8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 1/58
.
.
() BARROCO
.Victor L. Tapié
O livro ora em mãos do leitor, O Barroco de Victor-L.
Tapi6,
é
parte de uma série, Atualização Cultural , que objcti·
va oferece
r-
nos
l
m balanço, seguido de visão crítico bem (un·
damentacla, de assuntos bastan te vivos nos dias que
co
rrem.
Dividido em duas secções, Concepções Barrocas e
Expe
riên·
cias Barrocas , o volume examina esse fenômeno de arte nota
damente nos séculos XVII c XVII I, sem esconder do leitor
observações realmente novas e sugestivas concernentes ao estilo
que muitos rep
ut
am ser de glória, outros digno dos períodos de
decad6ncia , mas que, todavia, emi>restou às cidades históricas
de Minas o seu fausto e o ar sempiterno
qu
e ressumam.
Sem sombra de dúvida, a obra será de muita utilidade
nos cursos de graduação e pós-graduação na área das Ciências
Humanas.
EDITORA
CU
LTRIX/
EDITORA DA UN IVERSIDADE DE SÃO PAULO
··;
.
B RROCO
Victor L..
Tapié
· . .
Editora
Cu
rb
Edi to
ra
da U
nMrsJd d
de
lo
aulo
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 2/58
I
r.
--
-
...
-
cr
1<
utras
ob
ras
de
interesse
Li
TERATURA E ARTES VISUAIS. de
Mario Praz
Este livro
co
nstitui indubituvelmcnte
uma
im
portante
contribuição para
a bibliograua da
Estética Comparada. Nele se desenha um vasto
: pai nel das escolas
de
Literat
ur
a, de
Pintur
a
· c de Arquitetura,
com
ilu>traçõcs copiosas e
pertinentes, fielmente
rep
rodu
zidas
na
pre·
sente edição
b r a ~ l e i r a .
O
capítulo
111,
' '
lden·
tidade de estrutura
nu
ma va riedade
de
meios",
representa um vn lioso contt·ibuto metodológico
para
um
a
aproximação
ent
re Lítcrotura
e
r t ~
Visuois. O
capitulo VI, Estrutu
ra teles·
cópico, microscópica c fotosrop
ica
, é bastante
fér
til e
suge>tivo em aproximações:
o
Aut
or
c.• tnbelece relações e ntre Lite
ratura
e Pi
ntu
ra
em
diversas épocas
e con
texto.s socioculturais,
da Renascença ao seeulo XX, che&ando, de
certo
modo, a un1a tipologia de toJn8S; M
parulclos fascinantes
ent
re
El Greg
o
e
Bosch .
Goya e Beckctt et
c.
ESTé
TI
CA DO
CINEMA, de
enri
Age
Henri Age analisa em t
étic I do Cinema
s
prindpais concepções
do
cinema como arte.
A
< Omeçar
dos que, como
Gancc,
Epstein ou
Reué Clair,
o
vêe
m como instr
um
ent
o
po
ético
m
ois
~ o c u p a d o com a su rrealidade do q
ue
com
o
mundo
cotidiano. Depoi•,
com s que
quiseram fazer
dele
um fiel espelho
da
reoli·
dade contemporânea, u ex
emp
lo
dos
realistas
do Kammerspicl al
emã
o c da cincmatograria
soviética dos anos 20s, Jean Vigo e so:us
conlinuadores
dos
neo·rcalistas ilaliana.s da
linha de ZQ
vuttini.
Nos
quatro
capít
ulo
s
se·
guintes,
Henrl
Agel estu
da
as idéias
a
quem considera
os
grandes teóricos
do
ci·
. ncmll: Balaz.s,
Pudovkin.
Einscnstein e
Ar
·
nheim. O penúltimo c ; ~ p l t foca izQ o
espi
·
rit
ualismo
de
Bazin
c
as
investigações
scm
lo·
lógicas de Mitry e Metz; o capitulo linal,
"Alguns problemas de Est
éti
ca , passe em r
c·
vista questões
atuais
da esrética c inematográ
fica, tais
como
as
opo
sições c r el
aç
ões e
nt
re
imp
roviso e cálculo, cin
ema
c teatro, músic11
e cinema.
r
I
~
I
- .
......_
O BARROCO
•
_
....
.
... ___
_ _ - - .
.
-------------
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 3/58
brapublicada
com a colaboração d
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Reitor : Prof. Or. Antonio Hélio Guerra Vieira
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 4/58
CIP-Brasil. Cat.alogaçáo-na-Publicação
Càm<U a
Brasileira
do
Uvro,
SP
Tnpi6, Victor-Lucien, 1900-1974.
Tl76b O barroco Víctor-Lucien Tapié ; tradução de Armando
Ribeiro Pinto. - Slío Paulo : Cult.rix : Ed. da Universidade
de
.
82-1023
ão
Paulo, 1983.
(Mestres da modernidade)
:Bibliografia.
1. Arte barroca I. Titulo.
lndius para catálogo sistemático:
17.
CDD-709.033
18. -709.Q32
1. ~ barroca. 709,033 17.) .709.,032
18.)
2. Barroco :
Arte
709.Q33 17.) 709.032 18.)
'
I
VICTOR-LUCIEN TAP E
(Membro do Instituto de França
e professor honorário da Sorbonne)
O B CO
Tradução de
ARMANDO RlBEIRO PINTO
EDITORA CULTR1X
São Paulq ·
EDITORA
DA
UNIVERSIDADE DE SÃO P
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 5/58
Titulo o original:
·
LE
BAROQUB
Copyright @ 1961 Pruses Universitaires de France
publicado na coleção Que Sais-Je?
MCLXXXIJJ
Di.reitos
de
tcadução para o Brasil ~ q u i t i o s com exclusividade pela
EDITORA CULTRIX
Rua Dr
. Mirio Vicente,
37
4 fone 63·3141, 04270 São Paulo, SP
que se reserva a 'propriedade literária desta tradução
l m p r ~ na TORA PENSAMENTO.
· .
..
_ .
-
· •
,•
fNDICE
Primeira Parte
Condições
do
Barroco
I. - Definição e História da Palavra Barroco
I{ O Renascimento
e
o Barroco
Ill.
Sociedades da Europa Moderna e o Barroco
Segunda Parte
As Experiências Barrocas
I. - O Barroco na Itália
n.
-
Barroco e Classicismo na França
ni - O Barroco na Espanha e Países Ibéricos
IV. - O Barroco nos Países Danubianos
onclusão
Bibliografia
3
15
27
43
57
71
85
97
103
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 6/58
Primeira Parte
CONDI
ÇO ES
DO B RROCO
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 7/58
Capítulo I ·
DEFINIÇÃO E HISTóRIA
DA
PALAVRA BARROCO
Da palavra
barroc
o, tão em voga hoje, embora imprecisa,
compete retraçar a história e indicar as acepções
qu
e
se
lhe atri
buem atualmente.
Se nos reportarmos ao primeiro dicionário da língua francesa
qu
e consignou o termo, o de Furetiere em 1690, encontramo-lo ali
revestido de um sentido claro e defio.ido: ":E um termo de ' joa
lheria, designativo de pérolas de csfericidade imperfeita."
Des
de então
.muito
se
tem discutido
sobre
a origem da pala
v
ra
barroco, devendo-se considerar atualmente
que
ela remonta,
sem dúvida, à palavra portuguesa barroco empregada para desig
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 8/58
\
nenhuma irregularidade, imperfeição ou extravagância no modo
de pensar. A rigor, admite-se que para ridicularizar as concep
ções muito formais das Universidades francesas, os estrangeiros se
divertiam,
em
determinada época,
em
tratar seus doutores de ba
roco,
assim como Moliere zomba dos sábios em "us", que em
prestavam a seus nomes uma forma latina. Sutilezas, talvet. Se
o sentido ~ r i m i t da palavra fosse o da pérola irregular, como
·o reconhecm Furetiere, a derivação
para
o sentido figurado c de
intenção pejorativa aparece
em
Saint-Simon. m . suas Mémoires,
em 1711, ele a empregava
para
definir uma idéia estranha e chO-
cante:
O
inconveniente
era
que esses postos estavam destin.ados
aos bispos mais eminentes e
era
assaz barroco fater o abade
Bignon suceder a
M.
de Tonnerre, bispo-conde
de
Noyon. Tam
bém o Dicionário da Academia Francesa, em sua primeira edição
de 1694, retoma"'a a definição de Furetiere: "Barroco, adjetivo.
Diz-se somente das pérolas de esfericidade muito ·imperfeita.
Um
colar de pérolas barrocas." A edição de 1718 nada mudava a
respeito, mas a de 1740 admitia o sentido figurado: "Barroco se
diz
também do figurado
por
irregular, bizarro, desigual. Um es
pírito barroco, uma expressão barroca, uma figura barroca." A
edição de 1762 retomava a mesma definição.
Quanto à Enciclopédia,
não
acolheu o termo
em
sua primei
ra
edição. f
<?
i somente no Suplemento
de
1776 que
ela
o
incor_po-
QY
LP.ara
apltcâ-lo à música. A breve defüiJçãOestâ assma<ía S,
ou seja, de Jean-Jacques Rousseau:
Bar
roco, em música: uma
música barroca é aquela de harmonia confusa, sobrecarregada de
modulações e dissonâncias, a entonação difícil e o movimento afe
tado. Segue uma nota, que deve ser de outro que não Rousseau:
"Aparentemente este termo provém do baroco dos lógicos." Indi
cação para nós preciosa, pois revela como a etimologia erudita
era admitida injustamente
em
meados do século
xvm:
ela devia
predominar durante quase dutentos anos.
Na Enciclopédia Metódica o trabalho reservado à arquitetura
e confiado ao jovem t r e m ~ r e de Quincy dá em
1788
uma
definição do barroco, desta vez aplicada
à
a;te edificar:
'
Bar
r()CO, adjetivo .
Em
arq
l ,i
ct
\ JL..Q
12 a m>29
_é
uma g r a d a s ; ª bj
Ele,.i,_se-se quer, o refinamento (sic), oÜ'S'i:fossLPQssívcj
~ o - l o , o abuso. A austeridade está para a sabedoria do gosto
como está para o bitarro, do qual é o superlativo. A idéia de
barroco implica a do excesso de ridículo. Borromini proporcio
nou os ma1ores modelos de bizarrice. Guarini pode passar como
4
I
r
1
I
o mestre do barroco. A capela do Santo Sudário em Turim, cons
truída por este arquiteto, é o mais notável exemplo desse gosto
.
Esse texto foi reproduzido integralmente pelo Dicionário Histórico
e Arquitetura, publicado por, Q u a t r e m ~ r e de Quincy en1 1832.
Entrementes, o teórico italiano
F.
Milizia havia adotado a formu
lação no seu
Dicionário das Belas--Artes (I.a
ed. 1797; 2.a ed.
1804) : "Barocco
é
il superlati'lo del biz.arro, l'eccesso de ridicolo.
Borromoni d iede in deliri, ma
Gu
arini, Pozzi, Marchione nella
sagrestia di San Pietro in barocco." * Em outra obra, Delt arte i
vedere (Veneza, 1798) , Fraocesco Milizia emprega a palavra
locco
numa acepção
em
que
barocco
seria mais adequado:
"D
le
gislatore oon permcttera che le belle arti vadano alia stravaganza,
al buffonesco, al balocco . "
A
palavra balocco tem, porém, desde
o fim do século XITl
,
um valor taxativo de grosseiro e néscio.
Por isso, o general Pommçreuil, que traduziu Milizia no ano VI,
teve sem dúvida razão de escrever: O legislador não permiti_rá
que as belas-artes enveredem para a extravagância, o bufo, . o
néscio " Não houve provavelmente contágio, mas uma simples
relação de assonância. ·
A distinção que
Q u a t r e p l i ~ r e
de Quincy estabelece entre bar
roco e bizarro justifica um .breve retrospecto. Os numerosos dou
á r i o s
~ ~ ~ ~ ~ _d_? século_(yp:,_
p a ~ d á r i o s
do classicismo, ad
~ ~ l ~
~ a n c i r , l
gue
dele
- ª f a s t â v â m ,
c e o s ( J e ~
dos exces
sos de engenhosidade, de fantasia, das liberdades tomadas eom o
. ídeã l e"ãs-regras:Oão r
ecõm
rãin
m a í . ~ p a l a
~ I J . " l;larroco" •p-ªra
desígilãrerep
rõVã
r o- qüe lhes-
a g r a a a v à ~
·Outros . termos lhes
oãs iirain:·
·
_gótico; bárbaro, bizarr
o.
Retenhamos bizarro ou bigearre,
oriundo do espanhol c que quer dizer estranho cuja acepção foi
antes a da audácia maravilhosa do que da singularidade grotesca.
Blondel, intérprete da Academia, reprovaYa em Borromini "as ve
lutas invertidas e mil outras bizarrices que corrompem a beleza dos
edifícios que construiu, os quais, fora isso, são na maior parte
de uma inventiva e disposição admiráveis" 1.
B
para condenar a
arte medieval esclarecia: "Assim como existem nações que, ha
bituadas com s ~ a s bizarrices, acham-nas agradáveis, embora em
si
mesmas n_da ofereçam que proporcione pcazer, também não
se deve es
tr
anhar que existam pessoas que, poc hábito, se delei-
• Barroco é o supcr at.ivo do bizarro, o cxc.:sso do ridículo. Borromini
deu em delírio, mas Guarini, 'Poui, Marcbiooe na :sacristia de São Pedro em
barroco" (em ilaliano no origi.oal - N.T.).
t. Trairé d archírecrure, liv. li p. 250.
5
)
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 9/58
(
\
tem com edificações góticu. Bizarrícé, comenta Quatremcre de
Quincy num artigo de
seu Dicionário é
substantivo feminin'
o,
ter
mo
que
na
. arquitctur.a éxpiime gosto avesso aos princípios esta
belecidos, pesquisa afetada de formas extravagantes, cujo único
mérito consiste na novidade, que constitui seu vício. . . Distingui
mos em moral o capricho e a bizarrice. O primeiro pode ser fruto
da imaginação, o segundo, do caráter. . .
Esta
distinção moral
pode apUcar-se
à
arquitetura e aos diferentes efeitos do capricho
e
da
bizarrice que nela
ocorrem.
. . Vignola e Miguel Ângelo
admitiram algumas vezes
em
suas arquiteturas detalhes caprichosos.
Borromini e Guarioi foram os mestres do gênero bizarro. Desse
modo, temos a ventura de ver, de relance, os termos .bizarro, bi
zarrice assentados em língua francesa para designarem a arte romana
do
Seiscentos
e o que lhe é correlato. Falaríamos do bizarro e da
bizarrice ali onde empregamos a palavra barroco, como ·adjetivo
e substantivo. _
a b e m o s
q_ue. barroc.o.
er _
_o superlativq
do bizarro. . . O uso não consagrou absolutamente essas nuanças
e a pahivra barroco prevaleceu.
Por
que e desde quando? - Os
críticos italianos acreditam que,
do
borocco e do
berrueco c a s t ~
lhano, foi o derivado francês
boroque
que se impôs aos italianos
(de Quatremêrc a Milizia) e talvez dos italianos pass
ou
para os
alemães.
A
filiação ainda é duvidosa. Mas não
é
mais possível
contestar quo o sucesso internacional do termo lhe tenha sido
assegurado pela
Ungua
alemã, a pártir de meados . do século XIX
e da célebre obra de Burckbardt, o
Cicerone
(1860) . . Com os
anos 80 do século XVI, escreve Burckbardt; deixamos de carac
terizar uniformemente os artistas. Em vez disso, podemos acom- .
panhar uma imagem de conjunto do estilo barroco que sucedeu,
contanto que estejamos aptos a aceitá-lo. . .
Não
.é nossa .culpa,
acrescenta, se o estilo
barroco domina, se Roma, Nápoles, Turim
e outras _idades e s t e j a ~ repletas de suas formas
2
.
Condenando o barroco como inferior ao estilo do Renasci
mento, Burckbardt lhe concedia não ser tão desprovido de in
teresse como amiúde
se
acredita. A arquitetura barroca fala a
mesma língua que o Renascimento, mas à maneira de uni dia
leto selvagem. Die Barockbaukunst spricht dieselbe Sprache wie
die Renaissance, aber einen v e r w i l d e r t ~ n Dialekt davon . . . ·
2. J. BURCI<HARDT, D•r Cicerone p. 328.
3.
lbid. p.
329 ( A arquitetura barroca fala a mesma llngua
da
Renas·
ccnça;
trata
·se, porém, de um dialeto selvagem . (em alemão no
original -
N.T.
6
•• ••
Ih.
Atentemos para a conquista definitiva alcançada por
c s ~ a
opinião de pioneiro: a conexão entre o
e n a s ~ i m c n t o
e
t> •
barroco,
a derivação
um
do outro, :
bem
como o caminho
percomdo
pela
crítica desde
há
cem anos. Ninguémlacredita m-ais em filiação tão
simples e direta, c a etapa do maneirismo é d_oravan_te admitida;
discutiremos isto mais tarde.
Não
se pode mrus duvtdar que os
trabalhos de Burckhardt tenham despertado
um
novo
intcrcS C
-para
um
estilo que o classicismo condenara - c
que
os adeptos
de·
um
certo classicismo persistirão e persistem ainda
em
rejeitar
-
e contribuído
para
o sucesso definitivo do
termo
barroco, em
pregado doravante pelos alemães.
Desse modo, Comelius Gurlitt publicava um alentado estudo
sobre o barroco, o rococó e. o classicismo nos palses da Europa
ocidental (1887
-1889),
e Henri •Wõlfflin
um
primeiro livro, pe-
netrante e vigoroso, sobre
ReiUlissonce und arock (1888). Na
segunda edição
da
obra
(1906),
e le confessaria seu débito para c?m
o iniciador:
Hâ
cerca· de vinte anos que este modesto escnto,
elaborado sob a impressão de uma primeira estada em Roma e
das obras de Burckhardt. . .
Se palavra barroco foi . realmente transmitida aos . alemães
pelos italianos,
a
partir do termo francês, é deveras cunoso ob
servar que, enquanto a critica dos países get:mânicos favorecia
amplamente
sua
difusão, a cntica francesa se recusava, com certa
obstinação, a admiti-la
na
prática. Compreendemos,
e ~ t a n t o
o
porquê: a Europa ocidental possuía, em superabundancta,
o b r ~ s
vinculadas ao estilo
da
ltálja barroca, enquanto a
França
conh
nuava a nutrir sua predileção pelas prescrições clássicas, harmo
niosas ou severas, e
a
sustentar que a. seu gênio nacional, impreg
nado de clareza e 16gica, repugnava as fantasias e exuberâncias da
arte italiana. Sem dúvida, os atrativos do estilo Regência
ou
Luiz
XV preservavam, não obstante, seu prestígio e inspiravam o gosto
fim de século
c
o
rrwdem-.style
mas ignorava-se completamente
que laços pudessem te.r com o barroco. Os críticos de arte da
Áustria-Hungria ( austriacos, checas, húngaros ou
po
loneses) e os
da
Ró
ssia adotavam,
em
compensação, a palavra barroco.
O êxito procedia, em grande parte, de sua ·identidade eufônica
nas mais diversas línguas: com ligeira diferença da terminação,
conserva o mesmo som nos idiomas latinos, eslavos
ou
germânicos.
Com suas duas
c l a r a . ~
vogais bem engastadas,
que
parecem evocar
sua
amplitude
e
brilho, ela assumiu, _por isso,
uma
autoridade eu
ropéia, depois mundial.
7
l
i
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 10/58
l
Durante muito tempo o termo se aplicava somente às artes
plásticas. Os limites cronológicos do período em que o barroco
dominara eram, contudo, difíceis
de
determinar. Como distinguir
o fim do Renascimento e o início do barroco Spiitrenaissance e
Frilhbarock), o barroco tardio Spiitbtuock) e o rococó? Ain da
hoje persiste esta incerteza em muitas obras . O belo livro de Mareei
Raymond, De Michel Ange à Tiepolo (1912), um dos melhores
da bibliografia barroca, c que pode escandalizar por ter ~ r m a n e -
cido tão confidencial, esgotado sem reedição, sério demais para
encantar os esnobes, discreto demais para acarretar uma revisão
cientifica do problema, _
c.ontrap,9e
à arte severa da
CQ. ltra
-Refo.r
ma _o r r o o rpmano, que. é _o prolongamento
e
o desenvolvi
mento dela. H. Wõlfflin, além de sua primeira obra, embrenhou
se· nüma- pàciente e profunda reflexão. O confronto entre
os
ca
racteres do Renascimento e
os
do barroco permite-.lbe melbor des
cobrir os caracteres próprios de um e outro estilos e elaborar, a
partir deles, uma teoria dos princípios fundamentais da .história
da arte. O Barroco lhe pareceu traduzir um ideal peculiar, oposto
ao do Renascimento, à maneira de uma réplica, como se o gosto
e a sensibilidade dos homens da época pudessem ter atuado em
dois registros alternados. A propósito, comenta-se injustamente
que tal tese pecaria por excesso de sutileza. Entretanto, os
Kunstgeschichtliche Grundbergriffe
(1915) atestam um entendi
mento profundo
da
sociedade moderna e ajudam a compreender
que o barroco, como o Renascimento, soubera traduzir o espírito
de uma época.
Por consegui nte, era apenas um estilo
de ar
te
ou
uma fase
da civilização? A guerra de 1914-1918 renovou singularmente o
interesse pelo período em que o barroco triunfou e a visão que
dele se podia captar. IllUito revelad
or
que na Boêmia o sut
il
analista Acne Novák tenha consagrado à Praga Barroca
(1915),
um ensaio em q
ue
descobria
na
arte de uma época habitualmente
condenada pelos historiadores
do
seu país sob o epíteto
de
Tem11o
o tempo sombrio, a autêntica expressão dos sofrimentos e espe
ranças dos
an
cestrais. Paul Klee, no seu diário de 1915, estabe
lecia relação
an
áloga entre
as
e
xp
er
iênc4Js
do
barroco e as ·
do
tempo atual.
Por isso, não se deve espantar com a floração de es tudos
sobre o barroco após o retotoo à paz, nem com a .repentina am
pliação do problema . ~ Weisbach .tDe. B arock
.
ls Kunst der
Gegenre{ormation, t92J)_ demon.str..ava
qJ.Ie
o
oaaoco
_foi a ex-
~
8
.
·
,;
'·
.·
.
' ..
P ~ ~ J ã o _de uml} ciyilgação atólica, ~ o m seus valores peculiares,
.suas contradições e seu impulso geral. Depois, imprudentemente
talvez, com um fervor maculado de arrogância intelectual, colo
cava sob a rubrica do barroco o estudo que, na coleção enciclopé
dica "P
ro
pylaen-Kunstgescb ichte", consagra(ia à arte dos país
es
Ia
tinos e germânicos, Die Kumt des Barock in ltalien, Frarikreich,
Deutschland und Spanien
(1
9
24).
Na Itália, Antonio Muiíoz interpretava, numa bela e abali
zada obra,
Roma
Barocca, o esplêndido tesouro de arte que se
produzia na Cidade Eterna desde o tempo do
Papa
Sisto" (Sisto
V) até o
de
Canova. Analisando a originalidade dos artistas, res
tituía
a cada monumento seu papel no incomparável conjunto, re
velando-lbes todo o encanto. Processo análogo foi o de Emile Mâle,
que uma nova estada romana ensejava a contemplação dessas
obras. _Ele admitira, na..Jiuha_ t 1 1 d i c i o - ª 1 a p . Q s a .Idade Média
nã? ~ x i ~ ª a m is.
ar. e
cristã, mas a
e r i ~ c i a
j e v ~ v a ~ ~ a corrigir
SU l
.primeira opinião e a reconhecer na arte ditundjda .no scculo
XVII
na I tá_ ia, Espanha, na França e na Flandres, os carac
teres
de
um ideal e de uma vida
e s p i r i ~ l ~ r e n o v _ d
p ~ l o s .en
sinamenfos do-col:icilíõ de
Tr
ento.
No
entanto, n e . ~ s a
no
tável con
hiõuiç
ãõ
da ciência francesa·, ao estudo
do
S ~ i s c e n t o s rõmaoo- e
df
prÕp g
Ç o
pela
u i o p a c a t § . ~ ~ a
palavra ·:
pa.fr<ico",
por ·
causa êfe um P.
\ld.Of. c ~ s 1 c o ,
não
era
mencionada.
Ela
não inspirava, no entanto, a mesma restrição a outros, in
fensos ao sortilégio. Benedetto Croce admitia que se pudesse fa
lar de uma idade barroca; considerava legítima a extensão da ca
tegoria ao mundo do pensamento, da poesia, da literatura, da vida
moral de toda a época Storia del/a Etti barocca in lta ia. Pen-
siero, poesia letteratura, vita morale, Bari, 1925). Porém, enér
gico
e
impenitente liberal, denunciava no barroco uma decadên
cia do
Ren
ascimento e de seu ideal racional, uma condescendên
cia aos esgar
es
e contorsões de mau gosto, até os anos 1670, quan
do ressurgiram de novo
os
verdadeiros valores preparando o pro
gresso
da
ciência experimental e
a
necessária serenidade da tole
rância.
Simultaneamente,
pe
lo método que es tabeleceu,
por
sua re
solução de aplicar a toda a vida cspiril\lal de uma época
urn
termo reservado precipuamente às categorias
da
arte, e enfim, pela
cntica intrínseca do barroco, a obra
de
Benedetto Croce tomava
se e continua sendo uma importante etapa dos estudos
bar
rocos.
9
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 11/58
'
No
decurso desses anos de ardoroso interesse pelo barroco,
Ja agora inquietante moda, o escritor Eugenio d'Ors expôs uma
fascinante teoria, já embrionária,
é
verdade, em Wollilin, nos
K u n s t g e ~ C h i c h t l i c h e Grundbegriffe e num artigo de Arthur Hübs
cher sobre o barroco, figura de um sentimento contrastado da
vida Euphorion, t. XXN
1922).
Porém, observam-se em todos
os tempos essas coincidências c reencontros na descoberta ou na
expressão. Se o barroco, dizia Eugenio d'Ors, é a arte em que as
linhas se entrecruzam, se retorcem ou se rompem, em que os vo
lumes, inflados ou vazados, se animam nos efeitos de contraste,
em que, sobretudo, o movimento se opõe ao equilíbrio,
à
harmo-.
nia e à estabilidade, se assim ele interpreta agilmente a paixão
ou a fantasia, não o reencontraríamos nas
mais
diversas épocas
da história humana? Características
reCOllhecidas
para definir a
arte do
S e t ~ • c e n t o s
romano: tendência ao pitOTesco, dinamismo das
formas, propensão ao teatral. Um exemplo entre mil: o da janela
da sala capitular, no convento de Thomar (Portugal), com o pro.
digioso entrelaçamento de torçais, seu relevo e sua pujança, não
ofereceria a prova? Rompendo o quadro cronológi
co
em que
se
pretendia encerrá-lo, para ver nele apenas o infiel herdeiro do
Renascimento italiano, o barroco podia, desse modo, ressurgir em
outros tempos e lugares, intérprete perene do que a regra e a pro
porção não logravam exprimir, revelador de uma constante
da
alma humana e de sua tradução nas formas, de
um
éon
Eugenio d'Ors distinguia mais de vinte espécies de barroco,
desde a Pré-História (não obstante, ainda mal definida à época em
que ele intentava tal c l a s s i f i c a ~ o ) até o após-guerra de
1914
ba·
rocchus posteabellicus),
com os contrastes e inquietações que
lhe
h ~ v i a m provocado maior atração pelo barroco. Tanta engenhos
i
dade encantou. O interesse pelo barroco estava definitivamente
consagrado. Doravante, a arte da Itália, da Espanha, da Europa
central suscitaria a máxima atenção. Os que amaram e estudaram
o baTioco conhecem c procla
mam
seus débitos para com Eugenio
d'Ors. Mas os trabalhos circunspectos progrediram paralelamente
com especiosas improvisações: pesquisa e confusão, quase no
mesmo ritmo.
No elogio c na crítica do que Eugenio d'Ors pretendera, não
se
avaliou atentamente a justeza da observação que constituiu seu
ponto de partida, da qual ele me smo poderia ter. resgatado maior
veracidade. Ele observara muito bem que no momento em que,
na Itália do Renascimento, se processava uma transformação de
10
::. j
.1
'
valores que deveria encontrar, em seguida , sua expressão na arte
barroca, uma evolução de carát
er
análogo se revelava na arte da
e n í n s u l ~
I ~ r i ~ a Colocava-se, assim, para o historiador da arte
ou da ctvtltzaçao, um. problema de coincidência e de afinidade.
Tol problema me recena ser aprofundado e seria danoso substituir
esse estudo por uma metafisica do barroco.
Pois se
se
decidisse
a priori
rotular de barroco
nn
arte
na
li
teratura e em outr
os
domínios, tudo o que não fosse fiel
;o
ide
al
da razão harmoniosa, da beleza das proporções, de regras defini
das
por
d o ~ t r i n a s coerentes, podíamos estar seguros
de
descobri.r
lhe as m a n t ~ c s _ t a ç õ e s em t ~ d a s
as
fases da história, em que
as
forças da patXao, da fantasta prevalecéram sobre o equilfbrio da
disciplina. Era
um
círculo encantado. Em
vez
de aprofundar a
noção de barroco nos tempos modernos, encontravam-
no
em toda
parte, ameaçando fa?.ê-lo diluir-se.
Em seus últimos anos, Lucien FebvTe acompanhava o jogo
com humor e lançava uma pilhéria
que
mereceria ser encarada
co?'o um a ad :ertência da moderação: Vamos, procure-se outra
cotsa, quero dtzer,
um
outro título para designar
os
verdadeiros
b a r r ~ s
já 9uc se tcansvasa seu barroquismo para com ele as
pcrgu ImparCJalmente todos os séculos.
Mais grave
ai
nda. Sem dúvida, Eugenio d'Ors jamais
i n t e ~ -
pretara o barroco como uma arte de decadência; afirmara mesmo
o contrário. Porém, levando mais longe a análise dessa rejeição
ou dessa superação das regras, ele o desçrevia como o clima em
q.ue as personalidades se desagregam: Quando este estado
sup<r
nor que poderíamos chamar
de
consciência clássica está em de
p.ressão, livre . franqueado a uma floração múltipla c vi
< ; t ~ s a
do eu, subshtutça arroca do eu singular. Em 1954, numa
ultuna mensagem que a proximidade de sua morte tomou mais
c o ~ o v e n t c ,
ele se felicitava por ter logrado ganho de causa, con
fenndo ao barroco es te . sentido ampliado e especificava que o ca
ráter barroco era normal ou, se for lícito falar
de
.doença, o é
no
senttdo em que Michelct dizia:
A
mulher
e
uma perene en-
ferma. ·
Como não ·perceber a que ponto as conseqüências dessas de
clarações podem tornar-se inquietantes? Elas estabelecem uma an
tinomia e d u t í v e l entre o barroco e o clássico, o que. não é ver
dade senao
nos
extremos. Elas consignam ao barroco um caráter
de dispersão, de deliqüescência, de mau gosto que justificaria a
11
l
I
f:
I
I·
1
I
r
,
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 12/58
\
condenaç
ão
que incidia antigamente contra ele. Olvidava-se que
o barroco, muito pelo contrário,
foi
o intérpre
te
dos valores posi
tivos e vigorosos. Ele canto,u a glória, a força, a alegria, a liber
dade, a conquista de Deu s pela fé e o sacrifício lucidamente acei
to. Dir-se-á que são florações viciosas, dissolução do eu?
Contemporânea das teses de Eugenio d'Ors, outra interpre
tação, a do grande historiador de arte que
foi
Henri Pocillon, im
primiu unl
novo
sentido
à
noção de barroco.
~ l l i . l i P < Q .
ulrrap:ssar a
i D J . p l ~ a n á l ~ e
das formas, a des
cobrir no seu desenvolvimento uma vida análoga aos outros
rei..-
nos
d_
l ) a ~ u r e z a ,
Henri Focíllon
.
spstentou que todos
os
estilos
atrl vessam sucessivamente três fases. Ao sair de
um
período inde
ci
so
de esboço arcaico, em que não falecem, aliás,
nem
o encan
to
nem
. a força, eles atingem a plenitude e o equilíbrio, e depois
superando-os, desabrocham na exuberância e na fantasia. Tal evo
lução
é, de 1·esto, salutar, para prevenir o academismo e a es
clerose das repetições estéreis. Graças a ela as formas conhecem
uma nova juventude, reencontram vigor e liberdade. P
or
isso, todos
os estilos, quer se trate
do
antigo, do medieval
ou
do moderno,
apresentaram sua fase barroca: barrocas, portanto, a arte helê
nica e a imperial romana, barroco o romance rebarbativo de An-
goulême ou o gótico flamejante, e se a arte que sucedeu ao Re
nascimento merece bem a denominação barroca que logo recebeu,
não se lhe pode conceder a exclusividade do uso.
Se as formas têm sua vida, as palavras também
'O
têm. Aca
bamos de indicar sumariamente a da palavra barroco desde há
dois séculos.
Atualmente, compete verificar como ela se aplica.
Cem anos após o
Cic
erone é empregada amiúde para desig
rformas de estilo
em
todas as épocas. :g de admitir, portanto,
que a causa, talvez após todos. os percalços, é compreendida?
Não
se
pode, em todo caso, resignar-se a isso sem a precau-
ção de algumas ressalvas. · ·
Primeiramente, não se suprimiu, para tanto, o uso que a
consagrava no período cronológico que sucede ao Renascimento
e,
ademais, não
se
resolveram todos
os
problemas relativos a este
assunto. Em que consiste o barroco posterior ao Renascimento?
De
onde vem? O que
é?
Onde começa e onde acaba o seu domí
nio? Em vez de empreender as necessárias investigações, dizem-
12
-.
·•
.;:. •.
i-·
..
..
- - ~
.
:, _
.
·
..
'
.:..
-
.
nos: "Mas existem outros barrocos." Para o que, é legítima a
resposta: ''Talvez. Se isto vos apraz, tanto melhor Não obstante
permiti que não nos afastemos do seu estudo: ele está apenas es:
boçado."
Em segundo lugar, a lei inferida por Henri Pocilloo
se
aplica
melhor à história das artes plásticas do que à literatura, por exem
plo.
Os
historiadores da literatura reconheceram nas obras escritas
na França, no tempo de Luís XIll, uma fantasia, uma e x u b e r ~ n -
eia de imagens, uma complacência com os contrastes que, por ana
logia cem a arte
pl
ástica, lhes pareceu justificar o epíteto de bar
roca. Também na França, onde a tese encontrou mestres como
intérpretes,
na
Alemanha, na Polônia, os historiadores reabilita
ram o barroco. Mas não se pode dizer, acerca desse barroco, que
desenvolva as formas de um classicismo anterior a menos que se
veja classicismo
na
Plêiade), mas
é
claro que, desembo
ca
ndo no
período do classicismo francês por excelência, ele
é
predecessor c
não suces
so r.
