UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA – FACULDADE DE DIREITO
2010
Hermenêutica Jurídica Matéria de hermenêutica dada durante o
primeiro período.
U N I V E R S I D A D E F E D E R A L D E J U I Z D E F O R A – F A C U L D A D E D E D I R E I T O
2 Sumário
Sumário
i. Hermenêutica e Interpretação do Direito p.3
ii. Hermenêutica lato sensu e stricto sensu p.6
iii. Hermenêutica Filosófica p.6
iv. Hermenêutica Constitucional p.7
v. Cânones Hermenêuticos p.9
vi. Tipos de interpretação ou métodos hermenêuticos p.12
vii. Desafio Kelseniano p.14
viii. Voluntas legis e voluntas legislatoris p.14
Bibliografia p.17
3 Hermenêutica e Interpretação do Direito
I- Hermenêutica e Interpretação do Direito Hermenêutica: a teoria científica da arte de interpretar .
No mundo do Direito, hermenêutica e interpretação constituem um dos muitos
exemplos de princípios e aplicações. Enquanto a hermenêutica cuida da teoria e visa
estabelecer princípios, critérios e métodos, orientações gerais, a interpretação é de
cunho prático, aplicando os ensinamentos da hermenêutica.
Interpretar é o ato de explicar o sentido de alguma coisa. É revelar o significado de
expressão verbal, artística ou constituída por um objeto, atitude ou gesto. O trabalho do
intérprete é o de decodificar e, para isto, percorre inversamente o caminho seguido pelo
codificador. Interpretar o Direito significa revelar o seu sentido e alcance. Temos assim:
revelar o seu sentido: a lei que concede férias anuais ao trabalhador tem o significado, a
finalidade, de proteger e beneficiar a saúde física e mental do trabalhador; fixar o
alcance das normas jurídicas: significa delimitar o seu campo de incidência. Então,
Interpretar o Direito é revelar o sentido e o alcance de suas expressões. Fixar o sentido
de uma norma é descobrir a sua finalidade, é pôr descobertos os valores consagrados
pelo legislador, o alvo que ele buscava proteger; e fixar o alcance é demarcar o campo
de incidência da norma jurídica, é conhecer sobre os fatos sociais em que circunstancia
a norma jurídica tem aplicação. Interpretar o Direito é conhecê-lo; conhecer o Direito é
interpretá-lo.
A interpretação pode ter dupla finalidade: teórica e prática. É teórica quando assume
como foco o esclarecimento de determinado assunto (norma), como é próprio da
doutrina. É prática quando se destina à administração da justiça e aplicação nas relações
sociais.
Atualmente, no âmbito doutrinário dos tribunais, existe a chamada Interpretação
conforme a Constituição, segundo a qual sempre que a norma jurídica oferecer mais de
um sentido e um deles for contrario a lei maior, apenas este deverá ser considerado
inconstitucional. Este princípio é mais uma aplicação do Direito do que uma
interpretação.
A Hermenêutica do texto normativo busca a intelecção desse texto: a vontade da norma,
voluntas legis, seu sentido, ratio e mens legis.
A Hermenêutica da norma jurídica, restringindo o campo das normas, chegando em
Hermenêutica das normas jurídica escritas, a lei que é o núcleo da Hermenêutica.
Pelos cânones hermenêuticos, busca-se o sentido das normas jurídicas, busca-se a ratio
legis da causa objetiva da elaboração da lei, motivo do legislador e finalidade da lei.
A hermenêutica é uma totalidade, não se escolhe um único método ou cânone, todos
devem ser usados sincronizadamente. Um problema apontado pelos os juristas é que a
hermenêutica possui uma quantidade grande de métodos e cânones que podem levar a
4 Hermenêutica e Interpretação do Direito
resultados diferentes, não existe uma hierarquia entre eles. Argumenta-se que o Direito
por ser uma Ciência do Espírito1, e não uma ciência exata, têm-se então uma margem
de analise. No que tem valor (homem) não existe exatidão.
O ideal é o uso de todos os métodos em busca de um consenso entre seus resultados,
sem desprezar as regras da argumentação, que junto com os cânones hermenêuticos
buscam uma maior objetividade interpretativa no maior nível possível ao Direito.
A Hermenêutica Jurídica é um processo intelectivo do entendimento (busca a vontade
da norma) com a finalidade prática de resolver conflitos (razão destinada ao agir
humano). As normas jurídicas são um esquema de interpretação da realidade, criadas a
partir da interpretação da realidade, por isso, a Hermenêutica Jurídica faz uma meta-
interpretação do Direito, já que na verdade ela interpreta a realidade (a norma jurídica
interpreta a realidade e a Hermenêutica Jurídica por sua vez interpreta a norma, com
isso, a Hermenêutica Jurídica acaba por interpretar indiretamente a realidade).
