações
complexas onde se faz necessário manipular diariamente novos problemas. Ainda que o
conhecimento adquirido por meio da experiência vivida em cada situação escolar seja
importante, ele é insuficiente para atender às solicitações diárias. Isso nos leva a considerar a
importância de um corpo disciplinado de aquisição de conhecimentos. Contreras (2012) atenta
para o fato de que a primeira dimensão da profissionalidade docente advém do fato de que
supõe um compromisso de caráter moral. Na perspectiva Omnilética, essa dimensão está
fortemente ligada às culturas, porém confere essa “obrigação moral” da mesma forma à
dimensão política, já que os valores estão relacionados a princípios, à conduta ética, às
normas comportamentais entendidas como um código deontológico. Assim como políticas
podem ser definidas a partir das culturas, as culturas podem ser definidas a partir das políticas.
49
Para Charlot (1986, p.11), “a educação é política”. Porém, não basta apenas
acrescentarmos o termo “política” ao projeto da escola para termos o seu entendimento
máximo. Como já comentamos, não basta somar as partes (projeto + político + pedagógico)
para formarmos o conceito de totalidade sobre a função política da educação. Como sugere o
autor, “não basta, portanto, afirmar que a educação é política. O verdadeiro problema é saber
em que ela é política” (CHARLOT, 1986, p.13)
Sabemos que os processos educacionais estão intimamente ligados aos processos
sociais, por isso afirmamos que a educação é política quando assume e transmite os modelos
sociais. As teorias e as práticas pedagógicas estabelecem relação direta com as bases das
relações sociais para melhor orientar as ações referentes à manutenção do status quo. Essas
condutas são definidas a partir dos modelos culturais postos em evidência num determinado
momento. A estrutura social determina quais as leis e regras que devem ser seguidas. Por
outro lado, “acreditar que é inexorável a adaptação dos indivíduos às normas da sociedade e
que os padrões sociais são imutáveis, corresponde a crer também que a sociedade onde
vivemos é estática e imutável, o que não é verdade” (ROBLE, 2008, p.11). Nos currículos
escolares, encontramos cada vez mais “matérias” a serem lecionadas e que dizem respeito
diretamente aos problemas relacionais que a própria sociedade gerou, tais como a homofobia,
o racismo, a violência, a gravidez na adolescência, a importância do voto, o respeito no
trânsito, a ética profissional, entre outros. Sabemos que a questão do analfabetismo é um
problema formal da escola, mas eliminar, por exemplo, a homofobia, que é um fenômeno
muito mais amplo, alimentado, inclusive, pelas formas tradicionais de relacionamentos
humanos, passando pela mídia, pelas religiões conservadoras e pelo modelo patriarcal de
família, não cabe somente à escola.
Percebe-se, então, que essas discussões, quando dentro da escola, são admitidas
possivelmente com o objetivo de corrigir e reestabelecer as estruturas determinantes e
fundamentais da sociedade, mantendo a conformidade com as suas exigências locais e
globais. A transmissão de valores está garantida por meio da impregnação de modelos de
comportamentos por visões religiosas e conservadoras.
A educação, em vista disso, transmite modelos sociais de comportamentos esperados.
As relações culturais de dominação estão presentes na escola, garantindo a geração e
transmissão de um quadro de valores que legitimam os interesses dominantes no momento.
Bourdieu (2007) discute essa dominação cultural por meio do conceito de “capital cultural”.
Segundo o autor, capital cultural diz respeito àquilo que se acumula na educação, na forma da
incorporação de conhecimentos aprendidos em livros, ou institucionalizados por meio de
50
diplomas, títulos e certificados. A escola teria como função constituir-se como um espaço de
reprodução de estruturas sociais e de transferência de capitais (incorporados ou
institucionalizados) de uma geração para outra. É nela que o legado econômico da família se
transforma em capital cultural.
Uma vez que o conceito de capital cultural se mostra como uma ferramenta importante
para apreender a dimensão simbólica da luta entre os diferentes grupos sociais (como a luta
pela legitimação de certas práticas sociais e culturais que servem para definir e distinguir os
critérios de poder dos diversos grupos pela posse da cultura dominante), acreditamos que a
escola possui alguma responsabilidade na perpetuação das desigualdades sociais. Mesmo
estando o discurso político educacional atual voltado para a igualdade de condições, para o
acesso e permanência do aluno na escola, garantindo, assim, que todos sejam tratados como
iguais em seus direitos e deveres, o sistema escolar ainda é levado a dar sanção às
desigualdades iniciais diante das culturas. Na escola, os alunos sofrem a influência dos
modelos marcantes e essa ação é sempre uma ação política. Pode-se, então, concluir que a
escola é uma instituição social cuja organização e funcionamento estão diretamente
relacionados com o modelo político e econômico vigente uma vez que depende direta ou
indiretamente do financiamento, público ou privado, para exercer o controle e gestão do seu
corpo docente e discente, além de funcionários e agentes educacionais.
É possível, então, definir a expressão política da escola numa perspectiva idealista,
como atividade transformadora da realidade social, já que desempenha função instrumental da
propagação de interesses e difusão dos ideais político-sociais (CHARLOT, 1986).
Segundo o autor,
Essa dependência multiforme da escola com relação à sociedade determina, ao mesmo tempo, as finalidades da instituição escolar (formação de crentes, de cidadãos, de trabalhadores, de funcionários, de técnicos, etc; formação de massa ou formação de uma elite) e sua organização interna (poder de decisão e de organização, tipo de ensino, modo de controle pedagógico, forma de seleção, etc) (CHARLOT, 1986, p. 21).
Porém, mesmo pensando a educação e as suas consequências políticas, os professores
tendem a afastar essa ideia do processo educativo encarando apenas o fim da educação como
um fim cultural. É inegável que, por ter consequências políticas, a educação é politicamente
determinada. Portanto, a educação não pode ser vista apenas como responsável pela
transmissão dos ideais culturais de uma determinada sociedade.
Apple (2002) afirma que
51
[…] ao vermos a escola apenas em termos reprodutivos, em essência, como uma função passiva de uma ordem social externa iníqua, torna-se difícil gerar qualquer ação educacional séria de qualquer tipo. Pois, se as escolas são inteiramente determinadas e não podemos fazer mais do que espelhar as relações econômicas fora dela, então nada pode ser feito dentro da esfera educacional (APPLE, 2002, p. 84).
Reconhecendo a escola como espaço de produção de resistência e de convivência,
onde o exercício da cidadania é favorecido, possuidora de formas de organização, normas e
procedimentos que estão além dos aspectos formais de sua estrutura, será possível a criação
de mecanismos pelos quais possamos permitir e incentivar ou, ao contrário, inibir e restringir
as formas de participação daqueles que constituem a escola. Nesse sentido, uma escola, por
exemplo, que pretende atingir de forma gradativa e consistente crescentes índices de inclusão,
isto é, aumentar as possibilidades de enfrentamento das barreiras excludentes, não pode deixar
de considerar, como parte integrante de seu projeto, o compromisso de participação.
Charlot (1986) afirma que a educação nos é apresentada sem cessar como um processo
cultural, ocultando sua significação social e política. Significação essa que nos parece ser
constantemente dissimulada, escondida por trás do discurso de que a educação deve ser
apolítica. Significa dizer que os professores não são os agentes legítimos nem legitimados,
chamados a opinar ou a responder sobre o problema político da educação. É nesse caldo
cultural que o sentido de desvalorização docente é cultivado.
Paulo Freire (2015) considerou, em sua obra Pedagogia da Autonomia, que não há
neutralidade na educação, pois toda prática de ensino, principalmente aquela que se diz
neutra, está carregada de ideologia política. O Projeto Político-Pedagógico de qualquer escola
é construído baseado na visão de mundo dos seus construtores e, portanto, por uma escolha
política que privilegia determinadas culturas, que necessariamente expressam um certo
conjunto de crenças e valores. Consequentemente, uma mudança significativa da educação
não é possível sem a transformação do quadro social, no qual as práticas educativas se
apoiam.
Esse quadro social foi semelhantemente discutido por Bourdieu quando afirma que
[...] a desigualdade inicial das diversas camadas sociais diante da escola aparece primeiramente no fato de serem desigualmente representadas. Ainda seria preciso observar que a parcela de estudantes originários das diversas classes reflete apenas incompletamente a desigualdade escolar, as categorias sociais mais representadas noensino superior sendo ao mesmo tempo as menos representadas na população ativa” (BOURDIEU, 2015, p. 16).
52
É superficial em demasia afirmar que a desigualdade social se baseia apenas na
questão do capital cultural e que as vantagens ou desvantagens educativas estariam sujeitas
apenas às escolhas iniciais dos familiares. Devemos lembrar que, para Bourdieu (1975), a
classe social que exerce dominação especificamente sobre o campo pedagógico induz o
sistema de ensino ao cumprimento de duas funções: a) fazer com que as classes inferiores
reconheçam a cultura dessa classe dominante como a única cultura legítima; b) dificultar o
acesso a tal cultura. Dentro do sistema de ensino, a ação pedagógica é política quando os
professores aderem e participam dessa dupla empreitada por meio de instrumentos de
avaliação e planejamentos de conteúdos estritamente voltados para um tipo de valorização
cultural.
Na prática, a ação política do professor se revela, por exemplo, na adoção rígida de um
código linguístico de elite. Segundo Bourdieu (1975), toda a ação pedagógica é,
objetivamente, uma violência simbólica: simbólica enquanto imposição, por poder arbitrário,
de um arbitrário cultural.
Booth e Ainscow (2011) definem a prática pedagógica como aquilo que tem a ver com
o que é aprendido e ensinado e como isso é feito. Posto desta forma, aproxima a prática
pedagógica ao papel da educação na sociedade, ou seja, educação com o propósito de
redenção, de reprodução ou de transformação da sociedade. No entanto, não podemos negar
que, qualquer que seja a escolha pedagógica do professor, ela estará diretamente relacionada
com a sua escolha política. Nas suas práticas, o professor faz escolhas do tipo: “por que este e
não aquele conteúdo?”; “por que esta forma de avaliar e não aquela outra?”; “qual cultura
prestigiar em detrimento de outras avaliadas como de menor valor?”. Observar e discutir as
práticas cotidianas da sala de aula e a forma pela qual professores constituem o corpus formal
do conhecimento escolar são instrumentos que nos permitem identificar as culturas e as
políticas estabelecidas nessa relação de poder.
Culturas, políticas e práticas são dimensões abordadas pelo Index para inclusão para a
revisão detalhada do processo educativo e da estrutura organizacional da escola. Como
dimensões da perspectiva Omnilética, o desenvolvimento de culturas, políticas e práticas
aponta para a necessária compreensão da complexidade desse mesmo processo. Relações
dialéticas e complexas estão sempre presentes no fazer diário da sociedade. De acordo com a
perspectiva Omnilética, os valores e crenças (culturas), a organização dos pensamentos, dos
saberes e das ações (políticas e práticas) costumam estar em constante confronto e/ou em
convergência dentro do campo social onde ocorrem. Um campo é concebido, assim, como um
espaço social multidimensional de relações culturais, políticas e práticas entre agentes que
53
compartilham interesses em comum, disputam ideias específicas, mas que nem sempre
dispõem dos mesmos recursos e saberes.
O conceito de campo social aqui adotado aproxima-se da interpretação dada por
Bourdieu (2004), ou seja, daquela construída a partir dos esquemas de percepção, pensamento
e ação que são constitutivos daquilo que o autor chama de habitus, bem como das estruturas
sociais chamadas de grupos ou classes sociais. No campo social podemos observar a
autonomia de um certo tipo de cultura, ao mesmo tempo que as culturas não dominantes estão
em concorrência e disputa interna. Observar as dimensões destacadas na perspectiva
Omnilética em ação dentro do campo social e relacional é possível quando a isso são
reconhecidas a dialética e complexidade das posições tomadas, vistas, em especial, nos
argumentos dos participantes do grupo. No campo educacional, objeto dessa pesquisa, e no
qual são determinadas as posições sociais dos professores, observamos que a argumentação
revelada demarca, entre outras, as figuras de “autoridade”, detentoras de maior volume de
capital cultural.
Para melhor entender a complexidade das práticas realizadas no campo educacional
constituído pela Escola Municipal Cícero Penna, onde a pesquisa aconteceu, fez-se uso da
teoria do pensamento complexo, de Morin (2011). O autor nos convida a ir além do
mecanismo do pensamento especializado ou fragmentado que nos coloca em compartimentos
disciplinares e curriculares, rejeitando os laços entre sujeitos e seus contextos. A
complexidade da análise das práticas reside no fato de que as ações constituem um sistema de
interferências de inúmeros componentes e são tecidas de acontecimentos e de
entrelaçamentos. Essa complexidade está na base da própria cultura que, para o autor, é
aquela que fornece ao pensamento as suas condições de formação, de concepção e de
conceitualização. As culturas são expressas nas práticas da escola e percebidas por meio dos
argumentos proferidos pelos professores no momento em que o grupo se reúne para discutir
as barreiras enfrentadas diariamente, seja na sala de aula, seja com os alunos com
necessidades especiais. De acordo com Mazzoti e Oliveira (2000, p.8 ), “sempre estamos
envolvidos em procedimentos argumentativos que objetivam justificar nossas afirmações”.
Essas interferências, sejam de caráter cultural, sejam de caráter político, tendem a
complexificar as práticas quando analisadas a partir dos indicadores propostos no Index para
inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011).
Olhar os argumentos numa perspectiva Omnilética nos possibilita alcançar um
espectro muito mais amplo de análise, pelo fato de não tender à redução de uma ou duas
opções, mas por permitir um diálogo entre diferentes possibilidades, criando sentidos entre os
54
subsistemas. Ela nos convida a abandonar um pensamento reduzidamente objetivo,
determinado e estável e considerar que é possível serem as estruturas determinadas no tempo
e no espaço. Quando cercamos de tipologia as nossas observações acabamos por restringir o
campo observado, pois tendemos a descartar aquilo que não se encaixa na tipificação. Ao
contrário, a perspectiva Omnilética movimenta-se no campo de maneira mais fluida,
descobrindo, integrando e superando limitações das teorias de maneira mais abrangente. Essa
perspectiva convive com as incertezas de seu tempo e concebe a organização por meio da
valorização da multidimensionalidade dos fatos e das pessoas envolvidas, trabalhando a noção
de totalidade junto à relação parte-todo.
3.2 A Teoria da Argumentação – a Nova Retórica
Neste trabalho, como dito anteriormente, a análise dos argumentos proferidos pelos
professores será feita a partir da Teoria da Argumentação de Perelman e Olbrechts-Tyteca
(1996), em especial as técnicas argumentativas, pois são os fundamentos que estabelecem a
ligação entre as teses de adesão inicial e a tese principal. Atentamos que não é nossa pretensão
discutir a Teoria da Argumentação detalhadamente. O que propomos é discutir os aspectos
pertinentes à análise dos argumentos dos professores com base nesse construto teórico-
metodológico, numa perspectiva Omnilética.
A Teoria da Argumentação de Perelman Olbrechts-Tyteca, segundo Oliveira (2012):
[...] considera orador todo aquele que elabora um discurso, falado ou escrito, voltadopara a persuasão de outrem. O discurso pode ser um texto ou um enunciado cujo conteúdo sugira mais do que a simples descrição de um fato ou a comunicação de uma regra. (…) Já o conjunto de pessoas que o orador quer persuadir com seu discurso é denominado auditório. Os auditórios variam muito em composição e extensão. Podemos ter auditórios particulares (professores, médicos, católicos, socialistas etc.), auditórios de elite (formados por grupos que se apresentam como modelos às demais pessoas) e mesmo o auditório universal, que encarna a visão do orador acerca do conjunto dos homens razoáveis (OLIVEIRA, 2012, p. 119).
A Teoria da Argumentação nos permite analisar os textos (orais ou escritos) por meio
dos parâmetros da situação retórica, a qual consiste na presença de um orador (aqui em
especial os professores da escola) que emprega argumentos (os discursos veiculados durante
os encontros) para influenciar as disposições intelectuais e emocionais do auditório (no caso,
o laboratório de pesquisa LaPEADE). Os discursos são compreendidos como argumentação.
Orador e auditório são, respectivamente, aquele que apresenta o discurso e aquele a quem o
discurso é dirigido. Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) evidenciam de forma precisa a
55
ligação entre discurso, auditório e orador como elementos da argumentação, entendida aqui
em sentido amplo como método para provocar ou aumentar a adesão às teses que lhes são
apresentadas.
Com o propósito de esclarecer as bases da Teoria da Argumentação, dentro do
contexto desta pesquisa, e para que se torne possível acompanhar as análises dos argumentos,
se faz importante apresentar os elementos que compõem o discurso, visualizados nos
conceitos de orador (ethos), discurso (logos) e auditório (pathos), que são pressupostos para o
entendimento da nova retórica.
O ethos é o componente moral, o caráter ou autoridade do orador para influenciar o
público. É comumente descrito como o conjunto de hábitos ou crenças que definem o discurso
do orador e é essencial para o desenvolvimento de toda a argumentação. Na perspectiva
Omnilética, podemos dizer que o ethos está ligado não apenas à questão das culturas, mas aos
aspectos políticos e práticos da argumentação, já que essa perspectiva possibilita a
abrangência de modo tanto complexo quanto dialético.
Procurando caracterizar o ethos, ou seja, o orador, identificamos os qualificativos
sociais e institucionais que o autorizam a assumir essa posição – professores da EMCP e
participantes do projeto do Index para inclusão – em relação à categoria geradora do
argumento. De acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 21), o orador pode ser “às
vezes, simples membro de um grupo constituído, às vezes, porta-voz desse grupo. Há funções
que autorizam – e só elas – a tomar a palavra em certos casos, ou perante certos auditórios”.
Os argumentos emitidos durante os encontros serão examinados como discurso -
logos, do ponto de vista lógico e retórico, no intuito de compreender as estratégias
empregadas para a persuasão da audiência. Orador e auditório, neste trabalho, serão
representados por personagens inovadores. Os professores da EMCP são os oradores e a
Universidade, aqui representada pelo LaPEADE, o auditório. Sabemos que pertence ao senso
comum a ideia de que a Universidade deve atuar como oradora nas questões referentes ao
saber universal. Não pretendemos refutar essa afirmativa, mas compreendemos que é possível
(e necessário) reconhecer a voz àqueles que constituem a Escola, pois são, igualmente,
produtores de saberes. Nosso ponto de vista está fundado na ideia de que auditório e orador
são elementos em profunda e constante ligação. O auditório determina o modo de proceder do
orador, enquanto o orador deve se adaptar às características do auditório de modo a alcançar
melhores resultados em sua argumentação. Dessa maneira, a argumentação desenvolvida pelo
orador deve conter elementos necessários a serem trabalhados, objetivando um auditório em
especial.
56
Na posição de orador temos os professores da EMCP que aderiram ao processo de
construção do Projeto Político-Pedagógico da escola. Essa posição (orador) foi intercambiada
entre os outros participantes em diferentes momentos, mas sem abandonar sua principal
característica: convencer ou persuadir o auditório, conseguindo sua adesão à tese desejada.
Desta forma, os oradores presumiam seus próprios auditórios, noção essa que pode, ou não,
coincidir com a realidade, pois, como veremos no transcorrer das análises dos argumentos, a
composição do auditório por vezes permutava, sendo intercambiada entre os próprios
participantes do grupo. Ou seja, numa perspectiva Omnilética, pode-se ver o interjogo entre as
cinco dimensões já explicadas (culturas, políticas, práticas, dialética e complexa) (SANTOS,
2013), representadas na composição variante do auditório.
Santos (2013, p. 23) afirma que a Perspectiva Omnilética é:
[...] uma percepção relacional da diversidade, do que é variado, variação esta que pode encontrar-se tanto presente como oculta, ao mesmo tempo e um só tempo ou em tempos-espaços diferenciados. Trata-se de um modo totalizante de se perceber os fenômenos sociais, os quais compõem, em si mesmo, possibilidades de variações dialeticamente infinitas e nem sempre imediatamente perceptíveis, visíveis ou imagináveis, mas nem por isso ausentes ou impossíveis, pois seu caráter relacional, referencial e participativo (no sentido de ser parte) torna aquilo que se percebe do fenômeno tanto sua parte instituída quanto é, esta mesma, instituinte.
Sabendo disso, é possível notar as variações dos argumentos que os oradores usaram
para pautar a sua retórica, sempre relacionadas às suas concepções culturais, políticas e
práticas, ora sobre o significado de inclusão em educação, ora sobre o valor (ou desvalor) da
sua participação docente nesse processo. Isso pode ser observado quando a tese de cada
orador é colocada em jogo, num movimento dialético, onde as posições tomadas no campo no
qual se desenrolam os argumentos funcionam como um espaço de possibilidades. A
argumentação, por ser flexível, costuma aceitar a intervenção do auditório, o que costuma dar
mais movimento a esse contato entre orador e o auditório, isto é, traz para a argumentação a
possibilidade de ser dialética. A tomada de posição dos oradores decorre das suas posições
relativas na estrutura do campo, estando diretamente relacionadas à sua lógica dos juízos de
valor, concernente não ao verdadeiro, mas ao preferível, e estarão sempre relacionadas,
simultaneamente, aos meios disponíveis (culturas) e aos objetivos a alcançar (políticas e
práticas). Partem do princípio que as suas premissas são constituídas pelas proposições
geralmente aceitas e, portanto, pertencentes ao âmbito do verossímil, plausível, mutável, isto
é, das impressões, aparências e ambiguidades, sempre com o objetivo de convencer e
persuadir.
57
O auditório, entendido inicialmente como o conjunto daqueles a quem o orador dirige
sua argumentação, pode apresentar-se, segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), de
diferentes formas. Embora admitam que exista um número quase infinito de auditórios
possíveis, os autores os classificam em três espécies: a argumentação perante o chamado
auditório universal, a argumentação diante de um único ouvinte e a deliberação consigo
mesmo, sendo:
O primeiro, constituído pela humanidade inteira ou, pelo menos, por todos os homens adultos e normais, que chamaremos de auditório universal; o segundo formado, no diálogo, unicamente pelo interlocutor a quem se dirige; o terceiro, enfim, constituído pelo próprio sujeito, quando ele delibera ou figura as razões de seus atos (1996, p. 33).
Seja como for, o orador precisa se adaptar, continuamente, ao auditório. Nesse sentido,
afirmam Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 21), que “existe um condicionamento através
do próprio discurso; de sorte que o auditório já não é, no final do discurso, exatamente o
mesmo do início.” Isso significa que, ao final da exposição oral, o auditório poderá ou não ter
adquirido noções diferentes das que possuía no início da oratória. Na realidade, conforme
explica Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996 p. 22), “é, de fato, ao auditório que cabe o papel
principal para determinar a qualidade da argumentação e o comportamento dos oradores”.
Então, como definir o auditório específico dessa pesquisa? Perelman e Olbrechts-
Tyteca (1996, p. 21) nos propõem essa mesma pergunta: “Como definir semelhante auditório?
Será a pessoa que o orador interpela pelo nome?”. O conceito de auditório é, portanto, básico
à Teoria da Argumentação de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), sendo que a finalidade de
toda argumentação é conseguir aumentar a sua adesão à determinada tese. Como o orador tem
a necessidade de adaptar seu discurso ao auditório, diz-se que a argumentação é função deste.
O LaPEADE, na figura da sua pesquisadora, representa a opinião de todo um laboratório de
pesquisa, sediado na Universidade, para quem os argumentos são endereçados.
Não devemos nos fixar apenas na imagem do ethos – orador –e na imagem do pathos
– auditório –, pois correríamos o risco de cair numa busca psicológica sobre as razões e
motivos que levaram à sua constituição. Essa busca não cabe neste trabalho. Se o fizéssemos,
colocaríamos em perigo a relação de persuasão e deliberação que, numa Perspectiva
Omnilética, está em constante movimento dialético e complexo.
Só se compreende a conexão desses três elementos — o ethos, o logos e o pathos —
quando eles se fundem na situação retórica, constituindo a sua totalidade. Como nos diz
Mazzotti (2006, p. 545), “A situação retórica, no sentido de sua recuperação por Perelman,
58
envolve o orador (ethos), o auditório (pathos) e o discurso (logos) e não pode prescindir de
nenhum deles.”.
De acordo com o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa13, retórica é uma palavra
com origem no termo grego rhetorike, que significa a arte de falar bem, de se comunicar de
forma clara e conseguir transmitir ideias com convicção. Durante muito tempo foi associada
àquele que fala muito e de modo artificial ou pomposo, mais propício ao discurso vazio de
conteúdo.
Reboul (2004, p. 14) propõe uma outra definição para a palavra: “retórica é a arte de
persuadir pelo discurso. Por discurso entendemos toda a produção verbal, escrita ou oral,
constituída por uma frase ou por uma sequência de frases, que tenha começo e fim e apresente
unidade de sentido.” Na retórica, podemos realçar quatro sentidos importantes, a saber: a) o
seu estatuto metodológico, b) o seu propósito, c) o seu objeto e d) o seu conteúdo ético.
Portanto, a emergência da retórica ao seu “status” de teoria e prática da argumentação
persuasiva possibilitou seu reconhecimento como uma ciência e arte que faz intervir no
discurso.
Encontramos no prefácio de Manuel Alexandre Júnior para a republicação da Retórica
de Aristóteles (2005) uma possível definição para esse termo que, a seguir, destacamos:
No fundo, a retórica é um saber que se inspira em múltiplos saberes e se põe ao serviço de todos os saberes. É um saber interdisciplinar no sentido pleno da palavra, na medida em que se afirmou como arte de pensar e arte de comunicar o pensamento, E como saber interdisciplinar e transdisciplinar, a retórica está presente no direito, na filosofia, na oratória, na dialética, na literatura, na hermenêutica, na crítica literária e na ciência (ALEXANDRE JÚNIOR, 2005, p. 9-10).
Observamos que nos casos em que se deve tomar uma decisão, fazer escolhas,
deliberar, discutir, criticar ou justificar qualquer coisa, a argumentação costuma ser
empregada. A prática do estudo do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011) está
relacionada de modo profundo com a prática argumentativa, pois trata-se de uma atividade de
persuasão e justificação na medida em que argumentar significa, basicamente, atribuir razões
que ofereçam base a certas conclusões.
Este material de estudo, Index para inclusão, é composto por um conjunto de
indicadores que contribuem para uma revisão detalhada da Escola. Pelo fato de cada indicador
ligar-se a questões que incitam reflexões e diálogos a respeito do binômio inclusão/exclusão,
observamos que os argumentos apresentados pelos professores trazem a preocupação retórica,
13“retórica", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/ret%C3%B3rica>. Acesso em: 31 mar. 2016.
59
isto é, a preocupação com o discurso convincente. Justamente por serem a inclusão e a
participação duas valiosas palavras-chave desse material, fica claro que a sua leitura ensejará
momentos que envolverão fazer escolhas e decidir o que faremos, sempre em conjunto. O
desenvolvimento inclusivo acontece quando adultos e crianças relacionam suas ações a
valores inclusivos e juntos delineiam iniciativas compatíveis. (BOOTH; AINSCOW, 2011).
Inclusão e participação são as ideias que compõem a tese aceita pelo grupo. Nas
reuniões para estudo do Index para inclusão, alguns professores, na função de oradores,
desenvolveram seus argumentos observando as fases destacadas por Reboul (2004) como
necessárias à construção do discurso. São as seguintes: compreender o assunto e reunir todos
os argumentos que possam servir (invenção); pô-los em ordem (disposição); redigir o discurso
o melhor possível (elocução) e exercitar-se proferindo-o (ação). A partir do estudo do material
mencionado, os professores tiveram a oportunidade de compreender e reunir os argumentos
necessários para a discussão da tese ali apresentada, qual seja, que devemos incluir todos,
alunos e professores da escola, garantindo a sua participação.
Partindo das discussões sobre os indicadores do Index para inclusão, os professores
puderam levar suas observações para dentro das respectivas classes e testá-las na prática
diária. Esse exercício possibilitou pôr em ordem (dispor) os argumentos e prepará-los para
proferir (elocução) suas impressões a respeito das próprias experiências e, assim, montar o seu
argumento final. Vale lembrar que a expressão “argumento final” nada tem a ver com último
argumento, pois, como sabemos, todos os acordos ali produzidos, na Perspectiva Omnilética,
são sempre provisórios.
