1854 2016
Na metade do século 19, a capital inglesa, com 2 milhões de pessoas, mal começava a ter rede de esgoto.
A sujeirA se AcumulAvA pelAs ruAs dA cidAde
AindA sem esgoto, A cidAde já começou A se verticAlizAr
váriAs fAmíliAs compArtilhAm poços ArtesiAnos e fossAs
há um veículo pArA cAdA 4,4 hAbitAntes, segundo o depArtAmento nAcionAl de trânsito (denAtrAn)
em Alguns bAirros, o esgoto é escoAdo dAs cAsAs diretAmente pArA vAlAs e corre A céu Aberto
águA de beber erA coletAdA em bombAs instAlAdAs nAs ruAs
dejetos dAs fossAs erAm recolhidos e vendidos como esterco
cortiços erAm umA formA comum de hAbitAção entre As fAmíliAs dAs clAsses trAbAlhAdorAs
Hoje, a segunda cidade mais populosa do Pará, com mais de 500 mil pessoas,
mal começa a ter rede de esgoto.
l o n d r e sInglaterra
A n A n i n d e u ABrasil
36 37
Não são poucos os lugares no
Brasil onde o século 19 não aca-
bou — ainda que coexista com a
era do smartphone. Ao menos
2.409 cidades, o que representa
43,2% dos municípios, já têm
sinal de internet 3G, mas ain-
da não possuem rede de esgoto.
A falta de saneamento, porém,
passou longe das campanhas
eleitorais neste ano. E o sanea-
mento é atribuição fundamen-
talmente das cidades, segundo
a lei 11.445/2007.
“Em todas as grandes ci-
dades brasileiras existem de-
terminados bairros em que
ainda estamos efetivamen-
te equiparados ao início do
século 20 ou ao século 19
na Europa”, afirma Marcelo
Araújo, pesquisador da Escola
Nacional de Saúde Pública, da
Fundação Oswaldo Cruz.
A comparação não é exagera-
da. A definição do que é sanea-
mento adequado varia de acor-
do com o tempo e a tecnologia
(leia ao lado). Hoje, dos mais
de 200 milhões de brasileiros,
apenas quatro a cada dez têm
acesso ao mais básico padrão,
a coleta de esgoto em redes.
O Anuário Estatístico 2015
da Comissão Econômica para
a América Latina e o Caribe
(Cepal) comparou o servi-
ço em 17 países da região e o
Brasil ficou em décimo lugar.
Por que isso acontece? Pelo
mesmo motivo que acontecia
na Londres vitoriana. Nas úl-
timas décadas, houve uma rá-
pida migração de pessoas das
zonas rurais para as zonas
urbanas do país. Tão rápida
que não houve tempo para
criar sistemas de sa-
neamento adequados.
Brasil, 2016. Em Ananin-
deua, cidade com mais de
meio milhão de habitantes
na Região Metropolitana de
Belém (PA), Marilda Farias
vive com sua família de seis
pessoas numa casa do bair-
ro Levilândia. Na Rua das
Américas, onde mora, as ca-
sas são cercadas por uma
grande vala. O bairro não
tem água tratada na torneira.
“Dividimos um poço com a
casa aos fundos da nossa, que
é da minha nora. A gente usa
essa água para tudo, até para
beber. Água mineral a gente
só compra quando dá”, con-
ta ela, que está desemprega-
da. Rede de esgoto, nem pen-
sar. Tudo vai para a rua, a céu
aberto. “Tem dia que a gente
não quer nem ficar aqui, de tão
fedido que fica”, conta Farias.
De acordo com os dados mais
recentes do Ministério das
Cidades, o município simples-
mente não tem coleta de esgo-
to. Em 2011, nove a cada mil
habitantes de lá foram parar
no hospital com diarreia.
INGLATERRA, 1854. Durante
a Revolução Industrial, uma
maré de gente migra de áreas
rurais para trabalhar na maior
cidade do mundo, Londres.
Pela primeira vez na história,
mais de 2 milhões de pesso-
as vivem numa mesma cida-
de, muitas delas apinhadas
em cortiços. O esgoto corre
a céu aberto. Água é buscada
com balde em bombas públi-
cas. No início de setembro da-
quele ano, na hoje sofisticada
região central do Soho, 500
pessoas morreram de cólera.
A causa foi descoberta pelo
médico John Snow (que sabia
tudo) ao fazer um risquinho
para cada morto num mapa que
virou um clássico da epidemio-
logia. A contaminação veio de
um cueiro de bebê com diarreia,
jogado numa fossa ao lado de
uma bomba de água na Broad
Street. A revelação de que a
causa das mortes não era o mau
cheiro das ruas, como se pensa-
va, levou à criação do primeiro
sistema moderno de saneamen-
to urbano, no final do século 19.
reportAgem no pArá por GABRIELA AZEVEDO
ilustrAçÕes MARCUS PENNA
O BRASIL QUE ESTÁ NOSÉCULO
design JOÃO PEDRO BRITO e fERNANDA DIDINI
Em mais de 40% das cidades do país, a internet já chegou aos celulares, mas não existe rede de esgoto — um atraso de um século e meio
por MARCELO SOARES e GIULIANA DE TOLEDO
Atualmente, apenas quatro a cada dez de brasileiros têm coleta de esgoto em rede ligada à sua residência
Evolução dos objetivos de tratamento de esgoto em países desenvolvidos
ATÉ O INÍCIO DO SÉCULO 20• Remoção dos sólidos em suspensão na água
ATÉ A DÉCADA DE 1970• Tratamento de matéria orgânica e eliminação de organismos patogênicos
A PARTIR DOS ANOS 1980• Remoção de nutrientes de bactérias, como nitrogênio e fósforo
• Aumento dos padrões para extração de produtos potencialmente tóxicos lançados no ambiente
Cada pessoa gera em torno de
1 KGde resíduos sólidos por dia, equivalente a
100 Lde esgoto.
na ponta do lÁpis
Fonte: Fiocruz
que ano é hoje?