A técnica jurídica é a técnica de elaboração da norma (ênfase na axiologia jurídica) e a
de aplicação das normas (usando a Hermenêutica Jurídica para interpretar essa norma).
Na busca pelo sentido da norma a uma negação da aparência (igualdade formal)
buscando a essência (sentido da norma), sempre de forma dialética, pois uma não existe
sem o outro.
O limite da Hermenêutica Jurídica são os princípios da isonomia (tratamento de todos
igualmente perante a lei) e o da segurança jurídica.
Na primeira metade do século XX houve a inspiração privatista da Hermenêutica
Jurídica da relevância dos códigos. A primeira forma de interpretação da norma
jurídica foi à exegese (privatista – código napoleônico). Houve importação da
interpretação privatista e, com ela, tem se menor busca do aspecto axiológico e o rígido
raciocínio silogístico do intérprete. O âmbito de incidência de uma norma no regime
privado é muito reduzido – valor axiológico menor, atingindo com menor perquirição
(investigação) e o raciocínio silogístico mais forte, fica mais nítida a aplicação da
norma. A hermenêutica privatista tem um estudo exclusivamente lógico analítico-
descritivo (dedução, separação e descrição) do Direito. Nessa interpretação não se busca
uma atualização da lei com sua valoração axiológica, busca-se a aplicação da letra da lei
(corpus legis), também não existe uma busca em contextualizar a lei na nova realidade,
é uma interpretação atrelada aos códigos, estrita e literal, digna do movimento
exegético. Existe no movimento exegético uma tentativa conservadora de perpetuação
do status quo2. E a posição da doutrina positivista, que afirma a neutralidade da
pretensão da lei, descartando a moral e os juízos de valor, e colocando como correto
uma mera aplicação mecânica da lei, com aplicador neutro, com uma crença cega nas
normas positivadas.
1 Ciência Humana, que trata de conteúdo do homem, e não uma Ciência exata.
2 Estado atual das coisas
5 Hermenêutica lato sensu e stricto sensu
A compreensão da ratio legis da lei advém da construção de sentido do corpus legis e na
medida em que a ratio legis é compreendida a lei é atualizada. O Círculo Hermenêutico
– que apesar de ser chamado de círculo tem seu formato em espiral – defende a idéia
que “ao mesmo tempo em que o sujeito influência o objeto, o objeto influência o
sujeito.”
Como já disse anteriormente a crítica feita a Hermenêutica Jurídica é a possibilidade de
resultados discrepantes, porque o processo hermenêutico não é dotado de exatidão, não
existe exatidão nas Ciências Humanas. A crítica não atinge a Teoria da Argumentação,
porque é meramente formal, não gera determinado conteúdo, como faz a Hermenêutica
Jurídica. Uma das respostas a essa crítica é que na ciência não existem conclusões
absolutas, imutáveis, permanentes, porque (1) a ciência é baseada na refutabilidade das
verdades que constrói, devido à (2) a falibilidade intrínseca do consenso, da verdade, a
racionalidade vai descobrindo aos poucos as verdades da natureza, no momento da
refutação uma verdade é desconstruída com a construção de outra, enriquecida,
evidenciando assim (3) a processualidade dialética da ciência. Aquilo que foi
alcançado na singularidade de um momento no desenvolvimento científico, passa a ser a
universalidade de outro processo hermenêutico, do qual surge outra conclusão, há de
que, não há dogmaticidade, há refutabilidade.
A objetivação crescente da interpretação da norma jurídica se dá tanto no
desenvolvimento de métodos hermenêuticos quanto na elaboração de regras da
argumentação jurídica. Não se consegue uma exatidão, mas se consegue o máximo de
objetivação, objetividade, no ponto de vista do conteúdo e no ponto de vista
procedimental, formal, estrutural, tentando sempre fugir das arbitrariedades das
decisões.
O importante de um resultado científico é que ele seja comprovável, demonstrável, e
não que seja definitivo. E ele é comprovável e demonstrável mediante a utilização de
regras e critérios, que devem ser revelados de forma que qualquer sujeito possa chegar
aos mesmos resultados utilizando-os, daí a universalidade.
No poder legislativo têm-se normas abstratas que possibilitam a realização do direito no
poder judiciário, tem-se a aplicação da norma com sentido axiológico que possui no
instante de sua incidência nas relações jurídicas concretas. Existe uma concretização das
normas e uma concretização da sua aplicação na sociedade – regulando pelo silogismo
jurídico, materializando, concretizando a abstração (os dois momentos são necessários e
possuem sentido axiológico-original e o posterior-duplo e amplo).