Reboul (2004, p. 45) nos diz que “toda análise dos sentimentos e das paixões deriva da
retórica. Se ethos diz respeito ao orador e o pathos ao auditório, o logos (…) diz respeito à
argumentação propriamente dita do discurso. É o aspecto dialético da retórica.”. E nesse
movimento dialético os conceitos são construídos, mas sempre como verdades transitórias.
De acordo com Santiago e Santos (2015, p. 490), “quando olhamos omnileticamente
para o discurso (…), percebemos que há uma série de fatores atuando, visíveis e invisíveis
(dialética), que podem levar, exponencialmente, a variadas novas proposições e mudanças
(complexidade).” Com esse entendimento, podemos encontrar embutidos nos argumentos dos
professores aspectos não externalizados, mas já presentes nas suas culturas, políticas e
práticas. Isso quando consideramos o ethos não distanciado da multiplicidade de fatores que
envolvem os fenômenos sociais em termos culturais, políticos, práticos, dialéticos e
complexos.
60
Entendemos que só há persuasão quando se parte daquilo que o auditório já admite.
No caso da pesquisa em questão, a admissão refere-se à Inclusão em Educação. Assim,
estabeleceremos uma relação entre as crenças já existentes dos professores e o que se busca
fazer admitir. Como já dito anteriormente, para que uma argumentação se desenvolva faz-se
necessário que o orador seja portador de alguma qualidade para tomar a palavra a fim de
garantir que o auditório lhe preste atenção. O assunto da argumentação deve estar de acordo
com a experiência do orador e não se deve distanciar da sua prática. O orador deve decidir
que tipo de argumento utilizará e qual será mais contundente, capaz de seduzir o auditório. E,
sabendo que o discurso argumentativo não é um monólogo, deverá o auditório, por sua vez,
decidir sobre os argumentos apresentados. A análise dos argumentos surgidos desse diálogo
será usada, nesta pesquisa, como “uma alternativa de análise de discurso em que as
interpretações são procuradas muito mais na intenção do locutor de persuadir ou de incitar à
ação do que em significações pontuais de cada momento do discurso” (CASTRO; FRANT,
2011, p. 55).
Perelman (1996) salienta que o auditório atua como um juiz que pondera sobre os
diferentes argumentos que lhe são apresentados. A persuasão é a situação na qual esse juiz
aderiu mais fortemente a um dado argumento ou conjunto de argumentos, já que não se trata
de um processo isento de questionamentos. Os níveis de adesão variam conforme as
disposições do auditório, suas convicções e também são afetados pelo ethos do orador.
Oradores que hesitam ou que expõem seus argumentos com certa ostentação, mesmo que
estes tenham procedência, acabam por não persuadir tão fortemente o auditório quanto
desejariam.
As técnicas argumentativas, fundamentos que estabelecem o vínculo entre as teses de
adesão inicial e a tese principal, utilizadas durante os discursos, foram analisadas de acordo
com as categorias e a tipificação dos argumentos. Existem técnicas de ligação e técnicas de
dissociação. As técnicas de ligação agrupam elementos estabelecendo nexos entre eles.
Podemos dizer que as técnicas de ligação são esquemas que aproximam elementos distintos,
com o objetivo de estabelecer entre eles uma relação de união, uma solidariedade.
As técnicas de dissociação, diferentes das técnicas de ligação, têm como princípio
básico a ruptura, a separação de elementos dentro de um conjunto. Os procedimentos de
dissociação são técnicas cuja finalidade é:
[..] dissociar, separar, dessolidarizar, os elementos considerados como um todo ou, pelo menos, como um conjunto solidário no seio de um mesmo sistema de pensamento: a dissociação terá por efeito a modificação de um tal sistema,
61
modificando certas noções que nesse sistema constituem peças mestras (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 255-256).
Como nos alertam Perelman e Olbrechts-Tyteca (idem, p. 218), “embora seja sempre
possível tratar um mesmo argumento como constituindo, de certo ponto de vista, uma ligação
e, de outro ponto de vista, uma dissociação, é útil examinar esquemas argumentativos de
ambas as espécies”.
Para este efeito, utilizamos as tipologias argumentativas propostas por esses mesmos
autores (idem), que se mostraram como uma opção de interpretação viável e bastante próxima
à Perspectiva Omnilética, diante dos valores do auditório. Desta forma, essas tipologias nos
permitirão apreender o logos não apenas como operações mentais (ou raciocínios) mas, da
mesma forma, apreender como tais esquemas são capazes de se desdobrarem
enunciativamente no orador e no auditório, explicitando de forma complexa a inter-relação da
tríade abordada pela Perspectiva Omnilética – culturas, políticas e práticas.
Com o intuito de facilitar a melhor compreensão, apresentamos uma síntese das três
grandes categorias que constituem as técnicas de ligação: os argumentos quase-lógicos (se
apresentam como comparáveis a raciocínios formais, lógicos ou matemáticos); os argumentos
baseados na estrutura do real (valem-se do real para estabelecer uma solidariedade entre
juízos admitidos e outros que se procura promover); e as ligações que fundamentam a
estrutura do real (visam buscar algo externo e conhecido para explicar o desconhecido
podendo chegar à generalização).
Essas condições prévias referem-se ao acordo sobre a existência de uma linguagem
comum, sobre a divergência de opiniões em relação a uma questão determinada, sobre a
disposição de ouvir e de aceitar um ponto de vista, sobre quem está autorizado a argumentar,
sobre a formação de uma comunidade efetiva de profissionais da educação e sobre a
adaptação do orador a essa comunidade, ou melhor, ao auditório.
Trazemos aqui um exemplo dos argumentos que pretendemos analisar a fim de
comprovar, ou não, a nossa hipótese. A transcrição é relativa a uma das primeiras reuniões que
a Coordenadora do LaPEADE administrou para o grupo de professores e gestores da EMCP.
Aconteceu durante a apresentação dos slides de um encontro transcorrido numa escola em
Fortaleza, onde um grupo de pesquisadores observa o desenrolar de uma aula e, em seguida,
há o comentário sobre o que estava acontecendo naquele espaço.
O argumento da professora foi o seguinte:
62
P06- O que eu não gosto é dessas pessoas que não estão na sala de aula, no dia a dia,e chegam e te dizem: Não, você tem que fazer isso. Porque é a gente que está na sala, vivenciando a situação. Você sabe que com ele (aluno) aquilo dali não vai dar certo, né. Uma coisa que me chamou. a atenção nesse vídeo não foram as crianças, olugar, nem nada. Foi quando eu ouvi os professores. Eu ouvi as angústias dos professores Eu ouvi esses professores. Desarmada, porque todo mundo sabe muito mas estão do lado de fora da sala de aula. Você vê o pessoal falando pedagogicamente e tal... Vai pra sala. Se o cara sabe fazer tão bem aquilo, então, o que está fazendo numa direção? Vai pra sala. Sai do gabinete (Transcrição Vídeo 1-abril de 201214).
Nesse momento, o argumento da professora nos pareceu do tipo quase lógico. A fala
da professora apresenta particularidades que estão referidas à situação exposta pelo slide e que
confronta uma regra, tornando sua incompatibilidade evidente. Para a professora, a distância
existente entre aquele que afirma saber qual a melhor solução pedagógica e sua experiência na
sala de aula é uma incompatibilidade. Essa incompatibilidade está posta porque quem afirma
saber o que fazer numa sala de aula não está desempenhando essa função, comprovando assim
a sua hipótese. Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), a incompatibilidade é sempre
relativa a situações contingentes que, no caso, refere-se às orientações do grupo de
pesquisadores.
Os argumentos baseados na dissociação são fundados na separação entre
aparência/realidade; meio/fim; acidente/essência; relativo/absoluto; individual/universal;
teoria/prática, entre outros. Essa técnica consiste em afirmar que, de forma não apropriada,
são associados elementos que deveriam ficar separados e independentes.
Trazemos aqui, em especial e com o fim de melhor entendimento da técnica
explicitada, um dos argumentos apresentados por um determinado elemento do grupo e que
ilustra esse tipo de argumento:
P07 - são crianças que não se locomovem em escadas que não tem corrimão, tem que ter piso antiderrapante e coisas assim. eu acho que só por termos a escada, elas não deveriam estar aqui, tem outras escolas com uma estrutura muito diferente, isso daria uma segurança ainda maior, e eu acho assim também, existem. Veja bem, ela não tem culpa nenhuma de ser assim (Transcrição Vídeo 40 - julho de 201415).
14Depoimento concedido por uma das participantes. Transcrição I. [abr. 2012]. Coordenador da atividade: Mônica Pereira dos Santos. Rio de Janeiro, 2012. 1 arquivo .cd (120 min.). O depoimento na íntegra encontra-se disponível nos arquivos do LaPEADE.15Depoimento concedido por uma das participantes. Transcrição 24. [jun. 2012]. Coordenador da atividade: Lillian Auguste Bruns Carneiro. Rio de Janeiro, 2014. 1 arquivo .cd (120 min.). O depoimento na íntegra encontra-se disponível para consulta nos arquivos do LaPEADE.
63
O argumento central baseia-se numa dissociação que dá origem ao par
aparência/realidade. Aplicando o modelo sugerido por Perelman e Olbrechts-Tyteca (idem, p.
473):
aparência = termo I
realidade termo II
onde o termo I (aparência) refere-se àquilo que é apresentado de imediato – no argumento em
destaque é o ato de subir as escadas. O termo II, sendo uma dissociação do termo I,
O termo II fornece um critério, uma norma que permite distinguir o que é válido do que não é, entre os aspectos do termo I; não é simplesmente um dado, mas uma construção que determina, quando da dissociação do termo I, uma regra que possibilita hierarquizar-lhe os múltiplos aspectos, qualificando de ilusórios, de errôneos, de aparentes, no sentido desqualificador do termo, aqueles que não são conformes a essa regra oferecida pelo real (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA,1996, p. 473, grifo dos autores).
A dissociação se refere sempre a noções e não a fatos. No caso, a oradora dissocia a
noção “escada” em apropriada (com corrimão, que pode ser utilizada por todas as pessoas) e
não apropriada (que só pode ser usada por quem não tem deficiência).
A escolha específica desses dois argumentos trazidos nos parágrafos anteriores para
exemplificar as análises que se seguirão posteriormente deu-se por conta da importância que
ambos tiveram para a mediação sobre teses primárias que estavam sendo trazidas para o
campo.
Refletindo, após a transcrição dos encontros registrados em vídeo no primeiro
bimestre do projeto, o grupo de pesquisa entendeu que um dos problemas a serem enfrentados
parecia estar diretamente relacionado a valorização do professor como profissional capaz de
exercer sua função. Declarações como “ (...) são pessoas que não estão na sala de aula”, “É a
gente que está na sala, vivenciando a situação.” “Você sabe que (...) aquilo dali não vai dar
certo.”, “Eu ouvi as angústias dos professores” “ (…) porque todo mundo sabe muito mas
estão do lado de fora da sala de aula.” (trechos da Transcrição 24. [jun. 2012]) foram bastante
relevantes na escolha dos argumentos seguintes e sua análise.
Observou-se, igualmente, o grau de disponibilidade para a participação dos encontros;
o local onde foram realizados; a postura adotada durante os encontros como gestos, sinais
corporais e/ou mudanças de tom de voz etc. Tudo isso forneceu elementos significativos para
a leitura/interpretação posterior daqueles momentos, bem como para a compreensão dos
argumentos proferidos.
64
Partimos, então, para o conhecimento das bases desse sentimento de desqualificação
tão marcante no meio docente.
65
4 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA
Segundo nossa narrativa inicial, a busca por outros espaços onde fosse possível
discutir e investigar a dualidade do sentido de valorização/desvalorização docente na
construção da sua identidade profissional nos levou ao Laboratório de Pesquisa, Estudos e
Apoio à Participação e à Diversidade em Educação — LaPEADE, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Lá, pudemos conhecer, além do material base para as discussões sobre a
questão da inclusão - Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011), os projetos
desenvolvidos pelo grupo. Um, em especial, nos chamou a atenção: o projeto Construindo
Culturas, Desenvolvendo Políticas e Orquestrando Práticas no Cotidiano Escolar na Escola
Municipal Cícero Penna, que se tornou nosso projeto matriz. Esse projeto, de abordagem
qualitativa, teve como objetivo mapear as barreiras à aprendizagem e à participação dos
alunos, não apenas àqueles com necessidades especiais, mas qualquer aluno que estivesse
vivendo alguma situação de exclusão.
4.1 A pesquisa-ação crítica e participativa
O projeto Construindo Culturas, Desenvolvendo Políticas e Orquestrando Práticas no
Cotidiano Escolar foi desenvolvido a partir da metodologia da pesquisa-ação. Esse
procedimento metodológico foi entendido como o mais adequado, pois para entrar na
dinâmica da realidade educativa apresentada pela Escola Municipal Doutor Cícero Penna, a
pesquisa precisava superar os procedimentos que pressupõe a neutralidade dos pesquisadores.
Como professores da Educação Básica, negar a nossa identidade com o grupo pesquisado
poderia interferir na análise dos dados gerados durante sua produção e coleta. Nesse sentido,
consideramos o que afirma Thiollent (1996),
[…] a pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com resolução de umproblema coletivo e no qual os pesquisadores e participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. (THIOLLENT, 1996, p. 14, grifos nossos).
Entendemos que a pesquisa-ação, ao mesmo tempo que altera o que está sendo
pesquisado, é limitada pelo contexto e pela ética da prática. A questão é que a pesquisa-ação
requer ação tanto nas áreas da prática quanto da pesquisa, de modo que, em maior ou menor
medida, terá características tanto da prática rotineira quanto da pesquisa científica. Além da
66
participação ativa do pesquisador e dos pesquisados – os professores e gestores da EMCP – a
pesquisa-ação prevê o estímulo à contribuição de todos os envolvidos.
O objetivo da pesquisa-ação consiste em resolver, ou, pelo menos, esclarecer os
problemas da situação observada; a pesquisa não se limita a uma forma de ação. Pretendemos
aumentar o conhecimento, ou o nível de consciência dos professores e gestores envolvidos na
pesquisa.
À medida que alcançávamos a primeira aproximação com a realidade escolar
investigada, com a problemática do grupo de professores e gestores e, ao mesmo tempo, com
as reflexões iniciais obtidas da leitura do Index para inclusão, foi possível definir qual a ação
a ser praticada. Tornou-se necessária a construção do Projeto Político-Pedagógico.
O desejo de construir o PPP surgiu como resultado das discussões dos indicadores
propostos pelo Index para inclusão. E foi, precisamente, na observação dos argumentos
emergidos na defesa da tese da preparação dos professores para o atendimento dos alunos
com necessidades especiais que despontou a categoria central da tese ora defendida, a saber, a
análise dos tipos de argumentos expressos e defendidos pelos professores por meio da
perspectiva Omnilética.
Sabemos que em campo devemos sempre observar como a comunidade apresenta seus
problemas quando os indicadores do Index para inclusão são trabalhados. O conhecimento da
cultura dos professores acerca do assunto inclusão apresentou-se como um exercício
metodológico da pesquisa-ação. Somente após conhecer o espaço a ser pesquisado foi
possível iniciar um estudo para compreender os argumentos de que o grupo lançava mão para
justificar e defender sua tese sobre a inclusão de alunos com necessidades especiais.
Sem abandonar a metodologia da pesquisa-ação, iniciada na pesquisa matriz, ou seja,
utilizando os encontros com os participantes daquele grupo já contatado, os colocamos a par
do desdobramento que faríamos a partir dos argumentos levantados durante as discussões dos
indicadores do Index para inclusão. O objetivo era obter apoio e engajamento de todos,
demonstrando que o método utilizado traria oportunidades de discutir e devolver algum
conhecimento adquirido à comunidade. O propósito era esclarecer que a pesquisa manteria
seu perfil qualitativo afirmando seu intuito de investigar com eles e não sobre eles. Desta
forma, permaneceríamos com a pesquisa-ação num viés crítico e colaborativo, já que
estaríamos construindo o documento da Escola em parceria, o PPP, ao mesmo tempo que
adequávamos seus objetivos à hipótese surgida naquele momento, qual seja, a possível
relação entre os argumentos utilizados pelas professoras e as barreiras enfrentadas no dia a dia
da sua prática docente. Para tanto, a descrição e a delimitação dos sujeitos a serem
67
observados, assim como o seu grau de representatividade no grupo social pesquisado, se
constituiu num problema a ser imediatamente enfrentado, já que se tratava de um grupo que,
enquanto manteve-se firme até o final da pesquisa, contou com elementos flutuantes que
compareciam de acordo com seus interesses. A busca por um “ego” focal que dispusesse de
uma identidade representativa do grupo docente em estudo e que pudesse “mapear” o campo
de investigação, “decodificar” suas regras e indicar pessoas cujos argumentos estivessem
relacionados com aquele meio, nos levou a entender que a forma mais adequada de análise
seria a identificação dos sujeitos importantes em cada reunião de discussão do Index para
inclusão. Ou seja, alguém do grupo cujo ponto de vista tivesse, relativamente, melhores
condições de fornecer argumentos mais persuasivos sobre determinado indicador, assumindo
a posição de orador.
Como estratégia educativa e de emancipação dos sujeitos, a pesquisa firmou-se em sua
dinâmica participativa, identificando as situações nas quais os contatos entre pesquisador e
sujeitos da pesquisa se configuravam como partes integrantes do material de análise. Esses
contatos foram registrados por meio de anotações no caderno de campo e filmagens. Deu-se
destaque ao modo como eram estabelecidos esses contatos, a forma como o pesquisador era
recebido pelos docentes a cada encontro para leitura e estudo do Index para inclusão ou
mesmo no momento da construção do Projeto Político-Pedagógico.
Pretendemos destacar as características essenciais e observáveis nesta pesquisa, a
saber: (1) o ambiente escolar como campo e fonte direta de dados; (2) o caráter descritivo dos
encontros registrados por meio de gravações em vídeos e fotografias; (3) o significado que as
pessoas dão aos seus argumentos e a relação direta e indireta com suas políticas, culturas e
práticas; (4) o enfoque indutivo, pois trata-se de dados simbólicos, situados em determinado
contexto.
Nesse sentido, reafirmamos que a melhor abordagem metodológica para essa pesquisa
é a pesquisa-ação crítica e participativa, alicerçada numa metodologia da pesquisa-ação
desenvolvida na pesquisa maior. Esta se baseia na construção crítica e participativa do
conhecimento, onde o pesquisador não se situa em um espaço de exterioridade acadêmica ou
é o único a possuir o conhecimento, mas o constrói, em diferentes momentos e de diversas
maneiras, com o objeto/sujeito.
Thiollent (1984) estabelece, de maneira clara, a distinção entre pesquisa-participante e
pesquisa-ação. Para o autor, pesquisa-participante e pesquisa-ação não são sinônimas, pois
seus princípios não são os mesmos. Por isso, existem diferentes tipos de pesquisa-participante
68
e diferentes tipos de pesquisa-ação. Ele não nega que a pesquisa-ação seja uma forma de
pesquisa-participante, mas nem toda a pesquisa-participante é pesquisa-ação.
A pesquisa-participante é, por vezes, entendida como uma “técnica-participante” e está
inserida na pesquisa prática por ser elaborada, principalmente, no contexto da pesquisa
antropológica ou etnográfica. Segundo Haguette (2010), a pesquisa-participante se define
como sendo um processo de investigação, de educação, de ação e, também, de organização,
como um componente desse tipo de pesquisa. Podemos aplicar os princípios fundamentais da
pesquisa participativa sugeridos pela autora à nossa realidade e destacar: a) a possibilidade
lógica e política dos professores serem os produtores diretos ou parceiros do próprio saber,
mesmo popular e baseado na percepção do cotidiano, não deixa de ser científica; b) o poder
de determinação de uso e do destino político do saber produzido pela pesquisa, como a
transformação dos apontamentos sobre a sua realidade no Projeto Político-Pedagógico c) o
lugar e as formas de participação do conhecimento científico erudito e de seu agente
profissional do saber, no ‘trabalho com o público-alvo da educação’ que gera a necessidade da
pesquisa, e na própria pesquisa que gera a necessidade da sua participação.
Existem diferentes formas de pesquisa-participante, todas elas apresentando
orientações e práticas de pensamento distintos. Contudo, a participação conjunta de
pesquisadores e pesquisados transcendia o objetivo de apenas avaliar os argumentos dos
professores, mas pretendia também verificar de que forma esses mesmos argumentos
interferiam na Proposta Político-Pedagógica da escola, a favor daqueles que não se sentiam
representados (opção ideológica), com objetivo da mudança ou transformação social.
4.2 O Index para inclusão como proposta metodológica: discutindo as intervenções
A leitura do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011) foi o suporte principal
de todo o trabalho desenvolvido, tanto na pesquisa-matriz como na pesquisa subjacente.
Importante ressaltar que a escolha desse material, e não outro, deveu-se ao fato de que
ele já faz parte da realidade metodológica dos grupos de pesquisa do LaPEADE, responsável
pela sua tradução e aplicação.
O Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011) não é um livro-guia imposto pelo
laboratório, mas sim um material indicado para aqueles que buscam discutir e aprimorar seu
próprio ambiente de trabalho. Ele é um documento abrangente que pode ajudar a todos a
encontrar seus próprios passos no caminho do desenvolvimento.
Destacamos do Index para inclusão sua própria definição de uso:
69
Assim como um guia turístico de uma cidade, o Index para inclusão capacita as pessoas a selecionar os lugares que desejam visitar, deixando em aberto a possibilidade de uma viagem de retorno, quando outros lugares poderão ser explorados (BOOTH; AINSCOW, 2011, p. 6).
Trabalhamos com a 3ª edição desse material, publicada em 2011, amplamente revisada
e bastante discutida entre seus autores e apoiadores. Logo na introdução, foi possível destacar
sua validação por meio de suas próprias palavras:
Esta versão expandiu o trabalho sobre valores inclusivos e os usou como base para delinear intervenções fundamentadas em princípios, por exemplo, que tenham a ver com a sustentabilidade ambiental, cidadania nacional e global, não violência e promoção da saúde (BOOTH; AINSCOW, 2011, p. 5).
Um dos primeiros encontros estabelecidos entre o grupo de pesquisa LaPEADE e a
EMCP foi dedicado à leitura do texto introdutório ‘Palavras de Encorajamento’. A dinâmica
dessa primeira leitura buscava identificar qual o sentimento comum a todos os participantes e
que nos autorizasse a usar esse material como apoio para reflexão. Por unanimidade, o item
escolhido, nº 9, que destacamos a seguir, traduziu o sentimento dos participantes.
Item nº 9
Palavras de Encorajamento:[…]9- Pense em algo que você e/ou outros estejam tentando fazer como escola, talvez no plano de desenvolvimento da escola, mas que vocês não estejam tão certos do quão bem-sucedida esta iniciativa possa ser. Explore até que ponto o Index para inclusão pode modificar o que vocês estão querendo fazer e até que ponto pode ajudar vocês nessa tarefa (BOOTH; AINSCOW, 2011, p. 6).
Identificado o sentimento de que era preciso fazer alguma coisa que oferecesse um
resultado profícuo, a equipe docente decidiu favoravelmente ao uso do Index para inclusão. O
passo seguinte foi estabelecer a forma e uso desse material, reconhecendo-o como um
possível ‘orientador metodológico’ para a organização e apoio às discussões necessárias para
alcançar a mudança desejada.
O Index para inclusão propõe que a revisão do processo educacional seja feito
partindo das três (3) dimensões: culturas, políticas e práticas.
70
Figura 1 – Dimensões do Index
Fonte: Index para inclusão, BOOTH; AINSCOW, 2011, p. 13
Cada dimensão apresenta duas seções distintas. Quando trabalhadas juntas, estruturam
um planejamento de ação:
Figura 2 – Estrutura do Planejamento
As seções são formadas por indicadores que ajudam a tomada de decisão. A principal
função de um indicador é sugerir, de maneira clara, uma situação específica que se deseja
analisar. Um indicador irá expor as características observáveis de cada seção e deverá ser
escolhido de acordo com a sua relevância para a escola (ou qualquer outra organização). A
questão é descobrir quais são os indicadores mais importantes daquele contexto, naquele
momento, para não perder tempo acompanhando os que são pouco relevantes. A escolha do
aspecto sugestionado pelo indicador se dá de acordo com a necessidade apresentada em
acompanhar, avaliar e melhorar suas ações. Segundo seus autores, cada indicador do Index
para inclusão se liga a questões que definem seus sentidos, refinam suas explorações, iniciam
Fonte: Index para inclusão, BOOTH; AINSCOW, 2011, p. 13
71
reflexões e diálogos e incitam a novas questões. O resultado da análise de um indicador
evidenciará um momento específico e sugerirá, segundo os parâmetros estabelecidos
previamente, o que está ocorrendo e o que pode ser feito. O aumento da complexidade e da
quantidade de dados disponíveis para a tomada de decisão faz com que seja necessária a
utilização de instrumentos que auxiliem a enfocar enquanto refletem as áreas que se quer
mudar.
A seguir mostramos um esquema sugerido pelo Index para inclusão e que foi posto
em prática durante a pesquisa.
Figura 3 – Esquema das fases
A proposição desta tese foi analisar os tipos de argumentos articulados durante e em
cada fase de autorreflexão desenvolvida na pesquisa, sempre com vistas a compreendê-los
pela perspectiva Omnilética.
4.3 A coleta de dados
Os dados coletados advêm das filmagens feitas durante a pesquisa perfazendo um total
de 125 DVD’s com 3 horas de gravação em cada DVD. As filmagens que tratam
especificamente das reuniões de equipe – pesquisadores, gestores e professores – somam 62
DVD’s, ou seja, 182 horas de gravação. Consideramos este número bastante representativo,
pois, numa pesquisa participativa, o trabalho de campo é tanto intensivo como extensivo. A
observação participante consiste na participação real e ativa dos pesquisadores como
membros do grupo, trabalhando junto e participando das atividades normais deste. Para
Fonte: Index para inclusão, BOOTH; AINSCOW, 2011, p. 13
72
alcançar o objetivo proposto tínhamos ciência de que os acontecimentos e seus significados
surgiriam com o tempo.
4.3.1 Os dados da pesquisa e sua organização para a análise
No momento da seleção de imagens, consideramos aquelas que mais se aproximavam
do nosso objetivo. Para isso, foi necessário colocá-las em ordem, transformar sua
apresentação, reunir as informações de maneira organizada, a fim de permitir sua análise e
interpretação. Somente após a análise e interpretação dos dados é que se pode fazer a
discussão dos resultados da pesquisa.
Um importante aspecto técnico e metodológico derivado da demanda de análise dos
DVDs foi o processo de transcrição. Para realizar a análise omnilética dos argumentos, foi
necessária a seleção das partes que comporiam a transcrição final. O exercício da transcrição
de áudio costuma ser de dois tipos, literal ou editada. Para essa pesquisa, optamos por
transcrever literalmente apenas as reuniões de estudos do Index para inclusão. Nas
transcrições, procuramos reduzir, mas não eliminar, alguns vícios de linguagem, repetições,
gírias, além de outros ruídos da comunicação, pois são importantes para a análise do
argumento. Ao realizá-la, pudemos notar que estávamos, de certa forma, categorizando o que
havia sido gravado, facilitando o processo de análise. Esta seleção, feita de maneira a mais
cuidadosa possível, objetivou evitar posteriores problemas de interpretação. Para isso foi
submetida a uma verificação crítica entre os próprios pesquisadores, a fim de detectar falhas
ou erros, evitando informações confusas, distorcidas, incompletas, que poderiam prejudicar o
resultado da pesquisa.
4.3.2 Os dados da pesquisa e sua análise
A observação sistemática dos encontros foi essencial para a avaliação de cada situação
filmada. Mesmo não sendo os encontros ostensivamente dirigidos, os pesquisadores
procuraram manter-se na posição de auditório endereçando aos oradores perguntas que
propiciassem a confirmação ou contraposição do argumento.
Além desses procedimentos, introduzimos contribuições dos estudos da análise do
conteúdo como forma de apoiar as análises das transcrições. O que se pode perceber é que
73
alguns aspectos metodológicos foram ficando mais claros na medida em que a proposta da
pesquisa foi tomando forma e corpo.
Citando Bardin (2016, p. 36), a análise de conteúdo “é um método muito empírico,
dependente do tipo de ‘fala’ a que se dedica e do tipo de interpretação que se pretende como
objetivo”. A autora anuncia que esta técnica precisa ser reinventada a cada momento para
poder se adequar aos objetivos propostos. Não obstante, há de se definir alguns passos de
maneira a mais criteriosa possível, com o intuito de realizar uma profícua interpretação dos
dados.
