Luiz Fernando da Silva
Gisele C. Costa
Lamericas.org Junho/2014
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Governo de Maduro negocia com burguesia, aplica
pacote econômico antipopular e reprime protestos sociais
Luiz Fernando da Silva1
Gisele C. Costa2
Introdução
A crise política e social na Venezuela aprofunda-se com a intensificação da
crise econômica no país. Os aspectos imediatos e mais visíveis de tal crise
referem-se à inflação descontrolada e crescente desde 2012, endividamento
público em alta (interno e externo) e desabastecimento de produtos alimentícios.
De quebra os índices sobre a criminalidade no país assustam a classe média e
preocupam o governo.
Pelo agravamento da crise econômica e seus desdobramentos políticos e
sociais, a conjuntura venezuelana aproxima-se do momento histórico enfrentado
por outros países sul-americanos governados por projetos frentepopulista como
Argentina e Brasil. Em geral, a fragilidade e submissão dessas Frentes Populares
diante da crise internacional do Capital desdobram-se em descontentamentos
populares materializados pelo aumento de protestos que questionam as políticas
adotadas por esses governos.
Na Venezuela, esse cenário central que permeia a vida da população,
possibilita compreender a persistência dos protestos sociais estudantis, iniciados
em fevereiro deste ano. Indica que esses não se sustentam exclusivamente na
perspectiva político-ideológico golpista, como se manifestava na frase “La salida
1 Graduado em História. Mestre e Doutor em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Pós-Doutorado em Sociologia pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Docente de Sociologia, Sociologia da Arte e Cultura Brasileira na Unesp. Coordenador do Grupo de Pesquisa América Latina e Marx: Movimentos Sociais, Partidos, Estado e Cultura – Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq). Editor do Portal Lamericas (www.lamericas.org). E-mail: [email protected] 2 Graduada em Pedagogia – Universidade Estadual Paulista (Unesp). Mestranda em Educação pelo Programa de Integração da América Latina – Universidade de São Paulo (Prolam-USP). Integrante do grupo de pesquisa América Latina e Marx: Movimentos Sociais, Partidos, Estado e Cultura – Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq). Pesquisadora da Rede de Estudos Latino-Americanos de Trabalho Docente (Red Estrado). E-mail: [email protected]
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es por las calles”, palavra de ordem lançada pelo direitista Leopoldo López e
seus correligionários. O oxigênio dessas mobilizações baseia-se em demandas
concretas sociais e políticas. Evidenciam questões sensíveis não somente para
setores das classes médias venezuelanas, por princípio anti-chavista e pró-
estadunidense, mas também problemas muito concretos sentidos pela maioria da
população. Em realidade, os protestos sociais sintonizam com a crise econômica
que se acelerou no país, nos últimos dois anos.
As manifestações serviram, ou melhor, foram utilizadas como base para
três movimentos distintos ocorridos a partir de fevereiro: a) para a burguesia
serviu como pressão política ao governo Maduro para retomar as negociações
com a Fedecâmaras que foram suspensas em outubro de 2013; b) nas hostes
governamentais possibilitou uma espécie de cortina de fumaça sobre as
concessões econômicas e medidas antipopulares, como também
legitimou/justificou o endurecimento do regime político contra os opositores
burgueses, mas também a criminalização de opositores do campo operário e
popular; c) dentro do chavismo rearticulou forças políticas e, no aparelho de
estado, permitiu o fortalecimento principalmente da ala de Diosdado Cabello,
ligado a setores militares empresariais, como vemos no crescimento desses
setores em cargos estratégicos estatais.
A intervenção governamental na área da política econômica em 2014
sinaliza que o Governo de Maduro mantém-se sintonizado com o capital
financeiro internacional, as multinacionais e a burguesia parasitária local. A
“Mesa pela Paz Econômica”, rodada de negociações entre governo e a entidade
empresarial Fedecâmaras, indica o retorno dos acordos e concessões
governamentais às frações burguesas no país. Em meio ao aprofundamento da
crise, o governo detonou um pacotaço econômico de caráter antipopular, mas
preservando as reivindicações e interesses do empresariado. Maduro, no
entanto, tem receio das reações populares contra essas medidas que atingem
desde os reajustes dos produtos alimentícios, corte de subsídios à gasolina e
elevação das tarifas de energia elétrica, passando por reajuste em 30% do salário
mínimo (muito abaixo da inflação), até o chamado SICAD II que elimina o
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controle cambial existente desde 2004. Essas medidas somente servem como
combustível para a intensificação dos problemas sociais, uma vez que
impulsionam ainda mais o processo inflacionário.
Por qualquer ângulo que seja analisado o cenário venezuelano, salta aos
olhos as evidências sobre a crise econômica no país, sincronizando com a crise
internacional. Essa crise é contornada pelo governo por meio da receita clássica:
jogar a crise sobre os trabalhadores e a população, manter a ordem social por
meio de um controle social repressivo, e conceder cada vez mais para os setores
empresariais.
O governo “enfrenta” a crise econômica e política da seguinte maneira: a)
negociação e concessão econômica para a burguesia, com aumento generalizado
dos preços dos produtos alimentícios, lançamento do SICAD II e corte nos
subsídios ao gás, energia elétrica, gasolina etc.; b) endurecimento político e
criminalização dos movimentos de protestos, com prisões, processos judiciais e
cassações de políticos; c) abertura da Mesa de Negociação com um setor da
oposição liberal (MUD), mas sem conceder nenhum milímetro nas reivindicações
oposicionistas.
Protestos sociais estudantis e da oposição liberal radicalizada
Em três meses de protestos sociais, de acordo com o Fórum Penal
Venezuelano, desde fevereiro deste ano, 3076 manifestantes foram detidos e
processados, dos quais 203 são menores de idade, e 165 manifestantes
encontram-se privados de liberdade. Até o momento são mais de 550 feridos e
41 mortos nos protestos. Ainda no marco da repressão, ocorreu a prisão de
Leopoldo López, líder do partido Primeira Justiça, a cassação do mandato da
deputada Maria Corina Machado, do partido Vente Venezuela, e as prisões e
cassações dos prefeitos Daniel Ceballos (Sán Cristóbal) e Enzo Scarano (San
Diego).