II- Hermenêutica lato sensu e stricto sensu
6 Hermenêutica Filosófica
Ao explicar extensivamente, de forma simples, podemos dizer que a hermenêutica lato
sensu analisa a obra humana, da cultura, buscando seu sentido. Enquanto, a
hermenêutica stricto sensu dirige-se as palavras, signo dos signos, que são conhecidas
como signos dos signos porque são sinais de pensamento, que por sua vez são sinais de
realidade.
Segundo o dicionário jurídico RG-FENIX a expressão lato sensu significa: “no sentido
amplo, ou geral. Diz-se da interpretação extensiva por oposição a stricto sensu.”
Este mesmo dicionário define stricto sensu sendo: “no sentido estrito, literal, exato ou
próprio; que não admite interpretação extensiva. Diz-se da exegese em que o tempo é
tomado na verdadeira acepção jurídica. O mesmo que sensu stricto. Por oposição a
lato sensu.”
Na hermenêutica stricto sensu podemos dizer que se pensa a realidade através das
palavras, existe um processo interior, e se exterioriza o pensamento também através das
palavras. Portanto, temos uma duplicidade do uso das palavras, usadas tanto no
processo de interiorização, quanto no processo de exteriorização.
III- Hermenêutica Filosófica
A Hermenêutica Filosófica nada mais é que a interpretação do homem, que busca o
significado do próprio ser que interpreta, o sujeito é o intérprete e o interpretado. Como
expoentes desta corrente, temos Heidegger e Gadamer.
Esse tipo de hermenêutica não procura entrar no objeto que o homem faz, somente
interroga sobre o sujeito, indagando perguntas como: o que é o homem?
Interpretativamente realiza-se um processo de compreensão, que busca a revelação do
sentido da realidade cultural.
Como já foi dito, a hermenêutica é o processo de interpretação. O objeto da
Hermenêutica Filosófica é o sentido do ser, da realidade produzida pelo ser e o
resultado é a compreensão desse sentido, do homem. É a compreensão da totalidade da
realidade, entendendo que o homem a integra de forma a buscar o sentido de ambos. Na
Hermenêutica Filosófica, não há distanciamento entre sujeito e objeto, do ser que
interpreta para o ser interpretado, existe um movimento, que é chamado de círculo
hermenêutico, que é o processo que temos as seguintes características:
a. Exteriorização do indivíduo e a interiorização do interpretado. Este movimento
ocorre porque, para que se entenda algo, é necessário se exteriorizar tentando
compreender e interiorizar essa compreensão, num processo circular;
b. O intérprete modifica a realidade interpretada e, ao mesmo tempo, modifica a si
próprio. Dá sentido à realidade, modificando-a e também se modifica, pois
ganha conhecimento, ocorre um enriquecimento, também em um processo
circular;
7 Hermenêutica Constitucional
c. Existe também a chamada pré-cognição, onde o que ocorre é que toda a coisa é
mediatizada pelo conhecimento social que já se tem. Quando se conhece algo
novo, já se tem conhecimento prévio sobre o mundo, a experiência.
Conhecimento social em determinado momento histórico, e não individual. E a
coisa nova é inserida no nosso conhecimento, mas mediatizada pelo o que já
conhecemos;
d. Com isso, ocorre um rompimento da distancia entre o horizonte cultural da
elaboração da obra produzida, e aquele presente quando dá sua interpretação, a
aplicação. Tem-se uma obra produzida, que quando vai ser interpretada é trazida
para o presente, circularidade hermenêutica.
Podemos dizer então que ao mesmo tempo em que o sujeito influência o objeto, o
objeto influência o sujeito, e que, a compreensão e a pré-compreensão são históricas, e
necessitam do contexto. A linguagem, como bem diz Gadamer, está tanto no
pressuposto quanto no fim da compreensão.
Embora a terminologia seja Círculo Hermenêutico, o que realmente ocorre, assim como
no movimento dialético, é um movimento em espiral.
(U) Inserção de uma nova obra no conhecimento
(P) Negação dessa obra, porque é desconhecida
(S) A norma é inserida, entra no conhecimento prévio e não é mais
desconhecida
A compreensão é, então, um processo de síntese da universalidade, da totalidade da
cultura. É a busca do alcance do sentido da universalidade da cultura. Enquanto a
explicação é a analise do todo em partes, a separação não só do sujeito e do objeto,
como do próprio objeto que é dividido para que se atinja a essência. É então um
processo analítico. A compreensão vai além, pois ela busca já na essência o conceito
daquilo que será compreendido.
IV- Hermenêutica Constitucional
A Hermenêutica Constitucional recebeu importância a partir da segunda guerra
mundial, quando foram criados os Tribunais Constitucionais. Teve-se o reconhecimento
da normatividade de valores e princípios constitucionais. Os valores estão inseridos nos
princípios.