39
Esgotonão
não informou
s im
Governo não sabe
Não tem esgoto
Tem esgoto
Sudeste
139cidades não informaram
60cidades não informaram
319não têm rede de esgoto
36cidades não informaram
31 cidades não informaram
453têm rede de esgoto
55têm rede de esgoto
41cidades não informaram
354têm rede de esgoto
156têm rede de esgoto
1.161não têm
rede de esgoto
334não têm
rede de esgoto
1.301têm rede de esgoto
794não têm rede
de esgoto
279não têm rede
de esgoto
Governo não sabe
Não tem esgoto
Tem esgoto
Norte
Governo não sabe
Não tem esgoto
Tem esgoto
Nordeste
Não é só em favelas e gro-
tões que isso ocorre. Pense
em locais turísticos. A Baía
de Guanabara recebe 18 mil
litros de esgoto por segundo.
E Ilhabela, ponto nobre do
litoral de São Paulo? Só cole-
tava 28% do esgoto em 2014.
Paraty (RJ), a terra da festa lite-
rária mais badalada do Brasil?
Zero. Santa Catarina, terra de
alto IDH e da Oktoberfest?
Só 17% dos habitantes têm es-
goto coletado em rede.
A origem da palavra sanea-
mento é o latim: sanum, sadio.
Foi na Roma Antiga que sur-
giram os primeiros sistemas,
as cloacas, por onde passa-
vam as águas de drenagem, a
água da chuva, o lixo, as fezes
e até cadáveres — tudo mis-
turado. Tratamento ainda não
era uma preocupação. Levou
tempo para se perceber que a
falta de saneamento faz com
que doenças sejam letais.
A diferença entre a Ananin-
deua do século 21 e a Londres
do século 19 é que os ingleses
precisaram literalmente co-
locar a mão no esgoto antes
da época em que, sem novas
epidemias letais com
que se preocupar, um
DESENCANADOS Quase 3 mil cidades brasileiras não têm rede de esgoto. Veja as dez piores entre as mais populosas
População com coleta: 21,2%Além da falta de rede coletora de esgoto, a capital do Acre carece de água encanada. Apenas 50,2% da população é atendida com água em casa.
10. rio brAnco · AC
População com coleta: 21,1%Para diminuir a falta de saneamento na região foi lançada, em 2013, a Carta do Cariri, que incentiva obras para evitar a poluição de mananciais.
9. juAzeiro do norte · CE
População com coleta: 19,1%No ano passado, a prefeitura da capital do estado culpava o governo federal pela situação, por ter passado anos sem investir em saneamento básico.
8. teresinA · PI
População com coleta: 0%A segunda cidade mais populosa do Pará aparece em todos os rankings do Trata Brasil como a pior entre as cem maiores do país.
1. AnAnindeuA · PA
Quanto coleta: 7,1%Otaeptatur si cuscid magnitio odiore et di cum endae. Ipiditas quodi ut laceptas nonse voluptur acienducit faceptatia es inciet reheniendi verovidunt quam si
6. mAnAus · Am 7. belém · PA
População com coleta: 0%Com quase 300 mil moradores, a terceira cidade com mais habitantes do estado está empatada com Ananindeua em 0% de rede de esgoto.
2. sAntArém · PA
População com coleta: 2%
A rede existente é antiga, quase toda instalada junto com a construção da ferrovia Madeira- -Mamoré, no início do século 20.
3. porto velho · RO
População com coleta: 5,5%
Em 2013, segundo o Jornal Nacional, os hospitais atendiam 400 pessoas por dia com doenças relacionadas ao saneamento.
4. mAcApá · AP
População com coleta: 6,6%
Boa parte do esgoto é despejada no mar, em valões que correm pela areia da praia e tornam a água imprópria para banho.
5. jAboAtão dos guArArApes · PE
Fonte: Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento 2014 (Ministério das Cidades); Ranking do Saneamento 2016 (Instituto Trata Brasil)
Tem esgoto
Não tem esgoto
Cidade não informou
No Norte do Brasil, as longas distâncias entre as cidades, a geografia e a baixa densidade demográfica tornam mais difícil a melhoria do saneamento
COMO LER O MAPA
vAmOS pOr pArtES
Em proporção ao número de municípios, o Sudeste e o Centro-Oeste são as regiões do Brasil com mais cidades que têm rede coletora de esgoto.
nordestenorte sudeste sul centro-oeste
Governo não sabe
Não tem esgoto
Tem esgoto
Sul
Governo não sabe
Não tem esgoto
Tem esgoto
Centro-oeste
homem com apelido de Jack
começou a afiar o bisturi no
distrito de Whitechapel. Os
primeiros túneis da rede de
esgoto foram inaugurados em
1865, uma década depois da
epidemia de cólera descoberta
por John Snow. O tratamento
começou no final do século 19.