_Em r c e i r l u g a r 9.f _ando
se
tra·l _ u r ~ p a
dos tempos
d e m o
o barro
CQ
. é
à.f ro j.dq_
antes .c;Qmo uo;a_ noçãõ _geral de
C J V t _ ~ ª Ç J l S L qç
_
com 9_ ll.Ql eSJi
lo. Todos
os
aspectos
áa
lústõ-
riil
do século
XIII
são classificados com a etiqueta banoca: fala-se
de ciência barroca, alusivamente à de Galileu ou de
Ha
rvey; de
filosofia barroca,
de
barroco de coloração clássica para a arte de
Versalhes, e a corrente parece irreversível. Em tudo isso, porém,
há muita imprudência, pois não se criticou
nem
definiu previa
me
nte, com suficiente rigor, a categoria empregada:
Podemos achar, sem dúvida, insuficientemente elucidativo o
uso tradicional que fazia designar um período de civilização pelo
nome do um soberano contemporâneo ou apenas por um epíteto
de
louvor: século de Leão X para o Renascimento romano, século
de Lúís XIV, século de ouro para a Espanha. Um termo como o
de Renascimento apresenta,
ao
mesmo tempo, a vantagem
de
des
tacar
um
aspecto mais relevante do período (retorno aos modelos
da
Antigüidade), e o inconveniente
de
revestir fen6menos muito
numerosos e diferentes, para que seja inteiramente justo defini-los
com uma só palavra. O inconveniente reside
no
conceito geral
de barroco. A civilização européia do século XVI ao
XVlll
en
cerra também extraordinária riqueza intrlnseca, para que se possa
submetê-la a uma categoria exclusiva. Por outro lado, alguns
desses caracteres, cujas ·formas barrocas
da
arte,
da
literatura, do
estilo de vida ofereceram original expressão, merecem ser mais
13
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 13/58
\
be
m compreendidos hoje do que no; tempo em que se menospre
zava e ridiculariz
ava
a
en
g
en
hosidade. ou a eloqüência dos artistas
que chamamos barrocos. Longe, no entanto, de declarar barroco
todo esse período, a moderação e a cautela do verdadeiro conhe
cimento recomendam discernir o que compete incluir na categoria
c o que deve ser· preterido. Não é indubitável que um estu
do
desse gênero revele
en
tre o classicismo e o barroco antinomias ir
redutíveis e, talvez, para retomar uma expressão feliz de
M. M
Raymond num Colóquio celebrado em Roma, em abril de 1960:
A
linha de demarcação
do
barroco stricro sensu passa entre
<>ru-
pos de escritor
es
do século XVII ou de formas de estilo cuja ten
tação é considerar em bloco, seja para reatá-las ao barroco ou dele
distingui-las." Poder-se-iâ dizer assim: entre grupos de artistas e
de
grupos sociais em geral. ~ t r e t a n 2 . , . _ essas a p t i d ~ ou resistên
ctas ao barroco têm causas profundas vinculadas à história· não o
sup?sio e i n ~ _ s
·
~ ~ l .
p a ~ a ne;p.
.
~ i s p o s i ç õ e s
de gênio
nac10nal , mas o conJunto das circunstâncias de então <üe; · ias
formas -
do
pensamento e da sensibilidade religiosa,
nas
condições
da
econ
omia
_e das trocas, nas estruturas sociais, na permeabili
dade ou iropermeabilidade a
um
ideal talvez nem· sempre consci-
. ente,_ pesavam escolha dos homens e orientavam- l
hes
as
pr
efe
r ê _ ?
~ a . s - ~ s t é t
i c a s
. .
Eis o que justifi
ca
um
estudo do barroco, estilo artístico ou
literário revelador das sociedades, para o qual este b r ~ v e esboço
desej
aria contrib
ui
r.
Uma última observação ainda. Poder-se-ia, . à moda do dia,
traçar um mapa, não apenas do barroco (cartógrafos alemães em
penharam-se nisso com algum êxito), mas dos estudos barrocos
em meados do século XX.
As
tintas mais fortes colorariam a Itá
lia, a Alemanha, toda a Euro
pa ce
ntral, a Suíça, a- França (prin
cipalmente
no
domínio da história literária), a Bélgica, a Espa
nha e PortugaL A América e a Rússia teriam também seu lugar.
Assim, em face
da
ignorância da indiferença ou da incompre
en
são que persistem numa grande parte
do
público de numerosos
países, em contraposição ao uso imoderado do termo e
à
sua con
fusa noção em meios amadorísticos, a pesquisa
ci
entífica se orga
niza em toda a parte a propósito do barroco. Falta-lhe ainda CO-
ordenar melhor os esforços, estabelecer o balanço do que
se
pode
considerar adquirido e d
es
tac
ar os
problemas ainda inex
pl
orados.
14
·
.
>
..
•
•
.:
•
Capítulo
r
O
R
EN
ASCIMEN
TO
E O
RRO O
Quer
se
considere urna decadl ncia quer uma renovação de
valores, a ligação entre o Renascimento e o barroco continua sen
do o problema fundamental. De qualquer maneira o barroco está
r e l ~ 9
~ s 1 2 ,
C . . Q . . . . . . L . l . P . ~ ~ < . i u ~ } E r i o ~ a r c n t e ~
aicãnÇâdo
. ' S ~ ~ e J ? : ? ~ r ~ n t i n o e, em outra _esca'lã, ~ i f á S c T i i i ê n t ô
r o m ~ ~ o ,
em q ~ e .as ~ x i g ê n c i a s do espírito, o esforço para o co
J h ~ _ : ~ t o
umversal, a consonância das paixões humanas e das
r <.l_l ezas ?.a n a t u
c.om o ideal platônic9 de beleza pareciam
ter en
c<mtra_9s>
sua. realiZação. Compreende-se por que numa certa
etapa da pesquisa - c em razão do caráter
de ca
tástrofe que a
opinião contemporânea emprestara ao acontecimento
-
a data
do saque
de
Roma, em 1527, tenha sido aceita como o término
do
Renascimento e o marco inaugural de novos tempos. Mas esta
interpretação não é mais acatada hoje, pois fortes argumentos po
dem ser invocados em contrário. Assim como não é possível acre
ditar na cessação, em dia marcado,
de
um movimento como o do
Renascimento, compreende-se perfeitamente que nem o grande pe
ríodo romano de Miguel Ângelo (1534-
15
64
),
nem o sucesso de
Veneza; on
de
durante
os
mesmos anos os mai
or
es arquitetos e
pintares realizaram sua obra, podem
se
r subtrafdos ao
R e n a ~ c i
mento. Deve-se mesmo, segundo a feliz expressão
de
André Chas
tel, reputar o século XVl como· a idade das aquisições definitivas .
Mas
el
e traz também grand
es
mu
danças e profunda renova
ção d?s valores.
O
Miguel
Ange
lo da capela dos Médicis, de
São Pedro, da Ultima Ceia da Pietil de Florença não é mais aque
le
do
' teto da Sistina e menos ainda da Pietil de São .Pedro. Não
que
el
e
se
mostre então infi
el ao
ideal do Renascimento floren
Hno,
no qual formara. ~ a t e s
l i a n d
. Q . . ~ . . . Q Q E . l . . . . J l . . H . . S a g e m ,
~ ~ n s e ~ C t r a d U ~
~ O O t r a ~ Ç Õ C ~ a m a,_a d ~ r
~ a ,
O
dramf
15
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 14/58
da salvação, J.ue são, em sum-ª...Jlreoeupações estranhas ao mundo
'óa nüiiíãnidae feliZ que o·- Renascimento criam.. Revelando-se'
·rrancãmenie, Miguel Angelo nem por isso se tornara ba.rroco.
Porém,
sua
arte, mais patética, menos intelectual
no
sentido em
que se entendera a vida do espírito, estava destinada a repereu
tir, com toda a força do seu exemplo, nos intérpretes ulteriores das
grandes emoções
barr
ocas. Em
torno
dele a crise da Reforma se
desenrolava, e cujo drama acolhia ern sua prodigiosa sensibilidade
e em seu gênio. Por Reforma é preciso c o n s i d _âo _apenas ..Lu
tero e
seu
rompiiiiento com
a
Igrej
a, mas
.a angústia
u n i ~ e r s a l
que
atmge stroultaneamente as classes instruídas e as camadas popula
res, ültrapassa e abala as sutis interpretações dos círculos de le
trados e filósofos - como âs especulações das antigas Unlversi:
aãães:-
tomad-as êStéreis
à
meàida das inqui'etações atuais . obri
ga a ~ i v i l i z a ç ã o a despir seus
c a r a c t e r e ~
~ t ~ r á t i c o s para minis
trar
ao mundo cristão respostas que o revitalizem.. erá, porém,
ã t_eforina
mlli
:rmPAD.a, antit.cllmlillruL tall).bém
,_
..Q.\h.
p e i < > I . : á _
~ r á
c u ~ r i d a
p ~ ~ a J g r _ ç j , .
. i l l l ~ greja que s ~ ~ e n e r a tanto por
suããíSciplina quanto pela definição do que 6 preciso crer para
ser -Sãlv-â? Aresposta não i n t e r e s s a ~ a a p e ; ~ a s às almas_ é ~ o s a s
aos fiéis de
um
culto
ou
aos teólogos, como
se
acreditava no
é
.
i::ull
X X e como m
uiiOsã
mda
h < ? f e ã C r J l ~
Elã _não p o u g : ~ ~
.as a t i v . i d . r u l ~ ~ c o t i ç l i é Q a ~ . pois para essa Europ.a cristã tudo pqdja_
ser motivo de pecado:
a
ordem política e s o c i a l ~ < ~ m d i ç õ ~ do
_trabalho, a aj)\icação do dinheiro nos investimentos, o desperdício
a_ f u _ a _ ~ : ~ n ~ ~ "·ª
=
. ? 'ª
= a .
EPfo9lii Ç@..::
da é -
e_ ria transformar a
_..:
co11omia geral E e l o
~ l ~ O
metais P.re
ctosos
na
Europa e em que_ _ s ; . o . m é r ~ ..maótimo,
12cla
P . r i m e ~
. ez, _ç i ( " u n d a v ~ . . Q _ P-laneta. R,eencontraremos_mais t8fde ç s t ~ s pro
b ] : m a ~ .
Que a filosofia geral da vida fosse modificada; que essas
mudanças tivessem sua repercussão
na
arte, não
há
nenhuma dú
vida.
Por isso o século
XVI
é,
na
história do mundo moderno, um
s6cu1o de transição e de gestação. Se se pretender que,
por
causa
disso, seja necessário colocá-lo sob uma etiqueta que o diferencie
do Renascimento, pergunta-se se convém chamá-lo de barroco.
Desde
há
alguns anos concorda-se a favor de outra expressão, o
maneirismo, e discute-se para saber se o maneirismo é um conceito
de estilo ou um conceito de civilização. Conforme observou o P.
Dattlori, parece reconhecido hoje que o barroco não · sucedeu ime
diatamente ao Renascimento e que, para designar o período in-
16
l
·o
,)
<
I
: 1
.
•,
.
. .
.
\ )
- ' ~
termediãrio, um termo pode ser útil e deve-se aceitá-lo, ao menos
como hipótese fecunda de trabalho. Mas o que se deve eutender
por maneirismo?
A palavra encontra a sua mais justa aplicação no que con
cerne
às
artes
da
Itália,
onde
grandes mudanças se processaram.
Do ponto de vista político, a empresa espanhola se impôs em
Milão e Nápoles, onde os reis de França não mais se estabelece
rão nem mesmo para o domínio de uma secundogenitura. Embora
o Concílio não tenha firmado sua jurisdição entre seus muros,
Roma confirma o prestígio de seu papel de capital mundial, s-
mosstadt Roma como diz um historiador da Geistesgeschichte
Friedrich Hcer; e, num belo
o
lúcido livro, Jean Delumeau mostrou
o paradoxo dessa cidade universal embasada num território que
se empobrece e se torna incapaz de sustentá-la. A evolução eco
nômica e social acarreta então, cin etapas imperceptíveis, o de
clínio
da
cidade
en1
proveito da dominação senhorial e do Estado
· tcnitorial; entre os príncipes uma vida de corte mais oficial e
ciosa da decoração, menos nervosa, menos tensa do que aquela
das peque::1as capitais humanistas do século XV, e, nos esplritos,
uma
curiosidade pela análise e a doutrina das artes que
se ex
primiu na crítica de Vasari, nos tratados de Serlio, Vignola, Pal
ladio. Daí um certo deslize para o ecletismo, em que se afigura
ria que cada maneira (e eis o termo revelador) fosse boa para
exprimir ao menos uma parte do que o
Ren
ascimento pretendia
consubstanciar. Por isso, o maneirismo parece representar, ao mesmo
tempo, o interesse pelo segredo de um gênero, a adoção de uma
técnica ou de um gosto e por outro lado, wna pesquisa de atra
tivos, de elegância acrimoniosa, um refinamento das formas já ad
quiridas.
Pod
er-se-ia dizer que no Renascimento, como mais tarde
no barroco, o estilo propcndia para um valor universal e que o
maneirismo se limitou ao particular.
Na
Itália, após as eJtperiências
do
primeiro terço
do
século,
a atividade das construções retoma um ritmo intenso. Cumpria
reparar os estragos das guerras, reencetar projetos interrompidos,
retomar as tradições faustosas do Renascimento, atender às neces
sidades práticas de novas clientelas, como as das ordens religiosas.
Explica-se, assim, a variedade das tentativas, a multiplicação das
experiências. Trata-se da Itália do Norte? Foi em Mãntua, o pa
lácio
do Te,
de
J.
Romain, com a gravidade de seus bastiães e
a graça de suas arcadas. Foi em Gênova, a igreja de Santa Maria
de Carignano, de Alessi, de planta central. Foi em Veneza, a ri-
17
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 15/58
\
.
queza decorativa da Libreria; depois, com a intenção de reagir
contra o descomedimcnto, a arte de Palladio, de aparência mais
regular;
na
realidade, de uma estrutura artística e sutil. A Florença
dos Médicis e a Toscana admiram
as
formas rebuscadas, alon
gadas e sinuosas de Benvenuto Cellini.
As
elegantes composições
dos
ja
r
di
ns, onde os terraços ornamentados de está
tu
as, os tanques
de pedras e os repuxos, os pavilhões decorados de afrescos que
desenrolam nos muros cenas mitológicas ou paisagens agrestes -
uma natureza retocada pelo bom gosto - se organizam
para
um
cenário incomparável. Decoração e desejo de originalidade -
neste maneirismo se prolonga o aspecto aristocrático do Renasci
mento. Em Roma se quis marcar época com a construção do
Gesu, de Vigoola, porque se identificou há muito tempo Contra
Reforma e Companhia de Jesus, ao ponto de se chamar de arte
jesufta a arte barroca. Mas a verdade está além· dessas simplifi
cações.
Por
admirável que seja, a igreja do Gesu não é, de modo ai·
gum, inovadora. Seu arquiteto, Vignola, conhecedor de Vitrúvio,
admirador de Alberti, ele mesmo doutrinário, inspira-se livremen
te em modelos anteriores, perfilhando a planta em cruz latina, a
nave única com os capelas comunicantes
ent
re os contrafortes. Ele
havia sido designado como
a r q ~ ~ i t e t o
igreja pelo doador, o
cardeal Alexandre Famese, e é a' este magnífico prelado, neto do
Pa
pa
Paulo
li ,
que se deve atribuir, muito mais do que aos pri
meiros gerais da Companhia, a escolha de um edifício suntuoso.
A adoção de uma fachada com volutas, de Giacomo della Por ta
que
conferiu depois a São Lu.ís dos Franceses um exemplo ainda
mais austero do seu estilo) concedia preferência
à
regularidade
antes que à cogenhosidade de um projeto de Vignola, mais exube
rante e mais rico. Enfim, é preciso atentar que a decoração inte
rior, aqui maneirista, com as figuras de estuque
em
torno das ja
nelas, acolá de uma suntuosidade barroca (os altares do
P.
Pozzo,
de fins de século XVII), não. é contemporânea da construção. Eta
data do tem
po
em que se afirmava o sucesso de um novo estilo
que não poderia ter por origem nem
ju
stificativa, apenas o em
penho de propaganda da Companhia.
Seja na Santa Maria in Navicella
1575)
ou na São Luís
dos Franceses, .a
.}f
e
.il-ª..Q.Qptr< :RefQ IDa
não
. ~ ~ f e r ê J ~ ~ ·
forma
ora
graciosa, ora austera, c o austero prevaleceria.
Che
runÕs assim, e m tios do século, ao breve porém exigente ponti..
ficado de Sisto V (1585-1590) , para cuja evocação Antonio
18
.Muiioz abria, há quarenta anos, seu belo livro, Roma Barroca
Roma, dizia esse Papa, não tem apenas necessidade da proteção
divina e
da
força sagrada e espiritual, mas também
da
beleza
que
oferecem o conforto e os ornamentos naturai s. Terminar São
Pedr
o, ligar através de largas vias Santa Maria Maggiore à
ci-
dade do Campo de Marte, erguer obeliscos nas praças, distribuir
água pelas fontes da cidade: a realização deste programa, antes
e depois do ano
ju
bi
lar
de
l600,
faz expandir o maneirismo ao
grande estilo ·romano.
Por
isso, o desenvolvimento desde o Renascimento mostra-se,
dessarte, lógico e claro. I mpõe-se cçnsiderar, porém, que essa
visão é essencialmente italiana, válida para a Itália, mas a gênese
que conduz ao barroco
não
pode ser reconhecida do mesmo modo
nos, demais países europeus.
Convém colocá-la igualmente sob a etiqueta materialista? Al
guns optam favoravelmente: seus argumentos são de molde a in
duzir-nos a descobrir maneirismo não apenas entre os
arq
uitetos
e decoradores de Fontainebleau
se
se tratasse de Serlio ou de
Primaticcio, de Rosso ou de Bcnvenuto Cellini, seria evidente) ,
mas também em Rabelais ou Montaigne.
Este
uso das categorias,
repitamo-lo, é um instrumento de trabalho. A verdade, porém, é
que ·nem para a arte
do
Renascimento florentino ou romano, nem
para
o do barroco romano, o exemplo da Itália foi aceito docil
mente pelas diversas nações européias.
Os crfticos se indagaram se a origem do ba
rr
oco era italiana,
espanhola ou alemã e sua interrogação deixa entrever uma ob
servação justa. Não se pode crer que o barroco romano seja,
em
si mesmo, todo o barroco, oem único na origem dos demais. Em
sua interpretação ou aplicação dos pdncípios do ideal do Renas-
. cimento italiano, os diversos países europeus mantiveram sua ori
ginalidade que torna legitimas
as
expressões: renascimento fran
cês, renascimento alemão ou flamengo, renascimento espanhoL
M as esses renascimentos do século XVI eram, em certos aspectos,
fases de incerteza, de ecletismo e de transição que podemos de
clarar também maneiristas c n
as
quais
já
se reconhecem igual
mente características barrocas.
Impõe-se aqui esclarecer com
um exe
mplo. Reconhecer que
a janela de Thomar apresenta características de pitoresco, de pro
fundidade, de movimento (termo que, no caso, se deve prefetir
ao de dinamismo} e, acima de tudo esta propensão ao teatral,
19
-
.
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 16/58
\
.
luxuoso e burilado, que a sensibilidade menos exercitada observa
imediatamente no barroco" (Eugenio d'Ors)
(o
u seja, encontra
na
arte ulterior de Berninie de Churriguera), é de assinalar que
na
dat\t em que Diego· de Arruda esculpia essa fabulosa moldura,
superava as tradições medievais sem submeter-se absolutamente às
regras do Renascimento. Mas não se pode afirmar que o Renas
cimento lhe fosse estranho.
Se
se falou de epopéia colonial
para
. a arte maouelina, esta entusiástica definição tem o mérito de re
velar a grande l vontura vinculada às descobertas do Renascimen
to assim como ao espírito. de Cruzada e que transforma o pequeno
povo lusitano em conq
ui
stador de uma parte
do
mundo. Melhor
do
que apoiar-se nesse exemplo admirável para elaborar uma
teoria
do
barroco universal, que trouxe tanto embaraço quanto
benefício à interpretação da civilização moderna (benefício e em
baraço, ambos incontestáveis, em minha opinião), teria sido ne
cessário partir para outro estudo: co.mo . J \ ~ l l i l $ í m n t ç _ y o l u
nos diferentes países d a E.ut.OP \.. nQ. decurso do sé.culo XVI e quais
as"fãzões?
Ã
partir
de
modelos italianos, mas também de tradi
Ções góticas que se mantinham com espantosa tenacidade, o que
teria sucedido para que preparasse
para
o futuro, ao mesmo tem
po
afinidades e incompatibilidades com a arte italiana
do
Seis
cenlos ela própria originária
do
Renascimento, através
da
fase de
maneirismo?
* • *
Conviria sem dúvida retomar a história de ·cada pais. Não
é nos limites dessa exposição que nos arriscaremos a fazê-lo. M as
é preciso, · não obstante, dirigir a atenção para um certo níimero
de características primordiais, para discemir ao .mesmo tempo o
que aproxima as sociedades nos mesmos consensos e o que as
isola numa atitude mutuamente irredutível.
. Primeiramente, através de suas
t r a n . s f o r m ~ § e s .§iQgu
lare:t,.._o
c r i l o P . ~ F m a n e ~ u
medieval tanto
q u a n t ~
.JmM..u....moder
no, .
J.llM
é dilícil
d i z e ~
.com çerteza por que foi assim. Muito
_P.TO-
vavelmente, p o r g _ ' ~ ~ ' ~ d __ ~ ~ s _ ~ _ d e s c o b e r t ~
transformou i d a m e n t c a economta das
~ 9 e s
~ o s t e l f a ~ d_
~ ~ r O J ? I - que contribuiu para o surgimento de cidades como
· tsboa, depois Sevilha, Antuérpia, Amsterdã, para renovar ao
longo das rotas transcontinentais a fortuna de Milão, de Nurem
bergue, de Augsburgo - ,
não
pôde penetrar em pr? UE-didade, por
20
.
•
falta de meios .rápidos, na massa
a ~ á r i a
e rur
al
_< .o continente.
i i i S í s t e - s e c o m r ~ õ S õ õ r e essanqÜeza
que, advinda dos negócios
ou de· frutuosos i n v e . ~ t i m e o t o s , torna-se força motriz nas mãos dos
banqueiros e dos armadores, e sem a qual não se teria descoberto
nem colonizado a América, fora da qual os soberanos não sabe
riam como prosseguir sua política. Por isso, um sábio espanhol
consagrou um belo livro a
rlo
r
V e seus banqueiros.
Do
Atlântico
por
Sevilha se derramam sobre o continente,
para estimular o comércio (e acarretando uma alta geral dos p r ~
ços, indício de prosperidade geral), o ouro e a prata que o con
quistador espanhol extrai das minas americanas. Tais mudanças
não
deixam de ter influência nas c . < ? n d i ç õ e ~ das ru rais ma1s ,
distantes. De r ato, a massa agrária varia
po
uco, muito pouco. Sem
. - - -. ···- -.-....;---. - - .---
.
úvida, onde uer ue se a, e uma condi ão do homem e da gle-
ba, muito diferente da anhga _ ependê_
1cia
i e " ~ l . _
Q_s
grupos
SõcTais
aõmillam
JUeu..a..e
. . a . . . e x p L o . r a n L ~ . l L
re
novam entãg:
P 9 d f 1 . r . : § . e - ~ a . . r u . z ~ r : - : : U m a
u i ç ã o _da Íllrisd.ição_íéucl.a.L
_gela
risdição d
om
inial, e em nossos dias. alguns historiador<:ll não erram
ao falar
daliOvãTeudalidade
. Ma
ís,""
tãfvez,, que -
e S lpÔs
· -a
pe.-
"qüeõa cidade
a s s ~ : ~ m e
imfortâiiêia, é _
t r ~ v ~
_dela o
p e q ~ o - l ? _ u r
güêS e i D l - r l r a l o.
c o ~ e r c 1 a n t e ,
às vezC i usurários
no m o m e n ~
pício. Eles estão na periferia dessa imensa sociedade de campone
ses, ·
da
qual
ve
remos mais tarde a importância
na
c l i c
e l a da
arte barroca, e seu grupo, lenta mas seguramente, prognde para
o mundo dos juristas e se insinua na n o b r e z ~ Contudo, essa massa
do rurícolas, pouco dessemelhante de um país a outro, se encon
tra distribuída entre · Estados de estnituras diferentes. Está longe
das monarquias que são a França dos Valois, a Espanha dos Habs
burgo, a Inglaterra dos Tudor e dos Stuart,
já
administrativas
modernas; encontra-se no inorgânico Santo Império, em que o
pn-
vilégio medieval dos príncipes conserva toda a sua força
(q
uando
alguns de seus príncipes não o conciliam com um esboço de mo
~ a r q u i a
moderna), nos países aristocráticos
da
Boêmia,
da
Hun
gria
ou da Polônia, na República
de
ricos
c o m e r c i a n ~ e s
que
s.e
converte no decurso
da
luta contra a Espanh
a,
nas Provmcms Um
das
dos
Pafses Baixos e qlle relembraria Veneza, porém com mais
bonomia do que a astuciosa e secreta Sereníssima, impregnada de
orgulho bizantino. Esses Estados que i m p u
s i o n a ~
e formam na
ções em imensos
te
rritórios e captam para a plemtude
de
seu go
verno as vantagens que a conjuntura .econômica garante aos pa
r-
ticulares, eis também uma grande novidade da época.
21
;
I
• l
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 17/58
\
,
'
Por isso, não. surpreende que um governo como aquele dos
Valois tenha desenvolvido em seu benefício, o empreendimento em
que, antes dele, se engajara o grupo dos financistas, o mais rico do
reino, c que tenha aspirado a proporcionar à sua Corte o panorama
de suntuosas residências, contratando para construí-las e ornamen
tá-las os mais renomados artistas da Itália. O mecenato de Fran
cisco·x, mencionado como exemplo
no
tempo de Lu
fs XN
foi se
guido, como tradição necessária da monarquia, por Henrique
li,
que não tinha o gosto tão apurado como seu pai, mas nem por isso
foi menos construtor do Lo
uv
re. Assim, desenvolveu-se um Re
nascimento franc
ês
que, em meados do século XVI,
se
emancipara
do Renascimento italiano e
prod\17..Ía,
por sua vez, obras diretamen
te inspiradas na antigüidade, em que a t
éc l
ica artisticd, a medida, a
harmonia e a graça atingiam uma perfeição clássica.
Na
Espanha, desde 1525, Carlos V encomenda a Pedro Ma
chuca, para o Alhambra de Granada, um palácio que é uma rO Unda
à romana e sem conexão com
as
tradições espanholas. Uma gera
ção mais tarde, F'ilipe
l
faz construir por Herrera o .surpreendente
conjunto do Escoriai, palácio, monastério, túmulo dos Reis, obra
de arquiteto e engenheiro, cujo vigor é logrado pela magnitude das
proporções, a severidade das linhas e o peso das massas. Rup
tura com o gótico, ·indiferença pelo gosto da decoração extJberante
que florescia no estilo plateresco. Herrcra, tutelado pelo soberano,
promovido à dignidade de
aestro mayor
de Ias
obras reales
impri
me
às
construções espanholas do tim do século, seu gosto da regu
laridade e sua arte austera.
Dessa arte monárquica, coro aplícações diferentes de um pais
a outro,
as
fontes são as mesmas: os modelos antigos e os tratados
científicos que ensinam o meio de imitá-los. Não se trata mais de
reproduzi-los servilmente, em plágios que sempre carecem de alma,
mas antes reencontrar o espírito que os instigou, o amor das formas
belas e puras, o entendimento das regras artísticas, da proporção e,
na disciplina que elas exigem, o gosto que garante à obra seu valor
e sua perenidade. Do
mesmo modo, as Alemanhas, os Pa ises Baixos,
a Inglaterra admitem, em suas elites, esses modelos transmitidos
pela Itália, e essa doutrina de aplicação universal.
Portanto, em · parte alguma pode haver submissão geral ao
gosto do Renascimento italiano, clássico ou maneirista. Pois
os
paí
ses da Europa ocidental são populosos demais, ricos demais de' tra
dições duráveis e múltiplas, percorrem novas experiênéias para que
22
'
..
..
.
I
..
.:· I
.
,
outras formas· emprestam sua expressão ao gosto da clientela e à
maneira de pensar e viver das sociedades. Por isso, o Renascimento
do século XVI, existente em toda parte - herdeiro da Itália, po
rém herdeiro emancipado - , assume, conforme os países, aspectos
peculiares e sua história se reduz, segundo a justa expresslio
de-
Pierre
Lavedan, à de uma conquista que não foi, em nenhuma parte,
lograda sem combates" ou simplesmente, de uma luta e de uma
competição com outros valores.
Ora, essa luta não é apenas entre correntes de pensamento e
formas de arte.
o
que se passa
o
dom.ínio artístico é o reflexo de
uma evolução em outros domínios.
À
influência das massas cam
ponesas que têm atuado certamente nwn sentido conservador para
a manutenção e o gosto das antigas formas, se .contrapõem as mu
danças que alteram a relação
de
poder entre os países da Europa,
segundo o resultado das crises que cada povo atravessou de modo
diferente.
O prestígio da Espanha numa parte da Europa, com a düusão
de sua língua, de sua literatura,
dos
produtos de sua indústria, não
deve menos à conquista da América, à audaciosa política de Car
los V e de Ftlipe do que
à
unidade de fé preservada no reino.
No exterior, por seus teólogos, a Espanha atua junto ao Concilio
de Trento e lhe imprime a sua marca. Sem dúvida, ela continua
aberta
às
influências artísticas da Itália florentina e romana, aco
lhe-as principalmen te na região do Levante, enriqu.ece-se através de
trocas ininterruptas com a Sicflia e o reino de Nápoles. Porém, vi
gorosa, resoluta, com a intensa vida de suas Universidades; o ardor
de seus reformadores da ordem, as personalidades proeminentes que
vicejam entre políticos, diplomatas, comandantes militares, enge
nheiros, comerciantes, como deixaria de promover sua própria ci
vilização e contrabalançar o Renascimento italiano? A F rança, re
freada em seu impulso criador a partir de 1560, já que se consome
nas guerras religiosas agravadas por
i n t r v n ç õ ~
estrangeiras, como
não estaria aberta às influências espanholas assim como o estava
anteriormente
às
influencias da Itália? Como deixaria de refletir no
gosto francês a
pr
oximidade dos Países Baixos espanhóis,
de
onde
procediam esses artistas, pintores e escultores .tão numerosos em
Paris no fim do século XVI? ·
Quanto ao Império, t ~ o diversificado, Qnde a paz de Augsburgo
não .restabeleceu de modo algum a tranqüilidade religiosa, onde o
espirito luterano se opunha ao espírito calvinista, onde as influên-
23
l
I ,
I
I
j
I
li
.
..
·J·
1
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 18/58
I
l.,
cias espanholas restabelecem o catolicismo na ."Baviera e reconquis- ~ - - ·
tam posições na Boêmia, tem também sua experiência própria. O .
fim do século encontra-o novamente próspero e populoso, com es- .,.
túdios
em
franca produção, que abastecem com seus tecidos e ferros
i...
lavrados,
as
feiras internacionais.
A diversidade
da
Europa foi
um
obstáculo à influência exclu
siva da Itália. Entre o momento em que o Renascimento italiano
parecia terminado e propunha s·cus mode
lo
s a uma Europa solicita
e aquiesccnte, e aquele
em
que o barroco roma,no estabelecido podia
tomar-se, por sua
vez,
mode
lo
suscetível
de
ser aceito e imitado,
interpôs-se um periodo carregado de experiências para cada povo;
em que as escolhas em matéria
de
arte foram consumadas, em que
traços novos
da
sensibilidade
se
afirmaram.
:e.
evidente, por exem
plo, que a Espanha, os Países Baixos, a França, a Inglaterra alcan
çavam uma autonomia espiritual capaz
de
frutificar as lições do
Renascimento italiano, desenvolvendo tradições específicas, impri
mindo uma expressão original
ao
que se recebia de fora. Qual o
país, aliás, que não tivesse sido, ao menos em alguns de seus grupos
sociais, participante do Renascimento? No século XVI,
na
Boêmia,
mais além nas duas vertentes dos Cárpatos, seja em direção de Cra
cóvia e da Polônia, ou descendo de novo em direção da planicie
húngara, a nobreza feudal, enriquecida com novos métodos
de
ges-
tão de seus domínios, restaura suas antigas fortalezas, transforma-
. ....
.
lhes o aspecto externo com galerias à italiana, decora-lhes
as sa
las ·:·· .
com tapeçatias, acumulando-as com coleções de objetos de arte, ~ i · ·
quadros, livros raros e belos. Até na própria Rússia, aparentemente
retraída e ainda longe dos grandes movimentos europeus, percebe
se-lhe o refluxo.
Há
muito tempo arquitetos italianos já tinham to.
mado o caminho de Moscou, ensinando suas técnicas aos estúdios
locais, contornando o K.remlin com um moro à italiana, edificando
nesse cinturão in1perial um palácio com graffiti que lembram aque
. les de Bolonha, e que surgiu à sombra das igrejas de cúpulas dou-
radas.
~ n e n h u m
Pl _rle
da Euro a o Renascimento italiano est?ve
~ e ,
mas
em neõliuma J llrte
tami>.Quco_
fez t ula
ràsa -orrim
pondo, sem ~ b a r g < h _ s e u s w . o d e l Q § . Q ~ . ) n ~ i p u a n ª o _ a F n a s c ü ~ P"ro•
cessos em conjuntos que permaneciam estranhos a seu espírito. ·
- -
-· . .__
.
Hesita-se, em conseqüência, em empregar desde logo o epíteto
de barroco a esse período de indecisão e de ecletismo do século XVI.
Se se preocupa, ao mesmo tempo, de determinar uma categoria e
24
•
I
._
;
·
··
--:
; _ ,
.:
·
{ ·
fixar datas aproximativas para comodidade
do
espirito, sofre-se a
tenta.ção
de
· aplicar também ao período entre 1530 e 1580 o epíteto
de maneirista, fascinante em seu atual suéesso. A exprenão- seria
justüicada no sentido em que se trata, no fim d
as
contas, de ma
neiras e, muitas vezes, saborosas de interpretar o Renascim.ento
italiano, sem evidenciar um esiilo novo e mantendo-se distante ( ~ x
ceto alguns êxitos)
da
autoridade doutrina e da harmonia equili
brada que fazem íus ao epíteto de clássico.
Não é menos verdade que tudo o que se desenrolou no tempo
a partir do Renascimento só existiu
à
sua sombra e alimentado de
suas grandezas. ·Maneirismo, barroco e classicismo originaram-se
dele. O que se. produl.iu na Itália, ou seja; a passagem do Renasci
mento ao barroco, através do maneirismo, pode ~ o r t a n t o ser obser
vado em outros países. Nesse sentido, não- se deve acreditar que ao
barroco italiano do eiscentos cabe a paternidade dos outros bar
rocos,
nem
talvez uma anterioridade cronológ
ica.
A arquitçtura religiosa, ali onde se mantém isenta da tradição
g ~ t i c a ,
inspira-se paralelamente nos· modelos italianos, renascentistas
ou maneiristas e nos modelos flamengos, estes mesmos inspiràdos
na Itália, mas conservando seu modo próprio. A arquitetura civil,
nos hotéis do Marais em Paris, se evade
da
tradição medieval e
adota as 'Ílecorações exageradas, das quais o Renascimento belüontano e o Renascimento flamengo propagaram
o
gosto: são guirlan
das de flores, folhagens e frutos, couros lavrados ou frontões cor
tados. O conjunto deriva da Itália, mas nada tem a ver ainda com
o barroco italiano, e se lhe conferimos o epíteto de barroco, cumpre
advertir qoe Bernini, voltando a
Pa
ris em meados do século XVII,
após trinta anos de êxito romano, escandalizava-se com arte cor
rompida que nela descobria.
Pensando
na
indecisão do período e nessas derivações do Re
nascimento
na
Alem'anha e na Europa central, compreendemos des
de logo que os histqriadores desses ·países tenham alado de um
barroco protestante nessa data, pois os protestantes conheciam essas
formas de estilo tanto quanto os países católicos. Alguns defenderam
mesmo que o barroco, nessas condições, não lhes havia sido trazido
apenas pela Contra-Reforma ou que, pelo menos, o terreno lhe es
tava preparado com antecedência. Contudo, não se trata, na ver
dade, do mesmo barroco. Em compensação, é mais correto dizer
que o século XVI manifesta, por toda a parte, uma ebulição, uma
multiplicidade de gêneros que, superando
ou
até ignorando o ma-
25
--
r s= z
)
ti· f
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 19/58
l
..
netnsroo italiano,
já
acusam caracteres barrocos. No século
xvn
essas forças serão captadas pelo barroco romano e pelo classicismo
francês, impelidos sem dúvida em direções opostas pelo exemplo
de obras maiores que cada corrente imporá como modelos
Não se deve
CQncluir
da( que barroco
e
classicismo, possuindo
cada
um
sua
autonõ.lllJà,
constituiram dois mundos espirituais
he-
terogêneos, reciprocamente irredutfvcis. Seria reportar ao passado
uma antinomia
do
gosto que s6 existiu muito mais tarde e em de·
corrência de uma longa evolução
das
cricunstâncias e dos espíritos.