Bardin (2016) procura orientar a nossa análise sugerindo algumas questões relevantes
e que tentamos responder. A primeira questão proposta trata-se da delimitação do campo onde
a análise de conteúdo será aplicada. Delimitamos as transcrições das reuniões entre os
pesquisadores, professores e gestores como o nosso campo. Neste espaço específico, a análise
de conteúdo serviu como ferramenta para localizar os argumentos que especificamente falam
sobre o binômio valorização/desvalorização da profissão docente, elaborados nos meandros
das discussões sobre os indicadores do Index para inclusão.
Esclarecemos que o uso da análise de conteúdo como técnica de análise das
comunicações pretende considerar o que foi dito ou observado pelos pesquisadores nos
encontros com os professores participantes da pesquisa.
Na análise do material (filmagens minutadas), buscamos classificar os argumentos em
temas ou categorias com o objetivo de auxiliar na compreensão do que está por trás dos
discursos. O caminho percorrido pela análise de conteúdo, ao longo dos anos da pesquisa
(2012 a 2015), resultou na seleção de 21 argumentos que dividimos em 3 (três) tabelas
classificativas. A primeira tabela contém 11 argumentos e refere-se aos dados colhidos no ano
de 2012, quando da leitura e estudo do Index para inclusão. A segunda e terceira tabelas
analisam os argumentos identificados entre os anos de 2013-2014, quando o grupo de
professores e gestores escreviam o Projeto Político-Pedagógico.
Não houve filmagens no ano de 2015, pois o trabalho da construção do PPP já havia
sido encerrado e os encontros passaram a acontecer em dias da semana alternados, ora com as
professoras dos anos iniciais do 1º segmento (1º, 2º e 3º anos), ora com as professoras dos
anos finais do mesmo segmento (4º e 5º anos), quando a discussão passou a focar no currículo
e planejamento.
Concluímos essa seção citando Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 211-212):
74
[...] para discernir um esquema argumentativo, somos obrigados a interpretar as palavras do orador, a suprir os elos faltantes, o que nunca deixa de apresentar riscos. Com efeito, afirmar que o pensamento real do orador e de seus ouvintes é conforme ao esquema que acabamos de discernir, não passa de uma hipótese mais ou menos provável. O mais das vezes, aliás, percebemos simultaneamente mais de uma forma de conceber a estrutura de um argumento.
Lembramos que, para a retórica, é vital a relação entre o orador e o auditório a que
este se dirige, pois a adesão obtida pela argumentação é sempre a adesão de um auditório
determinado. Auditório, de acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 22), referência
teórica adotada neste trabalho, é “o conjunto de todos aqueles que o orador quer influenciar
com sua argumentação”.
Os 21 argumentos que compõem esta tese são, inegavelmente, aqueles que mais
influenciaram o auditório.
4.4 O CAMPO DA PESQUISA
Esta seção tem por objetivo descrever o campo onde ocorreu a pesquisa, a Escola
Municipal Cícero Penna. Essa descrição se faz necessária para que possamos compreender de
maneira mais abrangente o campo pesquisado e de que lugar emergem as culturas políticas e
práticas dos sujeitos observados.
4.4.1 A Escola Municipal Cícero Penna (EMCP)
As informações aqui apresentadas fazem parte de conjunto atualmente disponível
sobre a escola e serão usadas para que possam servir como pano de fundo para a análise a ser
desenvolvida a partir da pesquisa de campo, iniciada em 2012.
A descrição histórica da escola (Anexo 1), constante no Projeto Político-Pedagógico
(2015), é um memorial de mais de 50 anos. A escola ocupa um endereço privilegiado na Zona
Sul do Rio de Janeiro.
Para apresentar a Escola Municipal Doutor Cícero Penna, buscamos seus resultados na
plataforma do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)
e na página do QEDU16 . Na página de ambas as plataformas, é possível acessar os dados do
ensino básico nacional; do IDEB; da Prova Brasil e dos questionários socioeconômicos dos
16QEDU - Um portal aberto e gratuito, desenvolvido pela Meritt e Fundação Lemann, cujo objetivo é permitir oacesso às informações sobre a qualidade do aprendizado em cada escola, município e estado do Brasil. Disponível em: <http://www.qedu.org.br/>. Acesso em 15 jun. 2016.
75
alunos das escolas. No entanto, os questionários de professores e diretores não são exibidos,
pois permitiria facilmente a identificação dos respondentes.
Os resultados da Escola Municipal Doutor Cícero Penna apresentados a seguir
referem-se ao ano de 2011:
● quanto ao seu IDEB, a escola alcançou 7,1.
● quanto ao aprendizado, dos 66 alunos testados em Português, 52 demonstraram o
aprendizado adequado. Em Matemática, dos mesmos 66 alunos, 53 demonstraram
o aprendizado adequado. Comparativamente às escolas do mesmo nível
socioeconômico do Município do Rio de Janeiro, a EMCP está em melhor
situação.
4.4.2 Conhecendo o corpo docente da Escola
Consoante ao que foi exposto anteriormente, o projeto Cícero Penna teve início em
2012, a partir da solicitação de uma das professoras que trabalhava, à época, na Sala de
Recurso, assistindo as crianças com necessidades especiais. Seu interesse pelo trabalho
desenvolvido pelo grupo de pesquisa surgiu logo após ter assistido a uma palestra do
LaPEADE num seminário realizado na Universidade Federal do Ceará, naquele mesmo ano.
Segundo a professora, “se pode fazer no Ceará, pode fazer no Rio.” (vídeo V-17/05/12). Foi,
então, que entrou em contato com o grupo e pediu que fizéssemos uma visita para uma rodada
de conversa sobre a temática “Educação Inclusiva”. E assim foi feito.
O primeiro encontro entre as professoras da escola e o LaPEADE aconteceu em março
de 2012. Na época, a escola possuía um total de 9 professoras do 1º segmento do Ensino
Fundamental, 5 professores especializados (Educação Física, Artes, Informática, Sala de
Leitura), 1 professora na Sala de Recursos, 3 gestoras (1 coordenadora pedagógica, 1 diretora
e 1 vice-diretora) no período da manhã, porém apenas um grupo de 4 professoras do 1º
segmento, 1 professora da Sala de Recursos e 1 gestora (vice-diretora) aceitaram participar.
O grupo que capitaneou o Projeto Cícero Penna era formado por mulheres sendo a
maioria com formação na área de Educação, conforme demonstramos no quadro 1:
QUADRO 1 - Grupo de Trabalho
Professora17 Formação Tempo de trabalho naEscola
76
P01 Licenciatura em Pedagogia 4 anosP02 Licenciatura em Pedagogia 16 anosP03 Licenciatura em Pedagogia 15 anosP04 Licenciatura em Pedagogia 10 anosP05 Licenciatura em Pedagogia e pós-graduação
em psicomotricidade4 anos
P06 Curso Normal 10 anosFonte: Dados da pesquisa
O objetivo inicial desse grupo era saber que práticas escolares poderiam inibir ou
dificultar a aprendizagem e a participação dos alunos com necessidades especiais. A ideia era,
de maneira colaborativa, buscar soluções para os processos de exclusão (aqui,
especificamente compreendidos no sentido de barreiras à aprendizagem e à participação de
alunos) encontrados na escola, possibilitando a criação de estratégias que poderiam auxiliar na
compreensão de tais dificuldades por parte do corpo docente, técnico, gestor e auxiliar,
visando ao melhor desempenho da escola, como um todo, e o maior sucesso de seus alunos,
em particular.
Nos encontros acontecidos em 2012, quando a pesquisa-matriz se desenvolvia, foi
possível identificar a questão primordial que sustentou as discussões do grupo. Tratava-se da
dificuldade da inclusão dos alunos com necessidades especiais (alunos com transtornos do
espectro autista e com síndrome de Down). Todas as professoras ali presentes estavam de
acordo com o fato de que o aluno com necessidades especiais existe e está dentro da sala de
aula e o trabalho pedagógico realizado nesse espaço não é simples e requer conhecimento
prévio.
Em 2013, o grupo modificou um pouco, pois alguns professores saíram e outros
chegaram dispostos a participarem dos encontros. O quadro 2 a seguir mostra essa nova
configuração:
QUADRO 2 - Grupo de Trabalho
Professora18
Formação Tempo de trabalho naEscola
P01 Licenciatura em Pedagogia 4 anos
17Para manter resguardada a identidade das participantes, mesmo tendo em mãos o TCLE aprovado pela Comissão de Ética e assinado, usaremos nomes fictícios.18Para manter resguardada a identidade das participantes, mesmo tendo em mãos o TCLE aprovado pela Comissão de Ética e assinado, usaremos nomes fictícios.
77
P02 Licenciatura em Pedagogia 16 anosP06 Curso Normal 10 anosP07 Bacharelado em Direito e Curso Normal 6 anosP08 Bacharelado em Direito e Curso Normal 4 anosP09 Curso Normal 10 anosP10 Licenciatura em Pedagogia 8 anosP 11 Bacharelado em Administração e Curso Normal 10 anos
Fonte: Dados da pesquisa
No decurso da pesquisa vivenciamos a aposentadoria da diretora. Tal evento aconteceu
antes do término do seu mandato. Com o objetivo de manter a escola em funcionamento sem
que houvesse a necessidade de chamar nova eleição para o corpo gestor, a diretora adjunta
apresentou a SME/RJ uma proposta de continuidade, indicando uma das professoras da escola
para assumir em parceria a direção da unidade a fim de completar o tempo necessário. A
proposta apresentada à SME/RJ foi o envolvimento dos professores na construção do PPP. A
divulgação desse trabalho ganhou destaque entre os gestores da SME/RJ, em especial a
direção da 2ª CRE, que, além de aprovar o nome da diretora-ajunta como a nova diretora da
escola, recomendou que outras escolas ligadas à 2ª CRE conhecessem o trabalho que a EMCP
estava desenvolvendo. Aqui, recomendamos a leitura do trabalho de Senna (2017) que narra
sua trajetória entre os professores da GED da 2ª CRE desenvolvendo o Index para inclusão
(BOOTH; AINSCOW, 2011).
Os argumentos que analisaremos mais à frente e que constituem o objetivo da pesquisa
decorrente, ora apresentada, são entendidos como instrumentos para se chegar a um acordo
sobre os valores e sua aplicação, e revelarão as controvérsias embutidas nas estratégias
utilizadas pelo grupo para ora refutar, ora apoiar a tese da inclusão dos alunos por meio da
valorização/desvalorização do trabalho pedagógico. As chamadas verdades universais,
segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), somente existirão se pudermos ter um acordo
universal e necessariamente sem controvérsias, ainda que se admita que a aludida controvérsia
seja auxílio na busca da verdade.
O grupo de professores pesquisado presume que a dificuldade maior em lidar com os
alunos com necessidades especiais vem da desestruturação familiar e ambiente de convívio. A
falta do acompanhamento dos pais na busca de tratamento adequado aos filhos é sentida. O
pouco compromisso de alguns profissionais da educação, em especial daqueles ligados a
SME, no cumprimento de programas de acolhimento, de investimento e acompanhamento dos
alunos, seja na qualidade dos materiais didáticos, seja na valorização dos profissionais da
educação, também é fator agravante.
78
Acreditamos que, independentemente do discurso sobre a função da educação e da
escola, ela sempre será baseada numa determinada visão de homem pertencente a uma
realidade histórica e social específica. Cada vez mais essa categoria “função da escola” tem se
colocado presente nas reuniões docentes, palestras educacionais e até em concursos públicos.
Numa análise mais ampla, podemos dizer que a função da escola está ligada à sua missão,
incumbência ou utilidade. Melhor dizendo, para definirmos qual é a função da escola,
devemos primeiro definir a qual função estamos fazendo referência: social, legal ou política?
O que nos diz o espaço cotidiano compartilhado pelos professores e observado pelos
pesquisadores? Este é o passo que daremos a seguir.
79
5 NO COTIDIANO DA ESCOLA – A PESQUISA EM PRÁTICA
A concepção de educação que estamos preconizando fundamenta-se numa perspectiva
crítica que concebe o homem na sua totalidade, enquanto ser constituído pelo biopsicossocial
considerando seu lado material, afetivo, estético e lúdico. Portanto, no desenvolvimento das
práticas educacionais, a perspectiva Omnilética nos aponta para a necessidade de termos em
consideração que os sujeitos dos processos educativos são as pessoas e suas múltiplas e
históricas necessidades. Dito isto, iniciamos o relato da nossa experiência na Escola.
No processo inicial e deliberativo da pesquisa, a argumentação se manifestou de modo
bastante significativo. No decorrer dos primeiros encontros, pôde-se perceber que o diálogo
desenvolvido ali necessitaria de inferências não limitadas apenas ao campo lógico ou
estatístico, mas também moldadas por processos de argumentação, ou melhor dizendo, de
diálogos entre os vários interlocutores.
A análise do cotidiano da escola nos parece necessária para que possamos
compreender de que lugar os argumentos dos professores emergem. Nesse espaço acontecem
oscilações entre a constituição de valores e desvalorização da prática pedagógica. Assim, os
professores se orientam nesse complexo social utilizando-se de normas e estereótipos,
avançando nas objetivações e subjetivações de suas culturas, políticas e práticas, mesmo
sabendo que provisoriamente, mas sem deixar de conter verdades, mitos, certezas e
preconceitos sobre sua atuação.
Na dissertação de Mestrado (CARNEIRO, 2010) verificamos a possibilidade de ser,
no cotidiano, o espaço onde a formação dos preconceitos sociais, em especial da função da
professora primária, acontece com mais frequência. Verificamos que esses preconceitos são,
na sua maioria, de procedência histórica. São preconceitos que estão sujeitos a uma
permanente transformação e constituem-se como obra da própria integração social. No
entendimento de que as operações de valorização/desvalorização profissional exercidas em
torno da professora primária dizem mais sobre os discursos de convencimento da missão nata
da mulher para a educação do que propriamente da sua capacidade intelectual, investigamos
em que medida o reconhecimento político da sua ação educadora influencia na imagem social
construída pelo senso comum, redimensionando a sua função social e o seu valor profissional.
Durante os encontros pudemos perceber que boa parte dos argumentos apresentados
para justificar o insucesso da atividade docente baseava-se na percepção da própria imagem
do professor e no desempenho da sua função. De maneira sensível, havia, entre os discursos
80
de convencimento da sua impotência, uma cultura de desvalorização, uma política de
desmerecimento e uma prática de baixo rendimento.
A seguir, apresentaremos as transcrições dos encontros realizados entre o grupo de
professores da EMCP e o LaPEADE, organizando-os de acordo com a data em que
ocorreram. A escolha dessa organização justifica-se pela sua importância na mudança e
variação dos argumentos quando vistos através da perspectiva Omnilética.
Cabe-nos esclarecer que os encontros realizados durante o período de vigência da
pesquisa somam 64, logo foi necessário estabelecer um critério para a escolha dos encontros a
serem analisados. No momento dos encontros, no processo de coleta de dados, focalizávamos
nossa atenção no desenvolvimento do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011), na
busca e compreensão do processo de inclusão na escola por meio da interação do grupo de
professores e gestores. Na oportunidade da transcrição desses encontros, nossa perspectiva
mudou, pois passamos a buscar os argumentos de valorização e desvalorização da ação
docente. Desta forma, foi necessário nos distanciarmos do papel de pesquisador entrevistador
e nos colocamos no papel de interpretador de dados. À vista disso optamos por selecionar
apenas os extratos relacionados ao nosso objetivo, a saber, identificar e analisar
omnileticamente os tipos de argumentos levantados pelos professores que evidenciam as
barreiras à sua autonomia e participação pedagógica. Os excertos foram trabalhados
cronologicamente, pois a proposição é apresentar alguns avanços e retrocessos provocados
pelo desenvolvimento do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011).
No processo de escolhas das cenas a serem transcritas, procuramos observar
detalhamento das expressões faciais, do desvio de olhar, das mensagens corporais. Tais
informações, por vezes, precisam ser observadas, pois podem ter sido utilizadas como reforço
ou resistência ao argumento apresentado. Ou seja, são elementos que foram identificados
como parte do processo de análise e interpretação. Entendemos, assim, que a transcrição
assume a função de uma pré-análise do argumento. Como bem salientou Bardin (2016), a pré-
análise seria baseada na transcrição, na qual são realizadas várias leituras do material para
entender e compor os dados, mesmo sendo o próprio pesquisador aquele responsável pela
transcrição.
5.1 Definindo as categorias conceituais de análise
Para dar início à análise das transcrições foi necessária a criação de categorias
relacionadas ao objeto de pesquisa. Algumas categorias conceituais de análise foram definidas
81
somente após seguidas leituras e releituras das transcrições, quando os temas de cada reunião
puderam ser extraídos. Para isso, consideramos a criação de uma organização de análise a
partir das dimensões sugeridas pelo Index para inclusão, ou seja, culturas, políticas e práticas.
As deduções ou inferências que foram obtidas a partir dessa categorização são
responsáveis pela identificação dos tipos de argumentos e sua compreensão omnilética.
Entretanto, é importante ressaltar que a linguagem da argumentação é suscetível de
interpretações variadas, e uma palavra repetida duas vezes numa mesma proposição pode ser
tomada, se tal for necessário, em dois sentidos diferentes.
5.2 Os argumentos
Decidimos organizar os argumentos de forma cronológica para que possas ser
compreendidos de maneira mais clara possível. Pode ser observado que os encontros
transcritos não são sequencias, mesmo estando cronologicamente classificados. Isso se deve
ao fato de que em algumas reuniões, os argumentos apresentados não faziam referência à
questão pesquisada ou não possuíam a força necessária capaz de responder a nossa questão
pesquisada.
Mais uma vez afirmamos que os argumentos escolhidos dizem respeito ao discurso de
valorização/desvalorização da carreira docente.
QUADRO 3 - Reuniões do Projeto - 2012
REUNIÕES DO PROJETO - 2012
Argumen
to
Categoria Palavras-chave
01 Reconhecimento profissional missão / valorização02 Comprometimento Região Nordeste/Região Sudeste03 Participação do professor autoridade04 Valorização docente valorização 05 Influência estatística valorização/pesquisa06 Percepção e atitudes Projeto Político-Pedagógico07 Prática docente prática docente e exclusão08 Relação com os professores e
responsáveis participação
09 Planejamento de aula autonomia/apostilas da SME10 Gestão e participação gestão11 Colaboração e participação compromisso / convivência /
respeitoFonte: Dados da pesquisa.
82
Argumento – 01
Categoria – Reconhecimento profissional
Palavras-chave: missão / valorização
Data: 27 de março de 2012.
Local: EMCP – sala de vídeo
Presentes: A coordenadora do LaPEADE, acompanhada por 2 (duas) pesquisadoras, a gestora
e 4 (quatro) professoras da EMCP.
A filmagem começa com os participantes sentados em círculo. A coordenadora do
LaPEADE pergunta às professoras onde está a gestora. Uma professora explica que a viu
conversando com alguns responsáveis na entrada da escola. A professora se oferece a ir
chamá-la. A coordenadora agradece sua disponibilidade e comenta que a presença de todas no
horário marcado é essencial. Quando a gestora chega, a coordenadora argumenta:
DMO – então vamos? Poxa, P01, graças a Deus você veio, a gente estava falando daimportância da gestão nesse momento nesse projeto. Porque se é pra fazer algum milagre, é preciso que a gente esteja junto.
A coordenadora, nesse momento, desempenha a função de oradora, pois está ali para
apresentar o Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011) e persuadir aquele auditório
em particular a aderir ao seu desenvolvimento. A coordenadora usa um argumento quase
lógico baseado no sacrifício quando afirma que estamos reunidos para “fazer algum milagre”.
Importante marcar que, para efeito de classificação do tipo de argumento, utilizamos a
terminologia empregada pelos autores Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) quando nos
referimos à palavra “sacrifício”. Na verdade, entendemos o termo que o sacrifício ao qual os
autores se referem aproxima-se, no argumento em destaque, ao esforço que os professores
devem desprender para estarem reunidos nesse momento de estudo.
Aparentemente, o propósito do argumento analisado é apresentar um valor (milagre)
como um ideal e que deve transformar-se em um objeto de acordo, ainda que seja por meio de
um esforço (estarem juntos naquele horário, sem permitir que nada os atrasem). Por
consequência, aproxima a forma de pensar e agir do auditório em torno de uma mesma tese: o
poder e a importante missão de realizar um milagre. Não caberia aqui uma profunda discussão
sobre ser o “poder do milagre” um valor concreto ou abstrato, mas vale dizer que o que está
em jogo é a adesão do auditório à tese de que ele, professor, tem o poder de realizar esse
83
milagre se sacrificar-se trabalhando junto aos seus. O argumento, então, fala do lugar
romântico, um apelo à qualidade moral do auditório enquanto reforça o sentimento
missionário do professor primário. A expressão “fazer algum milagre” é, por sua vez, uma
figura de retórica que apela para o exagero (hipérbole), fortalecendo também o valor do
esforço requerido.
Os argumentos de sacrifício revelam a disposição do sujeito quanto ao esforço
despendido para obter o que deseja. Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 282) afirmam,
ainda, que “se, no argumento do sacrifício, a pesagem compete ao indivíduo que aceita o
sacrifício, o significado deste último aos olhos alheios depende do apreço por aquele que
efetua a pesagem”. Este tipo de argumentação permite avaliar, comparar dois ou mais termos
que, no exemplo analisado, dizem respeito ao fato de estar ou não estar presente aos encontros
do projeto. Assim, constatamos que há uma medição desses elementos, que estão em
constante interação.
Recorrendo à perspectiva Omnilética podemos abrir um potencial leque de
interpretações para esse excerto. Essa possibilidade de alargar o olhar sobre uma mesma
situação nos auxilia a compreender melhor o conflito gerado pela tomada de decisão em
participar do encontro promovido pelo LaPEADE. Esse conflito pode ser sentido na escolha
entre estar presente ou ausente ao encontro e pode ser significado de diferentes maneiras. Não
pretendemos demonstrar que existe uma dualidade de escolha, pelo contrário, o que
percebemos omnileticamente é que existem sentidos polivalentes ou a incerteza de como
avaliar a sua participação nessa jornada. Quando a escolha compreende múltiplas opções que
se comparam entre si em aspectos positivos e negativos, o conflito refere-se à incerteza sobre
qual das opções é a mais valorizada.
Cabe-nos perguntar se, no argumento analisado, a exigência que se coloca diante do
grupo estaria relacionada diretamente à sua missão cultural do poder milagroso que o
professor tem. Vale ressaltar que a figura de retórica empregada (hipérbole), de que um bom
professor é capaz de fazer milagres, faz parte de um conjunto surpreendente de determinações
socioculturais que atravessa diferentes momentos históricos (CARNEIRO, 2010). Abordando
essa categoria omnileticamente, observamos que a construção da imagem do professor está
ligada às estruturas da cultura, da organização social e da prática histórica. Assim, ela
salvaguarda sua posição não apenas condicionada como também condicionante.
Mas, e se esse esforço tiver como base seu compromisso com o trabalho pedagógico?
Charlot (1986) defende que é no período de crise social e política que a educação é
mais debatida. Para o autor, o pensamento pedagógico só nasce numa sociedade atravessada
84
de conflitos. Pleitear um espaço de estudo que seja seguro enquanto se desvela as diferentes
questões pedagógicas pode parecer algo difícil de conseguir e, por vezes, estranho aos
docentes. Em especial no campo onde realizamos essa pesquisa e de onde resgatamos o
argumento, a prática do encontro pedagógico, nesses últimos anos, não tem sido privilegiada.
Participar de um encontro como esse, em especial, é expor-se não apenas como indivíduo,
mas como profissional repleto de teorias sobre suas culturas, suas políticas e suas práticas.
Isso significa que as relações profissionais passarão, necessariamente, pelas relações pessoais.
A questão da valorização (ou da desvalorização) profissional poderá vir a ser problematizada
conforme o campo for construindo suas relações. Aceitar o “milagre” ao qual a coordenadora
se refere é aceitar que as relações interpessoais acontecerão e poderá vir a ser inevitável a sua
vivência.
Argumento – 02
Categoria – comprometimento
Palavras-chave: Ceará/ Rio de Janeiro
Data: 27 de março de 2012.
Local: EMCP – sala de vídeo
Presentes: A coordenadora do LaPEADE, acompanhada por 2 (duas) pesquisadoras, a gestora
e 4 (quatro) professoras da EMCP.
Os trechos destacados para análise fazem parte do encontro I. Ele foi escolhido devido
às considerações feitas pelas professoras sobre o desenvolvimento do Index para inclusão
numa escola do Ceará e da possível dificuldade em realizar o mesmo intento aqui, na sala da
escola, no Rio de Janeiro.
A discussão gira em torno do fato da proposta de revisão das dimensões de culturas,
políticas e práticas baseada na leitura reflexiva do Index para inclusão, acontecida numa
escola pública de uma cidade no Ceará, ter dado certo e originado um trabalho de sucesso. O
próprio argumento inicial é um argumento que fundamenta a estrutura do real, pois pretende
construir uma percepção pragmática quando associada à observação das imagens da pesquisa
sendo realizada numa outra escola. As imagens são usadas como exemplo do que se deseja
realizar na EMCP e pretendem generalizar o argumento.
A seguir apresentamos a transcrição que usamos para essa análise:
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DMO – então pra hoje a gente teve a ideia de passar um trecho do dvd como foi a ideia original. Aqui vocês vão poder ver o que foi que a R viu e que chamou a atenção dela. E também para vocês terem a ideia do projeto. Depois disso, a gente vai conversar sobre o nosso projeto, propriamente dito, que é parecido mas não precisa ser o mesmo. E aí, no meio dessa conversa, reconfigurar algumas coisas.
Após a apresentação das imagens, as professoras respondem com os seguintes
argumentos:
P03- isso aí foi no Ceará, não é? Você não pode comparar o nordestino porque ele tem aquela coisa, aquela garra. Eu sou filha de nordestino e posso falar. Tenho muitode nordestino. Aqui, o pessoal do Rio de Janeiro é diferente sim. A gente, aqui, na Cícero Penna, vai ter que encontrar o nosso caminho. Mesmo que você vá no subúrbio, é diferente daqui.
P01- Existe uma coisa que é muito forte, é a questão da mentalidade da filosofia de um projeto como esse no Nordeste para ser implementado aqui. Eu percebo que aquitem uma resistência muito maior, apesar de todo mundo aqui ter muito mais informação...
P02 – É aquilo, tem a ver com a filosofia e com o que a gente pensa sobre educação.Eu vejo assim, o que eu quero com o meu aluno não é diferente do que alguém que queira lá no Nordeste, na Amazônia ou lá no sul. Eu acho que, nesse primeiro momento, o que é que a gente está discutindo? O fazer pedagógico. Como é que a gente chega a resultados.
A complexidade do acordo que se propõe como tese principal busca responder ao
desafio daquilo que está sendo-lhes proposto – repensar a sua realidade educacional a partir
das dimensões propostas pelo Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011).
Os três argumentos acima destacados nos possibilitam uma análise omnilética mais
abrangente. A tese de adesão inicial, explicitada no primeiro argumento (P03), fundamenta-se
em uma presunção. Podemos observar que a professora faz uso repetitivo da palavra
nordestino. Nesse sentido, o efeito procurado parece-nos ser de uma amplificação da figura
do nordestino como alguém que detém uma qualidade (garra), diferente do “pessoal do Rio de
Janeiro”. A professora usa uma argumentação quase-lógica para defender a tese da diferença
entre nordestinos e não-nordestinos, lançando mão da técnica de identidade e definição.
Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) destacam que “o procedimento mais característico de
identificação completa consiste no uso das definições” (p. 238). No argumento analisado a
definição dada ao nordestino (aquele que tem garra) indica qual o sentido conferido de
maneira desejável levando-se em consideração o momento e lugar em que foi dito.
O segundo argumento (P01) dialoga com a tese de adesão. Podemos observar a
complexidade nesse diálogo, pois nos parece ser contrário o argumento de resposta ao mesmo
tempo que o apoia. Este seria um caso de refutação/apoio à tese inicial. No seu argumento de
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resposta, a professora concorda com a importância dada à “filosofia” de um projeto de
mudança e que o “nordestino possui garra” necessária (argumento de apoio), mas apresenta a
tese de que “aqui”, no Sudeste, há mais “informação” do que na outra região (argumento de
refutação). Percebe-se a inferência de um forte dado cultural no argumento de refutação – o
capital cultural. Podemos considerar a questão da diferença entre as populações brasileiras
que costuma ser de preconceito. Pesquisas recentes mostram que o preconceito continua
presente na atualidade (CUNHA; SANTOS, 2015). Essa discriminação consiste no
julgamento de uma pessoa pela sua origem ou mesmo por associações pejorativas.
