MARIA ANDRÉA DE MACHADO E BUSTAMANTE VIEIRA
SINCRETISMO PROCESSUAL: Análise das tutelas mandamentais e executivas lato sensu como técnicas
potencializadoras da efetividade das decisões judiciais.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ CURITIBA
2006
TERMO DE APROVAÇÃO
MARIA ANDRÉA DE MACHADO E BUSTAMANTE VIEIRA
SINCRETISMO PROCESSUAL: Análise das tutelas mandamentais e executivas lato sensu como técnicas
potencializadoras da efetividade das decisões judiciais
Dissertação aprovada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em
Direito das Relações Sociais no Programa Interinstitucional com a Faculdade de
Direito do Sul de Minas pela seguinte banca examinadora:
Orientador: Professor Doutor Edson Ribas Malachini
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Prof.
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Curitiba, ___ de __________ de 2006.
MARIA ANDRÉA DE MACHADO E BUSTAMANTE VIEIRA
SINCRETISMO PROCESSUAL:
Análise das tutelas mandamentais e executivas lato sensu, como técnicas pontencializadoras da efetividade das decisões judiciais.
Dissertação apresentada à banca examinadora da Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Jurídicas, Programa de Pós Graduação em Direito, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito das Relações Sociais no Programa Interinstitucional de Mestrado com a Faculdade de Direito do Sul de Minas, sob a orientação do Professor Doutor Edson Ribas Malachini.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ CURITIBA
2006
Ao Valdomiro;
Por ter acreditado e visto, o que nem
eu mesmo via ou acreditava. E me
fazer ver. E me fazer acreditar.
Por ter me ensinado, por sua
conduta, que é possível vencer, sem
renunciar aos valores.
Por, mais que marido, ser meu
companheiro nessa viagem.
Por estar a meu lado (e só Deus
sabe com que paciência) todos os
dias, em todas as situações.
ii
AGRADECIMENTOS
Aos Professores Doutores Abili Lázaro Castro de Lima, Eroulths
Cortiano Júnior, Celso Luiz Ludwig, Juarez Cirino dos Santos, Luiz Edson
Fachin, César Serbena, Ivan Guérius Curi, Ricardo Marcelo Fonseca,
Clémerson Mérlin Clève, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho e Aldacy Rachid
Coutinho, pela generosidade e abnegação com que, enveredando pelos
rincões das Minas Gerais, ofereceram-nos a possibilidade de sonhar outros
sonhos.
Ao Professor Doutor Edson Ribas Malachini que, com toda a paciência e
dedicação, a par das limitações apresentadas por essa sua humilde discípula,
tornou, com suas orientações, possível esse trabalho.
Ao Professor Dr. Carlos Abel Guersoni Rezende, diretor da Faculdade
de Direito do Sul de Minas, pela oportunidade conferida e por acreditar sempre
na possibilidade de evolução.
À minha mãe e irmãos, Tia Leda e Tia Sônia, por me propiciarem viver
todos os dias a plena extensão do significado família, dando o suporte
necessário para resistir às intempéries do caminho. À meu pai, Mãe Lourdes e
Tia Mariinha, saudades!
À Ana e Shirlei, meus dois braços direitos (apesar da Shirlei insistir em
usar o esquerdo), sem as quais, cuidando da realidade, não seria possível se
buscar os sonhos.
Aos meus Bá e Dudu, razão e força dessa caminhada.
À Deus. À Ele sempre, toda honra e toda glória.
iii
“Primeiro o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.”
“ A titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação.”
“O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar o direito de todos.”
Mauro Cappelletti
Acesso à Justiça
iv
SUMÁRIO RESUMO.......................................................................................................................vii ABSTRACT...................................................................................................................viii INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 01 CAPÍTULO I – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL 1. Breves linhas sobre a formação histórica dos processos civis modernos.............. 12 1.1. O processo civil brasileiro ................................................................................ 33 1.2. Raízes históricas das técnicas de prestação jurisdicionais análogas às tutelas mandamentais e executivas lato sensu ....................................................................... 40 CAPÍTULO II – ESTADO E JURISDIÇÃO: DO ESTADO LIBERAL AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 2. Noção de Estado e prestação jurisdicional sob a ideologia liberal-burguesa......... 47 2.1. A prestação jurisdicional - direito material e direito processual ....................... 55 2.2. Transição do Estado Liberal para o Estado Democrático ............................... 61 2.3. Novo Papel do Estado: Estado Democrático de Direito .................................. 65 CAPÍTULO III – DIREITO FUNDAMENTAL À TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 3. Direitos fundamentais ............................................................................................ 68 3.1. A ordem jurídica instituída como fator de pacificação social – o processo e sua dimensão ..................................................................................................................... 74 3.2. A função jurisdicional do Estado sob a baliza constitucional ........................... 84 3.2.1. A tutela jurisdicional ......................................................................................... 89 3.2.1.1. Direito à tutela jurisdicional eficaz e efetiva ............................................... 92 3.2.1.2. Direito à razoável duração do processo .................................................... 95 3.2.1.3. Direito à efetividade da tutela jurisdicional como direito fundamental ..... 101 CAPÍTULO IV - CLASSIFICAÇÃO DAS AÇÕES E SENTENÇAS 4. Da classificação trinaria à classificação quinária .............................................. 102 4.1. Ação e sentença declaratória ........................................................................ 108 4.2. Ação e sentença constitutiva ......................................................................... 111 4.3. Ação e sentença condenatória ...................................................................... 112 4.4. Classificação quinária .................................................................................... 124 4.4.1. Ação e sentença Mandamental e executiva lato sensu ................................. 128 4.4.1.1. Ação e sentença mandamental ............................................................... 130 4.4.1.1.1. Situações jurídico-materiais que reclamam tutela mandamental ...... 153 4.4.1.1.2. Funções técnico-processuais habilitadas pela tutela mandamental - Medidas de coerção indireta, v.g. multa e pena de prisão ....................................... 158 4.4.1.2. Ação e sentença executiva lato sensu ..................................................... 164 4.4.1.2.1. Situações jurídico-materiais que reclamam tutela executiva lato sensu .................................................................................................................. 183
v
4.4.1.2.2. Funções técnico-processuais habilitadas pela tutela executiva lato sensu - Medidas de coerção direta e sub rogação .................................................... 188 4.4.1.3. Eficácia proces sual comum às tutelas mandamentais e executivas lato sensu conforme modelo nacional .............................................................................. 190 4.4.1.3.1. Tutela específica da obrigação .......................................................... 191 4.4.1.3.2. Resultado prático equivalente ............................................................ 194 4.4.1.3.3. Conversão em pecúnia ...................................................................... 197 CAPÍTULO V – O SINCRETISMO PROCESSUAL ATRAVÉS DAS TUTELAS MANDAMENTAIS E EXECUTIVAS LATO SENSU COMO TÉCNICAS POTENCIALIZADORAS DA EFETIVIDADE DAS DECISÕES JUDICIAIS 5. Da mitigação do princípio da separação dos processos ................................... 201 5.1. A potencialidade do sincretismo processual através das tutelas mandamentais e executivas lato sensu para impressão de efetividade às decisões judiciais .......................................................................................................................214 CONCLUSÃO ........................................................................................................... 221 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 231
vi
RESUMO
Como direitos fundamentais constitucionalmente garantidos em nosso ordenamento jurídico, encontram-se o acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva. A função jurisdicional do Estado, sob esse enfoque, passa a ser vista à luz da efetiva tutela jurisdicional dos direitos, das novas necessidades do direito substancial. O processo e os procedimentos, assim como as decisões judiciais por eles concedidas, assumem a função de técnica para a prestação efetiva da tutela jurisdicional. Na realização desse desiderato, foram efetuadas profundas modificações no ordenamento jurídico processual, que, rompendo com a doutrina clássica, evidenciaram a existência de situações em que a cognição e execução se realizam na mesma relação jurídico-processual. Tais situações, antes tidas como exceção ao princípio da autonomia recíproca entre cognição e execução, afiguram-se atualmente como tendência a se tornar preponderante, de modo a se considerar estarmos diante de um novo princípio jurídico. O denominado sincretismo processual promove a integração das atividades cognitivas e executivas na mesma relação jurídico-processual, de modo a empregar efetividade à prestação da tutela jurisdicional. As tutelas mandamental e executiva lato sensu, imprimem o sincretismo processual, viabilizando tanto atos cognitivos como executivos no mesmo processo, tornando, desta forma, tanto quanto possível, flexível e efetivo o direito subjetivo material constante da decisão judicial.
Palavras-chave: efetividade – tutela jurisdicional – sincretismo processual - tutela mandamental – tutela executiva lato sensu.
vii
ABSTRACT Access to justice and effective legal protection are fundamental rights
ensured by the Constitution in our legal system. The State jurisdictional function thus approached is viewed in the light of the effective jurisdictional protection of rights, the new necessities of the substantive law. The process and the procedure as much as the legal decisions granted by them assume the function of techniques for rendering effectively jurisdictional protection. To accomplish this aim deep changes were made in the procedural legal system which broke off with the classic doctrine and showed clearly the existence of situations in which cognition and execution are accomplished in the same procedural-legal relation. Such situations previously viewed as exception to the mutual autonomy principle between cognition and execution today represent a trend to become preponderant in such way as to be concluded that we are in the face of a new legal principle. The so-called procedural syncretism promotes the integration of the cognitive and executive activities in the same procedural-legal relation in such way as to employ effectiveness to the rendering of legal protection. The latu sensu protection of the legal order and the execution imprint the procedural syncretism by making feasible not only the cognitive but also the executive acts in the same process thus making flexible and effective as much as possible the material subjective right in the legal decision.
Key-words: effectiveness – jurisdictional protection – procedural syncretism – the legal order protection – the execution lato sensu protection.
viii
INTRODUÇÃO
Nossa Constituição erigiu como pilar base do ordenamento jurídico a
dignidade da pessoa humana, conforme artigo 1º, III1, da Carta de 1988. Como
garantia2 constitucional prevista no inciso X3 do artigo 5º, traz a inviolabilidade
dos direitos da personalidade. Em mesmo artigo, inciso XXXV4, erige o direito
subjetivo a jurisdição e a garantia de que a lei não excluirá de apreciação pelo
Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito.
A recente inclusão, através da Emenda Constitucional 45, de 08 de
dezembro de 2004, ao artigo 5º da Carta Política, do inciso LXXVIII5, que traz a
1A Constituição de 1988 optou por não incluir a dignidade de pessoa humana entre os direitos fundamentais, inseridos no extenso rol do art. 5º. No entanto, a opção constitucional brasileira, quanto á dignidade da pessoa humana, foi considerá-la, expressamente, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, consignando-a no inciso III do artigo 1º “Art. 1º: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III – a dignidade da pessoa humana.”(Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1998.) 2 Vale-se aqui da distinção apresentada por José Afonso da SILVA sobre direitos e garantias dos direitos, pela qual, em linhas gerais, os direitos são bens e vantagens conferidas pela norma, ao passo que as garantias são os meios destinados a fazer valer esses direitos, são instrumentos pelos quais se asseguram o exercício e gozo daqueles bens e vantagens. (SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000. p. 413.) 3“Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;” (Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1998.) 4“Art. 5º (...) : XXXV- a lei não excluirá da apreciação pelo Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”(Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1998.) 5“Art. 5º:(...) LXXVIII- a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” (Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1998.) Segundo Luiz Rodrigues Wambier, a garantia de razoável duração do processo constitui desdobramento do princípio já estabelecido no inciso XXXV. Argumenta tal autor que como a lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, é natural que a tutela a ser realizada pelo Poder Judiciário deve ser capaz de realizar, eficazmente, aquilo que o ordenamento jurídico material reserva à parte. Conclui assim que, eficaz é a tutela jurisdicional prestada tempestivamente, e não tardiamente. (WAMBIER. Luiz Rodrigues. Breves comentários à nova sistemática processual civil: emenda constitucional n. 45/2004 (reforma do judiciário); Lei 10.444/02; Lei 10.358/2001 e Lei 0.352/2001. Luiz Rodrigues Wambier, Tereza Arruda
2
declaração inequívoca da garantia de duração razoável do processo, veio
sedimentar o mote perseguido pelo sistema jurídico brasileiro e, como
conseqüência, aclarar ainda mais a função do processo civil como meio de
realização prática, de materialização efetiva dos direitos essenciais
assegurados.
Não obstante a previsão de direitos e garantias constitucionais, o Código
de Processo Civil brasileiro, até 1994, desconsiderava totalmente os valores da
Constituição Federal, vez que apresentava estrutura incompatível com a
garantia adequada e efetiva dos direitos previstos na Carta Política. Em seu
conjunto, a Lei 5.869 de 11 de janeiro de 1973, apresentava mecanismos
morosos, paternalistas, de alto custo e, sobretudo, “preocupado com as tutelas
patrimoniais em detrimento das tutelas protetivas dos direitos da
personalidade”.6
Assim é que, seguindo a tendência mundial na busca de modelos
processuais mais ágeis, que desempenhem mais efetivamente sua função
social de pacificação dos conflitos, teve início em 1994, a primeira das
chamadas “ondas reformistas” do Código de Processo Civil brasileiro. 7
Nesse primeiro momento, representado pelas Leis 8.898 de 29 de junho
de 1994, 8.950 de 13 de dezembro de 1994, 8.951 de 13 de dezembro de
1994, 8.952 de 13 de dezembro de 1994, 8.953 de 13 de dezembro de 1994 e Alvim Wambier, José Miguel Garcia Medina. 3. ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Trbunais, 2005. p. 26.) 6 ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo. A terceira onda reformista do Código de Processo Civil – Leis n 11.232/2005, 11.277/2006 e 11.276/206. in Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre: Síntese, v. 7, n. 40, mar./abr., 2006. p. 89. 7 Não obstante a referência aos anos de 1994 e 1995, como período no qual se deu a primeira onda de reformas do Código de Processo Civil brasileiro em busca de maior efetividade na prestação jurisdicional, de se mencionar as mudanças significativas havidas nos anos de 1992 e 1993, através das Leis 8.455 de 24 de agosto de 1992, que dispunha sobre a produção da prova pericial, e 8.710 de 24 de setembro de 1993, que estendeu a possibilidade de citação pelo correio a todos os casos não excetuados pela própria, que já buscavam tornar mais rápido e simples os trâmites legais.
3
9.079 de 14 de julho de 1995, buscou-se, de maneira geral, suprimir
procedimentos que representavam retardo desnecessário ao processo e criar
mecanismos de agilização da prestação jurisdicional.
Embora contributivas, as alterações efetuadas por referidas leis foram
insuficientes para que se alcançassem os resultados pretendidos, motivo pelo
qual, iniciou-se a segunda onda reformista, realizada pelas Leis 10.352 de 26
de janeiro de 2001, 10.358 de 27 de dezembro de 2001 e 10.444 de 07 de abril
de 2002. Nessa ocasião, foram afetadas, sobretudo, a sistemática recursal e o
processo de conhecimento, pela consolidação da existência e eficácia das
decisões mandamentais.
Essas reformas, conjugadas com aquelas implantadas pela terceira
onda reformista, da qual se falará sucintamente em seguida, imprimiram o
modelo sincretista de tutela jurisdicional, em antagonismo e tentativa de
superação do clássico modelo de divisão das tutelas, até então dominante em
nosso ordenamento processual, que determina a necessidade de um duplo
mecanismo jurisdicional para se atingir o mesmo fim. Nesse sentido, a criação
do instituto da antecipação da tutela jurisdicional e o reconhecimento de efeitos
mandamentais e executivos no processo de conhecimento, tornaram possível a
cognição e a execução em uma única demanda.
A “terceira onda” reformista veio sedimentar essa tendência sincrética,
através das Leis 11.187 de 19 de outubro de 2005, 11.232 de 22 de dezembro
de 2005, 11.276 e 11.277, ambas de 07 de fevereiro de 2006, e 11.280 de 16
de fevereiro de 2006.
Dentre as alterações havidas no código processual pelas “ondas
reformistas” referidas, destaca-se para os fins do trabalho proposto, a Lei 8.952
4
de 13 de dezembro de 1994, com a alteração promovida no artigo 4618, e
posterior inclusão a este, dos parágrafos 5º e 6º9, bem como o artigo 461-A, e
seus parágrafos10, pela Lei 10.444 de 07 de maio de 2002. Tais alterações
sedimentaram a incidência dos efeitos mandamental e executivo lato sensu aos
provimentos jurisdicionais no tocante as obrigações de fazer, não fazer e
entrega de coisa e, desta forma, tornaram possível a cognição e execução em
uma única demanda.
Através destas técnicas há, conforme dito, um sincretismo11 processual,
entendido como a simultaneidade de cognição e execução no mesmo
8“Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.” (Código de Processo Civil brasileiro.) 9 “Art. 461.(...) § 5º. Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. § 6º.O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou periodicidade da multa, caso verifique se tornou insuficiente ou excessiva.”( Código de Processo Civil brasileiro.) 10 “Art. 461-A.Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação. § 1º. Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e quantidade, o credor a individualizará na petição inicia, se lhe couber a escolha; cabendo ao devedor escolher, este entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz. § 2º. Não cumprida a obrigação no prazo estabelecido, expedir-se-á em favor do credor mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse, conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel. § 3º. Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos §§ 1º a 6º. do art. 461.” (Código de Processo Civil brasileiro.) 11 Cabe, de início, apresentar a diferenciação conceitual da expressão “sincretismo” adotada no trabalho. Não se trata de expressão sinônima de “sincretismo jurídico”, conforme adotado em tempos passados pela ciência jurídica, que considerava a ação como um aspecto do direito material, e que tem na postura autonomista do processo sua antítese natural. A expressão sincretismo, conforme entendimento adotado no trabalho, refere-se ao sincretismo processual, revelado na união dos processos de conhecimento e de execução em uma mesma relação jurídico-processual, conforme utilizada na doutrina brasileira por Cândido Rangel Dinamarco, fazendo também referência às “ações sincréticas”, Ovídio A. Baptista da SILVA. De uma maneira geral, após as reformas processuais, sobretudo após a Lei 10.444 de 02 de abril de 2002, os processualistas têm feito referência, por vezes com expressões diferenciadas, ao modelo sincretista de tutelas incorporado ao código processual. Cita-se, como exemplo, a doutrina de Marcelo Lima GUERRA, que é taxativo ao afirmar que: “A Lei 10.444/2002, veio a generalizar a adoção do modelo do “processo sincrético”ou “processo com predominante função executiva”para a tutela executiva das obrigações de entregar coisa, fazer e não fazer, que já não estivessem consagradas em títulos executivos extrajudiciais.”(GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 32-33.) Por seu turno, Joel Dias FIGUEIRA JÚNIOR, v.g. define as ações sincréticas, como: “todas as demandas que possuem e seu bojo intrínseca e concomitantemente cognição e execução, ou seja, não apresentando a dicotomia entre conhecimento e executividade, verificando-se a satisfação perseguida pelo jurisdicionado numa única relação jurídico-processual, onde a decisão interlocutória de mérito (provisória) ou a sentença de procedência do pedido (definitiva) serão auto-exequíveis.”(FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Ações
5
processo. A possibilidade de satisfação no processo de conhecimento, por
meio de atos executivos do direito material, supera em certas situações a
dicotomia processual até então dominante pelo processo clássico, pautado na
dualidade processual.
Porém, segundo procurar-se-á demonstrar no trabalho, é preciso mais
que a edição de leis para se buscar realizar os direitos e garantias
constitucionais; importa que seja formada uma nova mentalidade para se
pensar o direito processual civil, não em uma dimensão autônoma em relação
ao direito material, como mero instrumento insensível e desvinculado da efetiva
realização daquele. Tampouco deve ser pensado, em sentido inverso,
conforme a idéia de legitimação pelo procedimento, no importe em que, a
perfeição das garantias processuais, legitimaria a justiça material resultado do
processo.
A garantia fundamental, constitucionalmente assegurada, da efetividade
da tutela jurisdicional, passa pela realização específica do direito material no
mundo dos fatos, através de um processo tempestivo, adequado e efetivo12.
Para tanto, urge que o processo seja visto em uma relação de
interdependência com o direito material, de modo que os procedimentos não
sincréticas e embargos de retenção por benfeitorias no atual sistema e no 13º Anteprojeto de reforma do Código de Processo Civil – Enfoque as demandas possessórias. Revista de Processo. São Paulo: RT, n. 98, abr/jun., 2000. p. 11.) 12 É nesse sentido que Ricardo Rodrigues GAMA, afirma: “Estamos, com as reformas, tentando aproximar novamente o direito processual do direito material. Chegou-se a conclusão de que o processo só tem razão de existir em função da afirmação do direito lesado ou ameaçado, em relação de direito material. A superação da instrumentalidade pura do processo, considerado a si mesmo, está por chegar ao fim. Agora, a instrumentalidade tende a ligar o processo ao direito material (como já foi no passado). É a partir das relações de direito material que surgem as relações de direito processual, e isso é inegável. A afirmaçõ da existência do direito é que dá ensejo ao surgimento da relação processual, a qual pode terminar por não tutelar o direito, se este, na realidade, não existir.”(GAMA, Ricardo Rodrigues. Efetividade do processo civil. São Paulo: Copola, 1999. p. 10.)
6
sejam neutros às tutelas previstas no direito substancial, mas antes devam
responder àqueles e à realidade social.
A maneira como essa nova mentalidade deve ser construída, passa pelo
entendimento do processo visto à luz dos valores da Constituição. O direito à
tutela jurisdicional efetiva, garantido pelo artigo 5º, XXXV, assegura a
prerrogativa ao jurisdicionado de um procedimento apto a atender o pleito
formulado, a efetiva pretensão à tutela jurisdicional exercida. Em contrapartida,
o Estado tem o dever de proteger os direitos garantidos, dotando o sistema
processual de instrumentos idôneos e efetivos para a realização concreta das
pretensões levadas a Juízo.
O que se percebe, no entanto, é uma evidente incapacidade do
processo civil clássico para atender às necessidades concretas provenientes
das novas situações de direito material, de modo a garantir a efetividade
desses direitos.13
O modelo tradicional de processo de conhecimento esgotou sua
funcionalidade. O procedimento ordinário ignora a realidade social e as
necessidades dos direitos. As modificações da sociedade e do Estado
impuseram à necessidade da existência de instrumentos aptos a dar resposta
aos reclamos sociais. Há um imperativo social no sentido da formatação de
sentenças diferenciadas a partir do direito material14 a ser protegido.
13 Como bem observa José Roberto dos Santos BEDAQUE: “O Código de Processo Civil brasileiro, não obstante exemplo de aprimoramento técnico, constitui diploma distante das necessidades da sociedade moderna, voltada precipuamente para uma categoria de interesses, cujas características e peculiaridades foram praticamente ignoradas pelas regras instrumentais.”(BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1997. p. 13.) 14 Conforme enfatiza Luiz Guilherme MARINONI: “se o direito material é dependente, em nível de efetividade, do direito processual, é evidente que uma sociedade plural e democrática não pode conviver com o mito da uniformidade procedimental e com um processo civil que contemple apenas algumas
7
Com tais considerações, deixa-se antever a idéia basilar do trabalho,
segundo a qual, o fim do processo deve ser detectado nas necessidades do
direito material,15 ou nos resultados materiais que o processo deva gerar para
atendê-las, a partir da “conscientização de que a importância do processo está
em seus resultados”16. Advém daí a importância de identificar os direitos
materiais garantidos em determinada razão de tempo/espaço e os mecanismos
processuais existentes aptos a prestá-los, de modo a entender o processo civil
à luz da história, da realidade social e do Estado a que se liga17.
Esse contexto histórico-social no Brasil, conforme objeto específico de
investigação, parte do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva e foca no
sincretismo processual, manifestado pelas tutelas mandamentais e executivas
lato sensu, como técnica potencializadora da efetividade18 das decisões
judiciais, portanto, da efetividade da tutela jurisdicional19.
posições sociais”. (MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 92.) 15 José Roberto dos Santos BEDAQUE, é enfático ao afirmar que: “O reconhecimento da necessidade de os institutos processuais serem concebidos a partir do direito material resulta da inafastável coordenação entre tais ramos da ciência jurídica. Preserva-se a autonomia do processo com a aceitação de se tratar de realidades que se referem a patamares dogmáticos diferentes. “(BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Ob. cit. p. 14.) 16 Ibid. 17 Sobre a necessidade de conformação e leitura do direito positivado a partir de dada realidade social, Lênio Luiz STRECK ensina que não se deve confundir texto e norma. Enquanto o texto é expresso pelo significado de base, a estrutura lingüística, a norma é o sentido que o texto adquire em conformidade com a complexidade social à qual é exposto. Assim: “o texto pode gerar várias normas. E a passagem do tempo passa a ser condicionante da alteração do sentido do texto.”(STRECK, Lênio Luiz. A dupla face do princípio da proporcionalidade e o cabimento do mandado de segurança em matéria criminal: superado o ideário liberal-individualista-clássico.in Processo Civil – aspectos relevantes. Coord. Bento Herculano Duarte e Ronnie Preuss Duarte. São Paulo: Editora Método, 2005/2006. p. 143.) 18 Tratando da efetividade, ensina Luiz Guilherme MARINONI, que “O novo processo não pode mais ser visto como técnica neutra, mas como instituto que sabe que, da mesma forma que todos não são iguais, as situações que constituem os litígios não tem igual valor jurídico. Com efeito, a efetividade não é valor em si. Ao contrário, a sua significação somente pode ser descoberta quando verificado o valor que a protege. Em outros termos: a efetividade somente possui relevância quando objetiva dar concretude aos valores protegidos pela Constituição Federal.”( MARINONI, Luiz Guilherme. A efetividade da multa na execução da sentença que condena a pagar dinheiro. In Processo Civil: aspectos relevantes. Coord. Bento Herculano Duarte e Ronnie Preuss Duarte. São Paulo: Editora Método, 2005/2006. 152-153.) 19 Embora objeto específico de análise adiante, convém, de antemão, traçar distinção acerca do entendimento adotado no trabalho quanto ao concepção da expressão "tutela jurisdicional”. Guardando
8
O tema é trazido à baila como conseqüência de uma indisfarçável crise,
cujos sintomas não se manifestam exclusivamente no âmbito do Judiciário,
mas logra extensão nas instituições sociais de um modo geral, identificando-se
mesmo uma crescente descrença na capacidade do Estado e em suas
instituições, consideradas a partir de sua formação liberal-burguesa, para o
desempenho útil de seu papel frente aos novos matizes sociais.
Sob o prisma da nova ordem jurídica representada pelo Estado
Democrático de Direito, de matiz constitucional, o acesso à justiça e à tutela
jurisdicional efetiva e eficaz representam suporte imprescindível ao exercício da
cidadania e à própria dignidade do indivíduo, consubstanciando-se em direito
fundamental. A denegação de prestação jurídica efetiva fere não só um direito
de cidadão, mas a própria dignidade de ser humano e, por conseqüência,
macula a função jurisdicional do Estado, enquanto instrumento para a
realização dos direitos fundamentais. A tutela jurisdicional efetiva e em tempo
hábil, através de um processo que atenda os ditames constitucionais, constitui
direito fundamental da pessoa humana.
Vivemos, atualmente, tempos norteados pelo (re) descobrimento dos
direitos humanos, pela impressão de dignidade a esses direitos e ao próprio
ser humano, pela coletivização dos direitos, em suma, vivemos tempos onde o
ser humano toma o centro do ordenamento jurídico e social.
Essas intensas transformações sociais reclamam do Estado, enquanto
detentor exclusivo do poder jurisdicional, instrumentos hábeis a efetivar o
direito garantido pelas normas substanciais. Na realização de sua razão de ser,
íntima ligação com o conceito de jurisdição dele não é sinônimo. Nas palavras de Ricardo Rodrigues GAMA: “enquanto a tutela jurídica está sempre ligada ao bem para o qual se busca a proteção, a atividade jurisdicional constitui a própria jurisdição.”(GAMA, Ricardo Rodrigues. Ob. cit. p. 13.)
9
mais do que prever direitos, cabe ao Estado prover meios de garantir a
utilidade dos provimentos jurisdicionais materializados nas decisões judiciais,
em garantir a efetiva e prática concretização da tutela concedida.
A necessária imbricação entre Constituição e processo no mundo
contemporâneo, reveste-se de especial importância por ser esta a forma de
comunicação entre todos os campos do direito e meio, através do qual o
Estado faz a entrega da prestação jurisdicional. Ao contrário, a consideração
do processo desvinculado de sua função social, nega e neutraliza os direitos e
garantias constitucionalmente assegurados. É nesse sentido que José Roberto
dos Santos BEDAQUE, afirma que “as grandes matrizes do direito processual
cada vez mais encontram-se disciplinadas em texto constitucional.”20
Desta forma é que, respeitando-se a magnitude constitucional instituída
pela nova ordem jurídica e, partindo do direito fundamental à efetividade das
decisões judiciais, o trabalho levado a intento possui como escopo, analisar as
tutelas mandamentais e executivas lato sensu, manifestações do sincretismo
processual em nosso ordenamento, conforme as disposições dos artigos 461,
461-A, do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor,
como formas de imprimir efetividade às decisões judiciais, visando sempre à
função do direito como mecanismo de solução de conflitos sociais.
O pronunciamento judicial que certifica a procedência do pedido do autor
através do processo de conhecimento e as técnicas processuais capazes de
torná-lo efetivo no plano fático serão o ponto de partida da investigação.
Para tanto, o trabalho será estruturado, lançando em um primeiro
momento considerações sobre a formação histórica do processo civil brasileiro,
20 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito... cit. p. 14.
10
suas raízes junto ao direito romano-germânico, buscando evidenciar o caminho
e, sobretudo as circunstâncias sob as quais foram se formando alguns
institutos processuais, muitos dos quais ainda presentes em nosso
ordenamento, e que fazem parte do estudo proposto.
No segundo capítulo, será levada a efeito análise mais específica sobre
as noções de Estado e prestação jurisdicional sob a ideologia liberal-burguesa,
identificando assim o contexto e a origem dos valores impressos mais
notadamente na atual sistemática processual civil pátria. Segue-se, no terceiro
capítulo, a abordagem do novo papel do Estado na ordem Constitucional, com
especial atenção ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Destacar-
se-á as característica da jurisdição, de modo a diferenciá-la da locução tutela
jurisdicional, a partir da qual será forjado o conceito das tutelas mandamentais
e executivas lato sensu, na continuação do trabalho.
No quarto capítulo, será feita uma abordagem das classificações das
ações e das sentenças, partindo da classificação trinária clássica até a teoria
quinária, e a análise específica das tutelas mandamentais e executivas lato
sensu. Para tal estudo, serão compiladas as doutrinas de alguns expoentes
compatrícios, onde, buscar-se-á identificar, sobretudo, as situações jurídico-
materiais que reclamam as tutelas mandamentais e executivas lato sensu e as
funções técnico-processuais por elas habilitadas, segundo o modelo nacional.
No quinto capítulo, serão abordados de maneira mais específica, os
fundamentos erigidos em prol da separação do processo de conhecimento e o
de execução, de modo a abrandar esse princípio. Serão ainda tecidas
argumentações acerca da potencialidade de se alcançar a efetivação das
11
decisões judiciais, através do sincretismo processual, representado pelas
tutelas mandamentais e executivas lato sensu.
Após, serão apresentadas as conclusões obtidas, primeiro em tópicos
específicos conforme a estruturação do trabalho e depois em aspectos gerais,
concernentes à problemática de fundo enfrentada no estudo.
12
CAPÍTULO I
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL
1. Breves linhas sobre a formação histórica dos processos civis
modernos
O meio pelo qual o Estado exerce e faz a entrega da tutela jurisdicional
é o Processo, que vem, através dos tempos, sob o influxo das circunstâncias,
de momentos díspares, transformando-se de modo a responder aos reclamos
de cada realidade. Cumpre-se, portanto, antes de se enveredar na análise mais
aprofundada de determinados institutos e tendências norteadoras do Direito
Processual Civil contemporâneo, mais notadamente o Direito Processual Civil
brasileiro, lançar um olhar por sobre o longo caminho percorrido por este ramo
da ciência jurídica até nossos dias.
Cabe, assim, empreender retorno, ainda que breve, à formação história
do Direito Processual Civil, sem o qual se corre o risco de cometer a
impropriedade de tratar de elementos fundamentais desta ciência sem lhe
conhecer as origens e o desenvolvimento através da história, que no dizer de
Sérgio BERMUDES, apresenta-se como “inesgotável manancial de
informações e de subsídios, sem os quais nada se compreende e muito pouco
se constrói”.21
21 BERMUDES, Sérgio. Introdução ao Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 195.
13
Conforme Edson PRATA, citado por Djanira Maria Radamés de SÁ, “a
atividade processual se iniciou com a presença do primeiro julgador à frente do
primeiro delito cometido, isso em tempos imemoriais, tendo ele, em cada
época, refletido a realidade social em que estava posto.”22
Como reflexo da realidade social, pode-se detectar que nas civilizações
teocráticas, era natural que o poder de julgar fosse exercido pelos sacerdotes,
possuindo o rei, como enviado celeste, a suprema decisão. Sob esse ângulo,
também naturais àquela realidade as formas de apuração de verdade e de
punição, hoje execradas. No período que antecedeu a supremacia da
civilização romana, era comum a adoção pelo Direito, dos princípios religiosos,
morais e costumeiros, sob os quais se pautava toda a atividade processual23.
Moacyr Lobo da COSTA, em apresentação à obra “Lições de História do
Processo Civil Romano”, de José Rogério CRUZ E TUCCI e Luiz Carlos de
AZEVEDO, em límpida síntese, dispõe sobre as fontes do direito processual
civil brasileiro, conforme se depreende da passagem:
Até o advento do regime do Código Nacional de 1939, que introduziu o sistema da oralidade processual fundamentado nos ensinamentos de Chiovenda, o procedimento escrito adotado tradicionalmente em nossos diplomas legislativos, mesmo após a independência, estava umbilicalmente ligado ao sistema do processo civil português que provinha diretamente do chamado direito comum da Idade Média, resultado da combinação de princípios do direito romano com normas de direito canônico e institutos de natureza consuetudinária de fundo bárbaro-germânico.24
22 SÁ, Djanira Maria Radamés de. Teoria geral do direito processual civil: a lide e sua resolução. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988.p. 36. 23 Ensina CRUZ E TUCCI, que “A civitas romana em seu período de formação, a exemplo de toda sociedade em aurora, também depositava no misticismo religioso significativa parcela da técnica e da praxe judiciária, ainda de organização arcaica, não obstante aspirar fortalecer-se para, em seguida, logar obediência de seus concidadãos. Por esse fato, foi atribuído aos pontífices o mister de dar forma ao procedimento, através de simbolismos e rituais. Nasce, assim, em Roma a jurisdição como atividade exclusiva dos pontífices, vocacionada a disciplinar a autotuleta dos litigantes. (CRUZ E TUCCI, José Rogério. AZEVEDO, Luiz Carlos de. Lições de história do processo civil romano. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996. p. 41) 24 CRUZ E TUCCI, José Rogério. AZEVEDO, Luiz Carlos de. Lições de história do processo civil romano. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996. p. 12.
14
Resta claro, portanto, que ao trabalho que se propõe desenvolver,
interessa sobremaneira que se faça breve incursão pelo Direito Processual
romano25, de modo a identificar as raízes históricas dos institutos estudados.
Partindo do conceito de famílias jurídicas, conforme utilizado por René
DAVID, citado por Ovídio A. Baptista da SILVA, para agrupar os sistemas26
jurídicos contemporâneos, localiza-se na história do direito, três grandes
grupos, constituídos pela “família romano-germânica, a família dos sistemas
socialistas e os sistemas filiados à common low27”, conforme mantenham com
os demais determinados traços e princípios comuns que os identifiquem.
O direito brasileiro integra a família denominada romano-germânica,
segundo a classificação apresentada, da qual também fazem parte os sistemas
jurídicos da Europa continental, sobretudo a Alemanha, os países de origem
latina, como França, Itália, Portugal e Espanha, ainda os países da América de
colonização espanhola, francesa e holandesa, bem como alguns países da
África, por influência da colonização Européia.28
Assim, para compreender a dimensão e o sentido dessa herança, faz-se
necessário retorno aos princípios básicos do direito processual romano, ainda
25 Conforme ensina César FIUZA, “O Direito Processual romano é a fonte remota do Direito Processual civil brasileiro. Sem seu estudo, nossa memória histórica se perde, deixando-nos sem passado e sem rumo certo para o futuro”. (FIÚZA, César. Algumas linhas de processo civil romano. In Direito Processual na História. Coordenador César Fiúza; [colaboração] Allan Helber de Oliveira ... [et al.] . Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. p. 58.) 26 Adverte o autor que a formação de sistemas no domínio das ciências jurídicas só se torna possível abstraindo-se as notórias individualidades de cada unidade particular, devendo, portanto, ser recebida com certas reservas. 27 SILVA, Ovídio A. Baptista da. GOMES. Fábio. Teoria geral do processo civil. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 09. 28 Conforme ensinamento de Giuseppe CHIOVENDA, “Os processos civis modernos da maioria das nações européias representam os diversos resultados finais da fusão de elementos em parte comuns, especialmente do elemento romano e do elemento germânico.” (CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Trad. Paolo Capitanio. v. 1.Campinas: Bookseller, 1998. p. 134-135.)