Já em vários pontos do
Brasil, especialmente no
Norte, o problema é extrema-
mente atual (observe no mapa ao lado). “Até mesmo as capi-
tais, como Porto Velho (RO),
Belém (PA) e Macapá (AP),
possuem indicadores vergo-
nhosos, algumas delas com
quase 0% de coleta e trata-
mento dos esgotos”, diz Édison
Carlos, presidente executivo
da ONG Instituto Trata Brasil.
taManho é doCuMentoDevido às características do
serviço, é mais rápido expan-
dir o abastecimento de água do
que a coleta de esgoto. Foi o
que ocorreu na maior parte do
Brasil nas últimas três déca-
das. O desafio aumenta com o
tamanho das cidades: quando
elas são pequenas, porque não
há escala suficiente para o ser-
viço; quando elas são grandes,
porque é muito caro atender
direito tanta gente. No Norte,
as distâncias, a geografia e a
baixa densidade demográfica
tornam tudo ainda mais difícil.
“Em cidades distantes, como
na região Amazônica, as solu-
ções de saneamento serão ne-
cessariamente por sistemas
individuais ou minissistemas
coletivos, mas mesmo esses
são fundamentais para prote-
ger a saúde das pessoas e a na-
tureza”, diz Édison Carlos.
O economista Carlos Saiani,
pesquisador da Universidade
Federal de Uberlândia, apli-
cou ao ritmo de expansão do
acesso à água e da coleta do
esgoto a mesma régua usa-
da pela ONU para verificar o
atendimento das metas
de desenvolvimento do
População com coleta: 9,9%Alguns condomínios têm estação de esgoto particular. Em julho deste ano, uma delas explodiu, ferindo pessoas que faziam um churrasco.
População com coleta: 12,7%Pesquisa da UFPA estima que seriam necessários R$ 2,5 bilhões para dar água tratada e coleta de esgoto a toda Grande Belém.
2 4
8
7
6
5
9
10
3
1
Consulte como está sua cidade em
GALILEU.GLOBO.COM
40 41
Fonte: IBGE, Censo 2010; os dados refletem a média do uso de cada modalidade nos municípios do estado
Fontes: *Censo; **SNIS
O pAÍS EStÁ NA FOSSAFormas precárias de descarte de dejetos, como fossa rudimentar e vala, ainda são comuns em diversos estados do Brasil; veja como a população se vira em cada local
PI
0
25
50
75
100
% da
popu
laçã
o
TOmTmA ROPAAP gOAC mSAm RRRN SCRSPRAL CE SEBA PB PEES mg RJ SPDF
É a maneira mais adequada de coletar dejetos. É caro e trabalhoso fazer uma rede, por isso são menos comuns nas zonas rurais.
rede de esgoto fossa rudimentarNão há qualquer tentativa de tratamento dos dejetos, que são lançados diretamente em um buraco na terra, sem isolamento.
fossa séPticaOs dejetos passam por filtragem antes de chegarem à natureza. É adequada a zonas rurais, onde o resultado pode virar adubo.
não tinhamÉ basicamente isso mesmo, as pessoas disseram ao Censo que não tinham esgoto em casa. Em 2010, isso era mais comum no Piauí.
outro tiPoA criatividade do brasileiro não conhece limites. Em alguns estados, parcela pequena da população citou outras formas de descarte.
rio, lago ou marAcontece principalmente em favelas, por improviso. Os problemas da Baía de Guanabara na Olimpíada vieram daí.
É o famoso esgoto a céu aberto. Ocorre, em geral, em áreas irregulares e expõe os moradores a diversos tipos de doenças.
vala
trANCOS E bArrANCOSA porcentagem da população que tem esgoto melhorou. Só que melhorou mais onde já estava melhor
milênio: reduzir pela metade,
até 2015, os déficits de aten-
dimento registrados em 1990.
De acordo com o levan-
tamento, quase todos os es-
tados conseguiram cumprir
a meta no atendimento de
água, exceto cinco. Todos os
que faltaram estão no Norte:
Rondônia, Amapá, Acre, Pará
e Amazonas. No tocante ao es-
goto, foi o contrário. Apenas
cinco estados, com economias
mais fortes, atingiram a meta:
Espírito Santo, Minas Gerais,
Rio de Janeiro, São Paulo e Rio
Grande do Sul. Ainda assim, no
caso dos gaúchos isso ocorreu,
em grande parte, por meio do
uso rural de fossas sépticas —
sistemas de tanques que tratam
quimicamente os dejetos.
O Nordeste, segundo o es-
tudo, foi a região que mais ra-
pidamente evoluiu no período.
Isso ocorreu devido a uma série
de políticas públicas, incluindo
o Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC).
“Em alguns aspectos, o sa-
neamento tem evoluído ade-
quadamente; em outros, abai-
xo do desejável, o que reflete,
em grande parte, a própria rea-
lidade socioeconômica do país,
com os déficits regionais e his-
tóricos”, diz Alceu Segamarchi
Júnior, secretário nacional de
Saneamento Ambiental do
Ministério das Cidades. “Não
se pode falar em desenvolvi-
mento sustentável sem que
os índices de saneamento es-
tejam compatíveis com a quali-
dade pretendida”, afirma.