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A repressão militar e perseguição política não ocorrem somente contra os
estudantes e a oposição liberal representantes de frações das camadas sociais
médias, frações burguesas e imperialismo. Ela também ocorre de maneira
sistemática há tempos contra os trabalhadores e suas lideranças e organizações
sindicais não atreladas ao governo, em várias regiões do país, nas greves e
reivindicações. A coerção e perseguição ao movimento sindical de oposição de
esquerda e a militarização dos espaços sociais sob o pretexto de combate à
violência urbana são permanentes.
As denúncias são inúmeras sobre o caráter intimidatório e truculento da
Guarda Nacional Bolivariana (GNB) e do Sistema Nacional de Informação
Bolivariana (Sebin) na desmobilização, prisões e processos judiciais contra
trabalhadores em greve e suas lideranças. A diferença política principal em
relação aos protestos estudantis é que os trabalhadores venezuelanos não
conseguiram até o momento constituir um pólo aglutinador que lhe permitisse a
independência organizativa e ideológica em relação ao chavismo. A principal
razão encontra-se nas direções das instituições sindicais que majoritariamente são
base social e política do chavismo.
A oposição liberal agrupa-se em dois campos políticos, aparentemente
distintos, com táticas que se diferenciam na atual conjuntura, mas que pertencem
à mesma tradição golpista de 2002. Em torno da Mesa de Unidade Democrática
(MUD), composta por cerca de 30 agrupações políticas. Na outra ponta
encontram-se agrupamentos como o Primeira Justiça (PJ) e Vontade Popular
(VP). Essa oposição, no período aberto em fevereiro, encontrou-se com
iniciativas em dois campos: mesa de negociação com o governo, levada pelo
MUD, e radicalização de rua apoiada pelo PJ e VP. Nesses dois campos
oposicionistas encontram-se as principais referências políticas conservadoras e
claramente de direita: Henrique Capriles, ex-candidato presidencial e governador
de Miranda, e Leopoldo López.
Certamente é possível verificar nessas ações táticas diferenciadas uma
divisão no corpo da oposição burguesa. Por um lado, a aposta de que o desgaste
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do governo somente ocorreria nas ruas; por outro lado, a ponderação de que
seria um processo acumulativo de derrotas e desgastes da imagem governista que
se encerraria em processo eleitoral.
Essas aparentes diferenças táticas têm resultado conjugado. Talvez a melhor
posição para olhar esse quadro político seja a seguinte: pela primeira vez na
história do chavismo, desde 1998, a oposição criou espaços políticos que de fato
conseguiram inúmeras concessões governamentais. A oposição liberal logrou a
concessão de mesa de negociação, mesmo com a manutenção das prisões de suas
lideranças e manifestantes, mas também mantém as mobilizações de rua, pois é
onde de fato se localiza sua força política. Esse trunfo opera como uma faísca em
barril de pólvora, uma vez que os protestos sociais podem se ampliar,
extrapolando os setores médios estudantis para outros setores da população.
Existe um cenário político que ultrapassa a realidade imediata apresentada
como polarização entre forças governamentais e manifestantes “golpistas” anti-
governo. Existem mediações relevantes na composição do quadro político
venezuelano que escapam de tais classificações dualistas. Por baixo de tal
polarização, em realidade o que ocorreu foi uma outra negociação, de Maduro
com a burguesia, na chamada “Mesa de Negociação...”. Essa negociação teve um
caráter estritamente econômico no qual o governo realizou praticamente todas
as reivindicações do empresariado.
A outra mesa de negociação, iniciada em 15 de março, e encabeçada pelo
MUD teve um caráter exclusivo de negociação política, na tentativa de conter os
protestos sociais estudantis. Com transmissão por rede nacional de rádio e
televisão, possibilitou ao governo ganhar tempo, pouco ou nada concedendo à
oposição. Com tal movimentação, logrou respaldo e mediação internacional
junto ao Vaticano, Unasur e, de certa maneira, impediu que o EUA avançasse na
tentativa de algum tipo de sanção à Venezuela, como exigia a oposição liberal
radicalizada. Esse cenário isolou ainda mais a oposição política em torno de
Leopoldo López, Maria Corina Machado e as entidades estudantis, como a
conservadora Juventude Ação Venezuela (Javu). E o interessante é que tirou de
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cena alguns dos principais líderes da oposição liberal extremada, que foram
presas e perderam seus mandatos.
A oposição do MUD, no entanto, retirou-se da “mesa de diálogo”, uma
vez que de fato nada foi negociado nas reivindicações apresentadas ao governo,
entre elas a anistia aos presos políticos, a começar por Leopoldo López, e outros
que estão nas prisões desde a tentativa de golpe em fevereiro de 2002. Ao
mesmo tempo, a criminalização e a repressão aos protestos e aos opositores
somente aumentaram com a alegação supostamente “documentada” sobre a
ação golpista e as datas para derrocada do governo. Os protestos de rua, por sua
vez, estão pouco a pouco diminuindo, embora se mantenham radicalizados e
com muitas prisões.
Para o governo de Maduro estreitam-se os limites de manobra não
somente em razão dos protestos sociais e fortalecimento político da oposição
liberal, inclusive com repercussão internacional negativa sobre a repressão, mas
também porque não consegue se manter como liderança pilar do chavismo.
Suas posições sobre a mesa de negociação com a oposição liberal são criticadas
por setores chavistas, uma vez que esses compreendem a oposição burguesa
como eminentemente golpista. Por outro lado, também criticam a negociação
econômica que foi realizada com a Fedecâmaras. A proposta política do SICAD II
é exemplo manifesto das concessões governamentais à burguesia venezuelana.
Nicolás Maduro opera com um chavismo que não se encontra coesionado,
depois da morte de Chávez, sendo único ponto consensual a repressão e
criminalização dos protestos sociais.
As negociações de Maduro de fato ocorreram com a burguesia
A inflação superou a marca dos 56,2%, em 2013, considerada a mais alta
do mundo, sendo que a alta dos preços dos alimentou atingiu 72,7% e,
anualizada em março de 2014, atingiu 79%. Ao lado disso, soma-se a escassez
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generalizada de bens alimentícios que superou a 20% em média em 2013 e mais
de 30% em março de 2014.