Consoante com Bourdieu (2007), a posição social ocupada pelos professores em um
campo particular de existência, que no caso do argumento subdivide-se em regiões – Nordeste
e Sudeste –, depende, antes de qualquer coisa, dos capitais objetivados nas práticas
distinguidos em três dimensões “clássicas”: o econômico, o cultural e o social. É a forma
assumida pelos capitais objetivados em uma relação e incorporados (habitus) que determina
as classes sociais e, consequentemente, constitui as práticas que classificam as distinções.
Omnileticamente é possível considerar que o argumento da professora esteja apontando para o
papel cultural do saber em um quadro mais amplo, ou seja, de uma cultura socializada. Visto
dessa forma, o valor cultural docente de cada região é suficiente para construir um padrão de
referência.
O terceiro argumento (P02) mostra o auditório concordando com a tese de adesão
inicial e a argumentação ganha estabilidade. Inferimos isso ao observar o argumento (P03)
que procura responder e entender a tese de adesão inicial - “o que eu quero com o meu aluno
não é diferente do que alguém que queira lá no nordeste, na Amazônia ou lá no sul”. A
discussão já não é mais sobre quem detém a “garra” ou o “saber”, mas sim a tese de que todos
os professores estão a busca de caminhos para o desenvolvimento pleno do seu aluno. Tem-se,
aí, o emprego de um argumento quase-lógico: a inclusão das partes (diferentes regiões do
país) em um mesmo todo (o propósito do fazer pedagógico, que deve ser o mesmo em todo o
país).
Essa condição dialógica da argumentação é uma condição omnilética, dado que as
variáveis culturais, políticas e práticas estão postas em discussão e isso complexifica a tese,
uma vez que coloca, no argumento em destaque, a questão do capital cultural no campo do
acordo. Bourdieu (2011) descreve minuciosamente o sentido de capital cultural associado à
cultura num sentido amplo de gostos, estilos, valores e estruturas psicológicas, que decorrem
das condições de vida e que vão se moldando às suas características.
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É possível inferir que o que aparece visível no argumento, na realidade, esconde o
invisível que o determina. A determinante aqui pode ser o compromisso com a mudança de
paradigma sobre a participação do professor nos processos educativos e na importância da sua
decisão política sobre a sua ação, ou seja, o seu valor como profissional. Omnileticamente é
permitido induzir que a autenticidade da interação não costuma estar inteira no argumento tal
qual se apresenta, mas próxima às estratégias de condescendência, assegurando saberes já
dominados pelo senso comum e preservando aquilo que se quer deixar subentendido. Em
suma, “podem-se usar as distâncias objetivas de maneira a obter as vantagens da proximidade
e as vantagens da distância, isto é, a distância e o reconhecimento das distâncias asseguradas
pela denegação simbólica da distância” (BOURDIEU, 2004, p. 154).
O que defendemos aqui é o problema da complexidade que nos é apresentado por
Morin (2010). Devemos lutar não apenas contra a incompletude do conhecimento, mas contra
a sua mutilação. Reduzir a tese à questão da diferença de formação pedagógica aliada à sua
localização geográfica é negar a própria identidade e a diferença de todos os aspectos que
constituem um ser humano na sua face biopsicossocial.
De certa forma, argumentos como esse que não se libertam de seus preconceitos
científicos e políticos tomam como base as características do cotidiano. O pensamento
cotidiano costuma trivializar suas experiências baseando-se apenas no empírico, assumindo
estereótipos como verdades. Quando não problematizamos o estereótipo do professor do
Nordeste ou do Sudeste, afirmamos o desvalor da profissão por meio de um discurso de
menos valia.
Argumento – 03
Categoria – Participação do professor
Palavra-chave: autoridade
Data: 24 de abril de 2012.
Local: EMCP – sala de vídeo
Presentes: A coordenadora do LaPEADE, acompanhada por 2 (duas) pesquisadoras, a gestora
e 4 (quatro) professoras da EMCP.
Nesse encontro, a coordenadora do LaPEADE explica o porquê de ainda não ter
conseguido trazer uma edição das filmagens feitas na sala de aula. Segundo ela, as gravações
sobre os pontos positivos e desafios de cada aula ainda não estavam focados nas dificuldades
dos alunos, categoria principal do encontro. A coordenadora sugere, para esse encontro, que as
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professoras falem sobre as dificuldades vividas durante esse período e que estejam
relacionadas a alunos especificamente.
O trecho a seguir foi selecionado com a intenção de revelar a questão da percepção de
uma barreira à aprendizagem e à participação do aluno sentida pela professora e apresentada
aos pais numa reunião. A autoridade da professora é questionada por uma outra colega que
supõe que o fracasso da entrevista se deu devido à falta de credibilidade na fala da professora.
A professora P03 comenta sobre um determinado aluno. Dá-se, assim, início a um
diálogo que transcrevemos a seguir:
P03- na minha sala, à tarde, eu tenho a S que é uma criança que me angustia muito; eu tenho também o MF que até nessa última aula ele deu um freio, eles atrapalham muito; são crianças, tipo assim, que não dão trabalho só na minha aula, mas em todas as aulas dos professores.
P04 - no caso do MF, ele faltou muito ano passado e, assim, o primeiro passo que a gente tem que dar é ver se tem algo a mais do que só a questão comportamental, é chamar primeiro a família.
P03- já chamei.
P04- não, mas assim, tem que chamar para conversar olho no olho, pra ver se conhece um pouco mais e no último caso, conversar com a direção; isso tem dado resultado pelo menos com outros alunos
P03- já fiz isso com esse aluno e com outros (nomeia as crianças)
P04- Então, assim, se você já fez esse atendimento e não adiantou, você poderia tentar fazer com a direção porque aí já é uma coisa assim: não é uma professora, é uma diretora; não é implicância da professora, é com a diretora, isso faz uma diferença, a gente percebeu isso com a turma dela (aponta para P02)
DMO- mas pera aí, isso é no caso da S?
P04- não, nos dois, os dois estão com essa fala. Talvez uma autoridade maior …
Ao descrever o comportamento dos alunos S e MF, a professora P03 destaca que tal
comportamento se repete junto a outros professores, justificando sua preocupação. A
professora P04 chama a atenção para a necessidade de se conversar com a família e, mesmo
diante da afirmação de que isso já foi feito, insiste em dizer que a conversa deve ser feita
“olho no olho”. O uso dessa expressão reforça a ação como uma possível solução para o
problema que ocorre dentro da sala de aula. O argumento que destacamos é tautológico, pois
repete a necessidade de um encontro com os responsáveis, levantando a hipótese do encontro
não ter acontecido de maneira séria e profunda, ou seja, “olho no olho”. Como forma de
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persuadir, a professora P04 usa um argumento de autoridade, sustentando a indispensabilidade
de uma pessoa confiável e capaz de conduzir corretamente o encontro.
Segundo a professora P04, “não é uma professora, é uma diretora; não é implicância
da professora, é com a diretora, isso faz uma diferença”. É possível inferir que o peso do
argumento está centrado no desvalor da opinião da professora diante do saber da diretora. A
fala da professora aos pais corre o risco de ser tomada como “implicância”, sugerindo falta de
reflexão ou embasamento teórico, descartando a possibilidade de ter sido resultado de uma
observação empírica que tenha levado a docente a assumir algumas verdades momentâneas
baseadas nas suas reflexões. Culturalmente, a formação acadêmica docente está fundamentada
numa concepção transmissiva de conhecimento e não costuma privilegiar a observação
reflexiva, centrada no exame atento, ao olhar com pormenor e na utilização de instrumentos
de registros.
Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 350):
As autoridades invocadas são muito variáveis: ora será “o parecer unânime” ou “a opinião comum”, ora certas categorias de homens, “os cientistas”, “os filósofos”, “os Padres da Igreja”, “os profetas”; por vezes a autoridade será impessoal: “a física”, “a doutrina”, “a religião”, “a Bíblia”; por vezes se tratará de autoridades designadas pelo nome.
Mas não é possível descartar a complexidade presente na formação do professor. Isso
não aumenta ou diminui a sua capacidade de abordar uma situação vivenciada na sua sala de
aula, mesmo sabendo que a concepção ou tendência pedagógica que caracteriza a ação
docente pode ser modificada ao longo de sua trajetória profissional. Não se pode negar que há
um saber, uma profissionalidade, na prática docente. A profissionalidade, de acordo com
Contreras (2012), pode ser entendida como um conjunto de práticas docentes constituídas na
prática do seu trabalho educativo. É um estado constituído no interior de um coletivo situado
num contexto social e cultural e, sendo assim, suscetível às influências culturais, políticas e
práticas. Envolve a ideia de responsabilidade social, pois requer compromisso daqueles que
participam do processo educacional.
Por isso, longe de ser meramente um achismo pedagógico, a atitude autônoma da
professora está vinculada a uma sensibilidade capaz de entender o outro e com disposição
para a busca do consenso social.
A formação pedagógica não se constrói apenas na acumulação de cursos, de
conhecimento ou de técnicas, ou seja, do capital cultural institucionalizado, mas sim por um
trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas ali apreendidas possibilitando a
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(re)construção permanente de uma identidade profissional. Por esse motivo é tão importante
investir na formação continuada do professor e buscar uma ordenação ao saber da experiência
adquirida no exercício da profissão.
A superação desse modelo significa valorizar a prática do professor, considerando seu
papel de “construtor de conhecimento”, e não mero instrutor que transmite os saberes
produzidos por outros. Significa reconhecer a potencialidade da observação feita sobre o
aprendizado do aluno, por mais incompleta que aparentemente transpareça.
Argumento – 04
Categoria – valorização docente
Palavra-chave: valorização
Data: 08 de maio de 2012.
Local: EMCP – sala de vídeo
Presentes: A coordenadora do LaPEADE, acompanhada por 2 (duas) pesquisadoras, a gestora
e 4 (quatro) professoras da EMCP.
Desse encontro, destacamos o seguinte argumento:
P02- a escola fica muito presa à questão daquilo que é acadêmico. Você tem que saber isso, aquilo e aquilo. (...) Aí vem a secretaria e coloca aquilo no livro como sendo a única coisa certa. O único valor absoluto. O resto não é visto ou não é válido. Aí muda o governo e muda tudo de novo. E o professor que não tem esse tempo para discussão e para essa busca, ele só vive mudando de acordo com o governo. Agora tem que fazer isso porque o governo é esse. Agora tem que fazer aquilo porque o governo mudou de ideia. E aí a gente deixa de ser o professor.
Nesse argumento, a professora deixa claro o tributo cobrado aos professores pela
Secretaria de Educação, ao mesmo tempo em que busca a adesão do auditório por meio da
tese de que a desvalorização profissional está relacionada com a supressão do seu tempo de
estudo e pesquisa.
Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 281) “um dos argumentos de
comparação utilizados com mais frequência é o que alega o sacrifício a que se está disposto a
sujeitar-se para obter certo resultado”.
No argumento em destaque, o sacrifício exigido ao professor refere-se à perda de
autonomia para exercer a sua profissão. Os processos de redução de conceitos pelos quais a
profissão docente passou, principalmente a partir da Lei de Diretrizes e Bases 5692/71,
limitaram o papel do professor e sua função no ensino. Os modelos baseados nas instruções
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programáticas que objetivavam a homogeneização do trabalho com vista à maior
produtividade e à diminuição de custos sobrepujaram a atuação docente e condicionaram a
sua prática à posição de consumidores de livros didáticos com suas orientações pedagógicas
prontas. Nessa direção, o professor viu seu papel profissional reduzido ao de um técnico,
aplicador de programas e pacotes curriculares, passível de ser testado por exames externos.
Numa perspectiva Omnilética, a fala da professora nos deixa perceber que a sua visão
de autonomia está centrada na possibilidade de exercer sua função profissional de forma
absoluta, sem interferências externas. Sua tese está no esforço despendido à resistência e à
aceitação de ingerências externas ao seu trabalho, à medida que transformações sociopolíticas
se estabelecem e novas exigências são feitas em relação à escola.
A complexidade é inerente à educação, pois nos obriga a enfrentar contradições
irredutíveis. É evidente a tensão existente entre a tentativa de promover a igualdade e o
respeito pelas diferenças sem esbarrar no projeto pessoal do professor e seu compromisso com
as recomendações recebidas pela Secretaria de Educação. Não é possível dissimular as
contradições entre as práticas pedagógicas e a variabilidade das políticas educacionais. É
importante captar essa profundidade da natureza omnilética na tese exposta para não se deixar
enganar com a superficialidade da explicação pela lei do menor esforço. Diante desse
“sacrifício” imposto ao professor, vale questionar sua representação profissional e o seu
desejo de exercer algum controle do mundo educacional. Comecemos pela referência à
autonomia.
Contreras (2012) procura recuperar a concepção de autonomia profissional para
professores sugerindo uma busca entre as estratégias ideológicas da profissionalização.
Subscrevendo, então, a ideia de que a autonomia para os professores possui uma natureza
educativa própria. O argumento estudado pode anunciar, superficialmente, a preferência por
um isolamento e não intromissão no seu trabalho. Contreras (2012, p. 80) afirma que para
melhor entendermos a autonomia perseguida pelos professores devemos entender que “as
imagens associadas à ideia de profissional e as aspirações que muitos professores representam
com esse termo transportam valores ocupacionais que estão em consonância com
características e necessidades de realização da função docente”.
Posto desta forma, a discussão dirige-se para o significado do termo profissionalidade,
outro aspecto importantíssimo da formação do professor. De maneira geral, o termo
profissionalidade, de acordo com Contreras (2012), implica na utilização responsável,
competente e ética dos requisitos necessários à atuação do professor: domínio dos conteúdos e
da metodologia de ensino, participação na construção do Projeto Político-Pedagógico da
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escola, didática e planejamento das aulas, entre outros. Para o autor, “a profissionalidade se
refere às qualidades da prática profissional dos professores em função do que requer o
trabalho educativo” (CONTRERAS, 2012, p. 82). Construir-se professor exige, desde a
formação inicial, uma eterna e vigilante reflexão do que se faz, como se faz e como deveria
ser feito. É um movimento que institui uma prática pedagógica firmada sob um processo
dialético que norteará a constante formação profissional.
Falar de profissionalidade significa expressar culturas, políticas e práticas. No Index
para inclusão encontramos pistas que nos apontam para o sentido da profissionalidade que
pode estar inserido no argumento da professora P02:
Os valores constituem guias e sugestões fundamentais para a ação. Eles nos fazem avançar, dão um senso de direção e definem um destino. Não podemos saber se estamos fazendo (ou já fizemos) a coisa certa sem compreender a relação entre nossas ações e nossos valores. Porque todas as ações que afetam os outros são sustentadas por valores. Cada uma destas ações torna-se um argumento moral, estejamos ou não conscientes disto. É uma forma de dizermos que ‘é a coisa certa a fazer’. Ao desenvolver um sistema de valores, declaramos como queremos conviver e educarmo-nos uns aos outros, agora e no futuro (BOOTH; AINSCOW, 2011, p. 21).
Para o Index para inclusão, a referência “profissional” está, do mesmo modo,
associada ao despertar da consciência para as necessidades da escola e do espaço escolar e
isso pode ser feito por meio dos valores inclusivos.
Portanto, a representação profissional e a autonomia são valores intrínsecos à prática
do ensino.
Argumento – 05
Categoria – influência estatística
Palavras-chave: valorização / pesquisa
Data: 08 de maio de 2012.
Local: EMCP – sala de vídeo
Presentes: A coordenadora do LaPEADE, acompanhada por 2 (duas) pesquisadoras, a gestora
e 4 (quatro) professoras da EMCP.
A filmagem começa com a coordenadora do LaPEADE, professora Dr.ª Mônica P. dos
Santos, lendo as páginas iniciais do Index para inclusão. A coordenadora do encontro dá
destaque à questão dos valores. Apresenta a imagem da “flor” dos valores inclusivos.
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Figura 4 – Desenvolvimento inclusivo
Index Para Inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011)
Destacamos o trecho a seguir:
DMO – Vamos continuar a leitura do Index para inclusão: “Enfatizar o desenvolvimento dos valores e sucessos da comunidade escolar.” Vocês estão fazendo isso? Como é que isso acontece aqui na escola? Vocês já pararam pra pensarnisso?
P02 – O resultado da pesquisa.
P03 – Qual pesquisa?
P02 – Aquela que foi feita com os pais. Antes a gente tinha uma ideia, uma visão de escola que não correspondia a realidade das pessoas da escola. Tanto que nós nos assustamos muito com a escolaridade dos pais. Lembram? Ali todo mundo tomou conhecimento da realidade dos pais e vimos que eles têm nível médio, eles tinham uma condição de vida muito boa e o que nos deu prazer foi saber que eles reconheciam o nosso trabalho. E a gente sempre teve a ideia de que não éramos reconhecidos. A escola sempre trabalha com uma ideia, um pré-conceito de que são pessoas que moram no Tabajara são pessoas que moram no Cantagalo, são pessoas que moram nos quartos dos porteiros dos prédios, são pessoas sem cultura e de um nível de pensamento muito baixo. Então é uma preocupação da escola quando olha oaluno e pensa que ele é um vaso vazio que você vai preencher com aquelas coisas que são importantes. São essas que interessam. E ignoram aquilo que eles já trazem.
Nesse argumento, a professora (P02) dá ênfase a sua surpresa ao descobrir que,
mesmo morando em lugares previstos e legitimados à população de baixa renda, os familiares
dos alunos possuem alguma instrução formal. Analisando a técnica argumentativa utilizada,
observamos que seu argumento é pragmático e fundamenta-se na relação de dois
acontecimentos sucessivos por meio de um vínculo causal. A sucessão causal do seu
argumento encontra-se na relação entre a moradia das famílias e a sua formação escolar,
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tomados a partir do resultado da pesquisa estatística realizada na escola. Morar em regiões
urbanas, onde prevalecem as famílias de baixa renda, deveria ser determinante (causa) para a
baixa escolaridade (consequência) dos pais, mas isso nem sempre se verifica. Por isso, a
oradora critica os pré-conceitos que acabam por estereotipar os alunos. Sua crítica é reforçada
pelo emprego da metáfora (argumento que fundamenta a estrutura do real) “vaso vazio”,
muitas vezes empregada por professores para desvalorizar conhecimentos e aspectos da
cultura dos alunos.
Para refletirmos sobre essa questão, voltamos ao pensamento de Geertz (1989) sobre o
conceito de cultura na constituição do ser humano. Entendemos que o sistema cultural sempre
está em mudança, e é preciso estar atento a essas transformações para não cometer situações
preconceituosas. Segundo o autor (1989, p 45.), “a cultura é a mediação entre o poder e o
objetivo de sua ação”. Ponderando que a cultura pode condicionar a visão de mundo do
homem na sociedade, podemos inferir omnileticamente que ela costuma ser representada por
um conjunto de significados transmitidos historicamente, ou seja, incorporados por meio de
símbolos que se materializam em culturas, políticas e práticas. O que a constitui são as
crenças, as tendências e as práticas do grupo tomadas coletivamente. A ruptura dessa
imposição poderá ser alcançada quando pensarmos complexamente sobre a formação
determinista dos paradigmas que a estruturam. Para isso, devemos nos valer de uma dialógica
cultural e de uma diversidade de pontos de vista potencial.
Santos (2006), com a sua proposição omnilética, aborda igualmente a questão do ser
vivo como um todo numa constante, dinâmica e complexa relação e interação com o meio,
pois a forma como ocorre esse processo depende do meio e do contexto em que se vive. Isso
significa que o meio interfere na forma com que interagiremos com nossas próprias estruturas.
Desse modo, o argumento apresentado pela P02 é fruto de uma correlação que lhe
confere sentido e procura organizar o entendimento construído, assim, da realidade externa.
Nesse aspecto, a realidade não existe independentemente do observador. Nossas ideias, nossos
valores, nossos atos e nossas emoções são produtos das nossas culturas, políticas e práticas. A
relação estabelecida entre a moradia da família e sua formação acadêmica marca essa
percepção, pois lhe causa surpresa saber que o resultado da pesquisa contradiz aquilo que
costuma ser culturalmente posto.
Não podemos deixar de destacar que, para além do entendimento do seu argumento
como pragmático, a professora dá indícios de uma postura crítica, pois manifesta
autorreflexão sobre as distorções ideológicas e condicionantes dos paradigmas sociais de
moradia. Omnileticamente, aceitamos que somos nós, os observadores, que atribuímos
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sentidos à realidade e que nossas observações dependem das distinções culturais que fazemos
e que estas estão em constante movimento, pois nossa percepção dialética torna possível a
compreensão de que o mundo é sempre resultado das relações que operamos a partir das
culturas, políticas e práticas.
Da mesma forma observamos sua surpresa em relação à valorização dada pelos pais ao
trabalho feito pela escola. P02 diz que “o que nos deu prazer foi saber que eles reconheciam o
nosso trabalho. E a gente sempre teve a ideia de que não éramos reconhecidos.”. Reafirmando
nosso entendimento de que a nossa inferência no mundo está diretamente ligada às nossas
culturas, políticas e práticas, a surpresa da professora ao saber-se valorizada pelos pais nos
indica um argumento de superação. Como nos explica Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p.
328), “O que vale não é realizar certo objetivo, alcançar certa etapa, mas continuar, superar,
transcender no sentido indicado por dois ou vários pontos de referência.” Na surpresa da
professora, pareceu-nos importante observar que o reconhecimento dos pais surge como uma
aprovação. O seu argumento aparenta apontar para um sentimento de segurança quanto à
utilidade e qualidade do seu trabalho, produzido a despeito de avaliações possivelmente
negativas e mesmo da indiferença de pares e superiores, como vimos nos argumentos
anteriormente analisados.
Omnileticamente, o processo de reconhecimento profissional pode ser entendido como
um processo de retribuição simbólica assentado em julgamentos culturais, políticos e sobre o
fazer das pessoas, ou seja, seu aspecto prático, portanto, tende a perceber-se, reflexivamente,
como possuidor de uma história e de um futuro e como agente capaz e eticamente responsável
por seus atos.
Argumento – 06
Categoria – percepção e atitudes
Palavras-chave: Projeto Político-Pedagógico
Data: 22 de maio de 2012.
Local: EMCP – sala de vídeo
Presentes: A coordenadora do LaPEADE, acompanhada por 2 (duas) pesquisadoras, a gestora
e 4 (quatro) professoras da EMCP.
O encontro começa com as professoras conversando sobre a ação do Conselho Tutelar.
A coordenadora do LaPEADE pergunta como é o contato da escola com essa parceria. A
professora P01 responde esclarecendo os trâmites que constituem a rotina de contato com o
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Conselho Tutelar. A coordenadora do LaPEADE pergunta aos professores se os valores da
escola são claros e se a comunidade conhece e os compartilha. O grupo se entreolha e não
responde.
A coordenadora convida, então, a retomarem a leitura do Index para inclusão, no item
que aborda o desenvolvimento inclusivo. Após a leitura, a coordenadora alerta sobre a
importância da construção dos pilares da escola baseados nos valores. Ressalta que a ação de
pensar em fazer inclusão precisará de uma sintonia com esses pilares. Em seguida, pergunta
se a escola tem um Projeto Político-Pedagógico. Desse diálogo, destacamos o seguinte
argumento:
P01 – Nós temos um PPP desde 2004. Em 2010 a direção fez a revisão. E aí o processo foi divulgado entre os professores. Nós traçamos as metas e trabalhamos com as metas no ano passado. Só que é aquilo que a gente estava conversando. Esse projeto não é um projeto da direção. Se os professores não se apoderarem, não se incorporarem nessa construção, não adianta nada. A mesma coisa foi com o blog. Me pediram para montar um blog e eu fiz e quando eu olho lá, não tem uma visita no blog. Não tem uma postagem se quer. As pessoas não incorporam. Pensando nisso que você perguntou, nos valores, (pega o PPP e folheia) deixa eu ver...(folheia,porém não localiza a informação que deseja). Mas, de qualquer forma, ele tem que ser revisto. Por exemplo, a fundamentação teórica. A minha vontade era tirar essa parte. Se você for olhar a prática ou perguntar aos professores “Onde está Freinet na sua prática ou Piaget? (balança a cabeça dando a entender desconhecimento) O que eu estou falando é sobre aonde eu coloco no meu planejamento os conceitos de Wallon, Freinet ou Piaget? Quando é que eu trago esses autores para a minha prática? Ninguém sabe. Posso até estar chateando alguém.
O argumento apresentado pela professora está fundamentado na estrutura do real. É
possível observar que ele não está ligado a uma descrição objetiva dos fatos, mas a pontos de
vista, ou seja, a opiniões relativas à participação dos professores na feitura do Projeto
Político-Pedagógico. A técnica argumentativa utilizada é a do desperdício. De acordo com a
sua argumentação, os professores não se apoderaram da construção do documento, ou seja,
não mostraram esforço em apropriarem-se das propostas contidas no projeto. Igualmente
assinala o desperdício que foi a criação do blog, mesmo sendo elaborado a partir das
solicitações dos próprios professores. Seu argumento termina com a seguinte frase: “Posso
estar chateando alguém.”. Há uma crítica velada na sua fala, pois afirma que a maior parte dos
professores não procura a pesquisa educacional para instruir e melhorar as suas práticas. Ela,
claramente, incita os professores a continuarem os estudos e projetos em função do esforço já
desenvolvido, pois o tom da sua frase pode ser entendido como um desafio a continuarem a
escrita do PPP. “Assim, encontrar-se-á no argumento do desperdício um incentivo ao
97
conhecimento, ao estudo, à curiosidade, à pesquisa” (PERELMAN; OLBRESCHTS-
TYTECA, 1996, p. 319).
No seu argumento, a professora P01 chama a atenção para a relevância da participação
dos professores na construção do PPP. Ela procura estabelecer uma distinção entre o conceito
teórico do planejamento idealizado e abstrato e o planejamento na prática de acordo com as
circunstâncias reais da escola. No seu argumento observamos que a tese repousa no fato do
planejamento não poder ser considerado apenas uma teoria, pois necessita de conhecimentos
práticos sobre do que se trata. Envolver a escola num processo como esse desencadeará em
um deslocamento do discurso da negação que suporta o descaso para o discurso da aceitação
de um projeto que cobrará tomadas de decisões centralizadas e alinhadas às possibilidades de
trabalho participativo e coletivo.
Voltemos à frase da professora P01: “Posso até estar chateando alguém”. Parece-nos
que o sentido da sua afirmativa aproxima-se do pensamento omnilético, uma vez que
reconhece outros pensamentos além daquele que toma como base. Independentemente da
posição política dos professores para quem o argumento é dirigido, ela considera que existem
saberes que são indispensáveis à prática docente.
Paulo Freire (2015, p.24) nos ensina que “a reflexão crítica sobre a prática se torna
uma exigência da relação Teoria/Prática, sem a qual a teoria pode ir virando blá-blá-blá e a
prática, ativismo”. Do mesmo modo, o argumento da professora P01 procura recuperar o ato
reflexivo do professor, deixando claro que o desperdício está em exercer uma prática sem
reflexão.
A leitura do Index para inclusão continua e isso possibilita o estabelecimento de
prioridades entre os envolvidos, apontando os caminhos que estão com mais urgência no seu
enfrentamento. A construção coletiva do PPP aparece como uma Categoria importante na
pauta.
Na continuidade do encontro, destacamos o argumento lançado como resposta ao
argumento principal:
P02 – Mas aí vem a pergunta principal: Por que as pessoas não estão se apoderando disso? Eu participei dessa equipe que fez a revisão. Foi assim, veio alguém de fora e constituiu um corpo. Eu penso que aquilo que foi feito ali teria sido muito mais enriquecedor se tivesse sido discutido com mais gente. Veio uma pessoa de fora paraorientar a gente. Isso foi pago para uma equipe de pessoas que faz esse tipo de trabalho em escolas particulares. O que eu penso sobre um projeto pedagógico é queele seja feito pelo grupo e o grupo tem competência para fazer. Não precisa vir uma pessoa de fora. Eu acho, assim, foi tirado um grupo que quis participar mas foi uma discussão muito enxuta.