Entre as 5.570 cidades bra-
sileiras, pouco mais da me-
tade (52%) nem sequer tem
contrato com empresa de es-
goto. Geralmente são municí-
pios muito pequenos, pobres
e pouco populosos, no inte-
rior. Das 3.828 cidades com
menos de 20 mil habitantes,
60,7% declararam ao Sistema
Nacional de Informações so-
bre Saneamento, do Ministério
das Cidades, que não
tinham contrato com
empresa de esgoto. Outras 248
delas (6,5%) simplesmente
não deram informações.
Como a população se vira
nesses casos? A melhor pis-
ta que se tem vem do Censo
de 2010, última vez em que
o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE)
bateu à porta de todos os bra-
sileiros para perguntar quem
eles são e como vivem.
Nessas cidadezinhas, quase
metade da população (47%)
informou ao Censo que usava
fossas rudimentares para elimi-
nar seus dejetos. Ou seja: eles
iam para a terra, sem qualquer
tentativa de tratamento. Isso
acontecia principalmente nos
municípios menos habitados do
Centro-Oeste (78%), do Norte
(58%) e do Nordeste (54%).
Outros 13% diziam usar
fossa séptica, solução comum
em áreas rurais, onde as pro-
priedades ficam tão distantes
umas das outras que é muito
caro levar o encanamento de
uma casa a outra. Isso é bas-
tante comum nas microcida-
des da Região Sul (28,4% de
suas populações), muitas delas
emancipadas na explosão de
criação de novos municípios
ocorrida nos anos 1990 e na
primeira década deste século.
Falta de contrato com empresas de esgoto é mais comum nas cidades menores. Dos 3.828 municípios com menos de 20 mil habitantes, 60,7% não têm rede coletora
O despacho de dejetos para
rios, lagos ou mar ainda era
comum entre 4% dos brasi-
leiros em 2010. Nas microci-
dades da Região Sudeste, a
mais rica do Brasil, isso che-
gava a quase 9% dos habitan-
tes (confira no gráfico à direita a situação de cada estado).
“Os micromunicípios, que
são maioria no Brasil, não têm
escala para operar um siste-
ma de esgoto”, afirma Rafael
Terra, pesquisador de políticas
públicas da Universidade de
Brasília. Como solução, novas
tecnologias para propriedades
individuais têm sido desenvol-
vidas. Em São Carlos (SP), a
Embrapa criou há poucos anos
uma fossa biodigestora que não
polui os lençóis freáticos. O lí-
quido resultante pode ser usa-
do como fertilizante e o siste-
ma pode ser construído com
equipamentos que se compram
em lojas de ferragens.
“Faz mais sentido tratarmos
e reusarmos todo o esgoto no
local [onde ele é gerado]”, afir-
ma Molly Winter, diretora da
ONG norte-americana Recode,
em palestra em um evento da
série TED (assista em youtu.be/2Brajdazp1o). A organização
incentiva sistemas que trans-
formem dejetos em adubo.
2014**2010*
46,5%
Sudeste
55,8%
4,7%
Nordeste
7,94%
9,4%
Centro-Oeste
13,81%
1,34%
Norte
2,81%
Sul
9,14%11,53%
42
Fonte: IBGE, Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios, 2001-2009 e 2011-2014
Fonte: Banco Mundial, 2015
Por que o saneamento ainda é um desafio tão grande em 2016?As cidades brasileiras cresceram muito nas últimas décadas, com a migração do meio rural para o urbano. Isso foi bastante intenso no Brasil e em alguns países da Ásia e da América Latina. Não houve tempo de criar uma estrutura de saneamento adequada. Na Europa ocorreu o mesmo, mas foi há 120, 150 anos, na primeira Revolução Industrial.
A falta de saneamento tem “endereço”?Todo mundo acha que os problemas de saneamento do Brasil estão só no Nordeste. Não é verdade. Menos de 40% da população brasileira tem acesso a esgoto coletado e tratado. O abastecimento de água potável atinge basicamente 90% da população, em todas as regiões, inclusive no Nordeste. Mas mesmo nas
grandes cidades, mesmo em São Paulo, a metrópole mais rica do país, grande parcela da população não tem seu esgoto e seu lixo coletados adequadamente.
O problema está mais perto do que parece então?O grande problema está no planejamento urbano. As cidades deveriam crescer com base em projetos em que os bairros fossem criados com infraestrutura de saneamento, mesmo que a habitação em si não fosse ideal. Mas o mínimo necessário é acesso à água potável e integração à rede de esgoto.A fossa séptica é adequada à região rural, mas não funciona em áreas de alta densidade, como as favelas. A fossa pode contaminar o solo e invadir os lençóis freáticos, transformando os corpos hídricos das regiões urbanas em valas de captação de esgoto não tratado.
Cadê o nosso uRBanisMo?
igada ao Ministério da Saúde, a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) é referência na história do saneamento brasileiro. A instituição estuda questões importantes
de saúde pública, como o vírus da zika. GALILEU conversou com o engenheiro Marcelo Araújo, pesquisador do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fiocruz, localizada no Rio de Janeiro.