Nesse cenário, o governo desvalorizou o bolívar, entre fevereiro de 2013 e
março de 2014, em três momentos: a) passou o dólar Cadivi de 4,30 bolívares a
6,30 (desvalorização de 46,5%); b) liberou o dólar Sitme de 5,30 bolívares para
11,70 bolívares no Sicad I (120,7% de desvalorização); c) e no ano de 2014, com
o Sicad II passando a média de 50,0 bolívares (desvalorização de 693,6%) com
relação ao dólar Cadivi, agora chamado Cencoex. O dólar paralelo passou a 80
bolívares em fevereiro de 2014, embora tenha recuado em 24 de março com a
entrada em funcionamento do Sicad II, chegando a 67 bolívares em 15 de abril.
A negociação realizada entre o governo e setores empresariais retomada
em fevereiro último, duas semanas após o início dos protestos estudantis e da
oposição liberal. Com a participação de setores empresariais, como a Empresa
Polar, do magnata Lorenzo Mendonza, e com a Fedecâmaras (Federação de
Câmaras e Associações de Comércio e Produção da Venezuela) estabeleceu-se aí
um compromisso do Governo com os grandes empresários, no sentido de
realizar concessões às suas reivindicações econômicas.
Na designada “Mesa de Paz Econômica”, a burguesia conseguiu inúmeras
concessões governamentais, como reajustes nos preços de produtos e serviços
que estavam tabelados oficialmente, como a majoração nos preços dos
alimentos, ajustes que também envolveu o aumento do valor das passagens de
transporte público, corte do subsídio na gasolina e aumento das tarifas do setor
elétrico. Se antes o empresariado era tachado pelos chavistas como “burguesia
parasitária”, passou a ser valorizada como “setor produtivo”, o qual o governo
oferece uma convivência pacífica para o desenvolvimento das “forças
produtivas” nacionais.
Nessa negociação, 56 medidas econômicas foram aprovadas pelo governo.
Tais medidas foram publicizadas por meio de anúncios dispersos realizados pelo
governo, como estratégia para atenuar o impacto político e social que realmente
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tem o pacote de medidas econômicas adotadas3. Como são apresentados na
página oficial do governo, os “56 pontos do acordo surgiram das propostas
feitas pelos empresários do setor privado, depois de instalar seis mesas de
trabalho com o Governo Bolivariano derivado da primeira Conferência da Paz,
instalada pelo Presidente da República, Nicolás Maduro, em 26 de fevereiro
passado”4.
Antes dessa negociação, em janeiro já estava em curso a elaboração do
Sicad II - Sistema Complementário de Administração de Divisas5 - que pôs por
terra o controle cambial que há mais de uma década impedia a livre compra de
divisas dentro da Venezuela e deve dar às empresas e indivíduos mais acesso ao
dólar americano.
Entre os reajustes de preços dos alimentos no comércio privado, por
exemplo, encontra-se o café que teve 64,7% de aumento e o frango que passou
de 18,73 bolívares/Kg para 66 bolívares/kg. A empresa estatal Lácteos Los Andes
manteve dois valores para a garrafa de leite: na rede comercial do governo
(Pdval, Mercal e Bicentenário) o preço ficou em 22,50 bolívar; na rede privada
passou para 42,25 bolívar6.
No comércio estatal foram anunciados os novos valores dos alimentos
básicos, que tiveram uma variação entre 38% e 112%7; ainda assim o
desabastecimento em março chegou a 27% dos produtos. Esses valores afetam
3Heiber Barreto Sánchez, “Venezuela: ¿Un paquete económico al detal?”, Aporrea, 12/05/2014. http://www.aporrea.org/trabajadores/a188022.html 4Agencia Venezuelana de Notícias, “Gobierno y empresarios acuerdan 56 acciones para fortalecer economía productiva”, 13/03/2014. http://goo.gl/vmmxU7 5 O Sicad II consiste em autorizar a venezuelanos a comprar, via agentes bancários, de títulos da dívida venezuelana no exterior, cotada em dólares - algo chamado de "dólar permuta". Depois, após o pagamento de uma comissão ao operador, o comprador pode receber o dinheiro em sua conta no exterior ou manter, se preferir, a posse dos títulos, apostando em sua valorização. "É uma reforma fundamental. A questão cambial vem colocando sérios entraves e, até que isso seja resolvido, não serão resolvidos os problemas econômicos", afirmou à BBC Mundo o analista financeiro Asdrúbal Rivas. 6El Mundo, Lácteos Los Andes tiene un precio en red oficial y otro en la privada, 03/04/2014. http://goo.gl/TEhxdy 7 Últimas Noticias (20/03/14), “Mercal aumenta precios de sus alimentos para atacar el contrabando”, Últimas notícias, 20/03/2014. http://goo.gl/5VOgRg
http://www.aporrea.org/trabajadores/a188022.htmlhttp://goo.gl/vmmxU7http://goo.gl/TEhxdyhttp://goo.gl/5VOgRg
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64% da população que se abastecem nas redes públicas de alimentos8. A
Superintendência dos Preços Justos oficializou o aumento de preços do frango
em 43 bolívares/kg, um reajuste de 129% em relação ao preço anteriormente
fixado. Também isso ocorreu com arroz que subiu 32%, passando de 7.20
bolíbares/kg para 9,50 bolívares/kg; e o açúcar com aumento de 96%, 12
bolívares/kg.9
Os alimentos considerados “não prioritarios”, como manteiga, milho,
açúcar e frutas, entre outros, foram anunciados pelo governo que passariam a ser
importados não mais com a taxa de câmbio Cencoex, fixada em 6.30 bolívares,
mas sim com a taxa do Sicad I, em média com o valor de 10 bolívares10.
O valor das passagens dos transportes urbanos e interurbanos sofreu
também majoração em torno de 40%. Essa medida afeta 80% da população
venezuelana. As reações começaram a surgir, por exemplo, com cerca de trinta
conselhos comunitários que passaram a anular em suas regiões tal medida
publicada na Gazeta Extraordinária nº6.13011 .