...
conhecimento imparcial da época revela, ao contrário, contami.
nações, intercâmbios, interferências cujas condições históricas, devi
damente" compreendidas, fornecem a chave. O estudo do barroco e
do classicismo enseja conhecer essas relações, mas nossa atenção
deve incidir somente sobre o barroco, para inferir-lhe o caráter e a · 1
evolução nos diversos países europeus e naqueles que dependeram
diretamente da civilização européia.
. , I
, ~ , ,
.
;
\'
26
·. I
:
1
Capítulo
SOCIEDADES DA EUROPA MODERNA E
O BARROCO .
. .Convém resgatar, nas sociedades européias em que o barroco
se desenvolveu a partir do século XVI, OS valores que
se
·revelaram,
comprovadamente, mais favoráveis a seu sucesso.
O primeiro que
se
deve mencionar é a concepção que muitos
homens tiveram então da religião e do culto . A crise_ eligiosa
dQ
século Y l.guestiq,no_u_J
Q:S .a il... J:ran
ça espiritual dª ®9e . é d i a .
A
~ ~ ~ < . , l p ,
V ~ _ J a l i z a d a em c o n j } l _ p t ~ é \ J I l ~ rugtura q : ~ m essa
' c i ~ d o s
s é . c u l ero _ g ~ e
} d ~ . a l c r i ~ t
i _ o
p a r e c e u
· romper-se aq cçntato dos interesses
~ : u n d a
_ q s ,
ym retomo
às
ori.
-·
géns
do c n s t í i i n i S i i i õ
Dcüs, porém
s6
Deus.
o
Cristo redentor, po·
·- rem .o Cristo tal como ·
se
retrata no testemunho ·
da
Escritura, o
puro evangelho. A comunhão, por certo, mas. não a missa. A fra
ternidade dos
fiéis
e não mais a hierarquia da Igreja. A recordação
dos defuntos, porém não mais as preces aos mortos e que se atre
vem,
ob
ras imperfeitas
do
homem, a infletir o julgamento
de
Deus
e as secretas
razões de sua cleiç1lo e de sua justiça. Por isso, a
intercessão
da
Virgem e dos santos, a reversibilidade dos méritos
se vêem rejeitados como indiscretos, até atentatórios à onipotência
do. Criador. Disso resulta senão condenação
da
arte religiosa ·
(Lu-
tero o demonstrou por sua preocupação com os belos cantos; Cal
v
in
o, mesmo negando que seja lícito representar Deus, reconhece
,que as artes de pintar e esculpir. são dons de Deus), pelo menos
:uma tendência à austeridade,
à
gravidade sem atrativo, à antítese
do barroco. O iconoclasmo surge assim, na violência das lutas,
ç;om
a obstinação
de
suprimir imagens cuja simples vjsão fomentaria
opiniões nocivas. À Reforma respondeu a Contra-Reforma. Empre
endendo, à sua
m a ~ e i r a ,
urna regeneração
da
Igreja:,
da
quàl
nin-
27
I
I
~
·
'
..
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 20/58
~ é m contestava a urgência, o Concílio
de
Trento.
e s ~ i . f i c ~ m
nu
merosos dog01as
ou
diferiu a definição
de
outros - m dubus libertas
Porém, ao invés de uma .ruptura ele assinalava uma evolução: Re- .
novar a vida cristã e a espiritualidade como a Reforma precomzara,
mas
desta vez no
âma<>
o e através
de
uma Igreja romana depurada,
conjugada o l u t a m e n ~ e ao que o passado contivera de ~ u t _ ê n ~ c o e
ortodoxo. Vêem-se, assinr, proclamados o culto
da
Eucanst1a, wde
pendentcmente da consumação·das santas
~ e s J?Clos
fiéis, a
i ~ ·
tercessão dos santos e a obrigação de venerar suas
Image
ns,. .a
_POSI·
·ção excepcionaíCl'ãVirgem nesse culto dos Santos, a l e ~ t I l l d a d e
'
élas
devo
·ões
à
sua giória._aotecjpand
( i.a..prQm.QÇâo
de
noy
dogom
(Imaculada Concepção, Assunção), a primazia
dO
trono Pedro
e a autoridade do Papa, ainda não declarado infal vel. A mtenção
de reconquistar aqueles que a Reforma afastara da
fé
romana, de
iluminar os que viviam
na
an tiga e coníusa rotina, p r e s s ~ ~ a
prppagação
da
liturgia e novos locais de culto. A ~ r t e r e h g t ~ s a era
assim reanimada, promovida a um novo surto. Nao bá
dúv1da de
que o Concüio de Trento, onde nas últimas sessões prindpal n_ente,
teólogos franceses imprimiram .energicamente a sua marca,
fo1 um
Concílio dos ltalianos e
Es
panhóis, filhos de dois países em que as
artes ocupavam um lugar primordial, em que o i c o n o c l a s repug
nava às tradições. O Concílio, em reação contra o pagamsmo, · ape-
nas
um
dos aspectos do Renascimento, não renegava, •portanto, todo
o Renascimento, dele conservando as lições disponíveis
p a r ~
uma
nova arte religiosa. Além disso, foi ' a pomposidade do Renasc1mento
que reapareceu na arte barroca. :a .preciso, porém, prevenir-se
p a ~ a
não identificar Contra-Reforma.e estilo barroco como dados estávets,
ligados necessariamente
um ao
o
uu
o, já que, .ao ·contrário, se trata
de uma evolução.
Porque o Concílio não ministrou P escriçõe _I:Jl\ matéria
-º.e
arte.
Ele falou muito do que era pre
ci
so banir_das igrejas:
ima.M_ns
lasc
i·
·.
v
as,
profanas ou gue ameaçavam arreda
r_g
s
e s p í r i t o
doutrin
l .
.Nesse ponto, mais
um
a advertência negativa do que
ulllSI....J Q .lll.ri.P.a
·positiva. Colocados os princípios da liturgia e
da
disciplina, o meio
de aplicá-los dependia das circunstâncias e do gosto de cada um.
Tanto isto é verdade, que a
ane
religiosa
da
Itália nos anos próxim
os
ao Concílio
foi
uma arte severa,. cujos laços com o .barroco triunfal
do século seguinte quase nlío se identificam
à
primeira vista,
Na
com·
posiç
ão
necessár
ia
das categorias os historiadores falaram, a propó
.·
. ]'
:.;.··
• t ;
·-1-
, I
'
r
1
li J
'
' .
f
:J
,·,'/
..1
.
I
I
i
l
. ·
i
:1
ilo, de um esúlo d l Contra-Reforma, o que
é
dizer demais, ou
de
barroco severo, o ·que talvez seja contradição nos termos. A verdade, · .
,.
no entanto, reside no fato
de
que
os p r i n ç í ~ ~ ~ ô r u c o s e as ·-i
....
•
28
.I
·
;
formas do Renascimento e do maneirismo foram C_Q lserva o del'Ois
i n t e ~ : r c t O ' o r r l l l ' l ' r m i J d o
cada
vez
mais (avorá
vt'l
ao movimento,
3
prõcura d õ e f e
r t o ~ o
contraste c -
a_
suntuo
s1dade,
que
se
form
ou
assim úm novo cSt lO ao qual
se
a p h c _ ] u s t a m ~ C ? ~ _ e í t e t o _
roco. Essa evolução está ligada muito menos às mtençoes
tmcaaJS ao
-cõ'tlcffio
do
que ao destino de sua mensagem.
:
·
Sem dúvida cercando o sacrifício
da
missa de uma liturgia so
lene, afirmando ·que \tm culto peculiar deveria ser rendido
à
hóstia,
consagrando a legitimidade das cerimônias de homenagem
COll\O
as
procissões, o Concílio planejava, para a--.arte religiosa q':'c ? e v e ~
desenvolver-se a partir dele,
um
carátér de esplendor. Hoje
J t u r g ~ s
tas severos ou preocupados
em
atenuar o que separa a Igreja romana
das igrejas reformadas, deixam transparecer seu
d e ~ g o s t o
ante a mag
nitude atingida pelo gosto da suntuosidade. Eles receiam, retrospec
tivamente, que os Salves ·do Santo Sacramento, com ·as luzes, as
flores, o incenso, não tenham distraído a piedade
do
que a teria
ma
is
substancialmente alimentado:
uma
inteligência mais profunda
do
sa
crifício eucarístico, uma participação mais ativa
ou
menos passiva do
povo cristão, do caráter comunitário
da
missa. Mas são juízos
de valor e não explicação. A época ainda era de luta: Convinha-lhe
afirmar de forma ostensiva, as verdades dogmáticas do Concílio, de
marcar 'assim a retomada das posições abandonadas. Não se acredi
tava que a religião Intima das almas pudesse s
er
J_Ilenos
intensa, se
tivesse
na
sociedade inteira, as manifestações grand1osas de
um
. culto
.
'
-
úblico. Era portanto natural
q u ~ apos
uma
r e ~ ç _ a o
contra
as
con-
descendências sensuais
do
Renascimento, o catoltctsmo reencotttrasse
o gosto das decorações pomposas. Principalmente na
E s p ~ n h a ,
;
na
Itália onde tais tendências já existiam, ou na Flandres cat6hca, con
servada espanhola porque continuava católica.
A espiritualidadc da ''álegria, na acepção do O tório e de São
Fe.lipe Néri, também predispunha as almas a
t r ~ d . u z r e m
em cantos
e gestos seu regozijo inter
ior.
Ih
hymnis et cannczs.
Em Roma, en
fim. capital
do
mundo religioso, na cúria romana, atenta
à r e t o ~ a d a
do destino dos povos por príncipes católicos - um duque
da
Bav1era,
um Habsburgo em Praga,
no
centro
de
sociedades quase. o t a l m e o ~ e
conquistadas
à
Reforma,
um
Henrique
IV
que se
~ ~ n v ~ r u
pa:a
r ~ l -
n
ar
e restabelecer a paz civil na França - a consctencJa
pas
vJt6nas
alcançadas· acarretava a exigência de ações de graç
a.
"Onde estão,
pois, os outros nove?" dissera o Cristo ao constatar a
i n g r ~ t i d ã o
da
queles que havia curado. Agradecer a Deus e r ~ ~ e v ~ r ..
A ingratidão representava Üma forma de '6Iasfêmia, um pecado do
29
I I
I
,
I
I
I
~
--
..
t ; : , , · , ~ ~ ·
"}
: . . ~
t
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 21/58
' '
orgulho. Quer queiram ou não, havia também buinildadc c simplici-
> ~ ~ ~
dade de coração nessa necessidade
de
preito e magnificência. Porém,
. ' d
esse conjunto de opiniões e sentimentos provocava uma renovação :
·
da arte religiosa pela riqueza e a profusão. Não um estilo. inventado · ; . ~ _ ~ ; f
para surpreender as imaginações, perturbar os sentidos, submergir a - •
razão, captar as adesões religiosas
por
um aparato de sedução, mas <;:
um estilo sem dúvida triunfal, porque se conciliava
'coro
a experiência ;
.:.
do
t.éropq
e que, sob esta forma, representava uma expressão da prece. ·: J ·
l .
· Deve ser aqui dissipado o preconceito que associou muito tempo ·
o barroco e a atividade da Companhia de Jesus, ao ponto de se fazer ~ ; j
admitir a expressão de estilo jesuíta. Este, para ser autêntico, pres-
~ - = ~ .
suporia que a Companhia tivesse adotado um tipo uniforme de ar- \lj
quitetura religiosa e de decoração, ou que a igreja do Gesil em Roma,
: ~ i :
cOntemporânea do Concílio, tivesse servido de modelo à arte posterior.
= . ~ ~ ~ - - I i
Duas asserções contraditadas pelos fatos. Vimos o carát
er
-da igreja
do
Gesu. • :_;I
•
' í '
I
Atentos ao perfeito acordo da arte religiosa com as prescrições . :;
do Concflio,
os
jesuítas só pensavam em fins práticos. Suas igrejas
.;..:
deviaD:J ser iluminadas para que o fiel pudesse acompanhar bem o
: : . ~ ·
ofício, ler as orações de seu livro; a acítstica. impostada de modo · j
que se ouv
isse
o pregador e o canto ressoasse em sua plenitude.
: : ;
Um
acesso fácil
à
Mesa Sagrada devia garantir sem desordem a :'-';
distribuiç
ão
da comunhão. Ainda algumas
pa
rticularidades, como
a ausência de um grande coro, in(llil já que não havia ofício pú
blico, a presença de oratórios onde os padres, isolados. do resto da
igreja, adorariam o Santo Sacramento num recolhimento ma
is
ínti
. ,,
. : ' '
",
mo, e a
isso
se r
es
umia íl modo nostro, a
i r a
própria dos
jesuítas. O resto, isto é, o principal: planta do edifício, estilo
da
construção, submetidos à preferência dos doadores, ao gosto dos
arquitetos e subordinados às circunstâncias. Houve no tempo do
generalato do P. Mcrcurian (1580), efêmera veleidade de impor
às diversas provfncias da Companhia o mesmo tipo de edifício, mas
o princípio da liberdade prevaleceu. Da modesta igreja de Anchieta,
na· bafa do Rio de Janeiro, simples como uma igreja paroquial de
vila, ao hábil, 'porém livre apelo
do
Gesu, a igreja professa de
Paris (hoje São
t>a
ulo-5ão
Luís),
mais prima afastada
do
que filha
do santuário romano (P. Moisy); à pura e romana igreja do no
viciado parisiense; à capela
La
Flêche, onde se conserva a vo
luta de ogivas; à oora-prima barroca do noviciado romano, Santo
André do Quirinal, de Bernini, em San Salvator de Praga, com
suas três naves e seus púlpitos; à igreja Am Hof de Viena, com sua
30
.• • l •
.
;.
.I
- 1
. .
decoração manemsta e seu admirável terraço (a lista· seria ines
gotável), é uma variedade surpreendente tipos e sua diversidade
se explica, acima de tudo, pelo desejo de ser eficaz. Flexibilidade
c moderação da Companhia: o importante não era fascinar pela uni
formidade e exclusividade de .um modelo, mas tornar uma igreja
agradável aos usuários, respeitando a escolha dos doadores, a d a p
tando-se aos hábitos da região, tis condições do espaço.
Di
ssolve-se assim o fantasma do estilo jesuíta. Mas fica evi
denciado, em compensação, que
os
jesuítas, construindo·. muito na
época em que triunfava o barroco, elegeram esse estilo para alguns
de seus mais notáveis resultados e mui
to
contribuiram para seu su
cesso e reputação.
B preciso conceber como os valores religiosos
ca
tólicos se
propagaram então amplamente na sociedade européia. A partir das
prescrições conciliares, favorecidas aqui, combatidas
ali
pelos gover
nos, o catolicismo renovado progrediu e reconquistou almas. Algu
mas delas ascenderam até à santidade ou conheceram as graças ex
cepcionais do êxtase: por injunções da fraqueza humana, um red
u-
zido número. \
\
. Em
c o m p c n ã o , socie.dl :des
inteiras se banham
na
f ~ ~ a \
, da
reügi
ão e,
principalmente, sua estrutura mental_
é_
religiOS
, l.
Do '
fiãScimeniÔ à morte, O clêrÕ 'inferve m emtoÕâsãs eta_E
aS
de
uma
existência. Nenhum estado clvd a
não
ser o
da
-·rgreja. ·
a u ~ s
W1íriêiito.s.;:::taleg mentoJ ,
tücloe ~ & l f a d º - ~ º ç _ l r b . .
J i i i i
l n l i t i s
países mant6m-se o registro das confissões e comunhões pascais, pres
critas pelo Concílio de Trcnto. Se o trabalho é regulado somente pela
luz do dia e, no campo, pelo ciclo
das es
tações, também o é pelas
fa
ses do ano litúrgico. Os d o m i n g o ~
sã
o de folga e
de
numerosas
festas de santos. Os açougues são feébados
du
rante a quaresma. Os
divertimentos populares acompanham os júbilos da Igreja .B ela que
empresta a alguns dias seu ritmo de festa e a outros seu caráter de
penitência. Celebra-se o Natal para lembrar o nascimento do Salva
dor, a Páscoa para o dia da Ressurreição, as festas
da
Virgem para
evocar suas graças insignes e anunciar a vinda do Cristo.
Cada
pais,
cada cidade venera u.m santo protetor, cujo nome se reproduz nas
famílias de uma
ge
ração a outra.
Existe algo de mais direto ainda, principalmente nas sociedades
rurais. Apesar do progresso da ciência, do qual só se desfrutaria com
lentidão os benefícios, e que, além disso, só interessam a uma mi
ooria da população, a tcrecariedade das técnicas deixa os homens
tragicameote desampara
os
em face das calamidades que os anl < l.-
- -- -
31
'l
: - ~ l o .
i
'
1
J
1
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 22/58
çam. Trata-se da sa6de? As epidemias que
na
da previne nem detém,
\ · - -ruãStram-sc com um ritmo de catástrofe e desencadeiam terríveis
es
' · tragos.
Em
tempos normais a medicina empírica, a ignorância da
I
L
cirurgia deixam as doenças s6bitas e fatais destruir existências em
pleno vigor da idade. Muitas mulheres sucumb
em
aos partos. e a
mo
rt
alidade infantil permanece cons
id
erável, não atingindo sequ
er
25
anos a média de vida humana.
Trata-se dos bens da terra
?
Numa época em qu e os rendimento{
do solo cultivado são irrisoriamente baixos, em q
ue
os costumes vi
gentes arrebatam do produtor uma parte importante de sua colheita
e
interditam-
lhe as
reservas necessárias,
as
intempéries, desastrosas
mesmo hoje em dia, conduzem rapidamente
à
miséria uma população
subalimentada e cedo esgotada pelo uabalho.
As
privações degeneram
En-fome- e - a c a r ~ a m . _ P..ara ª q y e $ ~ Q. JC
_
t i . . l g ~ ~ ~ ~ m s
e : . o ' . s ~ q i } t r i :
J [ á g i ç ~ :
) l l Ç J <
~ ~ i t ~ v _ :
dos .
m ais
fracos, dãs cnanças,
velhos, mulheres grav1da.s·-e queõa d'a:- natãhdade durante anos.
:§JEd\lbi ll\vel
. _ s ~ J l ~ g y r
m ~ _ ç _ ~ . a ~ J l . ~ ç l ~ l ~ a .• l . . . m
a sollc
Jt
ar a mtercessão i:Jas forças espmtuais. 1Jma rehg.tOSidade di
fusa, uma cren)a um p Õ ~ ~ e m e r o s a no maravilhoso e;r.:plicam, con- ·
forme a maneira pela qual podia ser iluminada ou captada, a recep
tividade mais dócil ao ensinamento das igrejas
JU
o refúgio nos mis-
:.. ;
térios da feitiçaria. A Contra-Reforma, multiplicando as imagens, en
corajando o apelo
à
intercessão dos Santos, norteia para a doutrina
definida pela Igreja uma inquietação que derivaria facilmente para ·· ·
a m
ag
ia. AJJ exigências inerentes a nosso tempo levam muitas vez
es
.. · ; '
.a de sconhe cer que esse ritual, se deixava numerosas alma.s ao nív
e1
....> ·
de práticas mescladas de superstições,
fo
mentava em
mu1tas
outras ;·;· ; t
uma vida religiosa autêntica. As prescrições conciliar
es
tinham sido
formais a esse respeito: recomendavam a invocação pessoal dos san
.
tos e o culto de suas relíquias e imagens, como uma coisa boa e útil,
condenavam aqueles que defendem que os Santos não rogam a Deus
pelos homens ou que
é
uma idolatria invocá-
lo
s, a fim
de
que oreJD
pa ra cada um de n
ós
eni particular (25.a sessão, dezembro
Cada um de nós em pa rticular. Cento e vinte anos depois do
Concílio, esta m
es
ma idéia é reafirma
da por
Bossuet na oração
fú-
nebre da rainba da França: Que eu menospreze esses filósofos que
avaliando os consel
hos
de Deus à medida dos seus pensamentos, não
o fariam autor senão de uma certa ordem geral, onde o resto se de
senvolve como pode ·c omo se a soberana inteligência não pu
desse compreender em .seus desfgnios as coisas individuais que, sós,
subsistem verdadeiramente. Não duvidemos disso, éristãos. Deus or-
3
·
_.;,
' - ' ~ ...
j
..
denou também nas nações as familias individua.s de·que elas são com
postas. Disposição que prepara e fomenta, na arte religi?sa,
não
ape
nas o caráter transcendental das visões de paraíso e eterrudade, as ma
ravilhas dos santos na glória, mas os testemunhos concretos e simpl
es
de uma proteção familiar, mesclada à atividade de cada dia, que,
an
tecipadamente, empresta a algumas estátuas uma e r s o n a l i d a d ~ ,
tl m
-
bérn específica, encoraja
os
fiéis a depositarem nelas.
~ n t u ~ e n t o
de predileção, a visitá-las em peregrinações ou em mstan c1as Isola
das, ·como seres vivos e ericazes.
No decurso dos debates
do
Concilio, os perigos da idolatria
eram salientados nessas práticas, mas não contrabalançavam·a amea
ç·a mais grave de um culto abstrato que poderia levar à i n d i ( e r e n ~ a .
Por isso, os padres espanhóis tinham feito reconhecer nas imagens,
como tais, em primeiro lugar pelo que el
as
r
cpresc.ntavam,_
mas Iam·
bém diretamente e em razão das bênçãos ·de que
ll
nham sido obJeto
e das graças
de
que
es
tavam ilJvcstidas, um caráter venerável de ob
jeto consagrado que as distinguia da imagem profana e
as
banh_va
de
cs
piritualidade. Quando no dia subseqüente
à
guerra dos
Tr
mta
Anos, o Imperador Fernando UI ordenava reerguer no Império
os
calvários e as imagens das encruzilhadas, erigidos pela piedade dos
antigos cristãos e destruidos no decurso de a ~ i t a ç õ e s , não fazia
~ ~ s
do que aplicar o próprio espírito do n c ~ J _ ? e r e a ~ a a t r a d 1 ~ a o
Mas se se considerar até que ponto as cond1çocs da
VIda
favoreciam
esses recursos à intercessão c preparavam um uso .constante dessas
imagens, compreende-se o sucesso que poderia v l ~ de tal ~ e d i d a
e corno ela facilitava, muito mais do que as piescnçõcs polthcas e
talvez melhor do que os sermões, a propagação de uma religião
sensível" e familiar.
Poder-se-ia perguntar em que essas tendências sociológicas e
religiosas garantiam o sucesso
de
uma arte que fosse antes barroca
do que outra coisa. Mas a resposta é fácil. · .
Em
primeiro lugar, essa. religião das imagens era conforme ao
gosto da Europ·a e, naturalmente, · os model
os
espanhóis
~ x p a n
diram nos p
aí
s
es
católicos para se associar à
j ? O P l i _ S ~ 4
a . . . . J : ~ O . ~ _ a
Como o caso da estatueta do Menino· Jesus ideotif•c11da até hoJe soõ ·
a denominação de Menino Jesus
e
Praga- e que tem
po
r modelo
autêntico unia pequena estátua de cera trazida da s p ~ a por M
""'
de Pcmstejn e oferecida
por
sua filha ao Imperador Ferdmando, q ~ e
a colocou numa igreja de Praga. D
ess
e modo, às vezes a própn a
33
I
I
I
:
I
I
t
I
.. ~ r . · : r . i j
't.';Í .:.Jj
li
(
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 23/58
'l
figura, porém mais freqüentemente ainda o santo cuja devoção se
· : { j ~
adquirir, reuni-las em
tomo
dele, se acrescenta
uma
condescendên-
' expandia com sucesso, procediam da Espanha, como Santo l sidoro, ' · ~ · ; ' : : 5 cia geral da opinião, em que entram, ao mesmo tempo, gosto po-
reconhecido como padroeiro dos trabalhadores c amplamente aceito · , { : . ~ : ~ u ar do espetáculo e m · ecente convicção de ue o e .1
nos meios rurais de toda a Europa. Nos países da América Latina, · . : · ~ ~ ~ : · · . · · : : -
1
~ l i z ~ e ~ ~ i f e s o _os_ e t os, p_;,2.__ ilho
culto e expressão do culto caminharam juntos e difundiram no novo . cen
áii.o em
que se exerce.l:omo nãõ ficar
im
presstonado pêlã D-
I continente o feito da F.spanha. Encontram-se, pois, tanto as devoções sisiencla di 1(ichelieu, depois de Bossuet o defender, um no
Tes-
"\
espanholas como a forma de arte que as
tr
aduzia. M:as onde o novo ·
i ·
• tamem p()/itique, o outro na Politique tirée des propres paroles de
, impulso de espiritualidade dos santos
não
adotava f0rçosamente os ~ i { : : L
Escriture
sainte, de que o luxo da casa real deve ser
re
buscado,
•3
modelos ibéricos, o culto se desenvolvia num llllndo já habituado
~
para impô-lo aos estrangeiros?
"As
d e . ~ p e s com magnificência e
l
com a arte iluminista do gótico e cuja sensibilidade se satisfazia : . ~ . : \, dignidade não
ãO
menos necessárias para a manutenção da majes
• menos com uma beleza ideal do que com imagens familiares e to- :·;,;.
~
tade aos olhos dos povos estrangeiros."
Há,
portanto, intenção de
\C
0 cantes que a aproximavam da doçura ou da dor, dos sofrimentos e
;. fi1
deslumbrar, vontade de parecer faustoso, por r117.ões de oportunidade
da misericórdia. :'.reciso, pgrtanto, que a iml gem enteiJ CÇA_
'
U
~ - · jp
política. D c s e n v o ~ assim. além do Renascimento, p a r a l e l a m ~ ~
0
acalme, que ensmê,- porém inquietando o coração e n h u m a · · : > . ' i ao es[OIÇO dos juristas e doutrinários para f o m e c e ~ o _ _ re1
l
.a
rte, a med
id _
clássica ou a harmonia p\atônlcãParecem basta
i';'
. : , · . ~ ' i
justificações de ordem intelectual, a
re
so
luç_ão
c o m o v e r
as
'b. nem_a__aptada_ aq_ objc ,ivo visado. Norriialrneri.te:' O: culto_aos t o s , ~ . ~ . , ~ i . Sibilidades pela grandeza do esoe tácülo r,eal; )ossue
ala.
rá
Oeli.ão
como era
cornpftlÇ1 lH
9o na Contra-Reforma, encontrava-se asso- ~ : - ~ i
11 ·
se1 que encanto emana da pessoa do
p n n ~ p e .
Se se acrescentar .a
• ciado a um clima de maravilhoso e de realismo, que aTIOer'dlül'e do ' : . - : } . idéia geralmente aceita, tanto entre os catóhcos como entfe os pro-
I 'barroco podia mêlhor evocar e"satts[aze
r.
)-)" F testantes '(Jaime I da Inglaterra),_ de que o poder do rei eman_a di-
- --::---'-
-,;_-=::=:.:..:..-7. 7 .:..:..::...:.....
-:-:- ....::..:,:...:..:..._
_ . ··;".·:
'
retamente de
De
us, de
que
o ret é o representante da autondade
.Entre os valores
CI
VIS ~ J ~ v o ~ ~ . . ~ ~ arte ~ , I J
t u o ~ d l d f ?
•
·
; j.:i divina e, nesse sentido, digno de homenagens que não se tributam
\_ ?arroca,. ev - . n ar ara a .UIStitUtçao mon wca e
~
, . a outros homen.s; se se pensar enfim numa espécie de contaminação
os prmctpes ac:e t t i - ' l ~
L
\ L ~ l . J W J l ~ J U ? r ~ _ t í ~ Dir-se-á que ,:·,
J
do culto da monarquia pelos ritos
da
r e l i ~ o nos pafses cat6licos,
~ s a
p r e ~ ç
a . o
eXJstu
a no do
R c n ~ s ~ e n t o ,
e que propor- ·,
1
ter-se
-á
0
elenco de componentes do maravilhoso que
se
desenvolve
cwnou bons resultados ao espmto do classtctsmo. Isto é verdade c ;
':.
·' em
to
rno da instituição
assinala uma ligação a mais ent
re
o Renascimento e o barroco, ent re ~ ? · A' d ' . · · . á
1
·
d'
1
m
81
5
R
. · • 1 · · d é 1 XVII E · é
•, ,
''r JO a mats: a monarquta ser anto mats gran
10sa
quan o
o
e n a s
u n c n t e o c a s ~ C l s o s .cu o : ntretanto, .a d t,a
....
misteriosa for. Em 1648, parlamentares parisienses, pressionados por
de ~ r : _ a r maJest.ade real de um aparato de t q u e z a , assulllla mats ' : - : ~ l Mazarin
para
definirem clarame
nt
e os respectivos direitos do Parla
conststencta à med1da em que grandes E s t a ~ o s se ror:naram na Fran- mento e do rei,
80
invés de aproveitarem a ocasião para amesquinhar
ça,. ~ ~ g l a t e ~ _a. ~ p a n h a , e que com
1sso
se qUIS marcar a pre-
> ~ · ,;
um poder do qual eles
não
cansam de denunciar os abusos, protes
e m m e n c t ~ da
msut11 çao
e do
p e r s o n ~ g e m
no ~ u a l ela se
. e ~ c a m a
: ,
l
taro, como diante de
um
sacrilégi
o,
declaram que seóa violar os selos
t e m p o r a n a m ~ n t e Amda uma ve L m a l ~ é. à Itába que se.dmge,. pro-
- i ~ i
I- do segredo da majestade do Império. Tudo isso pode parecer es
Cutando segmr o exemplo das Cortes Italianas, que manunharn JUn to .• . 1 tranho ao barroco mas na realidade o repete.
delas os artistas e cujos príncipes se di.vertiam ·ein construir palácios, ':-·." Nã pod d · d éculo
XVII
d I Ih
· · · é · · · • o llC erta, para comprecn cr a monarqma o s ,
em remo e
ar
- es os arranJOS mtenores. Surpreendente o caso de
,,-:
:
1
· át
1
d ·xar de v'slumbrar
uma
d'ts-
H
· IV h b' d ' · · · d..
1
·d · d . · ,
il
neg t g e n c ~ a r esse car er sacra , nem e1 1
ennque , a ttua o as VIC
SS t
u es ce uma VI . a guerreira e e
..
;·.: 't
. •
b . t as ·nst"nct'as
0
que possibilita fomentar a
· d . . , d d
'b -
, ,
ç,
postçao em uscar
em
ou
r
1 "
pengos, urante
~ o .
tempo pouco
~ r e o c u p a
o
e.
er o
gt
ao r as-
s
; - . i i i '
emoção em torno .dela.
n ~ e
as f
ys
tas das quais a
Idad
e Média,
gado as vestes SUas, roas que, uma vez
e s t a b e l ~ d o
no ~ e r de
,:'':·
. sem dúvida, · transmitira a tradição, mas que recorrem a
tudo
o que
um rc:1 de França, tom_a logo o gosto de co
nstC1ll.r.
em
~ n s e em ;: -rj a ar te contemporânea oferece de mais deslumbrante para a inaugu
Fontamebleau, de orgam.zar no Louvce a grande Galena à berra dágua. ,-J
.J
ração de reinados, para os casamentos, nascimentos, lutos
na
casa
Ao humor pessoal do príncipe, que pode, se o quiser, ser um _ : i1 real. Com diferenças que resultam das disponibilidades financeiras
amador esclarecido, apreciar as belas coisas e, pela facilidade de as
<
de cada Estado, no decorrer do.s acontecimentos politicos mais ou
34 •
.;;
,:; 35
. . '(
.
1 ( 1 : ~ - :
·:. ) ~ t i
I
;
~ \ 1
'
,
r
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 24/58
\
· '
menos propícios,
c ~ n f o r m e
os paíse, e as datas, ess.a
pompa
monár-
~ : J i
grupo social, mas é, c o ~
~ r e q ü ê n c i ~ f r u s t r a d ~
pelas
~ i t u d ~ s
das
quica esteve associada, cedo
ou
tarde, em maior
ou
menor grau, em . más g e s t õ e . ~ , dos inforturuós ·dos filhos pró<hgos, dos nscos 11Dpre-
todos os países europeus - Espanha, França, Império, mesmo a
. ~ ; ~ : : f .
visíveis. Por isso, a continuidade dessa tradição não é
uma
regra tão
Inglaterra - a manifestações barrocas. E as outras classes sociais? . ::·:· i. genética como se tem dito;
ma
s s.e se te n dito ou d e s e j ~ d ~
f a ~ ~ r
crer,
Já
se
viu como
0
modo
de
vida dos· camponeses os pre- . .
é
justamente porque correspondLa ao rdeal por excelencta. Temos
dispunha à forma
de
sensibilidade religiosa que a arte barroca
era •:;
poucos bens, di.zia orgulhosamente
um
Lefevre d'Ormesson, mas es-
a mais
apta
a traduzir.
Um
estudo mais aprofundado obstaria, sem ..};} tes bens nos vêm
de
nossos pais."
Há,
desse modo,
no
senhor e
dílVida, considerar a classe. camponesa como um tqd
o;
propiciària .
: _
•
1
.{
proprietário fundiário,
ao.
mesmo ten:po, camponês rei, pois.
reconhecer nela os grupos que, mais específica
ou
conscientemente, ·•;:·
•
· exerce sobre seus vassalos uma proteçao e uma autondade adnum.s-
contribuíram para as realizações da arte religiosa barroca
no
cam- · trativa que relembram as dos príncipes sobre seus súditos. E muitos
pcsinato
da
Europa católica, mas têm-se como certas as alinidades .
k
valores
da
concepção monárquica como a possessão territorial, a
do mundo rural com uma ane
de
imagínação e
de
iluminura.
-·. : : 1 ~ •
·
continuidade hereditária, o comportamento
pa
ternal, encontram-se
. ,. ,
na
concepção senhorial.
Aí
também é
um
mundo
da
imaginação e
Ma
is complexos parecem
os
casos
da
aristocracia e
da
burguesia.
,. 1-.,
lo
da
scnsibilidad'
e.
· , : - ' · ~ -
Uma e outra classes, detentoras da fortuna, constituem a clien-
1
' Nesse sentido
0
mundo
da
burguesia se apresentaria, em con-
tela dos artistas e tem-se o direito de procu.
rar
o que,
em sua
ideo-
i
8
traste, ligado a vaiores mais positivos. Todavia, quando os negócios
logia especifica, as impeliria a outorgar sua preferência a
um
estilo ·
oú
a manipulação do dinheiro asseguraram .a riqueza (deve-se con-
mais do que a outro. . siderar que as maiores fortunas
são
as dos financistas, principalmente
Na
base
da
economia geral
do
tempo,
o b s e r v a ~ s e em
todos , , . nos países em
que
a economia capitalista
se
desenvolve
mais),
o
Í
•
á · d · · •·.
;1;
prestígio da nobreza, ao mesmo tempo odiada e inveJ a da,
per
ma-
os pa se.s a progressão do dommio fundi
no,
quer se tratasse a re-
constimição de parcelas de terras desmembradas, em herdades ar-
+:I l
necc tão poderoso que a passagem
para
o modo de vida da aristo-
rendadas por seus proprietários, nobres ou burgueses,
ou de
mais ·
,;
cracia e a adoção de seus hábitos acontecem muito depressa. Mas
·
~
não
é
necessário deter-se nesses êxitos excepcionais ou rápidos da
amplos dominios, cujo senhorio
se
reserva a exploração, confiando-a · .