Uma questão que dificulta a Hermenêutica Constitucional é a vagueza, generalidade e
imprecisão dos preceitos da Constituição, tendo em vista que ela é o material fundante
do nosso ordenamento jurídico e vai sendo concretizada aos poucos. As normas
constitucionais têm uma maior flexibilidade de interpretação, devido à sua maior
8 Hermenêutica Constitucional
complexidade. A interpretação tem que ser mais rica, mais detalhada, para que se
consiga chegar à objetividade.
Todas as normas dispostas na Constituição têm o mesmo nível formal, mas existe uma
diferença com respeito aos seus respectivos níveis axiológicos. Existe uma estrutura
axiológica diferenciada dentro da própria Constituição, de pesos do seu conteúdo
normativo. Tudo é constitucional, mas alguns estão em uma posição axiológica superior
ao que demais é dito, v.g., Direitos Fundamentais.
O Princípio da proporcionalidade3 não é positivado, é um princípio geral do Direito
(recente). É utilizado na solução de colisão principiológica e, especialmente, em casos
de colisões entre princípio fundamentais, pois, eles reúnem a condensação axiológica
máxima em um ordenamento jurídico e, dentro dos Direitos Fundamentais, são
princípios tão amplos que entram em choque entre si, v.g., Princípio da Igualdade e da
Liberdade.
O Princípio da Hierarquização axiológica está “junto” com o da proporcionalidade
porque a finalidade é a mesma, só que, enquanto no da proporcionalidade tem-se as três
máximas, nesse se busca, no caso concreto, a identificação do princípio superior para a
resolução do caso (colisão) mediante a hierarquização dos valores em questão, que são
hierarquizáveis, mas sem exatidão, especialmente no caso concreto, com circunstâncias
fáticas de cada caso.
Pelo Princípio axiológico estabelece-se a hierarquia entre as normas constitucionais. A
declaração dos Direito Fundamentais prefere (é superior) a todas as demais normas
constitucionais. Este princípio analisa o peso valorativo de cada norma, fazendo uma
declaração de maior peso a umas e menor a outras.
O Principio Político questiona e avalia aas concepções de regime liberal de Estado
(propriedade privada tida como valor essencial) ou regime social (igualdade com
primeiro valor). Ambos são baseados na liberdade (só necessitam de estar na
Constituição).
Desses princípios decorrem em relação à Hermenêutica dos Direitos Fundamentais, os
Princípios da ponderabilidade, imediatidade e extensabilidade.
O Princípio da ponderabilidade é a terceira máxima do Princípio da
proporcionalidade, que é aplicada aos Direitos Fundamentais. Os Direitos
Fundamentais tem maior peso na constituição que as demais normas nela escritas, isso
quer dizer que, na Constituição existe somente igualdade formal, e não igualdade
3 (1) Modalidade indicadora de que a severidade da sanção deve corresponder à maior ou menor
gravidade da infração penal. Quanto mais grave o ilícito, mais severa deve ser a pena. A idéia foi defendida por Beccaria em seu livro Dos Delitos e das Penas e é aceita pelos sectários das teorias relativas quanto aos fins e fundamentos da pena. (2) O princípio da proporcionalidade tem o objetivo de coibir excessos desarrazoados, por meio da aferição da compatibilidade entre os meios e os fins da atuação administrativa, para evitar restrições desnecessárias ou abusivas. Visa-se, com isso, a adequação entre os meios e os fins, vedando-se a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público.
9 Cânones Hermenêuticos
axiológica, existindo normas com maior peso valorativo do que outras, v.g., Direitos
Fundamentais. O Estado Democrático de Direito tem os Direitos Fundamentais como
razão de ser e, para sua concretização, se institucionalizou a organização política do
Estado Democrático de Direito, daí a finalidade ética desse Estado Democrático.
Existe uma diferenciação axiológica do Direito no ordenamento (Constituição no topo,
o resto adequado a ela), possibilitando a solução de conflitos da Hermenêutica
Constitucional (interpretação do texto constitucional). Quando falamos da hierarquia
dos Direitos Fundamentais é necessário entender o uso da ponderação, tendo em vista
que, esta é a principal arma do intérprete mediante ao caso de uma colisão de normas
jurídicas, especialmente princípios jurídicos. Outra idéia que deve ser lançada e
assimilada é a seguinte: só podem ser restrições aos Direitos Fundamentais os próprios
Direitos Fundamentais, já que estes estão no topo do ordenamento jurídico,
demonstrando sua totalidade necessária e eficácia absoluta.