O reajuste da gasolina e da tarifa elétrica, nos próximos meses, certamente
é o fechamento momentâneo das draconianas medidas anti-operárias e
antipopulares. O governo nacional anunciou que estuda o aumento desses
produtos e serviços. O ministro de Energia e Petróleo, o poderoso chavista
Rafael Ramírez, também presidente da Pdvsa e vice-presidente na área
Econômica, considera que o atual preço da gasolina não teria sentido12, porque a
Pdvsa deixa de receber por venda na Venezuela e no exterior mais de US$12
bilhões de dólares/ano. Por sua vez, o subsídio atual ao serviço elétrico seria
8 Últimas Noticias (01/04/14). “Lanzan al ruedo propuestas para llenar anaqueles”, Últimas notícias, 01/04/2014. http://goo.gl/BDnW9O 9 El Mundo (28/04/14). “Sundde oficializa alza de precios de pollo, arroz y azúcar”, El mundo, 28/04/2014. http://goo.gl/NXzOzU 10
El Mundo, “Cada vez más se comienzan a atender rubros prioritarios en el Sicad 1”, 02/04/2014. http://goo.gl/2ed3Cz 11 Últimas Noticias, “Opiniones encontradas por aumento de pasaje”, 25/04/2014, p. 4. 12 Últimas Noticias, “Insisten en debate para la gasolina”, 05/05/2014. http://goo.gl/4kWirH
http://goo.gl/BDnW9Ohttp://goo.gl/NXzOzUhttp://goo.gl/2ed3Czhttp://goo.gl/4kWirH
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“dantesco”, pois para o ano de 2012 alcançou a cifra de 4 bilhões e 700 milhões
de dólares13.
Embora a inflação tenha atingido 56% em 2013, o anuncio do reajuste em
30% do salário mínimo não responde às perdas já ocorridas, nem permite
minimamente enfrentar o pacotaço em implementação. O presidente da
Fedecâmaras, Jorge Roig, considerou que o valor decretado em 29 de abril
tenha sido “um aumento moderado a meu juízo”. Neste ano o governo
consultou com “suficiente antecipação” aos empresários sobre tal medida14.
Foi consensuado que haverá anistia econômica para a chamada corrupção
em 2012 e 2013. O governo oferecerá recursos para o agora chamado “setor
produtivo” que são recursos oriundos des fundos chineses, Alba-Mercosur e
Fonden. O objetivo seria acelerar a nova Ofensiva Econômica e Produtiva15. Em
outras palavras, os recursos que seriam destinados a projetos de inversão pública
serão deslocados para os mesmos empresários que, em cumplicidade com os
burocratas estatais, desfalcaram o país entre 2004-2012, de acordo com
declarações do Ministro Jorge Giordani16 e a ex-presidenta do Banco Central da
Venezuela, Edmmé Betancourt17. Entre tais empresários encontram-se aqueles
que, de acordo com o ministro do Interior e Justiça, Rodríguez Torres, capturam
de maneira fraudulenta os dólares que o Cadivi entregou a cerca de 40% de
“empresas maletín”, no ano de 201318. A lista da burguesia empresarial
“parasitária” e a burguesia “burocrática” que se fizeram associadas e em conluio
para roubar os recursos públicos são ameaçadas de divulgação por parte do
governo.
13El Mundo, “Subsidio a la gasolina y a la electricidad entrampan gestión fiscal del Gobierno”, 02/04/2014. http://goo.gl/YADqQ8 14
Últimas Noticias, “Fedecámaras considera "responsable" aumento de 30% del salario mínimo”, 30/04/2014. http://goo.gl/KuIRCL 15
Últimas Noticias, “Gobierno dará a empresarios acceso a fondos en divisas”, 24/04/2014. http://goo.gl/7w7kX8 16
Últimas Noticias, “Giordani: Con el Sitme se llevaron los reales del país”, 17/03/2013. http://goo.gl/PYQiMN 17 Aporrea, “Presidenta del BCV: Parte de los $59.000 millones entregados en 2012 fueron a "empresas de maletín", 24/05/2013. http://goo.gl/xpSIi5 18 Últimas Noticias, “Rodríguez Torres: 40% de empresas que compran dólares son fantasmas”, 12/12/2013. http://goo.gl/KYsZRQ
http://goo.gl/YADqQ8http://goo.gl/KuIRCLhttp://goo.gl/7w7kX8http://goo.gl/PYQiMNhttp://goo.gl/xpSIi5http://goo.gl/KYsZRQ
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A liberação do preço do dólar é outra medida que Maduro prepara. Desta
maneira, os produtos serão importados a preços mais elevados que os atuais,
beneficiando ainda mais a “burguesia parasitária” venezuelana. Além disso,
inevitavelmente os preços gerais ainda mais se elevarão, impondo mais sacrifícios
aos trabalhadores e à população19.
O Instituto Nacional de Terra (Inti) registra um freio na expropriação de
terras de latifundiários, em 2013. Enquanto em 2012, de acordo com o Inti,
foram expropriados 550.494,57 hectares; esse número reduziu-se em 92% para
localizar-se em 43.620 hectares, portanto não alcançando a meta traçada para
aquele ano em 107.669 hectares para a “construção do socialismo agrário”. O
freio desse chamado “socialismo agrário” parece manter-se em 2014, pois o
presidente do Inti, William Gudiño, reuniu-se com 18 associações de produtores
a quem manifestou que o Instituto trabalhe em “sanar erros do passado”. Em
abril disse que o diretório do Inti “aprova semanalmente improcedências de
resgates de terras, a fim de ressarcir algumas medidas em matéria de
regularização e revogar inclusive títulos adjudicados”20
.
O governo de Madura também se comprometeu com o “setor produtivo”
em privatizar empresas de alimentos ineficientes do Estado. Este compromisso foi
proposto ao governo pela Câmara Venezuelana da Indústria de Alimentos
(Cavidea) com a finalidade de “colocá-la a produzir em sua máxima
capacidade”, o que será traduzido em 40 mil toneladas adicionais de açúcar ao
mês, 8 mil de leite e 8 mil de azeite e 25 mil de farinha de milho.
Para muitos chavistas, com tais medidas econômicas Maduro estaria
operando uma guinada à direita e de alinhamento com a burguesia venezuelana.
Ao nosso entender essas negociações e concessões sempre ocorreram, mesmo no
período de Hugo Chávez. A diferença é que, com o aprofundamento da crise
econômica no país, crescente déficit na balança comercial externa e aumento do
endividamento público, não existe margem de concessão para as camadas
19
O primeiro a fazer a previsão dessa medida foi o deputado Ricardo Sanguino, diputado na Assembléia Nacional e presidente da Comissão de Finanças. El Mundo, “Sanguino: `Vamos a un sistema de cambio más flexible’", 03/04/2014. http://goo.gl/f0wvyL 20 El Mundo, “En 2013 Inti frenó política de intervención de tierras”, 08/04/2014. http://goo.gl/rwTnvm
http://goo.gl/f0wvyL
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sociais populares e para a burguesia. Foi necessário priorizar os interesses “mais
importantes”. Desse modo, o chavismo tende a perder sua base social e
convulsionar ainda mais sua base política.