15
que de forma sucinta, para se formar a base referencial da discussão que se
pretende entabular.
Muito embora o direito processual como ramo autônomo da ciência do
direito seja relativamente recente29, o processo, como método de resolução
das lides é deveras antigo, remontando a Roma, o apogeu de seu
desenvolvimento, de tal sorte que, ainda hoje, o direito de quase todas as
nações cultas do mundo se inspira no direito romano30.
O Direito romano era de formação eminentemente processual31, não
obstante não se falar em autonomia do processo, fundindo-se as normas de
caráter processual com aquelas de cunho substancial.32
Nos estágios primitivos do direito romano, é possível estabelecer duas
características que marcam a natureza do processo civil, na fase inicial de sua
formação. A primeira decorre da confusão entre o direito e o misticismo
religioso havido à época, destituído, portanto, do sentido de racionalidade do
qual é revestido modernamente. Nessa fase primitiva do direito processual, a 29 Como ensina Cândido Rangel DINAMARCO, a idéia do direito processual como ciência, deu-se a partir do “desligamento das matrizes conceituais e funcionais antes situadas no direito material”. Esse “sincretismo jurídico, caracterizado pela confusão entre os planos substancial e processual do ordenamento estatal”, começou a ruir sob a influência da racionalidade expandida no “século das luzes”, e as “transformações políticas e sociais havidas na Europa”. Alterou-se assim, paulatinamente, a relação havida entre o Estado e o indivíduo, de modo a acentuar a responsabilidade daquele para com a “realização integral da condição humana”. Essa alteração teria sido responsável pelas primeiras preocupações em se definir os fenômenos do processo. (DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 7.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999. p. 17-18.) 30 Segundo Marcus Vinícius Rios GONÇALVES: “Em Roma, o processo como método de solução de conflitos teve excepcional florescimento. Era a partir dele e da atividade estatal que se formava o direito substancial. Havia confusão entre ação e lei e verdadeira identificação entre o direito material e o processo. O direito e a ação eram uma só coisa, e o estudo de um confundia-se com o do outro.”( GONÇALVES. Marcus Vinícius Rios. Novo curso de direito processual civil.vol. I. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 22.) 31 Segundo ensina Arruda Alvim, era da atividade jurisdicional do Estado romano que se ia constituindo o Direito Substantivo romano.(ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil.v.1, 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. p. 39) 32 Cesare SANFILIPPO, citado por José Rogério CRUZ E TUCCI, ensina que: “configurava-se o direito subjetivo não pelo aspecto de seu conteúdo substancial, mas sim pela ótica da ‘ação’ com a qual o titular podia tutelá-lo contra possíveis ofensas. Os romanos não diziam: ‘eu tenho um direito”( e, por via de conseqüência, uma ação para tutelá-lo), mas diziam simplesmente: ‘eu tenho uma ação”. (CRUZ E TUCCI, José Rogério. Ob. cit. p. 45.)
16
revelação do direito era segredo dos pontífices, responsáveis pelo julgamento
dos litígios de natureza privada. É o ensinamento de José Rogério CRUZ E
TUCCI, no sentido de evidenciar o íntimo relacionamento33 entre direito (ius) e
religião (fas) nos primeiros tempos de Roma:
A civitas romana em seu período de formação, a exemplo de toda sociedade em aurora, também depositava no misticismo religioso significativa parcela da técnica e da praxe judiciária, ainda da organização arcaica, não obstante aspirar fortalecer-se para, em seguida lograr obediência de seus cidadãos. Por este fato, foi atribuído aos pontífices o mister de dar forma ao procedimento, através de simbolismos e rituais. Nasce, assim, em Roma a jurisdição como atividade exclusiva dos pontífices, vocacionada a disciplinar a autotutela dos litigantes.34
Há, por este período, determinada incerteza quanto aos poderes do rei.
Segundo José Rogério CRUZ E TUCCI, o rex, por força de seu imperium
reunia em suas mãos poderes militares, religiosos e civis, o que o legitimaria a
julgar em primeira e última instância35.
A segunda característica diz respeito ao fato de que, nessa época, o
apelo a um julgamento atribuído a um terceiro imparcial para dirimir
determinado litígio entre particulares, somente teria cabimento “depois que
aquele, que se julgasse com direito, privadamente o tivesse exercido pela
força”36. Desse modo, inicialmente, o fenômeno que, sob uma perspectiva
moderna dir-se-ía jurisdicional, teve originalmente mais uma função
33 José CRETELLA JÚNIOR destaca que fas designa aquilo que é de direito conforme a vontade dos deuses, enquanto jus é o que regula as relações entre os homens sob a sanção do Estado. Para tal estudioso, é patente a distinção romana entre o direito e a religião. (CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito romano: o direito romano e o direito civil brasileiro no Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 18. 34 CRUZ E TUCCI. José Rogério. Ob. cit. p. 41. 35 Ibid. p. 41-42. 36 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Teoria geral...cit.p. 11.
17
“sancionadora, ou ratificadora, da legitimidade do exercício privado do direito
do que, como hoje, uma competência para o prévio julgamento.”37
No primitivo direito romano, e igualmente no direito germânico na Idade
Média européia, “o apelo à autoridade era provocado por “ações” (no sentido
processual) de quem sofrera a ação (de direito material), privadamente
exercida pelo pretenso titular do direito”38. Nota-se assim que, originariamente,
a “ação” processual era exercida por aquele que se encontrava na condição de
devedor, diversamente do que ocorre modernamente, quando as “ações”
processuais são intentadas por aqueles que se dizem credores.
Merece destaque ainda o fato de que, a ação processual da qual se
valia o devedor para discutir a legitimidade da ação material que sofrera por
parte do pretenso titular do direito era uma ação de conhecimento. Daí porque
se conclui que, em sua origem, o processo de conhecimento surge como forma
de oposição aos atos executivos de natureza privada.
Conforme ensina Sérgio MURITIBA, fator que explica a ordem das
ações nesses períodos é a ausência de um Estado forte que não
proporcionava a presença de magistrados com poder de império a prescindir
da atividade privada, assim:
vendo-se alguém senhor de certo bem material, deveria tomar atitudes práticas e individuais no sentido de recuperar imediatamente (sem intervenção de outro órgão institucionalizado) o que era de direito segundo seu julgamento. Por outro lado, sentindo-se injustamente lesado, o sujeito passivo deveria instaurar um procedimento de cognição contra aquele que lhe tomou o referido bem.39
37 Id. 38 Ibid. p. 12. 39 MURITIBA, Sérgio. Ação executiva lato sensu e ação mandamental. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 20.
18
A posterior inversão nessa ordem, passando o credor a ajuizar ação
buscando seu direito, “caracteriza toda a evolução do fenômeno processual”40,
no sentido de que, conforme ensina Ovídio A. Baptista da SILVA:
a criação de uma obrigação positiva que passou a gravar aquele, agora tido por obrigado, impondo-lhe uma obrigação de entregar a coisa, foi um dos pressupostos que, depois, legitimou a transformação da primitiva vindicatio, originalmente executiva, em pretensão condenatória, portanto obrigacional, passando-se a considerar que o “condenado”, na reivindicatória, teria o dever de entregar a coisa, e não mais – como primitivamente ocorria na vindicatio – a obrigação de suportar apenas a tomada de posse pelo reivindicante. Entre a patientia praestare,, simplesmente suportada pelo vencido na reivindicatória, e o dever de restituir a coisa, imposto pela sentença condenatória, vai à diferença entre a pretensão executiva e a pretensão meramente condenatória.41
Conforme já referido, a jurisdição civil ou ordem dos juízos privados
(iudicia privata) se concentravam frente a uma única autoridade, o rei. Aos
poucos, em função do desenvolvimento de todos os setores da vida social em
Roma, os litígios privados tornaram-se mais complexos e numerosos,
reclamando a criação de uma magistratura com funções especificamente
jurisdicionais.42 Com essa divisão, o imperium até então exclusivo do rex é
transferido, ainda que de forma limitada, aos novos órgãos.
Diferencia-se por esta época o poder de imperium e o poder de
jurisdictio. O imperium é o poder de mando, ao passo que o jurisdictio é o
poder de dizer o direito, de declarar – não de julgar – a norma jurídica aplicável
a determinado caso concreto. A função jurisdicional era faculdade inerente à
40 SILVA, Ovídio A. Baptista da Teoria geral...cit. .p. 12. 41 Ibid. p. 13 42 Conforme ensinamento de José CRETELLA JÚNIOR,“Em Roma, nos primeiros tempos, tudo se concentrava nas mãos do rei, que é magistrado e juiz. Na república, primeiro, a magistratura é posta nas mãos de dois cônsules e, mais tarde, em 387, é instituído um pretor para cuidar especialmente da administração da justiça. É o pretor urbano, que resolve os litígios entre os cidadãos romanos. A grande influência de estrangeiros em Roma leva a criação de um novo pretor - o pretor peregrino - , incumbido de julgar os litígios entre os estrangeiros e entre romanos e estrangeiros. Além dos praetor urbanus e do praetor peregrinus havia ainda o edil curul para julgar casos de venda de animais e escravos.”( CRETELLA JÚNIOR, José. Ob. Cit. p. 290.)
19
condição de magistrado, não havendo poder judicial autônomo, já que era
desconhecido dos romanos o princípio da separação dos poderes.
A partir dessa discrepância qualitativa de funções, o procedimento no
sistema da ordo iudiciarum privatorum, passa a se desenvolver em duas fases
distintas: o jus e judicium. Tais fases representam para os romanos o
desdobramento em duas instâncias, que resultam na fase in jure, no tribunal
adiante do magistrado - praetor -, e apud judicem, diante de um particular -
iudex - escolhido pelos litigantes para julgar o processo.
Assim, as questões civis passam a ser julgadas no sistema desse
desdobramento, nas fases in iure, diante do pretor, a quem cabia organizar e
fixar os termos da controérsia; e, in iudicio, perante o iudex unus43, ou cidadão
romano, a quem era submetido o litígio, julgando-o soberanamente, em nome
do povo romano, caracterizando a ordo judiciorum privatorum, ou ordem dos
processos privados e sua divisão em duas fases.
De uma forma geral, a história do processo romano pode ser dividida em
três grandes períodos: o período primitivo, das legis actiones ou ações da lei,
que se estende da fundação de Roma, presumivelmente no ano de 754 a.C.
até o ano de 149 a.C.; o segundo, conhecido como período formulário ou per
formulas, que vai do ano 149 a.C., até o início do terceiro século da era cristã;
e o período da cognitio extraordinaria, ou cognitio extra ordinem, que
compreende o período entre o ano 294 e o ano de 565.
Como de regra ocorre com as demarcações históricas, também a
separação dos períodos do processo romano é apenas convencional, restando
43 Havia ainda na fase apud iudicem o julgamento diante do Tribunal dos recuperatores ou o Tribunal dos centumviri, conforme se tratasse de controvérsias entre romanos e estrangeiros ou questões sobre direitos hereditários. Sobre esse assunto ver CRUZ E TUCCI, José Rogério in Ob. cit. p. 41-43.
20
impreciso e por vezes divergente a doutrina no tocante a quando e em que
medida cada qual deixou de viger, havendo mesmo determinados momentos
de coexistência de sistemas processuais diferentes.
Cabe fazer observações pontuais acerca de cada um desses períodos,
buscando, no entanto, de forma mais detida, identificar nesse estudo, as
técnicas de tutela jurisdicional prestadas ao longo da história do direito
processual, que podem ser identificadas com as técnicas objeto específico de
estudo nesse trabalho, ou seja, a ação mandamental e a ação executiva lato
sensu.
No primeiro período, das legis actiones, que corresponde à realeza, o
processo era excessivamente solene, obedecendo a um ritual que conjugava
palavras e gestos indispensáveis. Havia verdadeira identificação da ação com
a lei, ou entre o direito e a ação (jus e a actio). O procedimento era oral e
desenvolvia-se em duas fases. Iniciava-se perante o magistrado ou praetor -
fase in jure - cuja função se limitava a conceder a ação e fixar o objeto do litígio
e prosseguia perante cidadãos - fase in judicio - designados como árbitros, cuja
função era de colher as provas, ouvir os debates entre as partes e proferir
sentença.
Nesse período, não havia advogados e eram conhecidas apenas cinco
ações: sacramentum, iudicis postulatio, condictio, manus iniectio e pignoris
capio.44
44 Segundo Ernani Fidelis dos SANTOS, “A actio sacramenti é a espécie utilizada em todas as causas, quando não existisse procedimento específico. Pela iudicis postulatio, pedia-se a um juiz para reclamar o objeto de uma estipulação. A condictio era a citação para que o demandado comparecesse, dentro de trinta dias, para designação de um magistrado. A manus iniectio empregava-se para a execução de um julgamento. A pignoris capio era autorizada pela lei para recebimento de determinadas dívidas.”( SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. Vol. 1. Processo de conhecimento.10.ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p.2.)
21
Merece destaque neste período, para o estudo que se pretende que,
enquanto a legis actio per sacramentun, a per iudicis arbitrive postulationem, e
a per condictionem, consistiam no que hoje se chamaria de processo de
conhecimento, as duas últimas manus iniectio e a pignoris capio, ostentavam
natureza executiva, podendo esta última ser tomada como fonte primitiva da
ação mandamental, conforme será debatido logo mais.
As ações da lei são, pois, processos judiciários, vez que submetidos a
ordo judiciorum privatorum, ou a divisão em duas instâncias; são processos
legais, porquanto se opõem aos processos consuetudinários que os
antecederam e às ações criadas posteriormente pelos magistrados, e são
processos formalistas, no importe em que obedecem a rituais imutáveis, a
gestos e palavras solenes.
O excessivo formalismo e o papel secundário do magistrado no sistema
da legis actiones, levam paulatinamente ao desprestígio do sistema e
surgimento de outro sistema, mais sintonizado com o espírito desenvolvido do
direito romano.
O segundo período, que corresponde à República, foi instaurado quando
Roma já havia dominado vários territórios da Itália, tornando mais complexas
as relações sociais e, por conseqüência, as ações da lei, ou legis actiones,
insuficientes para tutelar todas as pretensões, dado que o jus civile abrangia
exclusivamente os romanos. Foram desta forma, abolidas as ações da lei e o
magistrado autorizado a conceder fórmulas hábeis a compor as lides que se
instauravam.
“A fórmula é o escrito, redigido pelo magistrado in jure, com a indicação
da questão que o juiz deve resolver”, ensina José CRETELLA JÚNIOR,
22
completando que neste período, “a actio pode ser definida como direito de
perseguir pela fórmula o que nos é devido”45 .O procedimento continuava
bifásico, onde, segundo Sérgio BERMUDES:
O juiz examinava a pretensão do autor, que indicava, no álbum pretoriano, a ação que desejava propor. Ouvido o réu, o juiz desde que concedesse a ação, remetia a decisão da lide ao árbitro, entregando ao autor a fórmula da ação. Perante o árbitro, procedia-se à instrução e ao julgamento da causa. (...) o pretor se limitava a decidir quanto ao direito de ação e a fixar o objeto do litígio. A sentença, entretanto, era proferida por árbitros privados, cujas decisões os litigantes se obrigavam a aceitar.46
Nesse período, as partes podiam ser assistidas por procuradores e
somente a fórmula era escrita. A figura do pretor se impõe. Vigoravam os
princípios do contraditório e da livre convicção do juiz, e a sentença que
acolhesse o pedido do autor, mesmo que fosse pleiteada coisa incerta,
condenava o réu ao pagamento de soma em dinheiro, caracterizando sua
jurisdição como produtora de sentenças apenas condenatórias. Era um
processo mais rápido, menos formalista e escrito.
A exemplo do que ocorria no período das ações da lei, também no
período formular cabia ao vencedor tomar a iniciativa da execução, após o
prazo de trinta dias fixado pela Lei das XII Tábuas. A execução era movida em
um primeiro momento contra a pessoa do devedor, sendo após, abrandado
pelo direito pretoriano, que introduziu modo de execução, que recaía sobre os
bens.
No terceiro e último período do direito processual romano, surgido no
Império, ocorreram grandes modificações, tendo se notabilizado, segundo
Djanira Maria Radamés de SÁ: 45 CRETELLA JÚNIOR, José. Ob. cit. p. 299. 46 BERMUDES, Sérgio. Introdução ao processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 197.
23
pela supressão da instância dupla de julgamento, com o aparecimento do juiz único investido do poder estatal, pela adoção da revelia e da sucumbência, pela citação pelo oficial de justiça, pelo predomínio da prova escrita, pela valorização do contraditório e pela publicação em audiência da sentença escrita, todos os princípios vigentes no direito processual moderno.47
Esse período, caracterizado como o do cognitio extra ordinem, foi
decorrente da organização judiciária do Império Romano, no qual a função
jurisdicional era privativa dos funcionários do Estado, tendo se vislumbrado
aqui, os contornos da jurisdição, como função estatal. Há a divisão do processo
em fases distintas48. Arruda ALVIM destaca nesse período que o
agigantamento do Estado-Juiz e sua ingerência no processo, desde o início do
litígio até a sentença, “foi a síntese de todo evoluir do processo romano, que
trasladou do Campo do Direito Privado para inserir-se no campo do Direito
Público e, conseqüentemente, inspirar-se enquanto processo, em seus
princípios.” 49
Ovídio Araújo Baptista da SILVA destaca que a oposição entre o período
formulário e o período da cognitio extra ordinem, refere-se basicamente:
à supressão das fases procedimentais, que caracterizavam o procedimento dos períodos precedentes, em que o processo desenvolvia-se através de duas fases distintas, primeiramente perante o praetor, na denominada fase in iure, que se encerrava com a outorga da fórmula, concedida pela magistrado; a partir daí, iniciava-se a fase denominada apud iudicem, que se desenvolvia, não mais perante um magistrado, e sim perante um Juiz privado (iudex) de livre escolha dos litigantes. No que diz respeito à sua substância, porém, a jurisdição extraordinária manteve-se idêntica à jurisdição própria do ordo iudiciorum privatorum. Tal como na fase anterior, a cognitio era jurisdição da actio privada, agora inteiramente predominante. 50
47 SÁ, Djanira Maria Radamés de. Teoria geral do direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 38. 48 Sérgio BERMUDES evidencia a divisão do processo nesse período em fases distintas, compreendendo “o pedido do autor, a defesa do réu, a instrução da causa, a prolação da sentença e sua execução. A citação se fazia através de funcionários públicos. Admitia-se a interposição de recursos e se executava a sentença, já então ato de autoridade do Estado, através de medidas coativas. Essa fase do processo romano, mais que qualquer outra, contribui, de maneira substancial, para a formação do processo contemporâneo.”( BERMUDES, Sérgio. Ob. cit. p. 197-198.) 49 ALVIM, Arruda. Manual...cit. v. 1. p. 41. 50 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Teoria ...cit. p. 14-15.
24
Percebe-se desta forma que, tanto o processo do ordo iudiciorum
privatorum quanto o da cognitio extra ordinem mantiveram o caráter privado da
jurisdição, conforme o procedimento originário da legis actiones, através da
“oposição entre iurisdictio e imperium”51, e, enquanto jurisdição produtora de
sentenças apenas condenatórias, eliminando inteiramente outras formas de
tutela processual52 presentes nas fases anteriores, o que evidencia, segundo
Ovídio Baptista da SILVA que “O conceito moderno de jurisdição, responsável
pela formação do denominado processo de conhecimento, guarda inteira
fidelidade à concepção romana de iurisdictio, concebida como função
eminentemente declaratória de direitos.” 53
O que se percebe por esses brevíssimos apontamentos acerca da
evolução do processo civil romano é, como expressado por Ovídio A. Baptista
da SILVA, “uma orientação constante no sentido da superação da primitiva
rigidez formal, imposta aos litigantes, em favor de uma, cada vez mais
acentuada liberdade de formas procedimentais.”54
Quando da queda do Império Romano do Ocidente, no século IV,
invadido pelos bárbaros do norte, que possuíam uma cultura ainda primitiva,
houve um choque entre os dois modos de fazer justiça, “de um lado, o
processo romano, altamente aprimorado e, de outro, o germânico, um processo
51 Ibid. p. 15. 52 A referência alude à tutela interdital, cuja supressão elimina a imperatividade, própria dos interditos e outros intrumentos extraordinários concedidos pelo pretor romano nos períodos anteriores, como as cautiones e a restitutio in integrum, excluídas do procedimento ordinário em função da característica de sua jurisdição produtora de sentenças apenas condenatórias, que representam formas declaratórias de tutela processual, em detrimento da mandamentalidade própria dos interditos. (SILVA, Ovídio A. Baptista da. Teoria...cit. p. 15.) 53 Id. 54 Ibid. p. 14.
25
rudimentar de fundo místico-religioso.” 55 Os germânicos postulavam princípios
retrógrados de justiça como atos de vingança. Durante grande período, o
processo foi praticado sem nenhum cunho científico. 56
Os bárbaros invasores procuraram impor seu sistema jurídico aos
romanos subjugados, tendo, no entanto, havido uma convivência entre o antigo
direito romano e o dos bárbaros, em uma simbiose que caracterizou o processo
medieval.
Segundo ensinamento de Arruda ALVIM, o processo romano-barbárico
pode ser dividido em três fases assim entendidas: A primeira fase referida
como “longobarda” (568 a 774), na qual o Juiz era o duque, o processo vazado
em sacramentalidade, o sistema probatório era o ordálico. O escopo do
processo era reparar a violação do direito, onde se confundia o processo civil e
penal. Era praticamente inexistente uma fase declaratória, sendo o ingresso
efetuado diretamente numa fase de realização do direito, conhecida hoje como
execução. Nesse período dominavam os princípios da oralidade e da
publicidade.
Na segunda fase denominada “fase franca”, compreendida de 774 a
900, houve o fortalecimento do poder real e a autoridade judiciária, o conde,
era nomeada pelo detentor do poder. O procedimento passou a ser dinamizado
pelo impulso oficial, sendo o conteúdo da sentença fornecido pelos “scabini”,
55 ALVIM, José Eduardo Carreira. Ob. cit. p. 23. 56 Sérgio BERMUDES apresenta entendimento no sentido de que neste período, “A jurisdição exerciam-na as assembléias do povo, que proferiam decisões, obrigando, não apenas os litigantes, mas todos os que presenciavam os pleitos. Nas assembléias, a função do juiz era apenas a de orientar o povo – órgão judicante – quanto à matéria de direito e sugerir-lhe a decisão a ser proferida. O sistema probatório, nesse período, constitui demonstração eloqüente do primitivismo jurídico dos invasores. Recorriam-se às famosas ordálias (do latim tardio ordalium, do franco ordal, juízo ou julgamento) pelas quais se submetiam os contendores a provas crudelíssimas, tais como a do fogo, a da água fervente e do duelo. Supunha-se que a divindade viria em socorro da parte que tivesse razão. Daí denominarem-se as ordálias de juízos de Deus.”( BERMUDES, Sérgio. Ob. cit. p. 198)
26
que eram juízes populares que assessoravam o conde. Nessa fase, constata-
se uma infiltração das leis romanas no direito germânico, sobretudo pela
influência do Direito canônico. Os “misi domini”, representantes do rei, tinham
poder jurisdicional superior a toda magistratura.
Na terceira e última fase do processo romano-barbárico, conhecida
como “fase feudal”, (900 a 1100), que coincidiu com a estrutura político-jurídica
do feudalismo na Europa, constatou-se acentuada decadência dos institutos
jurídicos, decorrente da atomização do poder político e a paralela divisão da
soberania, refletindo no poder jurisdicional. Há um retrocesso no processo,
reflorescendo o duelo como forma de solução de contendas, levando à
decadência da jurisdição civil e ao proporcional aumento da jurisdição
eclesiástica.
Há de se considerar que, conforme Ovídio Baptista da SILVA, as
instituições jurídicas romanas que foram transmitidas por este período, não
correspondem ao direito romano clássico, mas ao direito dos imperadores
católicos do Império Romano, a partir de Constantino e, particularmente, pelas
compilações do Imperador Justiniano, no século VI de nossa era,
correspondendo, portanto, ao direito romano tardio.
Esse direito novo, sob a influência dos Imperadores cristãos, sintetiza os
institutos do direito romano clássico permeados pelos princípios e ideais do
cristianismo, que nesse período já se firmara como religião universal na
Europa.57
57 Conforme enfatiza Solmi, citado por Ovídio Baptista da SILVA, “Os velhos textos romanos passam, agora, a ser iluminados por outros princípios, de modo que, mesmo permanecendo inalterados em sua forma exterior, o direito que então se formou reflete inteiramente os novos valores do cristianismo.”( SOLMI. Contributi alla storia del diritto comune, Roma, 1937, p. 5-57, apud Ovídio Baptista da SILVA, in Teoria…cit. p. 17.)
27
Djanira Maria Radamés de SÁ conclui que “Dessa miscigenação de
institutos de Direito romano, germânico e elementos de Direito cristão, nasceu
o Direito comum, aplicado durante a Idade Média.”58 O processo comum59
vigorou desde o século XI, até a metade do século XVI, porquanto passamos a
analisar seus períodos.
A partir do século XI, com o surgimento das primeiras universidades
européias, sobretudo a de Bolonha que se firmou como “primeiro grande centro
de estudos científicos sobre direito”60, houve um retorno ao ensino do direito
romano. A Escola de Bolonha retomou o estudo do Direito romano através do
Corpus Juris Civilis, dando ensejo ao surgimento de três grandes escolas de
pensamento jurídico, a dos glosadores, a dos pós-glosadores e a dos
humanistas.61 Analisando cada uma dessas escolas, Sérgio BERMUDES
indica que:
(...) o período dos glosadores, assim denominados pelas anotações (glosas, comentários, anotações, possivelmente do grego glossa, língua, pelo latim glossa, interpretação comentário) que faziam aos textos jurídicos romanos, procurando ajustá-los às instituições de direito barbárico, então vigentes (muitas vezes os glosadores intrometiam textos seus nos de Direito romano, a isso se denominavam interpolações, - de interpolare, consertar, remendar – cuja identificação desafia os romanistas.) O direito vigorante nesse período
58 SÁ, Djanira Maria Radamés de. Ob.cit. p. 38. 59 Ensina Ovídio Araújo Baptista da SILVA que o procedimento comum , é expressão moderna do ordo judiciorum privatorum, em sua versão moderna. Nesse sentido afirma que o “chamado direito comum medieval, basicamente formado pelos direitos romano e canônico, contrapunham-se aos “procedimentos especiais” ou locais, de origem germânica, como hoje se contrapõe o procedimento ordinário, em suas duas espécies – o ordinário propriamente dito e o sumário -, aos procedimentos especiais.” Ensina ainda que nosso procedimento comum conservou-se fiel aos pressupostos romanos consubstanciado na fórmula com a estrutura obligatio+ actio+ litis contestatio + condemnatio que gera uma actio iudicati, ou seja, pressupõe uma obrigação como fonte da ação, que dá origem a uma sentença condenatória, que por sua vez demandará uma ação executória. (SILVA, Ovídio A. Baptista da. Fundamentos do procedimento ordinário. In Processo Civil: aspectos relevantes. Coord. Bento Herculano Duarte e Ronnie Preuss Duarte. São Paulo: Editora Método, 2005/2006. p. 190.) 60 ALVIM, Arruda. Ob. cit. p. 43. 61 A diferenciação entre essas escolas de pensamento dava-se, em acordo com Djanira Maria Radamés de SÁ, “conforme se comentasse as instituições romanas com fidelidade absoluta ao Corpus Juris, conforme o fizesse com criatividade em busca de um direito útil na solução para casos concretos ou conforme cultivassem o antigo com desprezo pelas interpretações dos integrantes das duas primeiras escolas”. (SÁ, Djanira Maria Radamés de. Ob. cit. p. 38.)
28
denomina-se direito comum, ou intermediário. É integrado, principalmente, por elementos de direito romano, germânico e canônico. 62
Arruda ALVIM, por sua vez, apresenta a seguinte divisão dos períodos
de formação do processo comum:
a) Período dos glosadores – de 1100 a 1271: coincide com o início da formação do processo comum a formação das universidades, sobretudo a de Bolonha, onde trabalhava-se sobre textos romanos, anotando os juristas tais textos com as chamadas “glosas”. Esse período teve fim no ano de 1271, com a publicação da obra Speculum Judiciale, de Guilherme Duranti, repositório integral de todo o processo de então, em que se retrata um tipo de processo predominantemente romano. b) Período dos pós-glosadores – de 1271 a 1400: é inserida a criação jurídica63. Nessa época a prova e a sentença obedeciam aos princípios romanos; consagrava-se a intervenção principal, de origem germânica; a contestação da lide era necessária para a instauração do juízo e para a prolação da sentença; inicialmente a responsabilidade pelo impulso do processo foi deixada às partes, sendo mais tarde alterado pela adoção do impulso oficial; havia o processo ordinário e o sumário determinado e indeterminado; admitia-se a appellatio tertii, de origem francesa; o fundamento da coisa julgada passou a ser a presunção de verdade; o processo dividia-se em fases (positiones) cuja estrutura constitui o fundamento remoto do instituto da preclusão e, houve a introdução dos juízos provocatórios, cuja construção objetivava dar ao processo função meramente declaratória. Destaca-se ainda nesse período a constituição papal de Clemente V, de 1306, chamada “Clementina Saepe”, cuja generalização de princípios levou à determinação de um processo sem formalidades nos tribunais eclesiásticos.. c) Período da jurisprudência culta – de 1400 até 1500: esta fase estendeu-se à França e à Alemanha, merecendo destaque Jacomo Cujácio que trabalhou sobre as leis de Justiniano, fornecendo material de alto valor. 64
Esse breve retrospecto histórico, longe de querer esgotar o tema,
intenciona tão somente demonstrar que, muitas das instituições do Direito
romano clássico e do processo comum, formado pela simbiose do Direito
romano, do Direito germânico e do Direito canônico que vigorou na Idade
Média, são encontradas nos sistemas processuais modernos, conforme analisa
Sérgio BERMUDES:
62 BERMUDES, Sérgio. Ob. cit. p. 198. 63 Segundo Arruda Alvim, foram os pós-glosadores responsáveis pela criação de institutos jurídicos novos, sendo a criação jurídica, elementos antes inexistentes na evolução histórica. 64 ALVIM, Arruda. Ob. cit. v. 1. p. 43-45.
29
“De origem germânica é a intervenção de terceiros e a obrigatoriedade da coisa julgada a terceiros. O direito canônico contribuiu para o estabelecimento do processo sumário, mais simples e despido de formalismos. Descobrem-se, ainda, no direito intermediário, elementos de direito costumeiro, inerentes a determinados povos.”65
Cabe ressaltar que o processo comum, que se expandiu pela Europa, e
o processo civil vigente então na península ibérica, influíram de maneira
notável na evolução do Direito Processual Civil brasileiro. Assim, após a
análise da formação do processo comum, insta fazer como breve referência,
sucinto exame da evolução do processo na Península Ibérica, a partir do
pensamento de Arruda ALVIM66.
Após a invasão dos bárbaros, Alarico, rei visigodo, baixou em 506 a lei
denominada “Breviarium Alaricianum”, que era uma recompilação de algumas
leis romanas. Em 693, foi baixada uma outra lei, revogando a anterior,
denominada “Fuero Juzgo” ou “Forum Juditium”, sendo esta também síntese
do Direito Romano. A invasão dos árabes na Península Ibérica em 711, pouco
representou para a cultura jurídica.
Em 1139, o Condado Portucalense, base político-geográfica do que veio
a ser Portugal, destacou-se na Península Ibérica, sendo regido pelo “Forum
Juditium”, bem como por cartas forais, baixadas pelo poder real e que se
destinavam a resolver problemas locais. Como em toda a Europa, no período
concomitante ao nascimento de Portugal, havia franco aumento da jurisdição
eclesiástica.
65 Ibid. p. 199 66 ALVIM, Arruda. Manual ...cit. v. 1.p. 13-54.
30
No século XIII, D. Afonso III, rei de Portugal, procurou reorganizar a
justiça e o processo. Em 1380, outro rei, D.Diniz, fundou a Universidade de
Lisboa, grande centro de estudos jurídicos.
Em 1446, Portugal, já solidificado como nação, através do rei D. Afonso,
baixa sua primeira grande lei, as “Ordenações Afonsinas”. Essa lei teve
vigência até 1521, quando foi substituída pelas “Ordenações Manuelinas”,
baixadas pelo rei D. Manuel.
A última lei dos tempos mais antigos de Portugal foram as “Ordenações
Filipinas”, baixadas pelo rei D. Filipe II da Espanha e I de Portugal, em 1603,
também chamadas de Ordenações do Reino, tiveram importância ímpar para o
nosso direito. As Ordenações apresentavam uma estrutura moderna, dividindo-
se a parte processual contida no terceiro livro, em quatro fases, assim
apresentadas, conforme anota Arruda ALVIM:
1.) “fase postulatória”, que se encontra nos Códigos modernos; 2.) “fase instrutória”,destinada à prova; 3.)”fase decisória”,destinada à decisão; 4.) “fase executória”, destinada ao processo de execução. Ao lado disso, regulava o processo ordinário, que era o processo comum, e ainda os chamados processos sumários, empregados para alguns casos particulares, juntamente com os chamados processos especiais, aplicáveis a determinadas ações. 67
Sobre as Ordenações Filipinas, que disciplinaram as relações sociais no
Brasil para além da dominação política portuguesa, assim se expressou Sérgio
BERMUDES:
O processo das Ordenações, regulado no seu terceiro livro, compõe-se de elementos germânicos, canônicos e romanos. Resulta do grande fenômeno histórico que foi a recepção do Direito Romano na Europa Central e Ocidental. Está dividido em fases rigorosamente estanques: postulatória, probatória, decisória e executória. Tem conteúdo secreto. Prevalece nele a concepção duelística do processo, cujo desaparecimento, na América Latina, é fenômeno deste século.”68
67Ibid. p. 48. 68 BERMUDES, Sérgio. Ob. cit. p. 200.
31
Não obstante, de se destacar que nesse período, em decorrência de
diversos motivos69 , houve a adoção de uma postura mais prática e menos
científica do estudo do Direito. Sobre essa peculiaridade, assim se expressou
Djanira Maria Radamés de SÁ:
Ao elegerem a prática forense como elemento central do desenvolvimento da ciência jurídica, os práticos dos séculos XVI a XVIII propiciaram o surgimento da confusão entre direito material e direito processual, fazendo com que o pensamento processual se quedasse em estado de letargia, até que o Código de Processo francês da era napoleônica, embora não inovasse tanto, procedesse à necessária separação das normas de direito material e de direito processual. As provas tornaram-se mais técnicas, mas tinha início a era procedimentalista, com fixação em matéria de organização judiciária, competência e procedimento, em vez de permitir uma noção mais ampla do fenômeno processual.70
Esse, em breves linhas, o desenvolvimento do sistema jurídico na
Península Ibérica e em Portugal, cuja legado chegou ao Brasil, por força da
colonização portuguesa.
Adianta-se que, apesar da existência e importância através da histórica,
conforme visto, foi somente no século passado que o Direito Processual Civil
adquiriu densidade científica, depois que deixou de ser apenas complemento
do Direito Civil, alçando a condição de disciplina autônoma dentro da ciência
jurídica71.
69 Djanira Maria Radamés de Sá imputa como motivo de adoção de uma postura mais prática e menos científica do direito, no período compreendido entre os séculos XVI a XVIII, ao germe latente do nacionalismo, o fastio pelo estudo das obras clássicas e a invenção da imprensa, somados à necessidade crescente de obras práticas que fornecessem soluções para problemas concretos.(SÁ, Djanira Maria Radamés de. Ob.cit.p. 39.) 70 Id. 71 Ensina Cândido Rangel Dinamarco que a confusão entre direito material e direito processual principiou a ruir no século XIX. O primeiro elemento de tal queda se deu pelo questionamento do tradicional conceito civilista da ação e a afirmação de sua grande diferença no plano conceitual e funcional da actio romana, no sentido de que ela “não é (como está) instituto de direito material, mas processual; não se dirige ao adversário, mas ao juiz; não tem por objeto o bem litigioso, mas a prestação jurisdicional.” Esse questionamento teria levado a “reações em cadeia, que chegaram até a plena consciência da autonomia não só da ação, mas dela e dos demais institutos processuais.”(DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade...cit. p. 18.)