O Princípio da imediatidade diz que as normas declaradas Direitos Fundamentais
independem de regulação intermediária, porque a partir da sua declaração tem-se a
outorga imediata dos Direitos Fundamentais, com acesso imediato do sujeito de Direito
aos órgãos encarregados de sua garantia e efetividade, mesmo sendo muito mais gerais e
abstratos.
O Poder Judiciário é o órgão competente para efetivar os Direitos imediatamente,
porque ele determina o cumprimento da norma jurídica, sendo que, em caso de lacuna,
há a criação de uma norma individualizada a partir da decisão no caso concreto, realiza-
se a integração do Direito. Embora não haja completude, existe completabilidade, isso
quer dizer que o Direito é completável.
O Princípio da extensabilidade das normas dos Direitos Fundamentais significa que a
interpretação deles deve ser a mais ampla possível para sua mais extensa concretização.
No momento de se interpretar os Direitos Fundamentais é necessário lembrar-se de que
o seu conteúdo é mais amplo, geral e abstrato, sendo assim, deve-se buscar todo o
alcance lógico e axiológico da norma jusfundamental, para que se tenha a maior
aplicação possível, devido a sua maior relevância. Para que estes cuidados sejam
seguidos há o recurso aos princípios implícitos (ordenamento jurídico no seu todo) e os
princípios explícitos (os positivados) para a interpretação da Constituição.
V- Cânones Hermenêuticos
a) Cânone da objetividade: tem como finalidade essencial a consideração da
autonomia da expressão lingüística. Quando a norma é expressa ganha
autonomia (vida própria), se decola do sujeito que a declarou, alguns autores
chegam a dizer que a norma é mais sabia que o legislador, pois ela pode regular
casos que nem o legislador, que a criou, poderia imaginar.
10 Cânones Hermenêuticos
“Uma norma legal, uma vez emanada, desprende-se da pessoa
do legislador, como uma criança se livra do ventre materno. Passa a
ter vida própria, recebendo e mutuando influências do meio
ambiente, o que importa na transformação de seu significado.” 4
Gabriel Saleilles
O que realmente importa então é a voluntas legis5, pois há uma superação da
subjetividade originaria da norma jurídica, a norma assume identidade própria.
Uma vez existente a lei deve ir além da voluntas legislatoris6, pois ela passa a
ser autônoma.
Existe uma busca da ratio legis7 segundo a ratio iuris
8. Há uma necessidade de
atualização normativa, havendo um distanciamento e independência da norma
jurídica com relação ao seu autor (a norma não pode ficar presa a voluntas
legislatoris, não pode se limitar à ratio legis do momento de sua criação, pois o
tempo passa e os textos envelhecem). O elemento subjetivo é essencial à
interpretação, porque é o sujeito que a realiza.
Pode-se dizer que a mens legis9 adquire mais valor do que a corpus legis ou
verba legis10
, porque no pensamento da lei existe objetividade, autonomia, ela dá
o sentido e é o critério externo pelo qual o intérprete deve se pautar.
b) Cânone da totalidade: É um cânone que assim como o primeiro tem em mente
a melhor compreensão das propostas. A idéia deste cânone é simples: as partes
devem ser interpretadas em função do todo, e de que, o todo deve ser descrito a
partir de uma combinação harmônica das partes.
4 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Bushatsky, 1974.
5 Latim; vontade da lei, o objetivo da lei. NUNES, Rodrigues. Dicionário Jurídico RG-Fenix. São Paulo:
Editores Associados, 1994. 6 Latim; a vontade, intenção do legislador. NUNES, Rodrigues. Dicionário Jurídico RG-Fenix. São Paulo:
Editores Associados, 1994. 7 Latim; a razão da lei; os motivos que a determinaram; o fim visado pelo legislador. NUNES, Rodrigues.
Dicionário Jurídico RG-Fenix. São Paulo: Editores Associados, 1994. 8 Latim; significa razão de direito. Motivo, razão que o hermeneuta encontra no direito vigente para
justificar a interpretação ou solução, que dá a uma regra jurídica ou a certo caso concreto. O fim do direito, a inteligência da lei, a lógica Jurídica. NUNES, Rodrigues. Dicionário Jurídico RG-Fenix. São
Paulo: Editores Associados, 1994. Outra explicação que me foi apresentada pela Prof.ª Claudia Toledo coloca a ratio iuris como a razão do ordenamento. 9 Latim; é o sentido, a inteligência, o espírito da lei, a sua finalidade precípua. Deve sempre superpor-se à
verba legis, às palavras, à letra da lei. NUNES, Rodrigues. Dicionário Jurídico RG-Fenix. São Paulo: Editores Associados, 1994. 10
Latim; as palavras da lei. NUNES, Rodrigues. Dicionário Jurídico RG-Fenix. São Paulo: Editores Associados, 1994. A expressão corpus legis é interpretada por muitos como: letra da lei, ou forma, ou corpo da lei.