98
Esse é um argumento baseado na estrutura do real e sua técnica argumentativa é a da
superação. Observamos a ligação de sucessão entre a técnica argumentativa anterior – do
desperdício – com a proposta pelo argumento descrito acima que caracteriza-se pela
superação. O argumento vem ao encontro do desafio lançando anteriormente, prosseguindo na
possibilidade de alçar voos em busca do Projeto Político-Pedagógico da escola. A professora
P02 busca não apenas o cumprimento do seu dever pedagógico mas instiga a superação das
dificuldades possivelmente encontradas no início do desenvolvimento do PPP.
Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 329) afirmam que:
Frequentemente essa técnica é utilizada para transformar os argumentos contra em pró, para mostrar que o que até então era considerado obstáculo é, na realidade, um meio para chegar a um estágio superior, como a doença que deixa o organismo mais resistente, imunizando-o.
Em seu argumento, a professora P02 mostra a convicção necessária para fundamentar
a sua tese. Ela defende a proposição de que os professores da escola são capazes de intervir na
realidade. Essa tarefa não é simples. Abre-se um campo complexo que não pode ser resolvido
por meio de uma discussão “muito enxuta”. É uma tarefa geradora de novos contextos, não
obstante a escola possua professores capacitados a resolverem essa demanda. Podemos
considerar que o seu argumento apresenta um cunho de valorização do saber e prática
docente. Ela procura destacar a capacidade dos seus colegas professores a embarcarem numa
difícil, mas possível e viável empreitada.
A leitura do Index para inclusão e a discussão das questões por ele propostas parece-
nos responsáveis por este argumento, uma vez que ajudam a clarear as ideias e preparam a
ação individual e coletiva (BOOTH; AINSCOW, 2011). Sua ação é resultado de uma
constante dialógica da qual a participação de todos se faz necessária.
Ambos argumentos analisados nessa categoria falam da complexidade do exercício da
profissão docente. O princípio da contradição, característica do pensamento dialético, é
exposto no instante em que a professora P01 pergunta onde estão os filósofos da educação na
prática do professor para, em seguida, ser destacado que não é a falta de competência que
mantém os docentes afastados do diálogo. Na perspectiva Omnilética, a lógica dialética
decorre daquilo que está em movimento e todo movimento é causado por elementos
contraditórios. Destarte, a complexidade coexiste numa totalidade desenvolvida sobre nossas
culturas, políticas e práticas. Ao pensar na inclusão, os participantes do projeto se veem em
99
um constante movimento, onde seus argumentos são testados porque são ouvidos e discutidos
pelo auditório atento a essa energia.
Argumento – 07
Categoria – prática docente
Palavras-chave: prática docente/exclusão
Data: 09 de setembro de 2012
Local: EMCP – sala de vídeo
Presentes: A coordenadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) pesquisadora, a gestora e
4 (quatro) professoras da EMCP.
Os minutos iniciais do vídeo mostram o grupo socializando suas impressões sobre as
eleições para prefeito e sobre a greve dos professores universitários. Durante esse período, a
pesquisa-ação ficou suspensa, porém a equipe de pesquisadores deu continuidade à análise
dos dados coletados.
Assim que todos tomam assento, a coordenadora inicia a reunião falando sobre as
reflexões que o Index para inclusão propõe e como poderão orientar as discussões sobre o
PPP.
Em seguida, a discussão caminha para a análise das imagens gravadas nas salas de
aula. Uma das professoras comenta que sua maior barreira é a falta de tempo para adaptar
suas aulas de forma a alcançar todos os alunos.
Destacamos o argumento usado como resposta ao seu discurso.
P01 – A gente já recebe tudo pronto, inclusive as avaliações. O professor nem participa das reuniões de avaliação. Já vem tudo pronto. Mas também, assim, é uma questão de didática. Passa pela formação do professor organizar a sua sala com cantinhos de jogos, de pintura. Essa atuação o professor pode ter. Faz parte da didática dele em sala de aula. Se é um professor que está acostumado a fazer um trabalho mais rotulado, ele não vai conseguir fazer, naquele momento, um grupinho aqui, outro grupinho ali. Mas isso passa pela reflexão da prática de cada um.
P02 – Mas é isso que nós não estamos tendo. A gente está fazendo as coisas muito no automático. A gente está aqui, agora, discutindo isso. Quando em outro momento na escola nós podemos discutir isso?
As professoras P01 e P02 baseiam seus argumentos na estrutura do real. No argumento
de P01 temos a superação como técnica utilizada para demonstrar seu argumento. Durante a
exposição do seu argumento, a professora destaca a importância do processo educativo
100
enquanto procura persuadir seu auditório. A professora P01 ressalta a capacidade da equipe
docente de refletir profundamente sobre os valores que asseguram a sua autonomia em sala de
aula. No processo de parceria da aquisição do conhecimento, por mais que a SME envie os
conteúdos e avaliações programadas e prontas para aplicação, o manejo adequado da forma e
dos procedimentos utilizados na transformação do saber dependem, exclusivamente, do
professor. Existem didáticas específicas que podem dialogar dentro da própria disciplina,
ressaltando que há formas mais eficientes de trabalhar cada conteúdo. Para que isso aconteça,
a professora P01 afirma que “isso passa pela reflexão da prática de cada um.” Essa é a tese
principal do seu argumento: um desafio à superação por meio da prática didática.
A professora P02 apresenta seu contra-argumento, baseando-o na causa e efeito.
Estabelece um vínculo causal entre a tese que propõe um pedido de solução por meio da
superação para reparar um problema, buscando evidenciar os efeitos resultantes dessa
premissa, alegando que tudo está sendo feito no “automático”. O uso da metáfora automático,
que pode ser considerada uma metófora adormecida já que constitui-se numa expressão
bastante usada no senso comum, não deixa de ser uma forma de intensificar a sua irreflexão.
Na verdade, seu argumento ocupa um lugar de qualidade, pois afirma que receber tudo pronto
não pode se sobrepor à construção do seu próprio material. A didática se constrói nas
interrelações e, para que isso aconteça, o “automático” não poderá se sobrepor ao reflexivo. A
professora P02 procura reforçar a adesão do auditório estabelecendo a prioridade do lugar de
qualidade sobre o lugar de quantidade.
Podemos inferir que a professora P02 reconhece o lugar de qualidade do seu
argumento, pois o complexifica quando afirma que é necessário um espaço de interação com
os outros professores para que o conhecimento seja construído.
De acordo com Morin (2000, p.36):
O conhecimento pertinente deve enfrentar a complexidade. Complexus significa o que foi tecido junto; de fato, há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico), e há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si.
Ambos argumentos se preocupam com a autonomia do professor. O conceito de
autonomia escolar tem evocado um novo paradigma gerando impactos significativos nas
concepções de gestão do espaço da sala de aula e nas ações dela decorrentes, sejam entre
pais/responsáveis e professores ou entre gestores e professores. É indiscutível afirmar que a
101
autonomia docente é uma construção histórica influenciada por fatores culturais e políticos.
Contudo, é necessário compreender seu conceito no âmbito dos discursos das políticas
públicas para a educação e qual o efeito que essas reflexões têm sobre a prática do professor.
Dessa forma, não se pode analisar a autonomia por uma ótica individualista ou psicologista.
Um e outro argumento aqui analisados mostram que é necessária a participação do
professor na construção das atividades escolares que se propõem a serem aplicadas na escola.
Omnileticamente, o que observamos é a contestação das professoras em relação à veemente
imposição de uma ordem pura onde não há espaço para nada novo, nada criativo, que leva a
uma percepção imutável das coisas. A questão que emerge desses argumentos está
intimamente ligada à construção do significado do fazer pedagógico reflexivo, participativo e
dialogado, denunciada pelo sentimento de exclusão vivido pelas professoras.
Argumento – 08
Categoria – Relação com os profissionais e responsáveis
Palavra-chave: participação
Data: 25 de setembro de 2012
Local: EMCP – sala de vídeo
Presentes: A pesquisadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) pesquisadora, a gestora e
4 (quatro) professoras da EMCP.
O encontro é coordenado pela pesquisadora Lillian Auguste com apoio de outra
pesquisadora do grupo LaPEADE. Nesse encontro, as pesquisadoras dão prosseguimento à
análise do PPP iniciando uma comparação entre os indicadores do Index para inclusão e
aqueles destacados no projeto original da escola.
O primeiro item destacado no PPP original versa sobre os temas que foram marcados
como pontos positivos: o relacionamento entre os professores e o relacionamento entre as
famílias e a escola. Na sequência, o PPP destaca que o relacionamento entre pais e escola
pode melhorar. Partindo desse ponto, a coordenadora estabelece uma ligação entre a primeira
dimensão do Index para inclusão – Criando Culturas Inclusivas – e seu primeiro indicador –
A1 – Edificando a comunidade.
A seguir, copiamos sua fala:
PL – Analisando essa proposição, quando vocês afirmam que entre os professores o relacionamento é bom mas que, com os pais, ele pode melhorar, eu acho isso muito
102
bom. Porque vem ao encontro desse nosso primeiro indicador: “Todos são bem-vindos”. O que é que podemos fazer para melhorar isso? Então, vamos pensar juntascomo poderemos afirmar que todos são bem-vindos à escola se no PPP é colocado que o relacionamento com os pais precisa ser melhorado.
P01 – Os pais gostam muito das coisas do jeito deles. Mas quando a gente puxa desse pai o cumprimento das regras, esse relacionamento costuma se abalar. Ou seja,coloquei meu filho aqui dentro, não reclamam e não falam nada, é porque o meu filho é maravilhoso. Na hora que você chama esse pai à responsabilidade aí, (balança as mãos em movimento oscilatório) começa a gerar o conflito.
P04 – Eu concordo com P01. Eu costumo prestar muita atenção aos responsáveis, deconversar, de explicar quando estou com problemas. Eu costumo atender até na porta. Eu fico chateada quando tem um aluno que você manda bilhete pra mãe e ela não tá nem aí.
A coordenadora suscita a possibilidade de esclarecimentos sobre a relação entre
professores, Escola e famílias. A professora P01 apresenta um argumento quase-lógico,
baseado na comparação, pois procura estabelecer uma comparação entre a forma como a
Escola trata os pais e como estes tratam e atendem às suas solicitações.
Parece-nos que tanto a professora P01 como a professora P04 esperam a reciprocidade
no tratamento com os pais/responsáveis, porém afirmam que essa correlação não acontece na
mesma intensidade. Neste ponto, retornaremos aos dados levantados na pesquisa feita pelo
QEDU.
Sabemos que, segundo a pesquisa, os pais/responsáveis acompanham os estudos dos
seus filhos e comparecem à escola sempre que solicitados. Esse acompanhamento é oferecido
independentemente do grau de escolaridade das famílias. As representações do
pais/responsáveis revelaram que eles valorizam sim a escolarização. Então, podemos
depreender desse argumento que a sua tese principal está centrada na grandeza do
acompanhamento e parceria entre os pais/responsáveis e a Escola, que deveria, por
similaridade, ser da mesma intensidade. O que a família espera da Escola pode não ser
comparável àquilo que a Escola espera da família. Os pais/responsáveis percebem a escola de
forma idealizada, ficando contentes quando são elogiados, ou introjetando as críticas que
ouvem. Enquanto isso, a escola valoriza os pais/responsáveis colaborativos e continuamente
disponíveis. Em sua tese, as professoras P02 e P04 afirmam que a vida familiar e vida escolar
são simultâneas e complementares e é imprescindível que pais/responsáveis e professores
entendam a importância de trabalharem em unidade as questões envolvidas no cotidiano
escolar. Não podemos negar que as posições tomadas nesse campo são específicas para cada
103
elemento. Pais/responsáveis e professores ocupam espaços intrínsecos, o que, por si só, já
anunciaria outras interpretações.
A participação da família é uma necessidade corrente, pretendida por todos que fazem
parte do contexto escolar, não importando sua situação econômica ou seu grau de ensino.
Lidar com famílias, hoje, é lidar com a diversidade. Independentemente do arranjo familiar ou
da forma como é estruturada, é a família que propicia os aportes afetivos e materiais
necessários para o desenvolvimento e bem-estar dos seus componentes. Como bem destaca
Kaloustian (2005, p. 13), “a família é percebida não como um simples somatório de
comportamentos, anseios e demandas individuais, mas sim como um processo interagente da
vida e das trajetórias individuais dos seus integrantes”.
Mas é preciso ressaltar que isso deveria ser feito sem cair no julgamento ― culpado x
inocente. A responsabilidade do sucesso escolar está na parceria que a escola e a família
constroem. Assim, parece-nos importante a promoção de um diálogo reflexivo entre a prática
cotidiana e as bases norteadoras de sua ação.
Compreender as nuances de cada situação é o que propõem os indicadores do Index
para inclusão na dimensão A1 – Edificando a comunidade –, quando sugere que
consideremos as diferentes formas que todos, pais/responsáveis e professores, podem
contribuir para a remoção de barreiras à aprendizagem e à participação. Sempre pensando
localmente as ações, por menores que sejam, são possibilidades de estreitamento de laços
entre os participantes. Esta prática cotidiana, se refletida, pode lançar luz às ações efetivas e
não efetivas, sendo este processo fundamental para o estabelecimento de metas esclarecidas e
estratégias de ação delineadas no PPP da escola.
Argumento – 09
Categoria – planejamento de aula
Palavras-chave: autonomia/apostilas da SME
Data: 09 de out de 2012
Local: EMCP – sala de vídeo
Presentes: A pesquisadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) pesquisadora, a gestora e
4 (quatro) professoras da EMCP.
A filmagem começa com as professoras chegando à sala de vídeo. Elas vão se
acomodando e logo começam a conversar sobre a chegada das últimas apostilas didáticas
enviadas pela SME e que terão que desenvolver. Algumas comentam sobre a sua forma
104
didática de aplicar as unidades e sobre a carência de conteúdos nas disciplinas de Matemática
e Português. Uma das pesquisadoras comenta que as diferentes metodologias aplicadas serão
discutidas durante a estruturação do PPP.
A conversa acaba atraindo a atenção dos participantes e a pesquisadora dá início aos
trabalhos do dia caminhando sobre essa verve.
Extraímos, assim, alguns argumentos para análise:
P03 – Pra mim seria mais confortável usar o que eles mandam. É tipo assim, já vem o pacote pronto. Mas eu não consigo. O que aconteceu nesse finalzinho de ano? Elesnão privilegiaram a Matemática. Gente, numa apostila desse tamanho (gesticula comas mãos dando a entender que a apostila é grossa) tem só 9 folhas de Matemática. Osmeus alunos, normalmente das séries anteriores, já conheciam até o 100. Sabiam fazer continhas. Eu ontem fiquei apavorada. As crianças não sabem usar o dedo. Já estamos no final do ano. Eu fiquei o tempo todo com as tampinhas, sabe, contando com eles. Mas o dedo, ele é fundamental. É o primeiro instrumento que eles têm pra fazer as continhas. Você fala assim: coloca 8 dedos. Ele não consegue.
P02 – Eu não acho nada confortável essa apostila pronta. Confortável, pra mim, é eupegar e montar a minha aula com a minha sequência lógica. Matemática está uma pobreza. Uma pobreza. E em Português está tudo muito abstrato. O texto que vem agora para o quarto bimestre, você não pode colocar na mão da criança e mandar fazer. Simplesmente o aluno não vai conseguir porque o nível de abstração das perguntas é inadmissível. Então, ele te prende naquele processo.
O argumento apresentado pelas professoras baseia-se na estrutura do real. É um
argumento de direção, pois pretende criticar atos ou acontecimentos com base no perigo da
tendência para o qual se orientam.
O argumento de direção pode ser traduzido no desapreço por algo que serviria de meio
para um fim que não se deseja. Assim, quando argumentam que a apostila enviada pela SME
não contempla as disciplinas de Matemática e Português, estamos diante de um argumento de
direção. Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 321) colocam a questão em termos bastante
marcantes e concretos: “se você ceder esta vez, deverá ceder um pouco mais da próxima, e
sabe Deus aonde você vai parar”.
A Rede de Educação Municipal do Rio de Janeiro – RIOEDUCA – prepara, desde
2009, os cadernos pedagógicos (chamados de apostila) que são distribuídos bimestralmente
aos alunos, desde a creche até o 9º ano do Ensino Fundamental. Elaborado por professores da
própria rede, o material substitui os livros didáticos que não são mais usados em salas de aula
das escolas municipais.
Os argumentos em destaque evidenciam a insatisfação das professoras em relação a
esta ação da SME. A tese principal é a de que os docentes se descobrem julgados incapazes de
105
preparar suas próprias aulas, pois a apostila retira deles a autonomia de escolher e organizar
os conteúdos e sua abordagem.
A Política Nacional de Formação dos Profissionais da Educação Básica - Decreto nº
8.752, de 9 de maio de 2016- no Capítulo I , artigo 2º, afirma que:
Para atender às especificidades do exercício de suas atividades e aos objetivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica, a formação dos profissionais daeducação terá como princípios:VII - a formação inicial e continuada, entendidas como componentes essenciais à profissionalização, integrando-se ao cotidiano da instituição educativa e considerando os diferentes saberes e a experiência profissionais;VIII - a compreensão dos profissionais da educação como agentes fundamentais do processo educativo e, como tal, da necessidade de seu acesso permanente a processos formativos, informações, vivência e atualização profissional, visando à melhoria da qualidade da educação básica e à qualificação do ambiente escolar (BRASIL, 2016).
Se interpretarmos como um exercício de formação continuada, as apostilas recebidas
pela SME proporcionariam momentos de reflexão entre a coordenação e os professores,
porém essa prática não foi evidenciada em nenhum argumento analisado. Pelo contrário, os
argumentos sugerem que essa ação não é comum e tampouco encontram espaços para realizá-
las. Isso se comprova nos argumentos destacados a seguir e que surgiram na mesma reunião:
P03 – Eu acho que para um professor recém-formado, aquela apostila ali é até boa, mas pra gente que já tem tempo de magistério, não serve. Cada um tem a sua maneira.
P01 – Para o pessoal recém-formado, então, aquilo vai fazê-los ficarem assim (postaas mãos na lateral do rosto, como se fossem duas viseiras, na forma de um antolho)
A professora P03 utiliza-se do lugar-comum para construir seu argumento. Quando se
refere ao professor recém-formado, na verdade fala do lugar-comum a todos aqueles que estão
iniciando suas carreiras profissionais e, como tal, não possuem prática ou maturidade
suficiente para refletir sobre suas ações. Essa é uma dicotomia cultural entre teoria e prática,
historicamente estabelecida pela visão da racionalidade técnica.
O argumento de resposta usado pela professora P01 é um argumento quase-lógico. Sua
hipótese deriva da consequência, considerada por ela como incoerente, do uso das apostilas
sem nenhuma indução. É um argumento baseado no apelo ao ridículo, pois expõe o erro da
suposição original - para um professor recém-formado, aquela apostila ali é até boa. A
contradição é derivada da premissa de que os professores recém-formados, por possuírem
106
pouca prática pedagógica, não serão capazes de refletir e criar suas próprias estratégias de
ensino, e, com isso, mostra que a proposição é uma falácia.
A professora P01, na verdade, alerta seu auditório de que é necessária uma formação
específica no curso de Pedagogia que prepare seus alunos a tornarem-se pesquisadores e, com
isso, os capacite a desenvolver um saber que possibilite aprofundar o conhecimento do aluno.
Nesse contexto, a atuação do formador e do formado não pode ser mecânica, ou seja, devem
ser interativas e ocorrer num movimento dialético, com base nos conhecimentos e saberes que
possuem.
Nos argumentos apontados acima, fica clara a necessidade da reflexão constante do e
no trabalho docente, que é uma atitude esperada de todo professor quando se depara com
situações de conflitos e incertezas, sejam na sua formação inicial ou continuada. É importante
a continuidade do desenvolvimento no Index para inclusão em direção a uma proposta de
formação inicial e/ou continuada aos professores a fim de atender essas exigências,
possibilitando o pensamento reflexivo, de cooperação e de solidariedade.
Argumento – 10
Categoria – Participação docente
Palavras-chave: gestão/ participação
Data: 06 de nov. de 2012
Local: EMCP – sala de vídeo
Presentes: A coordenadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) professora do
LaPEADE, 1 (uma) pesquisadora, a gestora e 4 (quatro) professoras da EMCP.
O vídeo principia com a imagem das professoras conversando sobre as diferentes
técnicas de alfabetização. Quanto todas estão reunidas, a coordenadora abre o encontro
perguntando sobre o resultado da análise do primeiro indicador – Culturas – que fora levado
aos outros professores não-integrantes do projeto. A professora P01 explicou a dinâmica que
realizou com esses professores e diz que trabalharam até a letra (e), ou seja, 5 questões foram
discutidas no grupo. P01 narra a recepção do grupo em relação à dinâmica adotada, que foi
bastante favorável.
Para a melhor compreensão das análises dos argumentos proferidos nessa reunião,
apontamos o Indicador ao qual a professora P01 se refere:
A1.6 Profissionais e gestores trabalham bem, juntos.
107
a) Os profissionais se encontram com os gestores e passam a conhecê-los?b) Fotos de gestores e seus interesses ficam expostas na escola?c) Os gestores recebem as informações de que precisam para compreender suas atribuições e fazer seu trabalho?d) Os gestores compreendem a maneira como a escola é organizada?e) Os profissionais e gestores conhecem e concordam com suas respectivas contribuições e poderes? (BOOTH; AINSCOW, 2011, p. 81).
A professora P01 nos conta que os professores se sentiram bastante à vontade na
discussão desses indicadores e até sugeriram adaptá-los à realidade da escola, dando mostras
de que se apropriaram do material.
Em seguida, comenta que esses indicadores geraram uma discussão sobre a presença e
participação de toda a equipe gestora – direção e coordenação – da escola.
Destacamos os argumentos utilizados e, em seguida, sua análise.
P02 – Isso é uma coisa importante. Como a gente vai estar trabalhando o PPP da escola sem a gestão estar presente. E a escola desejou o LaPEADE. E isso já mostra o que está acontecendo dentro da própria gestão.
P04 – Eu acho que é importante elas estarem aqui porque a gestão não é só uma pessoa. E quando você fala de outras questões que nesse momento são importantes para a escola e a gestão, uma pensa de uma forma e age de uma forma e a outra pensa de outra forma e age de outra forma, não existe unanimidade. No caso, a gestão, pra ser legal, gostosa, pra não estar com tanto estresse, tem que ter unanimidade. Consenso, a palavra é mais consenso que unanimidade. Eu vejo que em muitas vezes não há esse consenso. (diz isso olhando para a única gestora presente). Eu digo isso porque eu tenho amizade com elas. Então a gente fica assim, meio que entristecida porque não existe isso.
O argumento apresentado pela professora P04 nos parece ser uma tentativa de
aproximação entre elementos (o sucesso da análise dos indicadores e a gestão da escola) por
meio de uma relação causal. A relação causal estabelece uma ligação de sucessão, que faz
parte da estrutura do real.
Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 302):
A busca da causa corresponde, em outras circunstâncias, à do efeito. A argumentaçãose desenvolve, nesse caso, de uma forma análoga: o acontecimento garante certas consequências; algumas previstas, se elas se realizarem, contribuem para provar a existência de um fato que as condiciona.
O Index para inclusão apoia a participação de todos aqueles que participam da
comunidade escolar. Esta é uma das suas características mais marcantes. Ele afirma que
“Reduzir barreiras à aprendizagem e à participação envolve mobilizar recursos. Quando os
valores são deixados claros e compartilhados pelas comunidades da escola, isto se torna um
108
grande recurso para ela.” (BOOTH; AINSCOW, 2011, p. 44). Esclarecemos que, para o Index
para inclusão, recurso refere-se a tudo aquilo que pode ser utilizado como ferramenta para
superar a exclusão e promover a igualdade, sejam pessoas, objetos, valores, espaços e
natureza. Tudo, dentro de sua perspectiva, pode ser transformado e utilizado como um
recurso. Isto é identificado no argumento da professora P04, quando alerta para o fato de que
a participação da gestão nesse momento de transformação da escola é tão importante quanto a
presença de outros profissionais da comunidade.
Omnileticamente estamos falando da superação de uma antinomia existente na
participação das gestoras num projeto de professores. O Index para inclusão apoia essa ideia
quando diz que o “desenvolvimento da inclusão pode envolver pessoas no doloroso processo
de desafiar suas próprias práticas, atitudes e culturas institucionais discriminatórias.”
(BOOTH; AINSCOW, 2011, p. 44). É possível que a superação desse conflito esteja no
trabalho em conjunto, na busca por aquilo que pode ser, que pode se tornar. Sabemos, por
meio das leituras de Lukács (MESZÁROS, 2013), que a sociedade é um complexo
extraordinariamente complicado de complexos, no qual existem dois polos opostos: a
totalidade da sociedade e o homem individual. E, medianamente a esses polos, nos deparamos
com o espaço das decisões que esbarram, inevitavelmente, nas nossas culturas, políticas e
práticas.
Consoante ao pensamento de Morin (2010), compreendemos que a complexidade
organizacional, constatada pelo projeto da Cícero Penna, apresenta diferentes elementos e que
a soma das suas partes não se constitui, necessariamente, num sistema único. O autor nos diz
que essas organizações são complexas porque “são a um só tempo, acêntricas (o que quer
dizer que funcionam de maneira anárquica por interações espontâneas) policêntricas (que têm
muitos centros de controle, ou organizações) e cêntricas (que dispõem, ao mesmo tempo, de
um centro de decisão).” (MORIN, 2010, p. 180). A relação causal identificada no argumento
analisado nos oferece mostras dessa complexa relação entre os professores, gestores e
comunidade escolar.
Argumento – 11
Categoria – Colaboração e participação
Palavras-chave: compromisso / convivência / respeito
Data: 11 de dez de 2012
Local: EMCP – sala de vídeo
109
Presentes: A coordenadora do LaPEADE, acompanhada por 2 (duas) pesquisadoras, 3 (três)
gestoras e 24 (vinte e quatro) professoras da EMCP.
A filmagem aconteceu numa sala de aula onde a coordenadora do LaPEADE, em
companhia de duas pesquisadoras, reuniram-se com os professores e gestores da escola. Essa
reunião geral, que acontece uma vez a cada bimestre, foi convocada por uma das gestoras que
participa do projeto, que fez uso de um comunicado19 interno para sensibilizar a comunidade a
participar do encontro.
A cena inicial mostra a dinâmica do tipo entrevista feita entre os participantes. Foram
realizadas as seguintes perguntas:
a) Quem sou eu?
b) O que eu mais gosto?
c) O que eu faço para manter isso?
d) O que eu menos gosto?
e) O que eu faço para mudar isso?
A professora pesquisadora lê as respostas dadas e todos tentam adivinhar quem
respondeu. As respostas vão sendo anotadas no quadro de forma a possibilitar uma análise.
Trazemos a resposta de algumas entrevistas para esclarecer a dinâmica
Entrevista A
a) Quem sou eu? Um profissional de ensino que pretende tornar o mundo melhor com a
minha participação.
b) O que eu mais gosto? Da praia e olhar o mar. É o que tem de mais bonito aqui. Gosto
da localização e dos alunos e colegas também.
c) O que eu faço para manter isso? Eu tento ser paciente e cordial com meus colegas e
participar de todos os meus projetos.
d) O que eu menos gosto? Das advertências.
e) O que eu faço para mudar isso? Eu tento seguir as regras da mesma.
Entrevista B
19 A cópia desse comunicado encontra-se listada nos anexos (ANEXO 2).
110
a) Quem sou eu? Mais um elo da corrente.
b) O que eu mais gosto? Das crianças.
c) O que eu faço para manter isso? Estabeleço uma relação afetiva com elas.
d) O que eu menos gosto? A fofoca.
e) O que eu faço para mudar isso? Procuro esclarecer as coisas e não dou importância aos
assuntos que não me dizem respeito.
Após completar o quadro de análise, a coordenadora da atividade comenta:
De acordo com esse quadro aqui, todo mundo se vê como professor, tendem a estar de bem, é o que está aparecendo. Se vê como parte de um elo de um processo que não é individual. Mas também se sente frustrado, na medida em que certas regras aparecem. Parece, também, e a gente pode tirar do quadro geral, que uma coisa que pode irP06r ou frustrar vocês um pouco são algumas posturas pessoais. Seja em relação à profissão, que é o comprometimento ou a falta de, seja com relação a maneira de ser, uma certa hipocrisia. Então a gente pode dizer que as frustrações acontecem quando elas vêm de dentro. Então acho que é o foco que podemos dar hoje.