32
Conforme ensina José Roberto dos Santos BEDAQUE, em 1956, travou-
se a famosa polêmica entre dois juristas alemães, Bernardo WINDSCHEID e
Teodoro MUTTHER, a respeito da actio romana72. A partir dessa polêmica, os
juristas passaram a vislumbrar a existência de um direito autônomo de
provocar a atividade jurisdicional do Estado, nascendo, então, o conceito
moderno de ação.
Ainda, de importância ímpar, foi a obra do jurista alemão Oscar von
Bülow, de 1868, com o estudo sobre A teoria das exceções processuais e os
pressupostos processuais. Em tal obra demonstra o autor a autonomia entre a
relação processual e a material. Esses são os dois grandes marcos
determinadores da autonomia científica do processo e sua separação do
Direito Civil, bem como de sua natureza de direito público, estabelecendo-se os
conceitos fundamentais da ciência: jurisdição, ação e processo, conforme
evidencia Cândido Rangel DINAMARCO.73 Todo esse retrospecto histórico74
72 Dispõe BEDAQUE que “Para Windscheid, ação significa direito à tutela jurisdicional, decorrente da violação de outro direito. Não era essa, todavia, a noção do direito romano, pois o Corpus Iures previa inúmeras actiones, que não pressupunham a violação de um direito: embora a todo direito corresponda uma ação, a recíproca não é verdadeira. Os romanos viviam sob um sistema de ações, não de direitos. E a razão principal era, além de seu senso prático, o grande poder conferido pelo magistrado de decidir até mesmo contra a lei. Importava o que ele dizia, não o que constava do direito objetivo; a pretensão precisava estar amparada por uma actio dada pelo magistrado que exercia jurisdição. Segundo Muther, o conceito de ação romana formulado por Windscheid é inexato. Para ele, o direito subjetivo é pressuposto da actio. Quando o pretor formulava um edito, estava criando norma geral e abstrata para amparar pretensões. Tal norma, embora não pertencente ao ius civile, lhe era equivalente. Conclui haver coincidência entre a actio romana e a ação moderna.”(BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito...cit. p. 22.) 73 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade...cit.p. 18-21. 74 Em síntese do exposto, Arruda ALVIM traça o seguinte quadro da evolução da história do Direito Processual Civil do Ocidente: “1.) processo civil romano, de 754 a.C.a 568 d.C.; 2.) processo civil romano-barbárico, de 568 a 1.100, aproximadamente; 3.) período de elaboração do processo comum, de 1100 a 1500, mais ou menos; 4.) período moderno, de 1500 a 1868, antes da renovação dos estudos do Direito Processual, a nosso ver iniciados com a obra de Oscar von Bülow, precisamente em 1868;5.) de 1868 até hoje, podemos considerar como tendo sido o período contemporâneo, que é o realmente relevante, tendo em vista que o processo, dogmaticamente, e como ciência, é contemporâneo. Sem embargo disso, as modificações sofridas recentemente justificam uma alteração nesta divisão, como se explica abaixo. 6.) se é usualmente entendida, da data de 1868 até recentemente, como representando a fase contemporânea do processo, julgamos que depois da segunda guerra mundial e, aproximadamente de uns 30 anos a esta época,acentuou-se a ausência de dogmatismo, tendo em vista as carências de que,
33
intenciona lançar as bases e sedimentar o entendimento dos valores projetados
em cada razão espacio-temporal da atividade jurisdicional, de modo a
demonstrar a estreita relação havida entre o direito e os valores sociais
existentes na realidade a qual serve. Somente a partir desse entendimento é
possível se analisar a fase efetivamente contemporânea a qual se pretende
chegar, com seus valores e ambições, voltados à efetividade da prestação da
tutela jurisdicional.
Assim, o que nos interessa sobremaneira nessa primeira parte do
estudo é demonstrar quais as origens dos institutos jurídicos que chegaram a
nosso tempo, e qual a realidade histórica a que serviram, de modo a esboçar
entendimento no sentido de que, o Direito, como promotor de paz social, deve
atender os reclamos próprios da época na qual se encontra inserido e, desta
forma, acenar no sentido de adoção de medidas mais efetivas, ou
reinterpretação das medidas existentes, na realização da tutela jurisdicional.
Para tanto, passemos à evolução do processo civil em nosso ordenamento
jurídico.
1.1. O Processo Civil Brasileiro
Cumpre-nos, em largas passagens, traçar uma linha evolutiva do Direito
Processual Civil em nosso País. Conforme dito, o direito processual civil
brasileiro finca raízes no direito romano-germânico, já que, descoberto em
universalmente, se reconhece estar se ressentindo a distribuição da Justiça. Por isso, pode-se dizer que a urgência, as ações coletivas, os procedimentos sumários, encontram-se na pauta das preocupações de todos os processualistas, governos, juízes e advogados, o que é reflexo direto de tais carências. Por isto tudo, a fase efetivamente contemporânea não guarda as mesmas características da fase precedente, ou seja, a que foi de 1868 até aproximadamente uns trinta anos atrás. ”( ALVIM, Arruda. Manual...cit.v.1.p. 38-39.)
34
1500, e submetido à colonização portuguesa, regeu-se pelas Ordenações
lusitanas, que tinham como fontes os princípios do Direito romano-germânico e
o canônico.
O Brasil, no período colonial, foi regido pelas Ordenações Afonsinas,
Manuelinas e as Filipinas, tendo estas se estendido até após a independência
do país, vez que ainda inexistia no país situação histórico-cultural necessária à
produção de normas próprias.
Após a independência em 1822, o Brasil adotou as leis portuguesas,
ressalvada a Constituição, vez que esta se consubstancia em símbolo de que
houvera independência política, passando o País a ser regido pelas
Ordenações Filipinas e pela Constituição de 1824.
Em 20 de novembro de 1850, foi criado o Código de Processo Comercial
pelo Regulamento 737. Concomitantemente, as Ordenações Filipinas de 1603,
continuavam a reger a matéria de processo civil. Em 1871, o Conselheiro Ribas
foi encarregado pelo governo imperial de consolidar as Ordenações e as leis
extravagantes que foram sendo promulgadas após a Independência, passando,
então a ser adotada como lei Processual a Consolidação Ribas, que mantinha
as Ordenações Filipinas regendo nosso processo civil. Pelo evidente
descompasso entre as legislações, em 1890, por força do Regulamento 763, o
governo estendeu às causas cíveis a aplicação das normas do Regulamento
737, revogando as Ordenações Filipinas.
Com o advento da República, em 1891, foi promulgada a Constituição
Republicana, que atribuía aos Estados a competência para elaboração da
legislação processual civil. Desta forma, já em 1905, teve início o movimento
de codificações estaduais, iniciando no Pará, sendo São Paulo um dos últimos
35
Estados a promulgar sua lei processual civil. Em virtude do despreparo dos
Estados para a função legislativa, as codificações estaduais eram reproduções
das Ordenações e do Regulamento 737.
Com a Constituição de 1934, houve retorno ao sistema de legislação
processual unitária, com competência exclusiva da União para legislar sobre
processo.
A Carta Constitucional de 1937 substituiu a de 1934, reafirmando o
propósito de reunificação, atribuiu competência à União para legislar sobre
processo, permitindo, porém, aos Estados que também o fizessem em caso de
ausência de legislação específica. Foi então nomeada uma comissão
encarregada da elaboração do Código de Processo Civil, que logo foi
dissolvida em função de divergências. Um dos membros dessa Comissão, o
advogado Pedro Batista MARTINS, redigiu, sob a inspiração do jurista
Francisco CAMPOS, então Ministro da Justiça, um anteprojeto de código que,
transformado em projeto e promulgado pelo Decreto-Lei 1608 de 18 de
setembro de 1939, veio a ser o Código de Processo Civil.
As críticas lançadas e esse diploma referem-se à duplicidade de
entendimentos nele contida. Se por um lado possuía uma parte geral moderna,
continha outra, a que tratava dos procedimentos especiais, dos recursos e da
execução fiel ao velho processo lusitano. Concomitantemente a existência do
Código de 1939, vigoravam inúmeras leis extravagantes que disciplinavam
institutos não contidos no diploma.
Em decorrência da evolução da ciência processual e das novas
necessidades que se afiguravam, passadas duas décadas da vigência do
Código de 1939, o Professor Alfredo BUZAID, então catedrático da Faculdade
36
de Direito da Universidade de São Paulo, foi encarregado de proceder à
reforma de referido diploma legal.
Tendo apresentado, em 1964, três dos cinco livros que viriam a compor
o atual Código de Processo Civil, em 1972, já então Ministro da Justiça, o
professor Alfredo BUZAID completou o anteprojeto adicionando-lhe os dois
livros que faltavam. Devidamente encaminhado para o Congresso Nacional o
Projeto de Código recebeu emendas. Em 11 de janeiro de 1973 foi sancionada
a Lei 5869 instituindo o Código de Processo Civil, em vigor desde 01 de janeiro
de 1974 até nossos dias.
Sobrevindo a Constituição da República de 1988, foram revogadas
algumas disposições do Código de Processo Civil, sendo outras sobrepostas,
dentre elas merecendo destaque a contida no artigo 24, XI da Constituição que
prevê competência concorrente à União, aos Estados e ao Distrito Federal para
legislar em matéria processual.
O atual Código de Processo Civil brasileiro, de autoria do Professor
Alfredo BUZAID, revela grande influência da doutrina desposada pelo jurista
italiano Enrico Tullio LIEBMAN, que esteve exilado no Brasil por ocasião da
Segunda Guerra Mundial.
Não obstante o primor apresentado pelo aspecto terminológico e pela
coerência do sistema, em função das novas realidades sociais e dos reclamos
por justiça que se fazem sentir, vez que o Direito Processual Civil se apresenta
como o meio por excelência de materialização dos direitos do cidadão, faz-se
necessária a constante atualização do Código de Processo Civil, através de
leis.
37
Assim, tem-se verificado o que é chamado pela doutrina de fases ou
“ondas” de reformas do Código processual, sendo entendidas em 03
momentos, já referidos, mas que cabe aqui sucinta lembrança. A primeira
“onda”, na qual se destacam as leis de 8.950, 8.951, 8.953 e 8.954 todas de 13
de dezembro de 1994. De um modo geral, as alterações promovidas nessa
fase foram referentes ao esclarecimento de alguns pontos controvertidos
existentes na redação do código que desnecessariamente comprometiam a
economia e a efetividade do processo.
Dentre as inovações propriamente ditas promovidas nessa fase,
destaca-se a relativa à antecipação de tutela no processo de conhecimento,
com a redação dada ao artigo 273 do Código de Processo Civil.
Importa especificamente para o estudo, as alterações promovidas pela
Lei 8.952 de 13 de dezembro de 2004, consoante redação dada ao artigo 461
do código processual, que criou disciplina nova para as sentenças que
julgarem ações relativas ao cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer,
possibilitando a adoção das tutelas mandamentais e executivas lato sensu.
O objetivo principal dessa alteração refere-se à preocupação com a
efetividade da tutela jurisdicional na espécie, de modo a minimizar as
condenações convertidas em perdas e danos, quando for possível e desejável
a execução específica.
A possibilidade de imposição de multa prevista no parágrafo 4º do artigo
461, empresta-lhe eficácia mandamental, conforme à frente será demonstrado.
Da mesma forma, a eficácia executiva lato sensu é suficiente para
alcançar o cumprimento da obrigação de dar nela imposta, de forma
independente do processo de execução. Esse efeito é conseguido também
38
pela possibilidade atribuída ao magistrado, conforme adotado no modelo
nacional, de, frente ao inadimplemento do devedor, adotar medidas que
garantam o resultado pratico equivalente ao adimplemento da obrigação. Pode
assim ser antevista a ocorrência de fungibilidade entre as tutelas mandamental
e executiva lato sensu , com fundamento na norma do artigo 461, assunto este
que será melhor discutido no desenvolvimento do trabalho.
A segunda “onda” veio com a edição das Leis 10. 352 de 26 de
dezembro de 2001, 10.358 de 27 de dezembro de 2001 e 10/444 de 07 de
maio de 2002.
Entre as alterações promovidas por referidas Leis, interessa-nos
sobremaneira para o estudo que se propõe, a referência específica às
modificações efetuadas nos artigos 461, com a inclusão dos parágrafos 5º e
6º, que prevêem a efetivação da tutela específica e a possibilidade por parte do
juiz de alteração do valor e da periodicidade da multa, e artigo 461-A, que
unificou o regime de efetivação das decisões já adotado com relação à
obrigação de fazer e não fazer, para também abranger a obrigação de entrega
de coisa certa.
Ambas as tutelas previstas nos artigos 461 e 461-A do CPC, vez que
são expressões das tutelas mandamental e executiva lato sensu em nosso
ordenamento, serão objeto de estudo específico em capítulo próprio.
Merece destaque, antes da menção a terceira “onda” de reformas
promovidas no Código de Processo Civil, a influência da reforma constitucional
através da Emenda Constitucional 45 de 2004, que imprimiu sensíveis
alterações na sistemática processual.
39
Por força de tal Emenda, foi acrescido ao art. 5º, o inciso LXXVIII, que
assegura a todos, tanto no âmbito do processo judicial quanto do processo
administrativo, o direito à razoável duração do processo, bem como os meios
que garantam que sua tramitação se dê de modo célere, cuja análise mais
detida será objeto de capítulo que se segue.
Na terceira “onda” realizada em 2005, através das Leis 11.187 de 19 de
outubro de 2005 e 11.232 de 22 de dezembro de 2005, 11.276, 11.277, ambas
de 07 de fevereiro de 2006 e 11.280 de 16 de fevereiro de 2006, objetivou-se,
sobretudo, imprimir novo sentido à execução, através da impressão de
características da auto-executividade relativa a qualquer sentença de
condenação. Foram trazidos para o processo de conhecimento todos os atos
relacionados com a execução. Procurou-se aprimorar a liqüidação de sentença,
que, na prática, passa a se revelar como complementação do processo de
conhecimento. Foram reparados ainda alguns aspectos conceituais entendidos
errôneos ou de interpretação dúbia quanto à sentença. A execução provisória
foi dotada de maior eficácia, de modo a torná-la mais útil ao exeqüente. As
execuções decorrentes de sentença condenatória em indenizações por ato
ilícito foram facilitadas.
A última reforma do Código de Processo Civil objetivou orientar a
execução por título judicial como complemento do processo de conhecimento,
em exercício evidente de sincretismo processual, mitigando a separação entre
os processos de conhecimento e de execução.
De um modo geral, tanto as alterações do Código de Processo Civil
brasileiro quanto a reforma constitucional realizada pela Emenda Constitucional
45, vêm ocorrendo em razão de um mesmo diagnóstico relacionado à falta de
40
operatividade do sistema processual e sua incapacidade de desempenhar de
maneira útil a finalidade última à qual se destina, à realização efetiva da tutela
dos direitos. Efetividade é a palavra de ordem a balizar a adoção das técnicas
processuais capazes de materializar a tutela jurisdicional buscada.
Nesse desiderato é o trabalho proposto no sentido de investigar as
tutelas mandamental e executiva lato sensu como técnicas hábeis a realização
efetiva da proteção dos direitos.
1.2. Raízes históricas das técnicas de prestação jurisdicional análogas
à tutela mandamental e executiva lato sensu
Já foi esboçado, no início do capítulo, que a origem do direito processual
civil brasileiro remonta aos direitos romano, germânico e canônico.
Apesar de já haver sido tecido em linhas gerais o desenvolvimento
histórico de tais sistemas jurídicos, fez-se a opção por tratar separadamente,
dentro de referidos sistemas, as técnicas de prestação da tutela jurisdicional
utilizadas em cada período que guardam similitude, podendo ser referidas às
tutelas mandamentais e executiva lato sensu, conforme objeto específico de
análise no trabalho.
Com relação ao período romano, já se observou que se diferenciava o
poder de imperium e o jurisdictio, sendo aquele o poder de mando e este o
poder de dizer o direito. Essa diferenciação apresenta relevância no importe
que, é através do poder de imperium que podia o magistrado ordenar ou proibir
certos atos, com sanções administrativas, como multas e penhora e intervir nos
litígios entre os particulares.
41
Importante distinção havida no direito romano, que ainda hoje
repercute75 diretamente no entendimento das ações mandamentais e
executivas lato sensu, refere-se as actio in personam e as actio in rem.
Os romanos atribuíam uma actio in personam, ou ação pessoal, sempre
que houvesse uma relação obrigacional que servisse de fundamento para a
ação, de forma que, sempre havia na fórmula dessas ações, referência ao
dever de prestar.
A contrário, na actio in rem, ou ação real, não havia qualquer obrigação
a que estivesse vinculado o réu, já que por ela o autor buscava obter a coisa e
não o cumprimento de uma obrigação.
Essa a razão porque apenas as ações pessoais, ou actio in personam,
geravam uma sentença condenatória, ou condemnatio, ao passo de que as
action in rem geravam, um interdictum, se a finalidade da demanda fosse a
recuperação da posse, ou um vindicatio, caso o proprietário objetivasse a
restituição de um objeto de seu domínio contra o possuidor injusto.76
No período fomulário, tendo seu poder aumentado, o pretor passou a
aplicar medidas excepcionais derivadas do imperium. São derivados desse
poder do pretor, conforme ensina José CRETELLA JÚNIOR, os interditos, as
restitutiones in integrum, as estipulações pretorianas e a missio in possessione.
75 Essa repercussão possui maior peso se a análise das ações considerar em primeiro plano as origens históricas dessas formas de tutela jurisdicional, conforme a análise efetuada por Ovídio Araújo Baptista da SILVA. No entanto, sob a ótica adotada no trabalho, que parte do direito constitucional a afetividade da prestação jurisdicional, dentro da qual o processo assume condição de mecanismo de realização dos direitos materiais, sua importância é relativizada. 76 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso...cit. v. 2. p. 198-200.
42
Essas medidas carregavam carga de mandamentalidade, como os
interditos77, que são providências tomadas pelo pretor para decidir uma
controvérsia, ordenando ou proibindo alguma coisa.
Também a missio in possessionem era caracterizada por grande carga
de mandamento, já que era a ordem dada pelo pretor a uma pessoa para que
tomasse posse de coisas pertencentes à outra pessoa, via de regra como
medida acautelatória.
Esses meios complementares de tutela passíveis de serem concedidos
pelo pretor em decorrência de seu poder de imperium, pelo qual poderia
mandar, alterando os fatos com o uso de seu poder, são claras manifestações
de providências análogas às tutelas mandamentais e executivas lato sensu.
No sistema cognitio extra ordinem, em função de suas características
peculiares, sobretudo a natureza de sua sentença, faz-se possível à detecção
de decisões com eficácia mandamental ou executiva lato sensu. A condenação
em pecúnia começou a ceder espaço, passando a ser admitida a tutela
específica com relação às obrigações de dar, evoluindo paulatinamente para as
obrigações de fazer.
Nesse período a sentença proferida pelo magistrado era mais livre que
na época clássica, vinculando-se à lei, sendo sua força originada da confiança
que desfrutava do imperador.
A sentença proferida pelo magistrado trazia em seu bojo a devida força
executória. Sendo o réu condenado a restituir a coisa, poderia ser obrigado ao
77 Nesse período distinguiam-se três espécies de interditos, sendo o proibitório, o restituitório e o exibitório.
43
cumprimento de seu dever manu militari, podendo ser dever seu convertido em
perdas e danos diante da impossibilidade de cumprimento in natura.
No sistema germânico antigo, por seu turno, pode ser localizada, para o
estudo das tutelas executivas lato sensu, a penhora privada, pela qual, o
senhor de bem material poderia tomar atitudes no sentido de recuperar
imediatamente, de forma prática e individual, o que era seu, segundo seu
próprio julgamento. Aquele de quem se tomasse o bem, sentindo-se lesado
deveria instaurar um procedimento cognitivo contra quem lhe tomou o bem.
Essa penhora, em momento posterior, passou a depender de autorização
judicial.
No período do direito comum, a exemplo do que ocorria no período
formulário, a sententia prolatada pelo iudex, fazia surgir uma nova relação
denominada res iudicata, que serviria de fundamento da actio iudicati, pela qual
o vencedor poderia exigir o cumprimento da sentença que lhe fora favorável.
Como efeito relevante, a sentença condenatória, dentre outros, gerava a
obligatio iudicati, pressuposto da actio iudicati.
Entre a condenação e a actio iudicati havia o lapso de trinta dias. Se o
devedor não cumprisse a obrigação, dava ensejo à instauração de outra ação,
com procedimento semelhante ao anterior, onde era novamente concedida
uma fórmula pelo pretor. Frente a essa nova ação o devedor poderia assumir
atitude de cumprir a obrigação, negar a obrigação, contestando a validade do
julgamento ou silenciar-se. Se o devedor não cumprisse a obligatio iudicati nem
contestasse, o pretor expedia uma ordem de execução da quantia devida.
Por esse período, ao contrário do período das ações da lei, por obra da
atividade pretoriana, os atos executórios passaram a ter caráter opcional,
44
podendo ser admitida também contra os bens do devedor, e não mais apenas
contra a pessoa do devedor. Assim, sendo esta a opção, o pretor, fundado no
poder de imperium, emitia ordem autorizando o credor a se imitir na posse da
totalidade do patrimônio do devedor.
Essa providência guarda estreita similitude com os institutos estudados
no trabalho, vez que tratava-se de um meio eficaz de coação da vontade,
pautado no poder de imperium, cuja intenção era compelir o devedor
recalcitrante ao pagamento, sob pena dos danos que poderiam resultar de sua
recusa no inadimplemento. Era, pois uma medida de caráter coercitivo
semelhante à tutela mandamental, e autorizando atos executivos conforme a
tutela executiva lato sensu.
No direito comum, como resultado da conciliação dos princípios
romanos de maior formalismo com a simplicidade do processo germânico,
surge o procedimento da execução per officium iudices, referente à efetivação
da sentença, onde a execução passa a ser mera continuação do procedimento
cognitivo. Em tal sentença a ser executada já se encontravam presentes os
meios para a satisfação dos direitos do autor, com a possibilidade da prática de
atos pelo juiz que importava na transferência de patrimônio do devedor e
expropriação, como substituição de sua vontade.
Já no direito moderno que sucedeu o direito comum, cuja abordagem
será feita mais detidamente no capítulo que se segue, os valores do
racionalismo e do liberalismo presentes à época de sua formação, redundaram
numa separação rígida entre a cognição e a execução, com destaque para a
primeira função, diminuindo à quase extinção, as possibilidades de adoção de
45
tutelas por parte dos magistrados em sede de ação de conhecimento que
refletissem atos de natureza executória.
Ainda desse período, também por influência dos ideais liberais e do
capitalismo, a idéia de que todas as obrigações acabam por serem convertidas
em pecúnia, abafando a noção de tutela específica da obrigação. Surgem os
títulos executivos e há padronização dos procedimentos, criando-se um
procedimento padrão – ordinário -, em detrimento dos procedimentos
particulares, minimizando as ocorrências de mandamentalidade ou
executividade nas tutelas jurisdicionais prestadas, em acordo com os ideais
que vigoravam à época.
Tratando especificamente do desenvolvimento histórico do processo em
Portugal e no Brasil com relação às manifestações das tutelas mandamental e
executiva lato sensu, identifica-se que, conforme as Ordenações determinavam
de uma forma geral, a execução era praticada pelo órgão estatal, procedendo-
se por ordem imediata do juiz quando relativa à sentença. Para a efetivação
das decisões era permitida até mesmo a prisão do devedor ou sua redução à
condição de escravo.
Como influência do processo romano-canônico, a cognição, efetuada
através de procedimento longo, era anterior à execução. Não obstante, havia a
previsão da possibilidade de cobrança de alguns créditos privilegiados através
de procedimento diferenciado. Havia ainda a previsão de procedimentos
dotados de força executiva ou mandamental, como o procedimento para
entrega de coisa, onde havia a retirada da coisa do poder de uma parte e
entrega a outra.
46
Por força do Regulamento 737 já referido, foram disciplinadas as ações
executiva e as de força nova, ambas possuidoras de eficácia mandamental e
executiva lato sensu. Não havia autonomia do processo de execução e a
efetivação das sentenças dava-se por iniciativa do juiz.
Posteriormente, com os Códigos de Processo Estaduais, detectam-se as
ações possessórias, com provimentos dotados de força executiva lato sensu
como aquele proferido em sede de ação reintegratória, cuja efetivação dava-se
de imediato, independente de citação, e mandamental, como o proferido nos
interditos proibitórios e de manutenção, pelo qual as decisões eram efetivadas
por meio de mandado, com previsão de multa em caso de desobediência.
Já sob a influência da doutrina liberal, o Código de Processo Civil de
1939, com notas de mandamentalidade e executividade lato sensu, mantinha
as ações executivas conforme disciplinado pelas Ordenações, bem como as
ações especiais, mantendo ainda a execução de sentença como fase final do
procedimento ordinário. O caráter executivo lato sensu podia ser identificado
nas ações possessórias, que previam instrumentos aptos a modificar a
realidade, ao passo que a mandamentalidade era nota das ações cominatórias,
onde havia a ordem do juiz para a prática ou abstenção de ato sob a previsão
de penalidade para o caso de descumprimento do comando judicial. Especial
atenção denota o artigo 30278 do Código de Processo Civil brasileiro de 1939,
78 Código de Proceso Civil de 1939. “ Art. 302. A ação cominatória compete: I – ao fiador, para exigir que o afiançado satisfaça a obrigação ou o exonere da fiança; II – ao fiador, para que o credor acione o devedor; III – ao desherdado, para que o herdeiro instituido, ou aquele a quem aproveite a desherdação, prove o fundamento desta; IV – ao credor, para obter reforço ou substituição de garantia fideijussoria ou real; V – a quem tiver direito de exigir prestação de contas ou for obrigado a prestá-las; VI – ao locador, para que o locatario consinta nas reparações urgentes de que necessite o predio; VII – ao proprietario ou inquilino do predio para impedir que o mau uso da propriedade vizinha prejudique a segurança, e socego ou a saúde dos que o habitam; VIII – ao proprietário, inclusive o de apartamento em edificio de mais de cinco (5) andares, para exigir do dono do prédio vizinho, ou do condômino, demolição, reparação ou caução pelo dano iminente; IX – ao proprietário de apartamento em edificio de mais de cinco (5) andares
47
onde estavam previstas as supra referidas ações cominatórias, que se
apresenta como fonte do conteúdo do atual artigo 461, concernente às
obrigações de fazer, clara manifestação da tutela mandamental. Essas, em
linhas gerais, as origens e aplicações das tutelas mandamental e executiva lato
sensu no decorrer da evolução do processo civil, considerando a família
jurídica da qual descende o direito processual civil brasileiro, conforme
debatido no início do trabalho.
para impedir que o condômino transgrida as proibições legais; X – à União ou ao Estado, para que o titular do direito de propriedade literária, ciêntifica ou artistica, reedite a obra, sob pena de desapropriação; XI – à União, ao Estado ou ao Municipio, para pedir: a) a suspensão ou demolição de obra que contravenha a lei, regulamento ou postura; b) a obstrução de valas ou excavações, a destruição de plantações, a interdição de predios e, em geral, a cessação do uso nocivo da propriedade, quando o exija a saúde, a segurança ou outro interesse público; XII – em geral, a quem, por lei, ou convenção, tiver direito de exigir de outrem que se abstenha de ato ou preste fato dentro de certo prazo.”
48
CAPÍTULO II
ESTADO E JURISDIÇÃO: DO ESTADO LIBERAL AO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO
2. Noção de Estado e de Prestação Jurisdicional sob a ideologia liberal-
burguesa
O objetivo da análise que se segue não é a de levar a intento profundo e
completo estudo sobre a formação e características do Estado liberal-burguês,
ou dos institutos aqui tratados, mas antes, buscar, em tal período da história,
as raízes e valores que serviram de fundamentos à formação do Direito Civil e,
por conseqüência, do processo e dos procedimentos em seara processual civil,
de cujo legado ainda hoje nos valemos, buscando, sobretudo, focar a realidade
social, o contexto formador dos valores que sufragaram e determinaram o
modo de ser do processo civil. 79
Em seu processo de formação, a sociedade burguesa, moldou um
projeto político voltado à satisfação das necessidades insurgentes, em
consonância com os ideais do projeto burguês pautado, sobretudo, na
racionalidade econômica, liberdade pessoal e incoercibilidade individual, em
correlação a um Estado apequenado. 79Como salienta Luiz Guilherme MARINONI, “Para a teoria do processo é fundamental o desenvolvimento da idéia de Estado e, é obvio, a noção de historismo. As teorias acerca da jurisdição não podem ser compreendidas à distância do “espírito das épocas”, ou das idéias de Estados que as inspiraram. O tratamento da teoria do processo não prescindi da reflexão sobre o Estado, a cultura e a realidade social de cada época.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 4.ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2000.p. 18-19.)
49
Em oposição às características da sociedade feudal que a antecedeu,
marcada pelos laços de dependência, de exploração da terra, a existência de
vários centros de poder ligados a terra – os senhores feudais, a sociedade
burguesa insurgente vai, paulatinamente, assumindo e impondo suas próprias
características80.
A expulsão dos camponeses do campo, em função, sobretudo das
pragas, da escassez de alimentos, provocam uma corrida do mundo rural para
os burgos, dando ensejo ao nascimento das cidades. As pequenas cidades
começam a se dedicar à economia de troca, já que não podiam mais explorar a
terra, levando a formação dos mercados, ou seja, do comércio.
Sem terras e sem senhores de terras, são quebrados os laços de
dependência, de ligação orgânica, começando a surgir as cidades que
pleiteavam a liberdade para ter vida própria, independente dos senhores
feudais.
A burguesia começa a se enriquecer explorando o comércio. As trocas
econômicas próprias do comércio pressupõem cálculo econômico na busca do
lucro, levando o burguês a dominar a racionalidade econômica.
A partir desse quadro instado, produz-se uma alteração na mentalidade
dos habitantes da cidade, a partir da consciência de que a riqueza não advém
só da exploração da terra, mas também da circulação de mercadorias, através
do comércio.
80 É o que ensina Nelson Rodrigues NETTO, ao se referir ao cerne do pensamento liberal, ao afirmar que “Este sistema político ideológico, surgido após a Revolução Francesa, com a derrubada da monarquia e o desenvolvimento da burguesia, coloca-se a serviço desta classe social, propiciando seu progressivo enriquecimento.”(NETTO, Nelson Rodrigues. Tutela jurisdicional específica: Mandamental e Executiva lato sensu. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002.p. 88.)
50
Com a produção da riqueza, agora não mais vinculada apenas à
exploração da terra, mas também através da circulação de mercadorias,
germina o pensamento de que as pessoas podem se fazer por si mesmas,
tirando seu sustento do lucro, rompendo os laços de dependência
característicos da sociedade feudal, inserindo o pensamento burguês
dissociado da idéia de comunidade.
Essa nova concepção sobre a riqueza vinculada à economia de troca e
esta, por sua vez, pressupondo cada vez mais a liberdade – e a igualdade,
como será demonstrado - dos indivíduos, que vai caracterizar toda a ideologia
liberal-burguesa, dá ensejo à formação da economia capitalista.
A economia de troca baseia-se na apropriação e circulação de bens,
dotando de importância à propriedade e o contrato, a primeira como modo de
apropriação e o segundo como forma de circulação dos bens. Sob a
perspectiva dessa concepção, a proteção patrimonial assume fundamental
importância para o burguês.
Surge daí a necessidade de criar entidades e mecanismos para a
proteção e a liberdade das trocas, sob as quais se baseiam a economia
capitalista e a ideologia individualista. A partir desse pensamento e para essa
finalidade é moldado o Estado, como forma de centralização dos vários núcleos
de poder e implantação do projeto burguês, protegendo o comércio e os bens
comercializáveis. O Direito vai possibilitar essa implantação81.
Enquanto no momento histórico anterior, a propriedade feudal era
dividida, havendo várias pessoas que sobre ela exerciam interesses e poderes, 81 Se de um lado, no campo do direito obrigacional, a Lei era formulada de modo a propiciar total autonomia e liberdade, consagrada no brocardo latino pacta sunt servanda, de outro, no campo dos direitos reais, havia uma enunciação taxativa pela Lei, garantindo uma proteção rígida ao patrimônio, no importe em que, somente dentro dos contornos legais, surgiria o direito real na situação fática.
51
dificultando, senão, impossibilitando a circulação daquela, interessava à
burguesia e sua economia capitalista, a circulação da propriedade. Há então
um resgate da idéia de Propriedade Quiritária, do Direito Romano, para permitir
o sistema de trocas, através do contrato baseado na vontade.
Como a economia se baseia na troca, para que aquela se fortaleça é
necessário que todas as pessoas possam participar dessa forma de economia.
Quanto mais pessoas participarem da economia de mercado, dada a sua
característica naturalmente expansiva, mais ele crescerá. Assim, há duas
formas de crescimento da economia de mercado; sempre criando novas coisas
capazes de serem colocadas em circulação e aumentando o número de
potenciais participantes dessa economia.
Para atender essas duas formas de crescimento, há a criação de
documentos para possibilitar a circulação do bem imóvel. Bens naturalmente
imóveis são assim transformados em bens circuláveis pelas cártulas. As coisas
deixam de ser coisas e passam a ser mercadorias.
Para atender o segundo requisito da economia baseada no comércio,
como o mercado precisa de consumidores, interessa a ideologia burguesa que
os indivíduos tenham propriedade e liberdade para adquirir. Dessa
necessidade, advém a idéia burguesa de que os indivíduos devem ser iguais e
livres para permitir o tráfego jurídico – juridicamente iguais para serem
juridicamente livres, embora possam ser materialmente diferentes.
A igualdade das pessoas na ideologia burguesa, conforme dito, leva à
liberdade – as pessoas são iguais e por serem iguais, são livres. Não se olvide
que se trata de igualdade e de liberdade formais, posto que materialmente
continuam diferentes. Mas para o Direito, como reflexo da ideologia dominante,
52
todas as pessoas são iguais, possuindo personalidade jurídica, sendo,
portanto, sujeito de direitos. Esse é o baluarte do direito privado clássico:
igualdade perante a lei.
Os teóricos da burguesia fazem a distinção entre a sociedade civil e o
Estado, gerando a diferença entre o público e o privado, ou entre o Direito
Público e o Direito Privado. Enquanto o Direito Público deve regular os
interesses do Estado, o Direito Privado regula a sociedade civil e aqui não é
dado ao Estado manifestar-se.
Na sociedade civil há o mercado, e segundo o pensamento da época, no
mercado há liberdade e igualdade, o que acarreta livre manifestação da
vontade, desta forma, tornando desnecessária a interferência do Estado82.
A burguesia vai paulatinamente dominando o poder econômico e
almejando o poder político, através da educação. Ao surgirem as primeiras
universidades, estas foram ocupadas pelos filhos dos burgueses, que depois
de estudados voltavam para disputar o poder político e fazer implantar a ordem
política, moldando o direito estatal aos ideais da burguesia.
Como a racionalidade econômica é base da economia capitalista
burguesa, há uma necessidade de busca pela certeza e pela segurança, agora
pautada na racionalidade científica.
Na construção da nova sociedade o homem precisa deixar a religião em
busca da certeza, já que aquela representa o incerto, o desconhecido. Busca
auxílio para explicação da realidade, antes explicada pela religião, na
82 Nesse sentido ensina Ovídio Araújo Baptista da SILVA, que: “Os pressupostos que informaram nossas instituições processuais civis, assentam-se no princípio da intangibilidade da pessoa humana cuja autonomia e liberdade deve ser preservada com tal profundidade e extensão que nenhuma lei poderá penetrar na esfera inviolável da autonomia da vontade individual.”(SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso...cit. vol. 2.p. 338.)
53
observação da natureza, nos fenômenos naturais, nascendo a racionalidade
física e química. A observação dos conflitos sociais leva à formação das
ciências sociais. A ciência surge em substituição à religião, como uma forma de
explicação da realidade, que gera segurança, presunção de certeza e
racionalidade. A busca pela segurança gera a racionalidade científica. Pelo
mesmo motivo, abandonam-se os valores sensíveis, subjetivos que trazem
incerteza. Esses valores são descartados do mundo jurídico.