11 Cânones Hermenêuticos
A compreensão da norma é sempre provisória e vai se aperfeiçoando com a
extensão do discurso no tempo, tornando-se mais rica. No momento final tem a
reunião conjunta dos elementos singulares com maior precisão e clareza do
resultado (quanto melhor se compreender o sentido das partes mais preciso e
claro é o resultado).
A totalidade busca conformidade lógica e axiológica da lei com todo o
ordenamento jurídico, considerando-o como um todo sistemático e não uma
simples soma de partes. Há um dever de coerência quando se analisa o todo,
buscando assim a não contradição das normas, gerando sempre uma
preocupação em não gerar e tentar eliminar as antinomias.
Há preponderância dos princípios gerais do Direito (explícitos ou implícitos)
sobre o costume na interpretação da lei (Direito codificado). Pela totalidade se
busca o princípio da universalidade, buscando uma interpretação não
casuística11
, utilizando a mesma norma para casos semelhantes em sua
relevância – mesma ratio legis.
c) Cânone da atualidade: O intérprete não deve apenas entender o sentido
original do texto normativo, mas reconstruí-lo de forma com que se adapte
melhor ao novo contexto, a nova realidade. A interpretação é feita pelo
intérprete na sociedade contemporânea, por isso traz a norma para o presente.
Ocorre uma junção dos dois horizontes do Círculo Hermenêutico, elaboração e
aplicação. A ratio legis do momento da elaboração da norma deve se adequar as
novas necessidades do contexto atual em que a norma vigora. Os textos
normativos tendem a envelhecer por motivos externos, de forma que a lei tem
que ser atualizada para não perder sua plena eficácia.
A atualização não representa à mera presentificação da norma, há a comunhão
dialética entre duas culturas, não existe uma negação do passado, mas sua
conjunção no presente.
Na relação dialética tem-se a fidelidade ao pensamento original em confronto
com a exigência de renovação advinda da atualidade do conhecer. Deve-se fugir
do arbítrio, porque a atualidade é um método científico, que exige a
fundamentação racional.
d) Cânone da adequação: É a consonância da mens legis com a totalidade do
ordenamento. O que ocorre então é uma combinação harmônica dos cânones
hermenêuticos, de modo que se consiga alcançar o seu sentido, considerando a
11
A casuística segundo Karl Larenz é aquela situação em que para se chegar à solução de um problema jurídico buscam-se fundamentos na equidade do juiz, é uma solução decisionista, de forma que a decisão é dada pelo o que é considerado justo pelo juiz, ou de outra autoridade a qual é reservada a competência de decisão. A decisão casuística é marcada pela arbitrariedade.
12 Tipos de interpretação ou métodos hermenêuticos
riqueza de cada cânone. Para que essa consonância entre atualidade,
objetividade e totalidade aconteça harmonicamente e de modo eficaz é
necessário coerência entre eles.
Da utilização dos quatro cânones hermenêuticos consegue-se chegar aos tipos de
interpretação, que por sua vez, são usados também como métodos hermenêuticos.
VI- Tipos de interpretação ou métodos hermenêuticos
i. Interpretação literal ou gramatical: Citarei dois trechos de renomados autores
que definem bem esse tipo de interpretação.
“Na interpretação literal ou gramatical o dever do intérprete é
analisar o dispositivo legal para captar seu pleno valor expressional.
A lei é uma declaração da vontade do legislador e, portanto, deve
ser produzida com exatidão e fidelidade. Para isto, muitas vezes é
necessário indagar do exato sentido de um vocábulo ou do valor das
proposições do ponto de vista sintático.”
REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito.
“Em se tratando de Direito escrito é pelo elemento gramatical que
o intérprete toma o primeiro contato com a proposição normativa [...]
O elemento gramatical compõe-se da analise do valor semântico das
palavras empregadas no texto, da sintaxe, da pontuação etc. [...]
Modernamente, a crítica que se faz a esse elemento não visa, como
é natural, à sua eliminação, mas à correção dos excessos que
surgem com a sua aplicação. Objetiva-se evitar o abuso daqueles
que se apegam à literalidade do texto, com prejuízo à mens legis.”
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do Direito.
ii. Interpretação lógico-sistemática: Para definir esse método hermenêutico
também utilizarei um trecho de Reale.
“Cada artigo de lei se situa em um capítulo ou em um título e seu
valor depende de sua colocação sistemática. É preciso, pois,
interpretar as leis segundo seus valores lingüísticos, mas sempre
situando-as no conjunto do sistema. Esse trabalho de compreensão
de um preceito, em sua correlação com todos que com ele se
articulam logicamente, denomina-se interpretação lógico-sistemática.