Os argumentos que destacamos a seguir falam da dicotomia entre o pessoal e o
profissional. Acreditamos que isso seja um dos fatores que possibilitam o sentimento de
desvalorização docente.
P05 – Olha, eu posso estar errada, mas eu acho que quando uma pessoa estiver se sentindo incomodada ou com alguma dúvida, sobre o trabalho, uma postura, ou quiser dar uma opinião, mesmo com medo, ela deve procurar a outra. Isso aqui é umambiente profissional. Você não está falando com a pessoa, mas sim com o profissional. Você deve colocar o que sente porque aqui é um ambiente profissional. Ao invés da coisa ser dita claramente, o que acontece? Você diz aqui pra outra pessoa e aquilo vai vazar, gente. Esse negócio da fofoca, fui eu que coloquei. Porqueeu não dou ouvidos se não é direcionado a mim. Não quero nem saber. Mas eu sei que se eu chegar pra uma ou para outra, aquilo pode, gente, pode chegar no fulano de outra maneira.
P02 – Eu escrevi isso também. E acho que todo mundo sabe que fui eu porque isso já é minha assinatura. Eu acho que estão confundindo aquilo que é pessoal com o profissional. Isso aqui é um fórum de profissionais daqui da escola. Evidente que cada um aqui é uma pessoa e que cada um tem o seu jeito. Mas, o mais importante é a gente saber que o pessoal vai nos aproximar mais como profissionais e, possivelmente, ter amizades fora. Mas, a minha escolha de amigos é lá pra fora. Aqui, todo mundo tem o dever de se respeitar. Então, essa coisa de profissional e pessoa se confunde. Toda vez que se fala isso, vem esse papo. Porém, se existe a oportunidade de estarmos discutindo essas coisas sempre, nós, os profissionais, discutindo o nosso fazer pedagógico, a gente vai ter muito mais facilidades de se chegar e dizer para o outro.
111
As argumentações de P02 e P05 se caracterizam pela técnica de ruptura com o
objetivo de dissociar, de separar, de desunir elementos considerados como um todo ou
refreamento em oposição à coexistência entre os atos e as pessoas. Esse tipo de argumentação
costuma ser utilizado para desconstituir a aproximação feita pelo argumento associativo,
ressaltando as diferenças entre os elementos e minimizando as semelhanças. Destacamos a
ligação existente entre o pessoal e o profissional como sendo responsável pela transferência
de certas animosidades ou antipatias. Esse nos parece ser o ponto onde a dissociação do
argumento repousa.
A construção do argumento da professora P05 apoia-se na pertinência e na força dos
argumentos escolhidos em função da comunhão entre o orador e o auditório – espera-se que o
auditório, por ser constituído de pesquisadores, seja mais sensível à valorização das ações
profissionais do que aos enlaces de amizade. A adesão à tese proposta é passível de reforço
por meio de argumentos que se vão evidenciando conforme a amplitude do acordo é
apresentada.
O que observamos de essencial nesses argumentos é que a preocupação com as
relações pessoais e profissionais da escola estão em questão e requerem atenção.
Assim, omnileticamente é possível retornar às três dimensões (cultura, política e
prática) para refletir sobre a relação que cada uma desempenha. Isso deve ser feito não de
maneira estigmatizada ou compartimentada, mas holisticamente, porém há de se levar em
consideração que não responderemos a qualquer questão já que nossa proposta é expor os
problemas que levam a uma desvalorização (ou valorização) do trabalho pedagógico.
5.3 Reflexões sobre os argumentos analisados
Pretendemos, nesse espaço, tecer algumas reflexões sobre a retórica dos professores
nesse primeiro ano de encontros.
A situação retórica tratada nesse trabalho envolve um auditório especial – a academia -
o qual os oradores – professores – pretendem persuadir pelo discurso. A análise dos
argumentos, feita até então, não se restringiu à valorização do discurso para saber qual foi o
mais persuasivo, uma vez que os oradores são pessoas que possuem percepções diferentes da
sua posição e, desta forma, são passíveis de variações dialéticas e complexas em seus
discursos.
112
O que destacamos inicialmente, e que consideramos de extrema relevância para nossas
análises dos encontros, foi a perseverança e a frequência que manteve o grupo unido. Ele
prosseguiu-se estável e participante até o último encontro realizado em 2012.
Posto isso, as reflexões provenientes das análises desses primeiros argumentos
permitiram concentrar seu foco na questão do valor/desvalor da atuação docente.
Após a análise dos trechos selecionados, parece-nos possível dizer que as seleções das
estratégias argumentativas visaram interferir na opinião do auditório, em especial naquilo que
se refere à autonomia da ação docente. As utilizações dos argumentos pragmático, de
autoridade, de comparação, de direção e de sacrifício, entre outros, indicaram uma
ressignificação da função e do trabalho do professor.
Reconhecemos que o nosso orador possui saberes sobre a causa, advinda da sua
prática diária, e isso conta como uma vantagem para a aceitação da sua tese pelo auditório. Ao
desenvolver sua fala, o orador também constituiu seu ethos discursivo, qual seja, falar da sua
experiência baseando-se em suas culturas, políticas e práticas. Como nos diz Reboul (2004, p.
48), “o etos é o caráter que o orador deve assumir para inspirar confiança no auditório, pois,
sejam quais forem seus argumentos lógicos, eles nada obtêm sem essa confiança.”.
A perspectiva Omnilética não adota como referência a noção cartesiana da verdade,
pois está aberta e suscetível a outras possibilidades de entender os argumentos. Sua proposta é
assumir um caráter reflexivo e contemplativo que leve em conta as políticas, culturas e
práticas envolvidas dialética e complexamente nos argumentos. Ao buscar uma compreensão
totalizante, a perspectiva Omnilética considera que todas as relações são complexas e
dialéticas. Essa ruptura com a lógica demonstrativa e a evidência positivista abre espaço para
uma lógica argumentativa que se beneficia do pensamento dialético.
Reconhecemos, portanto, que a significação dos argumentos das professoras se
estabeleceu na dinâmica das interações verbais: no movimento causado pelos indicadores do
Index para inclusão que viabilizaram a construção e reconstrução dialética das suas culturas,
políticas e práticas.
Confirmamos que o exercício pleno dos saberes que alicerçaram seus argumentos se
fez por meio do domínio da sua função pedagógica e pela importância dada ao
reconhecimento de que elas detêm algum poder de decisão quanto à forma de condução de
seu trabalho. Mesmo atuando na esfera pública, claramente marcada por um controle
burocrático, político e social, a natureza intelectual da função que desempenham como
professores impõe e certamente exige a autonomia, mesmo que relativa, de decisões sobre o
que trabalhar e o como trabalhar.
113
Ser reconhecido como um orador competente pode ser interpretado como uma reação
construtiva e autêntica, personalizada e ética e que foi manifestada cotidianamente nos
encontros de desenvolvimento do Index para inclusão. Inegável a contribuição do orador (os
professores) em termos de resultados e investimento pessoal. Por meio dos argumentos ali
apresentados podemos concluir que a primeira etapa do projeto alcançou resultado positivo no
que se relaciona à fundação da crença de que os professores, assim como cada pessoa, devem
ser reconhecidos como um ser único, igual e merecedor de respeito. A valorização do
profissional começa aí.
114
6 A CONSTRUÇÃO PARTICIPATIVA DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO
DA ESCOLA MUNICIPAL CÍCERO PENNA
Durante o ano de 2012, no desenvolvimento do Index para inclusão, foi possível
observar que a tese principal apresentada pelos oradores em seus argumentos estava
diretamente ligada à necessidade de valorizar a figura do professor como um profissional da
educação e responsável por um trabalho de importante envergadura. Os desafios
contemporâneos apontados nas falas dos professores, como a pouca independência das
unidades escolares, bem como as mais diversas situações de conflito e fragmentação vividas
na escola, resultaram no desejo de uma mudança na maneira de pensar e agir em educação,
em especial naquele espaço compartilhado.
O Projeto Político-Pedagógico (PPP) é um dos instrumentos que a escola possui para
melhorar o seu desempenho educativo. Instituído pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(BRASIL,1996), seu objetivo é, além de instituir a dinâmica de organização e funcionamento
da escola, considerar o desenvolvimento sociopolítico dos educandos. Ele deve nortear as
atividades que serão desenvolvidas no decorrer do ano letivo. Costuma ser visto como um
instrumento indispensável à melhoria da qualidade do ensino e o grande responsável pela
dinâmica de funcionamento da escola, do seu calendário escolar, bem como das ações e
avaliações educacionais.
Sabemos que o PPP deve ser constituído a partir de conceitos, significados e de
experiências permeadas por culturas, políticas e práticas que incidem na prática docente. Deve
prever a articulação da unidade escolar com a sociedade. Desta forma, trouxemos para o
grupo de professores e gestores alguns modelos de PPP e soubemos pela equipe gestora que a
escola possuía o seu próprio exemplar.
Após a leitura do PPP original da EMCP e da comparação com os demais PPP trazidos
pelos pesquisadores, foi possível concluir que o material disponível na escola estava mais
próximo de um relatório estatístico do que um Projeto Político-Pedagógico.
Partimos, então, para a busca de subsídios que nos ajudassem a construir o PPP da
Escola. Começamos questionando: qual é a concepção de PPP que os professores têm?
Concluímos que: a) visto como um ato político deve, sempre que possível, envolver todos os
que integram a Escola, pois aqueles que participam da sua construção tendem a tornarem-se
responsáveis pelo sucesso da instituição; b) o PPP deve estar em constante aperfeiçoamento,
entendendo que a escola é um espaço complexo de construção e difusão do conhecimento.
115
Conforme os encontros entre o LaPEADE e a EMCP aconteciam, foi possível
identificar qual autonomia estava ao nosso alcance para ser discutida, modificada e
apreendida. Essa definição foi fundamental para o grupo, pois ao diferenciar a autonomia
administrativa da autonomia pedagógica entendeu-se que as decisões políticas referentes a
cada uma delas poderiam ser alvo de deliberações inscritas no Projeto Político-Pedagógico.
Com isso, a escrita do PPP tornou-se algo para além da necessidade, mas a significar algo
representativo.
Os indicadores para o desenvolvimento do PPP surgiram a partir do desenvolvimento
do Index para inclusão (BOOTH;AINSCOW, 2011). Como um material novo e instigador, o
Index para inclusão pode revelar alterações nas culturas dos profissionais se todos os
membros do grupo estiverem dispostos a desafiar suas próprias práticas. Sabemos que a
participação é uma das palavras-chave do Index para inclusão (BOOTH;AINSCOW, 2011) e
que, somada à gestão democrática, à autonomia e ao trabalho coletivo, tornar-se-ia um
princípio norteador do PPP.
Participar é assumir a responsabilidade em conjunto, não uma responsabilidade
isolada. Somente por meio da participação é que podemos discutir, propor e elaborar ações
que estejam ligadas ao desejo da equipe pedagógica. A cultura da participação exige tempo de
amadurecimento, desde que seja incentivada e valorizada. Alguns argumentos apresentados
para justificar a sua escrita emanaram das concepções, finalidades e prioridades que passaram
a nortear as ações da comunidade escolar.
Sabemos que o PPP é um instrumento crítico e não excludente às opiniões dos
envolvidos e que respeita a todos quando busca e promove a participação de todos. Sua
validade está pautada no trabalho coletivo e com o compromisso com a transformação social e
educacional.
Nas sessões seguintes teremos a oportunidade de explorar melhor a construção do
Projeto Político-Pedagógico da Escola, relacionando-o com as escolhas dos indicadores do
Index para inclusão e dos argumentos usados para justificar cada escolha.
6.1 Os princípios norteadores do Projeto Político-Pedagógico
A necessidade da construção do PPP da EMCP derivou-se da problemática abordada
pelos professores e gestores durante as leituras e estudos do Index para inclusão
(BOOTH;AINSCOW, 2011) realizados em 2012. Para estabelecer os critérios que
organizariam a construção desse instrumento foi necessário, primeiramente, delinear seus
116
princípios norteadores em termos de diretrizes, planejamentos e ação, definindo o rumo dos
encontros subsequentes. Essa atividade foi desenvolvida a partir da construção do Mapa
Conceitual20
O modelo de planejamento escolhido para a construção do PPP foi o estratégico21.
Esse planejamento utiliza métodos qualitativos e quantitativos em formato de metas,
analisando pontos fracos, oportunidades de melhoria e restrições do ambiente.
Sobre a aplicação do planejamento estratégico à realidade escolar, Lück (2000, p. 10)
nos diz que “consideramos como planejamento estratégico o esforço disciplinado e
consistente, destinado a produzir decisões fundamentais e ações que guiem a organização
escolar, em seu modo de ser e de fazer, orientado para resultados, com forte visão de futuro.”.
O estabelecimento do planejamento estratégico envolveu cinco atividades: a) a
definição da missão, visão e valores da escola; b) a análise da situação da escola; c) a
formulação de objetivos a serem alcançados pela escola; d) a formulação de estratégias e e) a
implementação, feedback e controle.
A seguir, trataremos cada etapa da construção do Projeto Político-Pedagógico a partir
dos argumentos evidenciados durante a leitura do Index para inclusão que serviram como
pilar para as nossas discussões
6.2 O Projeto Político-Pedagógico e seus argumentos: a definição da missão, visão e
valores da escola
Para esse tópico escolhemos 6 (seis) argumentos especificamente ligados à construção
do Projeto Político-Pedagógico. Esta tarefa não foi simples, pois tínhamos em mãos 25 h de
transcrições relativas ao período de 5 de março a 27 de novembro. Esse período foi
interrompido com a greve dos professores municipais do Rio de Janeiro entre agosto e
outubro.
QUADRO 4 – Reuniões do Projeto - 2013
REUNIÕES DO PROJETO - 2013
Argumen Categoria Palavras-chave
20 Mapa Conceitual é uma ferramenta que permite organizar e representar, graficamente e através de um esquema, o conhecimento. Este tipo de mapas surgiu na década de 1960, com as teorias sobre a psicologia da aprendizagem propostas por David Ausubel. O Mapa Conceitual construído pelos professores encontra-se nos anexos (ANEXO 3)21 Planejamento estratégico é um conceito comum no âmbito da administração, que significa o ato de pensar e fazer planos de uma maneira estratégica.
117
to12 Missão e Visão da Escola autonomia / valorização13 Missão e Visão da Escola autonomia / valorização14 Parcerias Mais Educação / valorização15 Missão e Visão da Escola grupo / indivíduo16 Valores diferença
Fonte: Dados da pesquisa.
Argumento – 12
Categoria – Missão e Visão da Escola
Palavras-chave: autonomia / valorização
Data: 14 de maio de 2013
Local: EMCP – sala de vídeo
Presentes: A pesquisadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) pesquisadoras, 2 (duas)
gestoras e 09 (nove) professoras da EMCP.
A filmagem começa com os comentários do grupo sobre a greve dos professores. Uma
professora comenta que, apesar de não estarem mais no período da ditadura, vivem uma
ditadura disfarçada. Todos comentam sobre os rumos que a greve tomou e da participação de
outros movimentos contrários ao da greve dos professores que se aproveitaram do ensejo e
provocaram alguns tumultos.
A seguir destacamos os argumentos que serão analisados.
PL- Estar hoje aqui com vocês é muito bom. Vamos retornar ao conceito do nosso projeto. A gente precisa definir qual será a nossa proposta de trabalho. Qual o rumo que nós vamos dar para que seja uma coisa compartilhada por todo mundo. Então, o nosso trabalho com o Index para inclusão é mostrar exatamente como pode ser feito esse trabalho, com políticas, práticas e culturas de inclusão. A primeira coisa que a gente vai fazer nesse projeto, e é isso que vamos fazer hoje, é criar esse clima propício.
P02 – Na criação do nosso projeto a gente tem que ter a noção pedagógica porque disso eles22 não entendem nada. Aquilo que é da pedagogia, aquilo que nos pertence enquanto profissionais da pedagogia, está sendo tirado da gente e trocado por qualquer pessoa. Porque, qualquer pessoa que tenha um 2º grau ou até mesmo só o ginásio, ela pode pegar um caderno23 desses e aplicar na escola. Você não precisa serprofessor pra dar esse caderno. Ser professor te dá a competência de planejar, de avaliar, de saber olhar cada pessoa de uma forma diferente. Qualquer um faz isso? Não! Então eu acho assim, estão tentando destituir toda uma categoria profissional dessas questões. Está muito claro pra mim. Ou a gente assume o profissional que a gente é e o que é da nossa competência ou então a gente abre mão e diz amém.
22Referindo-se ao Governo Municipal que, na época, era comandado pelo Prefeito Eduardo Paes (2009-2017).23O Município do Rio de Janeiro, a partir da reformulação curricular iniciada no ano de 2009, adotou o ensino apostilado, por meio da utilização de Cadernos Pedagógicos para diferentes disciplinas. Eles são elaborados e distribuídos pela Secretaria Municipal de Educação.
118
A técnica argumentativa utilizada pela professora P02 pode ser caracterizada como um
argumento de direção que se baseia na estrutura do real. O argumento de direção pode ser
entendido como um procedimento que consiste em criticar atos ou acontecimentos com base
no perigo da tendência para a qual se orientam. No caso destacado, P02 alerta para o fato de
que a aceitação tácita dos cadernos construídos pela SME pode vir a representar o abandono
da responsabilidade do planejamento das aulas pelos professores. Significa, então, dizer que
os professores abrem mão da sua responsabilidade negando à sua prática aquilo que lhe é
inerente. Como nos diz Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996. p. 321): “O argumento de direção
consiste, essencialmente, no alerta contra o uso do procedimento das etapas (...)” Pode ser
descrito como o argumento da reação em cadeia. Se a expertise é declinada, então outra
pessoa assumirá essa função. Isso está bem marcado na frase final do argumento da professora
“Ou a gente assume o profissional que a gente é e o que é da nossa competência ou então a
gente abre mão e diz amém.” (argumento nº 12).
Importa destacar o sentimento de desqualificação profissional expresso no argumento
de P02. O modelo de ensino adotado pela SME nos parece estar baseado nos princípios da
racionalidade técnica. A racionalidade técnica se constitui na base do sistema produtivo
capitalista e, assim, é uma das principais ferramentas culturais que moldam as instituições e
práticas sociais neste sistema. A educação é, portanto, uma das instituições impregnadas por
essa forma de pensar e agir (CONTRERAS, 2012). De acordo com esse modelo, o exercício
profissional consiste na solução instrumental de um problema feita pela rigorosa aplicação de
uma teoria científica ou uma técnica (SCHÖN, 2000). Sabemos que o racionalismo técnico é
baseado no “treinamento das habilidades”, no qual o professor é um mero executor/reprodutor
(“técnico”) de saberes produzidos por especialistas. Em outras palavras, ele aprende o
“suficiente” para conduzir o processo de ensino-aprendizagem.
Sobre essa racionalidade técnica, Morin (2000, p. 45) nos diz que:
[...] o século XX viveu sob o domínio da pseudoracionalidade que presumia ser a única racionalidade, mas atrofiou a compreensão, a reflexão e a visão em longo prazo. Sua insuficiência para lidar com os problemas mais graves constituiu um dos mais graves problemas para a humanidade.
Ainda assim, não se trata de simplesmente rechaçar a racionalidade técnica, pois seria
uma atitude apenas reducionista, sem qualquer profundidade reflexiva. O que propomos é
uma visão omnilética dessa situação, ou seja, rejeitar a dicotomia entre a racionalidade técnica
e o pensamento complexo introduzindo a dialogicidade entre ambas. Em outras palavras, “não
119
se trata de abandonar o conhecimento das partes pelo conhecimento das totalidades, nem da
análise pela síntese; É preciso conjugá-las. ” (MORIN, 2000, p. 46).
Ao implantar os cadernos, a SME desconsidera o saber do professor. Suas
competências ou habilidades são treinadas (“forjadas”) por pessoas que desconhecem as reais
necessidades e os anseios desse profissional Outro aspecto presente em tal modelo é a
aparente existência de uma hierarquia da profissão que tenta designar “qual o lugar de cada
um”. Sendo assim, o argumento da professora P02 traduz um sentimento de desvalor, como
um consumidor ao qual foram impostos os saberes profissionais produzidos pelos
especialistas das áreas científicas.
Argumento – 13
Categoria – Missão e Visão da Escola
Palavras-chave: autonomia / valorização
Data: 14 de maio de 2013
Local: EMCP – sala de vídeo
Presentes: A pesquisadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) pesquisadora, 2 (duas)
gestoras e 09 (nove) professoras da EMCP.
O argumento que analisaremos a seguir assomou-se ao argumento anterior (nº12)
durante a mesma reunião. A discussão girava em torno da responsabilidade na construção do
PPP e da dualidade entre o discurso assumido na sua elaboração e o descaso na sua aplicação.
P01-Mas nós da educação somos, de certa forma, culpados, porque quando a gente fala que na escola a gente tem que criar o cidadão crítico, participativo e consciente da coletividade, você tem que transparecer isso no seu trabalho, não só dentro da sala de aula mas junto com seus parceiros e a gente não tem isso. Então a gente abre brecha para os desejos individuais, para que cada um entre na sua sala e faça o seu trabalho, entende? Então, quando a gente pensa na coletividade, isso nos fortalece e talvez nos prepare para reagir contra a um plano como esse que é jogado. Então, voltando um pouco para o projeto político, o que nos decepciona um pouco é isso, é de perceber que a gente tem que pensar no prol do coletivo, porque esse plano não é meu, nem da Fulana e nem da Ciclana e nem do LaPEADE. O projeto político é da escola onde as pessoas precisam enxergá-lo e precisam abraçá-lo.
A tese defendida nesse argumento diz respeito à reciprocidade entre a ação política
pedagógica e a atuação do professor em sala de aula. Ele anuncia, na perspectiva omnilética,
quais culturas, políticas e práticas sustentam sua base, a saber, a clareza sobre a relação entre
os valores que estruturam tanto o PPP quanto a prática educativa na sala de aula.
120
O desenvolvimento de um sistema de valores que apoie o PPP deve ser definido de
maneira recíproca aos valores elaborados para a ação pedagógica. Podemos, então, sugerir
que a técnica argumentativa aplicada é a baseada na reciprocidade, um argumento quase-
lógico.
Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 250), sobre o argumento de reciprocidade,
afirmam que:
Uma relação é simétrica, em lógica formal, quando sua proposição conversa lhe é idêntica, ou seja, quando a mesma relação pode ser afirmada tanto entre b e a como entre a e b. A ordem do antecedente e do consequente pode, pois, ser invertida.
Como os argumentos de reciprocidade consideram que há, implicitamente, simetria
em certas relações e, daí, realizam a assimilação, podemos dizer que, no argumento analisado,
a consciência da coletividade está para as relações estabelecidas tanto dentro como fora da
sala de aula.
Os mesmos autores esclarecem que “ a simetria facilita a identificação entre os atos,
entre acontecimentos, entre os seres, porque enfatiza um determinado aspecto que parece
impor-se em razão da própria simetria posta em evidência” (PERELMAN; OLBRECHTS-
TYTECA, 1996, p. 251).
Para o Index para inclusão essa relação simétrica pode ser alcançada quando a escola
(professores, gestores, pais e alunos) estabelece um sistema de valores. Segundo o Index para
inclusão: “Os valores são um elemento importante nas culturas. As escolas desenvolvem seus
sistemas de valores, compreendem suas implicações para a ação e começam a implementá-
los, mudando suas práticas e as políticas que os sustentam” (BOOTH;AINSCOW, 2011, p.
27).
O reconhecimento profissional é um valor considerado inclusivo pelo Index para
inclusão quando este presume ser de real importância valores como a igualdade, o direito, a
participação, o respeito à diversidade, entre outros. Em especial destacamos o valor da
participação, pois a autora afirma que “a participação aumenta quando o engajamento reforça
um senso de identidade, quando somos aceitos e valorizados por nós mesmos”
(BOOTH;AINSCOW, 2011, p. 23). Esse senso de identidade, pretendido no argumento
analisado, é compreendido, omnileticamente, de maneira complexa, pois cada integrante da
escola é um indivíduo constituído das suas próprias culturas, políticas e práticas. A ideação
dos valores do grupo da EMCP estava se construindo diante dos acordos que surgiram na
121
oportunidade da leitura dos indicadores e a valorização do professor estava, sem dúvida,
colocada em discussão.
Argumento – 14
Categoria – Parcerias
Palavras-chave - Mais Educação/ valorização
Data: 28 de maio de 2013
Local: EMCP – sala de vídeo
Presentes: A pesquisadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) pesquisadora, 2 (duas)
gestoras e 09 (nove) professoras da EMCP.
A filmagem começa com um grupo de professores conversando sobre o Projeto Mais
Educação24, enquanto aguardam as outras professoras. A professora P03 narra uma situação
acontecida no ano anterior quando pediram a um determinado Banco uma ajuda para financiar
a presença do Papai Noel na EMCP. Ela comenta que o retorno dado pela instituição não foi
satisfatório e não atendeu às expectativas.
A seguir, destacamos o diálogo marcado por esse comentário e analisaremos os
argumentos utilizados:
PL – Mas, o que é o Mais Educação?
P03 –Mais Educação é porque as escolas não funcionavam depois três horas da tarde. E aí precisavam ocupar as crianças de 3 h às 5 h. Esse é um dos projetos. Até parece que um cara formado, com conhecimento, vai se sujeitar a ganhar 400 reais?
P02 – Mas tinha qualidade. Eu conheci muita gente boa do Ciep25 que fazia um excelente trabalho. Mas, mal acabou o governo, essa gente toda foi embora. Por quê? Porque aquele mesmo governo que ganhou, não resolveu a questão funcional dessas pessoas. Elas eram contratadas. CLTistas. Aí o outro governo se livrava dessagente toda e os Cieps se transformavam em quê? Em escolas de castigo, porque ficava aquela gente toda 40 horas dentro de sala. Só saiam para Educação Física. Não tinham professores de artes, nem nada. Então, eu trabalhei nesse sistema e a
24O Programa Mais Educação, criado pela Portaria Interministerial nº 17/2007 e regulamentado pelo Decreto 7.083/10, constitui-se como estratégia do Ministério da Educação para indução da construção da agenda de educação integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas públicas, para no mínimo 7 horas diárias, por meio de atividades optativas nos macrocampos: acompanhamento pedagógico; educação ambiental; esporte e lazer; direitos humanos em educação; cultura e artes; cultura digital; promoção da saúde; comunicação e uso de mídias; investigação no campo das ciências da natureza e educação econômica. Informação retirada do Portal do MEC. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/par/195-secretarias-112877938/seb-educacao-basica-2007048997/16689-saiba-mais-programa-mais-educacao>. Acesso em: 30 maio 2013. 25Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), projeto educacional de autoria do antropólogo Darcy Ribeiro, implantado inicialmente no Estado do Rio de Janeiro ao longo dos dois governos de Leonel Brizola (1983 – 1987 e 1991 – 1994).
122
gente tinha que inventar atividades. Mas eles perderam essas atividades todas extras porque eram profissionais contratados. Hoje é a mesma coisa. Você faz uma escola de 40 horas, mas não resolve a questão funcional, com pessoas que sejam da escola, e esta é a grande questão da nossa greve e das nossas reivindicações do nosso plano de carreira, porque aí você tem pessoas dentro da escola fazendo aquilo. Mas não como era antes, não é essa a intenção. É assim: pega qualquer um, contrata por um período, depois manda embora. E o governo que vem depois? É isso que sempre acontece com o que é público: a cada governo você reinventa a escola e tem que ser uma escola diferente do anterior. E aí não há uma continuidade, nem uma qualidade por causa disso. E depois, tudo cai nas nossas costas. Nós é que não estamos fazendo. Nós é que somos responsáveis pelo fracasso. Na verdade não é isso. Na verdade são esses pensamentos antipedagógicos e antiprofissionais, pois não tem nada a ver com a educação.
P03, quando tenta explicar qual o significado do Projeto Mais Educação, faz uso do
recurso do ridículo. Para a professora, o fato do projeto empregar professores capacitados para
ocupar as crianças por meio de um horário estendido, pagando um salário muito abaixo da
média nacional (orçado, em 2013, em R$ 980,00), “peca contra a lógica” (PERELMAN;
OLBRECHTS-TYTECA, 1996, P.233
Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 234), “é risível, por exemplo, não
proporcionar os esforços à importância do objeto deles”. Para P03, incluir no projeto de
governo um profissional qualificado para desempenhar uma função que é o mote do próprio
projeto, sem o reconhecimento e a valorização financeira desse profissional, é claramente uma
presunção ridícula.