..
.·
·.
minoria
da
burguesia.
um
· fato deve reter
maiS
a atenção.
R
que
·
n_a
na práti
ca
a intendentes e fazendo garantir a
maior parte do11
tra-
~ ed f ·
d
: ; • ~ u r p ~ y a _ 9 o . ' ; 9 . . Y . J . . . p ~ pa
js_:
s__ ue . eram pre
c r c ; n c ~
balhos, a títul.o de
v a s s a l a g ~ m
gratuita, pelos
c a m p o n ~ e s
detentores
;.
. f. ara a_ à - í . r . 9 1 . l
t ~ t u r a
_
1
_
11
decoraçao ba;rooa, . com seu f.a\fsi? ou
de.
dependêncras
ou
loca.tános terras
de u g ~ e l
. .Se.Ja .guaUqr a ·.
j-
apenas seu gosto do excesso c da ilummura, joram
' q ~ ~
L 9 . ? J
·;on
em
das rendas, a arJStocracta
ou _a
burgyesta_q1;1e se.
o . f ? n ~ e
dominava
0
elemento
rura
l e
3 ~ .. ã ~ } J i u w . ~ i ~
c ? ~
e a e tem a . o reza
na
F r ~ n a, a.tra' és
de
Cl f8o§. 1udi- . ·, ecia mrus redUZJdr..a difíc
1
1, nessas condições, deixar .de estabe ecer
~ S t
ortemelll.e...ligada à term...
Nao há
nqueza sem
uma
gran- . · : l ·
;;"ma
prÕVâvelre ãção de causalidade
en
tre a economra senhonal c
de proporçl o de domínios e de florestas,
nem
nobre poderoso que ·
•
0
barroco aeconomia urbana e uma arte mais sóbria, que
seri\1
a
n ~ o
seja
p ~ o p r i e t á r i o c.
orgulhoso
de
o ser.
Por
muitos aspectos a
·,, ·i I
>;
do
ctassiclsmo. A coisa
é
bastante surpreendente
no que
diz respeito
Vida
senhonal se aprox1ma da vida camponesa, desenrola-se
na
mes- ..
1
.:
à França
.
Embora faltem ainda as estatísticas comprobatórias, pode-
ma moldura natural e, malgrado as diferenças de recursos, participa . · ; · se admitir que a sociedade burguesa na França era proporcional-
das mesmas representações coletivas.
No
solar aristocrático
de pro-
· : . mente mais numerosa do que
na Europa
central, na Espanha
ou
na
vineia francesa, o nobre, caçador
ou
agricultor,
é
antes
de tudo um
· _
f
Itália;
que
pequenos patrimônios lhe asseguravam a abastança
na
par-
.rudcola.
Como
sua fortuna seja mais extensa e, sem dúvida, garan-
·,<
cimôn.ia
do
ritmo
de
vida, sem autorizar despesas supérfluas. E in-
tida
P< r.
alguma
h e r a n ~ ~ b u r g u ~ s a ,
comporta uma dessas residências ·,;;
j
; dubitável que,
para
clientela burguesa das
c i d a ~ e s ,
a arquit_etura
senhona1s,
que
as
farn.J ias
consideram questão
de
honra, e
que
pas- .
;:
l francesa adotou
f ~ e q u e n ~ e ~ 1 e n t e
uma postura de
f ~ r e z a
e sevenda
de
sam
de
uma
geração a outra, embelezadas e readaptadas à
moda
· , : que se prefere dtzcr classLca, apenas
para
reduzrr. as
d ~ p e s a s
ao
do
dia. O orgulho de transmitir uma herança permanece, através
de
.
i
mínimo.
Ela
se satisfez
em obter
um resultado sa_:tsfatóno pela re-
três séculos,
um
dos
traç
os mais marcantes·
da
sensibilidade desse
~ ~ ·
; gularidade relativa
ou
pela harmonia
da
s proporçoes, sem excessos
'
36 37
)
I
,,
) \
:(:; :.:,,
~ J .
; , ~ , ~ ? i . ~ · ~
r ~ - _ · ' - { . : ~ . \
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 25/58
nem decorações
e,
mais tarde, desta simplicidade, às vezes um pouco . { ; , ; , '
árida, ·se f
ez.
o princfpio de uma qualidade elegante, em que o booi
· : ~ ~ ~ · . :
f..
gosto francês atestava sua maestria e sua medida. :;-:,;'' i
Não
se
pode, além disso, contestar a existência de uma tradiÇão
da
França severa, para retomar uma feliz expressão de Henri Fo-
;.
"
f
cillon,
e
nessa severidade a doutrina calvinista, o rigor jansenista, · '
os estudos jurídicos estimulados pela multiplicidade dos cargos, têm
uma parte muito grande de influência.
Têm, porém, um valor geral essas considerações justificadas pelo
exemplo franc s? Pois não se pode esquecer
na
mesma época, o su
cesso do barroco em grandes cidades e o desdobramento
de
belos : _
conjuntos urbanos nesse estilo. Certamente Pierre Lavedan observava •
recentemente que os planos de cidades p e r m a n e c e r ~ quase em toda · ~
a parte fiéis à tradição regular e geométrica instituída pelo Renas- }; i
cimento e que só
as
decorações introduziram nelas a estética bar- ,;
"i'--
n
roca. Ainda que os séculos XVII e XVIII tenham multiplicado, áo ;
longo
de
uma rua inteira ou em torno de uma praça,\ as fachadas
movimentadas, os portais com colunas, os frontões cortados, uma
decoração de estátuas sobre os áticos ou a turgidez dos balcões
sustentados por atlantes emprest
am
a toda uina cidade ou a .todo
u1n
bairro um caráter barroco. Assim é Roma, Viena, Praga, · Mu
nique c mais longe na Itália
do
Sul, a encantadora Lecce, cujo ca
ráter vai dissolver-se hoje no
de
unia .cidade moderna. ;é possível
contestar à V cneza do palácio Rezzonico e do palácio 'Labia um
caráter barroco?
Em contrapartida, nas cidades marítimas dos séculos
XV1
I e
XVJII;, :õellO YA
.
Th.líli n,
_
a l ~ : c i a ; P - 1 > í ~
no
_:P-ortps ~ _<:çsta At âo
tica..2 f a n t a s i ~ e. a c x u b e r â n c i a _ a r r ~ ~ e ~ l o ~ ; n dec_oração _dos
_ ] l O n ~ n O S
p ~ l ] l \ Ç Q , t ~ da
n.fradas
. ~ v ~ ~ · o r a
_
da
.
r ~ e
prospendadc do comércu:Lmantnuo. sem hgaçao com os m c t ~ ~ S -
tocráticos e rurais. A riqueza
se
traduz
por
uma ostentação, uma
prodtgâhdade que antigamente nem Amsterdã, nem Antuérpia
se
permitem a
esse
grau
.'
Este barroco
da
riqueza marítima, que con
tradiz a aliança
cxclusi'Và ~ ~ ~ m
a ec_?I_ OE:Ua
~ i i â } i ~
re
e o c o O r a . : : O T . ~ ~ c l ~
i S t ~ n c i _ l l ~
~ \ l e r
mõaõ, aJc Zaao,
o cspirito da
~ e l a
~ o m l
Enfim, mesmo a serviço de uma ·clientela aristocrática, religiosa.
ou rural,
..
os artistas eram, em sua maior Earte,
de
r i ~ I I ; l
~ u r g u e s ~ ,
procedentes de
um
meio artesanãl, formados nos estud1os Õl S'-1:1-
dades. A liberdade da imaginação criadora os eximia das coações
gerais
de
sou
grupo,
tornando-se os intérpretes
das
ideologi
as
re
ligiosas ou senhoriais que a arte barroca ilustrou. Todavia,
se
não
se cogitar apenas acerca das artes plásti.cas e se se considerarem as
obras escritas
e, de
um modo mais geral, o estilo
de
vida, não se
pode deixar de reconhecer o predomínio dos elementos burgueses
nos
·países em que se desenvolveu uma literatura de an:ílise e ob
servação,
em
que a aptidão para o raciocínio abstrato,
a
preocupa
ção de uma verdade geral
c
satisfatória para o
espicito
ganharam
, mais importância
c
prepararam o classicismo. As gradações, no en
Provavelmente, mas esses conjuntos barrocos não estão todos
ligados
a
uma atividade burguesa. Às vezes até, .eies a
t ~ m
provo
cado, promovendo encomendas ao.s empreiteiros, pedreiros, serra
lheiros, ferreiros, estucadores, cuja atividade foi estimulada por es
sas construções.
Os
palácios nobres de Viena e Praga, edificados
com os
lu
cros da propriedade dominial ou tributos de corte, refletem
o poder
da
aristocracia e o aumento
de
glória que ela adquirira a
serviço de um Império em franca ascensão política. Nem o palácio
de inverno
do
príncipe Eugênio, em Viena,
nem
aquele que o conãe
Gallas, vice-rei de Nápoles,
fez.
construir em Praga e para os quais
um o outro reclamavam
(o
que não aconteceu), a abertura de .uma
praça como vestíbulo
à
sua magnificência, têm relação com a ati
vidade ~ e s a das duas cidades. Pod.
er
-se-ia dizer, ainda, que em
L ~ c c e ,
cap1tal de
uma região de grandes domínios
da
Igreja
e da
ans
tocrac1a, o caráter b ~ r r o c o e o caráter urbano não estão asso
ciados, que a condição de Roma permane<;e excepcional.
tanto,
dev
em ser discretas. Esta disciplina da literatura só se impôs
i.:i i
pouco
a
pouco e através de debates para harmonizar o verdadeiro
?."3 '
com
o
verossímil, para refrear
a
imaginação pelo raciocínio ou a
38
~ experiência, e os escritores cujas obras testemunham a passagem de
:.i ) .
uma concepção a outra eram bem burgueses. _ •
.
l a t i - . : : _ ~ . m e n t e
.
à d e ~ i n i ç ã o _·
çrescen.te
i.dea}
c l á _ s s i ~ o :
C h e g a - ~ e
~ o t ã 9
' ( •
P. preciso dar-se conta
das
datas, da evoluçao dos generos .
e-
V$ .;( ~ u : : ~ d i ~ ~ o
~ : r ; ~ ~ s ~ ; o ; : o ~ ~ ~ ~ c ~ ' ~ ~ ~ : ~ à r n ~ : ~ : r ~ d ~ ~ :
·.
·
os
est
ilos toin.am
claramente consciênc
ia
·de sua natureza e
de
seus
f: - · Tios,
as sociedades burguesas propendem a preferir a medida e a
• .I
ordem;
a q u c l
q u e
são
mais.
especificam lll_e aristOÇ_rátjcas e ter
: • i
.renas concedem seu beneficio
à
imaginação e
à
liberdade barrocas.
, ,
1
Assim, a Europa divide-se em dois grupos: num predomina o es-
\
pirita
de
racionalismo e abstração, no outro a imaginação e a sen-
.... sibilidadc. J
-
\
39
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 26/58
l
Quando essas tendências foram reveladas numa literatura e
em.
formas
de
arte plástica com características equilibtadas e a consis
tência -interior do classicismo,
ou
em monumentos de arquitetura,
na
decoração dos edifícios religiosos,
no
folclore florido dos en-
. cantos rebuscados ou ingênuos do barroco, a contradição entre
ós
dois estilos surpreendeu os espíritos ao ponto de fazer admitir que,
por sua · nature
za
cada
qu
al procedia de
um
gênio profundamente
diferente do outro.
Na
verdade, porém, as coisas não aconteceram
desse modo. Cada um dos fatores indicados nesta breve análise, sem
acarretar, necessariamente, o sucesso exclusivo de
um
estilo num país,
predispunha-o, distintamente, a maior favorecimento ou restrição.
Principalmente, as condições históricas - ou seja, ao mesmo tempo.
econômicas, politicas,. religiosas e sóciais - determinaram-lhe o
desenvolvimento e emprestaram à civilização da Europa moderna a
comovente diversidade que continua a representar o testemunho de
sua riqueza espiritual e exige,
nesse-
sentido, daqueles que a estudam,
o respeito a todas as suas inanifestações e
um
a simpatia compreensi
va, suscetível
à
qualidade de todas
os
suas mensagens.
40
.
.
'
:::
: . ~ .
·,;
:;:} .
··
·
..
•
.·,
Segunda ·Parte
AS EXPERIE.NCIAS BARROCAS
I
I
I
'
:
I
'
:·· .
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 27/58
f
j
i
Capítulo I
O B RROCO N ITÁLI
. A arte que sé desenvolveu em Roma no século XVII e que
representa
os
maís belos resultados do barroco, abebera-se ·nas dou
trinas do Renascimento, interpretadas e definidas pelas obras . de
Vignola (
t
1573) e Palladio, mas recebe sua inspiração essencial
da renovação religiosa, do · entusiasmo demonstrado pelos papas em
'
, face das conquistas espirituais e políticas aparentemente asseguradas,
de sua vontade, enfim, de conferir uma beleza exaltante à. capital
de uma cristandade restaurada. Roma triumphans Dir-se-á que os
teóricos citados ensinaram uma arte regular e clássica, quando muito
'
· abrandada
em
disposições sagazes, como no interior do Redentorc,
em Veneza. Mas suas obras recomendam e propõem à inventiva
I
I
M t t ~
; , ~ ? t k : ; · l t ; i
- ~ ~ ( ~ 1 ~
- ~ : t §
t:::
tf.i..
Numa especJe de
~ m u l a ç ã o ,
: o n s t ~ u . ç õ e s de i ~ e j a s ?e
Os nomes.que citamos traduzem, por si sós, a riqueza das. equi
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 28/58
i
cedem, cada qual assummdo uma ·ferçao ongmal. A m a ~ . o r vanedade, ,J.
•:'lj}
possível, dentro dos mesmos princípios diretivos. As l.'Ópulas,
· ; ; ~ ; J
quais as preocupações arquitetôniCiiS reencontram o desígnio
do
srm .:.
~ , : ~ ~
bolo cósmico, proliferam. Ao mesmo tempo, análogas e
d e s s e m e :
· r ~
lhantes, esféricas, ovóides, segmentadas por nervuras, s u s t e n t a d a s
; . . ~
mais
ou
menos alto pelos tambores,
ali
jadas com maior ou meoo
}; ./'?.
lZJ
tenção pelas lanternas, e fazendo um estranho acompanhamento a·;;:.;'·
{
mais elevada, a suprema, ?e São Pedro, e m p r e s ~ a?
c é ~
de R o m l \ .
e à paisagem da crdade mterra um de seus m<Us rotstenoso_s e . [ . ' ~ : ~
cantador
es
aspectos. Igualmente as fachadas. Elas se replicam,
a
\i
:
;:z
pouca distância uma da outra, sempre regulares com seus dois · i j
dares, a continuidade das volutas, seus frontões triangulares, e r g u i d a s
· ~ : ; , ; ;
i í
ao longo das mais largas vias ou enredadas, sern recuo, no labirinto
X•::,
J;
das pequenas ruas. Eias revelam assim a fecunda · n g e n h o s i d a d ) ~ {
dos arquitetos, entre os quais uns inovam e outros "arcaízam", todos;'? /;:· t
porém, ate
st
ando tanto liberdade comogosto. Carla Maderno ( 1 5 5 6
{ . : i .
iJ
162?)
era sobrinho de Domenico
F o n t a n ~ .
Ele trouxe
p ~ a .
a s q _ a { : 5 ~
I#
equtpe um Jovem parente, que se torna mats tarde Borromrm, a s s t ; . ; : -
nalando assim em suas filiações e atividades, a transição entre doi§>..;.
11
grupos e duas épocas. A
M a ~ e r n o
não cabe o mérito de uma
d e s ;
/ ' f
coberta,
rnas
de uma inovaçao pelo emprego que soube fazer d.c:t
;
).':',; 1
coluna e por. sua
in
terpretação do espaço:
as
superfícies d e s p o j ~ d a s ; ; ~
são restringidas, ·os mur?S c.obertos de nichos
e
estátuas
( e x e m p l ~
Santa Suz(lna,
1603).
Ptetro
da
Cortona
(1590-1669),
pelo movt- .
,:·;. ?
mento que imprime à fachada
de
São Lucas e
de
Santa Martinha;
,;<:
no Forum, inaugura o tema das fachadas encurvadas ou contras? .:.'. li
tadas, que se toma um dos mais caros ao barroco durante dof.L ~ · ~
, I . . , . "
seco os. · . : > · , ~ ·
Sobretudo, .o canteiro :de obras principal permanece,
d w : a n t
; f : : · [
todo o período, o de São Pedro de Roma. O pensamento de Mtguel ;,
. ~ .
Angelo 'sempre o presidiu, e a ele se devia a concepção grandiosa;<:,l Fá
do espaço central e ·
da o ú p u l ~
\
:sta r e a l i z a d ~ .
por ·Giacomo
d ~ l l a
·. . :
1
1
Porta, 1593), mas a planta pmmttva fot modificada. Mademo J U S ~ : \ j
tapôs, por assim dizer, no templo poderoso em forma de cruz gregl '; '·
::
. ;
as três traves de uma nave, com du
as
laterais: Ele concluiu o con
7
.·;
'·.
: . .
junto p r o m o v ~ n d o ,
p ~ r a
fachada greja, um p a l á c ~ o c?m
i l a s t r ~ : ~ : 1
{
e colunas, CUJa loggta central servma de moldura as bênçaos urbt :;::;_ ?.
t
orbi. Mas
?.
~ a b ~ m e o t o desse b e l c ~ proj7to
(1612)
, ainda não'':;j
.era o da basílica mteua. Faltava orgamzar dtante dela uma praça
à
. : · ; ~ 1
s
ua
altura, conferir uma decoração ao interior. Doze anos mais tarde·
,.
.{.,'
Beroini empreende. a construção do Baldaquino. · · .
·;
) •
, ) ~ · : 1 t
« ~ ~
• :1•
t
pes q ú ~ trabalharam em Roma. Na tradição .do Renascimento, a
maior parte dos artistas não se limitava a uma só expressão: eles
se pretendiam, ao mesmo telJ)pO, arquitetos, escultores e pintores.
No entanto, mais do que uma escolha .deliberada de sua parte, as
circunstâncias dos encargos determinaram-lhe, com freqüência, a es
pecialização. A pintura de Roma ainda permanecia fiel a um ma
.neirismo elegante
e
árido O Cavaleiro Arpin, na cúpula de São
Pedro), quando o cardeal Farnese féz vir da Academia de Bolonha
três pintores: os Carracci, impregnados dos exemplos de Veneza e
Parma. Sem conferir aos afrescos mitológicos, com
que
decoraram
o palácio Farnese, o caráter de uma arte nova, eles revelaram em
·Roma o gosto das. grandes composições para as igrejas, bem como
para as residências privadas. Donde a sedutora decoração que Guido
e Guercino emprestaram aos tetos dos cassinos Rospigliosi e Lu
dovisi : os de
li
cados triunfos de A Aurora. A pintura religiosa, pela
necessidade de guarnecer grandes es paços, adotou proporções quase
gigantescas para cenas de apoteose ou martírio. Com belas quali
dades de desenho, de ha rmonia das cores, de majestade ou de pro
funda emoção, como a última Comunhão de São Jer6nimo, de Do
rnenichino ern que o ardor da fé, mais do que o adjutório dos
assistentes, dirige e faz palpitar dian
te
da hóstia o corpo descarnado
do velho doutor , esta pintura ·parece amiúde declamatória.
Em
contraste coro ela, menos exímia, traindo a formação incomple
ta
ou
desigual do artista, a obra de Caravaggio vibra
de
urna paiJtão surda
e
de uma genial inwiração. Ela é, todavia, barroca, também ela
insepar ável do espírito
e
da verdade da Roma de então, onde ,for
migava essa humanidade popular, da qual Caravaggio ·tornou em
prestadas as faces e a inflexão 'ara os personag:ns do E v a n g e l h ~ ,
A Virgem dos peregrinos na San Agosboo, o Sao Mateus da Sao
Luís dos Franceses, A
morte
da
Virgem
(Louvre) puderam chocar
os delicados e os doutos. Além de ter, melhor
do
que ninguém,
"evocado o duelo entre a luz e a sombra", Caravaggio proporcionou
à arte pictórica admiráveis exemplos de independência. e verdade.
Sua maneira exerceu influência até
nos
discípulos de seus adversários,
os Carracci. Por isso, Roma torna-se, não apenas na Academia São
Lucas, ·mas na diversidad.e. profunda do que oferecia aos visitant
es
estrangeiros: a presença dos antigos,
as
obras de várias escolas, sua
luz envolvendo tudo, a cidade por excelência onde se aprendia a
pintar, isto é, a ver e a meditar. Explica-se, por conseguinte, que
uma etapa roman'a torna-se indispensável à formação dos maiores
pintores; que Rubens, Velásquez ali tenham vindo, que a Rorna
bar
-
45
i
I'
il
:1
,.
l
I
l
I
I,
I
i
:J
> i:
- - - - - - - -
- - - - - - - - - - - - L - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - a - - - - - - ~ - - ~ ~ ~ ~ - - - - 7 ~
•
§
(.
'
.
roca tenha sido o lugar em que os pintores clássicos Poussin,
J de
fazer esquecer o peso dos materiais, de esculpir sua própria arqui
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 29/58
Lorrain; se sentissem mais
à
vontade
c
fixassem residê ncia. Ao mesi / tetura . Permanecendo fiéis a si m e s m , ~ , , . J l l ) . b . o s , . c q l ) t r i l w i ; c . l m
. p ~ r ª - 2
mo tempo, outra pintura de caráter singular se afirmou, não mahf sucesso
da
interpretação bar roca dos componentes
do
Renascimento,
através de cenas heróicas, mas de ·cenas quiméricas c, dir-sc-ia, de·.·', ·
.':
desenvolvendo até as óltimas éonsegiiênctas os
pdndpws
_
ri'ãl)adJO
imaginação celestial.
Ela
começa com Baciccio (Giovanni Battisti{ ,: ; ; ~ e
V
gnota: linha curvat. planta em elipse,
c ú p t . 4 ~ , _
ê o t a s ~ ~ ; ~ ~ < ; > S
Gaulli, cognome, 1639-1709), o decorador das abóbadas do ....
(;
·_ das fachadas,
i n t ~ p r c ~ a ç ã o j o s P ~ ~
. : _ Ç > l l l W ,
Í r ; t ~ e
a 'epl ça
desabrocha no fim do século com o P. Pozzo (1642-1709), que·
· ~ J .
do c§ncayo c <Io convexo c onde se
p r ~ ~ l i . P U _ n b ~
~ ~ v e l •
reintroduz as influências v e n e z i a n a ~ e realiza uma obra-prima
conf.
. . ;.;
.Jàme.ntQ.l,
_a arte epúm
c ª p t a
e
fixar
.P -Jledra a
tuz
e o :vento.
a grande composição cósmica que ocupa toda a abóbada de Santo' Um como o out.ro assoberbados
de
encomendas, donde o número
Inácio, em que se vê a arquitetura da igreja prolongar-se,
por
u.ni
_
:_ ;i êõiiSfderáyel de suâs obrâs·. - . - ---- -
hábil
l r o m p e ~ ' o e i l ,
e abrir-se sobre uma perspectiva de céu,
com()_
__
·
: · ~
A B
tencc uma lória mais
am
1
r ue se
lhe
deve
a de
Corr
ewo nas cúpulas de Parma.
::r
.
. .
o
a c a b a o : : ~
s : rSão Pedro várias eta:::: q primeiro lugar
~ a s é efetivamente na arquitetura que a maestria dos R:omanêl$,. · : (1623-1634), o baldaquino, gigantesco dossel de bronie, com co
se afirma, entre
1630
e. 680, pela presença de ~ ~ 1 s arqwtetos e
.·;
unas torsas, que sobrepuja a confissão; depois, no tempo de
n
o
escultores ímpares: Berrum (1598-1680), e
Borro
lll_lru.
1 ~ 9 9 - 1 6 6 7 )
:. cêncio X, a engenhosa decoração das traves e dos contrafortes da
N_em um nem outro eram
r o m a ~ o s
de ~ a s c e n ç a ; o
prtme fO,
prove- : . fr nave, transformados numa galeria triunfal que termina junto aos
mente de Nápoles, com pa1 de ? ~ g e m florentma, ? segundo;,. · í muros dos pilares da cúpula, por sua vez dissimulados por um grande
parente Maderno e nasctdo na
It_alia
dos lagos. Do1s t e m p e r ~ · : g motivo de pin.tura numa m o l d u ~ a , ~ c
c o 1 u n ~ s ; .
finalme':te, o monu
m e ~ t . o s d1íerentes, qua.se. opostos, a _ t ~ l ponto q ~ e s ~ a descendêncJB,.. ": mento da ábstde central:
0
relicano do púlptto de Sao Pedro. :e
e s p m t u a l . ~ a r e ~ e constitUir duas arnJhas, e, no . m t ~ n o r do b a r r o c ~ . . : um dos pináculos da escultura moderna e que
0
engenh_oso artista
q u a s ~
do1s
eshlos mas tanto
um
como outro IndiSsoluvelmente h;) . ·. distribui m duas cenas: embaixo, as estátuas de bronze g ~ g a n t e s que
gados à Roma tnunfal. --:,.·< .1 suportam o relicário, e em cima, uma glória em estuque dourado
. Conferiu-se em seu tempo a Bernini a
rep1.1tação
de ser o
s e ~
,,
'
i>
com seu fluxo de anjos
e,
na janela que ela envolve, a pomba do
guodo Miguel Angelo, e há nele uma monumeotalidade, uma pu; :.· Espírito Santo.
jan'ça de imaginação, um sopro de
~ r a n d e z à
épica, um estreito
pa
2
:. ' .> Acrescentemos t·úmulos entre os mais eloqüentes da basílica: o
fentesco com o Renascimento. Borromioj, menos próximo do sublime, ·, : de Urbano VIII (
1647
) e, mais patético ainda,
0
de Alexandre VII
pçssui
1
'em
contrapartida, mais sutileza ( inda, uma exaltação, uma "·,
IJ
M
d
(1672), com
os esqueletos, figurações
da
orte que vem surpreen-
vivacida e de invenção que
o
levam
a sur
preendentes audácias : ·.;
· ·
d
que parecem. derivar os
refina.
mentos
e.
as gra.ças
cx.ccssivas d.
0
r o-..... der
um
dos pontífices na plenitude de sua auton a e e outro no
6
I d b
â
d
r recolhimento de sua prece. Isso para o interior. Mas no exterior São
coe . n u Itavelmente - e
1sto
permtte avaliar a tmport neta os .. :
; I
• d'
1
d ld
Ih
dois· mestres . não se pode imaginar sem eles nem São Paulo de· ·- 'l
'Pedro
se encontra, por asstm v.er, reco oca o na mo ura que e
Londres, nem o barroco de Fischer von Erlach, nem a arte das aba.: .: ·. · convém: a colunata
em
elipse que cnce{fa
0
espaço
de
suas duas
dias da Áustria, da Boêmia e da Baviera. Porém, um como o outro,:. '
:j
alas e cujos terraços sustentam uma fileira de estátuas.
r;omanos autênticos, dotados de uma delicadeza e sensibilidade
I
Bernini linha como
obra
preferida
de sua
arquitetura, a pequena
tinas, e refreando, por
um
gosto muito seguro
(o que
seus adver-· ,Í igreja de Santo André do Quirinal,
de
proporções perfeitas, em que
sários nunca reconhecerão) , o perigo
da
·vulgaridade
em
que teriam
j l
a decoração
em
mármores de cor se incorpora com o próprio edi-
soçobrado, em seu lugar, artistas_prcocupados
com
o efeito de sur- ·:, I; fício. Escultor, ele ofereceu, sem dúvida, a imagem mais poderosa
presa ou a novidade, pelo prazer exclusivo da proeza. ,
i::. da
estatuária barroca:
êxtase de Santa Teresa
traduzindo no már-
Um
e outro poetas e, nesse sentido, inventores; porém Bernini more, com a precisão
de
um historiador, a cena do êxtase, sobre o
entusiasta da gr:mdcza, da majestade das perspectivas, e Borromini qual a santa legou a narrativa· e fazendo o espectador quase sentir
mais sugerindo do que mostrando, menos monumental, hábil a ponto
>
o sopro do vento.
' , A ~ ~
46
47
;.'.(":
l;
.:.L
tr
ti
À suda obra de escu1Ãtura r e l i
o s l i ~
A bem-avbenturadaf A IEbertoni,_
·.·
h
duzir, como esta, o triunfo da espi.ritualidade, nem a evocar a ima
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 30/58
I
O
8
s anjos ponte ão nge o rep ca uma o ra pro ·ana. m sua ' •
1
ti
juventude, a Me tamorfose de Dafne de um encanto ático; nas exp. ;'· , ;I
riências
da
maturidade, a emocionante alegoria do Tempo e s c o
.,.
brindo a Verdade;
depois, as estátuas reais
A visão de Constantino, • -;::
1
Luis XIV ou
os retratos de um espa.otoso realismo: bustos de · ·.'
Urbano VID do cardeal Borghese, de Luis X1V (no ' salão de Dianá ::
em Versalb
es),
das t ~ : s enfim, das quais a mais . impone
nie é ~ . ,
aquela da praça Navooa, com o símbolo cósmico dos rios dos quatro :;.::·
Co
ntinentes. , ·
~ . : . ·
Borromi.oi, durante uma carreira menos longa, trabalhou
na
São
João de Latrão, da qu;tl renovou a disposição interior; na Sapienza,
.,.
da qual compôs a extraordinária capela, com sua cúpula e a lanterna . >;,
em espiral; na Santo And
ré
delle Fra
tt
e, que lhe deve seu
cam
pa- ·
?<.
nário, transportado; diriam, pelos anjos; na Propaganda, que ehi :. ·
proveu de uma fachada movimentada e encantadora, desdobrada e .,
i
redobrada como um catavento. Mas sua obra-p
rima
não
é,
no i n í c i o ~
..
no fim de sua carre
ira
(interior, 1638 - fachada, 1667), a igrcja1.,
·:
chamada San Carlino, em que, na nave única, de capela mais dó ' ,,:
que·
ig
reja, a composição das colunas segue a ondulação das .,; • (
il i
paredeS, c
n
fachada, escavada como uma
peq
uena urna, eleva-se
ao abrigo do campanário. Virtuose da linha curva, Borromini a m · : :t
prega na fachada
do
Oratório e, mais tarde, na de Santa
Inês,
cuja . ·..
Í
cúpula ovóide e as torres determinam um tipo de igreja que os . : ' , (
arquitetos barrocos deviam difundir na Europa. , ·:. ";,
Os dois art istas, enfim, traballiaram para a arquitetura civil, uà F , . . :
c
out
ro no palácio Barberini, Bernin.i no palácio Chigi· Odescalchi c. .
no Quirinal, Borromini no palácio Spada. Eles imprimiram à morada . •I
oma.oa de então, menos gravidade do que tivera o palácio do Re-•. : ..
nascimento
fl
orentino, menos finura castiça que a vila palladiana,
,
· .:;: ,
menos intimidade que o palácio veneziano, .mas asseguraram uma;' .
.-:
.
qualidade original de nobreza e enca.oto, pelo equilíbrio atingido ' ,;,
entre a harmonia funcional dos espaços despojados, das janelas de-" . • .
coradas e o aparato solene dos pó_ ficos
_com c o l u n ~ s ,
das pilastrafi •.
e das balaustradas. Uma consec
uç.ao
sáb1a dá
med1d
a e do gosto: ·· 1
Seni
dúvida, o palácio ·romano ·
da
época barroca deriva do Capit6Jia· .: ··
:·
c da
La
urenciana, por
ém
com algo de mais amável, como uma ~ · i
tenção para o agrado do seu uso e o prazer de viver nele. E nfim, se ' li
se reconhece que essa arquitetura civil acusa menos audácia que
1
;
:;• '= "ligioo•,
' ' '
" ~ q
oo
' ' ' oão • ~
> 1
• ••
, &
·:-'l:
:t
gem de outro mundo.
An tonio Mu.iioz, de quem a obra Roma bar
occ
a continua a ser
o mais compreensivo estudo, vê morrer a arte barroca, por volta
de 1780,
com
Canova e, como símbol
o,
o túmulo do papa Cle
mente XIV. Roma, na realidade, quase não
c o n h e c ~ u
o rococó, do
q
ual, todavia, a Santa Madalena, de Sardi (1735), seria tíllvez o
exemplo, e também a admirável pracinha com .bastidores imaginada
do XVIII, diante da Santo Inác
io.
Mas à médida das equipes
de arquitetos e escultores que trabalhavam, contemporâneos de
De
r
ni
ni e Borrorni.oi, os Rainaldi, os Lungh
i,
o Algarde, Duqucsnoy,
Mocchi, ta.oto pelo número como pela q ualidade, a época que sucede
a Bernini (morto octogenário e sem velllice em
1680), pa r
ece menos
rica em talentos. Não obstante, mestres incontestáveis nela se re
velam : Carlo Fontana, Vanvitelli, Fuga (Santa Maria Maggiore)
apresentam obras muito belas e a inolvidável Fontana de Trevi )lQora
tão bem a tradição de Bemini, que se lha têm atribuído ao próprio
mestre.
Mas
o grande per odo criativo passou: não se sabe que
frieza acadêmica inibe doravante o entusiasmo
e
a paixão do pleno
eis e
ntos. f alma não é mais
m . C j m . a . : . . . . . . a .
§
< ? . J . : '
Inocêncio XI, as dificuldades do papado no século XVIIl, a eco-
-
nóm"l'a decadente dos
Esta
dos ·pontificais;
õ
·espírito
C Q . ~
im.Ple.:.
doso que os ricos viajantes - turistas e não mais
.ll..C 'min
OL
'trazem
à
Cidade
San
ta e de uo os sarcasmos do. magistrado De
Brosscs diante da Santa_lE_ - _g_ L . . ~ S t ~
u
.. ó revCiãdor,
tudo cont
ri
bui, de _ l l ~ e r a ç ã a t ~ a r a des
tru
ir O encanto.
.Kilas as obras aguar<lã'raO
o
retomo dosrê rvorosos que as redes
cobrirão e reconhecerlío que delas procedem o barroco da Europa
central e as renovações que, da Espanha e de Portugal, conquistaram
a América latina.
*
* *
O barroco italiano não
é
s6 o barroco de Roma. Em toda a
península, esse estilo de rique-a e brilho conheceu admiráveis êxitos.
E m nenhuma parte ele
apar
ece em oposição aos monumentOs do
Renascimento ou do maneirismo, no meio dos qua
is
se insere. A
filiação, o parentesco são evidentes. No entanto, se as circunstâncias
pa
rt
iculares a Roma não se reencontram em outras cidades italianas,
nem os jubileus, nem a residência de Pedro, o espírito geral da
C
on
tra-Reforma está presente. E para o Santo Sudário que um dos
arquitetos mais originais do barroco, o P. Guarini (1624-1683),
49 .
I
I I
t :
:.
li
I
=
l
t } , f ]
levanta uma c a ~ e l a
em
Turim;
é
no dia subseqüente a uma peste,P l l
I
I
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 31/58
l
•
I
I
l
i
i
que Veneza dec1de erguer,
à
entrada do Grande Canal, um
t m p o
: }
monumental a Nossa Senhora da Saúde.
Os
ricos patriciados das
ci
_: .··
dades marítimas, Genova e Veneza, os príncipes dos pequenos
Es.-
; .:
tados italianos - em Parma os Famese, em Modena os Este, em · ..
Mântua os Gonzaga - retomam as tradições do mecemito do R
l,l-'
· ..
nascimento e adotam, para suas residências, o estilo de que as ilns1 :· . -;
trações de Roma consagraram o prestígio.
> · • •
Em
Nápoles, e em todo esse reino que depende
da
Espanha:.