“Mesmo em São Paulo, a metrópole mais rica do país, grande parcela da população não tem esgoto e lixo coletados adequadamente”
Winter defende inovações
desse tipo inclusive para os
EUA, que, ao contrário do que
se pode pensar, não dá desti-
no correto aos seus dejetos em
todas as cidades. “Cinquenta
por cento dos municípios [dos EUA] autodeclaram jogar esgo-
to puro ou parcialmente trata-
do em vias navegáveis”, diz ela.
Quanto à coleta em si, os nú-
meros são mais animadores.
Segundo o Banco Mundial,
99,5% da população norte-a-
mericana conta com fossa ou
rede de esgoto (veja no mapa ao lado o status de diversos países).
e os pRefeitos?Para chegar a universalizar o
esgoto, existem vários proble-
mas a ser superados. Quatro
deles são determinantes nos
municípios do Brasil. O primei-
ro é dinheiro mesmo. Em 2014,
o governo estimava que seriam
precisos R$ 304 bilhões para
levar água e esgoto a todos
os brasileiros até 2033. Esse
valor já foi corroído pela in-
flação, mas é comparável a
11 anos de Bolsa Família e a
mais de quatro vezes o orça-
mento inteiro do Programa de
Aceleração do Crescimento
(PAC) para saneamento.
Em 2009, o governo Lula
anunciou R$ 70 bilhões para
obras de saneamento pelo
PAC. O problema: muitas das
obras emperraram. Várias an-
dam lentamente — caso de
Ananindeua — ou simplesmen-
te pararam. “A má qualidade
dos projetos apresentados e a
burocracia para acessar os re-
cursos têm sido gargalos difí-
ceis de superar até hoje”, afirma
Édison Carlos, do Trata Brasil.
“Muitos dos projetos que foram
apresentados no PAC 1 precisa-
ram sofrer aditivos técnicos e
financeiros acima do esperado,
e isso atrasa obras até hoje.” Ou
seja: a conta só aumenta.
Na falta de dinheiro para fa-
zer obras, há prefeituras que —
por mais contraditório que isso
pareça — até devolvem dinhei-
L
ro ao Ministério das Cidades.
Guarujá (SP), onde 65,1% da
população tem rede de esgo-
to, por exemplo, abriu mão de
R$ 8 milhões aprovados pelo
governo federal para a remoção
de 242 palafitas instaladas em
cima de um mangue na praia
de Santa Cruz dos Navegantes.
As casas suspensas lançam os
dejetos diretamente na nature-
za. O projeto previa também a
instalação das famílias em ou-
tros locais com saneamento e a
recuperação ambiental da área.
Segundo a Secretaria
Municipal de Habitação, o va-
lor teve que ser devolvido por-
que a conta ficou muito mais
cara que o previsto em 2009.
Há sete anos, a cidade esti-
mava desembolsar R$ 1,8 mi-
lhão para poder fazer a obra,
agora, seriam R$ 22 milhões.
Atualmente, o custo total “se-
ria próximo de R$ 30 milhões,
o que, diante da crise atual do
país com reflexos nas cidades,
impossibilita a prefeitura de
oferecer a contrapartida”, diz
a secretaria por meio de nota.
Mas de onde, então, pode vir
dinheiro para obras que o PAC
não consegue cobrir? De acor-
do com Segamarchi Júnior, o
Plano Nacional de Saneamento
Básico, de 2013, “prevê investi-
mentos de outras fontes, além
de recursos do governo fede-
ral”. As fontes podem ser or-
ganismos internacionais como
o Banco Mundial, mas não só.
Em agosto, o jornal O Globo publicou a notícia de que o
governo Temer quer conver-
sar com os estados para pri-
vatizar ações de saneamento.
O Trata Brasil disse ver “com
bons olhos” a possibilidade.
Outros discordam. Para espe-
cialistas, ainda que não faça
muita diferença para o cidadão
pagar a conta para uma estatal
ou uma empresa privada, é jus-
tamente onde mais se precisa
de saneamento que as pessoas
menos têm condições de pagar
por ele. “Uma empresa priva-
da vai querer ter lucros. Não
O CHEIrO DO mUNDOCompare o acesso da população a sistemas que separam dejetos do contato humano
COMO lER O GRáFICO
água encanada Esgoto
CAmINHO DAS ÁGUAS O abastecimento de água é mais eficiente no Brasil do que a coleta de esgoto; observe a porcentagem da população atendida
Porcentagens da população que usa algum tipo de instalação para isolar excrementos
81 - 100%
61 - 80%
41 - 60%
21 - 40%
1 - 20%
LEGENDAS
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013 20142001
45,43% 46,45% 47,95% 47,93% 48,12% 48,33%51,15% 52,51% 52,58%
55,02% 57,16% 58,16% 57,62%
77,81% 79,08% 79,62% 79,46% 79,64% 80,85% 81,45% 82,19% 82,93% 83,58% 84,41% 83,96% 84,53%
44
E A FILA AUmENtA...Cada R$ 1 investido no fornecimento de água limpa e esgoto economiza R$ 4 que seriam gastos para tratar doenças, segundo a Organização Mundial da Saúde
Fonte: Datasus (Ministério da Saúde)
Fonte: Datasus (Ministério da Saúde)
há mágica em relação a isso”,
diz Marcelo Araújo, da Fiocruz.