[...] Interpretar logicamente um texto de Direito é situá-lo ao
mesmo tempo no sistema geral do ordenamento. A nosso ver, não
13 Tipos de interpretação ou métodos hermenêuticos
se compreende, com efeito, qualquer separação a interpretação
lógica da sistemática. São antes aspectos de um mesmo trabalho de
ordem lógica, visto como as regras de direito devem ser entendidas
organicamente, estando umas na dependência das outras, exigindo-
se reciprocamente através de um nexo que a ratio iuris explica e
determina.”
REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito.
iii. Interpretação histórico-evolutiva: A explicação deste tipo de interpretação
será feita com trechos de Reale e Nader.
“[...] Gabriel Saleilles, deu claros contornos à teoria da
interpretação histórico-evolutiva. Segundo essa doutrina, uma norma
legal, uma vez emanada, desprende-se da pessoa do legislador,
como uma criança se livra do ventre materno. Passa a ter vida
própria, recebendo e mutuando influencias do meio ambiente, o que
importa na transformação de seu significado.”
REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito.
“Como força viva que acompanha as mudanças sociais, o Direito se
renova, ora aperfeiçoando os institutos vigentes, ora criando outros,
para atender o desafio dos novos tempos. [...] A evolução da ciência
nunca se faz mediante a saltos, mas através de conquistas graduais,
que acompanharam a evolução cultural registrada em cada época.
[...] Quanto mais antigo for o trabalho preparatório, menos valor
oferecerá, pois terá retratado fatos de uma sociedade mais distante.”
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do Direito.
iv. Interpretação Teleológica: Destacarei trechos de Nader e Ferraz Jr.
“Na moderna hermenêutica o elemento teleológico assume um
papel de primeira grandeza. Tudo que o homem faz e elabora é em
função de um fim a ser atingido. A lei é obra humana e assim
contém uma idéia de fim a ser alcançado. Na fixação do conceito e
alcance da lei, sobreleva de importância o estudo teleológico, isto é,
o estudo dos fins colimados pela lei. [...], o fato teleológico investiga
os fins que a lei visa atingir. Quando o legislador elabora uma lei,
parte da idéia do fim a ser alcançado. Os interesses sociais que
pretende proteger, inspiram a formação dos documentos legislativos.
Assim, é natural que no ato da interpretação se procura avivar os
fins que motivaram a criação da lei, pois nessa descoberta estará a
revelação da mens legis. [...] Os fins das leis se revelam através dos
diferentes elementos de interpretação.”
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do Direito.
14 Desafio Kelseniano
Uma típica interpretação teleológica e axiológica é a que se postulam fins e se
valorizam situações.
“A interpretação teleológica e axiológica ativa a participação do
intérprete na configuração do sentido. Seu movimento interpretativo,
inversamente ao da interpretação sistemática que também postula
uma cabal e coerente unidade do sistema, parte das conseqüências
avaliadas das normas e retorna para o interior do sistema. É como
se o intérprete tentasse fazer com que o legislador fosse capaz de
mover suas próprias previsões, pois as decisões dos conflitos
parecem basear-se nas previsões de suas próprias conseqüências.
Assim, entende-se que, não importa a norma, ela há de ter, para o
hermeneuta, sempre um objetivo que serve para controlar até as
conseqüências da previsão legal (a lei sempre visa aos fins sociais
do direito e às exigências do bem comum, ainda que, de fato, possa
parecer que eles não estejam sendo atingidos).”
FERRAZ JR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito.
VII- Desafio Kelseniano
É necessário, no plano da hermenêutica, um princípio que impeça o recuo ao infinito,
pois, uma interpretação cujo os princípios fossem mantidos sempre em aberto
bloquearia a obtenção de uma decisão. E, ao mesmo tempo, pela própria natureza do
discurso normativo, o sentido do conteúdo das normas é sempre aberto. Tais
características fazem com que o ato interpretativo dogmático se veja aprisionado dentro
de uma correlação instável entre dogma e liberdade, isto é, entre um ponto objetivo,
v.g., a necessidade de determinar objetivamente os pontos de partida, e um ponto
subjetivo, v.g., de ao final, sempre se encontrarem diversos sentidos.
Esse impasse, onde ocorre essa relação de tensão entre dogma e liberdade constitui o
que chamamos de o desafio kelseniano.
VIII- Voluntas legis e voluntas legislatoris
Essa é um dos temas mais polêmicos da ciência jurídica. Essa oscilação entre fator
subjetivo – voluntas legislatoris – e fator objetivo – voluntas legis ou espírito do povo –
foi, e vem sendo digno de estudo sendo considerado um ponto nuclear para entender o
desenvolvimento da ciência jurídica como teoria da interpretação.