. : ~ -
os vice-reis, a rica nobreza (há também uma pobre e necessitada, e . :
cuja altivez aristocrática não
é
menos arde
nte),
as ordens religiosas.·
·;
constituem no século XVll uma clientela,
por
certo menos numerosa.
e
mel)OS
ativa que em Roma, mas cujo gosto se endereça com re
-,
solução
para
os grandes conjuntos decorativos. :Na extremidade. : .,
oriental da p e n f o s ~ l a Lecce, na Apúlia, é palco
de
um êxito curioso.· :
·
Assim se expandiram,
em
toda a
Itá
lia, obras barrocas, e o prestígio, •
de -algumas devia, no fim do século e no século seguinte, resplan- \
deccr além da Itália. ·;
;,
,
Em
Turim, o grande nome
é
o do
P.
Guarini. Ele pertencia à·
•
ordem dos Teatinos, cuja vocação era cercar da maior s o l e n i d a d . ·
possível o culto religióso c,
pelrus
luzes,
as
fiares e o canto, p r o ~ .
porci011ar · aos ofícios um atrativo quimérico e maravilhoso. O P: ;;:,._
Guarioi formara-se na escola de
Bl l
rromini. Ele vem a Paris onde
construiu , na margem esquerda do Sena, uma igreja
em
rotunda, ··.: { l
Sainte Anne ia Royalc, da qual se pode lamentar agora o desapa-
: ; ~ . v
recjme.nto. Ele era também matemático, com uma atração particular
>;•
pela composição das linhas e a combinação das forças. Na França, ,
\
as riquezas do gótico, desacreditadas em seu tempo, interessaram-no ,
•
.c foi um aos raros em compreender o que essa suposta barbárie ...
abrangia de ciBncia arquitetônica. .
A partir de 1666 fixou-se em Turim. A capela do Santo Su-. ; ,
dário, na catedral, a igreja San Lorcnzo (1668-1687) revelam-se à
análise como obras ecléticas, que mobilizam, para urn efeito monu-
...
mental, todas
as
sutilezas do maneirismo e do flamejante. O desenho
da San Lorenzo é de extrema complexidade, formando com as com
binações de suas capelas um conjunto que se acreditaria de planta
central, logrando contrastes pelas êntases e reentrâncias, preparando · :.
efeitos de bastidor que Palladio
já
utilizara, fazendo suceder as
cúpulas e os arcos, retomando nas tribunaS a janela tríplice, fre
qüente na Itália dos lagos, e recreando-se com as volutas, os 6culos,
as guirlandas, recortando enfim
as
cúpulas com enredamentos de
50
,I
I
I
\
·
'. .
· : ~ ~ 7 ~
róco. ~ a s é m u ~ t o importante que, no século XVII, Veneza t e o l l - ~ ' ~ <
absidíólas. O aspecto exterior traduz a complexididade da intençãe:
às faces -do octógono çorrespondem. pórticos o
do
centro, magnifico
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 32/58
conllecJdo um chma peculiar de festa e música;- de que se inspú-ól{<·'-,> J
todo um aspecto do
~ a r r o c o
eur,opeu. Nos num:rosos teatros de
. : : ; ~ : ;
neza_, as peças mecantzadas, as operas de um genero novo (o draiii
à'
:1< :
mUSICal
), OS
_p
rogresSOS
da música inStrumental demandavam OS s e r -
V I ~ o s de c o p J O ~ o pessoal de t ~ ~ a s as c a t e g o r i ~ s . _ A lista seria imer0.'.· . i ; ; '
m m ~ v e l .
Os
p m t ~ r e s
de cenanos, os
m
aqu1mstas ' que eram
; ; ; -
<H
e n g e n h e ~ r o s
hábeis ein construir e manipular aparelhos:;·· .
comphcados, precasos como e ~ g r
e n a g e n s
de relojoaria, e que, t r a n s ~ \ L ~ , \ >
f o r ~ l a n d o
a cena sob os olhos dos espectadores, multiplicavam · r . r - - : , : . : i
erettos de. surpresa e ilusão; os cantor:s. de vozes
m ~ r a v i l h o s ~ : : : f S ;
raras, mulheres, cnanças, falsetes; os mustcos tocanllo mstrumeritos·i
.:i i
-9
de qualidade_ perfeita, seus b r i ~ n t e s elC:S próprios artistas m a i s g
do que artesaos, e os mats humlldes operarios, associados à a p r e ~ v < , · .s:5· i
sentação desses espetáculos - que alcançavam uma habilidade téé .
/ ;:
iJ
nica e uma fineza de gosto sem iguais
__:_
todos contribuíram
' ' , , _ ; : ·
fazer então da civilização veneziana uma' experiência de seleção
a r ~ ~ · sem a qual as
fes
tas de corte na Europa do século XVII, nà · · ~ : ;r ·
Italia, na França, Espanha, na Áustria, não teriam jamais logradó ~ : : ' t i
tanto encanto e bnlho. :e rud t; e injusto demais omitir a lembrança:.:<·:\
do nome dos grandes coruposttores como Monteverdi Cava
Ui
mais ::. '·''
tarde Vivaldi, e esquecer esse mundo formigante d
e'
x e c u t ~ t e s ·é ·:;::·} i
participantes.
< , \
: \: •:, •:
'(en_eza
foi, mais
do
que qualq
uer
o u ~ a
cidade, o estúdio
da /:
{
festa
ttahaua do século XVII, . que prosseguiU a tradição do
R e n a s · ; <
:,_.
ctmento e o reJuvenesceu. E
IS
to sem esquecer que nem todos· os : .
-
11;
arhstas
~ a s c e r a m
em : neza e que a maior parte deles não perma• :.\
;, I
neceu ali toda a sua
VIda.
Tal é sua
h l e n ~ a
contribuição ao barroco·
: ; : ;
_europeu, sob a forma profana em pnmerro lugar m·as quando se · · - - ~ - ~ · : ·
• 1 I •. • l
pensa na mustca sacra, sob a forma religiosa também.
:
?· :.l .i
: partir
do_s
. anos
1630,. B a l t ~ a z a r
Longhena
(1598-1682); ; ; : f
formado no estúd10 de ScamozZI, reahza uma grande obra de a r q u i ~ .\·.,:· :;
te tura barroca.: Ele
é
o autor da Salute, da escada interior da San
_,:
,.,
~ E o r ? i o
M a g g i ~ r _ e ,
~ o s
palácios Pesaro e Rezzonico. Em toda a parte
'.:,;;,
e
ev1dente
a fthaçao com .
as
tradições locais: ' Sansovino
P a l l a ;_- 1
S c a ~ ~ z z . i .
S ~ a
~ r q u i t e t u r a
civil é obra de ciência e inteligência:
: . ~
concilia
e l e g ~ ~ t a
e força. Mas a audácia e a novidade resplandecem ·
r :
na S a l u t ~ , e ~ t f l c ~ d a de 1631 a 1687' em honra da Virgem da Saúde; .. X n
após as epJ?emtas de p ~ t e . A planta central, um octógono com ; ;
deambulatóno, é o ~ r a n d 1 o s o , vestíbulo do verdadeiro santuário: o : i I
co
ro
arredondado, sttuado alem de um transepto estendido até as · :.;:·
§
J?: fi
·:·· , . .
entre
ca
lunas, os later
ai
s mais sóbrios e
de
caráter palladino.
Um
tambor octogooal sustenta a ampla cúpula de pedra, acima da parte
central; uma outra cúpula, menos grande, sobrepuja o coro e
é
pro
tegida por dois campanários. No detalhe
da
gigautesca composição
recon11ecem-se, ampliados, elementos da San Giorgio Maggiore c
da
Redentore. O efeito de conjunto
é
prodigioso, como o de um imenso
carro de procissão, dominado pela estátua dourada
da
Virgem e que
as
enol'lÍ:les vohltas de mármore, em forma de rodas, teriam arras
tado até a margem do Grànde Canal. A influência da Salute se
reencontra, cinqüenta anos mais tarde,
na
bela igreja de Fischer von
Erlach, em Viena, a Karlskirche: mesma concepção de uma planta
centrada desta vez em elipse, transferindo o santuário para .um se
gundo edifício; mesmos pórticos exteriores, correspóndendo· a ca
pelas laterais. À medida dessa excepcional grande7.3, as outras igrejas
não têm a .mesma originalidade. Entretanto, a fachada da San Moise,
com o ritmo das colunas moldtu'adas e a sobrecarga de sua abun
dan te decoração (Trémignon,
1668),
a de Santa · Maria Zoberugo,
com seus bustos e relevos, a dos Scalzi (Sardi, 1680) , com as ré
plicas, poderosas e graciosas de suas colunas geminadas e seus ni
chos a ordem colossal dos Jesuates (Massari,
1725),
cujo interior,
cinzento e branco, foi decorado depois por Tiépolo conferem
uma
generosa parte a Veneza na arquitetura religiosa barroca dos séculos
XVII
e XVIIl. Um lugar original deve st;r reconhecido à igreja dos
Jesuítas, de Rossi
(1729).
Além
da
fachada rebuscada
de
Fasso
retto, o interior oferece uma das mais curiosas ilusões do barroco,
pelo revestimento com mármores de cor, que simulam o veludo de
Gênova, e o admirável drapeado
Ço
púlpito.
No conjunto,· a tradição e a arquitetura anterior de Veneza
gravaram seu timbre no barroco veneziano, harmoniosamente equi
librado em sua rique_u e intensidade.
Na
outra extremidade da peninsula, o Napolitano tem, também,
~ é u destino na história do -barroco. O reinó estreitamente ligado
à
Espanha, para a qual constituía uma espécie de baluarte protetor
em .direção
do
mundo otomano, era,
por
causa da atividade
de
seus
por tos (Nápoles, Messina) , uma encruzilhada internacional do co
mércio e da riqueza. Os caminhos da arte ali também se cruzaram.
Dos grandes barrocos romanos, Domenico Fontana trabalhou
em
Nápoles; os
i m p r ~ v i s t o s da
carreira paterna ali fizeram nascer Ber
nini. O pintor
R i b ~ r a (1588-1655),
nascido
na
margem oposta
do
53
..
;:1
k
·-··· ·---·_____ _ _ : : : ; : ~
~ r r
·:
.
m
Meditec{âneo, em Valência, vem es tabelecer-se em Nápoles, após ter
t ~ ~ / ·
pandc em profusão nos frisos e cntablamentos das igrejas, em -
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 33/58
I
I
I
I
i
(
sofrido inauencias caravagescas. Suas composições emprestam às
~ : J ·u
cenas de martírio e às_ figuras de eremitas, iluminações contrastadas, .
em que as carnes macilentas emergem de sombras profundas, mas as ·. ·
cenas de glória embebem-se numa luz clara e alegre. Sua reputação
I h ~ valeu encomendas que reconduziraro muitas de suas obras para
â
· :;:
I
metrópole:
à
igreja dos Agostinhos de Salamanca pertence uma Pu-
risima, enlee as mais belas do tema, e um São anuário mitrado
:·
·
levado pelas nuvens, de uma autoridade e magnificência inesquC.:·
veis
1
:;
: ·
Nascido napolitano, Luca Giordano (1632-1705
),
p a s s a d ~
<
também pela experiSncia de Caravaggio, adotou tonalidades claras
e animadas, compondo conjuntos de ritmo teatral, em que as enge- :;:
nhosas perspectivas de
nu
vens envolvem os céus. Seu renome de
·.
decorador por excelência lbe valeu numerosos alusos e impôs-lhe · ·
viagens
ao
exterior: trabalhou
dez.
anos no Escoriai. Comparavam-no y·
a Pietro da Conona. Mais movimentado ainda, Solimena (1657- I
1747) conferiu sua consagração ao barroco napolitano e recebeu .
encomendas até o fim
de
·sua vida. J l
Em contraste com esse renome internacional da pintura barroca = {
napolitana, a arquitetura conheceu um êxito curioso, l)a afastada
I
provfncia de Apúlia. Aplica-se ainda hoje à cidade de Lecce o epí-
teto de Florença do barroco. O número considerável de suas igrejas .
,
·
· explic_a-sc .pela emulação de construtor
es
entre as ordens religiosas,
.
·.
propnetános de grandes domínios·no século xvnr, mas a qualidade ,y:
da arte deve-se
à
vigência, na cidade, de uma tradição de escultura ·: ,,.
que
se
executava com uma pedra branca de grão fino, endurecendo·· · .
:;.
e dourando-se
ao ar
livre. Daí resultava a possibilidade de multi-
· ~ :
{
plicar
as
decorações em alto-relevo ou em motivos: guirlandas, ro-
)
sáceas, molduras de janelas, altos vasos de flores sobre os ediffcios . ..
de forma trad
icio
nal. Nesse virtuosismo geral, os arquitetos deleita-
•·
· i
ram-se com plantas ein elipse (San Matteo), em oval com panos de
:
,.
muros (Santa Chiara) ç com bastidores (Carmine), com contrastes ·
entre a pa.
ne
inferior convexa e a superior côncava do edificio .(San
Matt
eo). com
audácias como o impulso do alto campanário junto
I
do zimbório Gius. Zimballo, 168 1). Escultores, os irmãOs Zim- ..
ballo ornamentaram a fachada dos Ceies inos ou Santa Croce) de
colunas, de ca riátides grotescas, zoomorfas ou antropomorfas, dcco- I
ração prolifera e sem igual na Europa, e tanto mais admirável se .
a estrutura geral do edifício for clara e simples. Por isso, a escultura i
ornamental empresta a Lecce seu sutpreendente caráter. Ela se ex- •· ·
-
54 · i
....J
gantescas pinhas, em vasos, em figuras de anjos; emoldura com seus
listões, seus motivos aljofrados, de couros ou pequenas máscaras, as
janelas do convento dos Celestinos e as do palácio episcopal, cons
truído.por Cino, de 1694 a 1709, em torno de uma praça de teatro
que se pode incluir entre as mais esquisitas da Itália. O caso . de
Lecce é apenas um episódio do barroco geral e as circunstâncias
não lhe concediam o renome de uma escola. Ele reclama ainda esta
observação: mais decorativo do que arquitetônico, ele ê,
à
maneira
espanhola, uma espécie de revestimento do edifício, uma sobrecarga
colocada sobre
as
formas, mais do que uma disposição nova das
massas.
Roma em primeiro lugar, mas também Turim, Veneza, Gênova
mesmo, centros criadores, Náp9les com a reputação seus pintores
mantiveram, desse modo,
na Itál
ia do
Seiscentos,
uma atividade e
prestígio que sem igualar aqueles do Renascimento, a impunham
como fonte de inspiração e modelo
à
vida artistica de toda a Europa
contemporânea.
55
I
.,
;
i
li
J
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 34/58
Capítulo l
BARROCO E CLA
SS
ICISMO
NA
FRANÇA
A França passou muito tempo por um país essencialmente re
fratário ao barroco. Um gênio nacional inflamado de claridade, de
bom senso, o culto da vontade idealizada por Corneille, o da razão
ensinada por Descartes, tais foram, por sustentáculo, os argumentos
invocados e aceitos pela opinião comum. Ao nível de
um
maior
exigência, fala-se das regras editadas pelas Academias, da precaução
da verossimilhança, do bom gosto, até do não-sei-que que confere
o segre
do
de um sucesso ideal. A expressão consagrada
por
Voltairc
do século de Luís
XN
encontra-se associada a uma literatura e
a uma arte clássicas, de prudente disposição e sutil harmonia, dignas
de serem reconhecidas como modelos universais e cuja u s ~ n c i em
I
I
l
·
l
I
l
I
l
agora num erro oposto: mormente no exterior, mas até ria própria }.; ··.
França, por complacência à moda do dia e por leviandade também;·<.;>.: 1
clarados barrocos. Talvez amanhã serão reivindicados pel? manei
rismo.
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 35/58
chegam· a subestimá-lo abusivamente e a ignorar sua importânda . ; ~ ~ ]
autonomia. Colocar sob a etiqueta barroca todo o século XVII curo- r
peu, e principalmente considerar o classicismo f r a n c ~
.como
um setor . :.:f
classicizante de
um
barroco geral, é uma atitude
prec1p1tada
e que não . ~ ~
presta nenhuma contribuição à análise nem
à
interpretação do fenô-
meno. Outra coisa seria melhor apreciar nele as afinidades barrocas •
que não deixam de ser numerosas. Por exemplo, o castelo de Versa-
:f
1
.
lhes, no seu conjunto sobretudo, na impressão de ordem, de tranqüila
majestade,
de
harmonia que desperta no visitante, pode ser reconhe-
cido como um produto clássico. O que não impede que esse classi-
cismo revele, a uma anâlisc mais atenta, muitos caracteres barrocos, v
I
que não autorizam, no entanto, a fazer dele um episódio num mo- ; ~ ;
t
vimento mais genérico. · .::' I·
Tudo isso vale ser dito, nem que fosse para dirigir o espírito ·
numa questão difícil, simplificada demais pela critica de outrora, e .:
que ameaça confundir novamente uma interpretação apressada. Por :.
outro lado, um fato estã demonstrado.
À
construção lógica demais, ,:; ,
segundo a qual
0
classicismo francês de Luís XIV, sendo uma
p'et-
\
1
feição, não se podiam encontrdr antes dele senão ineptos e confuso·s ; .,,
esforços para. alcançar, em suma, o dogma de Boileau, Afinal veio) (
1
•
Malherbel
após o declínio, seja por uma imitação sem fiama ( trâ-
·
{
g ~ d i a de Vollaire , seja pelo equívoco (romantismo
de
Rousseau)', ,;;.t
substitui-se hoje outra opinião mais judiciosa. · ; < ; ~
I
ma literatura francesa desabrochou generosamente no
fim
d.o ~ · : ,. I
século XVI e na primeira metade do século XVII. Procura-se
de;-
~ ~ : · ~
fini-la pelo que quis exprimir e pela qualidade de sua mensageD;l , : ~ : ;
c forma saborosa, e não porque ela
é
anterior ao classicismo e pouco ·
: .
conforme
ao
ideal de Boileau. Os anômalos, os dolorosos, os < : : ~
tál.gicos, os imaginativos, .os amantes da natureza que foram Sponde, '
·;
Théophile
de
Viau, Saint-Amaot, reencontraram assim seu justo;
;
lugar na cidade das letras francesas. E o que vale ainda mais que; .
:
uma áurea, encantam de oovo e são amados. Ao público de wrià ·· ·
época
i n c e
e z a ,
audácia e angústia, eles· parecem insinuantes
por
i
serem contrastados, passando sem cerimônia de um gênero a oiltrÔ, · ·
realistas, sutis, ásperos, de.licados e sensíveis sucessiva ou simulta.- ;·
neamente, por não faz.erem da razão - nem arrazoadora nem ra- :
wável - ,
de
modo algum sua regra, a fim de traduzir
as
paixõeS '.
em imagens, em música e não em idéias. Por isso é que foram dC:. :
1
58
>
{
.......-
. <
; . : ; . ) - . ; - ~
Num
caso como noutro, é reconhecer o que os
dife;t;encia
dos
clássic01J
e os toma ao mesmo tempo solidários das literaturas es
trangeiras - a italiana, a alemã, a inglesa - , nessa época
trans
bordantes de lirismo, complacentes à paixão, pululantes d'e imagens,
aliterações, trocadilhos, e também consonantes com a t e n d ê ~ c i a geral
dos espíritos e dos costumes.
Os
estilos de vida, a conc lpção
da
honra e
do
amor estavam então mais próximos
do
desregramento
(di.Jfamos de uma anárquica liberdade) do que da ordem_,; do equi
líbno clássicos. Pode-se falar
de
maneírismo se
se
procura discernir
os procedimentos do gosto que são variações sobre os ensinamentos
e os resultados do Renascimento, ou do'barrcco, se se concilia mais
com a inspiração, a (orça interior e as características principais ·do
tempo, Esses escritores .viveram durante o período movimentado e
sem disciplina da regência de Maria de Médicis e do reinado de
Luís XDI,
no
transcurso
de
uma luta entre um poder real consciente
de seus desígnios, e uma sociedade sem unidade interna nem desejo
de atingi-la.
Malherbe, "
em
quem se reconhece
um
precursor do classicismo,
permanece, por muitos aspectos, um barroco. No esforço de orga
.nização geral do reino, que é a obra de Richelieu (mas que nunca
ultrapassou, não obstante a grandeza dos resultados alcançados, os
limites de um mero empirismo
,
a Academia Francesa introduz
um
elemento controle sobre a língua e as obras literárias, · prepara
o que será o classicismo, mas não pode mudar, de um d
ia
· para
outro, nem o gosto nem
as
tendências. Corneille, conforme o estado
de esplrito, é clássico ou barroco; clássico pelo progresso da língua,
a inteligência do ideal e da vontade, barroco por muitas de suas
formas c imagens, pela dificuldade, que ele confessa, em submeter
sua inspiração generosa e seu gosto do romanesco às imposiçõ.es de
regularidade ou de verossimilhança. Há, em todo caso, em Corneille,
uma grandeza patética que se pode dizer barroca, mas que dificil
mente se sustentaria requestar a etiqueta de maneirista.
Enfim, esse período é aquele em que a ação da Contra-ReforD;la,
triunfante em Roma, se exerce profundamente na França. Mas o
protestantismo, contido em suas pretensões políticas, ali permanece
sólido ao abrigo do Edito de Nantes, e ativo justamente numa elite
social dos nobres, dos oficiais e da burguesia mercantil. Se se tem
razão de pensar que, em torno de 1660, o barroco triunfal revelou-se
em Roma para conhecer, no tempo· de Urbano VIII, seu floresci-
59
,. ,;
~ · r
:H
.. ·o l
roento, observa-se
que
a França ainda
não
o acolhe.
Ela
·é dema-; ·
: , : ~
siadaroente variada em
sua
estrutura social, solicitada demais ·entre· : ;
se
devem reatar
não
apenas os procedimentos formais
as cuuosas
iluminações, mas o interesse pelos personagens
p o p u l a r ~
e
as
cenas
I
d
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 36/58
diversas correntes, para
que
possa ser de outro modo. Suas tradições .. i.
próprias são sólidas e variadas: a medieval
do
gótico à qual, terra · ~ ~ ; ª
de <:amponcscs e de pequenas cidades conservadoras, permanece te.: ~ ~ ~ _
nazmente fiel,
e
a
de seu
próprio Renascimento. Se
ela se
abre às. ,';"'
influências externas, o faz sem permitir a nenhuma tomar-se p r ~ - ·;
;:
i
pondcrante
'
exclusiva. ·
;·
; t i ~
Constroem-se muitas igrejas, ornam-nas, renovam-
se
a d é c o r a ~ · :? j
ção
dos velhos santuários. Os arquitetos formados nos estúdios fran>- . _ : ~ J
ceses
estão
atemos aos anseios
de
uma clientela
de
ordens que tem;
:.
l
ela
própr
ia, a experiência, direta
ou
indireta, da
Espanha
e
da It á
lia: ··
.
Assim,
Lemercier se inspira,
para
a capela da Sorbonne,
nas
igrejas
romanas
para
a planta engenhosa, a regularidade da fachada
com _ :..
·
nichos
e
volutas, a majestosa
c ú p ~ l a
..O P. M a ~ t ~ l l a n g e jesuít? arqui-
·_::_;
teto, retoma para a hannomosa •greJa
do
NoV1c1ado, o espínto e
os
.·::;. .
detalhes da igreja de Santa Maria dei Menti,
obra
de Della Porta ,·:.;,,
(1580). Desse modo,
a Roma
barroca
se
reencontra
em
Paris. No·
f
fim do
reinado
de
Luís
XITI,
a construção
da
igreja dos Jesuítas ·
:
(São Paulo-S
ão Luís) pode
ilustrar, como o demonstrou o P. Moisy,
\ .
um conflito entre o clássico e o barroco. A nave
de
MarteUange) "-'
é estreitamente inspirada no Gesu. Mas a fachada m o v i m e n t a d a ~ · :
obra de Deran, combina reminiscências de Saint
Gerv
ais com o gosto :. ·..
das decorações sobrecarregadas,
à
maneira dos Países Baixos espa-_
:·
:
nhóis e que, malgrado as reservas dos doutrinários, satisfaz o
pú-
; ,:
blico. ·'
.:::
Esses
Pa í
ses Baixos espanhóis, tão próximos
da
França,
i n f l u e n ~ : : . ~
[
ciam as artes no reino. Há curioso rclé. Rubens.
é
um dos mais · .
autênticos e prestigiosos barrocos. Seu gosto do lirismo, sua imagi- \_
nação magnífica,
sua
complacência sensual
pela carne
e a carnação· · ·
das
mulheres
de
seu país, evocadas até
nas
figuras mitológicas,
sua
cálida
luz.,
emprestam
à sua obra
vigor e maestria.
Ma
s
não
se
pode
d i ~ s o c i á - l o daáltália,
onde
se fordmou. De
~ o d o
que
o barroco
da
· -
lt
alia
não
est ausente
das
gran es compos1ções em homenagem ·a· · ~ . :
l
Maria de Médicis, para a qual ele decorou o palácio
do
Luxemburgo,.
cjue o francês Salomon
de
Drosscs edificou inspirando-se nos palácios .
florentinos. Os pintores
da
realidade, pintores de cenas
de
gênero,, :.
de flores,
de
objetos familiares, conhecem
então uma
grande voga.
·
Muitos
são
f l a m e n g o ~ estabelecidos
na Fraoça
e
sua
colônia
é
nu: ,
merosa em Paris. Outros,
por
volta
de
meados do século,
são
lo- ·
renas, como Georges
de La
Tour. Deste, porém, é a Caravaggio
que
. ,
60
·. : : · 1
. _ , • , ~
de humilde e cotidiana existência: nada é mais afastado dos refi
namentos e das elegâncias maneiristas ou
da
ênfase barroca.
Não
se
pode, pois, resumir
numa
s6
fórmula
esse
gosto eclético
dos fran
ceses, colocar
so_b_
o patrócínio
do
barroco esse período anferior
ao classtctsmo, .manerrtsta e barroco às suas horas,
mas já
rico
de
obras clássicas. Vouet, pintor
de
Luís XJll, é um barroco profun
damente marcado
por
uJ la expcriílncia
da It
ália religiosa
c
artística
do tc.IQpo.
Opõe-se-lhe Poussin
que se
fez
retornar de Roma), por
sua arte muito mais intelectual e inspiração mais artística·. Poussin
não se demora
em Paris, mas continua a
produzir
em
Roma
para
uma clientela francesa, do círculo
de
Richelicu,
as
·grandes compo
sições solenes, majestosas e eruditas
da
série dos Sacramentos. Será
preciso tentar conjugar nessa época a preferência barroca ou a pre
ferência . clássica a esferas' diferentes, inclusive as províncias? A pro
víncia tem mais pertinazes fidelidades tradicionais. A nobreza, em
seu
gênero
de
vida
e
suas representações mentais, está certamente
mais próxima
do que
impressiona vivamente a imaginação c o
co
ração, do
q ~ e
do realismo ou das imagens austeras, em
que
.
se en
contram ma1s afinidades com o espírito circunspecto dos burgueSes.
Erra-se, porém,
sempre que se quer
generalizar.
e
um personagem
bem estranho
ao
espírito clássico, Gaston d'Orléans,
que
aceita o
projeto harmonioso e equilibrado
de
Mansart
para
o castelo
de
Blois,
enquaoto o mesmo Mansart,
no
Vai
de
Grâce, co.u1põe
uma
igreja
romana, cujos caracteres barrocos
sã
o mais marcantes do
que
·
na
capela da Sorborme.
. . , A. tradição e também, -convém dizer, uin preconceito
que
teme
dliDmUtr a honra do governo da monarquia, se
se
niio
lhe
reportar
todo o mérito do
que
foi realizado
de grande na França
dessa
época)
associa
os
resultados clássicos
à
vontade
de Lui
s
XIV
e
de
seu
~ f r c u l o . Parece
que Luís
XIV
teve pessoalmente um gosto
pro
n u ~ c · a ~ o pelas artes: Bernini o disse, sem
que
se
possa
suspeitar
de
bajul
aça
o. Mas esse gosto levava-o antes, pelo menos em
sua
ju
ventude, para o brilho e o fausto do barroco. Em · todo c a . ~ o a ma
neir.a
suntuosa, colorida c sensual
da
Itália contemporânea
d e ~ f e c b o u
no t e ~ p o da
regência
de
Ana da Áustria, ·uma ofensiva· vitoriosa. '
Com
os encorajamentos
de
Mazarin, afirmou-se, antes e depois
da
Fronda, o sucesso
das
óperas italiana, peças mecanizadas, balés
de corte, para os quais se convocavam decoradores e executantes de
reputação já c o n s a g ~ a d a em Veneza ou nas cortes italianas. Em
61
I
,i
'
Jl
J
\J
· ; ~ = :
< •O'·
§
Paris h.ouve uma reação contra eles, menos talvez p o ~ uma
o p i n i ã O
· · : , ~ _ · . Í
c o ~ ~ á r i a de
arte do que por
p r c o ~ p a ç ã o de
econoiiDa e escrúJ?ulo ··
·-.c
reminiscências do projeto de Bemini nas obras francesas subseqüen
tes. O projeto foi, portanto, aceito, e a pedra fundamental colocada
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 37/58
I
'
I
I
I
I
I
I
I
r e h g ~ o s o . Os devotos e a Companhia do Santo Sacramento, os
Jan
:;:·.. · 1.)'
senistas, os rendeiros, os protestantes, pelas mesmas razões ou r a z õ e s '· '::· j
diferentes, encontravam-se associados no partido (se
se
pode dizer
)f
.
;
.
do gosto severo.
; j ; f . ' · ; ' · • ( . . ~
.
... . . . . : . ~ ~ ) ; " i , ~ : '
Por
ocasmo da entrada
do
ret e
da ra10ha
em Pans, a
• . ; . ~
agosto de
1660
,- uma das mais magn(ficas festas urbanas e
rnonái-
·\;f
quicas .do tempo, os arcos de triunfo, realizados por artistas p a r i ~ : o . . ; . ~ ~
sienses apresentam; alguns .a pureza clássica, a maior parte uoia·:;::·;
abundância e ostentação barrocas. Essa decoração traz um ensina-:
· : _ : ~
mento acerca do gosto da França nessa época. Também não é
•.
de mais dizer que os artistas atuam indiferentemente num ou
n o u t
·
registro através de agradáveis variações. Não
se
trata
mais
de
c ó í [ : ~ · : : · ~ :
trapor aqui classicismo e barroco numa espécie
éle
antinomia mruu? ':
J;
queísta. a verdade porém que, nessa data, 'a opinião írancesa, a
a provação de uma guerra civil e
de
uma guerra externa que
: ; ) ; ; :
deixaram terríveis lembranças, aspira tanto à paz corno à glória.
Bla
· :: :t_
.
deseja, nas igrejas, nos monumentos públicos, em torno da corte .1
:;•
~ e s s e
jovem rei cuja graça e reputação a encantam,
um
a arte in
:
•
·· 1
· fluente. Ela procura depreender e definir
um
ideal, e as razões são ·, ; t
incisivas, nessa sociedade complexa e viva, para que a arte adotê '":":,.
uma fórmula inspirada na autoridade das obras, das regras,
n u m ~ - ~ ~
harmonia a atingir entre o savoir faire e o não-sei-que (uma
a r t e
I
ortanto, que será reconhecida modelo
do
belo e de um
a l c a n c e , : ~ '
geral) ou que prefira a
. l i ~ e r
a d e , as _antasias i ? J ~ g i n a ç ã o , ~ : ~ \
se recusar nenhuma audacta. Se essa mtcrpretaçao e JUSta,
p o d e s e . · ~ ·
.
então dizer que a França de Luís XIV realizou efetivamente, entre. '·''. ·
o clássico e o barroco, a experiência de uma escolha. : } <
·
• •
'= '
Mas essa escolha em arquitetura não foi determinada pela : ;
gero
do Cavaleiro Bernini a
~ r i s
(1665
).
Nada mais avesso à ve[,l
dade dos fatos do que fafar de uma impugnação a Bernini, porq1,1i.i .: ·
seu estilo teria escandalizado. Colbert havia insistido para que elé:" :J
viesse, após ter apreciado e discutido seus projetos de caráter . bai.
1
• .''
roca ·bem maís pronunciado que o plano definitivo, que o
C a v a l e i
_ . , : .. ::
compôs em Paris mesmo. Era um imenso palácio à romana, : ~ . · ·
mais amplo que o Louvre atual, mais suntuoso também, como
umâ
·
>
galeria de estátuas sobre o ático, e, no pátio, um cenário de galerias.
É bem possível que a presença, na capital francesa, de tal palácio;
sem confronto com nenhum outro da Europa de então, tivesse mo: -
dificado o gosto francês. Não obstante, alguns críticos identificaram
62
em outubro de 1665.
As
razões por que, desde 1667, foi abandonada
a sua execução, são de duas ordens: o temor de despesas excessivas
numa hora em que se
se
engajava renome e muito gosto (Le Vau:
d'Orbay, Perrault), e a convicção de que suas obras seriam prova
velmente belas.
Nada
de
uniforme em seu g8nio: os projetos de Perrault com
sua
c o l u ~ a t a
muito p u ~ a . mas um pouco árida, possuem a harmonia
e a
g r a v t d a ~ e
do c l a s s ~ C I S ~ O . as o palãcio de Versalhes que
c
Vau construiu era
de
mspuação e gosto barrocos: ele envolvia o
pequeno castelo Luís
Xlll
numa soberba construção, cuja fachada
sobre o jardim permitia o recuo da edificação central c o avanço
de um terraço entre os pavilhões angulados. Modificando esse mo
vimento pelo alinhamento da fachada e pelo arranjo da galeria dos
Espelhos,
ali
onde se havia deixado um vazio articulando ao edifício
as do e i o -
D i ~
e do Norte, que
á c u s a ~
a impressão de hori
zontalidade, Hardoum-Mansart restabeleceram, no conjunto de Ver
s ~ C : S ·
a
m a j e s ~ a d e
calma e harmoniosa que lhe consagra a aparência
clásstca: _Idênticas qualidades na igreja dos Inválidos, cuja sábia
c o ~ p o s t ç a o superpondo as colunas das três ordens e alijando o
efeJto poderoso do zimbódo pelo enlaçamento da Bccha alia ao
respeito escrupuloso das regras a originalidade da
invcnr;'ão.
Em toda a parte uma elegância peculiar, um senso do efeito
. nuançado, a harmonia do detalhe e do conjunto. Houve mais fan
tasia, .sem dúvida, algo que resvalava da grandeza para a graça,
aprmomava-se do barroco, a n u n ~ i a v a
t a l v e ~
o .rococó, na ordenação
do cas;elo de
M ~ r l y
e seus
p a ~ l l h õ e
destmados ao agrado pessoal
de Lws XIV ma1s do que a Vtda de representação como em Ver
salhes que, na opinião francesa c estrangeira, evocava principalmente
s:u
poder. S e i ~ . dú_vida, porém, deve-se atentar para essa prcocupa
çao de converucncta, sempre zelosa em adaptar o aspecto exterior
de
um
monuwcoto a seus fins c que consegue assim sem nunca
trair a doutrina, variar-lhe
os
efeitos. •
. O classicismo francês, vitorioso nessa competição entre dois es
tilos ou ~ u a s aspira?ões do gosto, deveu seu sucesso ao prestígio
en:p-an
dectdo
do
anhgo e
à
doutrina da Academia de arquitetura.
F01.
e l ~
que .
s : lanço.u
o anãtema contra o
es
tilo gótico, por
uma
cunosa m . g r ~ u d a o nactonal, e que, embora sem tudo desaprovar dos
b ~ r . o c o s Italianos, nem de Cortona nem de Bemini, até de Borro
mtru, condenaram-se as práticas extravagantesJ as inovações, os
63
.
'
\
: . · .