Para buscar a segurança jurídica, duas ordens de caminhos são
traçados. Primeiro, limitar o poder do Estado, já que esse, com seu poder
econômico e militar, poderia intervir nas relações entre particulares. Dentre as
formas de limitação dos poderes do Estado é pensada a tripartição dos
poderes.
Também a construção do Direito83 como sistema contribui para a
segurança necessária à economia burguesa. A sistematização visa à criação
de um Direito unitário, coerente e seguro. Entrega-se, então, ao Estado, o
direito exclusivo de produzir o Direito, invalidando qualquer outra forma de
produção. O Estado passa a ter o monopólio do Direito e da força, advindo daí
a segurança.
Na busca pela unidade e coerência do Direito, surge a idéia da
codificação. Em torno do ano de 1800, dá-se a era das codificações, onde as
normas são escritas e consolidadas num único instrumento. Há a unidade,
posto que oriundo da mesma fonte que é o Estado, e a coerência já que
83 Nelson Rodrigues NETTO, assim se expressa: “Assim, o Direito é elaborado segundo tais premissas, e o processo civil construído sobre uma base que confere plena certeza e segurança jurídica, segurança esta voltada à proteção da opulência da camada dominante da sociedade.”(NETTO, Nelson Rodrigues. Tutela...cit. p. 89.)
54
constante de um mesmo livro. Desse período, o maior, e para nós mais
importante referencial, é o Código de Napoleão de 1804.
A codificação, conforme ensina Ricardo Luiz LORENZETTI, prestou-se a
três ordens de fatores, sendo a primeira “ordenar as condutas jurídico-privadas
dos cidadãos de forma igualitária”, a segunda, “uma garantia de separação
entre a sociedade civil e o Estado”, e a terceira “a proposta de regulamentação
de todas as épocas e latitudes, segundo uma ordem racional.” 84
A Codificação e a Tripartição dos Poderes 85, que geraram uma função
exclusivamente judiciária, concomitantemente a mudança do fundamento sobre
o qual se assentava o direito, agora não mais residindo no rei, mas na vontade
do povo, e a aceitação da idéia de que o Estado “é uma pessoa política e
jurídica, qualificada e definida pela ordem jurídica por ele criada”86, levaram ao
conceito de Estado de Direito, como expressão jurídica da democracia liberal.87
Suas principais características, segundo José Afonso da SILVA eram:
(a) submissão ao império da lei que era a nota primária de seu conceito, sendo a lei considerada como ato emanado formalmente do Poder Legislativo, composto de representantes do povo, mas do povo-cidadão; (b) divisão dos poderes, que separe de forma independente e harmônica os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, como técnica que assegure a produção das leis ao primeiro e a independência e imparcialidade do último em face dos demais e das pressões dos poderosos particulares; (c) enunciado e garantia dos direitos individuais. 88
84 Nesse sentido é que Ricardo Luiz LOREZENTTI, ao se referir ao segurança gerada pelos Códigos decimonónicos , assim se expressa: “O Código é segurança, que se traduz em uma seqüência ordenada de artigos. A imutabilidade é uma das suas características essenciais; não se pode alterar uma parte sem mudar o todo.” (LORENZETTI, Ricardo Luiz. Fundamentos do direito privado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998. p. 43.) 85 Conforme ensina Arruda ALVIM, “A aplicação dessa teoria [ da tripartição dos poderes] foi o instrumento histórico que serviu à burguesia para se garantir contra o poder ilimitado do Estado e, simultaneamente, assumir o poder. Vale dizer, contra a antiga feição do poder, que precedentemente se encontrava encarnado na nobreza. Consistiu tal “expediente”, que se generalizou, no Ocidente, historicamente, no perfeito instrumento de construção do Estado de Direito. Este princípio foi para os juristas, o mais eficaz e lógico instrumento para a elaboração do Estado de Direito, tendo em vista as condições históricas da época.” (ALVIM, Arruda. Manual...cit.vol.1. p.160 ) 86 ALVIM, Arruda. Manual ...cit. vol. 1.p.158. 87 Ibid. p. 160 88 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 17ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000. p. 116-117.
55
Esse, em linhas gerais o perfil estatal havido como conseqüência da
implantação do projeto burguês, pautado na economia capitalista, na ideologia
liberal-individualista e no Estado soberano. Cumpre-nos, agora, analisar o
reflexo dessa ideologia sobre o Direito produzido à época.
2.1. A prestação jurisdicional - direito material e direito processual
Como reflexo do momento histórico-social do qual emana, o Direito
formado nesse período sob o influxo do pensamento liberal, espelha os
mesmos valores e, para sua defesa se instrumentaliza. A teoria do processo
está intimamente ligada à noção de Estado num determinado seguimento
espacio-temporal, no importe em que, dele retira o substrato de seu instituto
fundamental: a jurisdição. A Jurisdição é responsável pela realização dos fins
do Estado89.
A partir da divisão funcional do poder do Estado, conforme construção
doutrinária concebida por Montesquieu em sua obra O espírito das leis, há a
separação dos poderes, distinguindo as funções do Estado em legislativa,
executiva ou administrativa e jurisdicional, cada uma delas incumbida a um
poder. Ao Poder Judiciário coube a função jurisdicional.
Concomitantemente ao desenvolvimento da noção de Estado, nascem
às primeiras idéias a respeito do que veio a ser o Estado de Direito, em
contraposição a idéia de absolutismo na qual o poder do Estado envolvendo as 89 Ensina Nelson Rodrigues NETO que, a Jurisdição pode ser definida como “um poder – do Estado de decidir imperativamente e impor coercitivamente suas decisões; uma função – consubstanciada na promoção da pacificação dos conflitos intersubjetivos, realizando o ideal de justiça, por meio do processo; e uma atividade – consistente no complexo de atos do juiz no processo, exercendo o poder e cumprindo a função prescrita na lei.”(NETO, Nelson Rodrigues. Tutela Jurisdicional específica: mandamental e executiva lato sensu. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 10.)
56
funções de fazer leis, o executá-las e o julgar os conflitos decorrentes de seu
descumprimento, é exercido por um mesmo poder. É a tripartição das funções
estatais que permite a existência do Estado de Direito. O Estado de Direito
surge assim, conforme José Afonso da SILVA, “como expressão jurídica da
democracia liberal. 90 A atividade jurisdicional do Estado, através do
Judiciário91, veio substituir a função anteriormente atribuída ao soberano, de
quem emanava todo o Direito.
Há que ser lembrado, porém, nesse ponto, que não obstante a divisão
dos poderes do Estado e a atribuição da jurisdição ao Poder Judiciário, a
finalidade precípua do Estado liberal clássico era a de garantir a liberdade dos
cidadãos, delimitando a intervenção do Estado na esfera jurídica privada. Por
este motivo, conforme ensina Luis Guilherme MARINONI: “A lei não deveria
tomar em consideração as diferentes posições sociais, pois o fim era dar
tratamento igual às pessoas apenas no sentido formal. A lei deveria ser, ao
mesmo tempo, “clarividente e cega”. Esse tratamento igualitário é que garantia
a liberdade dos indivíduos.” 92
Esse entendimento, conforme continua o referido autor, espelha uma
ideologia que liga liberdade política e certeza do direito, no importe em que “A
90 SILVA, José Afonso da. Curso...cit. p. 116. 91 Cabe esclarecer que a referência aqui realizada possui o escopo didático de fazer entender o desenvolvimento histórico da noção de jurisdição do qual somos herdeiros, não importando em generalização e disseminação da idéia, que deve ser observada conforme as peculiaridades da realidade que se estude. Nesse sentido é que ressalva WAMBIER: “Essas fases não ocorreram de forma marcadamente distinta, de modo que se possa enxergá-las, num olhar voltado para o passado histórico, absolutamente separadas umas das outras. Não houve marcos divisórios nítidos, precisos entre essas diferentes fases, correspondentes a distintos modos de solução de conflitos admitidos pelas diversas sociedades ocidentais. A História mostra que, em quase todos os momentos, esses diferentes sistemas conviveram uns com os outros, ora com predominância de um, ora com a predominância do outro. Ainda hoje essa concomitância se verifica com muita clareza, apesar da evidente predominância da atividade jurisdicional estatal.”(WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil, volume 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento. Coord. Luiz Rodrigues Wambier. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 38.) 92 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica...cit. p. 36.
57
segurança psicológica do indivíduo – ou sua liberdade política – estaria na
certeza de que o julgamento apenas afirmaria o que está contido na lei”.93
Reflete ainda sobre a Jurisdição, no importe em que limita o papel do Juiz a
mero aplicador cego da lei. Nesse sentido Nelson Rodrigues NETTO, afirma
que “O dogma da liberdade dos indivíduos, retratada na seara do direito
contratual pelo citado princípio do pacta sunt servanda, tem sua expressão
maximizada no princípio do nemo ad factum praecise cogi potest, que veda
qualquer instrumento de coerção sobre a pessoa humana.”94
A não intervenção do Estado sobre o espaço privado constitui toda a
preocupação do liberalismo, refletindo-se nas leis e, por conseqüência, na
própria jurisdição. Exemplo disso é a tarefa meramente declaratória atribuída
ao juiz, que era tido como “a boca da lei”, o que leva à conclusão de que a
sentença somente declararia o texto da lei. A própria classificação trinária das
sentenças, reflete a ideologia liberal, já que todas as três espécies
contempladas podem ser definidas, segundo Luiz Guilherme MARINONI, como
declaratórias lato sensu.95
A limitação aos poderes do juiz, subordinado à exclusiva afirmação da
autoridade da lei, era útil aos interesses burgueses, posto que garantia a
liberdade necessária para o desenvolvimento dos planos sociais e econômicos.
93 Id. 94 NETTO, Nelson Rodrigues. Tutela...cit. p. 91. 95 Nesse sentido se expressa Luiz Guilherme MARINONI: “Ou seja, as três sentenças da classificação trinária contêm declaração. A condenação e a constituição representam apenas “algo mais”que se agrega à declaração contida na sentença. A primeira, além de declarar o direito existente, aplica a sanção, abrindo oportunidade para a ação de execução, enquanto a segunda, após declarar, constitui uma nova situação jurídica.” (Idem. p. 37.)
58
Também o direito substancial havido sob a ideologia liberal-burguesa
cuidava de oferecer prestações que respondessem às aspirações próprias
àquela realidade.
O Direito Civil, cuja realização é o objeto do Direito Processual Civil,
responsável pelo espaço privado da vida humana, considerando a divisão
havida entre o público e o privado, era estruturado sob o tríplice significante:
família, propriedade e contrato.
Não obstante, tais institutos eram dotados de significado diverso do
entendimento hodierno.96 A família, no projeto burguês, possuía as funções
educativa, reprodutiva e, sobretudo, de manutenção do patrimônio. Assim, as
características do Direito de Família no Direito Civil clássico eram:
matrimonializado, hierárquico patriarcal e transpessoal.
Não havia a possibilidade de desenvolvimento pessoal. A proteção
jurídica era dada à família visando unicamente suas funções, não se protegia
os membros da família individualmente.
A propriedade possuía cunho individualista, na qual os poderes
proprietários se concentravam nas mãos de uma só pessoa, o proprietário.
Nesse contexto, para efeitos de proteção pela lei, havia os proprietários,
dotados dos poderes proprietários de usar, fruir, gozar e dispor da coisa, e os
não proprietários, contra os quais os direitos assegurados em lei eram usados.
Os contratos, por seu turno, possuíam a função de fazer circular a
riqueza baseada no princípio da vontade, ancorada pela igualdade e liberdade
formais, e como tal era a proteção conferida pelo Direito. 96 Como ensina Ricardo Luiz LORENZETTI, “No Direito clássico, a propriedade, o trabalho, o contrato ou a responsabilidade foram instrumentados pelos setores sociais, com amplo acesso a esses bens, por esta razão se pensa no indivíduo “ já instalado e bem.” (LORENZETTI, Ricardo Luiz. Fundamentos do Direito Privado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998. p. 86.)
59
Também de se mencionar que o instituto da responsabilidade civil,
diversamente do entendimento que atualmente vem ganhando corpo, no
sentido de restabelecimento ou prevenção da situação danosa, era fundado na
culpa, pela qual a indenização era fixada para punir o causador dos danos.
O que importa ressaltar nesses breves apontamentos, é que os valores
predominantes nessa época eram completamente destituídos de qualquer
interesse social ou humanitário, e da mesma forma, era o Direito produzido,
sobretudo o Direito Civil, que nos interessa especialmente, segundo linha de
entendimento já apresentada.
Dentro desse contexto, sob esses valores e ideais foram moldadas as
linhas do processo civil, cuja herança ainda fazemos uso, como assinala
Ricardo Luiz LORENZETTI: “O Direito Processual tradicional baseou-se na
controvérsia bilateral, imaginando um indivíduo litigando contra o outro, em
virtude de um interesse particular. Este modelo é coerente com os direitos
subjetivos relativos, que contempla o Direito material, e que só permite dirimir
relações intersubjetivas bilaterais.”97
Conforme já dito, o direito material sob a pregação liberal individualista,
apresentava traços marcantemente patrimonialistas. Seguindo esse perfil
também o processo civil98, emergido do individualismo, traduzia-se em
97 LORENZETTI. Ricardo Luiz. Ob.cit. p. 92. 98 É a doutrina de Nelson Rodrigues NETTO, no sentido de que “Exsurgem, destarte, em função da alentada preservação da certeza e da segurança, dois elementos cardeais do processo civil clássico: (i) a coisa julgada material, a qual constitui requisito necessário para o ajuizamento do processo de execução e configura elemento divisório entre cognição e execução; (ii) o sistema típico de tutela executiva, pelo qual é vedado conferir ao juiz qualquer poder para promover os atos necessários para a satisfação do demandante, salvo aqueles meios predeterminados pelo sistema, através dos quais cada situação de fato num deles deve se enquadrar, sob risco de não ser tutelada, ou ao menos, não tutelada adequadamente.”(NETTO, Nelson Rodrigues. Tutela...cit. p. 90.)
60
institutos jurídicos que consideravam o indivíduo enquanto tal, agindo
isoladamente.
Em prol da certeza e da segurança, os poderes do juiz eram limitados à
reafirmação do conteúdo da lei. A atuação do juiz limitava-se à declaração do
direito, sendo desvinculadas as funções de julgar e de executar o julgamento.
Pela mesma razão o juiz era destituído do poder de imperium, já que a
jurisdição, por apego às suas origens históricas que serviam adequadamente
aos interesses liberais, continuava limitava ao campo meramente declaratório
do direito material dos litigantes. A classificação trinária das sentença, que
marca a separação entre conhecimento e execução, evidencia a preocupação
do Estado liberal com a segurança e a liberdade.
Outra nota importante da influência dos valores do pensamento burguês
sobre o direito processual é identificada no estabelecimento de um
procedimento único para todas as demandas – o procedimento ordinário -
desconsiderando a natureza do direito material postulado, a realidade social ou
das diferenças e necessidades concretas existentes.
Mesmo raciocínio, de abstração das pessoas e dos bens, acarreta para
o direito de matriz liberal, a suficiência da tutela pelo equivalente, conforme
ensina Luiz Guilherme MARINONI:
Se os bens são equivalentes, e assim não merecem tratamento diversificado, a transformação do bem devido em dinheiro está de acordo com a lógica do sistema, cujo objetivo é apenas o de sancionar o faltoso, repristinando os mecanismos de mercado. Por outro lado, se o juiz não pode dar tratamento distinto às necessidades sociais, nada mais natural que unificar tal forma de tratamento, dando ao lesado, valor em dinheiro.99
99 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela...cit. p. 59.
61
Desta forma, pela igualdade formal pregada pelo liberalismo, tudo seria
igual: pessoas, bens, necessidades, não existindo motivo para tutela
específica, vigorando as perdas e danos ou tutela pelo equivalente. A partir
dessa concepção e pretensão oriundas do direito material, é que se moldavam
os processos, os procedimentos e as sentenças.
Dentro desse contexto político-social, deu-se a individualização do
processo como ramo do direito, e consequentemente, em consonância e
atendimento aos valores predominantes, consagrou-se o procedimento
ordinário como rito comum, através do qual deveriam ser processadas todas as
ações de direito material. Foi ainda consagrado o processo de conhecimento e
suas eficácias declaratórias, constitutivas e condenatórias, como processo
hábil à solução de todos os litígios, desconsiderando-se as diferenças
existentes entre os direitos no plano material.
Não obstante a guinada havida na consideração dos valores
hodiernamente, ainda continuamos a fazer uso dos mesmos instrumentos
processuais contemporâneos à ideologia burguesa, que, por terem sido
moldados para a satisfação dos valores de outra realidade, se mostram inaptos
à realização das pretensões atuais.
2.2. Transição do Estado Liberal para o Estado Democrático
Seguindo o delineamento histórico traçado, a burguesia atingiu o apogeu
de seu poder em pleno século XIX. Entretanto, a forma de produção capitalista
implantada por ela, por não permitir uma justa participação de todos no
processo econômico e político, acaba por criar um exército de excluídos, o
62
proletariado, como fenômeno de massa. Repete-se, então, a história: da
mesma forma que a burguesia investira contra a nobreza hereditária, também
essa nova classe surgida como efeito do capitalismo-liberal implantado pela
burguesia, investe contra ela.
Quer impulsionados pela Revolução Industrial, quer pelos problemas
sociais intensificados pela Primeira Grande Guerra, o proletariado excluído
passou a reivindicar do Estado a interferência nas relações privadas, no
sentido de melhorar as suas precárias condições de vida. Esse fenômeno da
ascensão das massas, gerado como efeito colateral de um capitalismo sem
barreiras, em marcha pela entrada na civilização, deixou evidente a
insuficiência do aparato estatal e do sistema jurídico tradicional.
Essa massa passou a exercer forte pressão social pela reivindicação de
novos direitos que a alcançasse. No entanto, o Direito Privado em sua forma
clássica, desconhecia outras realidades que não fosse o indivíduo, como
ensina Arruda ALVIM:
Isso veio a significar que o sistema jurídico todo, que fora construído com respeito às premissas de verdade do individualismo, o que por isso mesmo, gerou profunda aversão pelo papel de grupos sociais, começou a ser posto em dúvida. O esquema originário, no liminar e sucessivamente,na Idade Contemporânea, no processo civil e na ordem jurídica, era aquele em que indivíduo deveria ser defrontado com indivíduo, ainda que um deles pudesse ser forte e outro fraco.100
Para responder aos reclamos cada vez mais intensos de massa
insurgente, são editadas leis visando situações específicas. O aumento na
produção dessa legislação esparsa para o atendimento de demandas
específicas, sobretudo após a Segunda Grande Guerra, leva ao surgimento de
100 ALVIM, Arruda. Manual...cit.vol.1.p. 66.
63
diversos microssistemas, que regulavam completamente um setor da vida,
culminando com a implosão do sistema codificado e seguro implantado pela
burguesia, levando ao fenômeno da descodificação.
A desistematização do Direito gera a insegurança, no importe em que,
respostas antes encontradas no Código Civil, tinham agora que ser buscadas
em Leis esparsas.101
A evolução da sociedade acarretou também a identificação de outros
bens antes desconsiderados pelas ordens jurídicas. Esses bens são,
exemplificativamente, os relativos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e
direitos de valor artístico, histórico e paisagístico, entre outros. Constata-se
assim, a abertura do sistema jurídico a realidades antes não amparadas pela
lei, em função de sua visão essencialmente individualista, para assumir
contornos coletivos.
A partir dessa realidade social e das leis materiais civis editadas para
atendê-la, surgem às primeiras grandes modificações do direito processual
civil. Ainda que mantido o modelo estrutural legado pelo século passado, foram
projetadas mudanças no sentido de alterar a fisionomia individualista, mitigar
as desigualdades materiais e acolher os novos direitos e sujeitos de direitos. O
Juiz, de expectador no litígio passa a ter uma postura ativa, podendo
determinar provas, cabendo a ele conduzir o processo.
O processo e seus requisitos de constituição e desenvolvimento válido
são separados do conteúdo material102, ficando aquele sob a fiscalização do
Juiz, e às partes, o objeto do litígio. 101 Conforme expressa Ricardo Luiz LORENZETTI : “A proliferação produz insegurança e mobilidade. Não se sabe exatamente qual a lei em vigor, como se solucionam os conflitos de leis, qual será a decisão final do intérprete, pois sua margem de discricionariedade é grande. O princípio segundo o qual o Direito se presume conhecido é uma falácia.”(LORENZETTI, Ricardo Luiz. Ob cit. p. 70.)
64
Não obstante tais alterações não foram suficientes para propiciar o
equacionamento de várias situações sociais, como, v.g., o consumidor,
desprotegido pelo sistema individualista e os mais enfraquecidos social e
economicamente. Em comum, essas novas realidades sociais cultivavam a
ausência de proteção pelo direito material e pelo processual.
Paralelamente a esse quadro social instado que impôs ao Direito nova
postura, como outra conseqüência, quando o Estado foi chamado a intervir nas
relações particulares foi quebrada a fronteira estanque havida entre o Direito
Público e o Direito Privado, abrindo caminho para uma forma de
ressistematização que, mais tarde, seria chamado de Constitucionalização dos
Direitos.
Nessa nova postura, não há lugar para o individualismo ou para a
igualdade formal entre as pessoas. O Estado, agora participativo, deve intervir
quando são feridos os objetivos comuns da sociedade. Os conflitos passam a
ser vistos a partir de interesses agrupados.
Esse, em largas passagens, o caminho evolutivo e as mudanças
sofridas pelos valores e ideais que inspiram e dão o contorno ao ordenamento 102 Nesse sentido, Nelson Rodrigues NETTO, aponta a possibilidade de se dividir em três grandes “fases metodológicas”, a evolução do processo, assim compreendidas: “(i) sincretista, correspondente ao período que vai desde os tempos do processo romano (v. supra, parte I, Capítulo I, 1.2) até meados do século XIX, excluídos o período dos trabalhos desenvolvidos pelos alemães sobre a natureza jurídica da ação e do processo (notadamente a obra de Büllow), tendo como característica a ausência de distinção entre o direito material e o direito processual, considerando-se o processo como mero procedimento, a ação como o próprio direito subjetivo substancial “vestido para guerra”para combater uma lesão sofrida, e tendo a jurisdição o objetivo de tutelar direitos e não pessoas; denota-se, por conseguinte, inexistir um rigor metodológico-científico suficiente para se delinear uma ciência do processo; (ii) autonomista ou conceitual, que corresponde aos primórdios do “período contemporâneo”, cujo marco inicial se deu com a obra de Büllow e é caracterizada pelos grandes estudos dos institutos processuais, resultado na formação de uma dogmática processual; contudo, teve como uma característica marcadamente instronspectiva, carecendo de uma visão pragmática, voltada aos resultados que deveriam advir do processo; (iii) instrumentalista, correspondendo ao moderno movimento dos processualistas, podendo ser considerada como uma fase de revisão dogmática, com acentuado caráter ético e sob os influxos de elementos exteriores ao processo (ao contrário da fase anterior, caracterizada pela introspecção e formação da ciência processual); seu diferencial repousa na consagração do processo como instrumento útil e eficaz, para obtenção da Justiça. (NETTO, Nelson Rodrigues. Tutela...cit. p. 97.)
65
jurídico em determinada razão espacio-temporal, do qual somos herdeiros e
frutuários. Como produto dessa evolução, hoje, frente aos novos valores
sociais vigentes, a efetividade do processo está na ordem das discussões e
produções doutrinárias pátria e alienígenas. A idéia de que os institutos
processuais devam ser revisitados para que a partir deles possa ser alcançada
a efetividade do direito material, é entendimento pacífico.
No entanto, antes de abordar propriamente os meios pelos quais essa
efetividade pode ser alcançada, interessa fazer uma análise mais detida das
razões que levaram a algumas das muitas transformações havidas na esfera
social, que desencadearam essa mudança ideológica e, conseqüentemente,
alteraram a tônica de reivindicações e anseios aos quais o Direito deve se
ajustar.
2.3. Novo papel do Estado – Estado democrático de Direito
A transição do Estado Liberal para o Estado Democrático de Direito, foi
se dando paulatinamente em decorrência de mudanças sociais, para as quais
vários fatores concorreram.
Todos os elementos supra apresentados contribuíram para a formatação
do novo papel do Estado103, agora não mais voltado à proteção dos direitos
103 Conforme esclarece José Afonso da SILVA: “O individualismo e o abstencionismo ou neutralismo do Estado liberal provocaram imensas injustiças, e os movimentos sociais do século passado e deste especialmente, desvelando a insuficiência das liberdades burguesas, permitiram que se tivesse consciência da necessidade da justiça social, conforme nota Lucas Verdú, que acrescenta: “ Mas o Estado de Direito, que já não poderia justificar-se como liberal, necessitou, para enfrentar a maré social, despojar-se de sua neutralidade, integrar, em seu seio, a sociedade, sem renunciar ao primado do Direito. O Estado de Direito, na atualidade, deixou de ser formal, neutro e individualista, para transformar-se em Estado material de Direito, enquanto adota uma dogmática e pretende realizar a justiça social”. Transforma-se em Estado Social de Direito, onde o “qualificativo social refere-se a correção do individualismo clássico liberal pela afirmação dos chamados direitos sociais, e realização de objetivos de
66
individualistas próprios da ideologia burguesa e aos interesses da economia-
liberal, mais voltados à consciência da inter-relação existente entre o indivíduo
e os demais indivíduos, a consciência da ordem pública. Da mesma forma e
seguindo mesmo movimento, também o Direito sofre uma repersonalização
privilegiando o caráter da existência do homem em detrimento do
patrimonial.104
Há uma abertura aos valores, um fortalecimento dos direitos
fundamentais. O próprio Estado passa a estar a serviço dos direitos
fundamentais. Assim, há uma substituição da compreensão do Estado de
Direito - no sentido de Estado de Legalidade, obediência cega à lei - por um
Estado Democrático Constitucional – no sentido de que todos os Poderes
públicos devem cumprir a lei no ponto em que significa cumprir a Constituição.
A concepção do Estado de Direito não é mais compreendida como
aquele que regula as relações sociais pela lei, mas regula pela lei de acordo
com a Constituição. Nesse sentido, a lei infraconstitucional deve ser
proporcional e compatível com a Constituição, sendo o legislador um servo
desta e dos Direitos Fundamentais. Não é mais a Constituição interpretada
pela Lei, mas esta interpretada a partir da Constituição.
justiça social”. Caracteriza-se no propósito de compatibilizar, em um mesmo sistema, anota Elías Díaz, dois elementos: o capitalismo, como forma de produção, e a consecução do bem estar social geral, servindo de base ao neocapitalismo típico do welfare state.”. Muito embora apresenta citado autor a observação de que “ Talvez, para caracterizar um Estado não socialista, preocupado, no entanto, com a realização dos direitos fundamentais de caráter social, fosse melhor a expressão Estado de Direito, que já tem uma conotação democratizante, mas para retirar dele o sentido liberal burguês individualista, qualificar a palavra Direito com o social, com o que se definiria uma concepção jurídica mais progressiva e aberta, e então, em lugar do Estado social de Direito, diríamos Estado de Direito Social.” (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000. p. 119-120.) 104 A respeito escreveu Ricardo Luiz LORENZETTI: “O Direito privado começa a interessar-se pelas conseqüências públicas das ações privadas, seu impacto sobre os demais indivíduos e sobre os bens públicos, e por isso confere status jurídico a bens que antes eram irrelevantes.”( LORENZETTI, Ricardo Luiz. Ob. cit. p. 84.)
67
Essa nova postura diante da estruturação jurídica provoca uma releitura
de todo o direito infraconstitucional a partir da Constituição, que tem como pilar
a dignidade da pessoa humana, garantido pela supremacia dos direitos
fundamentais.
Todo esse conjunto de sintomas, fruto da mudança histórico-social e
cultural apontada, também atingiram a sociedade brasileira, sobretudo a partir
da segunda metade do século XX, fazendo-se projetar no Ordenamento
Jurídico. Conforme já debatido, esses sintomas derivaram de uma gênese,
uma travessia que se operou paulatinamente da Idade Moderna para a
Contemporânea.
No âmbito do Direito Civil105, o Código de 1916, sob marcante influência
do Código de Napoleão de 1804, representava um ícone da modernidade e
como tal projetou sua visão de mundo por sobre os três pilares – família,
propriedade e contrato – que se colocaram segundo os interesses dominantes
à época.
Passadas sete décadas até a Constituição de 1998, há um
deslocamento do lugar ocupado pelo Código de 1916, que era chamado de
Constituição de Direito Privado, para a Constituição propriamente dita.106 Os
105 Deve ser esclarecido, conforme será debatido mais adiante, que a idéia basilar do trabalho parte do entendimento do processo civil à luz da história, da realidade social e do Estado a que se liga. Esse contexto histórico-social no Brasil, conforme objeto específico de investigação, parte do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva e foca no sincretismo processual impresso pelas tutelas mandamentais e executivas lato senso, que se apresentam como técnicas potencializadoras da efetividade das decisões judicial, portanto, da efetividade da tutela jurisdicional. Desta forma, sendo o processo o instrumento de materialização dos direitos, o fim do processo deve ser detectado nas necessidades do direito material, ou nos resultados materiais que o processo deve gerar para atendê-las, por isso a importância de identificar os direitos materiais garantidos em determinada razão de tempo/espaço e os mecanismos processuais existentes aptos a prestá-los. 106 Como ensina Ricardo Luiz LORENZETTI: “O Código [Civil] divide sua vida com outros Códigos, com microssistemas jurídicos e com subsistemas. O Código perdeu a centralidade, porquanto ela se desloca progressivamente. O Código é substituído pela constitucionalização do Direito Civil, e o
68
mesmos significantes adotados pelo Código Civil, passam agora a ser lidos, a
partir do significados que lhes imprime a Constituição e dos valores nela
contidos107.
Além dos pilares clássicos do Código Civil, de se observar que as
transformações da sociedade e do Estado deram azo ao nascimento de novos
direitos cuja proteção demanda estruturação de técnicas processuais
diferenciadas, de modo a proporcionar a tutela específica ao direito buscado.
Cumpre-nos, portanto, ainda que sem qualquer intenção de exaurir o
assunto, buscar compreender algumas das transformações ocorridas nas
diversas áreas do viver humano, que demandam do direito sua justa
adequação. Começamos pelo pilar de sustentação da ordem jurídica, pautado
nos direitos fundamentais.
ordenamento codificado, pelo sistema de normas fundamentais.”(LORENZETTI. Ricardo Luiz. Ob. cit.p. 45.) 107 Ensina Arruda ALVIM que: “Por isso é que se pode dizer com propriedade, que a chamada dogmática clássica, inspirada e desenvolvida em função do individualismo jurídico que resultou no positivismo jurídico, encontra-se superada, e esta situação ocorreu diante dessa não mais poder satisfazer às necessidades contemporâneas, animadas por uma consciência coletiva reivindicante e tendo em vista os reclamos de que todas estas situações viessem a ser protegidas.”(ALVIM, Arruda. Manual...cit. vol.1. p. 80.)
69
CAPÍTULO III DIREITO FUNDAMENTAL À TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA NO
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 3. Direitos fundamentais
Segundo Gustavo AMARAL108, os direitos fundamentais aparecem na
história a partir da era moderna. As idéias de dignidade, liberdade e igualdade
existiam na história antes do Renascimento, mas não formuladas como
direitos, tal como hoje. Ensina ainda citado autor que os direitos fundamentais
vão surgindo, primeiro para afirmar a liberdade de fé, depois para questionar os
fundamentos do poder absoluto, seja em seu próprio exercício, seja em sua
relação com os cidadãos e, também, pela humanização do direito penal e
processual penal.
Com o triunfo das revoluções liberais na França e nos Estados Unidos e
a influência em outros países, os direitos fundamentais foram reconhecidos em
textos constitucionais. Teve-se, daí, a positivação, a generalização e,
posteriormente, em especial após a 2ª Grande Guerra, a internacionalização
dos direitos fundamentais.
Na análise de Luiz Guilherme MARINONI, acerca do surgimento e
desenvolvimento da idéia de direitos fundamentais ao longo da história, sob o
influxo dos acontecimentos inerentes a cada momento, temos que:
108 Leitura feita a partir da obra de base: AMARAL. Gustavo. Direito, Escassez & Escolha. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.50 e ss.
70
Os direitos fundamentais, na concepção liberal-burguesa, eram compreendidos como direitos de defesa do particular contra interferências do Estado em sua propriedade e liberdade. Mas tarde, como conseqüência natural da transformação do Estado e de suas novas funções diante da sociedade, os direitos fundamentais passaram a ser categorizados não mais como direitos de defesa, mas igualmente como direitos a prestações. Isso tem relação com a tomada de consciência de que não bastava garantir liberdades diante do Estado, mas era necessário dele exigir não só prestações de proteção aos direitos e prestações sociais capazes de efetivamente possibilitar que a liberdade pudesse ser usufruída, como também prestações idôneas a viabilizar a participação dos particulares na reivindicação de prestação e dos direitos sociais e nos próprios procedimentos judiciais voltados à tutela dos direitos.109
Temos assim, em linhas gerais, que ‘Direitos Fundamentais’ é
expressão empregada para designar os direitos humanos positivados em uma
dada sociedade. Essa positivação acrescenta as garantias dos mecanismos do
Estado para a defesa desses direitos, mas não lhes retira a natureza de direitos
morais.
Para Gustavo AMARAL, os direitos fundamentais têm natureza jurídica
própria, inconfundível com as categorias moldadas à luz do direito privado. Não
são eles meras regras de estrutura, pois indisfarçavelmente há direitos
fundamentais voltados a prestações positivas e, por outro lado, os conflitos
intersubjetivos baseados em direitos fundamentais que obrigam a uma
intervenção estatal nas esferas protegidas por esses direitos, muitas vezes
para limitá-los, o que seria impensável se sua natureza fosse de norma de
estrutura, hipótese em que faltaria competência para o Estado.
Não são eles meros valores jurídicos a orientar a formação do
ordenamento ou concessões estatais, mas, ao contrário, investem o particular
em prerrogativas, legitimando-o a exigir dadas condutas estatais. Continuando,
109 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 154-155
71
referido autor aponta que os direitos fundamentais são a positivação dos
direitos humanos, que são direitos naturais.
Os direitos humanos são normas cujo teor varia ao longo da história,
mas tendo sempre um prumo: a dignidade da pessoa humana, valor cuja
definição a priori não é possível, mas que, em cada momento histórico, para
cada comunidade, permite uma dedução racional.
Eles notabilizam-se por serem o pressuposto de existência da ordem
jurídica. Uma ordem que não reconheça os direitos humanos, não é jurídica,
mas mero estatuto de dominação. Os direitos fundamentais, que são
positivados, ainda que por interferência de outros princípios e valores
albergados no ordenamento, são normas que, a um só tempo, moldam a
estrutura do Estado e asseguram direitos.
Os direitos fundamentais investem o indivíduo em um status jurídico no
qual lhe é facultado formular pretensões perante o Estado, pretensões essas
que podem dirigir-se a uma abstenção estatal - pretensão negativa - ou a uma
ação do Estado – pretensão positiva, não havendo, porém, um binômio em
correlação necessária pretensão/dever. Eles formam uma categoria própria de
direito, pois a reivindicação de seu conteúdo não necessita da ocorrência
concreta de um fato que se adeque à hipótese prevista em lei.
Embora seja usual a classificação em gerações de direitos, a
terminologia, segundo Gustavo AMARAL, não é adequada quer para os direitos
fundamentais quer para os direitos humanos. Para o referido autor, mais
apropriado é falar em dimensões de direitos fundamentais, já que a realidade
atual das antigas liberdades liberais não é a mesma que existia no século XIX.
72
Mesmo os direitos tidos por negativos comportam reivindicações de prestações
estatais positivas.
Na Constituição da República Brasileira, que possui dentre seus
objetivos fundamentais construir uma sociedade livre, justa e solidária, os
Direitos e Garantias Fundamentais representam a base de todos os demais
direitos, vinculando o próprio Estado como instrumento de persecução desses
direitos, na realização de seus objetivos fundamentais.