Esse tipo de argumento marca, numa perspectiva omnilética, as tensões
existentes entre as culturas, políticas e práticas explicitadas pelo professor e apontadas pelo
Projeto Mais Educação. Vemos isso de maneira mais clara no argumento de P02 que utiliza a
técnica argumentativa do modelo e antimodelo que está no grupo dos argumentos que fundam
a estrutura do real. Em sua fala, P02 afirma que conhecia muita gente boa no Ciep que fazia
um excelente trabalho (modelo), e continua “Mas, mal acabou o governo, essa gente toda foi
embora. Por quê? Porque aquele mesmo governo que ganhou, não resolveu a questão
funcional dessas pessoas. Elas eram contratadas. CLTistas. Aí o outro governo se livrava
dessa gente toda e os Cieps se transformavam em quê? Em escolas de castigo, porque ficava
aquela gente toda 40 horas dentro de sala.” (antimodelo)
Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 417), “se a referência a um modelo
possibilita promover certas condutas, a referência a um contraste, a um antimodelo, permite
afastar-se delas. ”. Essa ideia de modelo e antimodelo, numa perspectiva omnilética, nos
aponta para uma complexificação, pois tende a superar paradigmas simplificadores. Pensar
complexamente o argumento de P02 significa notar que a proposta de oferecer um horário
123
integral aos alunos é algo positivo, mas não se pode fazer isso em detrimento da valorização
do profissional. Nas palavras de Morin (2000, p. 200): “O pensamento complexo não substitui
a separabilidade pela inseparabilidade – ele convoca uma dialógica que utiliza o separável,
mas o insere na inseparabilidade”.
Konder (1986) afirma que qualquer objeto que possamos perceber ou criar é parte de
um todo, por isso a busca de soluções para os problemas depende de uma visão de conjunto,
sempre provisória e que não esgota a realidade. Essa visão de conjunto representa as nossas
políticas, culturas e práticas e é decisiva para que se possa situar e avaliar a dimensão de cada
elemento, que no argumento se refere aos professores e autores do Projeto Mais Educação,
dentro de uma estrutura específica.
Os argumentos de P03 e P02 na verdade não são conflitantes quando observamos a
preocupação em ambos de valorizar o trabalho pedagógico não apenas por meio da questão
econômica, mas também pela sua importância social.
Argumento – 15
Categoria – Missão e Visão da Escola
Palavras-chave: grupo/indivíduo
Data: 4 de junho de 2013
Local: EMCP – sala de vídeo
Presentes: A pesquisadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) pesquisadora, 2 (duas)
gestoras e 09 (nove) professoras da EMCP.
O encontro avança com uma dinâmica na qual as professoras, dispostas em trios,
escrevem suas frases propondo qual será a missão e a visão da EMCP. A coordenadora do
encontro anota as frases no quadro e começa a discutir com o grupo sobre quais frases ou
trechos devem ser usados a fim de escrever um parágrafo único, levando em conta todas as
ideias ali propostas.
Desse debate destacamos os argumentos a seguir:
P03 – Mas e se mudar a direção ano que vem?
P04 – Aí a gente vai mostrar pra nova direção o que está sendo feito e o nosso compromisso de ajudar a escola a montar seu PPP. Aí a nova direção é quem vai decidir se continua ou não.
P02 – Eu acho que isso não é do indivíduo. Isso é da Escola, é da instituição. Quem fica é que tem que mostrar que isso faz parte da instituição e que se deve manter. É
124
por isso que tem que ser coletivo. Então, eu acho que o medo de nós sairmos e tudo acabar, não pode acontecer. A coisa não é personificada. A questão do LaPEADE, por exemplo, de estar aqui, se o grupo quiser, mesmo com uma direção nova, pode permanecer, deve permanecer. A própria questão dos parceiros que têm que ver a escola como instituição, não pode personificar. E é isso que as pessoas têm que começar a se conscientizar. O trabalho é coletivo.
O argumento de P02 baseia-se na estrutura do real e estabelece uma ligação de
coexistência entre o grupo e seus membros. Esse procedimento de ligação pode ser entendido
como um esquema que “aproxima elementos distintos, permitindo estabelecer entre estes
últimos uma solidariedade que visa quer estruturá-los, quer valorizar positiva ou
negativamente um relativamente ao outro” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p
255). Os mesmos autores afirmam que “os indivíduos influem sobre a imagem que temos dos
grupos aos quais pertencem” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA,p. 366).
O procedimento usado por P02 consiste em criar uma expectativa no grupo pelas
pessoas que dele fazem parte, reconhecendo a responsabilidade de todos pela continuação e
efetivação do PPP. De certa forma, isso tende a anunciar que o compromisso do grupo deve
ser maior do que os objetivos individuais, o que nos leva a supor que P02 esteja se referindo à
sustentabilidade da ação que norteia o grupo de professores. Isto nos parece ser a tese
principal do argumento analisado.
No Index para inclusão, encontramos algumas orientações que suportam o argumento
de P02. Destacamos a seguinte:
[...] sua própria sustentabilidade (do grupo) pode ser questionada se ainda não há espaço e compromisso para integrá-los nas atividades de aprendizagem da escola. Asoportunidades destes envolvimentos são críticas, de modo que eles se incorporam naescola num momento em que podem dar mais um impulso ao que já começou a acontecer (BOOTH; AISCOW, 2011, p. 30).
O Index para inclusão propõe que pensemos a sustentabilidade por meio de valores.
Destacamos um dos valores que pode ter apoiado o argumento de P02: “Inclusão e
participação A2.4 - A inclusão é entendida como aumento da participação de todos” (BOOTH;
AISCOW, 2011, p. 32). Uma das evidências de que a leitura e o desenvolvimento do material
escolhido vêm surtindo efeito pode ser vista pelo aumento do número de professoras
participantes no grupo.
Omnileticamente podemos perceber que o exercício e a prática rotineira dos
encontros, ainda que quinzenais, aliados à discussão dos indicadores do Index para inclusão,
têm provocado o reexame das culturas sobre a inclusão nesse processo de revisão dos
princípios da escola. A política discutida no momento poderá indicar os próximos passos a
125
serem tomados na construção do PPP. O conjunto complexo de visões sobre a cultura do
pertencimento possibilita que novos acordos surjam. Na perspectiva omnilética, contradição
costuma ser mais aparente do que real, pois estamos continuamente (e descontinuadamente)
atingindo um estágio posterior, em uma complexidade cada vez maior.
O receio expresso por P03 e a transferência de responsabilidade que sugeriu P04
fazem parte desse movimento dialético e complexo que pode ser entendido como sendo as
camadas reflexivas necessárias para se alcançar uma síntese do significado da inclusão, ou
seja, antes deve passar por sucessivas modificações até que seja transformada em uma outra
perspectiva cultural, política e prática.
Os próximos argumentos a serem analisados aconteceram após um longo período de
greve. Em 2013, os professores da Rede Municipal de Educação do Rio de Janeiro
deflagraram greve no dia 8 de agosto, retornando às atividades em 25 de outubro.
Argumento – 16
Categoria: Valores
Palavras-chave: diferença
Data: 11 de novembro de 2013
Local: EMCP – sala de vídeo
Presentes: A pesquisadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) pesquisadora, 2 (duas)
gestoras e 08 (oito) professoras da EMCP.
A filmagem começa com a pesquisadora apresentando uma lista de palavras que foram
escolhidas para representarem os valores da EMCP. A seguir, ela pede para que os
participantes assinalem pelo menos dois valores. Após a votação, as professoras são
orientadas a formarem frases significativas com os termos escolhidos.
PL – Agora nós vamos montar a nossa frase dos valores. O grupo acha que RESPEITO é um dos valores mais importante. Como poderíamos transforma o respeito numa frase que mostre o quê respeitamos?
P05 – Respeitando as diferenças em todas as instâncias.
P01- Eu acho que a gente tem que marcar melhor essa diferença. Sempre que eu leioa palavra “diferença” já penso na síndrome de Down, no autismo, mas não é só isso. É a diferença de moradia, de acesso à informação, é a alimentação. Acho que a gentetem que abrir mesmo esse entendimento de diferença. Até porque o Index para inclusão fala desse tripé da cultura, política e prática, então o respeito é algo que eu tenho que ter, assumir e praticar seja em qualquer instância.
126
A tese defendida por P01 busca apoio no material que está sendo desenvolvido e, desta
forma, busca validar sua argumentação. A técnica utilizada nesse argumento nos parece ser da
inclusão da parte no todo. Esse procedimento consiste em articular as partes enumeradas ou
referidas num todo que as engloba. A forma como P01 refere-se ao Index para inclusão nos
revela que houve uma apropriação significativa do seu conteúdo.
O argumento analisado procura mostrar a relação da parte com o todo, ou seja, ao
afirmar que a “diferença” deve ser melhor marcada, P01 nos diz que o todo que conhecemos
como “as diferenças” é composto por várias partes. Desta forma, ela usa o argumento de
superioridade do todo sobre suas partes para elevar aquilo que pode ser considerado na
categoria da “diferença”.
Omnileticamente, reconhecemos o enredamento das partes que formam o todo.
Quando P01 toma como base as culturas, políticas e práticas que definem o significado da
diferença, ela propõe uma dialogicidade entre as diversas situações que podem causar a
exclusão. Essa complexidade é característica das partes que estruturam o conceito de
diferença da mesma forma que essas mesmas partes são, numa perspectiva omnilética, um
todo também a ser representado.
A possibilidade de ver além do que está posto nos documentos oficiais (LDB/96) sobre
a educação especial mostra-nos uma postura política de fato comprometida. Essa postura pode
ser entendida como um apoderamento de conceitos científicos construídos durante os
encontros do grupo de pesquisa ou, quiçá, em leituras individuais. Esse fato sobreleva a
importância dos cursos de formação inicial e continuada de professores, o que precisamente
essa pesquisa propõe dentro dos seus objetivos. Dedicar atenção ao desenvolvimento da
autonomia do professor, para que haja uma sustentabilidade de ações, promove uma melhor
qualidade no ensino e, acima de tudo, a valorização docente.
6.3 O Projeto Político-Pedagógico e seus argumentos: planejamento das ações
estratégicas
Os argumentos analisados a seguir foram extraídos do período de 4 de março a 25 de
novembro de 2014, sendo que nos meses de maio e junho não foram feitas gravações devido à
greve dos professores municipais e estaduais do Rio de Janeiro, totalizando 42h30’ de
gravação.
127
Durante esse período algumas mudanças administrativas ocorreram. A diretora
aposentou-se e a diretora adjunta assumiu a condução da escola, por determinação da 2ª CRE,
até que uma nova equipe fosse eleita pela comunidade escolar.
A decisão pela continuação dos trabalhos da escola sob a liderança da diretora adjunta
se deu após ela própria apresentar a dinâmica da construção do seu PPP. Esse fato impactante
garantiu não apenas a continuação do projeto como propagou seu ideal para outras escolas.
Como exemplo podemos citar a Dissertação de Mestrado intitulada “(Re)visitando culturas,
políticas e práticas de inclusão em educação no nível da gestão municipal de educação: a 2ª
CRE em ação”. (SENNA, 2017).
Relevante comentar que as professoras candidatas e vencedoras para o cargo de
Diretor e Diretor Adjunto para a gestão de 2015 a 2017 também participavam do projeto de
construção do PPP da escola e, no seu pronunciamento à SME no momento da posse,
comprometeram-se em manter a parceria.
Escolher os argumentos mais significativos é sempre uma tarefa difícil, mas
procuramos manter o foco da pesquisa escolhendo aqueles de maior significado para as
análises.
QUADRO 5 – Reuniões do Projeto - 2014
REUNIÕES DO PROJETO - 2014
Argument
o
Categoria Palavras-chave
17 Planejamento planejamento estratégico/diagnóstico18 Regimento Interno regimento / combinados19 Planejamento blocagem / planejamento20 Função Docente autonomia / valorização21 Posição Política profissionalismo / valorização
Fonte: Dados da pesquisa.
Argumento – 17
Categoria: Planejamento
Palavras-chave: planejamento estratégico/diagnóstico
Data: 26 de março de 2014
Local: EMCP – sala de vídeo
Presentes: A pesquisadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) pesquisadora, 2 (duas)
gestoras e 02 (duas) professoras da EMCP.
128
O vídeo começa com a pesquisadora comentando sobre a ausência dos outros
pesquisadores que substituiriam as professoras na sala de aula para que elas pudessem
participar do encontro. A pesquisadora sugere que a reunião seja transferida para a próxima
semana. Enquanto conversam sobre o contratempo, alguns assuntos são trazidos à discussão e,
diante de tão proveitoso material, selecionamos alguns argumentos importantes para a análise.
P02 – A questão do PPP está na lei há mais de 15 anos, só que ninguém segue ou não conseguiu entender a dimensão que ele representa. Há determinações que constam no regimento escolar e que nós não exercemos como, por exemplo, as reuniões pedagógicas. Estamos abrindo mão por quê? Pode ser pelo fato de não termos gente suficiente para ficar nas salas. Então esse é um impedimento que me leva à Secretaria e, no nosso projeto, pode virar uma estratégia a ser apresentada para a Secretaria: o direito de ter um dia de saída antecipada ou a entrada retardada para que eu possa ter tempo para me reunir com as professoras. Eu já estou aqui pensando num jeito de pegar o grupo de professores para isso. Talvez num dia trabalhar com o 1º e 2º ano. No outro dia o 3º, 4º e 5º.
O argumento de P02 baseia-se na regra de justiça, pois leva a crer que algo de direito
não está sendo cumprido. Estabelece uma relação de verossimilhança, ou seja, uma verdade
instaurada no modo de funcionar uma lógica específica, como é próprio dos argumentos quase
lógicos. A lógica está ligada àquilo que diz a lei e o regimento interno. Seu argumento toma,
como base, o instrumento que está sendo construído e assenta o acordo sobre a premissa do
direito às reuniões pedagógicas.
Seu argumento nos diz, omnileticamente, que a cultura do distanciamento estabelecida
entre a gerência, no caso representada pela 2ª CRE, e o gestor da escola é algo que pode ser
revista. Reconhecer essa possibilidade de aproximação é uma decisão política que supõe uma
participação ativa na vida organizacional da escola. A validade da sua argumentação depende
das premissas do grupo para quem o discurso é direcionado. A complexidade aponta para a
possibilidade de encontrarmos, no meio do caminho dessa revisão cultural, um grande número
de problemas aparentemente insolúveis, mas que podem desaparecer caso seja possível
conceber que os motivos que impulsionam os professores e gestores são, forçosamente, os que
de fato os levarão a agir, sentir e pensar sobre o modo por que os fazem.
A dialeticidade circundada no discurso da impotência perante a SME, visto em
argumentos anteriores (argumentos nº 7 e nº 9), aparenta um certo posicionamento retraído, de
fuga à liberdade e controle da situação. Uma vez rompido esse vínculo primário que oferecia
uma certa segurança, pois não exigia nenhum posicionamento político, o enfrentamento
advirá da sua prática e isso nos parece estar claro na tese defendida pela oradora.
129
Continuemos analisando os argumentos surgidos nessa mesma reunião, pois nos darão
condições de aprofundar como a dinâmica da mudança de perspectiva cultural pode ser
bastante complexa.
P02 – Aconteceu uma coisa engraçada outro dia. O Maurício, que é professor de artes e que trabalha na 2ª CRE vai em algumas escolas e filma as aulas e os professores, documentando eventos e algumas coisas assim. Aí ele queria estar numareunião nossa para filmar isso aqui porque isso deu panos pra manga na 2ªCRE na apresentação que fizemos por conta da aposentadoria da diretora. A P01 falou da construção do PPP com a parceria da UFRJ e tal. Tanto deu que agora, na semana passada, na 6ª feira, ela foi convidada para apresentar para as coordenadoras das outras escolas o que a gente está fazendo aqui, a convite da 2ª CRE.
O argumento destacado revela um vínculo causal, pois a oradora estabelece uma
relação entre um fato, no caso a apresentação da proposta de P01, para assumir
temporariamente o cargo de direção da EMCP, e sua consequência, ou seja, o convite para
apresentar a outras escolas o trabalho que está desenvolvendo.
Interessante observar que a estratégia argumentativa da oradora está na ênfase à
consequência da ação e não na ação propriamente dita, já que começa seu discurso
caracterizando o fato como “uma coisa engraçada”.
Conforme a leitura de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 308), “ o fato de
considerar ou não uma conduta como um meio de alcançar um fim pode acarretar as mais
importantes consequências e pode, portanto, por essa razão, constituir o objeto essencial de
uma argumentação”. Podemos observar que quando P02 começa seu argumento dizendo
“Aconteceu uma coisa engraçada outro dia.”, ela procura diminuir o fato para dar ênfase à
consequência. Ela mostra-se surpreendida pelo fato da 2º CRE designar uma pessoa para
filmar as ações desenvolvidas na EMCP como exemplo para outras escolas.
Vemos, aqui, a ligação omnilética entre os dois argumentos destacados. A autoridade
com que se imbuiu P02 diante do apoderamento da prática reflexiva na construção do PPP
revela uma liberdade que eticamente assume a responsabilidade por aquelas ações
combinadas no documento. Estamos observando, nesse momento, a redução do
indiferentismo fatalista de uma cultura de dominação para o incremento e valorização da
posição cultural, política e prática dos professores e gestores da escola. Seguimos, então, para
o próximo argumento.
Argumento – 18
Categoria: Regimento Interno
130
Palavras-chave: regimento/ combinados
Data: 9 de julho de 2014
Local: EMCP – sala de vídeo
Presentes: A pesquisadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) pesquisadora, 3 (três)
gestoras e 05 (cinco) professoras da EMCP.
A filmagem começa com o grupo conversando sobre a Copa do Mundo e sobre a perda
do último jogo do time do Brasil. P06 afirma que a vergonha não foi apenas do técnico
Felipão, mas sim do prefeito da cidade que concedeu apenas 6% de aumento para os
professores.
A pesquisadora dá início ao encontro com o seguinte comentário:
PL – Estamos com o nosso projeto bastante adiantado e vamos hoje avançar no item da Compreensão e Autoritarismo. Trouxe esse material do Index para inclusão para agente trabalhar e refletir sobre esses indicadores escolhidos por vocês em reunião anterior. Vocês vão trabalhar em duplinhas para tentar responder às questões colocadas. Precisamos conversar sobre o novo desenho do projeto com o nosso retorno na sala de aula para avaliarmos o efeito das nossas discussões na nossa prática diária. Os indicadores são: A1.4 - Os profissionais e as crianças se respeitam entre si? A1.5- Os profissionais e pais/responsáveis colaboram? B2 .7 As pressões por exclusão disciplinar são reduzidas? Vamos começar pelo grupo de vocês?
P07 – Eu coloquei que a gente entende como política de comportamento o regimento escolar. Colocamos que a escola precisa redigir as normas e qual é a nossa forma de agir sobre esse regimento
P06 – Esse regimento escolar é da SME. Ela é quem diz o que cada escola deve fazer.
P02 – O que deve aparecer no PPP são as regras da nossa escola.
P06 – Mas sem fugir do regimento escolar.
P02 – O que temos que fazer e ver quais são as regras da SME e como podemos adaptá-las dentro do nosso contexto.
Nessa análise, optamos por demonstrar a interação existente entre os argumentos
destacados. Lembramos que, na nova retórica, não há como falar em argumentação sem
adesão. A adesão proposta por Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), e que utilizamos nesse
trabalho, é aquela visada pelo próprio orador quando formula seus argumentos com o desígnio
de convencer o seu auditório. Nesse sentido, o objetivo de cada argumentação é conquistar ou
fortalecer a adesão do auditório. Para realizar esse objetivo, o orador precisa adaptar seu
discurso. Dito isso, podemos, então, observar como a interação e adaptação dos argumentos
acontecem nesse discurso.
131
P02 e P06 argumentam sobre quais são as regras da escola e de que maneira elas
devem ser aplicadas frente aos acontecimentos extraídos do dia a dia. A discussão foi
provocada pelos indicadores do Index para inclusão e que precisavam ser definidos para que
pudessem constar no PPP. A força do argumento de P06 está no fato das regras da escola
serem definidas por um órgão reconhecidamente superior e, portanto, não há o que se discutir.
Seu argumento baseia-se na estrutura do real, pois admite a autoridade incontestável da SME.
Percebe-se, por meio dessa escolha argumentativa, a preocupação e o cuidado em manter-se
fiel às designações da autoridade que é responsável por elaborar a política educacional do
município do Rio de Janeiro, coordenar a sua implantação e avaliar os resultados, com o
propósito de assegurar a excelência na Educação Infantil e no Ensino Fundamental Público
(RESOLUÇÃO SME Nº 1.074/2010).
A argumentação de P02 não se distancia do argumento de autoridade, pois também
está baseada nos preceitos da SME que afirma, tanto no artigo 7.º quanto no artigo 9.º da
mesma resolução (1074/2010), que a elaboração do Projeto Político-Pedagógico, no que diz
respeito às diretrizes, ações, filosofia e objetivos, é prerrogativa de cada escola e que será
construído de acordo com as necessidades e anseios da comunidade escolar, respeitadas as
diretrizes da SME.
Há um conflito entre os argumentos de P06 e P02, porém, diante disso, P02 propõe
uma “adaptação” para que as regras possam ser escritas sem entrar em conflito com a agência
reguladora e, assim, consegue a adesão do seu auditório.
A reunião prossegue possibilitando a extração de outros argumentos igualmente
importantes para a nossa análise.
P08 – O nosso grupo juntou os indicadores e falou sobre o que existe e o que não existe aqui na escola: Aqui existe um regimento oficial que é demonstrado em reuniões; os responsáveis recebem avisos e circulares sobre a importância do acompanhamento do filho e da sua presença nas reuniões e etc. Há também as reuniões entre os professores, pais e direção para atender aos casos específicos. Nós criamos um dia em que a gente recebe os pais para conversar sobre os problemas específicos. Uma vez por mês, senão fica muito cansativo. Isso é o que a gente já tem, mas eu acho que existem mais coisas.
P01 – Também temos os combinados e as regras de como os professores podem fazer uso dos materiais e áreas externas. Essas regras são nossas e a gente sempre passa nos nossos encontros pedagógicos.
Parece-nos que P08 e P01 concordam com o argumento de P02 quando declaram que
a escola possui um regimento e que os combinados e as regras pertencem à escola. Esse
sentimento de definição e propriedade do regimento e combinados pode ser caracterizado
132
como um argumento quase-lógico, pois preocupa-se em demonstrar a inclusão da parte no
todo, ou seja, incluir as regras da escola no todo que simboliza a regra da SME.
É possível reparar que há uma preocupação política em delimitar as regras e
combinados a partir daquilo que a escola acha necessário. Não é negada a influência da SME,
mas o direito de escolha nos parece bem claro. Esse discurso valida o sentimento de
valorização profissional ao mesmo tempo que constata a guarda da SME no que diz respeito
às regras comuns a todas unidades escolares. O grupo não afasta essa contingência, mas
demonstra o quanto é importante ter uma certa autonomia. A prática de uma outra política
baseada numa cultura de valorização profissional é algo bem-vindo e não deve ser afastado,
nem da realidade nem tampouco do discurso.
Argumento – 19
Categoria: Planejamento
Palavras-chave: blocagem/planejamento
Data: 27 de agosto de 2014
Local: EMCP – sala de vídeo
Presentes: A pesquisadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) pesquisadora, 3 (três)
gestoras e 05 (cinco) professoras da EMCP.
A filmagem começa com o grupo conversando sobre os cadernos que recebeu a SME
para serem trabalhados no 2º semestre.
Destacamos, para análise, um trecho do diálogo.
P06 – Quando você tem um planejamento, você tem um norte então fica mais fácil de trocar as atividades.
P07 – Eu sei que a gente poderia fazer mais, mas não dá tempo de sair da sala para isso.
PL – Então deixa ver se eu estou entendendo. Aqui na escola a gente não tem um planejamento formal de matérias e conteúdos a serem dados no bimestre, é isso?
P06 – Já temos esse ano. Conseguimos montar um planejamento para esse ano.
PL – Ah bom, Então já temos um planejamento.
P07 – Foi só esse ano que nós, professores, conseguimos nos reunir e conquistar essa façanha de ter uma lista de conteúdos.
P01 – Nós já temos o conteúdo. O que falta agora é traçar os objetivos.
133
P07 – Isso a gente já fez. Pelo menos o mínimo de objetivos nós já traçamos. Mas não fizemos por bimestre e sim anual. Agora, a construção desses objetivos por bimestre, o que é que nos vamos trabalhar no bimestre, como vamos desenvolver isso na sala de aula é o que está faltando. A gente não vai conseguir fazer isso esse ano.
P01 – Não, isso não. Não tem blocagem26 completa para manter os professores livres para essa atividade. Com as mudanças nos calendários esses anos todos, está cada vez mais difícil conseguir um horário para essas reuniões. Parece que ano que vem a gente vai conseguir alguma coisa.
P02 – Mas nós temos que conseguir o tempo e organização para fazer isso.
O argumento apresentado por P07 baseia-se na estrutura do real e pode ser entendido
por meio da técnica argumentativa do modelo/antimodelo. Essa técnica é usada dada a
tendência que temos de nos identificarmos com algum processo e da tentativa de imitá-lo.
Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 415) consideram que o modelo “indica a conduta a
seguir; serve também de caução a uma conduta adotada”, ou seja, ele serve de imitação e
respaldo à pessoa que o usa.
O processo, no caso, é o ato de planejar os conteúdos, seus objetivos e estratégias de
desenvolvimento. Sabendo que o modelo indica e avaliza uma conduta, então, espera-se que
os professores sigam esse modelo. O antimodelo funciona de modo contrário. Se o modelo
possui virtudes, o antimodelo apresenta pontos críticos, então a solução para esse conflito é a
criação de arquétipos ou mitos, numa tentativa de justificar a impossibilidade de atingir ao
modelo pretendido. Essa expressão arquetipal de justificativa de impossibilidade de atingir o
modelo pode ser também interpretada, omnileticamente, como um status-quo cultural. Parece-
nos que a sensação de impotência é algo que imobiliza os professores diante da demanda
escolar. O modelo pretendido é algo quase impossível de ser alcançado. O que essas
contradições apontadas no argumento do modelo e antimodelo refletem podem estar
relacionadas com a consciência particular, por parte de alguns docentes, das diferenças entre o
que se reconhece e é dito publicamente e o que internamente é percebido, mas não é aceitável
ser expressado.
O argumento de P02 lança mão da técnica de autoridade diante do grupo para
convencê-los de que a liberdade do professor de todas as restrições impostas é possível ser
alcançada se a política de ação mudar. Sua afirmação desafia o antimodelo defendido por P07
e também corroborado por P01. A força da tese de P02 está na condição de profissionalidade
esperada de um professor, ou seja, que o direito de manifestar a sua autoridade profissional
26Termo utilizado para designar a troca de horário feita entre os professores especializados (P2) e as professorasregentes (P1).
134
docente só tem significado se o poder de decisão for assumido. E isso, certamente, é um fator
cultural.
Sobre isso, Contreras afirma que:
O desenvolvimento de valores educacionais não pode se realizar a partir das intuições ou sabedorias que surgem fora da própria prática se não houver professoresdispostos a participar das ideias que alimentam essas posições. Porém mesmo assim,(…) é muito difícil melhorar o ensino de fora se os próprios docentes não possuírem as ideias (CONTRERAS, 2012, p. 143).
A participação política dos professores está implicitamente marcada no argumento de
P02. Abandonar a posição de profissionais incapazes de planejar e executar seu plano de
ensino exige o abandono da posição de defesa diante da responsabilização pelo seu trabalho.
Isso requer enfrentar um determinismo cultural que estabelece o que devemos fazer, como
devemos fazer e o que não devemos fazer.
O argumento do modelo e antimodelo está eivado do discurso da desqualificação
profissional enquanto o argumento de autoridade busca o resgate da consciência da
valorização docente.
Argumento – 20
Categoria: função docente
Palavras-chave: inclusão/ valorização/profissionalismo
Data: 16 de setembro de 2014
Local: EMCP – sala de vídeo
Presentes: A pesquisadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) pesquisadora, 3 (três)
gestoras e 05 (cinco) professoras da EMCP.