Endurecimento político e repressão contra os protestos oposicionistas
Para se equilibrar frente à onda de protestos contra seu governo, Maduro
adotou duas linhas de ação: crescente repressão militar e institucional; e
negociação com setores da oposição liberal, por um lado, e com empresários,
por outro. Os recursos à repressão e criminalização dos opositores ao governo
estenderam-se à cassação de mandatos de parlamentares e prefeitos. Paralelo à
via do consenso desenvolveu-se desde o Palácio de Miraflores o endurecimento
do regime político contra qualquer força opositora que seja consequente no
questionamento ao governo.
Os acordos econômicos entre governo e burguesia, criticados por muitos
chavistas, impactam ainda mais no cotidiano da população mais pobre. Por parte
do governo existe receio de que o pacotaço de fevereiro de 2014 suscite uma
nova situação semelhante ao que emergiu em dezembro de 1989, que ficou
conhecida como “caracazo”. Essa é a razão principal para que o governo
acelerasse o processo de criminalização e repressão política, trazendo como
“exemplo” os setores de classe média estudantil orientados por setores da
oposição liberal golpista. Ao lado disso, opera o reforçamento das milícias
chavistas nas localidades periféricas e nos morros.
A violência militar estatal e paramilitar contra os protestos estudantis, ao
lado da criminalização das manifestações, prisões, processos e perda de
mandatos, agem no sentido de constituir um clima de medo e naturalização da
violência estatal sobre qualquer forma de protesto social, inclusive dos
movimentos de trabalhadores e movimentos populares. Esse é o ponto central
do controle social e político contra as mobilizações populares. Nesse percurso, o
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governo realiza um processo de endurecimento, principalmente com a iniciativa
baseada na justificativa sobre a articulação de um golpe de estado no país.
O governo venezuelano e as organizações políticas e sociais que o apoiam
afirmam que as manifestações iniciadas em fevereiro passado foram e são
articuladas pelo Departamento de Estado dos EUA e as oposições políticas
conservadoras venezuelanas. Também estariam associadas aos protestos de abril
de 2013, quando 11 pessoas morreram nos confrontos de rua. Esses protestos
teriam semelhança21 com a tentativa golpista contra Chavéz em fevereiro de
200222
.
Para sustentar tal afirmação, o governo articulou um conjunto de “provas”,
registradas pelo Serviço Nacional de Informação Bolivariano (SEBIN), que
pretende uma visão “coerente” sobre tal ação golpista. Nesse aspecto, verdades,
mentiras e informações distorcidas/truncadas23
misturam-se. De qualquer maneira
cabe verificar a versão chavista.
No início de maio, o Ministro do Interior, Justiça e Paz, Rodriguez Torres,
denunciou nacionalmente a articulação do golpe político contra o governo,
envolvendo setores da oposição política liberal, Organizações Não-
Governamentais e organizações estudantis. A novidade não foi a denúncia,
porque esta já havia sido realizada pelo chavismo, mas a sua fundamentação em
21
Não vemos semelhanças no contexto político e ideológico daquele período com o atual. Em primeiro lugar, na ocasião existiam setores nas Forças Armadas que apoiaram a ação golpista. Na atualidade, embora existam, foram desarticulados dos centros nevrálgicos das FFAA. Em segundo lugar, a oposição liberal e burguesa encontrava-se muito fortalecida e unificada em 2002; no período atual encontra-se dividida. Em terceiro lugar, embora o imperialismo estadunidense, por meio de suas diversas instituições, financie setores da oposição liberal e estudantil, no entanto não existe uma posição fechada do imperialismo sobre uma ação golpista nesse período. Por essa razão, o imperialismo investe na mesa de negociação e no desgaste eleitoral do Governo Maduro, e não seguiu o pedido do grupo de Leopoldo López sobre os EUA adotarem medidas de sanção internacional contra o governo venezuelano. 22 Na ocasião Chavéz foi sequestrado do Palácio Miraflores por um dia. Instituiu-se uma junta de poder constituída pela presidente da Fedecâmaras, Carmona, setores militares e políticos e partidos oposicionistas. Na foto de posse encontravam-se lideranças dos atuais protestos, como Leopoldo López e outros. Os EUA, como comprovado documentalmente, apoiou o golpe. Na CNNE, a notícia era de que Chavez havia abandonado o governo. Uma surpreendente reação popular, desencadeada a partir dos bairros populares de Caracas, barrou o movimento golpista e recolocou Chavéz no governo. 23 Ao nosso entender, a versão governista sobre uma direita articulada e financiada por organizações estadunidenses e as posições estadunidenses não são fantasiosas. Embora, a pergunta que nos fica é por que somente agora essas informações vieram a público em cadeia nacional de rádio e televisão?
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“provas” que apoiam a denúncia. De acordo com o ministro, tal orquestração
golpista seria tramada a partir dos EUA porque esse país teria dois objetivos
estratégicos: impedir a propagação continental do ideário bolivariano e
apropriar-se e controlar a maior riqueza petrolífera mundial.
O ministro demarcou com provas documentadas (fotos, vídeos,
documentos etc.) três momentos dessa atual “conspiração”. Em outubro de
2010, no encontro denominado “Festa Mexicana”, participaram os atuais líderes
estudantis, entre os quais Gabriela Arellano e Villca Fernandez, além dos setores
de oposição liberal, como o hoje cassado prefeito de San Cristóban, Daniel
Ceballos, o deputado e dirigente do Vontade Popular, Lester Toledo; o
conselheiro municipal de Caracas, Freddy Guevara, entre outros. Esse encontro
teria traçado ações violentas de rua e o denominado “golpe suave” contra o
governo. Outro momento teria ocorrido em março de 2012, com a definição de
um “Plano País”. Esse plano seria encabeçado por Humberto Prado, diretor do
Observatório Venezuelano de Prisões (OVP), que de acordo com o ministro
fustigou greves de fome e motins entre presos políticos nos centros de reclusão.
Em abril de 2012, seguiria a mesma intenção com o encontro de Organizações
Não Governamentais (ONGs) no qual participaram advogados de direitos
humanos, líderes do Juventude Ativa Venezuela Unida (Javu), entre outros
setores, com o objetivo de planificar ações de rua contra Chavez.