O Título II, da Carta Magna, disciplina Os Direitos e Garantias
Fundamentais, havendo a subdivisão em cinco capítulos, donde nos interessa
sobremaneira o Capítulo I, que trata dos Direitos e deveres individuais e
coletivos, contidos no art. 5º e seus incisos. Muito embora deve ser ressaltado
que a Constituição de 1988 consagrou também a abertura material do catálogo
constitucional dos direitos e garantias fundamentais, existindo em outras partes
do texto constitucional direitos fundamentais assegurados. Da mesma forma
são também acolhidos os direitos positivados nos tratados internacionais em
matéria de Direitos Humanos, e compreendidos, em última análise, sob uma
perspectiva principiológica.
De igual forma, pela dicção do artigo 5º, §2º110 da Carta Magna, foi
reconhecida a existência de direitos não-escritos decorrentes do regime e dos
princípios da nossa Constituição, assim com a revelação de direitos
fundamentais implícitos, subentendidos naqueles expressamente positivados.
110 “Art. 5º. (…)§ 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”(Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1998.)
73
E tamanha a importância dos direitos fundamentais, seu reconhecimento
e proteção no ordenamento jurídico, que, conforme ensina Ingo Wolfgang
SARLET:
(...) o que se pretende sustentar de modo mais enfático é que a dignidade da pessoa humana, na condição de valor (e princípio normativo) fundamental que “atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais” exige e pressupõe o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões (ou gerações, se assim preferirmos). Assim, sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhes são inerentes, em verdade estar-se-á negando-lhe a própria dignidade.111
Mais do que a enunciação e o reconhecimento dos direitos
fundamentais, parafraseando referido autor, importa que o direito a ter direitos
restará vazio se tal não for compreendido também como o direito a ter direitos
efetivos, no sentido de que reclama uma íntima conexão entre a dignidade da
pessoa humana – dos direitos fundamentais de um modo geral - com o direito a
uma tutela jurisdicional efetiva e todos os seus necessários desdobramentos,
evidenciando assim sua dupla função defensiva e prestacional, ou negativa e
positiva.
Por tal colocação, para a plena concretização da dignidade humana,
mas que o reconhecimento dos direitos fundamentais, há que se atentar para o
fato de que da dignidade decorrem simultaneamente obrigações de respeito e
consideração, mas também um dever de promoção e proteção a ser 111 Nesse sentido ensina que: “Embora entendamos que a discussão em torno da qualificação da dignidade da pessoa humana como princípio ou direito fundamental não deva ser hipostasiada, já que não se trata de conceitos antitéticos e reciprocamente excludentes, notadamente pelo fato de as próprias normas de direitos fundamentais terem cunho eminentemente, embora não exclusivamente, principiólogico, compartilhamos do entendimento de que, muito embora os direitos fundamentais encontrem seu fundamento, ao menos em regra, na dignidade da pessoa humana e tendo em conta que, como ainda teremos oportunidade de demonstrar, do próprio princípio da dignidade da pessoa (isoladamente considerado) podem e até mesmo devem ser deduzidos direitos fundamentais autônomos, não especificados (e, portanto, também se poderá admitir que, neste sentido, se trata de uma norma de direito fundamental) não há como reconhecer que existe um direito fundamental à dignidade da pessoa humana, ainda que vez por outra se encontre alguma referência neste sentido.”(SARLET. Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3º ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2004. p.39-84.)
74
efetivamente implementado por medidas positivas, conforme será visto mais
adiante, por parte do Estado, no uso de sua função jurisdicional.
3.1. A ordem jurídica instituída como fator de pacificação social – o processo e sua dimensão
Em sua longa marcha, o processo civilizatório conduziu o homem a uma
convivência social, o qual buscava, a partir da associabilidade, viabilizar sua
sobrevivência. 112 Tratando da formação dos grupos sociais, sob a perspectiva
de sua força geratriz, escreveu Francesco CARNELUTTI, que é a existência de
interesses coletivos que explica a formação de grupos sociais. Nesse sentido,
afirma que: “Os homens se agrupam, porque a satisfação de suas
necessidades não pode ser obtida isoladamente com respeito a cada um. A
determinação dos interesses coletivos é, portanto, função dos grupos sociais,
que se constituem sem outro objeto que o de desenvolver esses interesses.”113
A par de tais posicionamentos, há quem entenda esse processo de
associabilidade, como própria vocação imanente do ser humano114, ou como
necessidade para conservação e aperfeiçoamento, entendendo desta forma
sociedade não como formação artificial, mas necessidade natural do
112 Nas palavras de Eugen EHRLICH, a associabilidade “garante a sobrevivência dos que são capazes de se associarem, tornando-os mais fortes, porque são beneficiados pela força de toda associação. (...) Através da agregação de associações originárias como as parentelas, as famílias, as comunidades domésticas, surge a tribo, e num estágio posterior o povo.”(EHRLICH, Eugen. Fundamentos da Sociologia do Direito. Trad. de René Ernani Gertz. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986, p. 28.) 113 CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil. v. I.Trad. Hiltomar Martins Oliveira. 1. ed. São Paulo: Classic Book, 2000. p. 58 114 ALVIM, José Eduardo Carreira. Elementos de teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 1998.p.01.
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homem115. Qualquer que seja o posicionamento que se adote, surge como
ponto comum o entendimento de que, qualquer agrupamento social pressupõe
um mínimo de organização para viabilizar a convivência.
Desta forma, fez-se necessária a criação de mecanismos que
disciplinassem e garantissem a ordem social, como óbices que os homens
reciprocamente se colocam à liberdade individual. Estes limites passam por
regras mutuamente aceitas. 116
A criação das regras de conduta para os grupamentos sociais, no
entendimento de Francesco CARNELUTTI, dá-se “Quando, pelo contrário, os
interesses coletivos se tornem vastos, complexos, duradouros e, de modo
ocasional, os grupos chegam a ser complexos, sólidos e estáveis, se constitui
uma disciplina dos órgãos, ou seja, uma regra para sua atuação.”117
Não obstante a existência dessas regras de atuação, o próprio germe
embrionário da formação social, ou seja, o interesse na satisfação das
necessidades, acaba por expor ao embate os homens na busca dos meios
para sua satisfação. Observando o conceito carnelutiano de interesse118,
concluímos com tal autor que “se as necessidades do homem são ilimitadas, e
se, pelo contrário, são limitados os bens, ou seja, a porção do mundo exterior
115 ALBUQUERQUE, Francisco Uchoa de. Noções de Filosofia para o Vestibular, 2ª ed. P. 60. Apud Carreira Alvim, in Elementos de teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 01.
116Eugen EHRLICH, referindo-se a essas regras assim se expressa: “Uma associação ou organização social é um conjunto de pessoas que em seu relacionamento mútuo reconhecem algumas regras como determinantes para seu agir e em geral, de fato, agem de acordo com elas.”(EHRLICH, Eugen. Ob. cit., p. 37.) 117 CARNELUTTI. Francesco. Sistema ...cit. vol.I.p. 60 118 Para citado autor, interesse significa uma posição do homem, ou mais claramente, a posição favorável à satisfação de uma necessidade, sendo os meios para satisfação das necessidades humanas os bens. Desta forma, homem e bem são dois termos da relação denominada interesse. Sujeito do interesse é o homem e objeto daquele é o bem. (Ibid.p. 55)
76
apta a satisfazê-las, como correlativa à noção de interesse e a de bem aparece
a do conflito de interesses”119.
A busca de meios, de condições favoráveis para a satisfação das
necessidades, pode levar à resistência aos limites socialmente impostos à
liberdade do indivíduo, gerando assim a conflituosidade social. Ocorre conflito,
no entendimento de Francesco CARNELUTTI, citado por Carreira ALVIM,
“quando a situação favorável à satisfação de uma necessidade exclui, ou limita
a situação favorável à satisfação de outra necessidade”120.
Nessa linha de manutenção da ordem social, diante de um conflito de
interesses surge o Direito121, construído pelo homem, a partir da atividade
estatal, como técnica civilizadora da solução dos conflitos decorrentes da
convivência humana. 122
No entanto, fez-se necessário ainda o surgimento de um organismo
aplicador das regras do Direito, que minimizasse a resistência a estes limites,
socialmente impostos à liberdade do indivíduo, e ao mesmo tempo tivesse
119 Ibid.p. 60. 120 ALVIM, José Eduardo Carreira. Elementos ...cit. p. 06. 121 Há de se observar que o Direito se apresenta como uma das formas de resolução dos conflitos sociais, sendo este a partir da atividade estatal, havendo ainda a autotutela ou defesa privada e a autocomposição, que por sua vez comporta três formas, sendo a renúncia, a submissão e a transação, que se referem a resolução dos conflito a partir da obra dos próprios litigantes. 122 Nos dizeres de CARNELUTTI, “E assim, como em seu próprio interesse, os homens se sentem impulsionados a encontrar um meio que elimine a solução violenta dos conflitos de interesses, enquanto tal solução entrar em conflito com a paz social, que é o interesse coletivo supremo. Na realidade, posto que unicamente por meio da vida em sociedade os homens podem satisfazer grande parte das suas necessidades, e posto que a guerra entre eles desagrega a sociedade, a composição (solução pacífica) dos conflitos se converte em interesse coletivo (público), ao qual poderíamos dar, para distingui-lo dos interesses em conflito (internos), o nome de interesse externo. Nele radica a causa do Direito.” E conclui o autor: “Esta ação acontece por meio da descoberta pelos homens, reunidos em sociedade, de uma regra, conforme a qual cada conflito tenha de ser resolvido e que se impõe para cada um deles por meio de um mandato. Da combinação da regra e do mandato nasce o que chamamos de Direito.”(CARNELUTTI, Francesco. Ob. cit. p. 63-64.)
77
força coativa suficiente para se impor contra a conflituosidade social. É então
que surge a figura do Estado. 123
Na linha de manutenção da ordem social nascem, portanto, o Estado e o
Direito, esse construído pelo homem, como técnica civilizadora da solução dos
conflito decorrentes da convivência humana, ou nos dizeres de Tércio Sampaio
FERRAZ JÚNIOR, “o direito é um mistério, o mistério do princípio e do fim da
sociabilidade humana.”124 Na consecução de seus objetivos, o Estado
moderno desenvolve as atividades legislativa, administrativa e jurisdicional.
Percebe-se, pois, que o homem abandonou o estado de individualismo
selvagem para, renunciando a uma parcela de sua liberdade e
autodeterminação, reunir-se em sociedade organizada na convivência coletiva,
e construir racionalmente uma organização capaz de reger todos a partir da
soma das parcelas de liberdade individual que, pela renúncia de cada membro,
lhe foram outorgadas, sendo reconhecida a supremacia da vontade dessa
organização, configurada pelo Estado.125
PONTES DE MIRANDA, em seu Tratado das Ações, assim esclarece:
123 Norberto BOBBIO, sobre o assunto assim se expressa: “O Estado, entendido como ordenamento político de uma comunidade, nasce da dissolução da comunidade primitiva fundada sobre os laços de parentesco e da formação de comunidades mais amplas derivadas da união de vários grupos familiares por razões de sobrevivência interna (o sustento) e externas (a defesa). (...) O nascimento do Estado representa o ponto de passagem da idade primitiva, gradativamente diferenciada em selvagem e bárbara, à idade civil, onde ‘civil’ está o mesmo tempo para ‘cidadão’ e ‘civilizado’ (Adam Ferguson).”(BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade; por uma Teoria Geral da Política. Trad. Marco Aurélio Nogueira. 4ªed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p.73.) 124 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4ª ed.. São Paulo: Atlas, 2003. p. 21.
125 Conforme ensina Marcus Orione Gonçalves CORREIA, foi através do reconhecimento da supremacia da vontade coletiva do Estado sobre a vontade individual, que “Ao buscar solução do conflito, delegou-se ao Estado a possibilidade, através de uma decisão com poder de comando, de fazer a sua vontade soberana substituir a vontade particular.” (CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Direito Processual Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998, p.79.)
78
A ação, depois que a Justiça passou a ser monopólio, ficou separada da declaração, da constituição compulsória, da condenação, do mandado e da execução; estas, tornadas funções exclusivas do Estado, são objeto de prestação (jurisdicional), quando os titulares de ações, não mais podendo tutelar os seus próprios direitos, pretensões e ações, tiveram pretensão à tutela jurídica contra o Estado.126
E continua o referido doutrinador no sentido de que “a justiça pelo
Estado apenas se iniciou por medida de monopolização estatal da justiça, para
que não pudesse e não tivesse o homem de se fazer justiça por si mesmo.”127
Em sua diferenciação entre ação e tutela jurídica, PONTES DE
MRANDA fornece imprescindíveis esclarecimentos para a compreensão da
idéia de fundo que se pretende demonstrar no trabalho, sobre o direito
fundamental a efetividade da tutela jurisdicional e o dever do Estado em sua
prestação, conforme trecho que abaixo se reproduz:
O direito à tutela jurídica, com a sua pretensão e o exercício desta pelas “ações”, é direito, no mais rigoroso e preciso sentido; o Estado não é livre de prestar, ou não a prestação jurisdicional, que prometeu desde que chamou para si a tutela jurídica, a Justiça. (...) O Estado tem o dever correspondente a esse direito, que é direito subjetivo e dotado de pretensão, um dos elementos é a “ação”, o remédio jurídico processual.128
Da mesma forma com que a convivência humana dá-se, motivada por
uma complexa gama de interesses, também o Direito é fruto de deliberações
humanas. Porém, dentro do Estado contemporâneo, a construção do direito
não se dá de forma irracional e voluntariosa, mas sim através de um processo
politicamente institucionalizado.
Assim, na construção do Direito com sua função de sociabilização, de
pacificação social, identificamos a existência de estruturas harmoniosas e
interdependentes que, interagindo entre si, desenvolvem o processo que
viabiliza e disciplina essa convivência pacífica em sociedade, donde
126 PONTES DE MIRANDA. Tratado das ações. Tomo 1. Campinas: Bookseller, 1998. p. 64. 127 Ibid.p. 137. 128 BERMUDES.Sérgio. Ob. cit. p. 130.
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concluímos que a ruptura ou ineficiência de alguma das estruturas que
sustentam o processo de pacificação social, através do Direito, disfuncionaliza
o sistema como um todo.
Como processo, a construção do Direito está em constante evolução
decorrente da própria evolução da sociedade, da qual é lábaro representativo
de anseios, ideais e valores, sufragada por um conjunto de fatores que
determinam uma nova postura para o pensar e o aplicar o direito em cada
realidade social, em busca da convivência pacífica entre os homens.
A ordem jurídica protege as pessoas e bens contra os que violaram as
normas de agir da sociedade. Quanto às demais finalidades atribuídas ao
Estado, ditas de natureza interna, são em verdade fruto das necessidades dos
agrupamentos sociais, tais como as questões ligadas ao bem estar das
pessoas, v.g. segurança, saúde, alimentação, educação, e sua ordem de
priorização interna, ou eventual hierarquização, são variáveis ao longo do
tempo e do espaço.
Vez que estas são determinadas pelo espaço e tempo, no espaço social,
a radical transformação dos marcos tradicionais das fronteiras nacionais, com o
advento das revoluções tecnológicas lideradas pelo setor da informática, afetou
a própria forma de viver do ser humano.
O cidadão, num Estado Democrático de Direito, compreendido não mais
como Estado de Legalidade, de uma restrita obediência à Lei, mas como
Estado Constitucional, onde as Leis são reguladas pela Constituição, exige
bem mais que uma formal manifestação do poder estatal. A cada dia, a
comunidade aguarda do Estado uma eficaz e satisfatória prestação de
80
serviços, seja no tocante à saúde, à educação, à moradia, e por que não dizer,
à própria justiça.
Essas mudanças na sociedade fizeram com que o Direito, instrumento
tradicional do ordenamento social por parte do Estado, lido agora a partir de
seu conteúdo Constitucional, tivesse que se adaptar, notadamente o direito
processual, pois que é através dele que o conflito pode ser operacionalizado, e
que os novos interesses/problemas que aparecem constantemente, podem
buscar a solução para os conflitos que acabam por gerar.
A pacificação social, assim, é uma função de significativa relevância na
estatização da prestação jurisdicional e para esta ser viável é preciso que haja
na sociedade mecanismos efetivos de solução dos conflitos. 129 No exercício
de sua função jurisdicional, para resolver os conflitos de interesses, o Estado
vale-se do processo como instrumento. No ensinamento de CHIOVENDA:
Quanto mais se reforça a organização política, tanto mais se restringe o campo da autodefesa, não, por certo, em virtude de um contrato entre os poderes públicos e o indivíduo, mas pela natural expansão da finalidade do Estado. Enquanto, de um lado, se regulam as relações entre os indivíduos por meio de normas de lei sempre mais numerosas e precisas, de outro se provê com o processo a assegurar a observância das normas. Converte-se, assim, o processo num instrumento de justiça nas mãos do Estado.130
Sobre o assunto que ensina Luiz Guilherme MARINONI:
A partir do momento em que foi proibida a ação privada, surgiu a ação processual como veículo destinado a sua realização. A ação processual, contudo, para poder realizar as diversas ações de direito material, precisa a elas adaptar-se. Devemos ter não somente uma ação processual, mas várias ações processuais. Nessa perspectiva, como se percebe, a ação não se exaure com a sua mera propositura ou com a constatação dos seus requisitos existenciais, mas configura direito ao procedimento, à
129 Segundo Ricardo Rodrigues GAMA: “A estabilidade social é promovida pelo exercício da jurisdição, isso porque os indivíduos agem e sabem que contam com um órgão que vai impor a outrem sua vontade (assegurada por lei). Dessa forma, afasta-se a justiça pelas próprias mãos, amparando-se aquele que realmente tem direito a ser protegido. Ainda, é importante ressaltar que a própria coletividade tem interesse na paz social.” (GAMA, Ricardo Rodrigues. Efetividade do Processo Civil. Campinas-SP: Editora Copola, 1999, p.38.) 130 CHIOVENDA, Giuseppe. .Instituições de Direito Processual Civil.Vol.I Campinas: Bookseller, 1988.p. 57.
81
cognição, ao provimento e aos meios coercitivos adequados a pretensão de direito material.131
O Processo surge então, através da função jurisdicional do Estado,
como “última etapa na evolução dos métodos compositivos do litígio”132.
Assumindo a função de resolver os conflitos, em substituição à ação privada, o
Estado também assumiu o dever de prestar uma tutela ao cidadão, que
realizasse o mesmo resultado efetivo que se obteria através da ação privada
que fora proibida.
Logo, o processo para não negar a si mesmo e não frustrar sua
dimensão social deve ser dotado de efetividade. A segurança jurídica e a
estabilidade das instituições jurídicas também são condicionadas pela
realização efetiva da prestação jurisdicional, por sua utilidade prática, no
importe em que informam o sentido de Direito para os cidadãos.
Há uma evidente necessidade de aprimoramento do sistema processual,
no sentido de que mais e melhores resultados efetivos sejam obtidos, com
menor dispêndio de energia e em menor tempo133. É o que ensina José
131 MARINONI, Luiz Guilherme. Efetividade do processo e tutela antecipatória. In MARINONI, Luiz Guilherme (org.). O processo civil contemporâneo. Curitiba: Juruá, 1994. p. 117. 132 Carreira ALVIM, citando José Carlos MOREIRA ALVES, esclarece que “Conjectura-se, com bases em indícios que chegaram até nós, que essa evolução se fez em quatro etapas: na primeira, os conflitos entre particulares são, em regra, resolvidos pela força (entre a vítima e o ofensor ou entre grupos de que cada um deles faz parte), mas o Estado, então incipiente, intervém em questões vinculadas à religião, e os costumes vão estabelecendo, paulatinamente, regras para distinguir a violência legítima da violência ilegítima. Na segunda, surge o arbitramento facultativo: a vítima em vez de usar da vingança individual ou coletiva contra o ofensor, prefere, de acordo com este, receber uma indenização que a ambos pareça justa, ou escolher um terceiro (árbitro) para fixá-la. Na terceira etapa, aparece o arbitramento obrigatório: o facultativo só era utilizado quando os litigantes o desejassem, e, como este acordo nem sempre existia, daí resultava que, só passou a obrigar os litigantes a escolher o árbitro que determinasse a indenização a se paga pelo ofensor, mas também a assegurar a execução da sentença, se porventura, o réu, não quisesse cumpri-la. Finalmente, na quarta e última etapa, o Estado afasta o emprego da justiça privada, e, através de funcionários seus resolve os conflitos de interesses surgidos entre os indivíduos, executando, à força, a sentença. (ALVIM, José Eduardo Carreira. Elementos... cit. p. 14-15.) 133 Nesse sentido ensina Sérgio Torres TEIXEIRA, que: “somente com a eficiência do modelo de processo jurisdicional será possível proporcionar a eficácia da ordem jurídica, garantindo a todos a inserção em um ordenamento jurídico justo, cujas normas estipulam medidas que promovem a vida harmoniosa na comunidade e asseguram a efetivação dos direitos.”( TEIXEIRA, Sérgio Torres. Evolução do modelo processual brasileiro: o novo papel da sentença mandamental diante das últimas etapas
82
Roberto dos Santos BEDAQUE, quando afirma que “o direito processual deve
adaptar-se às necessidades específicas de seu objeto, apresentando formas
de tutela e de procedimento adequadas às situações de vantagem
asseguradas pela norma substancial.”134
A exemplo dos movimentos sentidos em outros países, a preocupação
com celeridade, tempestividade e efetividade da tutela jurisdicional foram e
estão sendo as diretrizes norteadoras dos trabalhos de reforma do Código de
Processo Civil brasileiro, implementadas ao longo da última década, na linha
de adequação das normas processuais às garantias constitucionais e
aspirações sociais.
Na realização de sua razão de ser, mais do que prever direitos, cabe ao
Estado enquanto monopolizador do poder jurisdicional, prover meios de
garantir a utilidade dos provimentos jurisdicionais materializados nas
sentenças, em garantir, em caso de vitória, a efetiva e prática concretização da
tutela concedida.
Tornar a tutela jurisdicional efetiva no tempo é a razão de ser do
processo no entendimento que “O direito do jurisdicionado à prestação
jurisdicional rápida envolve, substancialmente, o próprio conceito de processo
como meio ideal para solução das controvérsias.”135 A efetividade do processo
se apresenta como meio material, dotado de uma instrumentalidade útil na
solução das controvérsias levadas à apreciação pelo Estado-Juiz. Caso
contrário, estar-se-ia negando o próprio conceito de processo, (do vocábulo da reforma processual. In Processo Civil: aspectos relevantes. São Paulo: Editora Método, 2005/2006. p. 317.) 134 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito...cit. p. 19. 135 LOPES, Dimas Ferreira. Celeridade do Processo como garantia Constitucional. Estudo histórico-comparativo: Constituições brasileira e espanhola. In Direito Processual na História. Coord. César Fiuza. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. p. 277.
83
processamento) do latim processus, procedere – movimento para diante, e do
verbo grego proseko – chegar até, vir de trás para adiante – que indica em
última análise, o movimento executado metodologicamente em busca do
objetivo para o qual fora acionado. É a dimensão social do processo.136
Não sendo esta a baliza norteadora das normas processuais, em não
havendo atendimento aos princípios constitucionais, não se atentando para a
função social do processo, através da entrega da prestação jurisdicional em
tempo e modo úteis, disfuncionaliza-se todo o sistema jurídico, como bem
observa Ernane Fidélis dos SANTOS: “(...) se, pelo tempo, a realização prática
do processo, a qual seria a tutela jurisdicional em concreto, se torna impossível
ou dificultada, diz-se que houve frustração, ou seja, o processo e a própria
atividade jurisdicional perderam mesmo a razão de ser.”137
Pode-se concluir assim que, conforme preceitua o art. 3º138 da
Constituição da República, o Estado brasileiro, na realização de suas funções
essenciais, tem por objetivos fundamentais os de criar uma sociedade livre,
justa, solidária e desenvolvida, sem pobreza e desigualdades, sem
preconceitos ou discriminações, na qual se garanta o bem de todos.
Para isso, o Estado exerce a administração pública e cria as normas
reguladoras da convivência social, tendo assumido também o compromisso de
tornar efetiva a aplicação de tais normas, dispensando aos indivíduos lesados
136 Nesse sentido afirma Ricardo Rodrigues GAMA, que “A pacificação social, com a distribuição da Justiça, é, sem dúvida, a função mais importante do Estado.” E continua, “Para a pacificação social, não há como negar que o processo deve ser eficiente e cumprir com o seu escopo social.”(GAMA, Ricardo Rodrigues. Efetividade...cit. p. 38.) 137 SANTOS. Ernani Fidelis dos. Novos perfis do processo civil brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey,1996.p. 17-18. 138 “Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I- Construir uma sociedade livre, justa e solidária;II- garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV- promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
84
ou ameaçados pela violação delas a devida proteção, através da função
jurisdicional e o correlato processo que a materializa, na entrega da tutela
jurisdicional.
3.2. A função jurisdicional do Estado sob a baliza constitucional.
Muito embora as expressões “função jurisdicional” e “tutela jurisdicional”
possam significar tanto a atividade como o resultado da atividade
monopolizada pelo Estado, desenvolvida imparcialmente e em substituição aos
interessados, no presente trabalho, para fins de enfatizar a segunda função
específica de resultado da atividade jurisdicional, o tema será tratado em dois
momentos que se seguem.
Conforme já esboçado, a atividade jurisdicional do Estado surgiu para
regular as relações entre os indivíduos que compõem a organização social,
tutelando os direitos que, cada um destes, já não mais pode individualmente
defender ou autotutelar.
A jurisdição139 pode assim ser entendida em linhas gerais como função
que o Estado exerce para compor processualmente conflitos litigiosos, na
busca de dar ao detentor do direito objetivo aquilo que é seu. Nas palavras de
Ricardo Rodrigues GAMA, “A atividade jurisdicional deve ser entendida como
aquela desenvolvida pelo Estado na distribuição da Justiça. Constitui ela um
139CHIOVENDA acaba por definir a jurisdição como sendo: “a função estatal que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei, mediante a substituição, pela atividade dos órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, quer para afirmar a existência da vontade da lei, quer para torná-la praticamente efetiva”. (CHIOVENDA. Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Trad. Paolo Capitanio. Campinas: Bookseller, 1998. p. 8.)
85
poder-dever-função, prestado pelo Estado, exercitável por este após a
manifestação da parte, a qual tem por precisão ver seu direito protegido.”140
Nas sociedades modernas, segundo visto, o Estado assumiu para si, em
caráter de exclusividade, o poder-dever de solucionar os conflitos141. Desde
então, compete-lhe a elaboração das regras gerais de conduta e a sua
aplicação aos casos concretos. Compete ao Estado-juiz a solução dos conflitos
de interesses, que, desde então, passou a ser imparcial. O Estado substituiu as
partes, incumbindo a ele dar a almejada solução do litígio. A jurisdição é, pois,
exclusivamente uma função do Estado. Segundo Cândido Rangel
DINAMARCO, as finalidades sociais da jurisdição se dirigem à pacificação dos
conflitos e à educação às regras de convivência. Já as finalidades políticas
dizem respeito à promoção do poder, liberdade e participação enquanto valores
fundamentais do Estado. Por fim, as finalidades jurídicas, já de caráter mais
técnico, voltam-se à preservação dos preceitos concretos do direito objetivo
positivado. 142
Cabe ao Estado a função de zelar pela paz social, protegendo os
direitos de cada indivíduo frente aos demais pares, ou contra quem quer que
pretenda violá-los. Este dever estatal é representado pela função jurisdicional,
a quem compete solucionar os conflitos surgidos no meio social, pacificando as
relações e as condutas dos seus membros.
140 GAMA, Ricardo Rodrigues. Efetividade...cit. p. 14. 141 Ensina Nelson Rodrigues NETTO, que “O surgimento da jurisdição, como meio de solução de conflitos, foi decorrente do aprimoramento da sociedade, que se organizando politicamente, através de entidades hierarquizadas e pautadas por normas de convivência fixadas pelos seus membros, rendeu ensejo a criação do Estado, ente supra-individual e guardião dos interesses predominantes do grupo.”(NETTO, Nelson Rodrigues. Ob. cit. p. 4.) 142 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 7ª. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p.149-223.
86
Deve ser observado, no entanto, que, conforme já adiantado, os
contornos da jurisdição, vez que reflexo da soberania estatal, são delineados
de acordo com o próprio Estado a que se liga. No Brasil, os preceitos
normatizados na Constituição da República de 1988, esclarece José Renato
NALINI143 pretenderam “construir uma sociedade justa e solidária e, para isso,
o processo se mostra essencial. Um processo simplificado, rápido e eficiente,
garantidor dos bens da vida a todos, não apenas a uma parcela reduzida da
população.”
Na Constituição Federal brasileira, as características básicas da função
jurisdicional e da correspondente tutela prometida pelo Estado encontram-se
referidas no próprio texto da Constituição, notadamente em seu art. 5º. Assim,
ao mesmo tempo em que chama a si o monopólio do exercício da tutela dos
direitos, proibindo, conseqüentemente, a autotutela, o Estado assume o
compromisso de apreciar e, se for o caso, dispensar a devida proteção a toda e
qualquer “lesão ou ameaça a direito”, conforme inciso XXXV do artigo 5º.
Por tal compromisso, o Direito, ressalte-se novamente, entendido em
sua dimensão Constitucional, enquanto campo parcial do espaço social, não
pode ficar distante das transformações que a sociedade sofre, pois que, se ele
não for dinâmico, corre o risco de se tornar uma figura obsoleta. Dessa
maneira, o ordenamento jurídico e, sobretudo, sua viga mestra tida na
Constituição, faz sempre um esforço constante em transformar-se, adaptar-se
a realidade social.
O que se percebe, entretanto, é que a crescente complexidade das
relações sociais dos dias atuais, aliada a diversos outros fatores sociais e
143 NALINI, José Renato. Ética e Justiça. São Paulo: Editora Oliveira Mendes, 1998. p 169.
87
econômicos, gerou considerável aumento de demanda na utilização da função
jurisdicional do Estado, o que, por conseguinte, veio criar, ou agravar, um
problema que já se mostra de conseqüências nefastas ao cidadão que
depende do socorro estatal para resguardar seus direitos144, especialmente
considerando que este mesmo está, ao menos pelo que dispõe a ordem
jurídica vigente, proibido de buscar a solução pela autotutela.
Assim, buscando minimizar a distância entre a realidade social e o
ordenamento jurídico, dando impulso à onda de reformas dentro do ciclo
evolutivo incitado pela própria evolução social, a chamada Constituição cidadã¸
detectando a nova natureza das relações sociais, não apenas criou ou
promoveu em nível constitucional instrumentos destinados a dar curso a
demandas de natureza coletiva, e tutelar direitos e interesses transindividuais,
como ampliou instrumentos de tutela da própria ordem jurídica.
Com efeito, as diversas manifestações do conflito social vêm adquirindo
contornos inéditos e mais abrangentes, extrapolando a esfera individual, ao
passo em que realça uma dimensão mais coletivizada na sociedade.
Mas que a direito a fazer uso da função jurisdicional do Estado145, o
direito à tutela judicial efetiva tem sido progressivamente reconhecido como
sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma
144 Nesse sentido afirma Nelson Rodrigues NETTO: “numa visão atual sobre a efetividade da tutela jurisdicional, o princípio contido no artigo 5º , inciso XXXV, da Constituição brasileira, serve de mola propulsora para modificações no processo civil, de molde a criar os instrumentos necessários para uma adequada proteção das situações da vida para as quais vêm sendo dado relevo, tanto sob a faceta da transformação da sociedade individualista para uma sociedade de massa ou coletiva, como pela valorização da especificidade dos direitos e interesses (aqui tanto individuais como coletivos), ao invés de um tratamento meramente patrimonialista, ou seja, quantificando-os numa equação financeira.”(NETTO, Nelson Rodrigues. Ob. cit. p. 17.) 145 José Roberto dos Santos BEDAQUE, ensina que “a tutela constitucional de ação compreende todos os meios para a obtenção do pronunciamento do juiz sobre a própria pretensão. Não se trata, obviamente, de mera garantia de acesso, compreendendo outros mecanismos destinados a assegurar um processo justo e efetivo.”( BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito...cit. p. .69.)
88
vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de
mecanismos para sua efetiva reivindicação e realização, já dizia Mauro
Cappelletti.
É certo que as modificações que ocorrem no direito não conseguem
acompanhar a velocidade daquelas que impulsionam o espaço social. Mas,
para que os sujeitos reconheçam a legitimidade da fala da Lei, essa deve
seguir sempre o objetivo de estar próxima do agir social. Assim, não obstante a
pretensão de permanência, que deve ser tida pela Constituição e pelas Leis
infraconstitucionais, não devem ser consideradas como imutáveis, precisando
aprender com a realidade, seja em virtude da reinterpretação ou através de
Reformas. Da mesma forma a função jurisdicional e o mecanismo do qual se
vale para sua efetiva realização, ou seja, o processo, devem ser repensados a
luz dos valores sociais.
No estudo efetuado, interessa, como ensina Frederico MARQUES, esse
último ponto que assinala, especificamente a atividade jurisdicional, como
sendo a aplicação processual da lei e do direito objetivo em geral. Assim, “Os
órgãos estatais somente exercem a jurisdição por meio do processo,
enquadrando-se assim, no actum trium personarum com um dos sujeitos que o
compõem, e com o objetivo de solucionar uma lide segundo os mandamentos
legais, para dar a cada um o que é seu.”146
Deve ser assinalado, que não se olvida da necessidade de tratar de
maneira mais aprofundada a questão da jurisdição, sobretudo no tocante a
Jurisdição Constitucional, seus limites e abrangência. No entanto, para não
146 MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. Vol. I Campinas: Bookseller, 1997. p. 106.
89
alargar sobremaneira o estudo proposto, bem como manter o limite
determinado, as digressões tecidas mostram-se suficientes para tecer a base
necessária à linha metodológica adotada. Assim, na continuação do trabalho,
torna-se necessária abordagem específica da noção de tutela jurisdicional, de
modo a tecer a base conceitual das tutelas mandamentais e executivas lato
sensu.
3.2.1. A tutela jurisdicional
O conceito de tutela jurisdicional está relacionado com o da atividade
propriamente dita de atuar a jurisdição e com o resultado dessa atividade. Nas
palavras de Nelson Rodrigues NETTO:
Partindo-se de um espectro amplo, com matiz constitucional e sob o manto do corolário do direito processual contido na cláusula “due processo of law”, e dos princípios do contraditório e da isonomia que dela decorrem, é possível admitir-se ser tutela jurisdicional o próprio exercício da atividade jurisdicional e o resultado que dela advém, atingindo ambos os titulares da relação processual, em seus pólos ativo e passivo.147
Em outra passagem assevera o processualista, apontado a distinção
entre jurisdição e tutela jurisdicional que, “enquanto se define a jurisdição como
a função estatal de fazer atuar o comando concreto da lei para solução de
conflitos intersubjetivos, a partir da corrente dogmática perfilada, tutela
jurisdicional designa a proteção a ser obtida por meio do exercício da
jurisdição.”148
147 NETTO, Nelson Rodrigues. Tutela jurisdicional específica: mandamental e executiva lato sensu. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 19.) 148 Ibid. p. 20.
90
Quando se fala em tutela jurisdicional se está a falar exatamente da
assistência, no amparo, na defesa que o Estado, por seus órgãos jurisdicionais,
presta aos direitos dos indivíduos. Para Luiz Guilherme MARINONI, quando se
fala em tutela jurisdicional, não se está a falar de sentença, mas de
procedimento estruturado para tutelar efetiva e adequadamente o direito
material.
Sob esse prisma tutela jurisdicional, “de uma determinada perspectiva, é
o resultado que o processo proporciona no plano do direito material; em outra,
é o conjunto de meios processuais estabelecidos para que tal resultado possa
ser obtido.”149
Ricardo Rodrigues GAMA, entende a que a tutela jurídica apresenta um
único significado, que é próprio bem da vida. Aponta a necessidade de se
distinguir tutela jurídica de tutela jurisdicional, no sentido de que “Na tutela
jurídica, o termo jurídico está ligado ao direito material, enquanto, por outro
lado, na tutela jurisdicional, o vocábulo jurisdicional refere-se ao poder de
julgar, ao direito processual.”150
Conforme Teori Albino ZAVASCKI, “Esse compromisso de apreciar as
lesões ou ameaças a direitos – o compromisso de prestar a tutela jurisdicional
– constitui um dever estatal, que deve ser cumprido de forma eficaz, sob pena
de se consagrar a falência dos padrões de convívio social e do próprio Estado
de Direito.”151
Neste sentido é correto afirmar que o processo, conforme ensina Fernão
Borba FRANCO “deve ser visto como uma espécie de contrapartida que o 149 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica. São Paulo: Editora revista dos Tribunais, 2000. p. 61. 150 GAMA, Ricardo Rodrigues. Ob. cit. p. 13. 151 ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 6.