:.·
'S·
efeitos de surpresa e
de
engenhosidade. Enfim, foram revalorizadõs ·;
Vignola, Palladio, Scamozzi, mas sobretudo Vitrúvio e o antigo
. : · ~ ~ ~ : ··
manista oas escolas. Literatura, porém, de surprendente amplitude
de acesso, inteligível aos simples, desde
qu
e dotados de razoável ins·
,
I ·j
'
i
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 38/58
,,
I
I
.
I
i
1
i
I
Respeito às norma
s,
observância rigorosa das proporções, conve.l } ·:;;
niência na escolha dos motivos
de
ornamentação;
raz.'io
e medida
: :":
foram apresentadas como condições indispensáveis de uma obra bela, . , ; . ~ .
e a conformidade a essas regras como o segredo do gosto. Nasceú
·;'i:-\;;.
assim
um
estilo, aparentado ao
do
Renascimento norentino e
ro.:
.
·.,.
:
/
mano, não desprovido de afinidades com o barroco romano, /J. ·1
quanto der-vado
do
mesmo Renascimento, possuindo porém seu .• ;r, .
ráter próprio, s u ~ indiscutível
o r i g i n ~ l i d a d e na. eiê_ncia
de
~ r g ~ i z a ~ - :
os
elementos a
1m
de
obter um
efe1to de
eqmlflmo e elegancta, de .
plácido vigor, em que a graça nunca seja frág
il,
em que a força
n J i ~
·
õ
:;-'
.
seja opressiva, a majestade sem ostentação. No entanto, esse
e s t i l · -
.
que, do lado da elegância, espreita a afetação como o academism9
· ~ · :
do lado do equillbrio, era o fruto de uma doutrina insinuante e séria, .
que elevava a arquitetura a um ideal e interditava-lhe. a facilidade·;
.·:t' .
Mas a invenção era, doravante, uma maneira pessoal de aplicar as · ~ . :
regras a um .fim particular; não podia ser nem i m a g i n a ~ ã o pura; .. ,
nem ultrapassar a doutrina. Poder-se-iam observar traços
s e m e l h a n ~
"
t
tes no classicismo literário. Ele procede também de uma doutrina
.·
elaborada na Academia, no círculo· do abade Aubignac, e que cn-
. :·:: ·
.
centrou sua expressão na
rt
poétique. Boileau é impiedoso a r e s ~
:''';
peito do realismo e do maneirismo, posto que duas fontes
da
beleza ,;·
literária. Ele detesta a literatura barroca
da
Itália. Uma vez que só ·-
..
o genio está isento de discussão,
é
para a observância das regra,s
·
que ele ensina a conduzir um incansável esforço a fim de logr
ar
uma· ;; :
obra
da
qual o gosto e a conveniência devem constituir
as
qualf·
dades essenciais. Consegue-se assim comover a sensibilidade confe:
rindo à inteligência uma satisfação completa. Mas essa fidelidade a .
um ideal de doutrina não bastaria para consagrar como. clássica u m ~
literatura. Ela o
é
pela qualidade de expressão de uma língua · . ~
ravante rica, precisa e matizada, apta para decretar, numa frase.
ou num verso, uma etapa da sensibilidade em que se sente a expe: -
riência, o sofrimento e a esperança
de
toda uma vida. Numa forma
clara e inteligível a cada um, é sua intcrioridade e sua humanidade
que conferem a essa literatura seu classicismo. Assim ela entrou
na:
.
formação
do
Francês desde há gerações, cada uma delas interpre
tando-a à sua maneira, procurando e descobrindo nela aspectos ..
novos, como tantas respostas a suas aspirações profundas. Literatura
em certa medida aristocrática, que não
po
deria ter sido escrita sem
uma elite exigente e informada, na Corte e na cidade, mas que o
foi por burgueses nutridos de antigüidade clássica e
de
espírito hu-
64
trução e aptidão
à
sabedoria da exper ência. Pensa-se aqui
sm La
Fontaine, em seu prodigioso papel na formação dos franceses até
nas camadas populares.
O classicismo n
ão é
completo apenas
em
gêneros que requerem
o critério das regras e doutrinas - queremos dizer o teatro trágico
ou cômico, até pensamentos como os
de
La Bruyere, calcados em
modelos antigos -, mas impregna escritos independentes como as
Cartas
de
Mme. de Sévigne,
as
Memórias do cardeal
de Retz: ou de
Saint
-S
imon. Nada disso pode ser classificado sob a etiqueta barroca,
como tampouco, verossimilmente, O século de Luis XIV de Vol
taíre, sob a etiqueta rococó.
A civilização francesa, por seus caracteres gerais, pela quali
dade de sua disciplina, de
ve
ser reconhecida como irredutível
às
outras civilizações, apesar de aparentemente necessárias. E la
se
apre
senta como
um
produto clássico e não pode aceitar outro nome
Mas não é menos verdade que,
com
freqüência, uma interpretação
monocórdia, acadêmica ou
un
iversitária, tem dissimulado
os
limites
que ela reencontra do lado do lirismo, da im
agi
nação e
da
fantasia,
e deixado ignorar que a sua presença
no
século XVII não pode
golpear de descrédito o que ela não é: o comovente e sugestivo
barroco, por cujo fervor, afinal, ela
foi
com freqüência rcvitalizada.
Le
Bron, pintor oficial do reino, foi por sua arte o intérprete
de uma doutrina clássica.
O
ideal era uma pintura agradável à vista,
mas outro tanto inteligível
ao
espírito. Impunha-se, portanto, temas
nobres e uma expressão à sua medida, que fosse sempre ciosa
de
circunspecção. Convinha apresentar uma idéia que a obra comen
t ~ s
respeitando a verdade histórica e não se afastando jamais da
verossimilhança. O que não. impede traços barrocos em Le Bruo.
Desde o arco
de
triunfo simulando a pedra, erigido
na
praça Dau
phine em 1660, até o poema que se deSenrola no teto da Galeria
dos Espelhos, em homenagem
à
campanha da Holanda e grandes
ações do rei, seu temperamento sensível
ao
fausto do poder, seu
gosto por cores raras (um certo azul-marinho ou pedra-preciosa),
pelo movimento, pelos cost
umes
de teatro, barretes empenachados,
peplos, couraças, perucas encaracoladas, desabrocham num incontes
tável lirismo. Ele desenhou um mobiliário suntuoso, preparou para
os
Gobelins essas tapeçarias com molduras de lâminas e couros,
onde rcbrilham as vestes de seda dos príncipes, dos cortesãos e dos
sacerdotes. O estilo Luís XIV deve a esse mestre da Academia uma
65
I i,
' 'i
I
i [1
l
.
;
• ; I
I
)
·li
l
I
:
.
I '
I
I
I
i
ij
;j
·
·
• t
.
~ - -
- - - - - - - - - - =
~ ~ - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
- - -
\
complacência
à
riqueza, que preserva da severidade esse sábio elas
.,
sicismo. Ele não é
UD)
partidário
da
simplicidade (que pode, tam-,
b a ~ o c o
o d o m í ~ i o em q_ue devem ser eounciaiias a dor e a energia.
Alem da doutnna clásssca abertamente declarada e da diversidade
I
f
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 39/58
bém, lograr efeitos de grandeza), ele ama o brilho e o movimento:• '
é um glorioso. Mas não outorga à cor o primado sobre o desenho(
não procura os deslumbramentos da luz, nem os prestígios do
trom-,
pe-l oeil. Verdadeiramente, todo um mundo separa seu estilo da:
quele do P. Poz
r.o
decorador de Roma e Viena. . ...
\1 •
Uma disputa se desenrola, de 1660 a 1680, entre os partidá.tios>
de uma arte realista ou do lirismo em pintura, na tradiçãode Rubens;·
de Van Dyck, dos Venezianos, e os adeptos de composições etií•
que o desenho desempenha o primeiro papel, relegando a
cor
a mero.
enfeite. A mesma_querela sucede em Roma e Paris. Poussin, no fim
de sua vida, impele o gosto do antigo até a minúcia arqueológica
e conduz à perleição sua maneira intelectual e harmoniosa. Claude
le Lorrain ( t 1682) mantém, dentro de um admirável equilíbrio, a
inapreel)sível luz dos sóis poentes e a ecoa histórica, o encantamentó:
•·
da vista· e a presença da idéia, e o critico Bellori, enfim, dcdlca ( ;
Colbert, em l 675, a
Vie des Peintres,
que 6 um elogio determinadó:
. ~ .
da regra, do desenho e
dos
Antigos. Em Paris, a crítica ataca
pintura
de
Miguel Ângelo, os maneiristas, os Flamengos, para exaltar
Rafael; depois, até na Academia se digladiarn os poussinistas, parti
..
dários do desenho e do costume, e os rubenistas, defensores do
co-
lorido. Fmalmentç, o crítico Roger de Piles, depois A. Félibien (estê
numa linguagem admirável), elaboram uma filosofia do gosto.
Fé
; ·
libien reconhece para o ideal da pintura a necessidade, com iguais · :.
direitos,
da
composição, do desenho e do colorido, e, conforme
a
::
importância conferida a um desses caracteres, ele distingue o gosto '·::
de cada nação: Para o da França ele o declama . tão dividido; qúé
é
difícil oferecer uma idéia justa , mas os mais düerentcs pintores
..
tem, outrossim, tão belos predicados e trataram seus temas com
tanta elevação , que suas obras servirão sempre de ornamentos à .·
França e serão admiradas pela posteridade . ··:
Assim coexistem Van der Meulen, mais próximo dos l a m e ~ \
gos, Mignard ou Nantcuil, cujas elegâncias roçam a
lao gu.idez
e
&
·:
hábi l Rigaud que imprime em seus retratos oficiais a grandeza
dO.
. ;.
um símbolo. • ·
·
'
..
A escultura pesquisa a maneira antiga: Girardoa empresta: · ·.
s:_us p e r s o a
a ~ e n s
de
anatomia escrupulosamente estudada e propor- ·
çoes harmo01osas, a calma ou o movimento calculado de uma figura .
de
dança. Mas, para o
Milo
e
Crotona
ou os
Atla11tes
de Toulon; .
Picrre Puget
as1ima
figuras atormentadas c trágicas: ele Testitui ·ao
66
dos_ gêneros, convém pensar sempre na variedade da França e da
sOCiedade francesa que constitui a clientela c o público. No centro
Paris e ';'ersalhes. O classicismo que, por tantos aspectos, p r e s s u p õ ~
u ~ a s o ~ • e d a d e u.rbana, não suscitaria hcccssariaroente um incompa
r ~ v e l êxsto longe da capstat. Não foi, portanto, o ·gosto racional do
seculo X
Vil
que
d ~ i d i u
a criação
de
.Versalhcs, mas sim o fausto
Corte e e ~ s e C O O J U ~ t o de representa0es sentimentais, mais plás
t t c ~ s do que mtelcctuats, em torno da pessoa reaL Os divertimentos
r e a ~ s
desde os que corre:spondiam ao gosto do prazer num jovcl)l
soberano, aos que
assUDUam um
caráter político celebranêlo
as
vi
~ ó r i a s do Grande Rei, passaram assim da decoração efêmera
de
uma
JOrnada , ao palácio.
r r n a ~ e n t e
residência do pnncipe I logo centro
da monarqu1a admiDlstrahva. Numa certa medida Versalhes traauz
a vitória
do
prazer pessoal de Luis XIV sobre pensamento p.re-
ccphvo de Colbert. .B verdade, porém; que Versalhes representa a
obra dos estúd
io
s; que a organi:.:ação interior filia-o parcialmente ao
estilo dos hotéis construídos em Paris em meados do século; que o
t r a ~ a d
c a arquitetura dos jardins, canteiros e tanques, sua deco
r ~ a o com estátuas de mármore e de bronze, ofereceram a oportu
n J d a d ~ de aplicar,
~ ~ m
empreendimento excepcionalmente amplo, as
doutnnas do
clasSICismo.
Também, segundo o ponto de vista que
se adote para interpretar Versalhes, pode-'se falar seja de barroco
?e
c o l o r ~ ç ã o
clássica - e
é
considerar então a intenção de coa
~ l o ma1s do que o método francês de realização - seja de clas
SICISmo .de coloração barroca, c, neste caso,
é
talvez compreender·
melhor o caráter profúndo dessa obra francesa inviável Jora da c o n ~
dição do país nessa época, mas inspirada por' essas grandes ideolo
gias t r i u ~ a i s e religiosas.que, nos países meridionais principalmente,
o Renascunento e o barroco fizeram amadurecer.
_Havia
ainda outros domínios aos quais o gosto clássico não
c o n V ~ à absolutamente e o_nde_penetrava mal. A fé religiosa tinha
.neccsstdadc de ser reaquec1da e
as
abstrações
da
doutrina clatifi
cad as
}jaca
as rcprcscn:ações sensíveis. A Igreja da França, que con
clmra com a monarquia uma aliança mais e mais estreita, difundia
entre os
fiéis
uma concepção da vida religiosa ritual hierarquizada
patriarcal, e a necessidade das intercessões c m a n i f e ~ t a ç õ e s
p ú b l i c a ~
de homenagens
à
Divindade e aos santos. A religião
do
tempo de
Luís XIV, na linha
do
período precedente, foi uma religião de mis
sas, de fundações piedosas, de reverências do Santo Sacramento· de
procissões tcofóricas ou · mariais. O jansenismo podia controlar' em
67
\
certos mé os o que, a seus olhos, ameaçava concessões demasiadaS ,
à prática sobre a gruça. O ca lvinismo peJlllanecia vivo, combatido
Imperador, compunha para a vida paroquial dos franceses e sua
piedade específica, um quadro ostentatório e pomposo. Seria um
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 40/58
e agressivo ao mesmo tempo. Mas as lutas contra a heresia, dccla'.
rada ou latente, só faziam acentuar, por outro lado, a necessidade
de ritos e brilho. Principalmente, a imensa maioria da população
francesa era camponesa, sem outra evasão de sua dura. existência
senão para os esplendores que lhe pareciam perspectivas de paraíso.
Acrescentemos que, permanecendo ignorante e incli nada
à
supers
tição, era sempre necessário canalizar e clarificar sua espiritualidade.
. Tais foram as razões da construção de igrejas em todas as provindas
c, onde não
se
edificava, da decoração com retábulos, das
i g r _ ~ j a s
antigas. A moda veio da Flandres, mas principalmente da Itália.
As
gravuras, das quais Félibicn assinala a necessidade e o papel eficaz,
fizeram conhecer pelo buril de Lepautre c outros gravadores, .
os
altares
à
romana,
os
baldaquinos - de que se inspiraram incansa-·
velmente os esr(tdios locais
-
e os santeiros rústicos. Toda uma
floração viceja durante cinqüenta anos, multiplicando as pilastras,
as guirlandas, os potes cozidos, as corbélias, as estátuas pintadas
em cores vivas. Já engajada em alguns estudos locais, a história
co.mpleta desses retábulos franceses ainda éstá por escrever. Sua pro
dução escapou ao controle da Academia; a atividade foi muito gran
de, um pouco em toda a parte, do país de Auge
à
Provença, ·do
Périgord à regiões do Loire, onde algumas escolas (Lavai) tiveram
uma fama muito extensa.
Na
ex
tremidade
da
Bretanha, os
e s c u l
tores que trabolhavam na decoração dos navios, num estilo suntuoso
c barroco, legaram obras completas e artísticas, entre as canhestras.
porém saborosas composições, ainda medievais, dos artesãos ·locais:
Nas províncias de recente anexação, manteve-se o gosto
fla
.mengo dos entablamentos regulares, dos frontões interrompidos, dos
· pequenos edifícios negro e ouro, em que o gosto espanhol das sÓ-
.brecargas decorativas acumulava os
de
talhes sem deixar vazia ne:
nhuma superfície. Com pequena diferença de anos e, às vezes, no
decurso d
os
mesmos anos coexistiram, nas províncias francesas, as
fidelidades retardadas ao maneirismo, com arabescos, candelabros,
guirlandas, pilastras,
putti
anjos cariátides, a voga mais romana das
colunas torsas, volutas, grandes figuras de anjos alados, e , o aco
lhimento a efeitos classicizantes, cuja solenidade era ritmada por pos
santes colunas retas, pela horizontalidade das arquitraves e coroada
de grandes frontõM triangulares. Toda essa decoração interior, à
qual se associava o mobiliário, estalas, púlpitos, confessionários, com
seus relevos de escultura, seus balaústres, conchas, fusos, embora
menos exuberante sem dúvida do que na Itália ou nos países dq
•
I
I
:
'
I
I
• I
erro ver nisso, em vez do espírito barroco, uma complacência aris
tocrática à qual os humildes teriam
pe=anecído
estranhos. A santi
dade e a santificação do trabalho eram evocadas incessantemente
pelas imagens dos santos pad.toeiros de corporações ou de trabalhos
da terra,
ao
lado das imagens dos santos reis que sustentavam a
idéia monárquica. A sociedade francesa, ao menos de confissão ca
tólica, era plenamente interessada por essa iconografia barroca das
igrejas. Afinal, o exemplo dos êxitos italianos num outro gênero da
decoração, e este verdadeiramente a r i s t o c r á ~ c o seduziu os artistas
da França. Por ocasião dos serviços celebrados para o repouso da
alma dos grandes desse mundo, decorava-se a igreja com jogos de
tapeçarias, quadros, figuras de descarnados ou de esqueletos em torno
de um cadafalso, o
castrum doloris
guarnecido também de estátuas
e luzes. Era uma pompa f ú n e b ~ plena de símbolos, num temoo
em que o conhecimento dessa linguagem mística era difundido enire
os doadores e pessoas cultivadas. Por si só, representava um co
m e n t ~ r i o da vida do defunto. Ela sustentava a oração fúnebre, pro
nunciada do púlpito nessa ocasião. A moda veio da Itália, conquistou
a França, a Espanha, depois os países austríacos. Os grandes artistas
do tempo, Fontana, Bernini, desenharam pompas fúnebres. Houve
em Paris a resolução de realizar tão bem como Roma eSS« gênero
de suntuosidade macabra, mas da qual não
se
deve ignorar a gran
deza patética e re
li
giosa. Gissey, desenhista da Câmara do rei rea
li:Gou
uma bela composição para Notre Dame, em honra do duque
de Dcaufort ( 1670) . Em maio de 1672, quaodo a serviço do chan
ce\er Séguler no Oratório, Le Brun real iwu t:ima obra-prima, pela
engenhosa invenção de um a pirâmide de luzes acima do' castmm
doloris
e pela distribuição das fig uras, caixões e cartuchos, de um
gosto muito seguro. Um j
es
uíta, o P. Menestrier, bem informado da lj
man
1
eir.a
italiana, quis ser o doutrinário do gênero. Seu entusiasmo 1.
pc o Simbolismo levou-o até ao enigma: imaginava para a pompa 1
fúnebre de Turenne em Notre Dame, 1675 ), uma torre ameada lil
que lembrasse a torre de Auvergne, a torre de David, a
Turris ebur-
1
1
nea das litanias da Virgem, alértl de outras idéias. Bérain, sucessor r
de Gissey, empenhado em variar sua invenção a cada cerimônia
fú-
i
nebre, atingiu o sucesso quando a serviço do Grand Condé em Notre ,l
Dame ( 1687) : Bossuet, pronunciando a oração fúnebre, incorpo-
l
ra
va ao
seu discurso o sentido dessa decoração de troféus, palmas '
1
e baldaquino de colunas compondo o cadafalso, para contrapor
as
I
memórias dessa vida ilustre e o espetáculo
da
morte.
i
1
~ ~ ____
68
· · - ~ . . . . . . .
. . :
~ ; ~ \ ( . ' t
P.
Assim, o século XVII francês tinha, a um só tempo, depreeíif'
:.,:;{
dido das diversas correntes uma doutrina : multiplicado, em ~ ; :
fi
os
gêneros, as belas ·obras que .podtam serv1r de modelos ao e s t . a n : J : ; ; ; : t
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 41/58
geiro . .Nesse estilo,. dominan
te
clássica. P ~ n c i p a l m e n t e uma v o n ~
tade mtelectual de cnt' ca e de gosto que repelia os excessos c, numa ,.
certa medida, continha o lirismo. Mas não se deve crer num esii.tõ f
.sem imaginação, nem esquecer todos os aspectos em que a i n t e r
prelação dos sentimentos e das emoções reencontrara sua l i b e r d a d e . _ . ; · : ; .
Por razões profundas, a França clássica n
ão
podia ser, a b s o l u t a ~
l
mente, estranha ao barroco. .J
._
h
'
.. .
:\
·
I
70
. · i
.,
>
;
·
<
I
I
· I
l
t
J
. Capítulo
III
O B RROCO N ESP NH E P íSES IBÉRICOS
Se o bar-roco está intimamente associado· à doutrina do Concí
lio de Trento e
à
difusão de valores sensíveis· na vida religiosa;
se ele procede do Renascimento, mas nutre-se igualmente de tra
dições mais antigas; enfim, se ele é, com freqüência, ao mesmo tempo
aristocrático e popular, é exatamente a experiência espanhola que
·se deve interrogar a seu respeito. A Espanha reunificada pela re
conquista, ainda que províncias permaneçam obstinadamente par
ticularistas, enriquecida - mas não toda - pelo comércio e
p )s
suindo em seu território o <:entro administrativo de uma economia
em escala mundial, atinge · no século XVI e na primeira metade
do XVII um poderio político, um resplendor espiritual, uma força
da língua e da literatura, que. justificaram a denominação de século
de ouro.
O pensamento erasmiano
çlos
doutores de ·sa amanca, a
audácia renqvadora de Santa Teresa, de San Juan de la Cruz, de
Santo Inácio de Loyola exercem, a despeito das restriÇões c rigores
da Inquisição, uma influência preponderante, não apenas sobre o·
Concílio mas sobre a reforma católica em seu espírito c em seus
fins
práticos.
:S
uma extraordinária confrontação entre um país -
o qual sua estrutura social e seu passado (não se pode esquecer
a · prolongada dominação muçulmana · e a importância dos comp<;>
nentes mouros c judeus) colocam· um pouco
à
margem·da Europa
-
e o resto da Europa em plena renovação do Renascimento.
Diante da exuberância decorativa dos portais
de
catedral, nos
séculos XV e XVI, da complacência às composições das linhas, dos
refinamentos ·da escultura ornamental, não se pode deixar de reco
nhecer na arte plateresca qualidades formais e talv
ez
um espírito
que se identificou depois no barroco. Tal é o ponto de partida da
célebre teoria de Eugenio d'Ors. Sem dúvida, o cenário peculiar da
71
: I o
I
, :
I
I
I
'
I
.
I
1 ,[
i
'
i · '
.
'
.
'
,,
I,
I
•
I
il
lj
I,
I
,,
'
I
i
i
I
r
I
I
I
I;
'
l
'
-·- - -·
---J.--
'<•;
f.
•
•
E:sJ,anha, a extrema riqueza das obras góticas, a forte pressão que, · : : i
em algumas regiões, a abundâ.ncia da arte islâ.niica podia exercer .
sobre os estúdios locais, fa1.em desse país uma e ~ p é c i c de pólo de •
foi condizente, como uma expressão de. altiva gravidade correspon
dcndo ao caráter espanhol.
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 42/58
I.
resistência à investida geral
de
íof uências exteriores. Assim, o Re-
nascimento o n t ~ a v ne
le
tadições que ~ ã ~ lhe ensejavam ser j
rapidamente acolh1do nem tnunfar. Ele se msrnuou até no plate..
resco que, em Salamanca sobretudo, assume o car
át
er de· u
ma
arte · .
de transição. Não se pode admiti r, no entanto, que o barroco espa- ·
obol se tenha desenvolvido a partir do plateresco. E
le
deriva de . ..
v á r i ~
~ s ~ ~ s t n ~ d e ; ; ~ ~ ; i ~ ~ ~ ~ a
a.rte
nutrida de modelos antigos n
fio
podia
im
po N
e senão pela vontade .
dos príncipes, conhecedores de seu prestígio. O fator dinástico
é
aqui de importância primacial, sem ser exclusivo. Carlos V eneo-
menda a Pedro Machuca um
pa
lácio em rotunda, que transplante
para Granada o
es
tilo difundido
na
T á
lia,
mas para assumir, em· Jl
·contraste com o cenário árabe circundante, um caráter mais acen- J
tuado de inovação. Contudo, as grandes rea
liz
ações se vinculam a
Filipe li. Nas solitudes despojadas da Serra de Guadarrama, o rei l
Ca
tólico fez levantar por arquitetos formados na Itália, Juan dé
Toledo e Herrera, um palácio-monastério e uma igreja que e v ~ 1
abranger as sepulturas
da
dinastia. A própria igreja é inspirada "de
4
Bramante. No interior, as amplas proporções, a majestade dos p i l a ~
res, a pujança da cúpula,
os
arcos
da
capilla mayor
sobre os lados
da qual percebem-se em prece das famílias reais (em bronze doú.- 1
rado com dalmáticas incrustadas de esmalte) , emprestam a essà
obra do Renascimento italiano uma augusta qualidade de grande .
A cor sombria·
da
pedra acrescenta a impressão
de
solene tristeza.
Nenhuma alegria. No exterior, a aparência de fortaleza, nos quatro
ângulos
da
qual se elevam pavilhões com flechas lembrando o gos
to
da Flandres, e ncontra-se corrigida pela perfeita ordenação dos pátios
e a harmoniosa beleza do zimb6río, que reaparece em todas as pers-
pectivas, assistido das duas torres. }
Conjuga-se com freqüência a essa obra clássica o barroco ulte-
rior da Espanha, mas confunde-se então par.a explicar a transição.
I
ais exato seria dizer que o Escoriai representou doravante pa
ra
a
Espanha, à maneira de São Pedro
de
Roma para a Itália, o tipo
de
arquitetura da qual as gerações subseqüentes guardaram a lição, pelo
espírito, pelo detalhe, em toda a península ibérica. O motivo da ,
cúpula sobre um alto tambor recebeu dela sua consagração e, em
regiões de granito e pedra dura, a severidade do estilo herreriano
1
72
· ·
I
- '
Na medida em que o barroco executa váriações sobre os temas
do Renascimento, era
eSsen
cial para a arte ·espanhola possuir essa
obra, na qual o caráter severo e o pensamento de Felipe U, ao
mesmo tempo político e religioso, haviam gravado seu timbre.
O quadro cortesão teve uma irnportância de outra ordem. Carlos
V, Felipe II, depois seus sucessores, foram colecionadores e mecenas
à
maneira
de
Rodolio n em Prag11. Assim nasceram os maravilhosos
conjuntos onde confinavam, não sem ecletismo, as obras dos grandes
italianos, Correggio, Rafae
l,
Ticiano e as encomendas dirigidas aos
estódios ·da Espanha contemporânea de El Greco e de Velásquez.
Mas à margem dessas coleções reais, essenciais por sua qualidade e
virtude
de
ensinamento, desenvolviam-se outros centros
de
arte, al
guns cultivados como em Sevilha, a cidade do pod
er
econômico -
em relações constamcs com Antuér
pia,
aberta
aos
pintores flamen
gos
c aos maneiristas italianos - outros populares, e é aqui q
ue
compete falar da escultura policroma.
Seu progresso é inseparável do poderio c da difusão do cato
licismo espanhol. Do século XVI ao XVII, pode-se dizer, de modo
ininterrupto e quase sem relação com as vicissitudes econômicas e
políticas, tiveram pross
eg
uimento, para os conventos emergent
es na
s
cidades espanholas, para
as
igrejas paroquiais, encomendas e pro
duções
de
estátuas
de
Madonas e santos, de comp
os
ições
de
cenas
da Pai:r.:ão que correspondi
am
à ardente fé de toda a nação e cuja
acumulação Lhe emprestava, em retribuição, um caráter peculiar de
fervor eJ\altado, ostentação e real
ismo
. Existe aí verdadeiramente
um
mun
do
de espiritualidade e arte de que nenbum outro país
da
Europa (nem a França, mais sóbria e ponderada,
nem
a Itál
ia,
cujo
ideal de beleza permanece platônico,
nem os
pa
ís
es da Áustda, mais
far
niliares, nem os Poloneses, oem os R
us
sos, mais marcados pela
arte hierática de Bizâncio) deu o exemplo. Deve-se acre.'iCCntar que
as formas
da
devoção espanhola, atingindo outros países, neles en
contraram sucesso, mas sob a condição de temperar seu ardor. Nessa
recusa da medida,
da
harmoni
a,
do equ
ilí
brio, da
~ e r e n i d a d e
nessa
vontade de comover e inquietar,
ne
ssa retórica do espetáculo, como
não
elll .ergar
valores incompatíveis com o classicismo? Como não
reconhecer uma veia barroca? Esta não é estranha ao Renascimento.
Ela possui seus reflexos, pois os ar tistas são de seu tempo c sofre
ram su·a ,influên
ci
a de várias maneiras. Mas não procede de seu
espírito. Sua presença acarreta
uma
dificuldade a mais na explicação
73
1
l i
i
,
·I
i
'
'
l
I
J
I
,.
do
barroco proveniente do 'Renascimento. Alonso Berruguete
1 4 8 8 ~
1561'j trabalhara na Itália
no
tempo de Miguel Ângelo e na corte
de Urbino. Ele é bem mais bacroco do que renascentista. Seu São
cada hoje
de
seu cenano tradicional, parece mais expressiva e to- .
cante, r e ~ e l ~ d o o valor eterno
de
um estilo· que se' poderia crer
local e lumtado. Desse barroco inspirando tantas críticas aos
es
I
: i
I
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 43/58
'
.•.
Sebastião, de rosto espantosamente calmo na · dor, seus profetas ·
de
expressões transtornadas pela inspiração, não são efetivamente per
.. onagens.gesticulantes, mas suas formas estiradas,
as
fraturás
abrup7
tas de seus movimentos surpreendem o espectador e o transportam
ma
is alto do que o cotidiano, ao ll'lllndo da espiritualidade e da
invocação. Diferente dele e, todavia, da mesma ordem
de
inspiração,
Juan de Juni (1506-1577), esse borguinhão hispa.túzado, agrupa,
em suas descidas
de
cruz e sepultamentos, figuras mais compactas,
movimentadas e declamatórias, porém como aquelas de gentes sim
ples que, em torno do· Cristo morto, seguem todos os impulsos
de
sua dor incontrolável. No museu
de
Valladolid, o São
oão
de
Ari,
matéia que se volve mostrando um espinho da cproa, parece tomar
o visitante como testemunha do excesso
de
ignomínia e
de
abandono
do Salvador: ele se converte numa obsediante insistência. Idealista
porque o animam uma vontade de edilicação e uma emoção reli
giosa profunda; realista porque a técnica dos meios procu,ra con
ferir, pela forma, pelas proporções, pela cor, uma
e s . ~ ã o i m p i e ~ ..
dosamcnte fiel do sofrimento fisico,
da
dor, do horror e da morte, ·
essa escultura policroma, formigante ·na Espanha dos século.s ho
diernos, é a mais importante contribuição ao barroco. Nada se opu
nha, em ·princípio, para que fosse apaziguante e sorridente. Mas·
preferiu o drama, por causa das representações da Semana .Santa;
sem .dúvida,
em
que
as
imagens, como quadros vivos, visavam criar
a ilusão de um Cristo de carne e osso a caminhar pela cidade, e n ~
sangüentado sob o peso da cruz
e,
verdadeiramente, a Madona sé
midesmaiada
ao
pé
do
Calvário ou vestida de luto ao encontro. dy
. -seu filho. Donde as alucinantes figuras
de
Crist'o jacente e as Virgens
desfalecidas,
de
Gregorio Fern.ández ( 1566-1636), capaz
de
sere
rúdade e medida em outros temas
Santa Teresa, São Francisco de
Assis,
São
Bru u).
Valladolid e Sevilha, cidades refinadas ou opu
lentas, foram os principais centros dessa arte para a qual estúdios .
trabalharam incansavelmente - curiosa transição
da
prática artesa
nal para a obra maior. Juan de Mart
ine-L
Montai\és (1568-1649) ,
escultor admirável, participa
da
decoração de retábulos, com arqui
tetos e pintores. Homem de intensa fé , só compunha após a comunl1ão
c a prece, em verdadeiras inspirações de fervor, para oferecer ines-
. quecíveis obras-primas: a
lmaculadtl Concepção,
justamente célebre
como uma das maravilhas do gênero e, menos conhecida, a cabeça
de Dolorosa conservada em Berlim-Dahlem
e
que, '
POr
estar desta-
74
, h
.:.,,;.:J/;- ...
·t: :
~ f j . } . t : ~ ..» ;... ; t : t : :
I
l
i
I
. . .
. '
trangeiros (imaginário sensual, cenografia, drama sacro substituindo
a prece _ntima a J i t u r ~ i a ) , profanado numa certa medida pela·
e x p l
n ç o
lunsttca de hoJe em
d1a
, reconhece-se que continua a
suscilar, no povo castelhano ou sevilhano, uma séria verdadeira e
autênt;ica emoção religiosa. ' '
A obra de El Greco é contemporânea dos êxitos dessa arte
Mas quase não tem pontos comuns com ela, sem .lhe ser a b s o l u t a ~
mente estranha (séries dos Apóstolos).
única
pela qualidade irre
dutível
da
. orma e da intensidade da inspiração,
or
iginária de Tin
toretto,_ provavelmente com reminiscências bizantinas, ela está, no
entanto, indissoluvelmente associada à F.spanha religiosa, mística, se
nho.nal do século XVI. Fora desse contexto não podiam ser con
cebtdos nemA visão de Filipe 11 nem O martírio de São Maurício
nem principalmente a incomparável obra-prima O ·enterro do c o n d ~
Orgaz, com .o yigor e a elegância de suas figuras, ·a espantosa relação
e_ntre a c e ~ de milagre na terra,
contelJ1.plada
sem surpresa pelos
fidalgos de golas plissadas e o.s sacerdotes, e a visão do Paraíso.
Clássico ou barroco? El Greco, e basta. · ·
Pode-se, em contrapartida, aproximar da inspiração da escultura
policmma
as obras da pintura espanhola do século seguinte, liberadas das fórmulas escolásticas, posto que mantendo a influência, e
que
~ f e r e c e r a m
da sensibilidade
~ e l i g i o s a
p r ó p ~ i a da Espanha e da
sua v1da monacal uma interpretação verídica. Obras de críticos es
panhóis e um belo estudo de um francês, M. Paul Guinard recon
duziram a a t e n ~ ã o para Zurbarán (1598-16
64 ,
que .se beneficia
de uma revalonzagão. Ele chegou na hora em que, após.
-as
crises
e os debates do seculo precedente, o espírito de reforma havia do
minado. Os numerosos conventos eram habitados por inces-santes vo
cações em todas as classes sociais, sobretudo nas mais humildes. As
e?comcndas afluíam. Profundamente religi
os
o, Zurbarán
con
hecia a
VIda
dos monges. Em Sevilha, onde trabalhava, tinha familiaridade
com
a.
escultura policroma
e;
sob os olhos, os exemplos de diversas
modalidades de pintura . Sua arte, mais preocupada com a oportuni
dade -de um estilo do .que com a autoridade geral de uma doutrina,
afasta-se assim do classicismo. Ele traduz a inserção
da
mais alta
espiritualidade na mais
humild<;
ação. De uma representação realista
ele extrai um s'entido místico. Nesse aspecto pode ser tido como
barroco. Mas o uso reservou antes essa designação aos pintores in-
75
;
)
l:
I
l
.·.
\
fluenciad_?s pela
It
ália e fiéis
à
beleza ideal: a Mnrillo e a suas in-
t ~ r p ~ e t a ç o e s
da Imaculada Concepção. A
Pl ITlSsima
era, por eltce
l e n ~ l a
?
tema espanhol, aquele de uma opinião teológica cara às
Sob a influência dos tratados de Serlio, Vignola e Scamozzi,
conceituados em toda a Europa, muitàs construções adotam as or -
dens, as colunas, os frontões e misturam à arquitetura tradicional
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 44/58
U_mversJdades c qual se deplorava, na Espanha, que o Coneílio
nao t l v ~ s s e coo(endo a autoridade de um dogma. Mas a maneira
de
~ u n l l o
.revela bem
a
i n d i v i ~ u a l i c l a d c do país: suas Virgens na
glóna celestial ou suas Ylrgens-lllrantes junto de uma Sant'Ana mo
rena ·são ·inteiramente espanholas, e seus pequenos mendigos pare
cem o retra.
o
d_
os
moleques
que
pululam ainda hoje nas praças.