No plano político latino-americano, ainda nessa perspectiva golpista
estariam envolvidos o ex-presidente colombiano, Álvaro Uribe, o ex-presidente
mexicano Vicente Fox e outros personagens políticos latino-americanos em
articulação com os EUA. O financiamento internacional para o movimento
estudantil, ONGs e partidos venezuelanos ocorreria por meio de instituições
como Fundação Nacional para a Democracia (sigla em inglês NED), Freedom
House, Otpor e embaixada estadunidense na Venezuela.
As ações de rua, depois das eleições presidenciais de abril de 2013, seriam
resultado de tais articulações. Na ocasião, Maduro lograra vencer Henrique
Caprilles com uma diferença porcentual muito reduzida de votos (1,7%). A
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oposição denunciou fraude eleitoral e exigia recontagem dos votos, algo que
não ocorreu.
A declaração recente de Nicolás Madura, em 16 de maio, reafirmou as
denúncias do ministro da Justiça, ao sustentar que derrotou um golpe de Estado
em curso no país: “Nós temos derrotado um golpe de Estado continuado que
tem diversos componentes”24
. Em cadeia nacional de rádio e televisão, Maduro
foi mais longe em suas declarações em reunião com as comunas de todo o país,
ao afirmar que setores da própria oposição e informações do serviço secreto
venezuelano indicaram-lhe que ocorrera uma reunião oposicionista para planejar
o golpe de Estado em junho próximo. Ao lado disso, oposicionistas estariam
pagando a grupos de criminosos para assassinar figuras políticas e televisivas
conhecidas25
. Ao contrário da suposta tentativa golpista, indicou por sua vez que
junho seria o mês da “ofensiva revolucionária” bolivariana.
A partir do anúncio de tal golpe em andamento, Maduro apresentou de
fato o objetivo central do chavismo, em suas palavras: “Têm que ir presos todos
esses grupos. Cárcere para os fascistas, cárcere para os terroristas. Que não haja
vacilação no país, isto se combate com a lei, dura lei. (...). Não haverá mão
branda nem impunidade para os golpistas. Tenham o nome que tenham, chame-
se como se chame. O que se meter com a constituição e a paz se verá com a
justiça. Não sou chantagista, não há poder no mundo que possa me dobrar o
braço”26
.
Teodoro Petkoff27
, oposicionista liberal e diretor do periódico Tal cual,
observa que setores governista lutam para configurar um regime de partido
único; isso proveria do que ele chama “politização anticonstitucional das Forças
24 Ender Ramírez Padrino, “Maduro: cárcel para los fascistas”, El nacional, 17/05/2014. www.el-nacional.com/politica/Maduro-dicen-junio-acaba-revolucion_0_410959002.html 25 Ocarina Spinoza, “Maduro: golpistas no han renunciado a sus intenciones”, El universal, 17/05/2014. www.eluniversal.com/nacional-y-politica/140517/maduro-golpistas-no-han-renunciado-a-sus-intenciones 26
Idem. 27 Petkoff, atualmente com 80 anos, participou da luta armada no país, na década de 1960/1970. Apoiou Hugo Chávez nos primeiros anos de seu governo e, depois, passou para o campo da oposição burguesa. Defende a mesa de negociação entre oposições e governo.
http://www.el-nacional.com/politica/Maduro-dicen-junio-acaba-revolucion_0_410959002.htmlhttp://www.el-nacional.com/politica/Maduro-dicen-junio-acaba-revolucion_0_410959002.htmlhttp://www.eluniversal.com/nacional-y-politica/140517/maduro-golpistas-no-han-renunciado-a-sus-intencioneshttp://www.eluniversal.com/nacional-y-politica/140517/maduro-golpistas-no-han-renunciado-a-sus-intenciones
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Armadas e seu papel de sócio do partido governante” em uma aliança civil-
militar28
. Expressão desse fenômeno seria a quantidade de militares ocupando a
estrutura governamental. Dentro das Forças Armadas, esse cenário tem
produzido a marginalização de oficiais que não são solidários ao governo, sendo
que mais de mil oficiais deram baixa ou estão confinados em suas funções, até as
“obscenas amostras de adesão ao governo que em geral fazem suas cúpulas e às
quais se obrigam o resto de seus oficiais e tropas”29
.
Essa tendência de militarização apontada por Teodoro Petkoff, no entanto,
desenvolve-se desde o governo Hugo Chávez, embora ele tenha incorporado no
aparelho estatal setores de sua base social de apoio, especialmente movimentos
populares e setores da burocracia sindical. A tendência principal, no entanto, foi
de cada vez maior influência da burocracia militar (alta hierarquia) em todos os
aspectos da vida social, econômica e política do país. Essa condição explica
também a unidade nas Forças Armadas e seu apoio incondicional no período do
Governo de Hugo Chavez.
Os chefes militares ocupam cargos ministeriais ou de direção em empresas
estatais e órgãos públicos, inclusive em cargos eletivos. Essa tendência se
acentuou em detrimento da presença dos setores populares e sindicais no
governo. Neste sentido, não é casualidade o alto gasto militar, os incrementos
salariais dos militares, as concessões governamentais a este setor e sua
participação em grandes negócios com a permissão do governo.
Maduro continuou essa ofensiva militarizante que já vinha desde os tempos
de Chávez30
. Militarizou a indústria elétrica, argumentando derrotar uma suposta
sabotagem, que estaria sendo causada pelos trabalhadores do setor. Esta é a
resposta do governo à crise do setor elétrico. Militarizou a Ferrominera pelo
conflito com seus trabalhadores. Mas a questão não se reduz a isso, também
existe a intenção de militarizar outras empresas básicas, e colocou renomados
quadros militares em sua direção, como ocorre com o Banco da Venezuela e a
28
Teodoro-Petkoff,“Militarismo y democracia”,Tal Cual, 07/05/2014. www.talcualdigital.com/Nota/visor.aspx?id=102498&tipo=AVA 29 Idem. 30 UST
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Superintendência dos Bancos; assim também ocorreu em muitos governos
provinciais.
Mas o mais preocupante desse assunto é a permanente e repressiva
presença de mais de 3000 efetivos militares nas ruas de Caracas, no marco do
chamado “Plano Pátria Segura”, alegando estar dando uma batalha contra a
insegurança e a delinquência. Este argumento, e concretamente a medida, são
usados para ganhar a simpatia de setores da população, principalmente da
burguesia e da pequena burguesia, que reivindicam a repressão e que querem
que se garanta o seu direito de propriedade. Por outro lado, serve como forma
de controle político e social contra manifestações de massa que possam ocorrer.