91
Estado oferece aos cidadãos diante da proibição da autotutela, contrapartida
essa que para ser efetiva, deve traduzir-se na disposição prévia dos meios de
tutela jurisdicional adequadas às necessidades de tutela de cada uma das
situações de direito substancial.152
Prestar tutela jurisdicional significa, em última análise, formular juízo
sobre a existência dos direitos reclamados e, mais que isso, impor as medidas
necessárias à manutenção ou reparação dos direitos reconhecidos.
Neste sentido, a realização do direito constitucional de efetividade da
prestação jurisdicional, somente se realiza através do processo, como meio de
exercício da função jurisdicional, e em conformidade com os valores e
princípios normativos conformadores do processo justo em determinada
sociedade.
Na Constituição brasileira, esse processo humanizado e garantístico
encontra suporte principalmente nos incisos XXXV, LIV e LV153 do artigo 5º,
que consagram as garantias da inafastabilidade da tutela jurisdicional, do
devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
Recentemente, conforme já declinado, com o acréscimo do inciso
LXXVIII ao artigo 5º, o direito à tutela jurisdicional efetiva foi fortalecido pelo
direito à razoável duração do processo e a meios que garantam que sua
tramitação se dê de modo célere.
152 FRANCO, Fernão Borba. A Fórmula do Devido Processo Legal. In. Revista de Processo. nº94, Abril-Junho/1999, Instituto Brasileiro de Direito Processual, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p.92. 153 “Art. 5º. (…) XXXV- a lei não excluirá da apreciação pelo Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;(...) LIV- ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV- aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”(Constituição da República Federativa do Brasil, de 06 de outubro de 1988.)
92
3.2.1.1. Direito à tutela jurisdicional eficaz e efetiva
Ao assumir a função jurisdicional, e o poder de fazer valer suas
decisões, o Estado também assumiu o dever de prestá-la, sendo, pois correto
falar que a jurisdição é um poder-dever-função do Estado, residindo no perfeito
funcionamento desta, requisito básico para garantir a paz social. Neste sentido,
apontou Teori Albino ZAVASCKI:
O direito fundamental à efetividade do processo – que se denomina também, genericamente, direito de acesso à justiça ou direito à ordem jurídica justa – compreende, em suma, não apenas o direito de provocar a atuação do Estado, mas também e principalmente o de obter, em prazo adequado, uma decisão justa e com potencial de atuar eficazmente no plano dos fatos.154
É de se concluir, portando, que é prerrogativa do cidadão obter do
Estado, sempre que necessitar, a prestação jurisdicional, e que esta deve ser
eficaz e efetiva, ou seja, resolver o seu problema.
Da mesma forma, o direito de ação não seria apenas o direito de
iniciativa, de mobilização do Estado em sua função jurisdicional ou de
provocação de atuação do poder Judiciário no caso concreto, mas se compõe
de outros meios constitucionalmente assegurados aos litigantes, cujo cerceio
representa violação à própria ordem constitucional, ou seja, direito a tutela
jurisdicional, propriamente dita, de maneira tempestiva e eficaz. Nesse sentido
é o ensinamento de Luiz Guilherme MARINONI:
(...) o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, segundo o art. 5º, §1º da CF, tem aplicabilidade imediata, e assim, vincula imediatamente o Poder Público, isto é, o legislador – obrigando a traçar técnicas processuais adequadas à tutela dos direitos – e o juiz – que tem o dever de prestar a tutela jurisdicional efetiva. Na verdade, esse direito fundamental incide de forma objetiva, ou como valor, sobre o juiz. Melhor dizendo, o juiz, diante desse direito fundamental, deve perguntar sobre as
154 ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 64.
93
necessidades do direito material, vale dizer, sobre a tutela do direito que deve ser outorgada pelo processo, para então buscar na norma processual a técnica processual idônea à sua efetiva prestação, outorgando-lhe a máxima efetividade. Essa interpretação judicial, orientada ao cumprimento do dever de prestar a tutela jurisdicional de forma efetiva, somente encontra limites no direito de defesa.155
Conforme debatido, o direito de ação ou direito de acesso à Justiça e o
direito a uma prestação jurisdicional efetiva e em tempo razoável, são direitos
constitucionalmente assegurados dentre os direitos fundamentais, contidos no
artigo 5º, da Constituição da República de 1988, nos incisos XXXV e LXXVIII,
já mencionados. Ainda, também conforme já apresentado, por atenção ao §1º
de mesmo artigo, tais normas possuem aplicação imediata.
Deve-se analisar assim, na continuação do estudo proposto, a esfera
dos três planos distintos e inconfundíveis de análise científica concernente aos
atos jurídicos – aqui notadamente o das normas jurídicas, quais sejam, o da
existência, da validade e da eficácia.
Em linhas gerais, a existência das normas jurídicas está ligada à
existência de seus elementos constitutivos e a validade decorre do
preenchimento de determinados requisitos ditados pela lei.
De maior interesse para o tema proposto se apresenta a eficácia dos
atos jurídicos, que pode ser entendida como a aptidão para a produção de
efeitos, que, em verdade, se apresenta como pressuposto para a efetividade.
Nesse sentido, segundo Luis Roberto BARROSO, eficácia é o ato
idôneo para atingir a finalidade para a qual foi gerado. E complementa o
referido autor “a eficácia refere-se à aptidão, à idoneidade do ato para a
155 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual ...cit.p. 30.
94
produção de seus efeitos. Não se insere no seu âmbito constatar se tais efeitos
realmente se produzem.” 156
Assim, é no plano da realidade, situado fora da teoria convencional que
se nota o advento de um quarto plano fundamental, consolidado pela Carta
Política de 1988, em complementação aos três planos apresentados pela
doutrina clássica referente à existência, validade e eficácia da norma jurídica,
no tocante a sua efetividade, ou eficácia social da norma.
Cuida-se aqui da concretização do comando normativo, sua força
operativa no mundo dos fatos, os efeitos que a regra suscita através de seu
cumprimento. A efetividade significa a própria realização do Direito, o
desempenho concreto de sua função social, representa a materialização da
norma no mundo dos fatos.
Para tal análise, valemo-nos dos ensinamentos de Luis Roberto
BARROSO:
Efetividade significa a realização do Direito, a atuação prática da norma, fazendo prevalecer no mundo dos fatos os valores e interesses por ela tutelados. Simboliza a efetividade, portanto, a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever ser normativo e o ser da realidade social. O intérprete constitucional deve ter compromisso com a efetividade da Constituição: entre interpretações alternativas e plausíveis, deverá prestigiar aquela que permita a atuação da vontade constitucional, evitando, no limite do possível, soluções que se refugiem no argumento da não-auto-aplicabilidade da norma ou na ocorrência de omissão do legislador.157
Observa-se, conforme dito, que a efetividade das normas depende de
sua eficácia jurídica, ou seja, há necessidade de que o efeito jurídico
pretendido pela norma seja realizável, sem o que não há efetividade possível.
156 BARROSO. Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6.ed. rev. atual. e ampl.São Paulo: Saraiva, 2004. p. 247. 157 BARROSO. Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 374.
95
Embora o §1º158, do artigo 5º, da Constituição da República garanta a
aplicação imediata das normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais, o que se percebe é a falta de efetividade da Constituição, de sua
incapacidade de se moldar e submeter-se à realidade social, no espaço em
que se definem as possibilidades e os limites do direito constitucional, travando
uma tensão permanente entre a norma e a realidade.159
3.2.1.2. Direito à razoável duração do processo
A Justiça é um bem que afeta a todos, quiçá a mais importante dentre as
capazes de conferir estabilidade ao convívio em sociedade. Mas há que se
refutar a oferta de uma justiça qualquer, deformada, equivocada, intempestiva.
Tal modalidade de prestação jurisdicional não interessa ao cidadão, posto que
insuficiente para atender seus anseios e pacificar a sociedade. O tempo tornou-
se, em nossos dias, um dos parâmetros fundamentais da Justiça moderna.
Ricardo Rodrigues GAMA, afirma que “Não é segredo que o tempo funciona
como um grande inimigo daquele que busca a reparação ou a proteção de seu
direito.”160
A tutela jurisdicional, portanto, no arcabouço constitucional, há que
relevar aspectos reinantes pela efetividade e celeridade na entrega da
158 “Art. 5º. §1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.” (Constituição da República Federativa do Brasil, de 06 de outubro de 1988.) 159 A esse respeito escreveu Luis Roberto BARROSO, “Naturalmente, a Constituição jurídica de um Estado é condicionada historicamente pelas circunstâncias concretas de cada época. Mas não se reduz ela a mera expressão das situações de fato existentes. A Constituição tem uma existência própria, autônoma, embora relativa, que advém de sua força normativa, pela qual ordena e conforma o contexto social e político. Existe, assim, entre a norma e a realidade, uma tensão permanente. É nesse espaço que se definem as possibilidades e os limites do direito constitucional.”(BARROSO, Luis Roberto. Ob. cit. p. 249.) 160 GAMA, Ricardo Rodrigues. Efetividade…cit. p. 30.
96
prestação buscada. Ao lado da segurança e da certeza, a brevidade e a
efetividade colocam-se como valores predominantes e conciliatórios na oferta
da tutela jurisdicional. Esta, a exigência de todo cidadão.
Assim, a jurisdição, além de ser amplamente acessível, precisa ser
célere, eficaz e efetiva em sua função. De nada adianta ao cidadão dispor dos
meios para recorrer à tutela jurisdicional se esta não puder resolver o problema
apresentado. A extraordinária velocidade do mundo atual, sobretudo
decorrente da revolução informática, insta a que seja buscado um novo
paradigma de Justiça, atenta à noção contemporânea de tempo e espaço.
Nesse sentido, torna-se imprescindível analisar a questão do prazo
razoável na prestação jurisdicional como condição de possibilidade de
efetivação do direito fundamental de acesso à justiça, da entrega da prestação
jurisdicional eficaz e efetiva como forma de exercício da cidadania nos Estados
Democráticos de Direito.
Luiz Guilherme MARINONI é enfático ao afirmar:
A lentidão do processo pode transformar o princípio da igualdade processual, na expressão de Calamandrei, em ‘coisa irrisória’. A morosidade gera a descrença do povo na justiça; o cidadão se vê desestimulado de recorrer ao Poder Judiciário quando toma conhecimento da sua lentidão e dos males (angústias e sofrimentos psicológicos) que podem ser provocados pela morosidade da litispendência. Entretanto, o cidadão tem direito a uma justiça que lhe garanta uma resposta dentro de um prazo razoável. Como disse Héctor Fix-Zamundio em excelente trabalho tratando da situação da justiça na América Latina, ‘se ha elevado a la categoria de derecho fundamental de los justiciables, el de la resolución de los procesos em um plazo razonable’. Alias, a Convenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, em seu art. 6º, §1º, garante que toda pessoa tem direito a uma audiência eqüitativa e pública dentro de um prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, ao passo que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em seu art. 8º - que tem plena vigência no território brasileiro, em face do art. 5º, §2º da Constituição Federal – afirma que “toda pessoa tem o direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável.””161
161 MARINONI. Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 32.
97
Nesse diapasão, o direito fundamental à efetividade do processo - que
se denomina também, genericamente, direito de acesso à justiça ou direito à
ordem justa - compreende, em suma, não apenas o direito de provocar a
atuação do Estado – de se valer da função jurisdicional - mas também e
principalmente, o de obter em prazo adequado, uma decisão justa e com
potencial de atuar eficazmente no plano dos fatos – uma tutela jurisdicional
efetiva e tempestiva.162É nesse sentido que afirma Luiz Guilherme MARINONI:
o direito à defesa, assim como o direito à tempestividade da tutela jurisdicional, são direitos constitucionalmente tutelados. Todos sabem, de fato, que o direito de acesso à justiça, garantido pelo artigo 5.º, XXXV, da Constituição da República, não quer dizer apenas que todos têm direito de ir a juízo, mas também quer significar que todos têm direito à adequada tutela jurisdicional ou à tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva.163
Em consonância com esse entendimento, Teori Albino ZAVASCKI expõe
que: “não basta à prestação jurisdicional do Estado ser eficaz. Impõe-se seja
também expedida, pois é inerente ao princípio da efetividade da jurisdição que
o julgamento da demanda se dê em prazo razoável, “sem dilações
indevidas”.164
Por outro lado, a demora e a falta de efetividade na prestação
jurisdicional configura violação ao direito fundamental de acesso à justiça,
traduzindo-se na própria denegação da justiça. Com efeito, um julgamento
tardio e que não realize o direito material garantido pela norma, irá perdendo
progressivamente seu sentido reparador.
162 Tempestividade, no dizer de Ricardo Rodrigues GAMA, é: “a utilidade da prestação jurisdicional para aquele que quis ver o seu direito tutelado.” E continua no sentido de que , “a realidade já não permite mais a continuidade da utilização de construções filosóficas, que só poderiam sobreviver em condições ideais, para não dizer utópicas.” (GAMA, Ricardo Rodrigues. Ob. cit. p. 30/31.) 163 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p.18. 164 ZAVASCKI, Teori Albino. Ob. cit. p. 64.
98
A questão da tempestividade deve ser sempre analisada a partir da
utilização racional do tempo do processo pelo réu e pelo juiz. Se o réu tem
direito à defesa, não é justo que o seu exercício extrapole os limites do
razoável. Da mesma forma, haverá lesão ao direito à tempestividade caso o
juiz entregue a prestação jurisdicional em tempo injustificável diante das
circunstâncias do processo e da estrutura do órgão jurisdicional. Basta
evidenciar que há direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva e tempestiva.
Conforme ensina Luiz Guilherme MARINONI:
Tal direito não poderia deixar de ser pensado como fundamental, uma vez que o direito à prestação jurisdicional efetiva é decorrência da própria existência dos direitos e, assim, a contrapartida da proibição da autotutela. O direito à prestação jurisdicional é fundamental para a própria efetividade dos direitos, uma vez que esses últimos, diante das situações de ameaça ou agressão, sempre restam na dependência da sua plena realização. Não é por outro motivo que o direito à prestação jurisdicional efetiva já foi proclamado como o mais importante dos direitos, exatamente por constituir o direito a fazer valer os próprios direitos.165
Neste sentido, parafraseando Dimas Ferreira LOPES, tornar algo efetivo
no tempo é conferir uma dinâmica positiva, uma instrumentalidade útil, porque
o direito do jurisdicionado à prestação jurisdicional rápida envolve,
substancialmente, o próprio conceito de processo como meio ideal para a
solução das controvérsias.
A atual complexidade social, caracterizada pelo surgimento de novos
direitos e, portanto, novas demandas, exige que o Estado esteja
suficientemente preparado para enfrentar os desafios da sociedade
contemporânea, de forma a garantir a plena efetivação dos direitos
consagrados.
165 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica...cit. p. 159.
99
Diversas são as causas das dilações temporais que se colocam entre o
jurisdicionado e a obtenção da tutela jurisdicional através do processo. Desde a
inadequação do modelo processual adotado, passando pela ausência de ética
de muitos operadores do Direito, que se valem do processo para legalizar
atividade ilícitas, ou dos meios recursais para protelarem a prolação ou
cumprimento de decisões que lhes seriam desfavoráveis, até a postura de
serventuários da Justiça não vocacionados. No entanto, em qualquer destas
situações, um dos argumentos mais usuais na defesa da postura adotada é a
da necessidade de segurança que o processo e a decisão advinda deste, deve
gerar para as partes.
O que cabe pontuar quanto a esta questão, incide sobre a necessidade
de se diferir a noção de segurança jurídica, no sentido de estabilidade social,
de segurança da decisão judicial, que implica em infalibilidade da decisão.
Quando falamos em necessidade de segurança dentro do processo, nas
situações que se apresentam em contraposição a efetividade, fazemos
referência a este último sentido de segurança, aquela que deve existir com
relação a decisão judicial prolatada.
É visível que a segurança, nesse sentido, se opõe a efetividade, no
importe em que, enquanto esta visa o processo útil e apto a resolver
prontamente o litígio, aquela, por pretender a indefectibilidade da decisão,
demanda tempo para ser obtida.
No entanto, tanto quanto uma decisão imperfeita acarreta prejuízos ao
demandado, o retardamento do processo e da decisão judicial, seja por
questão da exigência do modelo processual adotado, seja por questões
malevolentes, em busca da obtenção da decisão perfeita, acarreta danos ao
100
demandante, o titular do direito previsto pelo ordenamento jurídico, que a ele
deveria proteger. Equacionar de modo a combinar em doses conciliáveis,
efetividade com segurança, celeridade com verdade, sob a noção prioritária do
direito à efetividade da tutela jurisdicional, é o desafio do legislador e do
aplicador do Direito, conquanto passamos a analisar esta, como direito
fundamental.
3.2.1.3. Direito à efetividade da tutela jurisdicional como direito
fundamental
O direito à tutela jurisdicional efetiva engloba três direitos, pois exige
técnica processual adequada, procedimento capaz de viabilizar a participação
e, por fim, a própria resposta jurisdicional.
Parafraseando Luiz Guilherme MARINONI, o direito fundamental à tutela
jurisdicional efetiva, quando se dirige contra o juiz, no sentido de buscar a
obtenção de uma prestação, não exige apenas a efetividade da proteção dos
direitos fundamentais, mas da mesma forma, que a tutela jurisdicional seja
prestada de maneira efetiva para todos os direitos.
Esse direito fundamental à prestação jurisdicional eficaz e efetiva, por
este motivo, não requer apenas técnicas e procedimentos adequados à tutela
dos direitos fundamentais, mas também, técnicas processuais idôneas à efetiva
tutela de quaisquer direitos. Assim, tem-se que a resposta do juiz não é apenas
uma forma de se dar proteção aos direitos fundamentais, mas sim uma
maneira de se dar tutela efetiva a toda e qualquer situação de direito
substancial, inclusive aos direitos fundamentais.
101
Pode-se entender assim que, o direito fundamental à tutela jurisdicional
independe do direito a que se busca, sendo que, muito embora o juiz, no mais
dos casos, não decida sobre direito fundamental, ele responde ao direito
fundamental à efetiva tutela jurisdicional. Desta forma o juiz e o legislador, ao
zelarem pela técnica processual adequada à efetividade da prestação
jurisdicional, em verdade promovem proteção aos direitos e, por conseqüência,
ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, os quais, não fosse assim,
de nada valeriam.
O direito à tutela jurisdicional, passa assim, a ser visto como o direito à
efetiva proteção do direito material, a ser prestada pelo Estado, tanto através
do legislador como do juiz, sobre os quais paira o dever de se comportar de
acordo com o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional.
Diante de tais considerações, não passa despercebida a necessidade
aqui de se questionar a aplicabilidade dos direitos fundamentais à luz dos
ditames constitucionais, conforme o art. 5º, §1o, da Constituição Federal.
Porém, tendo em vista tratar-se de matéria complexa cujo exame demandaria
outro trabalho, quiçá ainda mais profundo, deixa-se de adentrar em tal seara,
para manter o foco no tema proposto.
Assim, percebemos que eficácia concreta dos direitos legalmente
assegurados, depende da garantia que se dê ao direito constitucional à tutela
jurisdicional efetiva e em tempo hábil, porque sem ela o titular do direito não
dispõe da proteção necessária do Estado ao seu pleno gozo. É nesse sentido
que se entende a tutela mandamental e executiva lato sensu, como
habilitadoras de técnicas apropriadas à potencializar a efetividade das decisões
judiciais, conforme passa a analisar.
102
CAPÍTULO IV
CLASSIFICAÇÃO DAS AÇÕES E SENTENÇAS
4. Da teoria trinária à teoria quinária
Conforme esboçado no capítulo anterior, a idéia de ação como direito de
pedir a tutela jurisdicional a ser exercida contra o Estado no desempenho de
sua função jurisdicional, quando confrontada com os valores constitucionais já
apresentados, faz evidenciar a necessidade de complementação dessa
concepção, para nela incluir o direito à realização efetiva dos valores e
princípios defendidos pelo ordenamento jurídico.
Essa complementação passa pelo prisma da efetivação do direito
material reconhecido no exercício da função jurisdicional. Nasce daí a idéia de
tutela jurisdicional como sendo a continuação do direito de ação, enquanto
direito a uma sentença de mérito, acrescida da forma de dar efetivação ao
direito material, com a apresentação de resultados eficientes. À luz dos valores
constitucionais, não basta mais a garantia do direito de ação, mas é essencial
que o sistema processual esteja apto a realizar efetivamente os resultados
alcançados através do exercício desse direito.
Esse entendimento deixa patente o conceito de efetividade da tutela
jurisdicional, a coincidir com os princípios e valores contidos no ordenamento
jurídico, sufragados pela Constituição Federal, conforme debatido nos capítulos
anteriores.
103
No estudo que se segue, na identificação da classificação das ações,
faz-se necessária a diferenciação entre ação e pretensão, sendo esta,
conteúdo daquela. No ensinamento de Ernane Fidélis dos SANTOS, “O pedido
de tutela jurisdicional é a ação e a reivindicação afirmada, a pretensão.”166
A importância dessa distinção preliminar faz-se sentir porquanto, através
dela é possível compreender-se o objeto final do trabalho, que é a análise das
tutelas mandamentais e executivas lato sensu como forma de dar efetivação ao
direito material, reconhecido no exercício do direito de ação, este contido na
função jurisdicional do Estado. Em outras palavras, tais formas de tutela,
consubstanciam-se em técnicas aptas à realização efetiva da pretensão levada
ao conhecimento do Estado/Juiz através da ação. Mais que o direito de ação e
de obter sentença de mérito contido na função jurisdicional do Estado, o
jurisdicionado tem direito à tutela jurisdicional, ou seja, de receber o resultado
adequado na forma e momentos próprios, em acordo com sua pretensão.
Ensina Ernane Fidélis dos SANTOS que: “a ação só objetiva tutela
jurisdicional generalizada, sendo a pretensão que caracteriza a providência
concreta invocada.”167 Nesse sentido é que a classificação das ações atende a
espécie de tutela jurisdicional invocada na generalidade. Diferentemente é a
habilitação, através da decisão concessiva da pretensão formulada na ação, de
funções técnico-processuais apropriadas para a realização no mundo dos fatos
do comando contido nessa decisão.
Em nosso ordenamento processual positivado, há previsão das ações
de conhecimento, de execução ou cautelar, conforme se pretenda
166 SANTOS, Ernane Fidéis dos. Manual de Direito Processual Civil. vol. 1: processo de conhecimento. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 54. 167.Id.
104
genericamente, ou seja, sem se ater à pretensão propriamente invocada, o
acertamento do direito, a efetivação da obrigação ou o acautelamento dos
outros processos. A essas ações correspondem os processos de
conhecimento, de execução e cautelar, respectivamente.
Por sua vez, muito embora toda ação de conhecimento tenha cunho
declaratório, no importe em que sempre objetiva a declaração da existência ou
não da relação jurídica entre as partes e da pretensão formulada, ela pode ser
classificada, sob o prisma da concepção clássica, como simplesmente
declaratória, condenatória ou constitutiva. Ocorre o primeiro caso quando se
busca a simples declaração de existência ou inexistência da relação jurídica ou
autenticidade ou falsidade de documento. No segundo, à declaração se adere
a imposição do cumprimento de alguma obrigação pelo pólo passivo, enquanto
na terceira, a declaração cria, modifica ou extingue um estado ou uma relação
jurídica. Tais subclassificações não impedem que haja pretensão puramente
declaratória. Essa classificação faz parte do que a doutrina chama de
Classificação Trinária das ações.
Interessa de antemão ressaltar que a teoria trinária leva em
consideração, sobretudo, a pretensão processual que deve estar de acordo a
um dos três tipos de provimento jurisdicional previsto para o processo de
conhecimento, não sendo considerada qualquer pretensão material tida pelo
autor da ação ou as particularidades da relação jurídica material controvertida,
ou seja, a pretensão ao bem da vida propriamente dito.
Não obstante essa consagrada concepção criada por CHIOVENDA, que
resultou na classificação trinária das ações e sentenças, amplamente difundida
e adotada atualmente por nosso código processual, o trabalho desenvolvido
105
embasa-se na teoria quinária, desenvolvida por PONTES DE MIRANDA, vez
que, conforme bem salientado por Nelson Rodrigues NETTO, “em que pese ser
a classificação trinária majoritariamente adotada pela doutrina nacional, ela
exclui alguns possíveis pedidos que podem ser formulados por intermédio do
processo de conhecimento”168.
Enquanto na classificação das ações é considerada a tutela jurisdicional
invocada na generalidade, o provimento judicial, ou seja, a sentença, se
classifica de acordo com o provimento jurisdicional concedido. Esse aspecto
das classificações a serem abordadas interessa sobremaneira ao estudo.
Essa observação faz-se relevante no sentido de que os problemas
mencionados, concernentes à garantia do direito fundamental à efetiva
prestação da tutela jurisdicional, não se encontram nas ações, mas nas
técnicas adotadas para a efetivação do provimento jurisdicional dele
decorrente, ou seja, na aptidão da sentença ultrapassar, quando necessário, o
mundo jurídico e promover alterações no mundo dos fatos. A atenção a essa
alteração da realidade garantida pelo direito à efetividade da prestação
jurisdicional, faz ver a necessidade de incorporar às técnicas de tutela
prestadas pelo processo de conhecimento, outras capazes de proporcionar
resultados práticos.
Nestas se encerra o objeto do trabalho proposto, de modo a demonstrar
que a aplicação das tutelas mandamental e executiva lato sensu, ao
potencializar a eficácia e a efetividade da tutela jurisdicional, realiza os direitos
e garantias previstas no texto constitucional e contribuem com a finalidade do
168 NETTO, Nelson Rodrigues. Ob. cit. p. 35.
106
direito, através do processo célere e eficiente, como forma de pacificação
social.
Como sabido, em regra geral, por opção legislativa, o processo de
conhecimento, anteriormente as alterações promovidas, sobretudo nos artigos
461, e 461-A, já citados, possuíam aptidão apenas para pronunciamentos
judiciais capazes de incidirem somente na esfera jurídica dos litigantes. Pela
estrutura formal do código processual brasileiro, se a pretensão do autor
julgada procedente por pronunciamento judicial, necessitasse, para se tornar
efetiva, de alteração no plano dos fatos, far-se-ia necessário recorrer ao
processo de execução169.
Desta forma, resta claro que no estudo que se pretende levar a intento,
interessa observar, efetivamente, o pronunciamento judicial efetuado, que
certifica a procedência do pedido do autor, sobretudo enfocando as técnicas
169 Devem ser observadas, quanto a esta afirmação, as recentíssimas alterações legislativas concernentes ao cumprimento da sentença, introduzidas no Código de Processo Civil pela Lei 11.232/05. Muito embora as alterações promovidas por referida lei alcancem o Livro I do código processual, intitulado DO PROCESSO DE CONHECIMENTO, sobretudo com referência ao Título VIII, Capítulo X denominado DO CUMPRIMENTO DA SENTENÇA, que poderia, à primeira vista, dar a impressão que se teria por suprimido todo o processo de execução referente a títulos judiciais, uma análise mais detida deixa entrever que não foi a realidade alcançada. Conforme pode ser percebido pela dicção do artigo 471, I, introduzido pela lei 11.232/05, o cumprimento da sentença propriamente dito, com supressão do processo executivo somente se dá com referência às obrigações de fazer ou não fazer a entrega de coisa. Em se tratando de obrigação por quantia certa, deve ser realizada por execução, muito embora com procedimento específico, definido pelos artigos 475-J a 475-R. Essa diferenciação torna-se patente pela análise do caput do artigo 475-I, que determina que o cumprimento da sentença far-se-á conforme os artigos 461 e 461-A do Código Processual, ou, em se tratando de obrigação por quantia certa por execução, nos termos dos demais artigos do capítulo X. Deve-se observar ainda que, muito embora, com referência as obrigações por quantia certa, mesmo com as alterações promovidas pela lei 11232/05, ainda se fale em execução, trata-se de uma execução peculiar, a qual prescinde de ação e de processo autônomo de execução, não havendo mais embargos do devedor ou sentença. Pelo procedimento disciplinado pelos artigos 475-J a 475-R, na execução de sentença por quantia certa, não haverá citação senão simples requerimento e procedimento executório, podendo o devedor valer-se somente de impugnação ao pedido e a manifestação do juiz será de simples decisão e não sentença. Com a entrada em vigor da lei 11.232/05, a execução de sentença como ação e processo autônomo, será utilizada somente com relação à execução cível da sentença penal condenatória, da sentença arbitral e da sentença estrangeira, nas quais é necessária a citação no juízo cível para liquidação ou execução. Deixa evidente, portanto, que a reforma havida por referida lei não suprimiu a execução com relação às obrigações por quantia certa, mas o processo de execução autônomo, no importe em que ela agora se dá no curso do procedimento executório, com as exceções supra mencionadas.
107
processuais170 passíveis de serem utilizadas para torná-lo efetivo no plano
fático, pela entrega do bem da vida pretendido pelo autor.
Assim, partindo do conceito de sentença apresentado por PONTES DE
MIRANDA, para quem “a sentença é a prestação jurisdicional, objeto da
relação jurídica processual, cuja estrutura já conhecemos”171, observamos que,
a exemplo das ações, as sentenças também possuem força e graduação de
eficácia, sendo a eficácia preponderante, imediata e mediata ou mínima.
Por força sentencial, o referido doutrinador entende ser a eficácia
preponderante, o peso maior no cômputo da eficácia. A eficácia imediata é
aquela que resulta da sentença sem se fazer necessário qualquer novo pedido
do vencedor. A eficácia mediata ou mínima é a que concerne à questão prévia
ou prejudicial ou a que enseja novo pedido. A noção de eficácia em questão
adotada pelo doutrinador, pode ser definida como “a energia automática da
resolução judicial”172 , compreendendo os elementos efeito e força, este último
responsável pela classificação em declarativas, constitutivas, condenatórias,
mandamentais e executivas. Entende esse doutrinador que “Não há outro meio
científico, de classificar as sentenças, que por sua força, pensando-se-lhes, por
bem dizer, a eficácia (força e efeitos)”173
A eficácia das sentenças é pós-processual, sendo a projeção, pelo
processo, da pretensão à tutela jurídica. Foi para alcançar a eficácia da 170 Nesse sentido é que ensina MARINONI, ao afirmar que “a definição da natureza das sentenças depende dos meios de execução que a ela estão atrelados, as sentenças não-satisfativas somente podem ter a sua natureza definida quando pensadas juntamente com os meios de execução que lhes servem de suporte. A sentença mandamental, por exemplo, somente é mandamental porque ordena mediante coerção indireta; a condenação seria mera declaração se não abrisse oportunidade à execução forçada; a sentença executiva seria condenatória se atrelada à necessidade da ação de execução forçada, ou declaratória se não tivesse a sua disposição meios de coerção direta ou de sub-rogação capazes de lhe permitir a prestação de uma tutela diferenciada.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica...cit. p. 67.) 171PONTES DE MIRANDA. Tratado das ações. Tomo I.cit. p. 169. 172 Ibid. p. 173. 173 Ibid. p. 174.
108
sentença que foram exercidas as pretensões. Para aclarar a classificação das
sentenças quanto à eficácia, aduz PONTES DE MIRANDA:
A sentença declarativa é a sentença que tem sua força no declarar. Não se pode dizer que a declaração lhe exaure a eficácia. Apenas que nenhuma outra força – a de constituição, a de condenação, a de mandamento, ou a de execução – lhe passa à frente, em relevância teórica e prática. A sentença constitutiva é aquela em que prevalece a eficácia de constituição. Portanto, aquela em que a tutela jurídica de declarar não supera as outras tutelas, em que se constitui mais que se declara, do que se condena, do que se manda, do que se executa. A sentença de condenação tem cognição e, pois, elemento declarativo e de constituição, que serve mesmo, em combinação com a declaração, ao fato novo, ao novum processual da condenação; e não se lhe pode apagar o que possui de mandamento e o que possui de execução, que também se revela no efeito executivo de quase todas as sentenças de condenação. Ela é de condenação, porque o condenar prima, enche quase tudo que se destina à eficácia da sentença. A sentença mandamental supõe declaração, constituição e condenação, em doses fortes ou mínimas, porém o mandado do juiz, como eficácia, é o que mais importa. É o elemento prevalecente, o alvo da ação que a sentença marca ao autor vencedor. A sentença de execução também resiste a qualquer redução às classes referidas. 174
Deste modo, passa-se ao exame sucinto de cada uma das ações e
sentenças, começando pelas três componentes da classificação trinária
clássica, ou seja, declaratória, constitutiva e condenatória, acrescendo-se,
após, aquelas que são objeto específico do trabalho, as ações mandamentais e
executivas lato sensu, conforme arquitetado, entre nós, pela doutrina de
PONTES DE MIRANDA.
4.1. Ação e sentença declaratória
Para PONTES DE MIRANDA, a denominada ação declarativa, “é a ação
a respeito de ser ou não-ser a relação jurídica.” 175 Ensina citado doutrinador
174 Ibid. p. 190-191. 175 Ibid. p. 132.
109
que, não obstante o direito romano, conforme primeiro capítulo deste trabalho,
já reconhecer algumas ações declarativas, as chamadas actiones
praeiudiciales176, foi somente no direito contemporâneo que a ação declaratória
geral, autônoma, de conteúdo delimitado e definido foi alcançada. Destaca
ainda que a única espécie de ação declaratória com respeito a fato é a
referente à declaração da falsidade ou autenticidade de documento.
Há de se considerar que, conforme evidencia PONTES DE MIRANDA,
nenhuma ação, assim como nenhuma sentença é “pura”, contendo percentual
de carga das demais, e sendo definidas pela predominância de sua eficácia.
Assim, todas as sentenças são também declaratórias, falando-se em ação
meramente declaratória, quando sua eficácia preponderante é de declarar,
limitando-se a verificar e declarar o direito, sendo esta sua função. Ao ser
proposta uma ação meramente declaratória, tem-se como objetivo somente
suprimir um estado de incerteza, determinando a incidência ou não da regra
jurídica, estabelecendo a lei a ser aplicada, sem buscar-se qualquer outra
eficácia.
A adequação dessa espécie de ação é legitimada pela própria vontade
do autor quanto à tutela jurisdicional buscada, vez que sua pretensão
processual é específica e limitada, não vislumbrando pedido de atuação do
Estado no sentido de agir para a satisfação de seu direito.
176 A esse respeito ensina Ovídio A. Baptista da SILVA: “Conquanto o direito romano, por exemplo, conhecesse perfeitamente as pretensões declaratórias, objeto das chamadas praeiudiciae, ou juízos prejudiciais, não chegou a concebê-las como objeto de demanda autônoma e desvinculada de outra demanda subseqüente de natureza condenatória, e da qual a declaratória seria sempre um praeiudicium, na forma de uma demanda preparatória, ou na condição de simples questão prévia, fase preliminar de uma única demanda condenatória.”(SILVA, Ovídio A. Baptista da. GOMES, Fábio Luiz. Teoria geral do processo civil. cit. p. 250-251.)
110
Em linhas gerais, o cabimento da ação meramente declaratória se
restringe às situações nas quais se pretende a certificação de determinada
relação jurídica, da exata incidência da lei sobre ela, sem se pretender a
alteração da realidade fática, sem se pretender que a sentença venha a atuar
sobre os fatos de modo a tornar a norma declarada, concreta.
Na sentença meramente declaratória, a simples declaração judicial
exare a função do juiz, esgotando a prestação jurisdicional, sem que o autor
venha a almejar outro objeto que não seja a própria certeza jurídica. Disso
decore a inexistência de posterior fase de concretização do decisum. Uma das
características da sentença declaratória é sua eficácia ex tunc. Após o trânsito
em julgado essa sentença retroage para o início da relação jurídica cuja
existência foi discutida.
Conforme estudado mais profundamente em capítulo próprio, a criação
e a adoção da ação e sentença meramente declaratória remonta aos ideais
liberais. Sua adoção veio justificar a pretendida autonomia do processo de
cognição e sua função de apenas declarar a vontade da lei ao caso concreto,
de regulação formal da relação jurídica, sem interferência concreta na realidade
social.
Deve-se notar que a ação meramente declaratória, consoante os ideais
do Estado Liberal, retira poderes do juiz, subordinando-o à vontade da lei e das
partes, limitando a concessão da tutela jurisdicional ao pedido. A sentença
declaratória não pode interferir na esfera jurídica do particular de modo a coagi-
lo à abstenção ou à prática de algum ato.