Em regiões pobres, a pró-
pria existência de uma rede de
esgoto próxima às casas não
é garantia de que os morado-
res conseguirão usá-la. A obra
de ligação da residência à rede
precisa ser paga pelo cliente
— isso sem falar na conta que
passará a chegar todos os me-
ses. Por isso, o Trata Brasil cal-
cula que há grande ociosidade
nas redes do país. Mais de 3,5
milhões de pessoas poderiam
conectar suas casas nas cem
maiores cidades, mas não o fa-
zem, conforme estudo de 2015.
O segundo problema na
universalização do esgoto é o
planejamento. Segamarchi diz
que às vezes até existe dinhei-
ro para mandar para a prefei-
tura, mas ele não é usado por-
que o município não possui
equipes técnicas qualificadas.
Colocando em números: segun-
do a Pesquisa de Informações
Básicas Municipais feita pelo
IBGE em 2014, em nada me-
nos do que 26% das cidades os
responsáveis pela área da saú-
de tinham menos do que o en-
sino superior completo. Muitas
vezes, o dinheiro não chega
porque os projetos são repro-
vados simplesmente por serem
mal preenchidos. Quando pas-
sam, há obstáculos na execu-
ção. Em um terço das cidades,
conforme a mesma pesquisa,
apenas três a cada dez fun-
cionários têm ensino superior
completo. O problema do sa-
neamento passa também pela
(falta de) educação.
O terceiro grande problema
é a escala. Ananindeua, por
exemplo, cresceu depressa e
demorou para começar a in-
vestir em saneamento. “[A ci-dade] tem 72 anos e cresceu
mais de 450% nos últimos 25
anos. É uma explosão demo-
gráfica”, avalia o secretário de
Saneamento e Infraestrutura,
Osmar Nascimento. Depois
da última informação ao
Ministério das Cidades, refe-
rente a 2014, a gestão diz que
implantou rede de esgoto para
20 mil dos seus 500 mil ha-
bitantes — ou seja, para 4%.
Ocupação acelerada também
é o que nota a líder comunitá-
ria Eliana Rocha na sua vizi-
nhança. Há sete anos morado-
ra do bairro Jardim Canaã, em
Itaquaquecetuba, Grande São
Paulo, ela não para de ganhar
vizinhos. “Tem muita gente fu-
gindo do aluguel em São Paulo
e vindo para cá”, diz ela, que,
em casa, só bebe água de chuva
filtrada. Precavida contra estia-
gens, tem estocados, em garra-
fas PET e tonéis, 3 mil litros,
vindos de chuva recolhida em
calhas e baldes espalhados pelo
pátio e também de uma caixa
comunitária abastecida com
caminhão-pipa pela prefeitura.
Apesar de irregular, sem
água encanada e sem esgoto,
a área do Canaã é negociada
no mercado informal. Um ter-
reno custa até R$ 25 mil. Em
uma volta pelas ruas de terra
— a maioria sem nome, já que
não existem oficialmente —, é
fácil encontrar moradias em
construção, como a de Josélia
Rodrigue. Para economizar, há
dois anos ela trocou o Brás,
no centro da capital paulista,
com saneamento, pelo Canaã,
onde mora com o marido, três
filhos, genro e nora.
O Canaã, segundo a pre-
feitura, está numa fila de 184
áreas que aguardam regulariza-
ção — a rede de esgoto da cida-
de atende 64,6% da população
total. Sem resolução da situa-
ção legal, informa a administra-
ção, a Sabesp, responsável pelo
saneamento, não fará obras.
Segundo Marcelo Araújo,
da Fiocruz, os municípios que
melhor atendem seus cidadãos
com água e esgoto são os de
médio porte. Eles não têm o
volume de habitações irregula-
res das metrópoles e têm esca-
la suficiente para valer a pena
o investimento. “São cidades
com uma economia mais vi-
brante, onde a prefeitura tem
No Brasil, o tempo médio
para projetar e aprovar obras
de saneamento é de dois anos
receitas maiores e condições
mais adequadas”, diz.
O quarto grande problema
é o tempo de planejamento.
O tempo médio para projetar
e aprovar obras do setor é de
dois anos. Ou seja, só o plano
vai demorar metade do man-
dato de um prefeito, para fazer
uma obra cara e longa, que vai
“para baixo da terra” e vai atra-
palhar o trânsito. “O que falta é
vantagem política”, diz Dayana
Rodrigues, técnica em sanea-
mento ambiental do Instituto
Federal do Pará (IFPA), que cri-
tica a demora de Ananindeua
em investir em saneamento.
É difícil e caro, mas vale a
pena. “Nossos estudos apon-
tam que há um ganho na pro-
dutividade do trabalhador pela
redução das ausências ao tra-
balho, melhora a educação das
crianças, que crescem mais sau-
dáveis e distantes da possibili-
dade de contrair doenças cor-
relacionadas à ausência desses
serviços”, diz Édison Carlos, do
Trata Brasil. Segundo estudo
feito em 2014 pelo instituto, a
universalização do saneamento
cortaria quase 7% do atraso es-
colar no país. “Há uma melhora
também no valor dos imóveis,
além do turismo.”
piRiRiDiarreia infecciosa. Disenteria.