15 Voluntas legis e voluntas legislatoris
Em meados do século XIX, ocorre, assim, na França e na Alemanha, uma polêmica. De
um lado aqueles que defendiam uma doutrina restritiva da interpretação, cuja a base
seria a vontade do legislador, a partir da qual, com auxílio de análises lingüísticas e de
métodos lógicos de inferência, seria possível construir o sentido da lei (“Jurisprudência
dos Conceitos”, na Alemanha, e “Escola da Exegese”, na França). De outro lado, foram
aparecendo aqueles que sustentavam que o sentido da lei repousava em fatores
objetivos, como os interesses em jogo na sociedade (“Jurisprudência dos Interesses”,
Alemanha), até que, já no final do século XIX e inicio do século XX, uma forte
oposição ao “conceptualismo” desemboca na chamada escola da “libre recherche
scientifique” (livre pesquisa científica) e da “Freirechtsbewegung” (movimento do
direito livre) que exigiam que o intérprete buscasse o sentido da lei na vida, nas
necessidades e nos interesses práticos. Desenvolvem-se, nesse período, métodos
voltados para a busca do fim imanente do direito (método teleológico), ou de seus
valores fundantes (método axiológico), ou de suas condicionantes sociais (método
sociológico), ou de seus processos de transformação (método axiológico-evolutivo), ou
de sua gênese (método histórico) etc.12
Um modo didático que se usa para expor melhor e facilitar a compreensão do que é dito
consiste em uma separação em dois grupos. Método e objeto aparecem como questões
correlatas. Do ângulo do objeto, o direito é visto como a positivação de normas dotadas
de sentido. Do ângulo do método, temos o problema de como e onde captar esse
sentido. Devido a isto, podemos dividir a doutrina em duas correntes que, embora não
se separem com muita nitidez, podem ser separadas didaticamente conforme o
reconhecimento ou da voluntas legis ou da voluntas legislatoris. Chamamos a primeira
de objetivista e a segunda de subjetivista.
A doutrina subjetivista insiste em que, sendo a ciência jurídica, um saber dogmático (a
noção de dogma enquanto um princípio arbitrário, derivado de vontade do emissor de
norma lhe é fundamental), é, basicamente uma compreensão do pensamento do
legislador; portanto, interpretação ex tunc (desde então, isto é, desde o aparecimento da
norma pela positivação da vontade legislativa), ressaltando-se, em consonância, o papel
preponderante do aspecto genético e das técnicas que lhe são apropriadas (método
histórico). Já para doutrina objetivista a norma goza de um sentido próprio, pode se
dizer que, os seguidores dessa corrente acreditam na autonomia da norma, do seu
desvinculamento com o legislador depois de sua criação, esse sentido próprio da norma
é determinado por fatores objetivos (o dogma é um arbitrário social),
independentemente até certo ponto do sentido que lhe tenha querido dar o legislador,
donde a concepção da interpretação como compreensão ex nunc (desde agora, isto é,
tendo em vista a situação e o momento atual de vigência), aonde se dá ênfase no papel
preponderante dos aspectos estruturais em que a norma ocorre e as técnicas apropriadas
a sua captação (método sociológico). Assim, levado ao extremo, podemos dizer que o
subjetivismo favorece certo autoritarismo personalista, ao privilegiar a figura do
12
FERRAZ JR, T. S. (2010). Introdução ao estudo do Direito: Técnica, decisão, dominação.
São Paulo: Atlas. (p. 232)
16 Voluntas legis e voluntas legislatoris
legislador, pondo a sua vontade em relevo. Por sua vez, o objetivismo, também levado
ao extremo, favorece certo anarquismo, pois estabelece o predomínio de uma equidade
duvidosa dos intérpretes sobre a própria norma ou, pelo menos, desloca a
responsabilidade do legislador, na elaboração do direito, para os intérpretes ainda que
legalmente constituídos, chegando-se a afirmar, como fazem alguns realistas
americanos, que o direito é “o que os tribunais decidem” 13
.
13
FERRAZ JR, T. S. (2010). Introdução ao estudo do Direito: Técnica, decisão, dominação.
São Paulo: Atlas. (p. 234)
17 <Bibliografia
Bibliografia FERRAZ JR, T. S. (2010). Introdução ao estudo do Direito: Técnica, decisão,
dominação. São Paulo: Atlas.
NADER, P. (2008). Introdução ao estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense.
NUNES, R. (1994). Dicionário Jurídico RG-FENIX. São Paulo: Editora Associados.
REALE, M. (1974). Lições preliminares de direito. São Paulo: Bushatsky.