111
4.2. Ação e sentença constitutiva
Deflue-se dos ensinamentos de PONTES DE MIRANDA, que a ação
constitutiva “prende-se à pretensão constitutiva, res deducta, quando se exerce
a pretensão à tutela jurídica.”177Em outras palavras, pela ação constitutiva
pretende-se “uma modificação no estado jurídico da situação regulada, seja no
sentido de ser aquilo que não era, seja no sentido de deixar de ser aquilo que
era.”178
A sentença constitutiva proporciona a alteração no status jurídico
existente. Nesse sentido é afirma Sérgio Torres TEIXEIRA, que a sentença
constitutiva “expressa uma declaração de certeza acerca de situação jurídica
preexistente, mas adiciona a tal quadro uma novidade, consubstanciada na
criação de nova relação jurídica ou na modificação ou extinção da anterior.”179
Desta forma, a sentença constitutiva produz um quadro jurídico diferente do
estado primitivo.
O juiz ao prolatar a sentença constitutiva não se restringe a declaração
do direito, tampouco impõe condenação do vencido em favor do devedor, mas,
ao decidir pela procedência da pretensão, acrescenta ao conteúdo declaratório,
a conseqüência da criação, modificação ou extinção de determinada relação
jurídica. A exemplo da ação declaratória, vez que o efeito constitutivo é
decorrente da própria declaração no processo de conhecimento, a prolação da
sentença encerra a prestação jurisdicional, prescindindo de posterior fase de
concretização.
177Ibid.p. 133. 178 MURITIBA, Sérgio. Ação... cit. p. 44. 179 TEIXEIRA, Sérgio Torres. Evolução...cit. p. 325.
112
Segundo entendimento de PONTES DE MIRANDA já exposto, a ação
constitutiva, conforme todas as demais, não possui conteúdo puramente
constitutivo, havendo previamente a declaração da norma jurídica aplicável ao
caso concreto, para então alcançar-se a eficácia constitutiva, alterando a
situação jurídica posta na inicial, para criar, extinguir ou modificar essa relação
ou estado.
Percebe-se, assim, a existência de dois momentos sucessivos na ação
constitutiva: o declaratório, quando se efetua a necessidade certificativa própria
do processo de conhecimento, verificando a procedência da pretensão à
alteração pleiteada; e a constitutiva, quando se incorpora ao conteúdo do
provimento judicial o ato de modificar. A partir do direito material declarado no
primeiro momento, surge a possibilidade de efetivação desse direito pela
modificação pretendida.
A eficácia da ação constitutiva independe de qualquer ato a ser
praticado pelas partes, sendo a simples sentença constitutiva por si só
suficiente para a atuação do direito. Essa ação, bem como os efeitos por ela
produzidos limitam-se a atingir a esfera jurídica dos litigantes. Possui eficácia
ex nunc, ou seja, a nova situação jurídica criada pela sentença começa a valer
após o trânsito em julgado da respectiva decisão judicial concessiva.
4.3. Ação e sentença condenatória
A delimitação do conteúdo e da eficácia da ação e da sentença
condenatória tem sido objeto das mais profundas discussões entre os
processualistas de vanguarda.
113
De um modo geral, é voz ecoante entre os doutrinadores180 a
ineficiência da sentença condenatória para a tutela de certos direitos, e a
necessidade de reelaboração dessa técnica para a realização do direito de
amplo acesso, adequação e efetividade da Justiça.
Tal entendimento pauta-se, sobretudo, na detecção de que o resultado
obtido na sentença condenatória não satisfaz materialmente o credor nem
encerra o problema gerado pela ausência de adimplemento do devedor181. Ou
seja, mesmo depois de proferido julgamento em sede de processo
condenatório, o inadimplemento do devedor somente habilita ao autor nova
etapa jurisdicional mediante procedimentos executivos, para somente então
obter o direito reconhecido pela sentença, diga-se, como regra, através de
indenização pecuniária.
Diante do grau de polêmica que envolve a ação e a sentença
condenatória, esta análise será limitada a apresentar a opinião de alguns
doutrinadores, de modo a traçar as linhas de uma teoria da condenação, sem
enfrentar propriamente a tarefa de encontrar o elemento diferencial dessa ação
e sentença. Somente serão pontuados elementos, no importe em que se
apresentarem próprios para a compreensão do que consiste, através de uma
ação condenatória, obter a condenação de alguém, em termos efetivos.
180 Entre nós cita-se Luiz Guilherme MARINONI, Ovídio Araújo Baptista da SILVA, José Carlos Barbosa MOREIRA, Eduardo TALAMINI, Araken de ASSIS, dentre outros autores de igual expressão. 181 É nesse sentido a afirmação de Ovídio A. Baptista da SILVA, quando ensina que: “A execução de sentença, separada do Processo de Conhecimento, formando uma ação independente, é o resultado de vários fatores, dentre os quais prepondera a natureza da sentença condenatória com sua incapacidade para realizar (satisfazer) o direito do litigante vitorioso.” Completa o ilustre processualista no sentido de que “Se em vez da equação actio-condemnatio tivéssemos herdado os interditos, seria impossível chegar à execução autônoma da sentença separando a execução da prévia cognição.”(SILVA, Ovídio A. Baptista da. Fundamentos...cit. p. 189-190.)
114
Sobre as ações condenatórias, ensina PONTES DE MIRANDA que são
dirigidas contra aqueles que supostamente tenham agido contra o direito,
causando dano à terceiro. Destaca que, na ação condenatória, não se vai até a
prática do com-dano182, mas já se inscreve no mundo jurídico que alguém
acusou alguém e pediu sua condenação, havendo a necessária e competente
ação executiva posterior ou concomitante, para levar ao plano dos fatos o
comando estabelecido pela sentença no plano jurídico.
Para Arruda ALVIM183, a ação condenatória haure seus elementos da
ação declaratória, vez que também nela é declarado o direito. No entanto,
aponta como traço característico da condenatória a sanção, no sentido de que,
uma vez obtida a sentença condenatória, o autor adquire um instrumento
jurídico destinado à satisfação efetiva de seu direito.
Luiz Guilherme MARINONI afirma que a sentença condenatória é
caracterizada pela sanção executiva, sendo que “na verdade, a sentença
condenatória possui esse nome, ao invés de possuir o nome de ‘declaratória’,
porque abre oportunidade para execução”.184
Segundo o referido processualista, a condenação, por pressupor o
cometimento anterior do ilícito é eminentemente repressiva, não se
preocupando com a prevenção do ilícito, mas tão somente com a reparação do
direito violado.
Sérgio Torres TEIXEIRA ensina que a sentença condenatória se
diferencia da declaratória, por possuir uma finalidade especial, de aplicação de
182 PONTES DE MIRANDA. Tratado...cit.v.1. p. 133. 183 ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. v. 2. processo de conhecimento.6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. p. 639-640. 184 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 426.
115
uma regra sancionadora, contida no comando sentencial. Para esse
processualista, a sentença condenatória além de reconhecer o direito do credor
no momento declaratório, ainda impõe, no momento sancionador, uma
obrigação a ser cumprida pelo devedor. Essa função sancionadora, afirma o
doutrinador:
ao formular a especificação de conseqüência material prevista no ordenamento jurídico, proporciona um título executivo à parte vencedora da demanda, assegurando-lhe o direito de impor ao vencido a execução forçada em caso de inadimplemento. Quando não ocorre o cumprimento espontâneo do julgado, destarte, permite que o credor utilize a via do processo de execução. Exige para a materialização dos seus efeitos, portanto, uma fase subseqüente de concretização, nos moldes da via executiva em sentido estrito, mediante a qual será posteriormente proporcionada ao vencedor a tutela jurisdicional em face de medidas de constrição determinadas pelo juízo executório.185
Entende Ovídio Araújo Baptista da SILVA que o conceito de condenação
foi ampliado no direito moderno, em decorrência da ampliação do conceito de
obrigação. Aponta como causa dessa ampliação o trabalho dos compiladores
medievais “que acrescentaram às duas fontes das obrigações – o delito e o
contrato – as “obrigações legais”, sob a consideração de que nos tornamos
obrigados não apenas pelo contrato e pelo delito, mas também pela
lei.”186Esse entendimento resultaria no fato de que, se qualquer norma jurídica
impõe uma obrigação, resultará em condenação a desobediência a qualquer
delas. A conseqüência dessa ampliação da estrutura da actio romana, que era
originalmente um procedimento destinado a tutelar exclusivamente relações
jurídicas obrigacionais de natureza privada, para abranger toda obrigação, no
sentido de que a toda obrigação corresponderia uma condenação, seja ela
185 TEIXEIRA, Sérgio Torres. Ob. cit. p. 325. 186 SILVA, Ovidio A. Baptista da. Fundamentos do procedimento ordinário. In Processo Civil...cit. p. 191.
116
derivada do delito, do contrato ou da lei, foi a universalização da equação actio-
condemnatio, própria do ordo privatorum.
Para Guiseppe CHIOVENDA, em consonância com sua doutrina
concretista, “Se a vontade da lei impõe ao réu uma prestação passível de
execução, a sentença que acolhe o pedido é de condenação e tem duas
funções concomitantes, de declarar o direito e de preparar a execução;”187
Quanto à sentença condenatória, LIEBMAN apresenta posicionamento
semelhante, quando afirma:
a sentença condenatória confere ao vencedor o poder de pedir a execução em seu favor: este é um dos seus efeitos, ou antes, o seu efeito característico, porque o distingue dos outros tipos de sentença, as declaratórias e as constitutivas. As sentenças destas últimas categorias preenchem sua função e esgotam a tutela jurídica, pedida pelo autor, com o simples fato de terem sido proferidas e estarem revestidas de autoridade da coisa julgada; elas não são suscetíveis nem carecem de execução188
Para tal processualista, cuja doutrina balizou o conteúdo do Código
processual civil brasileiro, a sentença condenatória caracteriza-se por aplicar a
sanção, ou seja, não apenas declara a obrigação e prevê a execução para o
caso de não observância de seu cumprimento, mas possibilita a prática de atos
materiais pelo Estado para a realização efetiva do comando judicial, através da
execução forçada. A sentença condenatória operaria no mundo jurídico
fazendo surgir o poder concedido ao autor da condenação, de propor a ação
executória, ou seja, sua inovação teria índole processual consistente na
formação do título executivo judicial.
Identificam-se assim, pela doutrina adotada no código processual,
quanto à ação condenatória, dois momentos distintos, o primeiro momento de
187 CHIOVENDA. Guiseppe. Instituições .... vol.1cit. p. 54. 188 LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro. São Paulo: Bushatsky, 1976.p. 36.
117
eficácia declaratória, no qual o juiz verifica a procedência da pretensão
formulada pelo autor, ou do direito que concede o bem a seu titular, e o
segundo, quando concede ao credor, então reconhecido como tal, a
possibilidade de se valer da atividade estatal, através da execução forçada,
para ter o gozo do bem pretendido.
Essa possibilidade de se valer do agir estatal para ter efetivado o direito
reconhecido na sentença condenatória, não decorre de um direito propriamente
dito, concedido ao credor, mas pode ser visto como uma necessidade da
própria estrutura jurídica de tutelar processualmente o direito reconhecido na
sentença, no sentido de tornar efetivo, no mundo dos fatos e não apenas no
mundo jurídico, o comando judicial. Tal orientação encontra respaldo na
vedação da autotutela pelo Estado que, tendo assumido para si essa função,
tornou-se responsável não apenas pela certificação do direito, mas também,
quando necessário, por sua realização prática e efetiva.
No entanto, a sentença condenatória não permite a realização plena de
direitos que dependam da vontade do réu, como nas hipóteses de obrigações
infungíveis, situação em que haverá conversão da obrigação em perdas e
danos. Da mesma forma apresenta deficiência de efetividade na solução de
diversos conflitos, especialmente envolvendo obrigações de fazer e não fazer.
Essa impropriedade da sentença condenatória para a realização específica da
obrigação determinada pelo comando judicial, quando esta somente puder ser
cumprida pelo devedor, possui razão calcada na doutrina que a originou.
Conforme alerta Luiz Guilherme MARINONI: “para se compreender o
conceito de sentença condenatória é preciso tomar em conta os valores do
118
momento em que foi concebido”189, ou seja, deve-se considerar a ideologia
liberal-burguesa e toda a influência desta sobre o direito, conforme já exposto,
sobretudo a proibição do juiz de ordenar, sob pena de multa (imperium), o
condicionamento da execução tão somente os meios previstos em lei, e o
princípio da abstração dos bens e das pessoas, com base na igualdade formal,
o que leva a uma sentença condenatória inadequada à prestação da tutela
específica, igualizando a prestação jurisdicional pela tutela do equivalente
pecuniário, ou perdas e danos.
Não obstante a importância das construções abstratas acerca das ações
e sentenças condenatórias, dirige-se a atenção para considerações pautadas
na necessidade de viabilização do direito material, ou seja, na eficácia da
condenação propriamente dita. A partir desse entendimento, temos a sentença
condenatória como uma alternativa processual para viabilizar o exercício de um
direito, cabendo-nos agora medir seus resultados, sob o prisma da
satisfatividade daquele que a obtém.
Iniciamos por analisar qual o campo de incidência da ação condenatória
ou, em outras palavras, quais os tipos de direito que demandam uma tutela
condenatória, no dizer de PONTES DE MIRANDA, qual a “pretensão”, ou razão
jurídica de atuar possui necessidade de um provimento condenatório, já que “a
eficácia própria das sentenças deriva da pretensão ou pretensões a tutela
jurídica de cujo exercício resultou a ‘ação’.”190
Nos ensinamentos de Giuseppe CHIOVENDA, quando este aborda as
categorias de direitos, explanando que, tanto quanto são vários os direitos,
189 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela....cit.p. 63. 190 PONTES DE MIRANDA. Tratado ...cit. v. 1. p. 185.
119
também o são, os modos de inclinar-se aos bens da vida, encontramos duas
grandes categorias nas quais se dividiriam todos os direitos.
Na primeira, estariam inseridos os “direitos tendentes a um bem da vida
a conseguir-se, antes de tudo, mediante a prestação positiva ou negativa de
outros”, deixando em evidência a idéia de direitos a uma prestação191 .
No segundo grupo, estariam os direitos potestativos, entendidos como
“aqueles tendentes à modificação de um estado jurídico existente”192.
Sem adentrar no mérito de sua construção doutrinária acerca dos
direitos potestativos, importa a consideração do elemento prestação, ou mais
especificamente, direitos a uma prestação, para a definição dos direitos
adequados à ação condenatória.
Partindo, pois, dessa idéia chiovendiana de que os direitos ínsitos à
ação condenatória seriam direitos a uma prestação por parte de seu credor,
devemos identificar em que consistiria o dever correspondente, ou a prestação
correspondente por parte do devedor do direito. Assim, identificamos que em
nosso ordenamento jurídico, o ato de prestar uma obrigação pelo titular passivo
da relação jurídica, derivada do direito à prestação tido pelo credor, classifica-
se em dar, fazer ou não fazer193.
Cabe ressalvar a existência de situações próprias de direito a uma
prestação, que não se configuram como carecedores de ação condenatória,
191 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. vol. I. Campinas: Bookseller, 1998. p. 26. 192 Id. 193 Nesse sentido, CHIOVENDA esclarece que: “Para fins de execução, assim se podem classificar os bens a conseguir: 1) bens consistentes na obtenção de uma coisa obrigações de dar, sejam de origem real ou pessoal, (supra n 4 e 5); as quais variam conforme: a) se trate de consecução de uma coisa certa e determinada (corpus); b) ou duma soma de dinheiro ou de certa quantidade de coisas equiparáveis ao dinheiro (genus); 2) bens que se conseguem com a prática de certa atividade por parte de um obrigado (obrigação de fazer); 3) bens que se conseguem com a abstenção de certa atividade por parte de um obrigado (obrigação de não fazer).”( CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições ...cit., p. 349.)
120
como na hipótese da obrigação de emissão de uma declaração de vontade. Tal
se deve ao fato de que o bem da vida pretendido pode ser outorgado a seu
credor somente pelo pronunciamento judicial, não dependendo de um agir do
devedor, hipótese na qual não estaria presente um direito adequado à
condenação. Contrário senso, pretensões que demandem para sua tutela um
agir físico, principiam por indicar a necessidade a uma ação condenatória.
No entanto, há pretensões que demandam para sua tutela um agir físico,
mas, dada à peculiaridade de seu cumprimento, estão fora do campo de
atuação da ação condenatória, como as que necessitam de prestação
infungível por parte do devedor, conforme já debatido, situação em que haverá
conversão da obrigação em perdas e danos; bem como aquelas que
dependam de um comportamento omissivo do devedor. Para tais pretensões
mostra-se imprópria a ação condenatória. Nesse sentido, assevera MARINONI:
“O conceito de sentença condenatória como sentença que aplica a sanção,
abrindo caminho à execução forçada, obviamente exclui da tutela condenatória
as obrigações infungíveis.”194
Assim, em se tratando de direito a uma prestação que possua como
correlato dever, uma prestação personalíssima, resta clara a insuficiência da
ação condenatória para efetivação desse direito, já que os meios de sub-
rogação195 de que dispõe o Estado em sua atividade executiva196, não são
194 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva.2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 281. 195 Vale-se aqui do conceito apresentado por CHIOVENDA sobre os meios de sub-rogação, pelo qual “dizem-se aqueles com que os órgãos jurisdicionais objetivam, por sua conta, fazer conseguir para o credor o bem a que tem direito independentemente de participação e, portanto, da vontade do obrigado.”(CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições ....cit. p. 349.) 196 Ensina ainda CHIOVENDA que os meios executivos são as “medidas que a lei permite aos órgãos jurisdicionais pôr em prática para o fim de obter que o credor logre praticamente o bem a que tem direito.” Ensina ainda que estes meios executivos podem dividir-se e meios de coação, que são os meios que os órgãos jurisdicionais “tendem a fazer conseguir para o credor o bem a que tem direito com
121
aptos a alcançar o fim específico da obrigação, ou tampouco conseguir para o
credor bem a que teria direito independente da vontade do obrigado.
Feitas que foram as exceções, conclui-se que os direitos ajustáveis à
ação condenatória são direitos subjetivos violados, cujo direito garantido ao
credor seja passível de ser alcançado pela atividade estatal realizada na
execução forçada, pelos meios de sub-rogação. Cabe-nos agora investigar os
resultados efetivamente por ela alcançados.
Não se olvida que a ação e a sentença condenatória alcançavam a
contento os resultados esperados, dentro do contexto social existente à época
de sua elaboração, e considerando-se as características peculiares do
entendimento acerca da tutela então buscada.
Assim, dentro do contexto de uma sociedade liberal, cujos valores
primordiais eram a não interferência do Estado na esfera particular, e como
medida comum do valor das coisas e instrumento universal de pagamento das
obrigações estava a moeda, o modelo da ação de condenação com sua
conseqüente sentença que outorgava ao vencedor um título executivo apto a
ensejar a ação de execução, através de seus meios de sub-rogação,
apresentava-se satisfatório e em acordo com os ideais comungados.
No entanto, a alteração do contexto social e a ascensão de novos
direitos pautados não mais no individualismo dominante à época liberal, mas
no sentido de comunhão, sufragado pela idéia de direitos humanos, e a
conseqüente substituição da função econômica da moeda pela dignidade do
homem e seus correlatos efeitos, fizeram com que as técnicas oferecidas pela
participação do obrigado, e pois, se destinam a influir na vontade do obrigado para que se determine a prestar o que deve. Tais são as multas; o arresto pessoal; os seqüestros função coercitiva”; e meios de sub-rogação, conforme já explanado. (Idem, Ibidem. 349.)
122
ação condenatória, para a satisfação dos direitos, se tornassem insuficientes e
desapropriadas.
Mais que o correspondente pecuniário da obrigação, o atual contexto
social e os valores emanados da ideologia pautada na idéia de dignidade do
ser humano, cuja pilastra base encontra-se inscrita na Carta Política de 1988,
exigem o exato restabelecimento da ordem jurídica, reclamando para tanto um
agir estatal que possibilite a utilização, não apenas dos meios de sub-rogação,
através da propositura de uma ação executória da qual apenas se extrai o
equivalente monetário da obrigação, mas também de meios de coação, e
providências que visem garantir a entrega do bem da vida específico devido, a
seu titular.
Com base neste raciocínio, a ação condenatória seria apta a fornecer os
resultados almejados, somente com relação às pretensões que tenham como
objeto obrigações ressarcitórias de cunho pecuniário, passíveis de serem
prestadas por meios de sub-rogação. Isso sem considerar que tais pretensões
não podem carecer de tutela urgente, se bem pensado, sequer rápida.
Não é obsoleta e de todo imprópria a ação de condenação, o problema
está na submissão a ela de pretensão a direitos que são incompatíveis com os
resultados que ela pode oferecer. Com a devida vênia, para o uso de uma
comparação exemplificativa, a utilização da estrutura da ação de condenação
para a efetivação de direitos que sequer eram existentes à época de sua
concepção, parece-nos semelhante à tentativa de querer assistir um disco de
DVD em um aparelho de vídeo-cassete. Não há nada errado com o aparelho
de vídeo-cassete, desde que nos disponhamos a assistir por sua utilização,
fitas VHS e não mídias de DVD. A este fim, o aparelho de vídeo-cassete
123
mostra-se totalmente impróprio e ineficiente. No entanto, realiza eficazmente a
finalidade para a qual foi criado, ler fitas de VHS. A falha está, pois, no uso que
dele é feito, e não em sua estrutura.
A criação de dados passíveis de serem armazenados e lidos de forma
digital, fez com que a tecnologia criasse meios próprios para seu proveito. De
mesma forma, também o surgimento de novos direitos, bem como a mudança
na valoração de outros já existentes, demandam da ciência jurídica, sobretudo
a processual, como reflexo dos valores atuais, meios aptos à fruição efetiva
desses direitos.
A insistência no uso da ação de condenação e o correlato processo de
execução habilitado pela sentença condenatória, para a prestação de tutela a
direitos, cuja satisfação demande fruição efetiva e real do bem da vida, são um
esforço inútil e desarrazoado, pois claramente buscam a obtenção de um
resultado que está fora de seu alcance, lembrando que este foi arquitetado
para o atendimento das necessidades havidas sob a ideologia liberal. Assim,
descontextualizar a ação de condenação e esperar dela resultados efetivos
para uma realidade social diferente, sem adaptar sensivelmente sua estrutura,
é intento tão ilusório quanto vão.
Tais considerações possuem o escopo, não apenas de apontar a
impropriedade da ação de condenação para a tutela de determinados direitos,
mas de chamar a atenção para a necessidade de viabilização de técnicas
processuais aptas a uma prestação da tutela jurisdicional efetiva, em
consonância com os valores atuais, pautados na dignidade do ser humano e no
direito fundamental à efetividade da prestação jurisdicional.
124
Assim, longe de intencionar o esgotamento do assunto relativo à análise
das ações e sentenças que compõem a classificação tradicional, o estudo
efetuado teve como propósito traçar linhas de entendimento no sentido de
demonstrar as razões pelas quais entende-se por insuficiente essa
classificação para outorgar o bem da vida concedido pelo direito tutelado ao
seu merecedor.
Em linhas gerais, buscou-se apresentar o conteúdo entendido de cada
uma das ações, segundo a teoria tradicional sobre a classificação das ações,
cabendo, agora, a análise das duas espécies de ações que completam e
compõem a classificação das ações, segundo a doutrina de PONTES DE
MIRANDA. Trata-se das ações e sentenças mandamentais e executivas lato
sensu que, nos termos do trabalho proposto, apresentam-se como meios mais
efetivos de prestação da tutela jurisdicional, quando a pretensão ao direito
demandar alterações no mundo dos fatos e não for apenas restrita ao
ressarcimento de cunho pecuniário.
4.4. Classificação quinária
Conforme alhures adiantado, a classificação trinária das sentenças,
apresentada acima, segundo Luiz Guilherme MARINONI, expressa os valores
de um modelo institucional de Estado de matriz liberal.197 Para PONTES DE
MIRANDA:
197 MARINONI. Luiz Guilherme. Tutela...cit. p. 39.
125
As classificações de ações de que usaram os juristas europeus estão superadas. Assim a classificação binária como a classificação ternária (ação declaratória, ação constitutiva, ação condenatória) não resistem às críticas e concorrem para confusões enormes que ainda hoje estalam nos espíritos de alguns juristas, como também não viam que uma coisa é força de sentença (eficácia preponderante) e outra a eficácia imediata ou a mediata, sem se falar nas duas menores, com que se completa a constante da eficácia das ações e das sentenças.198
Assim é que, na linha de evolução do processo jurisdicional, sobretudo
pautada na necessidade de superar as deficiências da dicotomia envolvendo o
processo de conhecimento e o processo de execução, e os correlatos
problemas de ineficiência e morosidade da prestação obtida por tais
provimentos, percebe-se um movimento no sentido de promover a fusão
desses instrumentos processuais. Assim seria possível permitir, ensina Sérgio
Torres TEIXEIRA: “a entrega da tutela jurisdicional mediante a prolação de uma
sentença que, além de definir o direito aplicável ao caso concreto e solucionar
a lide (atuação cognitiva), proporciona a imediata efetivação do direito do
vencedor mediante a materialização dos seus efeitos no plano empírico (função
concretizadora).”199
Estudando as sentenças condenatórias, PONTES DE MIRANDA
observou, que algumas condenações, em razão da natureza de seu comando,
iam além da simples condenação, conforme ensina Ernane Fidélis dos
SANTOS: “ora já provocando, por si própria, a realização do que determina, ora
estabelecendo ordem comissiva ou omissiva que se opera na execução do
preceito, ainda que tenha de haver a prática de atos concretos para se alcançar
o resultado colimado.”200
198 PONTES DE MIRANDA. Tratado...cit.v.1. p. 131-132. 199 TEIXEIRA, Sérgio Torres. Ob cit. p. 326. 200 SANTOS, Ernane Fidelis dos. Ob. cit. p. 254.
126
A partir de tal constatação, PONTES DE MIRANDA acrescentou à
classificação tradicional, as ações e sentenças mandamentais e executivas lato
sensu, sendo estas últimas como aquelas que se auto-executam por si
próprias quando aplicadas. Assim, para PONTES DE MIRANDA, as ações,
segundo o quanto de eficácia201, classificam-se em: “declarativas (note-se que
as relações jurídicas, de que são conteúdo direitos e pretensões, ou de que
direitos ou pretensões derivam, antes de tudo existem); ou são constitutivas
(positivas ou negativas; isto é, geradoras ou modificativas, ou extintivas) ou são
condenatórias; ou são mandamentais; ou são executivas.”202
Salienta referido doutrinador que não há nenhuma ação, nenhuma
sentença que seja pura, carregando sempre mais que uma eficácia, sendo
relevante para a classificação a observação do que nelas prepondera e lhes dá
lugar numa das cinco classes. Importa analisar a eficácia maior, imediata e
mediata em cada ação para sua classificação.
Nesse sentido, observa que a ação é declaratória porque sua eficácia
maior é a de declarar, mais pretende o autor que se declare do que se mande,
ou do que se constitua, do que se condene, do que se execute. O mesmo se
dá com relação às demais ações.
201 Em linhas gerais, para Pontes de Miranda, cada ação em sentido material pede uma sentença proferida na ação em sentido processual que satisfaça a pretensão à tutela jurídica apresentada. Assim, dizer se uma ação é declarativa, constitutiva, condenatória, mandamental ou executiva é função do direito processual, que deve, no entanto, atender a eficácia das ações segundo o direito material. Assim, ao classificar as ações, o direito processual deve atentar para sua carga de eficácia, que pode ser maior, imediata ou mediata. A eficácia maior é o que se quer, a pretensão à tutela jurídica; a eficácia imediata é a eficácia que vem logo após, como peso, à força mesma da sentença, não necessitando da propositura de ação nova para incidir sobre o mundo fático. Já a eficácia mediata é aquela que, muito embora contida na sentença, necessita da propositura de uma nova ação para sua incidência no mundo dos fatos, exceto com relação à carga do elemento declarativo ou constitutivo. Para a identificação da carga de eficácia das ações típicas, Pontes de Miranda apresenta uma Tabela de eficácia das ações. (PONTES DE MIRANDA. Tratado...cit.v.1.143.) 202 Ibid.p. 131.
127
Assim, modernamente, em função do atendimento aos novos direitos
reivindicados, frutos da evolução social, duas espécies de ações que, por suas
peculiaridades, não encontram enquadramento na classificação tradicional,
fizeram-se perceber: a mandamental e a executiva lato sensu.
Efetivamente, vem crescendo a adesão dos juristas nacionais às
sentenças mandamentais e executivas lato sensu, conforme algumas doutrinas
que serão, exemplificativamente, melhor examinadas adiante.
Arruda ALVIM, v.g., em passagem citada por Nelson Rodrigues NETTO,
expressa entendimento no sentido de que, em face dos possíveis objetivos do
processo de conhecimento, além das ações da classificação clássica, ainda
haveria as seguintes:
(...) ações executivas “lato sensu” em que se objetiva a obtenção de um provimento de caráter declaratório, “lato sensu”, mas que produz efeitos no mundo empírico, independentemente do segmento do processo de execução; mandamental, em que se objetiva obter uma ordem do juiz, relativamente a uma autoridade, ou, cada vez mais generalizadamente, ao réu do processo, cujos benefícios práticos devem resultar em favor do autor, mas, em que, possivelmente o fundamento da ordem e daquilo que a acompanha (coerção=multa) existem em nome da própria respeitabilidade em com que se devem encarar as decisões judiciais.203
Não obstante as criticas formuladas no sentido de desconsiderar tais
tutelas como diversa da tutela executiva, pautadas, sobretudo, na alegação de
que elas não se fundariam no tipo de pedido declinado pelo autor, mas na
eficácia da sentença, o que geraria uma diversificação apenas no modo de
execução e não na pretensão propriamente dita, conforme, v.g., Marcelo Lima
GUERRA, adotamos a doutrina, conforme defendida por Tereza Arruda Alvim
WAMBIER, exposta:
203 ALVIM, Arruda. Apud NETTO, Nelson Rodrigues. Ob. cit. p. 35.
128
Não estamos, todavia, integralmente de acordo com estas observações. Certo é que a classificação das sentenças em condenatória, constitutivas e declaratórias se liga ao tipo de pedido que se formula. E, por outro lado, quando se pensa em sentença mandamental ou executiva lato sensu está-se enfocando precipuamente o tipo de eficácia que emana dessa sentença. Mas não terá sido pedida pela parte uma sentença com tal eficácia? Não se pode, é claro, dizer que a eficácia da sentença (o modo por meio do qual produzirá alterações no mundo empírico) integre o mérito da causa, como se pode afirmar que a condenação, a constituição de relação jurídica, ou declaração, na verdade, consistem no próprio mérito da ação. Todavia, grosso modo, pode-se afirmar, sem medo de incorrer em grosseira imprecisão terminológica e, muito menos, de esbarrar em princípios rígidos e fundamentais do processo, que, quando se propõe uma ação mandamental ou executiva lato sensu, se pleiteia exata e precisamente o tipo de eficácia que as caracteriza, e, portanto, nesse sentido mais largo, pode-se dizer que também se classificam as sentenças em mandamentais e executivas lato sensu em função do pedido formulado.204
Passa-se, então ao estudo das ações e sentenças mandamentais e
executivas lato sensu, propriamente ditas, sem a intenção de esmiuçar por
completo a doutrina de cada autor abordado, senão, apenas trazer os
elementos de destaque em cada teoria, que possam contribuir para um melhor
entendimento e aplicação de cada uma dessas formas de tutela.
4.4.1. Ação e sentença mandamental e executiva lato sensu
A orientação tradicional no direito brasileiro era no sentido de que toda
sentença que determinava a entrega ou devolução de coisa criava apenas
título executivo, com exceção apenas a algumas situações específicas de
procedimentos especiais, como a reintegração de posse e de despejo.
Esse era, por exemplo, o entendimento encontrado no Código de 1939,
que estabelecia no artigo 992 o preceito de que “a execução de sentença, que
condena a entregar coisa certa, ou em espécie, começará pela citação do réu,
204 WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 4ª ed. São Paulo: RT, 1997. p. 81.
129
para no prazo de 10 (dez) dias, que correrá em cartório, fazer a entrega ou
alegar defesa”.
Reproduzindo esse entendimento, o Código de 1973 trazia em seu
artigo 621 que “O devedor de obrigação de entrega de coisa será citado, para,
dentro de 10 (dez) dias, satisfazer a obrigação, ou, seguro o juízo (art. 737, II),
apresentar embargos”.
No entanto, a Lei 8.952 de 13 de dezembro de 1994, veio a mitigar esse
entendimento, em função da redação dada ao artigo 461, do Código de
Processo Civil, tornando possível a obtenção de tutelas diferenciadas para as
obrigações de fazer e não fazer no próprio processo de conhecimento, com a
adoção de medidas executivas diversas daquelas habilitadas no processo de
execução por expropriação. Esse é, v.g.. o entendimento de Sérgio Torres
TEIXEIRA, ao afirmar que “a melhor doutrina”, referindo-se a Luiz Guilherme
MARINONI, Ovídio A. Baptista da SILVA, Nelson Rodrigues NETTO, e Cândido
Rangel DINAMARCO, “é categórica ao apontar o cunho mandamental do
julgado proferido nos termos do citado art. 461 do diploma processual.”205
Seguindo essa tendência, a lei 10.444, de 07 de maio de 2002, em vigor
desde 08 de agosto de 2002, veio sedimentar a condição de executiva lato
sensu, as ações para entrega de coisa, pelo acréscimo do artigo 461-A, ao
Código de Processo Civil.
Tais tutelas, chamadas mandamentais e executivas lato sensu, possuem
campo de incidência que deverá ser conquistado, conforme evidencia Ovídio A.
Baptista da SILVA, “superando-se a equação lógica, portanto abstrata, do
direito enquanto norma, para compreender aquilo que o juiz faz ( não apenas
205 TEIXEIRA, Sérgio Torres. Ob. cit. p. 332-333.
130
diz) depois da declaração – no caso, depois de emitir o juízo condenatório -,
realizando o direito no “mundo dos fatos”, não mais no mundo normativo.”206
Essa conquista, completa o doutrinador, deverá ser feita em detrimento das
tutelas condenatórias.
Como ponto de contato entre referidas formas de tutela, tem-se que
ambas prescindem de um processo de execução para fazerem atuar a vontade
da lei no plano fático. De particularidades, em linhas gerais, tem-se que, na
tutela mandamental há ordem, combinada com adoção de medias coercitivas
tendentes a exercer pressão sobre a vontade do devedor, de modo a compeli-
lo a adimplir a obrigação e cumprir o comando sentencial. Por seu turno, na
tutela executiva lato sensu, são determinadas medidas necessárias para que
seja atingida a tutela específica determinada na sentença ou o resultado prático
equivalente ao adimplemento da obrigação.
Cabe, portanto, análise específica das tutelas mandamental e executiva
lato sensu, para o estudo que se propõe. A análise será levada a intento,
conforme dito, através da compilação das doutrinas dos juristas que com maior
relevância trataram do tema, a partir dos esquemas teóricos esboçados por
cada um sobre a justificação, adequação, funções técnico-processuais e
eficácia processual de cada uma das ações.
4.4.1.1. Ação e sentença mandamental
Remonta aos interditos romanos a origem das ações mandamentais.
Naqueles, o pretor ordenava que o demandado fizesse ou deixasse de fazer
206 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Fundamentos.. cit. p. 201.
131
alguma coisa. Em razão dessa ordem e não da condenação a uma obrigação,
os interditos não eram considerados ações ou actiones, mas remédios dos
quais se valia o pretor para a proteção de interesses, sobretudo de natureza
pública. Ressalte-se que, conforme já esboçado no primeiro capítulo, enquanto
nas actiones o julgamento era realizado por um juiz privado, iudex, sem
iurisdictio, ao pretor cabia a competência com exclusividade para a concessão
dos interditos, já que tal competência era decorrente diretamente do poder de
imperium.207
A origem dos interditos coloca-se num arco temporal que vai desde a
criação do pretor urbano até o final do século III a.C. Originalmente criados
para proteger a posse da propriedade conquistada, portanto, surgidos de uma
pretensão privada, eram suficientes para proteger a ordem pública de
perturbações, já que evitavam a autodefesa na composição dos litígios
possessórios. Dado a sua origem de proteção da posse, os interditos
proibitórios precederam o surgimento dos interditos exibitórios e restituitórios.