Amebíase. Ascaridíase. Febre ti-
foide. Esquistossomose. Cólera.
Hepatite A. Leptospirose. A lista
de doenças causadas pela falta
de saneamento cabe numa letra
dos Titãs. Sem nenhum surto
de cólera no país desde 2004,
a pior de todas é a mais comum: Fonte: SNIS
tOrNEIrA FECHADATotal de municípios com e sem serviço de água, por região
2000
1500
1750
1000
500
750
1259
250
Su
dest
e
Nor
dest
e
Cen
tro-
Oes
te
Nor
te
Su
l
mApA DA HEpAtItE A
mOrtE NA INFÂNCIA
mApA DA LEptOSpIrOSEA infecção do fígado é causada por água e comida contaminadas.
Total de crianças com menos de 5 anos mortas por diarreia ou infecção intestinal no Brasil
É transmitida pela urina de animais, como ratos, onde não há saneamento.
Incidência a cada 100 mil habitantes
Incidência a cada 100 mil habitantes
2014 2014
0 - 1
0 - 1
1,1 -
2
1,1 -
2
2,1 -
6
2,1 -
6
6,1 -
10
6,1 -
10
10,1
- 153
Tem água
Não tem água
Governo não sabe
10,1
- 56
SP
mg
RJ
ESmS
SC
RS
BA
gO
mT
ROAC
Am
RR AP
PA mA
PIPE
SE
PB
AL
RNCE
TO
PR
Consulte como está seu estado em
GALILEU.GLOBO.COM
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
35.7
95
32.3
19
28.74
6
26.2
40
24.6
06
24.0
09
17.4
38
17.9
75
15.8
42
15.2
33
12.8
96
10.7
80
8.26
3
8.36
1
8.57
0
8.10
9
6.87
8
4.90
0
4.30
1
5.34
7
4.15
9
3.27
9
2.85
9
2.74
5
2.67
9
2.32
1
2.27
4
2.01
7
1.472
1.298
1.122
867
645
699
752
616
Rede
moc
ratiz
ação
Gove
rno
Collo
r
Plan
o Re
al
Gove
rno
lula
PAC
SP
mg
RJ
ESmS
SC
RS
BA
gO
mT
ROAC
Am
RR AP
PA mA
PIPE
SE
PB
AL
RNCE
TO
PR
FALtA trAbALHO SUJOCidades tratam pouco o seu esgoto; conheça as dez piores entre as mais populosas
a diarreia, grande responsável
pela mortalidade infantil.
“O indicador básico de sa-
neamento é a mortalidade de
crianças por diarreia com me-
nos de 5 anos”, diz Marcelo
Araújo, da Fiocruz. “Esse é o in-
dicador mais importante, usado
no mundo inteiro. As crianças
são mais sensíveis a essas do-
enças. Os idosos também, mas
eles podem ter várias outras
doenças mortais. Na criança é
mais fácil detectar a causa.”
Ainda em 2009, a Orga-
nização Mundial da Saúde
considerava a diarreia a segun-
da maior causa de morte infan-
til no mundo. Matava mais do
que a soma de Aids, malária e
sarampo, embora seja de fácil
tratamento. O problema é que
esse tratamento depende de
água limpa. E água limpa de-
pende de saneamento.
Ao pegar diarreia infecciosa,
não raro de vírus e bactérias
que vêm do contato com fezes,
o organismo da criança perde
rapidamente líquidos e eletróli-
tos, o que pode levar à falência
dos rins e, então, à morte.
Ananindeua é, dentre as
cem maiores cidades bra-
sileiras, a que mais gasta
com o tratamento da diar-
reia. A cada 100 mil habi-
tantes da cidade, 904 es-
tiveram internados com
diarreia em 2011, consumindo
R$ 314 mil do SUS, segun-
do estudo do Trata Brasil. E,
mesmo assim, nem todos os
casos chegam aos hospitais —
portanto, não entram nas es-
tatísticas do Datasus, sistema
do Ministério da Saúde que
coleta os números de aten-
dimentos no país. Marilda
Farias, cuja história conta-
mos no início da reportagem,
por exemplo, se automedica.
“Muitos moradores nem as-
sociam as doenças que têm à
falta de saneamento, porque
para eles aquilo já virou uma
coisa normal”, destaca Edna
Cardoso, líder de projetos so-
ciais do Trata Brasil.
gato e Rato“A médica me disse que é da
água”, conta Camila Dias en-
quanto levanta a blusa e dei-
xa à mostra a pele da barriga,
cheia de manchas vermelhas
e esbranquiçadas. “É dessa
água que a gente toma banho”,
diz ela, que mora em uma pa-
lafita do bairro Santa Cruz
dos Navegantes, no Guarujá.
A água vem de um “gato”,
instalação irregular feita com
mangueiras que serpenteiam
por debaixo dos casebres de
madeira da favela. Quase to-
das as casas têm uma bom-
ba que leva a água até caixas
instaladas nos telhados. De
lá, ela segue encanada para
as torneiras, os chuveiros e
as caixas de descarga.
Para a filha Maria Clara, de
6 anos, Camila não dá de be-
ber dali: busca água encanada
na casa de uma tia. A menina
corre pelas tábuas de madeira
que ligam sua casa às vizinhas
alheia ao risco que está lá em-
baixo: uma mistura de lama de
mangue com dejetos que caem
diretamente dos vasos sanitá-
rios, ao lado de carcaças de te-
levisão, garrafas PET, brinque-
dos quebrados, pneus furados.