Por
~ m a ~ b r a
sábia e vigorosa, Vclásquez proporcionou uma
consagraçao
à
pmtura espanhola do sécu
lo
xvn.
Seu estilo de corte
desembaraçado
da
convenção e da condescendência, é um
t e s t c m u ~
nho
de
arte sobre
as
grandezas militares do poder As
Lanças) ·
ou
os r i g o r ~ da etiqueta As Meninas). Seus retratos de reis, de in
fantes, brmcando ou caçando nas paisagens ·da Síetra traduzem, com
s ~ a s
cores sombrias
e.
fortes; em composições nas .quais a prcocupa
ç.ao verdade se alia
à
vontade de grandeza, uma etapa da civi- .
bzaçao. Desse modo, a arte espanhola, intérprete de uma religião
profundamente vivida pela sociedade em todas as suas camadas, d: ·
altivez castelhana, do poderio - se bem que à beira do declínio ·
de uma
m ~ n a r q u i a
ainda temível em toda a Europa, apl'escnta uma ·
forma .de mdcpcndência arrogante que rejeita a etiqueta de uma
c a ~ e ~ o n ~ .
Falou-se de anticlassicisrno. n verdade que a despeito da. ·
ex stcncta alguns tratados de doutrina, nem a corte nem o pú- .
bhco se preocuparam em .associar ao renome da Espanha um siste
ma de princfpios c de obras que seriam modelos para o resto do·
m u ~ d o .
~ ã o
o aspecto Íntelectual que domina a arte; preocupa-se
mu1to
~ a 1 s
com a impressão imediata de verdade ou de emoção a
p ~ o d u z r r
do que da consonância com um ideal definido pelos eru
d t t ~ s Donde a formação artesanal julgada tão fecunda quanto o
.
ensmamento das escolas; donde o ecletismo na escolha da forma·
donde a
f o ~ ç a de
uma tradição perpetuamente enriquecida,
p o r q ü ~
sempre serv1da por novas gerações. Essa resistência sentimental, essa
vontade de perseverança nas condições de ser explicam a duração
de certas ío:rmas ou de certos gêneros, sem que percam sua eficá.cia.
Exphcam ainda que, embora as classes dirigentes, ma
is
acessíve
is
aos valores internacionais, se tenham pouco a pouco aberto a outras
opiniões, a naÇão ~ t e i r a conservava e fomentava sua vinculação ao
que ela compreendia desde longo tempo. Tudo isso compondo um
c h m ~ ~ e g u r a m e n t c barroco, porém de um caráter peculiar e que não
propiClava o sucesso imediato do estilo italiano.
76
elementos da arte internacional. Ora
é
o estilo regular e severo de
Herrera que se escolhe para uma nova catedral {Valladolid), o da
Contra.Rcforma romana para uma igreja (Las Angustias, de Juan
de Na ( 1597-1604) em Valladolid), ora as colunas de ordem
colossal para a igreja dos Jesuítas em Madri,
as
plantas em elipse
das igrejas de colégios em Sevilha, uma basílica barroca solicitada
a Carlo Fon tana para o santuário de Loyola {1
681 .
J>or vezes, é apenas uma fachada moda da época I{Ue.vem mo
dificar o a$pecto geral de uma igreja antiga (Gerona). Sobretudo,
no decorrer do século XVU, a decoração interjor das catedrais e a
de todas as igrejas paroquiais ou conventuais provocam efeitos no
vos. Nas catedrais espanhol
as
prevalece o costume
de
cercar a nave
principal de
gràdes de ferro ou de alvenarja ornadas
de
estátuas em
nichos, de colllnas e motivos: é o coro onde os cônegos celebram
seu ofício e, em toda a parte, o altar principal capil/a
mayor
ou
presbyterium que córre&ponde ao coro das igrejas francesas)
é
so
brepujado por um retábu lo , segundo a tradição da época precedente,
mas que, em
vez
de ser compartimentado em pequenos quadros,
assume mais e mais o caráter de uma grande composição arquite- ·
tônica, articulada em vários corpos,
à
maneira de um arco de triunfo.
As colunas, os frontões,
s
cntablamentos impõem uma estrutura ao
espaço; as cenas pintadas e as estátuas se replicam, e o resultado é
compor um
gr.ande
aparato cenográf
ico
. Aí ainda reaparece o cuidado
de comovc.r c impressionar a imaginação, conferindo um comentário
à
doutrina, de tornar ao mesmo tempo mais familiares por sua pre
sença e mais honoráveis pelo cenário onde se localizam,
as
imagens
dos santos padroeiros.
Em
toda a parte, a intensidade de um efeito
.de espetáculo.
Esses traços gerais não impedem a diversidade regional das
obras. A arte de cada província reflete-lhe o destino diferente eco
nômico c social.
Por
causa do
do IÚnio
das tndias, Sevilha perma
nece sempre, conforme a palavra de M. Çorbacho, a região que
m e ~ o r
acolhe as novidades, deixando de submet8-las a seu critériop ~ · ó p r i o ; Valência, Barcelona e o Levante são as regiões mais pró-
XImas da Itália e as mais abertas à sua influência. Madri quer hon
rar-se de uma fidelidade castelhana mais obstinada ( mas pode-o?);
Salamanca, até em sua maneira de compreender a arte sofre a in
fluência da Universidade e dos Jesuítas. 'Principalmente, ' a existência
77
,
I
I
I
I
I
I
f
I
I
f
I
I
I
I l
· ..
~
~ ~
I
do lmpê_rio ultramarino influi nos destinos artísticos da metrópole
Mextco, .no Pero, nas outras províncias ou audiências da Amé
nc?, pa.ra edificar. palá:ios ou igrejas adot \-se·o estilo da metrópole.
do retábulo resplandece e prolifera: até ao arco da ogiva os mo
tivos de decoração se multiplicam, as colun;)s
se
replicam; po
r6m
,
em planos diferentes, salientando o relevo do conjunto, seus passa
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 45/58
Fo1 : a s s ~ m que J.uan Gomez
de
Mora, considerado por alguns com·d
o pnnc1pal arqu iteto barroco e que iniciou· a Clerecía de Salarnanca
(1617), forneceu numerosos planos ao México. Rapidamente, um
barroco sobrecarregado, intensamente decorativo, expandiu-se no
Novo Mundo. Muitos funcionários, colonos enriquecidos retornando
à
Espanha no crepúsculo ·da vida, se ali faziam constroir residências
ou igrejas fundações,.atribuíam sua preferência ao estilo ao qual
estavam hab1tuad
os
acola antes que à maneira antiga.
fim do século XVJJ, .em todo caso, a arte arquitetônica e
d e ~ o r a t l renovou na Espanha para atingir seu apogeu nos pri
metros decemos do século XVlll. Após uma longa decadência, a
co
.njuntura econômica então
se
recompunha, a despeito da crise po
líuca e do retalhamento da Espanha enlre duas obediências monár
quicas (Filipe V em Madri c Carlos UI em Barcelona). Assim no
decorrer de várias gerações, sucessivos arquitetos acentuaram o' ca
ráter barroco da Clcrecía em Salamanca. Eles terminaram a elegante
fachada com um elevado pináculo muito ornado entre duas altas
torres em cúpulas, e ergueram,
à
entrada do coro sobre um tambor
octogonal, o soberbo zimbório esférico, um dos ~ belos no gênero.
Na cidade do.s pátios renascimento e mudejar, de uma delica
deza e encanto
one
ntats, o claustro
da
Clcrccía (André Garcia de
Qui.õ.ones por volta de I750?) introduz uma nota toda diferente.
As colunas redondas ~ l e v a d sobre um pedestal regular suportam
de seu capttel compóstto,
um
vigoroso entablamento. Elas alternam
com_ os arcos aos quais se sobrepõem um pórtico, uma janela com
b a l ~ a o
e .largo óculo. O conjunto, de uma ordenação solene, de
sábta elegancta, oferece uma visão de barroco romano. Em Sevilha
m
ag
níficas i g r e j ~ obras dos artJuitetos Figueroa o pai, Leonard
o:
165 _7-1730, o
f 1 ~ o
Ambrosio, nascido em 1700), são notáveis pela
amplitude e vanedade de suas cúpulas,
ora
elevadas sem tambor
Pablo), ora sustentadas por
um
tambor octogonal. Elas con
jugam_em sua
e s t r ~ t u
e sua
de
coração elementos de todas as fon
~ e s
arbsticas (galena.s de madeira, ferragen
s
molduras de prata das .
n e l a ~ e acabam nos enredamentos encantadores de suas lanternas.
O retabulo do altar-mor da Clcrccla ern Salamanca ( Cristobal H o
no ato
),
com suas poderosas colunas torsas e a sábia elegância de
sua composição, confere sua conclusão a uma fase estilística e seu
ponto de
pa
rtida a
um
novo estilo. Um toque a mais e a decoração
78
.j
.
manes ondulam,
os
entablamentos têm mais vigor, nenhum espaço
que não seja recoberto de algum motivo esculpido. O ouro espalha
em tudo o seu esplendor, e a cúpula dourada de um alto tabernáculo
toma-se o centro para o qual tudo converge, um santo dos santos
de um a comovente majestade. Tal é o retábulo que José Churriguera
(nascido em
1665) terminou em 16
93
·para a igreja dominicana de
San Esteban
Essa arte churrigueresca deve ser reconhecida como uma nova
etap.a do barroco europeu. Pensou-se reconhecer suas fontes no pla
teresco ou no go sto da sutileza, desenvolvido então pelo cns4tamento
de Salamanca. Ainda ma is: ela confere sua expressão a uma sen
sibilidade geral, a uma atração pela suntuosidade que as influêllCias
conjuntas do gótico, do plateresco, do Renascimento e do barroco
tinham elaborado na Espanha. Ela empresta seus motivos decorativos
e talvez .sua tendência a diferentes ccnografias, mesmo ou sobretudo
àquelas das pompas fúnebres. Ela transporta esses motivos
pa r
a os
retábulos, mas estes conservam; em sua arquitetura, as grandes linhas
impostas pelo maneirismo e o gosto romaoo. Os detalhes c a riqueza
se multiplicam, para emprestar ao conjunto o
ar
de mag
ni
ficência de
uma surpreendente tapeçaria. Assim, o churrigueresço atinge uma
riqueza elegante, ousa-se dizer, uma alegria e um sorriso que fal
taram até então à arte religiosa da Ilspanha .
Embora contemporânea do rococó, a arte churrigueresca
é
com
pletamente distinta. A Andaluzia retomou-a em seguida, mas para
colorir-lhe a interpretação. Pedro Duq
ue
Cornejo ergueu o retábulo
de Umbrctc, perto de Sevilha, em que as
u n a ~
se transformam
numa série de guirlandas, mas onde possantes volutas se replicam
e restabelecem no conjunto um caráter arquitetôn
i
co: uma admirável
maestria do gênero. Tem-se dito que a ordem geral da catedral de
Burgos era rompida pela inserção, nesse cenário gótico e renascen
tista. da capela Santa Tecla. A parede é inteiramente recoberta por
um grande retábulo dourado, no qual se descobrem pouco a pouco
os inumeráveis motivos, até bustos sem braços e atlantes. A ogiva
da capela é revestida, qual magnífica tapeçaria sobre fundo branco,
de cordões, flores e putti, de cores suaves c delicadas. Porém, nessa
elegância festi
va nã
o há mais artitício do que
na
aparência exaltada
da escritura policroma:
é
o testemunho s.incero de uma época. O re
sultado mais emocionante é talvez o intefior da capela
da
V era Cruz,
9
~ l _ _ _.....;J
em Salamanca, decorada por Joaquin de Chuuiguera, em contraste.
com a austeridade da fachada. A luz cai
de
uma cúpula trabalhada :
sobre o retábulo cintilante, recortado como uma renda de ouro. A .
presença do Santo Sacramento velado por religiosos em preces, prec
reintroduz
na
Espanha o mesmo esfílo que Berninin escolhera para
o Louvre de Luís XIV. Harmoniosa e solene, uma residência real
deve sempre traduzir a importância de quem a habita e evocar,
para os que dela se aproximam, a grandeza da monarquia.
)
l
i
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 46/58
.
serva na obra seu ·caráter e seu sentido profUl)do: aquele de um .
relicário, cinzelado com amor para a gl
ór
ia de Deus. Não uma arte :
teatral, mas uma arte de prestigio e fervor. ·
Arquitetos e escultores, os irmãos -mais novos de José h u r r i ~
guera, Joaquin e Alberto, trabalharam ambos na nova catedral de ·
.Salamanca; o segundo forneceu o plano dessa Plaza Mayor, que
renova o aspecto da praça tradicional sem trair-lhe o espírito. Re
encontra-se ali o caráter de lugar de reunião e de passeio, mas esta
vez com uma graça refinada, completamente distinta da severidade
madrilenha. Decorativo ou arquitetônico e os dois conjuntamente, o
barroco
no
estilo de Churrig11era movimenta
as
· linhas verticais dos
edifícios, multiplica a decoração ornamental, sem requerer à massa
arquitetônica abandonar sua ordem tradicional c
de
propiciar ela
própria efeitos de contraste . Semelhante
é
ainda ern São· Jaime de
Compostela o estilo do Obradoiro, em .que Fernando de Casas y
Novoa confere ao corpo central da fachá.da o aspecto de um colos
sai retábulo, ritmado por ordens de colunas, assistido de duas torres
em andares que, adelgaçando-se de
um
a outro, ascendem como fle
chas, tenninadas por lanternas cinzeladas à maneira de peças de ou
rivesaria. A arte churrigueresca
é
vizinha daquela de Pedro de Ri
bera, escultor, decorador e arquiteto madrileobo uo tempo de
Fi-
lipe V. Suas obras são movimentadas e pitorescas, cheias
de
inven
ções e generosidade, porém de estilo mais pesado (porta do hos-.
picio San Fernando, com retábulo, fonte da Renomada, baldaquinos
ou
homacinas
que decoram a ponte de Toledo, outorgando-lhe um
lugar, mas não o primeiro, na série européia das pontes barrocas).
Outra m1ança do barroco, ainda: o extraordinário santuário da Car
tuxa do Paular, peno de Segóvia, obra
de
Francisco Hurtado
1718) ..
Muito perto de uma igreja monástiéa severa, uma maravilhosa pu
Julação de vo otas, de colunas e estátuas fulgura para compor um
elevado baldaquino, ao qual se religava uma série de capelas em
estrela brilhantemente decoradas. . ;
um
dos melhores produtos da
c e t ; ~ o g r a f i a religiosa
o
conjunto mais
011
menos em ruínas em 1960).
No início
do
século XVITI as influências estrangeiras reapareceram
quando
Filipe-
V empreende a renovação
de
seus palácios. Ele so
licitou a Robert de Cotte e a Ardemans transformar o antigo Alçázar
e, após o incêndio de 1734, recorreo aos italianos Juvara e Sachetti.
O palácio realizado pelo segundo - o atual palacio de Oriente :
80
Enfim, a Granja
de
San Iidefonso, edificada no decorrer dos
mesmos anos, mas conforme projetos sucessivos, justapõe, por causa
disso, sem fundi-las num ve,rdadeiro conjunto, panes barrocas como
tantas variações
de
um mesmo estilo.
A adoção de uma nova arquitetura religiosa introduz, no século
XVIII, no barroco espanhol um caráter todo diferente da arte
rigueresca. Não é mais uma decoração,
por
superabundante que se)a,
desdobrada como mn tapete sobre as fachadas planas e altas da ar
qu itetura tradicional . São as próprias paredes que se inflam e se re
traem, contrapondo êntases e reentrâncias. As grandes janelas ovais
ou red011das, os medalhões e os nichos compõem os motivos deco
rativos -mais importantes. Não há mais esse cinzelamento minucioso
de ourives, mas movintentos
de
massas, efeitos muito' mais anchos.
Reconhece-se o barroco de Borromini e de Guarini, do modo como
o interpretam, nos mesmos anos, os arquitetos da Eúropa central.
Em Múrcia o portal, obra de Jaime Bot1 174
.
1),
é
uma gran
de concha e n q ~ a d r a d a por colunas coríntias;
no
plano inferior se
engasta um átrio com pináculo; seu aspecto, suas linhas buriladas, a
profusão dos motivos lembram os procedimentos muito semelhantes
q11e Hildebrandt empregava
na
Peterskirche de Viena. A fachada de
Valência apresenta um corpo central convexo entre duas alas côn
cavas. Aí ainda o aspecto
de
retábulo domina, com uma composição
em três andares; a porta sobrepujada por um grande escudo escul
pido, um óculo oval cercado de listões, um grande relevo represen
timdo a Assunção e, para terminar, um frontão cortado. Valência
possui, no campo da arquitetura civil, uma das mais curiosas resi
dências da Europa: o palácio do marquês de Dos Aguas. Uma .de
coração de uma fantasia e exuberância ex.tremas recobre a fachada.
Ela lembra o hospital de San Femando, mas também os palácios
do Freyung em Viena ou os de Malá Strana em Praga. a obra
de
Vergara. Seu pai (1681-1753) trabalhara na fachada
da
catedral
com escultores alemães, Conrado Rudolf e Francisco Stolf. Uma
e s t ~ t u a
de São Miguel
obra de uma escultora, Luísa Roldán
( 1656-1704), pelo movimento geral, o desenho das asas, o detalhe
do ·costume teatral, o elmo empenachado, .impõe um relacionamento
com as obras da estatuária alemã ou danubiana: o célebre arcanjo
.
de
Ottavio Mosto,
no
ângulo do
pa
lácio Toscano em Praga. Este
81
.
i .
l :
curioso problema de analogias
é
ainda pouco estudado. Tais afini,
dades levam a crer em fontes comuns: coletâneas de estampas e
plantas de arquitetos. Assim como
os
projetos dos omamentistas
franceses inspi
rar
am os cenários alemães
do
rococó, os espanhóis
novações, as províncias permaneciam tenazes em suas tradições e,
entretanto, as ordens
r e l i g i o s a ~
provedoras
de
numerosas enco
mendas, favoreciam compromissos entre a arte local e a maneira
romana: aí ainda, as obras de Vignola e
de
Serlio inspiravam as
;
'I
,,
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 47/58
puderam inspirar-se, pelas estampas, em realizações
da
Itália e da
Europa centraL Somente uma investigação arquivística para cada
<;áso poderia confer-ir uma certe:r.a.
Assim, a Espanha se abriu bastante timidamente ao
b_arroco
da
Itália para acolhê-lo sem entusiasmo. Ela já soubera atribmr o gosto
do Reoascimento a suas tradições góticas. Do classicismo
de
Bra
mante ela extraíra a gravidade do estilo herreriano . Em seguida,
reservou sua preferência a formas do barroco elaboradas por seu
próprio gênio e que levaram, com os Churriguera, ao rejuvenesci-.
mente do estilo. Mais tarde, e por partes, e
la
adotou o barroco que
se pbde dizer austríaco. Disso resulta ·uma curiosa variedade, quase.
uma dispersão no caráter das obras acumuladas em seu território;
mas o que sustenta, durante dois
sé
culos, uma autêntica experiência
barroca fértil em belezas, é efetivamente o caráter dessa sociedade
de bas; amplamente rural, que delega autoridade e prestígio à .aris
tocracia e ao clero,
em
que os mais pobres e os mais afortunados
se irmanam
na
mesma fé ardente e desejam, acima de tudo, que
a riqueza e o brilho se acumulem, em reverência, nas casas
de Deus.
O barroco português tem numerosas afinidades com o barroco
espanhol e não se deve esquecer que, de 1580 a 1640, os dois
reinos tiveram o mesmo príncipe. Mas ele mantém sua originalidade.
No conjunto, as igrejas do· século XVII português, inscritas numa
planta retangular, em que as sacristias envolvem a própria nave,
providas de fachadas regulares com duas torres, janelas dispostas
em V, oferecem uma impressão de simplicidade quase austera.
Quando muito, ela é corrigida pela decoração
do
átrio (pirâmides
ou
bolas) ou pela engenhosidade das cúpulas em bulbo, pelos de
senhos extremamente variados que enfeitam as torres. Outrossim,
após· a ·prosperidade da grande aventura e das descobertas, que
a exuberância do manuelino traduziu
na
arte, o período em que
o barroco desabrochou na Euro
pa
foi
para Portugal aquele das· di
ficuldades e da recessão. No século XVI produziu-se uma reação
dirigida para o classicismo das formas e a sobriedade da decoração.
Sob a influência do italiano Terzi Ct 1597), a arquitetura adotou o
gosto severo de Herrera. Mas nenhum estilo predominava v e r d ~
deiramente: as condições econômicas se ·Opunham às grandes re-
82
I
\
inovações. 'Apareceram assim,
um
pouco mais tarde, no· tempo de
uma
di
llastia de arquitetos investidos de cargos de corte (os ·Tinoco),
as igrejas redondas e a surpreendente fachada do seminário
de
Santarém (1676) , atribuída a
João
Nunes Tinoco o Jovem
(1631-1684). Seus três andares regulares, fachada
de
palácio mais
.
do
que de igreja,
sã
o coroados por
um
pináculo entre enormes vo-
lutas em forma de conchas e
du
as . altas pirâmides. No início do
século XVIII, artistas suábios, .
os
Ludwig
ou
Ludo
vi
ce, fazem aco
lher as riquezas do barroco germflnieo pam o conjunto de Mafra,
este Escori
a]
português de João V, e, como o primeiro ele também
igreja, convento e palác
io.
Estátuas de mármore, de formas mo
vitncntadas, completam a decoração. São porém preocupações de
corte e triunfo de gosto internaciona
l.
A tradição verdadeiramente
portuguesa
se
renova
na
ornamentação interior das igrejas e o con
traste é doravante flagrante entre a simplicidade das fachadas,
mesmo com frontões esculpidos, e a riqueza do interior. Revestem-se
as naves com uma decoração de madeira esculpida e dourada
a talha ,
erguem-se no coro das igrejas ou sobre
os
altares later.ais
magníficos retábulos. Alguns se inspiram, assaz curiosamente, dos
átrios romanos, tão numerosos no Portugal
do
Norte, país
de
pedra
dura e arquitetura sóbria; donde os belos arcos e
as
curvaturas, ao
abrigo dos quais se vê antes que um quadro ou um motivo esculpido,
uma seqüência de pequenos deg raus o trono , onde se comprimem
os vasos de flor
es
,
os
círios e as palmas. Outros adotam a proli
f e r ~ ç ã o mot
ivos
à
maneira churrigueresca, e a estatuária pintada,
ma1s sorndente e familiar que a espanhola, multiplica as efígies.
Enfim, nas igrejas, as sacristias e os claustros, e os revestimentos
de
faiança braoca e
azu
l, os azulejos, espalham sobre
os
muros zonas
de frescor e claridade.
O barroco da Espanha e de Portugal se propagou, além-mar,
em ~ e u s Impérios colonia
is
. A conquista política
es
t
ava
intimamente
ligada a evangelização: impunham-se igrejas e conventos. Mas aqui,
a ausência
de
tradição de arte cristã tornava natural que se ado
tasse a da época. Seriam os ind ígenas s e n s v e i s ao aspecto sun
tuoso dos templos construídos para a nova religião? Foi da Europa
que se levaram as plantas e, às vezes, as próprias pedras
do
edifício,
para serem amalgamadas. Muito cedo os indígenas foram associados
à empresa e confiou-se a decoração ao seu gosto e à sua invenção.
83
jt
>
.
i
I
.I
i(
I
,
j(
J
I
,
['
,I
[I
I[
r
---- -·- ---' ' ./
''
J
......__......
.._ __
__
~
No .México e no Peru, os dois países de civilizações locais. evo
luídas, parece efetivamente que as formas e o espírito da arte
indígena se tenham reveJado e aliado seus efeitos .para conferir ao ·
barroco colonial um caráter ainda mais veemente do que aquele das
: .I
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 48/58
metrópoles (portal
da
Companhia,
em
Arequipa, 1698). A escultura
pol
icr
oma se multiplicou .à medida ( o sucesso
das
procissões · e do
culto ao ar livre. Os estúdios indígenas levaram tão · longe qu·anto .
possível o realismo trágico e atroz dos modelos espanhóis.
Até o fim do séCulo XVIJI, o
bar
roc
o,
enquanto refluía na
.Europa, toma
va
um novo impulso
na
América, por tão numerosas e
curiosas obras, pela história da arquitetura e
da
ane .mouumentaf,
um imenso campo· de es udo apenas esboçado. A associação c
om
a metrópole ·foi sempre estreita. A arte churrigueresca se expandiu
muito depressa
na
América espanhola: nela apresentou suas mafs
belas composições (Tepotzotlan, Zacatecas, no México),
as
igrejàs
do Brasil adotaram a
talha
e .as capelas douradas (Bahia;
Rio de Janeiro). No século XVill, a exploração das jazidas de
ouro c de pedras preciosas na região de Minas Gerais suscitou
·
a
floração de igrejas no estilo borrominesco, ainda inusitado
(Ouro Preio e Rio de Janeiro) , a. exemplo de obras de Portugal
1
i n s p
r a d ~
elas próprias, da Europa central. Enfim, a persistência
das formas de vida colonial
até
a
In
dependência, mesmo além dela,
explica a duração tenaz do barroco até o século
XIX
e que um
dos artistas mais expressivos de todo o barroco, o mulato brasileiro
Aleijadinho (1738?-1814
,
tenha sido contempo
rân
eo de Nàpoleão.
84
í
l
I
.J
Capítulo IV
O B RROCO NOS P íSES D A N U B I A . J . ~ O S
A Europa central foi um dos domínios privilegiados do barroco,
em que e
le
apresenta mais originalidàiie,. mas também cuja análise
e interpretação enfrentam mais dificuldades.
Por
Europa central .
deve-se considerar a Alemanha do Sul e os países da
Ca
sa d.a
1
Austria, sem esquecer que o ba·rroco
da
Polônia, da Ucrânia,
da
l1ússia não está isento de afinidades c
0
m o daquele domínio.
Por
<;>u tro lado, se o período em
que
esse barroco desabrochou está
situado entre o fim do século XVI e meados. do XVII, cumpre
assinalar que, embora ricos em acontecimentos e transformações
sociais, estes dois séculos atormentados não compõem um conjunto
homogêneo .Em nenhuma parte, tampouco, o uso das e g o r
comporta
ta
ntos riscos: ao período de 1580 a 1620 podem cqm
razão aplicar-se · os epítetos pós-Renascimento
Spiitrenaissance),
prebarroco Frühbarock) ou
m ~ n e i r i s m o
e expe1i menta-se algum
embaraço para delimitar
e x t m ~ n t e
o pleno períodc;> do barroco,
.entre
1630
ou
l
650 e 1720 ou 1740. Idênticas dificuldades se se ·
trata do rococó, tanto pa
ra
definir esse estilo quanto
para
saber que
datas devem ser judiciosamente escolhid.as
para
enquadrar o período
de ·seu sucesso.
Conceder muita atenção às · datas políticas, além de procedi
mento desacreditado pelos métodos atuais, ameaça .fazer desconhecer
que .o barroco está ligado a uma evolução - perceptível desde o
século
XVI -
que determinou o poderio ·econômico e social do
grande domínio, o
re
traimento das liberdades .camponesas, o de- .
clínio da pequena nobreza em benefício da grande aristocracia
fun-
diária, o escasso progresso da burguesia urbana. Mas essa evolução·
provocou, por outro lado, o triunfo da Contra-Reforma católica,
com
a pujança das ordeiis religiosas e a impregnação de
toda
a socie-
85·
I I
. I
i
I
l
'
dade por uma civilização plástica, interessante à vista e ao ouvido ·
muito mais aberta à sensibilidade do que à ponderação .
n t e l e c t u l ~
Estilo de grandes senhoreS e camponeses católicos ane de ·
ele julga caducas, mas que tinham justamente alimentado a lVI·
lização barroca. Pode-se guardar es te símbolo: na Kapuziuergruft
de Viena, aos pés do monumento
pomposo
de Maria Teresa e
de Francisco I, todo em figuras movimentadas e em sobrecargas, o
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 49/58
palácios e abadias, mas também de imagmário, de d e c o r ~ ç ã o e
cie
festas rústicas, é exatamente este aspecto que o barroco apresentou
na Europa central. . .
Mas não se deve tampouco negligenciar, sob pena de erros a
importância
da contingência política. Nada é inteligível se se
on,;ite
a guerra dos Trinta Anos: ela interrompeu o progresso de urna ci
viliza?ã.o oriunda do Renascimento, acarret
ou
uma grave crise .de
mografica e
uma
renovação das estruturas sociais,
I
suscitou na bacia
danubiana a formação de um conjunto dinástico : os Estados da
Casa da Áustria, mais sólida do que nunca, mas que não se tornou,
à maneira ocidental, um país unificado e coerente. ·Ela permitiu
não
o ~ s t a n t e
ao facilitar os intercâmbios entre umá região e outra:
o nascunento de uma civilização comum. O sítio de Viena (1683)
a reconquista da Hungria e de uma .parte dos Bálcãs, as curiosa;
incidências da guerra · de Sucessão
da
Espanha devem ser conside
rados como fatos proeminentes. Sem
eles,
como interpretar o barroco
impe_rial ~ s s o c i a d p nome de Fischer von dach e
as
novas vagas
de mfluenc1as · Italianas que renovaram o barroco nos · países
da
Áustria, até as influências francesas · que contribuíram para as
graças delicadas e encantadoras do rococó
ua
Baviera?
Nessas condições, para comodidade do espírito e sem esquecer
que esses episódios só têm um valor relativo, é útil distinguir um
período que
vai
de· 1580 a 1630 ou 1650 cujo tenno não tem
importância senão par.a traduzir resultados e;senciais: o triunfo da
,Contra-Reforma e
da
Casa
da
Áustria, o retorno à paz pÜblica após
os tratados de Westfália; outro que vai de 1650 a 1730 aproxima"
~ a m e n t e porém com um ponto culminante de. 1685 a 1720 e que
e exatamente aquele do alto-barroco
ou
do barroco àutêntico· um
último, enfim, até mais
ou
menos 11a0: nele 6 barroco se dis;olve
não falando propriamente num declínio, antes num "maneirismo':
·em que surge o rococó,
no
qual já d e ~ o n t a m os ·primeiros sinais
de uma reação "classicizante".
1780
é.
a data da morte de
Maria
Teresa ·e ainda que u m ~ mu
~ a n ç a de ramha não possa ser por si só decisiva, não é de somenos
~ ~ o r t â n que se instale imediatamente a expeúência .revolucio
uana
e concreta de José
IL
A fim de renovar a' ordem· social o
imperador
se
empenha em combater ou destruir as tradições _q\ie
simples caixão de chumbo, sem ornamento, onde repousa o
imperador-fi lósofo. Dois mundos.
Durante o primeiro período 1580-1650, as relações mantêm-se
florescentes .entre a Alemanha de Nurembergue e de Augsburgo e os
paises da Casa da Áustria. Nem Viena, nem Praga, mais impor
tante por causa
da
residência imperial (Rodolfo II é tlm notável
colecionador, curioso de arte e de ciência), ainda não são grandes
cidades. Uma clientela senhorial e burguesa movimenta o mercado
que lhe
fo
rnece estofos , armas, livros, tudo o que se fabrica na
Alem anha e na It
áli
a do Norte. No cenário .arquitetônico das .ci
dades, o gosto do Renascimento alemão persiste (casas em pinhão,
poços em terragem) , mas não ex iste moradia senhorial, mesmo for
taleza, que não tenha sua galeria à italiana. Muitos senhores orga
nizam coleções e possuem urna cultura ·humanista (Slavata, Zero io) .
Mas desde o iníc
io
do século os turcos se haviam instalado na
planície húngara. Al i
in
troduziram sua cultura e seus costumes, mu
tilavam as es tátuas por horror à idolatria e, face às igrejas cristãs,
erigjam minarctes e casas de banho recobertas de cúpulas. Desse
modo, a Hungria do Renascimento, penetrada de italianismo
no
tempo de Hunyadi, era arrebatada
ao
domínio cultural do
Oci
dente.
Entretanto no Oeste, as
lu
tas entre católicos e protestantes se acirram
até. o conflito de 1618. A Boêmia entra no jogo. Que um rei cal
vinista se instale em Praga e, sob pretexto de reformar sua capela
privada, de
ixe
despojar a catedral de São Guido
de
seus tesouros
de arte e que, um ano mais tarde, a Boêmia protelaante seja esma
gada pelas armas catóUcas, são outras tantas circunstâncias rele
vantes que decidem o futuro.
Para a l1istória da civilização e da arte, o epis6dio de
.Walleustein merece atenção. Ele significa que a rupttua com o Re
nascimento humanista é consumada. Wallenstein, de cultura me-
diana e espírito inseguro (Pekar o demonstrou melhor do que
nii1guém)
foi o .pri
mei
ro a dar - graças ao r.ápido progresso de
sua riqueza - , o e,.;emplo da ·necessidade de fausto; da febre de
construções: palác ios, igrejajl conventuais que pareceram doravante
indispensáveis para sustentar a honra de
um
grande nome. Seu pa
lácro. de Praga, um dos mais belos de então, nem por isso é ino
vador: a fachada conserva ainda o gosto do Renascimento alemão,
87
·- ·-- ·
J
I
I
I
l i
..
'
.
i
,.
1
l
i
i
i;
1
q
I
'
l
:I
I·
,
i
i i
11
i :
I
11
I
I
I'
·
.I
li
Il
l
a
s l
ttrrtiUI sobre os jardins se inspira do palácio do Te e, nos
próprios jardins, a gruta de embrecbado relembra o que
já
deco
rava a
residência ele Maximiliano em Munique.
Man
eirismo ou
barroco? Maneirismo, se se cinge apenas às formas, mas
já
barroco,
.. 'que o arrebata
obra do
jesuíta Bohuslav Baibin, que celebra
as tradições mariais de seu país, · como, um pouco mais tarde, 'nos
sermões c escritos do monge agostino Abraham em Sancta
Clara
a mais surpreendente figura do barroco austríaco (1646-1709):
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 50/58
se se pensa no novo espírito de uma grandeza senhorial, jamais
atingida a esse ponto nas regiões. Trinta anos mais tarde, o palácio
Czernin, construído pelo italiano Carratti, inspirado de Vene7
a
c
da arquitetura palladiana, porém de proporções colossais, ·marca a
vitória irreversível do gosto italiano. O triunfo do catolicismo se
trdduz pela construção ou a transformação das igrejas:
em
Viena,
a igreja da Universidade (Jesuítas) adota a fachada plana e o frontão
da Contra-Reforma romana
1627).
s
decorações em estuque
puui,
anjos alados de fonnas alongadas, arabescos e couros) ani
mam a nave dos Dominicanos (1631, larga fachada com volutas) e
a igreja ro ·u or que, em 1662, Carlo Antonio
carlone
remata com
uma engenhosa fachada com terraços.
Em
Praga, uma igreja lute
cana, doravante atribuída aos Carmos, é provida de uma fachada
romana, inspirada da Trindade dos Montes; a igr
eja
San Salvador,
capela do colégio dos Jesuítas (que se
toma
a Universidade
Carlos-Fernando) é barroquizada pelo italiano Lurago, que
l h ~
con
fere, perto da ponte Carlos, uma
bo
nita fachada, precedida de
um
peristilo de três arcos, cujo terraço é ornado de balaústres e
estátuas.
It
alianos dirigem os estúdios. Embora formados
na
Itália, os
artistas da Boêmia, como o pintor Karel Skréta 1610-1674) ou
o escultor nendl (1625-1680
),
colocam seu talento a serviço da
tr
adição do país. Eles contribuem para renovar o cu
lto
de
São Venceslau.