Sem Chaves, disputas no governo, enfraquecimento eleitoral e radicalização
O chavismo teve sua principal derrota com a morte de Hugo Chavez Frías
(1954-2013), anunciada em 05 de março. Após a quarta vitória eleitoral em
outubro de 2012, com 57% dos votos, em dezembro daquele ano Chávez
ausentou-se do país destinando-se a Cuba, onde realizava tratamento contra um
câncer desde junho de 2011. Somente retornou a Venezuela em 18 de fevereiro
de 2013. Deste período até o anúncio oficial de sua morte, o líder bolivariano
não realizou nenhuma aparição pública ou declaração. Em seu lugar, ocupou o
cargo o vice-presidente Nicolás Maduro, que já ocupava a posição no mandato
anterior e fora anunciado por Chávez como seu legítimo sucessor. Importa
destacar nesse episódio que Diosdado Cabello foi preterido por Chávez como
seu sucessor.
Em decorrência da centralização política imposta por Chávez, pouco
espaço existiu para que surgissem lideranças com maior envergadura e peso
político no campo chavista. As disputas entre lideranças e grupos políticos foram
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subordinadas à relação autoritária na resolução dos projetos, programas e ações
governamentais, no cenário econômico e político, nacional e internacional.
Por essa razão, as disputas internas no governo encontram-se longe de se
encerrarem nesse momento histórico, embora em momentos decisivos o
chavismo apresente-se coeso em torno de Maduro, como ocorreu na disputa
eleitoral presidencial em 15 de abril e nas eleições de dezembro de 2013 e, a
partir de fevereiro de 2014, no enfrentamento aos protestos sociais.
Dentro do chavismo, em linhas gerais, apresentam-se três correntes políticas
com interesses próprios, disputando os espaços de poder dentro do aparato
estatal (AGRELA, 2013, p.10). Uma das principais alas é formada por dirigentes
oriundos das Forças Armadas. O tenente coronel reformado Diosdado Cabello,
atual presidente da Assembléia Nacional, é figura central desse agrupamento. Ao
lado de Chávez desde a tentativa de golpe militar em fevereiro de 1992, Cabello
é considerado um dos homens mais ricos da cúpula chavista, acusado de
enrequecimento ilícito e um dos representantes da chamada “direita endógena”.
Outra ala dentro do chavismo é próxima aos movimentos populares, sindicais e
intelectuais de esquerda e referencia-se em diversas tendências dentro do PSUV.
Maduro, de origem civil, ex-militante da organização Liga Socialista (de origem
maoista), ex-dirigente sindical, seria o principal representante desta pretensa ala
esquerda do chavismo. Por último, com bastante peso teria a ala formada por
proprietários privados que enriqueceram através de negócios com o Estado,
particularmente aqueles organizados na entidade “Empresários por Venezuela”.
Fazem parte desta ala, inclusive, ex-oficiais do exército feitos burgueses durante
os últimos 14 anos. É a chamada “boliburguesia” venezuelana, ou seja, uma
recente burguesia surgida por dentro do Estado venezuelano no período
chavista.
Com a morte de Hugo Chávez, uma nova eleição presidencial ocorreu. Em
meio à comoção social pelo falecido e de duas derrotas eleitorais da oposição
em 2012, o candidato do MUD Henrique Capriles disputou pela segunda vez a
eleição presidencial ocorrida em abril de 2013. Mesmo em meio à situação de
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comoção nacional, o chavista Nicolás Maduro venceu Capriles com uma
margem de votos muito estreita (1,7%).
Essa situação eleitoral levou a oposição a denunciar o processo como
fraude eleitoral e exigir recontagem dos votos. Inúmeras manifestações e
protestos de rua ocorreram na ocasião, com a morte de 11 manifestantes. Setores
da própria oposição acusaram Capriles de endossar a vitória de Maduro, ao
invés de denunciar e tentar impugnar o processo eleitoral.
Tal quadro político recolocou dentro de setores de oposição burguesa a
questão da tática mais adequada para enfrentar o chavismo, se por via eleitoral
ou nas ruas. De qualquer maneira, a oposição liberal saíra fortalecida e com
grandes perspectivas para as eleições municipais de dezembro de 2014. Neste
sentido, a tática do desgaste eleitoral estaria correto e a posição de Capriles
estaria fortalecida no MUD.
O quadro parecia delineado politicamente. Maduro e o chavismo
perderam uma base social de apoio muito grande, na eleição presidencial de
2013. Tal situação deveu-se ao processo de crise econômica e social em curso no
país, que se intensifica desde o ano de 2012. Nesse sentido, Maduro teria sua
posição política enfraquecida internamente no chavismo como também
externamente. Por sua vez, embora setores da oposição liberal dentro do MUD
questionassem as posições dos setores políticos ligados a Capriles e sua tática,
ainda assim a oposição liberal apresentava-se com possibilidades reais de
crescimento nas eleições de dezembro de 2013 para as administrações
municipais.
Com seu enfraquecimento eleitoral, fragilidade dentro do chavismo e crise
econômica acentuando-se, Maduro passou a negociar com a burguesia por meio
da Fedecâmaras. Esse movimento político ocorreu entre junho e outubro de
2013. Sua popularidade decaía, principalmente porque passou a implementar
medidas antipopulares. Depois desse giro à direita com as negociações com o
empresariado, a partir de meados de 2013 ele deslocou-se novamente, desta vez
para a esquerda. As eleições municipais que ocorreriam em dezembro daquele
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ano paralisaram as negociações com a Fedecâmaras. Passou a adotar medidas de
caráter popular, como o congelamento dos preços de produtos (Preços justos) e
perseguição e prisão de comerciantes que tirassem as mercadorias das prateleiras
ou elevassem os preços. Seria o que chamou de “guerra econômica” contra a
burguesia parasitária. A inflação crescente, na visão dos chavistas, seria resultado
intencional contra o governo e o povo.
Esse movimento permitiu ao chavismo vencer as eleições de dezembro de
2013, na maior parte dos municípios venezuelanos, recompondo-se da perda
ocorrida na eleição presidencial, em abril daquele ano.