A gravação do encontro começa com P0 10 contando sobre uma reunião acontecida na
escola em que estavam presentes a própria professora, a direção da escola e uma representante
do Instituto Helena Antipoff27 (IHA).
Trazemos para análise os argumentos decorrentes da exposição das professoras sobre a
eminência de receber uma criança com necessidades especiais em sua classe.
27Centro de Referência em Educação Especial da Rede Municipal da Cidade do Rio de Janeiro.
135
P09 – Os professores vêm trabalhando de maneira desumana na medida em que ele está preparado para um trabalho e ele tem que fazer um outro trabalho sem estar preparado.
P02 – Não só preparado mas também tem os direitos que tem esse professor enquanto profissional. Ele tem que ter apoio sim e não tem tido apoio. Entregam ao professor todas as coisas. Então criam-se as regras que devem ser cumpridas e quemcumpre é o professor que está lá recebendo, tendo que fazer tudo. Ele tem que fazer a adaptação e a lei não garante a legalidade que realmente aquela criança está atendida. É o sistema que está totalmente errado.
A tese defendida por P09 e P02 nos diz sobre o preparo do professor para receber os
alunos considerados especiais, ou seja, aqueles que possuem alguma deficiência tanto física
quanto intelectual. A sua especialidade refere-se à formação do professor para atender a esse
público, tese que faz parte do acordo ali estabelecido.
O argumento, por ater-se ao fato, se aproxima do raciocínio rigoroso e demonstrativo
formal e adquire uma força persuasiva distinta. Ambos discursos possuem uma fácil aderência
do auditório, pois apresenta uma lógica indiscutível. Há uma exigência para a formação do
professor e esta é posta para o auditório que advém da Universidade e, portanto, é parte
responsável por essa formação.
Os argumentos, agora analisados, baseiam-se na reciprocidade, pois visam aplicar o
mesmo tratamento a duas situações correspondentes. O argumento de reciprocidade é aquele
que aproxima dois seres ou duas situações, mostrando que os termos próximos numa relação
devem ser tratados da mesma forma. P09 e P02 procuram mostrar que o benefício da lei deve
atingir os dois lados, tanto do aluno quanto do professor. O discurso da valorização do
professor é claramente visto nesse argumento, em especial quando P02 culpabiliza o sistema
pela falta de cuidado com a formação docente para enfrentar essa situação.
A seguir, destacamos outro argumento proferido na mesma reunião e essencial para a
nossa análise.
P02 – O discurso do governo diz que isso está existindo e isso não é verdade. Está existindo as custas do professor da classe. Então, precisa sim ser visto o lado do professor. E o professor é sempre acusado, e isso é uma coisa que me dói, é que o professor de sala de aula, por mais que ele queira fazer e faz minimamente, ele está fazendo, e mesmo assim dizem que o professor está com má vontade, que o professor não quer, o professor não deseja, o professor é mal preparado, o professor “não-sei-o-que”. Mas é ele quem está fazendo, apesar de todo o despreparo, quem está com a mão na massa é o professor de sala de aula. Então, precisa ser visto com muito carinho também essa questão. Com muito carinho e muito profissionalismo. Eu considero isso uma questão profissional. Qualquer outra área não iria aceitar. Está na hora de se posicionar profissionalmente. Falo até da greve. Porque fala do dia a dia da nossa sala de aula. Temos que sair lá do escondidinho do corredor e nos posicionarmos no mundo.
136
P02 permanece apoiando seu argumento quase-lógico por meio da técnica
argumentativa do sacrifício. Essa técnica foi apresentada anteriormente no argumento nº 1
dessa tese (CARNEIRO, 2017, p.70).
É perceptível o nível de conflito exposto no argumento. P02 preocupa-se com a
justificação da sua posição, ou seja, procura argumentos a favor e contra para justificar aquilo
que considera imposição ao sacrifício. O maior grau de conflito sentido pelo professor está
concentrado no fato de qualquer outra área profissional se negaria a atender uma demanda
que, porventura, julgasse não ser sua. O sacrifício imposto ao docente pode ser entendido
como a negação ao direito de preparar-se para desenvolver um trabalho de qualidade.
Em seguida, temos o argumento de P01, que nos diz:
P01 – Foi aí que eu coloquei a questão da inclusão, porque questionam porque a nossa escola que se diz ser uma escola de referência na inclusão. Inclusão de quê? Primeiro, a inclusão que nós pregamos e acreditamos aqui na Cícero é inclusão derrubando barreiras à aprendizagem. Uma inclusão de todos e não só dos alunos com necessidades especiais. E, enquanto não houver uma mobilização dos professores enquanto uma organização, e aí eu digo o CEC, Conselho Escola Comunidade, de reivindicar direitos e condições de trabalho em termos de Ministério Público mesmo e Conselho Tutelar em nome do CEC, a coisa não funciona. Isso porque se espera muito que a pessoa, a direção, façam uma carta no seu nome e não é assim não. Eu dou o exemplo da festa. A festa aconteceu e deu certo, por quê? Porque tinham pais representantes, professores envolvidos, toda a comunidade escolar envolvida. Não era a diretora fazendo a festa. Então, enquanto não houver essa conscientização de que o grupo se responsabiliza e assina embaixo das suas reivindicações, vamos ficar só no discurso.
O argumento de P01 está baseado na dissociação das noções. A dissociação é utilizada
na argumentação como uma tentativa de ultrapassar as incompatibilidades dos pensamentos.
Na dissociação, o par aparência/realidade costuma ser o mais frequentemente utilizado. Dele
demandam outros pares como opinião/verdade, nome/coisa, sujeito/objeto, meio/fim,
relativo/absoluto, acidente/essência, entre outros.
P01 retoma o argumento de P02 para estabelecer a dissociação entre os valores
referendados à inclusão, apontando que isso não é compatível com a realidade da escola.
No desenrolar da pesquisa foi possível observar que, no seu dia a dia, a escola tem
revisitado normas que até então eram consideradas únicas. O esforço despendido para
reexaminá-las a partir dos indicadores sugeridos pelo Index para inclusão possibilitou
descobrir que algumas normas se apresentavam tão contraditórias que só uma reflexão
demorada poderia permitir alguma mudança.
No argumento em destaque, observamos que P01 procura correlacionar os termos que
definem o conceito de inclusão da forma como a EMCP compreende com o que é socialmente
137
esperado. Os processos de dissociação que podemos localizar no argumento não se restringem
apenas ao conceito de inclusão. Mais do que isso, consistem numa tentativa de reordenar de
forma mais profunda e coerente aquilo que surge como incompatível, ou seja, a dependência
da ação de mudança centrada em apenas uma pessoa, fazendo aparecer, pela dissociação não
apenas da aparência/realidade, mas juntamente o sujeito/objeto e o meio/fim, essa
incompatibilidade.
Não obstante, é de grande valia salientar que Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) não
trabalham com o conceito de verdade, ou seja, como se ela fosse apenas uma representação da
adequação de enunciados válidos. Da mesma forma, a perspectiva omnilética entende que as
verdades são e estão em constante processo, em constante mudança. Esse entendimento
relacional dos fatores descobertos incompatíveis possibilita uma visão mais totalizante,
complexa, das culturas, políticas e práticas que podem advir de cada relação estabelecida
entre esses mesmos valores. De acordo com Santos (2013, p. 24), “os fenômenos que
percebemos e como os percebemos são tão instituídos quanto instituintes deles mesmos e
sempre em relação com uma totalidade infinita de fenômenos, visíveis e ainda não tão-
visíveis; previsíveis e imprevisíveis”.
No final da sua argumentação, P01 procura destacar a incompatibilidade sujeito-
objeto, afirmando que a participação de todos pode alcançar sucesso maior do que o esforço
de apenas uma parte. Essa valorização do todo no processo escolar, seja para decidir uma
festa folclórica, seja para assumir a sua identidade inclusiva, demonstra, omnileticamente, que
é possível compreender os fenômenos sociais quando reconhecemos a sua complexidade.
A seguir, apresentaremos o último argumento destacado para análise desse bloco.
Argumento – 21
Categoria: Posição Política
Palavras-chave: valorização/profissionalismo
Data: 21 de outubro de 2014
Local: EMCP – sala de vídeo
Presentes: A pesquisadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) pesquisadora, 1 (uma)
gestoras e 06 (seis) professoras da EMCP.
A filmagem começa com as professoras conversando sobre as últimas notícias do
plano de carreira e os problemas acarretados com a imposição da escolha pelo regime de
138
trabalho de 40 h. Falam sobre o tempo de aposentadoria daquelas que já completaram e
daquelas que ainda não alcançaram a idade mínima para isso.
A pesquisadora dá início à reunião lendo os últimos acertos do PPP e as professoras
sugerem algumas correções nas frases.
O primeiro argumento que analisaremos surgiu do relato de P02 sobre um encontro
que participou junto ao Parceiro da Escola – Fundação Lemann.
P02 – Isso me lembrou a última reunião que tivemos com os Parceiros, onde teve uma dinâmica entre os participantes e aí foram formados grupos. Tinha gente de tudo quanto era canto. Todos ficaram intrigados com um dos participantes que ficou passeando entre todos os grupos, perguntando, “Você conhece a resolução n° tal do MEC que diz assim, assim, assim? E nós respondíamos ” “Não”. Aí a gente ficou encucada. “O que será que ele quer dizer com isso?” Mas ele só queria deixar bem claro o quanto a gente não sabe nada sobre aquilo que nos pertence. Não participam,não leem, não procuram e não sabem nada, nem das mínimas ações que existem e que só caem no colo da gente quando a coisa já tá rolando e a gente, ó, não sabe de nada. A gente só é vítima do que acontece. A gente não participa. A gente não lê, a gente não procura aquilo que nos pertence, E aí a gente se faz de vítimas e somos mesmo vítimas. Quando a gente ouve o professor se queixando das coisas, a maior parte deles está se queixando daquilo que está deixando de fazer que é dizer alguma coisa a respeito. Existem portais abertos no MEC onde você pode dar opiniões e participar de debates. Quem faz isso? Eu acho que está na hora de começarmos a agir com argumentos profissionais e deixar de lamentações. Mas o professor, principalmente o PII sempre se coloca abaixo das suas possibilidades e da sua real grandeza, por isso somos sempre deixados de lado.
P06 – O que eu acho que está faltando é essa base que a Universidade deve dar a esses que estão chegando. Na Pedagogia e em qualquer outra área, eles não vão estarlivres disso. Se eles estão escolhendo, então eles têm que estar atentos. Agora mesmo eu abri o jornal de hoje e a menina queria fazer o curso “Sem Fronteiras” mas foi impedida. Ela entrou com recurso e vai de cadeira de rodas. Hoje já não é mais a legislação de 20 anos atrás. As pessoas têm o seu direito e é aí que eu acho que a academia está falhando em alguma coisa.
Nesses argumentos, a tese defendida situa-se no campo político da discussão. Parece-
nos que P02 faz uso da técnica argumentativa da ilustração, do grupo dos argumentos que
fundam a estrutura do real, para mostrar o quanto é necessário e importante que o professor
conheça os decretos e leis que regem o ensino e, portanto, regem a sua atuação profissional.
Esse procedimento faz uso de um caso particular para demonstrar um padrão já estabelecido.
A ilustração apresentada no argumento de P02 reforça o que, omnileticamente,
entendemos como uma perspectiva dialógica e complexa. P02 usa, com bastante propriedade,
a expressão “aquilo que nos pertence” para marcar seu argumento e diz respeito diretamente
às nossas culturas, políticas e práticas. O exercício do magistério requer um conhecimento
para além do técnico. A distância política entre a teoria e a ação nos parece ser o ponto-chave
que P02 usa para denunciar com o seu argumento de ilustração.
139
A existência de uma oposição entre discursos (ou seja, em que é requerida a presença
de um discurso e de um contradiscurso numa situação de interação entre, pelo menos, dois
argumentadores) é observada nos argumentos analisados. P06 também faz uso da técnica
argumentativa da ilustração para reforçar a questão do “direito”, todavia procura transferir a
responsabilidade da consciência política para a universidade.
Vemos claramente que, em ambos os argumentos, a discussão política é a sua marca,
contudo a admissão da responsabilidade sobreleva a questão cultural do assentimento desse
compromisso. Essa ideia está diretamente relacionada com a postura profissional assumida.
Cabe, então, a pergunta: a quem concerne a responsabilidade de dirimir a distância
cultural, política e prática entre aqueles que controlam a escola e aqueles que trabalham no dia
a dia, de fato, com os estudantes e com os currículos?
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho, cujo objetivo geral consistiu em identificar e analisar,
omnileticamente, os tipos de argumentos levantados pelos professores que evidenciavam as
barreiras à sua autonomia e participação pedagógica, permitiu ampliar nossa compreensão
sobre essa temática.
A questão da autonomia e da participação pedagógica, vista e discutida nesse trabalho,
por meio da perspectiva Omnilética, ressaltou os aspectos contraditórios e ambíguos que os
professores, em especial os professores da EMCP, apontaram nos seus argumentos relativos à
sua prática diária e cotidiana. Esses professores se sentem despojados da qualidade, do
controle e do sentido do seu próprio trabalho, pois as atividades individuais e rotineiras os
mantém desatentos ao processo de qualificação intelectual. A recuperação de uma concepção
de autonomia profissional dos professores nos parece requerer a transposição de algumas
barreiras. Ao visitar, junto com os professores, as culturas, políticas e práticas da EMCP,
percebemos que faz parte da situação de busca desenvolver soluções por meio de reflexões
para superar seus limites frente às situações consideradas espoliante da sua autonomia.
Reiteramos que a escolha da análise dos argumentos por meio da perspectiva
Omnilética é uma abordagem inovadora e bastante capaz de responder às questões propostas
neste trabalho. Essa proposta contemporânea possibilitou a análise dos argumentos em
diferentes ângulos, abrindo espaço para uma maior reflexão e participação.
Afirmamos que o LaPEADE tem, como missão,
140
Apoiar e promover a participação e a diversidade em educação nas dimensões culturais, políticas e práticas das instituições e sistemas educacionais e contribuir parao desenvolvimento, disseminação e acompanhamento do conhecimento científico-acadêmico a respeito de inclusão em educação (LAPEADE, 2010.).28
Nesse sentido, ao ser chamado pela escola pública para auxiliar como mediador de
conhecimentos, o Laboratório prontificou-se imediatamente a colaborar com a busca de
outros caminhos para discutir a inclusão em educação. E como foi rica e producente a parceria
entre o LaPEADE a EMCP. Após quatro anos de trabalho, essas duas instituições construíram
uma parceria e uma amizade duradoura. Para o laboratório, a EMCP tornou-se um espaço de
aprendizado, rico em diversidade e com uma disposição a se reinventar surpreendente. A
construção do PPP da escola, muito mais do que um documento, significou a luta diária pela
revisão das culturas, políticas e práticas daquelas pessoas e daquele espaço.
Iniciamos essa pesquisa com o objetivo de dar a voz aos professores enquanto
investigamos como eles argumentam sobre as suas culturas, políticas e práticas a respeito da
sua atuação profissional. O sentimento de exclusão era explícito em seus argumentos. No
decorrer desse processo, foi possível verificar, por meio dos argumentos analisados, que a
questão da autonomia docente aparecia sempre que os problemas relativos à sua prática diária
vinham à tona.
Enquanto estivemos envolvidos com o projeto, nos anos de 2012-2015, os professores
do município do Rio de Janeiro deflagraram duas greves em prol de melhores condições de
trabalho. Tivemos a oportunidade de acompanhar as discussões cuja tese da valorização -
desvalorização profissional ganhava o tom da retórica.
Foi nesse movimento complexo e dialético que encontramos os princípios que
confirmaram nossa hipótese inicial de que os elementos discursivos suportam ora o
argumento de valorização, ora de desvalorização da carreira docente. Essa aparente dualidade,
quando vista sob a perspectiva Omnilética, sinaliza que as bases culturais, políticas e práticas
revelam a prevalência de um tipo de argumento que identificamos como sendo aquele que
defende a tese de que a profissão docente não é reconhecida como profissão e que um dos
possíveis caminhos para alcançar essa valorização passa, necessariamente, pela posição
política perante ao seu labor.
Contudo, a tipologia argumentativa e as análises por meio da perspectiva Omnilética
apresentadas são apenas um recorte da intensidade do que aconteceu, por isso não poderíamos
28 Retirado da página eletrônica do LaPEADE. Disponível em: <http://www.lapeade.com.br/index.html>. Acesso em: 24 jun. 2017.
141
afirmar que chegamos às conclusões, mas ao encontro de múltiplos oradores, reflexões,
afetos, desafetos, questionamentos e incertezas.
Entendemos que, para compreender a identidade profissional do professor, é
necessário buscar uma interpretação social da sua profissão. E quem melhor para iniciar esse
questionamento do que o próprio professor, notadamente por recurso à problemática da
construção social da sua identidade?
Verificamos, por meio do desenvolvimento do Index para inclusão (BOOTH;
AINSCOW, 2011), que a construção da identidade docente, quando aliada a um processo
contínuo e dinâmico de revisão das suas culturas, políticas e práticas, tende a tomar um
espaço importante de ressignificação. A aquisição de uma identidade profissional daquele que
busca tornar-se professor com autonomia envolve a (trans) formação da sua individualidade
docente num processo que pode ser descrito como aberto, dialógico e dinâmico, portanto
complexo.
Desta forma, para compreender como se configura e se transforma a identidade
profissional docente, propusemos investigar os argumentos utilizados por esse específico
grupo de professores, verificando como eles iam se construindo e se reconstruindo ao longo
do projeto. Tal objetivo logrou-se atingido quando o grupo investigado se percebeu sem uma
representação política própria e decidiu construir o seu Projeto Político-Pedagógico.
A posição política que marcou a discussão do PPP da EMCP foi a dimensão das bases
que constituiriam o projeto. Como considerá-lo como um conjunto de diretrizes políticas,
administrativas e técnicas, que norteiam a prática pedagógica da comunidade escolar como
um todo, sendo a Escola subordinada à SME por meio da 2ª CRE? Esse primeiro desafio foi
enfrentado quando o sentido de construção participativa, de vontade coletiva que envolve
ativamente os diversos segmentos escolares, ficou claro como sendo uma das primeiras
barreiras pedagógicas a serem enfrentadas.
No corpo desse trabalho tivemos a oportunidade de conhecer os argumentos que
defendiam a tese da imobilidade pedagógica diante das orientações dos órgãos externos e a
tese do convencimento de que a vontade política do professor, com base nas culturas, políticas
e práticas, era o instrumento necessário para propor uma organização escolar, pois
estabeleceria prioridades, definiria estratégias e ações coletivas que estariam voltadas para a
missão e visão da escola.
A utilização do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011) com seus
indicadores, favoreceu a discussão política pedagógica, pois implicou na revisão das culturas,
142
políticas e práticas do grupo, oportunizando uma construção participativa, de vontade coletiva
que envolveu a gestão da escola e seus professores.
Compartilhar decisões e conquistar autonomia foram os temas que marcaram os
argumentos que defendiam uma escolar participativa, capaz de identificar o potencial de
colaboração de todos os segmentos e colocá-los a serviço de uma educação de qualidade, que,
conforme ficou clara na missão e visão da Escola, não se afasta do horizonte da plena
cidadania.
Discutir os indicadores escolhidos no Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW,
2011) coletivamente propiciou a construção de novas relações sociais para a formação da
Escola como espaço público de decisão, capaz de alterar práticas pedagógicas enquanto a
impulsiona para o rumo da qualidade pretendida.
Os argumentos analisados no corpo desta tese basearam-se nas experiências pessoais
dos professores e no contexto social, cultural e institucional do seu cotidiano. Eles
expressaram suas angústias, dúvidas e, até mesmo, surpresas diante das lembranças
compartilhadas.
A tese defendida nessa multiplicidade de argumentos pronunciados esteve
constantemente vinculada ao sentimento de exclusão política daquele grupo, algumas vezes
justificada pela falta de autonomia na produção do seu próprio trabalho. A questão da
autonomia pedagógica e de seu desdobramento nos processos de avaliação foi apontada como
problema típico da escola pesquisada e, acreditamos, típico de qualquer escola pública, por
estarem sujeitas a interferências de órgãos externos.
Na análise dos argumentos enunciados, observamos que a eficácia da luta pela
autonomia pedagógica depende de um esforço por parte dos próprios professores. Por outro
lado, constatamos que esta ação está limitada pelas condições estruturais da rede de ensino a
qual esses professores pertencem. Ou seja, devido às políticas de educação, tendências de
mercado, à comunidade local, à cultura nacional e às questões econômicas, entre outras, a
autonomia do professor pode ser dificultada.
E, em uma época de tantas mudanças, tanto no campo da política quanto no campo
tecnológico, onde algumas inovações ainda não puderam ser apropriadas pela escola, a
revisão estrutural das culturas, políticas e práticas se fizeram necessárias como uma
alternativa para indicar um caminho possível para restabelecer o sentimento de autonomia e
profissionalidade.
Apoiado naquilo que identificamos no contexto das estratégias argumentativas,
colhidas ao longo dos três anos em que estivemos reunidas com as professoras e gestoras na
143
construção do PPP, foi possível responder à questão da pesquisa desde que consideremos os
paradoxos e contradições que emergem dos próprios argumentos.
No que se refere especificamente à autonomia do professor, questão que observamos
como sendo aquela que desencadeia o sentimento de exclusão profissional, pudemos reparar
que sua ausência costuma estar relacionada a dois tipos de argumentos: aqueles que defendem
a tese de que não há espaço para exercê-la, tendo que responder a ordens impostas,
submeter-se a coerções externas, cumprir práticas que não correspondem à sua realidade,
sem espaços para discuti-las ou refletir sobre elas; e aqueles que, por não saberem lidar
com os espaços de autonomia que lhe são oferecidos, possivelmente por não saber
reconhecê-los como tal, resistem ou não querem responsabilizar-se por ações que
possam gerar mais trabalho ou eventuais conflitos e complicações. A autonomia não
seria, dessa forma, uma prática estimulada ou exercida na escola.
Reconhecemos que a meta da argumentação é agir eficazmente sobre as ideias.
Destacamos, ainda, que as condições culturais, políticas e práticas influenciam na realização e
consolidação do ato argumentativo. Sabendo que Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), no
Tratado da Argumentação, a Nova Retórica, não pretendem tratar de tais condições e que sua
proposta é investigar as técnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesão dos
interlocutores, a utilização da perspectiva Omnilética como instrumental analítico mostrou-se
satisfatória para que pudéssemos investigar e conhecer a complexibilidade da construção da
identidade do professor.
Ainda que preparados para desenvolver essa pesquisa, encontramos pelo caminho,
alguns percalços que nos mostraram a necessidade de ajustarmos nossas práticas.
Identificamos como uma barreira própria da prática investigativa, o descompasso entre
o número de pesquisadores disponíveis para substituir os professores envolvidos nos
encontros. A EMCP não possuía, à época, um horário de blocagem para que os professores
pudessem participar de encontros e reuniões pedagógicas. O professor precisava ser
substituído por uma pesquisadora que assumia a regência da turma, continuamente, a cada
reunião do projeto de pesquisa. Essa ação gerava uma tensão entre os participantes do projeto
porque nunca tínhamos certeza de ter o número adequado de pesquisadores para substituírem
os professores. Isso provocava uma flutuação constante no número de professores
participantes do encontro. A gestão da escola, preocupada com essa situação, chegou a
construir um resumo das atividades desenvolvidas naquele dia, comprometendo-se em
divulgar os assuntos ali tratados.
144
Em decorrência dessa dinâmica de substituição de professores, surgiram dúvidas sobre
a melhor ação a ser desenvolvida pelas pesquisadoras a fim de que cada momento vivido na
sala de aula, junto aos alunos, pudesse ser observado, analisado e somado à pesquisa. Alguns
objetivos foram traçados e tornaram-se temas de artigos em anais (GONÇALVES, S et all,
2013; SANTOS, M. et all, 2014), apresentações na JIC/UFRJ (OLIVEIRA, 2013, 2014) e
Monografia - TCC (OLIVEIRA, 2015).
Registramos que, para o exercício da docência, é fundamental que o professor adquira
e desenvolva a consciência política do seu papel na Educação. Ao propormos a perspectiva
Omnilética como referencial analítico, acreditamos que a ação educativa não é neutra, pois
está vinculada às suas culturas, políticas e práticas sociais, bem como às relações de produção,
e ao sistema político e educacional.
Admitimos que os argumentos que defendem a tese do nada fazer enquanto não
houver, por parte da sociedade, um reconhecimento e valorização da profissão docente
costumam encontrar assentimento do auditório. Mas afirmamos, por meio desta pesquisa, que
os argumentos que defendem a tese contrária, isto é, a tese de que a valorização da profissão
docente passa, necessariamente, pelas mudanças culturais, políticas e práticas dos docentes
vêm encontrado aderência favorável do mesmo auditório. Auditório esse composto por
elementos da Universidade que, assumindo a posição de ouvinte, descobrem o grande
potencial político que a classe docente possui.
Dito isso, essa tese sugere para futuros pesquisadores que se interessam pelo tema, que
deem continuidade à investigação sobre a consciência política docente e que cada vez mais
possam validar o espaço da Universidade como um local de repercussão das vozes docentes.
Encerramos esse trabalho anunciando que a EMCP continua construindo e
reconstruindo seu PPP. Ficou entendido para o grupo que o trabalho pedagógico deve ser
pautado numa interação constante entre todos os segmentos da Escola, pois assim acreditam
que ocorrerá um significativo avanço no processo ensino aprendizagem. Haja vista o folder
que a Escola construiu para ser distribuído durante a Reunião de Pais e Mestres. Isso aponta
para o sucesso das transformações ocorridas no campo cultural, político e prático da Escola.
O PPP não se transformou, assim, num documento para ser guardado em algum lugar,
mas numa parte da vida da Escola e uma proposta real para continuar aprendendo e
melhorando.
145
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ZEICHNER, K. M. A formação reflexiva de professores: idéias e práticas. Lisboa: EDUCA,1993.
151
ANEXOS
152
ANEXO 1
Histórico da Escola Municipal Drº Cícero Penna29
Patrono: DR. THEODORICO CICERO FERREIRA PENNA 06/12/1856- 06/12/1920
Dr. Cícero Penna nasceu em Belém do Pará, realizou seus estudos em sua cidade natal,
ingressando a seguir na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, onde concluiu
o curso, transferindo-se para o Rio. Aqui aplicou a maior parte de seus bens e adquiriu vários
imóveis, tornando-se um homem conhecido e admirado pelos gestos de solidariedade humana
e amor à criança, no exercício de sua profissão.
Após seu falecimento deixou seu legado aos descendentes e instituições de caridade.
Dentre tais doações, destacaram-se uma linda chácara na ilha de Paquetá para uma instituição
de cegos, várias casas para fins filantrópicos e o palacete da Avenida Atlântica, em
Copacabana, na Zona Sul da Cidade do Rio de Janeiro, doado à antiga Prefeitura do Distrito
Federal, para que nele se instalasse, constituindo disposição testamentaria, um Jardim de
Infância.
A Escola Municipal Dr. º Cícero Penna, foi concebida no atual molde com 12 salas de
aula e demais instalações indispensáveis a um estabelecimento padrão de ensino para a época,
em 31 de agosto de 1965, substituindo a antiga Escola Municipal Dr.º Cícero Penna infantil.
A Escola Municipal Dr. º Cícero Penna encontra-se em área urbanizada, de grande
movimento turístico, e conta com o patrulhamento da Ronda Escolar e Guarda Municipal,
nos horários de grande movimentação dos alunos, principalmente na troca de turnos.
Conta com as Parcerias do Instituto Roma - Parceiros da Educação, desde maio de
2010; da Sociedade de Psicanálise da Cidade do Rio de Janeiro, no Jardim
Botânico, que mantém acompanhamento psicológico voluntário dentro do espaço escolar
para alunos, professores e responsáveis, desde 2007.
Em 1995, atendeu aos alunos da Classe de Alfabetização e de Primeira a Oitava
Séries.
Em 2003, passou a ter alunos da Educação Infantil a Oitava Série.
29 Retirado do Projeto Político Pedagógico da EMCP.
153
Atualmente, atende crianças da Educação Infantil, entre 4 e 5 anos; do Ensino
Fundamental I do 1º ao 5ª ano com até 11 anos; do Ensino Fundamental II o 6º ano, ambos
em dois turnos; o PEJA- 1.
154
ANEXO 2
155
156
ANEXO 3
MAPA CONCEITUAL
157
ANEXO 4
FOLDER