Perto dali, na palafita da vi-
zinha Ciglei Moraes, o medo
é de dengue, desde que uma
das filhas teve a forma hemor-
rágica, a mais grave da doen-
ça. “A gente também vê rato,
mas aqui eu tenho gato”, diz a
aposentada que vive na comu-
nidade desde 1994, quando
“ainda era limpa a água” e “ti-
nha caranguejo no mangue”.
“Agora tenho muita vontade
de sair daqui e comprar uma
casinha. Fico apreensiva de
a água de uma enchente um
dia levantar essa casa”, conta.
“Mas na Pouca Farinha [ape-lido do bairro, atribuído a um antigo morador que cobrava em farinha a travessia de barco até Santos], a população se une.
Aqui é uma favela, mas é fa-
miliar. Não tem bandido nem
gente se drogando.”
RuMo aos 70Superado o primeiro desafio
básico, a coleta do esgoto, é
a hora do segundo, o trata-
mento — padrão de saneamen-
to buscado até a década de
1970 em países desenvolvidos.
Apenas 40% do esgoto
coletado no Brasil era trata-
do em 2014, data dos dados
mais recentes disponíveis. O
pior índice do país está no
Pará: 16%. O Maranhão vem
logo depois, com 32%. Já na
outra ponta da estatística, o
Distrito Federal trata 100%.
“O tratamento é uma etapa
mais complicada do que a sim-
ples coleta, tanto do ponto de
vista da implantação da esta-
ção como para a sua operação
posterior, que pode ser com-
plexa e cara, refletindo-se nas
tarifas”, diz Segamarchi Júnior.
De volta a Ananindeua, o
universitário Rafael Reis, que
vive no bairro do Icuí, conta
os trocados para comprar água
mineral em verões intensos,
quando seca o poço artesiano
de onde sua família de seis pes-
soas bebe água. “Há 21 anos,
desde quando nasci, esse bair-
ro está do mesmo jeito. E já
era assim antes de mim”, diz
ele. A prefeitura informou à
GALILEU que pretende ter-
minar as obras de saneamen-
to em dois anos. Com alguma
sorte, até se formar, Reis po-
derá ver seu bairro che-
gar ao século 20.
Somente 40% do esgoto coletado no Brasil, que já
é pouco, passa por tratamento
para retornar à natureza
JOGA FOrA NO LIxOMunicípios com e sem coleta de lixo, por região
Metros cúbicos
(1.000 litros) tratados
por habitante no
município em 2014
26,1 - 52 m3
0 - 26 m3
52,1 - 78 m3
78,1 - 104 m3
104,1 - 130 m3
130,1 - 156 m3
LEGENDAS
Quanto trata de esgoto coletado: 3,8%Existe coleta para 93,6% dos habitantes do município do interior paulista. Uma estação de tratamento está em construção.
10. bAuru · SP
Quanto trata de esgoto coletado: 3,7%Dos dejetos coletados de 64,6% da população da cidade, na Região Metropolitana de São Paulo, pouco chega a ser tratado.
9. itAquAquecetubA · SP
Quanto trata de esgoto coletado: 2,7%A cidade do Grande ABCD, apesar de ter rede de esgoto que atende 90,1% da população, tem baixo índice de tratamento do material coletado.
8. mAuá · SP
Quanto trata de esgoto coletado: 0%A capital já não é um exemplo em coleta: 2% dos moradores são atendidos. Do pouco coletado, nada tem tratamento.
3. porto velho · RO
Quanto trata de esgoto coletado: 0%Desde que foi feito o levantamento, a cidade começou a testar, em 2015, suas primeiras estações de tratamento.
4. sAntArém · PA
Quanto trata de esgoto coletado: 0%O município da Baixada Fluminense coleta o esgoto de 48,9% da população, porém, não trata nenhuma parcela.
5. são joão de meriti · RJ
Quanto trata de esgoto coletado: 0,05%Também na Baixada, a cidade trata os dejetos de uma fração mínima. Há coleta para 45,1% dos moradores.
6. novA iguAçu · RJ
Quanto trata de esgoto coletado: 2,3%A Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) coleta esgoto de 12,7% da população e trata uma parte pequena.
7. belém · PA
59
4
3
2
6810
Fonte: Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento 2014 (Ministério das Cidades); Ranking do Saneamento 2016 (Instituto Trata Brasil)
Consulte como está sua cidade em
GALILEU.GLOBO.COM
Fonte: SNIS
Su
dest
e
Nor
dest
e
Cen
tro-
Oes
te
Nor
te
Su
l
Tem coleta de lixo
Não tem coleta de lixo
Governo não sabe
2000
1500
1750
1000
500
750
1259
250
1. AnAnindeuA · PA 2. governAdor vAlAdAres · mg
Quanto trata de esgoto coletado: 0%O município da Grande Belém não tinha rede coletora até o levantamento, logo o número de tratamento também é zero.
Quanto trata de esgoto coletado: 0%A cidade de quase 280 mil habitantes coleta quase todo o seu esgoto (97,4% da população tem o serviço), mas não trata nada.
71
49