De outra maneira, a derrota da oposição liberal em torno do MUD
possibilitou novamente a retomada da questão da tática de enfrentamento ao
chavismo. Henrique Capriles saiu enfraquecido com a derrota ocorrida. Para o
setor ligado a Leopoldo López a saída deveria ser pelas ruas.
A perspectiva das organizações sindicais e esquerda política não-chavistas
A gravidade do quadro econômico e político no país levou à tentativa de
articulação de um campo sindical e popular que tenha como perspectiva uma
alternativa econômica e política sob o ponto de vista dos interesses dos
trabalhadores e das camadas sociais populares. Nessa perspectiva anti-chavista e
antiburguesa, cerca de 150 dirigentes sindicais, estudantes, indígenas e ativistas de
movimentos populares realizaram no dia 21 de março passado um Encontro
Sindical e Popular31 com o objetivo de constituir uma resposta à crise econômica
e política. Foi proposto nesse encontro um Plano Econômico e Social Alternativo
que exige: aumento geral de salários e salário mínimo igual à cesta básica de
31 Esse encontro foi convocado e articulado pela Corrente Classista, Unitária, Revolucionária e Autônoma (C-cura), entidade sindical encabeçada por sindicalistas como Orlando Chirino e José Bodas, pela União Nacional dos Trabalhadores (Unete) e outras organizações.
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alimentos; nacionalização da indústria petrolífera sem empresas mistas;
desenvolvimento de empresas básicas; confisco dos capitais das empresas que
realizam importações fraudulentas com divisas a taxas preferenciais. Em relação
às questões políticas, exige a anulação dos processos judiciais contra os
trabalhadores, camponeses e indígenas e em geral todos os processados por
protestar ou defender seus direitos; assim como investigação independente sobre
as violações aos Direitos Humanos no marco da onda de protestos em fevereiro
deste ano, entre outras exigências.
Na declaração emitida em abril pela C-Cura e outras organizações ficaram
evidentes as preocupações e objetivos principais para o encontro: “os
trabalhadores e os setores populares não podemos marchar atrás do governo
que nos criminaliza e descarrega a crise econômica sobre nossos ombros, em
acordo com a Fedecâmaras. Tampouco podemos marchar com a oposição que
pretende apresentar-se aos trabalhadores e ao povo como uma opção para
resolver a crise econômica e social de nosso país. (...). De igual maneira
rechaçamos toda ingerência imperialista (...). Está claro que devemos e
necessitamos mobilizarmo-nos de maneira independente, autônoma e classista
para poder enfrentar o pacote econômico do governo e Fedecâmaras, que está
contemplado também no programa econômico da MUD, e ao mesmo tempo
defender as liberdades democráticas”.
As preocupações apontam para a necessidade de uma organização dos
trabalhadores que se coloquem contra as medidas econômicas e políticas do
governo, independentes da oposição liberal e contra o imperialismo. Também
caracteriza o quadro de negociações e interesses existentes entre governo e
burguesia, especialmente presente nas medidas econômicas antipopulares
(pacote) adotadas. Mas importa observar também a preocupação com a defesa
das liberdades democráticas no país, uma vez que elas são fragilizadas pela onda
generalizada de repressão que se apresentam contra os protestos sociais.
As tentativas de organização sindical pela esquerda e de uma perspectiva
classista são limitadas e ainda frágeis, em razão principalmente do forte cerco
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ideológico, político e organizativo imposto pelas organizações sindicais chavistas.
Ao lado disso, a perspectiva governista é localizar todos os opositores como
contra-revolucionários.
Considerações finais
A crise econômica mundial que provoca convulsões sociais nos quatro
continentes e desestabiliza governos independentemente do regime político,
chegou definitivamente à América do Sul. No subcontinente a porta de entrada
dessa crise parece ser justamente os principais governos de Frente Popular que
ascenderam no fim do século XX e início do século XXI e que não romperam
efetivamente com os preceitos do grande Capital. É nesse contexto histórico que
se desenvolve a tríplice crise venezuelana: crise econômica, política e social.
Apesar de dinâmico, o quadro econômico e político venezuelano permitem
algumas afirmações provisórias. Existe uma rápida deterioração econômica no
país que se acentua sobre os trabalhadores, setores populares e, também, sobre
as classes médias no país. As medidas econômicas antipopulares negociadas entre
o governo e a Fedecâmaras deixam muito nítido o desdobramento desse
momento: o aprofundamento da crise ocorrerá sobre a população. Por sua vez,
o endividamento público continuará se agigantando, ficando nítido que o
governo chavista manteve-se ao longo de sua existência preso à lógica do capital
financeiro internacional. As medidas repressivas adotadas contra os protestos
sociais estudantis e da oposição liberal burguesa indicam também o
aprofundamento da repressão contra os setores populares e trabalhadores que se
confrontarem com o governo e a burguesia. Exemplo disso é a repressão policial
ocorrida contra a ocupação de várias fábricas por trabalhadores realizada pela
Guarda Bolivariana Nacional e outros esquemas repressivos. É possível que se
aprofunde as críticas e divisões políticas internas no chavismo. Tal possibilidade
abre a discussão sobre o que ocorrerá com a base política ligada aos movimentos
sociais chavistas? Diante do “pior” que seria o retorno da oposição burguesa ao
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governo, qual será a perspectiva desses setores? Enquanto isso, depois de muitos
anos, o cenário político parece se descortinar para a oposição burguesa que até o
momento beneficia-se desse rápido e irreversível desgaste do chavismo e sua
expressão cadavérica em torno de Nicolás Maduro.
Para o setor da MUD ligado a Henrique Capriles, interessa o plano original
do imperialismo para a Venezuela, desde o fracasso do golpe em 2002. Esse
plano consiste no desgaste político do chavismo por dentro do processo
institucional e retomar o poder pela via das eleições. Portanto, não seria
objetivo central desencadear ondas de manifestações que possam escapar do
controle da direita.
Evidencia-se que, embora seja um setor de direita quem convocou os
protestos, foram desencadeadas forças sociais cujos rumos não estão definidos,
uma vez que tais manifestações somente foram possíveis porque partiram de
bases concretas como os problemas econômicos e sociais que afetam não
somente a classe média, mas também a grande parte dos trabalhadores do país.
Esse fato abre a incógnita se essas manifestações avançam ou não para os setores
populares. Nesse sentido, tanto a direita ligada a Henrique Capriles como o
Governo Maduro parecem pactuar do mesmo desejo: liquidar as manifestações,
antes que o inverso se torne verdadeiro.