Desse período
a data de 1650 pode ser considerada como
fecho, porque ela traduz, com a retirada das tropas suecas que su
cede
à
paz de Westfá lia, o retorno doravante incontestado
a
uma
ordem católica e senhorial, isto
é,
a condições ·gentis que vão sus
tentar, durante quase todo um século, uma grande experiência
barroca.
Esta se desenrolou simultaneamente na Áustria, na Boêmia c
na parte da
Hu
ngria que permaneceu "real", onde a obra do car
deal Pazmany, fundador da Universidade de Nagy Sombatb em 1635,
favorecera a Contra-Reforma sem fazê-la triunfar inteiramente. Não
se pode d i ~ que a influência alemã foi sustada: a ardente poesia
de Angelus Silesius encorajava poetas e escritores em sua compla
cência às imagens, numa grandiloqüência apaixonada.
e
o lirismo
88
A influência italiana regula o estilo de vida
e
as artes. Na corte
do imperador Leopoldo, para satisfazer ao gosto do jovem .sobe
rano c ao da imperatriz-mãe, uma Gonzaga Mântua, os carrosséis,
os balés de corte, as óperas, as recepçõeJ; ·principescas se inspiram
do que. se passa e " Veneza e nas capitais da península. A paixão
da mústca, que fot uma grande característica do barroco austríaco
é entreüda por essa predileção. O compositor máis apreciado
capital
é
um italiano, Cesti. Durante muito tempo os modelos são
requcstados
à
Itália
do
Norte e a Florença.
Em tomo
de 1670 o
arcebispo Jean-Frédéric de Wallenstein assegura o sucesso do gosto
romano, trJzendo a
Prag
a um arquiteto de origem francesa, porém
f ~ r r n d o Roma, J .B. Mathey.
De
ve-se-lhe a bela igreja de
Sao ~ r a n c s c o
para
os .Cavaleiros da Cruz: planta central, decoração
extenor
em
bastião, cúpula ovóide com nervuras, inconcebível sem
o e x e m ~ l o de Roma; o palácio arquiepiscopal, o palácio Buq uoy
(remaneJados) e o
pa
lácio toscano (cuja denominação nada tem
a ver
com o estilo: ele recorda que o palácio foi propriedade dos
· duques de Tosca
na).
Sua el.egância regular e os pavilhões em bel
vcdere correspondem ao ideal - de Roma. Os pa lácios de Viena ado
tara
e s s ~ ~ s t i l o
. mais ou
~ e n o s
nos mesmos anos: o graciosopalác1o Dietnchstem Lobkowtc-z, obra de Tencala,
um
pouco mais
tarde ( 1694) o palácio Liechtenstein de Domenico Martinclli
com
'
seu de monumentalidade, sua majestosa. ordenação e de
coraçao de estátuas. Desde então, na arquitetura civil, o impulso era
deílagrado c o gêne
ro
se desenvolveu até meados do século XVIII.
s cidades se transformaram. Uma delas principalmente Praga
t ~ v e z por c ~ s
de seu sítio, colinas da margem
e s q u e ~ d
m m a n ~ o o no (Hradcany e Malá
Strana),
tomou um caráter
excepciOnal com a acumulação dos palácios e jardins, surgindo
uns
após outros, como um cenário de sonho.
As
velhas ruas de Viena
renovaram
seu.
aspecto, doravante bordadas
de
fachad;ls suntuosas.
No campo, enfim, no centro desses domínios que eles regiam como
pequenos Estados, os senhores almejaram residências à altura de
s7u fausto. Castelos desenvolveram em tomo de um
lar
go pátio prin
Cipal a, ordenação de seus edifícios, com o corpo central coberto de
uma cupula de sarapanel ou movimentado por um ressalto alas
em
retomo.
Em
tudo, até nos pavilhões de caça, uma
e l e g â ~ c i
com
plexa e encantadora.
89
l •
' I
i
I
•
O reatamento da guerra turca em 1682 (após 18 anos de paz),
o alerta do sítio de Viena, a capital salva pelo exército dos príncipes
cristãos - João lll da Polônia e o duque de Lorena à sua testa
- outras t n t ~ razões de prestígio para a Casa da Austria. A
·fOfiilOU. o intedor da igreja da Universidade em Viena com úma
cúpula simulada e os pórticos de mármore das capelas; decorou o .
palácio. de outono dos príncipes LiechtedStein em Rosau.
Sua:
arte
do
trompe-l oeil
e da ilusão· esteve na origem de uma tradição de
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 51/58
.
reconquista ulterior da Hungria estava .inscrita nesse primeiro su
cesso. Em 1686, ~ u d e foi restituída da servidão
à
liberdade. Em
todo o país um sentimento de triunfo, uma sensação ·geral ·de ·se
gurança coloriram doravante o clima espiritual. Razões que os con
temporâneos apenas suspeitavam contribuíram esse. êxito. Um
reerguiroento demográfico rápido, embora dificultado pelo abâlo das
epidemias de peste (1679, 1713), compensava as perdas da guerra
dos Trinta Anos. Sem que se aplicassem novas ·formas de trabalho,
a despeito das pavorosas misérias locais, o conjunto
da
economia
agrária se saneava. Abraham em Sancta Clara preconizava então,
como a mais conforme ao ideal cristão e
à
ordem .de Deus, uma
· c i e d a d ~ hierarquizada, na qual cada
um
praticaria, de preferência,
as
virtudes nos moldes de seus antepassados.
o·
paternalismo imóvel
desse·mundo de base rural consagrava o poderio dos grandes .Pro
prietários, nobres e clero monástico. Ele 9onservava em sua clién:têla
uma burguesia c um campesinato, da qual os mais {avorecJdos
conheciam uma·mediocridade feliz. Tudo tornava favorável, não a
inquietude intelectual (nenhum nome para contrapor
aos de Spinoza
e Leibniz), para uma civilização essencialmente plástica, o sucesso
de um estilo decorativo que podia· conhecer seus êxitos nas
~ ; : o n s -
truções de palácios, abadias, igrejas votivas, ao ·mesmo tempo. pom
posas c familiares.
Foi, com efeito, durante uma quarentena de anos, uma época
de grandes arquitetos, escultores e. pintores. Os italianos m n t i n h ~
seu lugar (os arquitetos Aliprandi, Santini), mas :aumentava o
número de súditos do Imperador, formados nos. estúdios . da Itália.
Três• grandes nomes entre os arquitetos: Johan.o· Bernhard
Fischer von Erlacb ( 1656-1723), Joban Lukas .
wn
Hildebrandt
·:
(1668-1745), Jakub Prandtauer (1658-1726) . Entre os dois pri
pi.eiros ressurge, nos países austríacos, a competição que, meio século
mais cedo, existira em Roma entre ·Bernini ·e Borrolll,ioi. Fisch.er
von Erlach, que conhec:;era o estúdio de Carlo Fontana, ·possuía
mais . vigor, uma cultura · internacional mais extensa, porém
Hildcbrandt, admirador de Guarini e familiarizado com o barroco
romano, .tinha mais inventiva e graça em seu gênio sutil. No fim
do. século, Leopoldo. I éharnou para a sua capital o m ~ o r deco
rador. do tempo, o P. Pozzo, autor da esplêndida ·composição da.
abóbad11, de Santo Inácio c dos altares do Gesu. O P. Pozzo trans-
90
··. . :
~ ; ~ i ~ t ] · \ ~ ~
j
: . ..
corativa, à qual se devem tantas composiÇões bonitas na abóbada.
das igrejas, no teto dos salões nobres . dos castelos e abadias. Os
estúdios de escultura se multiplicaram. f>queles da Boêmia foram
t i ~ u l a r m e n t e ativos. Escultores eslovacos,
os
Brokoff, um Tirolês,
Mathias Braun, forneceram à ponte Carlos em Praga os magníficos e
movimentados grupos em que reaparece o sopro da estatuária
de
Bernini.
Palou-se
.de
barroco imperial para esse período de intensa e
· soberba produção: Fischer von Erlach empreende a reconstrução da
Hofburg
a
ala da Chancelaria, a admirável biblioteca; concluída
por
seu filho, e projetos que, malgrado a debilidade do plágio,
os . arquitetos do século XIX realizaram). Ele ·. imaginara para
Schonbrunn um palácio grandioso que ele restabeleceu no ·projeto
.do castelo atual. COmpôs o palácio de inverno do Príncipe Eugênio,
com· a soberba escada susteQtada .por atlantes. Na arquitetura re
ligiosa, quinze < nos após ter conferido a Salzburgo igrej
as
inspiradas
ent Borromini
Tri
ndade, Kollegiimkirche), inventou para Viena,
po r
encomenda do imperador Carlos VI, a Karlskirche, .onde as ·mais
diversas:reminiscências se fu.Iidem num .conjunto original, ao mesmo
tempo imponente e gracioso. A nave .p{incipal da igreja, aqui uma
·eclipse, abre-se sobre o verdadeiro santuário, t r n s ~ e r i d o para · uma
construção anexa, aqáloga à da Salute, e é nesta que ·OS pórticos
e x t ~ r i o r e s correspondendo
às
capelas laterais, fazem pensar. A fa
chada retoma num modo menor o peristilo e os arcos de São Pedro
de
Roina, .associando-lhe duas . colunas, ·réplicas da Antonina e
da Trajano: Um zimbótio ovóide recobre o m.onume)lta de uma
amplitude solene. ·
Não há menos inventiva e nem menos gqsto nas obras ·.civis ·
. de I;It
ld
ebr·andt o palácio Daun Kinsky), ·na Peterskirche (V
ie
na),
no palácio de outono que ele ergueu
para
o príncipe -Eugênio: o ·
admirável Belvedere, composição de pavilhões e de
loggie
de sutil
elegância. ·
Em Melk, sobre um espigão dominando o Danúbio, Prandtauer
ergue um mos.teiro, .talvez o mais belo da Austria. Os terraços, os
pavilhões que ·assistem a igreja, e a própria igreja, ppr suas duas
torres em bulbos e seu vasto zimbório, produzem um. efeito gran
dioso, porém de uma graça perfeita.
Em
Praga, rica ·em igrejas
9i .
barrocas, os arquitetos Dientzenhoffer pl
li
(Christoph} e filho
(IGlian Ignác) colocaram, no flanco da colina, a igreja são Nicolau
de Malá Strana, imponente e leve, com sua fachada encurvada ,e
a nobre hannoniu do alto tambor sustentando 'o zimbório, e do
século XVIII ) e de vozes humanas, para revelar dessas igrejas o
verdadeiro caráter, para reanimar a intenção de .harmonia entre
várias expressões da
arte e descobrir em sua complexidade essa ci
vilização plástica. Tem-se insistido bastante, e do Ocidente com
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 52/58
campanário (de 1703 a 1752). Sempre um senso notável da
perspectiva, uma composição
q_ue
conjuga a paisagem, agreste ou
urbana,
ao
efeito do monumento (Fischer von Er ach cogitava abrir
praças diante do palácio de inverno em Viena e do palácio Clam
Gallas em Praga, e em ambos os casos, sua obra
é,
portanto,
inacabada). ·
Falou-se
de um
retorno à inspiração
de
Borromini A ligaçãocom o barroco italiano, .tanto de Bemini, Borroplini e Guarini, é
evidente. Mas a interpretação
é
nova. A originalidade do conjunto
cria
um
barroco diferente daquele de Roma e da Espanha. A
i n s i ~ -
tência com que os arquitetos conferem um lugar às torres restá
bele<;e nas fachadas a verticalidade e o ímpeto do gótico. As flechas
terminam por CQmposições
de
bulb<?s .e lanternas. A associação das
torres c do zimbório se presta a infinitas variações: ora as torres
são colocadas a distância do zimbório, como Santa Inês da praça
Navona o ilustra, ora se comprimem contfa ele, num amplo motivo
de verticais e es(eras, como
na
Peterskirche de Viena (Hildebrandt,
1702-1708), interpretação nova do
es
paço, freqüentemente adotada
depois
na
Boêmia,
na
Morávia, na Polônia. Sobretudo, que{ seja
no exterior ou no interior
da
igreja, a escolha se decide pelos efeitos
.de
contraste, pelas massas em movimento pelo jogo e o contrajogo
d
os
.átrios em
ên
ta
se
(Kollegienkirche, de Fischer V
OJJ
Erlach, em
Salzburgo, 1696) ou em forma
de
polígonos, pel
os
espaços côncavos
é·
convexos, pelas tor
re
s e pilares colocados em diagonal, pelas ca
pelas em forma de conchas, pelas cornijas sinuosas que criam a
ilusão de movimento de toda a nave. São assim levados a extremas
o n s q ü em. monumentos de
va
stas ·dimensões,
os
efeitos en
·genh.osos que os barrocos italianos empregavam para ( bras de di
mensões ~ a i s reduzidas. Uma flexibilidade e uma mobilidade nunca
.atingidas ainda, um virtuosismo que joga com as massas e os vo
lumes: A coluna reta ou torsa, a pilastra, a atlante, ·os ni
ch
os, as
estátuas em alto relévo e os bustos sobre mísulas, tudo parece
arrastado numa dança alegre. Djr-se-ia que a arquitetura tomou-se
música: o que perinanece estável assume a ·fluidez do circundante.
Outrossim, a importância assumida·pela música nessa civilização não
pode ser esquecida, até para interpretar a
arte
arquitetônica e a de
coração: a preciso um concerto· espiritual, o canto dos órgãos (as
caixas de ó ~ g ã o dlío lugar a soberbas composições no decorcer do
9
injustas críticas,
so
bre o aspect6
de
sala de ópera, sobre a tendência
profana dessas aparências cintilantes. Elas abrangem uma realidade,
testemunham uma s e n s i b l i d ~ d e peculiar, e é melhor recusar com
preendê-las do que negar a sua espiritualidade.
D
uas
observações importantes: a civilização barroca estendeu-se
a todos
os
países da Casa da Áustria (com um certo retardo para
a Hungria, que apresenta em maior número obras da metade do
século
XVlli
),
assegurando-lhes uma unidade relativa do cspúito e
do gosto, sem no entanto despertar um sentimento comum nas di
versas nações, pois outras forças já se lhe contrapunham.· Existe
uma outra experiência barroca no espaço g<(ográfico entre os Alpes e
o Danúbio e, franqueando o rio, até o vale do Main.
Encarada sob o aspecto sociológico, ela está em relação com
o sistema senhorial e os lucros da propriedade fundiária; aqui rendas
e foros antes que o benefício do tr_abalho penoso. Os abades dos
grandes monastérios, beneditinos, bemardos, cistcfcienses dispu
seram então dos meios para .reconslruir conventos e igrejas. A .po
pulação rural restabelecera os locais de peregrinaçã.o. Ê preciso .levar
conta, enfim, o resplendor da corte de Bavieta, quando a di·
nastia foi reimplantada em Munique após
-1715,
a in
fl
uência de
.
Augsbvrgo, cidade de opulentos burgueses, de Salzburgo (episcopado
e Universidade) e o gosto. do fausto entre alguns bisp
os
(o's
SchOnbom em Würzburgo). · .
Para a orientação do estilo outr
os
fatores intervieram. O ptes
-
t{gio dos grandes modelos da Itália não enfraqueceu, nem a rep utação
do que a França realizara. O
mais
importante, porém, foi que
em torno do lago de Constança, pequeno Mediterrâneo alpino,
reuniam-se < S e ~ t u c a d o r e s vindos da Itália através dos vales, e os
pedreiros do Vorarlberg, qlle empregavam para suas igrejas um modo
'peculiar
de
pilares-mucos, isto
é,
de contrafortes interiores sustc·n-
tando a nave. Outros artesãos-artistas, os de Wessobrunn, erar;n
reputados pela delicada fatura de seus estuques pintados, de sua
estatuária elegante e ·movimentada e tomaram o lugar dos italianos:
Enfim, os livreiros-editores
e
Augsburgo difundiam gravuras
representando palácios reais ou imaginários, de desenho complicado
e tendência suntuosa; a imaginação dos arquitetos e decoradores
93
delas · se inspirou e sua influencia repercutiu além do mundo
germânico (ver
p. 83 .
Desse modo,
as
construções de igrejas se multiplicar
am
, nessas
pacificas regiões,- de 1700 a 1760 aproximadamente. O barroco tra
igreja de Vicr7.ehnhciligen (Baviera), a mais característica do rococó .
em que .. le
ju
stapôs um exterior basilical aos muros retos,
uma
fa
chada com duas torres, tão delgada como na arte gótica c, no inte
rior, uma combinação de elipses que produzem o efeito de
um pl
ano
centrado, em tomo do altar miraculoso. A Residência
de
Würzburgo
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 53/58
: dicional forneceu a tônica para as naves
de
Obermarchtal, sobre
i
o Danúbio,
e de
)Veingarten,
na
Suãbia, mas as
dua
s torres da pri-
• ~ e i r
e o átrio em Sntase da segunda, também entre .duas torres,
.
atestam seu parentesco com a igreja de Einssiedeln
na
Suíça e
a intervenção dos mesmos mestres: Thumb e Moosburger.
Nas igrejas de Johann Michael Fischer (1691-1766 , a de
coração se alia estreitamente
à
arquitetura
para
captar o espaço en
tr
e
zonas
de
cintilante brancura ou
de
cores suaves,
para
emprestar a
um ediffcio, mesmo poderoso, uma aparência
de
leveza yçgetal. .A
obr
a-prima é a abadia de Ottobeureo, construída e decorada entre
1748 e 1766. Estabilidade e movimento, profusão e vacuidade nela
se conciliam numa perfeita harmonia. ·
ll preciso ainda falar de barroco,
por
causa da monumenta
lidade, ou de
r ~ o c ó
para a pesquisa de graciosidade? O perigo
das categorias e das perioclizações
é
particularmente sensível nesse
caso.
Ma
s para definir uma arte renovada, que deriva do. barroco
sem
ser
dele o sobrdaoço ou a alteração, um estilo a.daptado a um
período e a uma sociedade bem definidos, o termo rococ6, assumindo
uma acepção independente, parece de
j
use emprego. ·
Aplica-se-lhe sem hesitar, às igrejas de peregrinação: Steinhau
sen e a Wies (Baviera) ; edificaqas entre 1735 e 1745 pelos irmãos
Zimmcrmann, um, arquiteto, e outro, pintor, e que provam que o
rococ6 pode, tanto quanto outro estilo, traduzir uma emoção reli
giosa. Nada de profano nem ele mundano nesses santuários que não
pretendem perturbar por seu mistério , mas onde a simplicidade gra
ciosa .
da
planta, o jogo, .delicado das col
unaS
o cinzelado das .de
corações inspiram uma paz alegre e confiante. hnpressões anãlogas
se
reen
contram à margem do lago de Constança, na branca igreja
de Birnau, obra de Pierre Thum b, em que a célebre figura de an
jo
de
F euchtmayr, o lambe-mel,
simboliu
a doçura
da
palavra divina.
Há mais efeito nas igrejas dos irmãos Asam: sua capela
votiva de Munique, o grupo
da
Assunção no coro da abadia
de
·
Rohr
ou aquele ·de São .Jorge sobre o altar
-m
or da
· rotunda.
de
·
·weltenburg. · .
Enfun, Bal thazar Neumann (1687-1753}, engenheiro antes
de
se
tomar
arquiteto, mostrou tanta ciência quanto vinuosismo ·na
94-
é
um
dos mais suntuosos palácios do século xvm
.
que mescla
reminiscSncias da arte francesa às rotundas e
às
cúpulas
da
Viena
imperial, sem comprometer-lhe a originalidade
B TicRolo vem trazer à decoração da escada os recursos da
arte luminosa e soberba que renovava então a reputação dos estú
di
os
venezianos. Seria, porém, mais prudente retomar à parte
o
estudo
do roeocó. \
95
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 54/58
CONCLUSÃO
Os limites desta obra não ensejam empreender a análise do
barroco nos países· setentrionais: o assunto mereceria, no entanto,
um longo estudo, nem que fosse para averiguar a opinião geral·
mente aceita, segundo
r
qual a Europa do Norte contrapôs uina
resistência · ao barroco: Este,
por
certo, não conheceu nela o fio··
rescimento comparável ao dos países latinos e mediterrâneos. Aos
Países Baixos espanhóis está, contudo, associada a lembmnça do
maior pintor barroco, Rubens, e a cidade de Ant uérpia, de sua
residência e
de
sua família, contém igrejas e palácios entre os mais
..
represeniativos do .barroco no sécu
lo
XVII. Sem dúvida, coloca-se
à .parte essa Bélgica , em razão de
sua
liga
çã
o à
fé
romana e laços
que ela conservou, do sécplo XVI ao XVI
I :,
com
os
países católicos:
zelo das proporções e da regularidade: a casa da tainba em
Grccnwich, a Quecn's Chapel em Londres. Todavia, e apesar da
persistência das
·tradições góticas e do estilo Tudor; da incompa
tibilidade
do
espírito puritano com uma ·arte suntuosa e sensível, a
Corte e a aristocracia no tempo dos primeiros Stual't conc.ediamseu
Os historiadores e críticos da Europa oriental preocupam-se
atualmente com o barroco eslavo. Existe um setor do barroco
peculiar ao mundo eslavo, uma inspiração eslava·
do
·barroco? Na
realidade, a contribu ição dos eslavos à civilização barroca é muito .
importante. As cóndições sociais, econômicas .e religiosas mais favo
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 55/58
i
li
r
I
.
favor à Itália barroca. Dela reuniam as obras para suas coleções
- junto das quais se formou Van Dyck
-
requisitavam-lhe
os
artistas, dirigiam encomendas a Rubens (teto da Banqueting House)
e a Bernini. Acima da Revolução, o retorno da monarquia e a
ne-
cessidade de reconstruir Londres e a catedral de São Paulo após o
incêndio de I666, foram circunstâncias favoráveis a um novo im
pulso do barroco.
Disc.
ípulo
de
Jnigo Jones, cujo exemplo nunca
foi renegado, conhecedor das obras
dO
continente, pessoalmente do
tado de grande inventiva, mantido em vigília pela multiplicidade das
encomendas, o arquiteto Wren
1632-1723)
c.onstruiu numerosas
igrejas da Cidade, consoante a um maneirismo elegante· e eclético,
em que fulgurou uma fantasia barroca. Principalmente a catedral
çle
S ~ o Paulo, erigida de 1 >7 a 1713 e cujo plano original foi várias
vezes remanejado, pertence
ao
barroco por sua interpretação do
.espaço, no interior e no exteriqr, pela hábil composição das naves,
a magnificência do zimb6rio c a combinação de seu efeito com
aquele das torres. Durante o período de sucesso e de poderio que
a Inglaterra conheceu no início do século XVID, os discípulos de
Wren, · Vanbrugh em Greenwich e em
Bl
cnheim, Hawksmoor nasígrejas de Londres e em Seaton Delaval, Gibbs enfim, .adotaram
um estilo .de ostentação e de contrastes, que dispõe dos elementos
clássicos com uma cngenhosidade comparável à dos barrocos ro
manos. Gibbs,
que
trabalham juqio a Carlo Fontana, retoma, numa
resolução de arcaísmo, o estilo .de Pietro da Cortona para Saint
Mary Strand. Thornhill, que dec.orou Greenwich, era um ·autêntico
barroco. Entretanto, pode-se dizer que essa participação da Inglaterra
do .bar:roc.o, embora traduzida por vãrias obras-primas, permanece
episódica e limitada. O classicismo. palladiano logo reencontra .sua·
autoridade. Os doutrinários ( Campbell) consideravam-no como o
estilo mais conveniente ao espírito britânico. · ·
Afinal, nas monarquias do Norte (Dinamarca; Suêcia) o inte
resse dos arquitetos (Tessin em Estocolmo) · não .se voltou menos
para
.
o .gosto de Roma do que . para o exemplo francês. Trata-se,
porém, de um estilo de c.orte, em suma internacional, mais
çlo
que
de uma. expressão profunda das tendGncias peculiares à socíedade
desses países. ·
98
- j
r á ~ e i s ao p r o g r ~ s o do barroco se enc.ontram. na maior parte desses
P.a1ses. Viu-se, porém, que o barroco da Boêmia; do qual parti
Cipou
amplamente o elemento
chec.o,
portanto eslavo, se conjuga a
uma ordem geral dos pa.ses danubianos. O mesmo acontece com
a Polônia. Este país em que ·c,lominàva uma aristocracia civil e reli
giosa, propnctãria de grandes domínios, onde a Contra-Reforma
exercera uma ação
pr
ofunda
a
Espanha
do
Norte), adotou, parasua arquitetura religiosa, .os ·modelos da Itália maneirista e barroca.
O
~ s t i l o
de suas igrejas (torres e campanários em bulbo) é amiúde
VIZinho daquele dos países da Áustria. Mas a tradição autóctone .era
consciente e forte. Os poloneses se orgulhavam de ser
Sármatas
(sem
qualqurr conotação pejorativa.). Eles imprimiam uma marca nacional
.nas obras de arte plástica e em sua litératura (Sarbiewski).
As
guerras do século XVII entre poloneses e russos não im
P<:diram absolutamente à civilização polonesa de exercer influência
s o ~ r e a Rússia. Sem dúvida, a Polônia serviu de intermediária para
a mtrodução
na
Rússia,
do
estilo arquitetônic.o e· decorativ.o da
Eu;o.I:a
ocider.Jtal.
Pois há muito de barroco naquele país: · Uma
.opm1ao autonzada associa-lhe o desenvolvimento aos empreendi
m e n ~ o s
de .Pe?ro o Grande,
à
arte monãr.quica e internacional
que
. arquitetos 1tahanos c.omo Rastrelli empregaram a serviço do Czar
ná construção de São Petersburgo. Importa, porém, dizer que antes
Pedro o Grande, no decurso da difícil reedificação que .sucedeu
ao Tempo das Agitações, uma época se destaca em que se expandiu
barroco russo bem mais saboroso e . odginal. A despeito da
d1ferença de religião que interdita praticamente
à
Igreja ortodoxa a
escultura em alto-relevo donde .a exclusão da estatuária), numero
sos elementos da arquitetura e da decoração barrocas se implanta
na arte ~ e l i g i o s a .Rússia.
As
iconostases assumiram a apa
.ccnc1a de r ~ t a ~ m l o s Port1cos c.om frontões interrompidos, volut ls,
fachadas
à
1tahana sob as tradic.ionais cúpulas em bulbos (São Ni
c o ~ a u ~ a u r i J a t u r g o e ~
Moscou,a Dormição em Riazan) ou as pró
pnas cupulas subst1tumdo os tetos em forma
de
dosséis (monastério
da Ressurreição em Istra, .Perto de Moscou), conferiram às igrejas
· russas surpreendentes afinidades com as igrejas latinas. .
No domínio · dos boiardos Narychkin, na rei;ão .de Moscou,
uma
in:venção
barro ca, muito próxima do Ocidente e certamente sob
. 99
sua influência, logrou, pelo efeito ascensional de um q u d r i l ~ b d o
de pavilhões octogonais, pelo jogo de oposição cn re os muros de
tijolo e molduras recortadas de pedra branca, a admii-ável igreja de
Fui (1693) . A essa arte, em que o espírito russo adapta a seus fins
os exemplos da Itália e da Polônia, convém a justa denominação de
solução que não se 'apoiasse na necessária demonstração seria pre
·matura.
De maneira geral, o rococó é graça, enquanto o barroco é
eloqüência. Roma pouco conheceu o rococ6. Seria imprudente
v n ~
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 56/58
barroco Narychkin. Falou-se ainda de barroco Mazepa para admi·
ráveis composições das igrejas da Ucrânia, no início do século XVII I.
A suntuosidade, a fantasia se dão livre curso sobre os temas decora
tivos do mundo atino. Elas correspondem assim ao gosto de íausto
e de maravilhoso que a religião ortodoxa,· ritual e sensível, .não
cultiva menos que sua rival (
U
sua irmã .apartada?), a Igreja· ro ·
mana. Barroco eslavo? A expressão, por demais genérica , corre o
risco de ser inexata. Porém, barroc.o das experiências ·eslavas, não
se pode duvidar.
• •
•
Uma conclusão para um estudo sobre o barroco deve ser uma
interrogação sobre as circunstâncias e a dat.a de sua desaparição.
Se o barroco era a expressão uma éj?oca preocupada com
valores religiosos, com um
dcte Tl}inado
modo da sensibilidade reli
giosa, em que a sociedade de numerosos países oferecia uma estru·
tnra
hie
rarqu izada,. de base rural, cercava de · glória a instituição
monárquica, cabe conjeturar que ele. perdia sentido e eficácia à me
dida que se elevava uma classe burguesa
de
espírito racionalista; e
que uma filosofia geral de caráter menos imaginativo, mais experi·
mental, impunha-se
~ o r a v a n t e
Essa evolução é dificilmente contestável. A u kliirung, na u·
ropa central , comporta uma ofensiva resoluta contra o espírito e o
gosto barrocos, e já se viu que estes jamais puderam expandir-se
completamente num clima mais racional. Mas, em compensação, a
força da civilização barroca e os hábitos espirituais que ela mitigara
constituíram obstáculo aos novos valores e retardaram-lhes o suces
so. Aqui, pois, tudo é questão de datas, segundo os países.
1
Restam outras questões: o barroco foi detido por uma ofensiva
classicizante (Inglaterra, Itália)? Di.ssolveu-se num estilo apárentado
a ele, o rococó?
Ou
então, como entre o Renascimento e o fbarroco
admite-se a existência de um maneirismo, ao mesmo tempb forma
de
estilo e etapa da civilização, compete 'recpnhccer, entre o barroco
e o neoclassicismo, u.m período intermediário, o rococó, revestido
de uma autonomia? São problemas em vias de estudos. Qualquer·
1
culá-lo exclusivamente a Borromini, porquanto ele
é
bem mais com
plexo: conslatou-se, verossimilmente, revelar-se nele a influência dos
ornamentistas franceses (Bérain) e
do
estilo embrechado. Foi ainda,
principalmente na Europa. central, um maneirismo do barroco,
um
.jeito de exceder a seus procedimentos e, exacerbando-os, debilitar-lhe
o alcance;
po
r ve7.-es , também, um barroco transposto para um modo
menor, com mais ingenuidade e doçura.
Prosseguindo a investigação, seríamos sem dúvida levados a
distinguir vários aspectos do rococó, assim
< <>mo
este estudo," apli
cando-se em definir, na civilização européia, entre os séculos
XVI
e
XVli, O mUJldO Original do barroco, procurou identificar-lhe OS
BS ) :Clos que ele pôde assumir, conforme as tradições e as experiên
cias peculiares :)OS palses que .o acolhiam. ·
r
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 57/58
.BIBLIOGRA
FlA
SUMARIA
1) Retorica
et
Barocco, Ali/
dei 111
Congres-so
I
ntemar.ioMle
di
Studí
Umanisrici,
Roma, 1955.
E ~ t l l
coletânea de comunic:tções
de
um Con
gresso
em Vcocz.a em
1954
6
reputada com
a
melhor atualizâção
da
matéria.
Não
se deve, pOrém, coosiderá
13:
dcfiilitiva.
2) Manlerlsmo Barocco, Rococo
(Convegno
della Accademia dei Liocei,
1960), Roma, 1962.
3)
Pletro PIRRJ,
·S. 1. Giovmr l
T lstano e
i . primordl de/la orclritettura
gesulrlca, Roma, Bibliothcca ln tltuti Historiei S. J., 195$.
4)
Pierrc MOlSY, Les églises des Usu /ty de /'aitdenne assístance de France,
2 volumes, Jnstitutum Historicum S. J.,
Roma
, 1958.
5) André CHAST.EL, L
ar/
italierr, Arts, styles, techniqucs, 2 vols . Paris,
LaroUS5e,
1956.
6 J.
ROUSSET, La
littirature
de 1 6ge
baroque en France: C
ir
cé
el
le
Pt1011,
P8ris,
Corti, 1954.
17) George KUBLER-Martin SORIA, rt ~ n d A r c h i t t ~ t u r e ·t Spain and
Portugal arul their american .dominions 1500-1800,
Londres,
The
Pelican
History of Art, 1959.
18) Yve.• BOTTINEAU, Baraque ibérique (Esp., P., América Latina), ·pfi,
burgo,
·1969.
· · ,
A FICÇÃO E
AS IIVIAGENS
DA VIDA,
WilliamJ1. Ga.ss
Ao
longo dos capítulos
deste
livro . numa
'lii1guagem ágil c muito pessoal,
Gass
discute .
8/18/2019 Livro TAPIE Victor O-Barroco
http://slidepdf.com/reader/full/livro-tapie-victor-o-barroco 58/58
19) .
Germain
BAZIN, L archilecture religicuse baroque au Brésil, Plon, 1956·
1958, 2 vol.
Pal KELEMEN Baroque ani Rococo . a t i r ~ Amer/ca, Nova York,
(.
2
)
22
23
24)
25}
.
26
27
28
29
Die Kunstformcn des Bdrockzeitoliers,
Berna,
1956.
. . .
Norbert LIBB, ·M. HIRMER, Barockkirchen zwischen Donau und Alpim,
Munique, 1'953.
P.
CHARPE]'lTRAT, Baroque. Jlcs/ie, Europe Cet irale,
Friburgo,
1964.
Pierre
CHARPENTRAT, L art baroque, P.U
:F.,
·
1967
.
Picrre CHARPENTR:AT, Le mirage baroquc, Paris, Ed.
de Minuit,
1967.
J.-Ph. MINGUET,
Esthéliquc
du
rrx:ocó,
Paris, Vrín, 1966 .
Actes des Joumées internationales d dtude
du
lJaroque,
de MÓN J::AU-
BAN, Faculdade de Letras e: Ciências ~ u m a n a s "Toulous.e, ·1965-1967:
. . I
Victor·L. TAPI.e, Baroque ct c .assicisme,
2. •
. ed., P ~ i s ·
Plon
, 1972
(bibliografia). · · ·
Georges .CATTAUJ,
Baroque
.
et
rococo,
Paris, Arthaud,
1973
·
i
\
n ~ o só problemas gerais da arte da ficção,
tats como suas. formas, seus instrumentos, sua
re
lação com a vida real, o conceito de perso
n a g e o binômio artista-sociedade, como
tamb
ém analisa aspectos
de
romances e
contos
· de Gertrude Stein, Donald llanhehne, Vladi
mir
Nabokov, Jorge Luis Borges, 1. B.
Si
nger,
Henry
)ames,
lohn
Updike,
D. H.
Lawre
nce
c outros. PAra Gass, o não existem descrições
em ficção, há
apenas construções"
e ele cuida
de provar sua afirmativa recorrendo a exem·
pios
de obras
de ficção a nalisados coru
finura
e pertinência.
ARTAUD,
de
Martin
Esslin
Conforme mostra Mo.rlin Ess lin.
neste
volume
da série .. Mes tre s da Mo
de
rnidade , e impor
tância de Artaud não está simplesmente em
ter sido
um
inspirado inovador do teatro ou
um pesquisador
de
estilos alternatiVos
de
vidn.
Artaud
foi, sob
re
tudo, o criador de uma ima
gem viva
um homem
que enc rnou em
su
própria vida o personalidade, as contradições
e
discórdias do século
XX.
Buscando explicar
lhe a difusa influência - entre atores, dire·
tores de t c ~ t t r o , c e o ó g r ~ f o s psicólogos radicnis,
líderes da contracuhura, r
evo
lucioní1rios
p o l í ~
Lcos - . Mart in Esslin, estuda aqui a estranha
vida de Artoud e as origens biográficas
de
suas idéias centrais, assim como su s con
cepções llce
rc
a da linguagem, da sanidade, do
· irraciona liSQlO e, acima
de
tudo, do
Teatro
da Crueldade.
l'eça catálogo gratuito à:
EDITORA CULTRIX
Rua
Dr. Mário Vicente, 374
04270 . Siio Paulo, SP
}
-