Conforme menciona José Rogério CRUZ E TUCCI, os interditos,
genericamente considerados:
correspondia a uma ordem, requisitada por um particular e emanada de um magistrado, para que fizesse ou deixasse de fazer alguma coisa; ou seja, mais especificamente, a tutela por interdito consubstanciava-se num comando do pretor in iure, a pedido de um cidadão e dirigido a outro particular; defendendo, destarte, indiretamente, a parte provocadora. Daí dizer-se, também, que tal tutela constituía um meio de coação indireta.208
Salienta-se que o comando emitido pelo pretor, ao ser desacatado, já
que não possui natureza absoluta e definitiva, dava ensejo à formação de um
207 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil: execução obrigacional, execução real, ações mandamentais. Vol. 2, 5. ed., rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.p. 335-337. 208 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Lições de história...cit. p. 112-113.
132
processo per formulas ordinário, denominado actio ex interdicto, conforme
indicado no primeiro capítulo.
A natureza dos interditos era cautelar, não se confundindo com o
processo comum. O procedimento era caracterizado pela rapidez e
sumariedade, sendo também sumária a cognição do pretor, que somente
examinava os pressupostos de fato, concedendo (edere intedictum) ou
negando (denegare intedictum) o interdito postulado.
Ao serem concedidos os interditos, duas situações poderiam advir: ou a
ordem era cumprida encerrando-se o litígio, ou, não o sendo, abria a
possibilidade para a parte, de instauração de um procedimento pela via
ordinária. Daí a provisoriedade da ordem. O comando expedido pelo
magistrado, reduzido a escrito, dirigia-se exclusivamente a um dos litigantes,
sendo semelhante a formula actionis, sem, contudo, a nominatio de um
julgador.
Importa destacar acerca do procedimento relativo aos interditos, a
previsão de pena pecuniária havida, quando a controvérsia recaísse sobre um
interdito proibitório, ocasião na qual agia-se per sponsionem. Quanto aos
interditos restituitórios e exibitórios, além do procedimento per sponsionem,
também poderiam se dar pela fórmula arbitrária.
Pela fórmula arbitrária, em se tratando de interdito exibitório ou
restituitório, o réu, antes de deixar o pretor, poderia requisitar um árbitro na
fase in iure. Após a nomeação do árbitro, redigia-se a fórmula arbitrária para
ser resolvida à questão. Ao árbitro cabia, após a apuração da verdade,
determinar a restituição ou exibição da coisa, encerrando a controvérsia, sem
qualquer pena, ou sine periculo. Não havendo cumprimento da determinação
133
do árbitro, o demandado era condenado no valor da coisa, mas, da mesma
forma, sem pena.
Não havendo requisição do árbitro, o procedimento tornava-se cum
periculo. Nessa situação, conforme ensina José Rogério CRUZ E TUCCI
O autor, então, provocava o réu a uma sponsio – que consistia numa importância pecuniária – por ter ele desacatado a ordem emitida pelo pretor; e, por sua vez, o réu também estipulava, para defender-se, outra sponsio (restipulatio). Aquele que não tivesse razão perdia, a título de pena, a importância da sponsio, e se fosse o réu, deveria ainda restituir ou exibir a coisa.209
Procedimento mais complexo era adotado quando se tratava de interdito
de natureza dúplice, situação na qual havia no processo per sponsionem, duas
sponsiones e duas restipulationes, podendo ainda haver a exigência de caução
denominada fructuaria stipulatio, se a coisa, objeto da controvérsia, produzisse
frutos, oportunidade na qual aquele que oferecesse maior quantia ficava
interinamente na posse da coisa. Nessa hipótese, o sucumbente, a título de
pena, perdia as somas da sponsio e da restipulatio.
Se a condenação recaísse sobre aquele que estivesse na posse, perdia
também a soma da fructuaria stipulatio. Percebe-se desta forma, já a previsão
da pena por parte do sucumbente que não acatasse o comando contido na
ordem emitida pelo pretor através do interdito, provocando a instauração de um
procedimento formular ordinário.
Essas considerações preliminares que resgatam sucintamente as
características dos interditos romanos, fonte remota das ações mandamentais,
servem de baliza a nortear o estudo que se fará a seguir.
209 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Lições de história...cit. p. 115.
134
Não obstante a existência dos interditos já no antigo direito romano,
conforme exposto, modernamente, o entendimento da ação mandamental
como categoria autônoma, teve origem na Alemanha com a teoria de Georg
KUTTNER, desenvolvida após por James GOLDSCHMIDT, conforme faz
referência Sérgio MURITIBA:
A elaboração conceitual da ação mandamental teve seu início na Alemanha, com Kuttner. Ele a idealizou, ao lado das ações declaratória, constitutiva e condenatória, como aquela na qual o juiz, “sem resolver por si mesmo sobre a relação de direito privado que existe no fundo do litígio, dá a outro órgão do Estado, autoridade pública, ou funcionário público, uma ordem concreta de praticar ou omitir um ato compreendido dentro dos poderes de seu cargo. Desenvolvendo a teoria de Kutter, outro alemão, Goldschmidt, acrescentava a seguinte definição: “A ação mandamental tende a obter um mandamento dirigido a outro órgão do Estado por meio sentença judicial.”210
Em sua origem na teoria de KUTTNER, desenvolvida, após por
GOLDSCHMIDT, a sentença mandamental diferenciava-se das demais do
processo de conhecimento, por conter uma ordem que era destinada a um
órgão ou funcionário estatal, estranho a relação processual. Esclarece, porém,
MURITIBA, que, ao contrário do entendimento atual acerca do elemento
conceitual que caracteriza as ações mandamentais, tais teorias tendiam a
definir a mandamentalidade pelo fato de a sentença ser expedida contra uma
pessoa jurídica de direito público. Defende que esse entendimento não restaria
adequado, sobretudo ao nosso ordenamento jurídico processual, que prevê a
possibilidade de utilização da ação mandamental contra particulares, pela atual
dicção dos artigos 461 do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa
do Consumidor.
210 MURITIBA, Sérgio. Ação executiva…cit. p. 219-220.
135
PONTES DE MIRANDA foi o primeiro doutrinador no Brasil a
desenvolver a classificação das ações e sentenças, incluindo a ação
mandamental e a executiva, conforme já alegado. Para ele, a ação
mandamental, cujo termo, entre nós, é devido a sua tradução do alemão
Anordnungsurteil, utilizada por KUTTNER, da qual deriva a palavra Anordnung,
que significa ordem, em português, prende-se a atos que o juiz deve mandar
que se pratique.
Esclarece e justifica seu entendimento acerca da classificação autônoma
de referida ação, com fundamento na pretensão que é exercida pelo titular do
direito, de modo a definir a tutela jurídica buscada. Assinala que “O juiz expede
o mandado, porque o autor tem pretensão ao mandamento e, exercendo a
pretensão à tutela jurídica, propôs a ação mandamental”.211 Como conceito,
indica que a “ação mandamental é aquela que tem por fito preponderante que
alguma pessoa atenda, imediatamente, o que o juiz manda.”212
A classificação das ações realizada pelo referido doutrinador é efetuada
segundo a carga de força e eficácia da sentença, numa gradação de 1 a 5, já
tendo advertido que não há ação pura. Para ele, cada ação pede uma
sentença. A sentença pedida pela ação mandamental é sentença que mais
mande do que declare, do que condene, do que constitua ou do que execute.
Na ação mandamental pede-se ao juiz que mande. Teria assim a ação
mandamental típica, 4 de declaratividade, 3 de constitutividade, 2 de
condenatoriedade, 5 de mandamentalidade e 1 de executividade.
211 MIRANDA, Pontes de. Tratado ….Tomo I. cit.p.135. 212 MIRANDA, Pontes de. Tratado... Tomo VI. p. 23
136
Com relação à sentença mandamental, PONTES DE MIRANDA
evidencia que, nesta, “o ato do juiz é junto, imediatamente, às palavras
(verbos) – o ato, por isso, é dito imediato”213. Ai residiria sua diferenciação com
a sentença condenatória, que apenas anunciaria o ato executivo, e a sentença
constitutiva, cujo ato do juiz é incluso. Na sentença mandamental, o juiz
manda, não apenas constitui, declara ou condena.
Para tal autor, a essência da mandamentalidade estaria na estatalidade
cujo fundamento é o poder de império detido pelo juiz na emissão do
mandamento, ou do mandado. Diferencia que, enquanto na ação executiva
“quer-se o ato do juiz, fazendo, não o que devia ser feito pelo juiz como juiz, e
sim o que a parte deveria ter feito”, no mandado, “o ato é ato que só o juiz pode
praticar, por sua estatalidade.”214
Luiz Guilherme MARINONI evidencia que na “sentença mandamental,
há ordem, ou seja, imperium, e existe também coerção da vontade do réu.”215
Esses elementos não estariam presentes na sentença condenatória, já que
nesta, o juiz não poderia interferir na esfera jurídica do indivíduo, de modo a
constrangê-lo a adimplir a ordem formulada.
Para este processualista, o que caracterizaria a sentença mandamental
é dirigir uma ordem de coação contra o réu, descaracterizado-a se a ordem for
emitida contra terceiro, ou seja, “a mandamentalidade é definida pela ordem
conjugada à coerção.”216 Esse entendimento quebra o dogma da
213 Ibid. p. 224. 214 Id. 215 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. .5. ed.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 429. 216 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória…cit. p. 362.
137
incoercibilidade da vontade do particular pelo Estado e, em nosso ordenamento
estaria fundada no parágrafo 4º, do artigo 461217, do Código de Processo Civil.
Continua seu entendimento no sentido de que, na sentença
mandamental, o juiz prestaria uma tutela integral e imediata ao direito do autor,
enquanto na sentença de condenação, a tutela prestada seria “pela metade”, já
que dependente de um processo de execução.
Destaca que, sob o prisma da efetividade, a principal diferença entre a
sentença condenatória e a mandamental é que somente esta “pode levar à
tutela de um direito que não pode ser efetivamente tutelado mediante a
condenação.”218 Elucida ainda que:
Só há mandamentalidade quando o juiz, na sentença, manda forçando; não há sentença mandamental quando o mandado destina-se apenas servir de “meio de execução” de uma sentença constitutiva (execução imprópria). Registre-se, porém, que o critério que nos permite definir a mandamentalidade é meramente processual. O que define a mandamentalidade é a possibilidade de se requerer ordem sob pena de multa. 219
Em outra passagem, o processualista assim se expressa:
Uma sentença não é mandamental apenas porque manda, ou ordena mediante mandado. A sentença que “ordena”, e que pode dar origem a um mandado, mas que não pode ser executada mediante meios de coerção suficientes, não pode ser classificada como mandamental. A mandamentalidade não está na ordem, ou no mandado, mas na ordem conjugada à força que se empresta à sentença, admitindo-se o uso de medidas de coerção para forçar o devedor a adimplir. Só há sentido na ordem quando a ela se empresta força coercitiva; caso contrário, a ordem é mera declaração. Da mesma forma que a condenação só é condenação porque aplica a “sanção”, a sentença mandamental somente é mandamental porque há a coerção.220
217 “Art. 461.(…) § 4º. O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.” 218 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 351. 219 Ibid. p. 359. 220 Ibid. p. 356.
138
Edson Ribas MALACHINI, quanto ao critério que deva ser adotado para
se distinguir a sentença mandamental, apresenta entendimento, no sentido da
impropriedade da consideração da aplicação de multa coercitiva, como critério
diferenciador. Nesse sentido assevera que: “Já vimos que a aplicação de multa
coercitiva não pode ser considerada critério para se distinguir a sentença
mandamental. Repetindo: de maneira nenhuma se pode dizer que a sentença
que comina multa é, só por isso, mandamental; ou, vice-versa, que a sentença
mandamental é a que comina a multa.”221
Para mencionado processualista, o critério distintivo da sentença
mandamental residiria na possibilidade, em caso de descumprimento de seu
comando, de sujeição do renitente a processo penal por crime de
desobediência ou outra sanção penal especialmente prevista em lei. Em outras
palavras, põe “a nota individualizadora da espécie justamente na
caracterização de infração penal com a não obediência ao mandamento”.222 O
descumprimento da ordem que caracteriza a ação mandamental, geraria como
conseqüência o crime de desobediência, consoante artigo 330 do Código Penal
brasileiro.
Essa distinção seria apropriada para diferenciar a ação mandamental da
ação condenatória, na qual a conseqüência típica, exclusivamente patrimonial
do descumprimento do comando judicial, seria o réu sofrer o procedimento de
execução, em novo processo ou no próprio processo de execução. Para esse
jurista, a situação de a ordem ser emitida contra terceiro não descaracterizaria
a mandamentalidade. 221 MALACHINI, Edson Ribas. As ações (e sentenças) condenatórias, mandamentais e executivas. In Estudos de Direito Processual Civil: Homenagem ao Professor Egas Dirceu Moniz de Aragão", 1ª ed., Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2005.p. 450. 222 Ibid. p. 457.
139
Em seu entendimento, a sentença mandamental, que consiste “em
essência, em ordem dirigida pelo juiz ao réu – ou a terceiro, órgão estatal,
pessoa jurídica de direito privado ou pessoa física”223, não pode oferecer
alternativa, no sentido de proporcionar ao receptor da ordem opção entre seu
cumprimento ou ser-lhe impingida multa pecuniária. “Quando se trata de ordem
não há alternativa; a ordem tem de ser cumprida.”224 Conforme seu
entendimento expresso: “quando se fala em mandamento, em ordem,
pressupõe-se que não há possibilidade de desobedecer-lhe – a não ser
trilhando a via angusta da seara penal, a reação mais enérgica do Direito
contra os membros da coletividade que não seguem as normas impostas para
a convivência social pacífica.”225
Segundo ensina quanto à sentença mandamental – a sentença que
contém ordem - “não tem de haver nenhuma cominação; e isso pela simples e
boa razão de que tal conseqüência já está na lei”226. Nesse sentido enfatiza
que:
A nosso ver, portanto, esse deve ser considerado um dos traços distintivos da decisão mandamental: o de gerar, seu descumprimento, responsabilidade penal para o destinatário da ordem. Ainda, pois, que se lhe agregue, como reforço, para dar mais efetividade à decisão, a cominação de pena pecuniária (como, e.g., se prevê no art. 461, 4), não é tal cominação que lhe atribuirá caráter mandamental – até porque tal cominação tem, como sempre teve, natureza tipicamente condenatória: importa, como se viu anteriormente, em adiantamento da condenação.227
No entanto, faz menção a que o juiz pode, sendo até mesmo
aconselhável, fazer constar advertência expressa ao réu de que a
223 MALACHINI, Edson Ribas. As ações (e sentenças) condenatórias, mandamentais e executivas. In Estudos de Direito Processual Civil: Homenagem ao Professor Egas Dirceu Moniz de Aragão", 1ª ed., Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2005.p. 450 224 Ibid. p. 454 225 Ibid. p. 468. 226 Ibid. p. 452. 227 Ibid. p. 469.
140
desobediência à ordem irá sujeitá-lo a processo penal por desobediência,
segundo artigo 330228, do Código Penal. Esclarece que a ausência de tal
advertência não impede a caracterização do crime.
Para MALACHINI, a sentença que apresenta cominação de multa possui
natureza condenatória. Apresenta na defesa de seu entendimento, dentre
outros argumentos, o fato de que a pena pecuniária, ou seja, a multa que
efetivamente incidiu por descumprimento da sentença, somente pode ser
cobrada mediante processo de execução. Assim sendo, se a multa cominada
somente é cobrável por meio de execução, “é porque a sentença que a
estabeleceu (que a cominou) é título executivo; e, consoante o art. 584, I, o
título executivo judicial por excelência é “a sentença condenatória proferida no
processo civil””.229 Vale ressaltar que para esse jurista, a execução consiste em
“seguir o bem da vida até onde ele se encontra, para transferi-lo do patrimônio
do executado para o do exeqüente”230. Não obstante, lembra que: “a essência
da execução não está efetivamente na realização de atos materiais - que é
apenas o meio ordinariamente empregado para obtê-la -, mas no respectivo
resultado (que pode, excepcionalmente, ocorrer sem a prática de qualquer
desses atos).”231
Segundo seu entendimento, podem ser admitidas como ações
mandamentais em nosso ordenamento jurídico, as ações cautelares típicas
como o arresto e o seqüestro, bem como a maioria das decisões que decretam
providências cautelares, incluindo as cautelares inominadas. Baseia seu
228 “Código Penal brasileiro. Art. 330. Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, e multa.” 229 MALACHINI. Edson Ribas. Ob. Cit.p. 445. 230 Ibid. p. 450. 231 Id.
141
entendimento no fato de que as demandas em que se pede tais medidas e as
decisões que as concedem não podem ser consideradas executivas, vez que
não são satisfativas, mas antes, atendem à pretensão de segurança e, “quando
favoráveis, determinam (mandam) que seja assegurada a realização do
provável direito do requerente (art. 801, III), mediante providências adequadas;
nada mais.”232
Em outras palavras, tais decisões mandam, por cautela, que se tome
uma determinada providência para assegurar um bem da vida, de modo que
ele possa ser atribuído a quem de direito no momento oportuno. Nessas
situações, segundo MALACHINI, “Há, pois, mandamentalidade, para a
asseguração do resultado útil da demanda principal; não há executividade,
porque não há satisfatividade.”233
Observando a teoria de PONTES DE MIRANDA, no tocante a
classificação das sentenças por sua carga de eficácia definida em
preponderante, imediata e mediata, Edson Ribas MALACHINI observa que “a
sentença será considerada mandamental apenas quando “a eficácia da ordem
predomine””. 234 Não obstante, reconhece a ocorrência de sentença quase
mandamental, quando a ordem não seja predominante, mas constitua eficácia
imediata, já que nessas sentenças a eficácia mandamental poderá ser exercida
imediatamente, no mesmo processo, como ocorre com as espécies
declaratória-mandamental, constitutiva-mandamental e executiva-
232 Ibid. p. 451. 233 Id. 234 Ibid.p. 452..
142
mandamental. “A eficácia mediata é que deverá ser exercida em novo
processo.”235
Importa, sobretudo, para o estudo proposto, a análise feita pelo
processualista com relação às sentenças que condenam ao cumprimento de
obrigação de fazer e não fazer e entrega de coisa, conforme alteração
promovida pelas Leis 8.952, de 13 de dezembro de 1.994 e Lei 10.444, de 07
de maio de 2002. Para MALACHINI, o descuido na observação das eficácias
imediata e mediata das sentenças ocasionou interpretações apressadas com
relação à natureza de tais sentenças. Ensina que apenas o fato de a execução
se fazer no mesmo processo não altera a natureza da sentença, muda apenas
a forma de execução. Vale a transcrição de seu entendimento quanto à
natureza das sentenças proferidas nas ações que tenham por objeto entrega
de coisa ou obrigação de fazer ou não fazer, conforme alteração promovida por
referidas leis:
O que aconteceu foi algo mais simples: a eficácia executiva da sentença condenatória, que era mediata (com peso 3, na simbologia numérica de PONTES DE MIRANDA), tornou-se imediata (com peso 4); e a eficácia declaratória, que se seguia à força da sentença (que era e continua sendo condenatória – peso 5), cedeu lugar àquela, passando a ser a eficácia mediata (com redução de carga de 4 para 3). Assim, a sentença condenatória, que apenas formava título executivo, para ser executado em outro processo (eficácia executiva mediata da sentença condenatória), passou a poder ser executada no mesmo processo: por exemplo, com a simples expedição de um mandado de busca-e-apreensão da coisa móvel, ou a imissão na posse do imóvel, no caso de “ação que tenha por objeto a entrega de coisa”(art. 461-A, 2 – eficácia executiva imediata da sentença condenatória).236
Destaca a importância de se distinguir ação executiva, assim entendida
toda execução, seja judicial ou extrajudicial, do Livro II, do Código de Processo
Civil; de processo de execução, que é o processo que com a ação executiva se
235 Ibid. p. 469. 236 Ibid.p. 470.
143
instaura; de execução, que é a simples execução da sentença ou de outra
decisão, feita no mesmo processo, de ofício, tão logo a decisão se torne
exeqüível.
Para a perfeita compreensão da ação mandamental, segundo Ovídio A.
Baptista da SILVA, é necessário estabelecer as linhas de sua evolução
histórica, que remonta, conforme já mencionado, aos interditos romanos.
Referido processualista, indica que a ação mandamental
tem por fim obter, como eficácia preponderante da respectiva sentença de procedência, que o juiz emita uma ordem a ser observada pelo demandado, em vez de limitar-se a condená-lo a fazer ou não fazer alguma coisa. É da essência, portanto, da ação mandamental que a sentença que lhe reconheça a procedência contenha uma ordem para que se expeça um mandado. Daí a designação de sentença mandamental. Nesse tipo de sentença o juiz ordena, e não simplesmente condena. E nisso reside, precisamente, o elemento eficacial que a faz diferente das sentenças próprias do processo de conhecimento.237
Apresenta como característica tanto da ação mandamental, quanto das
executivas lato sensu, a auto-executoriedade, pela qual existirá
necessariamente nela alguma atividade posterior à sentença, ainda dentro da
mesma relação processual, no sentido de apresentar a resposta jurisdicional à
pretensão formulada na exordial, independentemente de qualquer outra
providência a ser tomada pela parte autora. Abre a ressalva, no entanto, de
que as sentenças mandamentais, não contêm execução, em sentido técnico.238
237 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil: execução obrigacional, execução real, ações mandamentais. Vol. 2, 5. ed., rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.p. 336. 238 Explica referido processualista que a sentença mandamental não contém qualquer componente executório, estando reunida as executivas, “em razão da peculiaridade que a faz distinta das três espécies de sentenças contidas no processo de conhecimento”, as quais, “caracterizam-se por encerrar a respectiva relação processual, eliminando qualquer ocorrência de atividade jurisdicional após a sentença de mérito.” Essa seria uma contingência criada pelo conceito de processo de conhecimento, “no qual a atividade jurisdicional limita-se a operar no plano das normas jurídicas, sem qualquer interferência no mundo empírico.”(Ibid. p. 24-27 passim.)
144
Apresenta ainda a característica da imperatividade contida na ordem
que integra o conteúdo do provimento mandamental. A imperatividade decorre
do fato de que a ordem expedida pelo mandado é derivada da estatalidade
exclusiva do juiz, ou seja, é um ato privado do juiz enquanto representante do
Estado. A estatalidade legitimaria a utilização dos mecanismos de coerção pela
técnica mandamental.239
Para o referido autor, dentre todos os provimentos jurisdicionais, é o
mandamental que contém maior concentração do poder de imperium, expresso
no ato de ordenar utilizando-se do poder do Estado. Desta forma, a ordem
seria o núcleo da eficácia mandamental, ou, em outras palavras, sua eficácia
preponderante.
Nessa característica residiria a principal distinção havida entre a tutela
mandamental e a executiva lato sensu. Enquanto naquela o juiz realiza o que
somente ele pode realizar em virtude de sua estatalidade, nessa o ato
realizado é privativo da parte, agindo o juiz em substituição a sua vontade.
Ponto singular na doutrina de Baptista da SILVA encerra-se em sua
pretensão de estabelecer, com base na correção dogmática e fidelidade
histórica dos institutos, uma correlação entre a sentença mandamental e
obrigações legais, da mesma forma como pretende estabelecer ligação entre
as ações executivas lato sensu e as pretensões de natureza real. Como se
observa de sua afirmação de que “o campo da execução das obrigações de
239 Vale trazermos a colação um pequeno trecho da doutrina de Baptista da SILVA, que expressa bem esse entendimento: “A distinção entre sentenças executivas e mandamentais é fundamental: a execução é ato privado da parte, que o juiz, através do correspondente processo - se a demanda fora condenatória ou desde logo por simples decreto, se a ação desde o início era executiva - , realiza em substituição à parte que deveria tê-lo realizado. Na sentença mandamental, o juiz realiza o que somente ele, como representante do Estado, em virtude de sua estatalidade, pode realizar.”(Ibid.p. 337.)
145
fazer e não fazer está sendo invadido pelas ações mandamentais.”240 É
enfático o autor a afirmar que “o que é decisivo para que exista uma ação
mandamental é que a respectiva sentença de procedência contenha um
mandado, como sua eficácia preponderante.”241
Quanto aos destinatários da ordem sentencial na ação mandamental, o
doutrinador entende que tanto as ordens podem ser dirigidas a órgãos e
servidores do Estado, quanto a uma autoridade ou um particular. Ainda ensina
que há sentenças mandamentais que fazem coisa julgada, como em geral, as
proferidas em sede de mandado de segurança, enquanto as sentenças
proferidas em processo cautelar não a produz, sendo, no entanto, ambas
mandamentais.
Por seu turno, em estudo sobre a matéria, Sérgio MURITIBA, apresenta
a seguinte definição conceitual da ação mandamental como sendo:
técnica diferenciada de tutela jurisdicional, inconfundível com a declaração, constituição, condenação e executiva lato sensu, destinada a instrumentalizar pretensões a bens que se conseguem mediante modificações empíricas, por meio do uso de medidas de coerção, sem a necessidade do exercício do direito de ação executiva, bem como a instauração de processo de mesma natureza. Noutras palavras, ação mandamental é aquela na qual há imposição coercitiva da conduta descrita no comando sentencial, sendo tal constrangimento processualmente instrumentalizado mediante a pena fixada condicionalmente para o caso de descumprimento do comando formulado pelo juiz.242
Para esse processualista, na ação mandamental o juiz formula um
comando, que, por si só, não contém força capaz de gerar resultado positivo no
sentido material. No entanto, a ação mandamental permite a utilização, no
âmbito processual, da técnica da aposição de uma condicional, “/se...então.../”,
240 SILVA, Ovidio A. Baptista da. Curso...v.2.cit. p. 353. 241 Ibid. p. 355. 242 MURITIBA, Sérgio. Ação executiva … cit. p. 241.
146
no sentido de computar-se uma multa em desfavor do réu no caso de
descumprimento do comando formulado.
Em seu entendimento, a mandamentalidade é configurada no sentido
processual por essa condicional lógica que determina “em caso de
descumprimento (se), compute-se a multa (então) em desfavor do réu.”243 Não
dependeria a mandamentalidade de qualquer elemento sociológico, como a
ordem baseada em um utópico poder de império, ou a configuração de crime
em caso de desobediência do comando emitido pelo magistrado.
MURITIBA ensina que a ação mandamental pode ser tipificada por
possibilitar a aplicação, de maneira imediata, dos meios de coerção. Assim, a
diferenciação desse provimento com relação aos demais componentes da
teoria trinária, residiria em sua função peculiar de coação do réu para que
cumpra o comando judicial, possuindo uma estrutura processual apta a habilitar
os meios de coerção cabíveis e adequados, a possibilitar, pela utilização
desses meios, a produção de efeitos diferenciados, no sentido de induzir o
devedor a cumprir a conduta devida.
Nesse sentido, afirma que na ação mandamental, o magistrado faz
integrar ao conteúdo do provimento a eficácia processual que ele habilita –
ordenar sob pena de coerção -, de modo a torná-lo apto a produção do efeito
processual esperado. Conclui que:
a eficácia processual do provimento mandamental é puramente a habilitação do uso de medidas coercitivas, como a multa ou outra técnica de pressão psicológica. Por meio dela é possível a visualização do conteúdo processual desse tipo de provimento, entrevisto no verbo utilizado pelo juiz na sentença. Pelo ato processual “mandar sob pena de...”, o juiz aumenta o conteúdo do provimento mandamental, imprimindo nele a sua eficácia processual, ou seja, tornando-o processualmente hábil à efetivação do comando material, mediante o constrangimento causado pela aplicação de algum meio de coerção.244
243 Idem.,Ibidem.p. 241. 244 MURITIBA. Sérgio. Ação...cit.p. 244.
147
Estaria assim o núcleo da eficácia mandamental na ordem apoiada em
constrangimento condicional, ou, em outras palavras, é o poder coercitivo do
direito que se agregaria ao comando, passando este então a ter aptidão para
constranger.
Sérgio Torres TEIXEIRA, admitindo a categoria das sentenças
mandamentais, a elas se refere como possuindo natureza auto-operante,
prescindindo de posterior processo de execução ex intevallo. A distinção desta
para com a sentença executiva lato sensu, residiria no objeto imediato da
respectiva tutela jurisdicional.
Esse processualista, coadunando com a doutrina de PONTES DE
MIRANDA, entende que na decisão executiva em sentido amplo, “o objetivo é
entregar o bem litigioso ao credor, proporcionando transformação no plano
empírico mediante a transferência do domínio da coisa litigiosa. Almeja,
portanto, a passagem para a esfera jurídica do vencedor aquilo que deveria lá
estar (mas não está).”245 Haveria desta forma atividade essencialmente
executiva nesta sentença.
Por outro lado, o objeto imediato da sentença mandamental seria a
imposição de uma ordem de conduta, determinado a prática ou abstenção de
um ato por parte vencida. Desta forma, esta sentença atuaria sobre a vontade
do demandado e não sobre seu patrimônio. As medidas aqui utilizadas não
seriam propriamente executivas no sentido técnico do termo, mas “meio para
pressionar psicologicamente o obrigado a satisfazer a prestação devida e, com
isso, cumprir o comando judicial emitido pelo Estado-Juiz.”246
245 TEIXEIRA, Sérgio Torres. Evolução...cit. p. 329. 246 Ibid. p. 329.
148
Sua definição de sentença mandamental enfoca a eficácia primordial,
que para esse autor residiria na existência do mandado247. Segundo
TEIXEIRA, “O objeto principal da postulação, pois, é exatamente a obtenção de
tal mandado. O julgado mandamental, nesse sentido, contém uma ordem
dirigida a outra autoridade pública ou à própria parte vencida, agindo sobre a
vontade de seu destinatário, impondo a imediata prática de um ato ou a
abstenção de tanto.”248
Diferentemente da sentença condenatória que se limita ao iuris dictio, a
sentença mandamental ultrapassaria esse limite, para além da esfera
puramente jurídica, proporcionando transformações na realidade factual,
através de ordem e não simples condenação, para que o vencido adote
comportamento de acordo com o direito material reconhecido na sentença,
produzindo, desta forma, atividade jurisdicional após o julgamento da demanda,
ainda dentro da mesma relação processual. Para a concretização do
provimento jurisdicional, o magistrado deve impor “medidas dedicadas a
produzir plenamente os efeitos da tutela jurisdicional, satisfazendo de plano o
direito material do vencedor.”249
Como características das sentenças mandamentais, referido
processualista indica os seguintes traços distintivos:
1) o mandado que corporifica a ordem judicial, enquanto objeto da sentença mandamental, corresponde à materialização do próprio pedido formulado pelo postulante; 2)a respectiva ordem judicial (mandado) constitui ato de imperium, e não um ato do juiz em nome da parte; 3) à semelhança da sentença executiva lato sensu, a
247 Para esse autor, “A ordem mandamental é corporificada em um mandado judicial, emanado diretamente do respectivo julgado, que se revela capaz de realizar, no plano factual, as modificações necessárias à efetiva entrega da tutela jurisdicional ao vencedor.”(TEIXEIRA, Sérgio Torres. Ob. cit. p. 331) 248 Idem, Ibidem. p. 329. 249 Ibid. p. 330.
149
sentença mandamental é auto-suficiente ou auto-operante, ou seja, dotada de uma pronta exeqüibilidade, prescindindo a sua concretização de uma etapa subseqüente de execução forçada nos moldes tradicionais (processo de execução autônomo e ex intervallo); 4) o instrumento que corporifica o mandado judicial deve ser expedido pelo magistrado automaticamente em seguida à prolação da sentença mandamental, impondo ao seu destinatário o cumprimento de imediato da respectiva ordem judicial, sem a necessidade de trânsito em julgado daquela; e 5) o desrespeito à ordem judicial, além da aplicação de eventuais multas pecuniárias (astreintes) e medidas de constrição judicial, igualmente acarreta responsabilidade civil e criminal para a parte devedora que não a cumprir voluntariamente nos termos expostos no respectivo mandado.250
Importa destacar dentro dessas peculiaridades da sentença
mandamental apresentadas pelo processualista, a indicada na característica
número 4. Tal diz respeito à eficácia natural da sentença de produzir seus
efeitos, mesmo sem aguardar o trânsito em julgado da decisão, ou seja, para
ele, a sentença mandamental, “revela uma eficácia natural de tal intensidade
que proporciona, imediatamente em seguida à sua prolação, a concretização
integral dos seus efeitos, mesmo sem revestir-se da qualidade de
imutabilidade”. 251 Completa que a sentença mandamental revela aptidão para
produzir seus efeitos imediatamente após sua prolação, admitindo plenamente
e de modo imediato a materialização dos efeitos aos quais se destina a
produzir, sem qualquer das restrições da execução provisória252.
No entanto, a aceitação da ação mandamental como categoria
autônoma não é consenso entre os doutrinadores pátrios, como visto também
nas obras de ALFREDO BUZAID, Do mandado de segurança, nº 37 e CELSO
AGRÍCOLA BARBI, Do mandado de segurança, p. 151-153, conforme
250 TEIXEIRA, Sérgio Torres. Ob. cit. p. 333-334. 251 Idem, Ibidem. p. 337. 252 Ensina o processualista que “De modo imediato, automático e endoprocessual, o magistrado expede um mandado judicial que corporifica a ordem contida na sentença mandamental e impõe o seu cumprimento sem hesitação ao vencido, mediante as mais variadas medidas de coerção, incluindo instrumentos de pressão psicológica, sanção patrimonial, responsabilização civil e criminal e, em determinados casos, até a constrição pela força policial.”(TEIXEIRA, Sérgio Torres. Ob cit. p. 337)
150
referência e críticas tecidas por Ovídio A. Baptista da SILVA253. Em passagem
que se apresenta, referido doutrinador deixa clara sua crítica a esse
entendimento, conforme vemos
Se consideramos, como insiste em fazê-lo a doutrina que se recusa a admitir a existência das ações mandamentais, que o conteúdo de todas as sentenças é formado exclusivamente pela declaração, ou pela declaração e constituição (nas sentenças constitutivas), e que os efeitos, quaisquer que sejam eles, serão sempre conseqüências externas ao ato jurisdicional, poderemos ser levados a admitir que determinadas sentenças não produzem efeito algum, como acaba tendo de admitir ALFREDO BUZAID, ao aludir à sentença declaratória (Do mandado de segurança, n. 43), risco este que já denunciáramos, ao examinar uma conclusão similar de J.C. BARBOSA MOREIRA, para quem o conteúdo de todas as sentenças seria formado, exclusivamente, pelos componentes declaratórios e constitutivo.254
Para se traçar o necessário contraponto teórico, insta observar a análise
do peculiar entendimento desposado por Marcelo Lima GUERRA255, em seu
exame crítico das sentenças e tutelas mandamentais e executivas lato sensu.
Para esse processualista, há três, e apenas três modalidades distintas
de tutela jurisdicional, segundo o critério da necessidade de proteção
manifestada pelo direito subjetivo, a saber, a declaratória, a constitutiva e a
executiva. Quantos as sentença de mérito, três são as modalidades, sendo a
declaratória e constitutiva e a condenatória. Entre essas, faz ainda o
processualista a separação entre sentenças auto-suficientes e instrumentais.
No entanto, ao abordar a classificação quinária de PONTES DE
MIRANDA, indica o doutrinador que, embora haja expressiva adesão da
doutrina brasileira a tal classificação, não haveria exata reprodução das idéias
pontesmirandianas, havendo ainda divergências entre os autores quanto a
definição das categorias mandamentais e executivas lato sensu . Não obstante,
253 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso... cit.v.2., p. 356-362. 254SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso ...cit.v.2. p. 427-428. 255 GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais... cit. p. 44 e passim.
151
indica os entendimentos de Eduardo TALAMINE e Kazuo WATANABE256,
acerca de tais sentenças.
A partir das definições apresentadas, Marcelo Lima GUERRA, traça seu
entendimento quanto ao equívoco havido na conceituação dessas sentenças.
Seu principal argumento refere-se ao conceito restrito adotado por tais
doutrinadores com referência à sentença condenatória, como sendo tão
somente, a que constitui título executivo e permite a instauração de um
processo autônomo de execução, que habilita medidas sub-rogatórias.
Para esse doutrinador, esse conceito restrito é construído a partir de
características meramente acidentais da disciplina legal da tutela executiva.
Isso viabilizaria a criação de categorias diferentes de sentenças, “mesmo
apresentando o mesmo atributo funcional de ser instrumental em relação à
tutela executiva de determinado direito”, estariam apenas sujeitas “a modo
diverso de se cumprirem às atividades necessárias à prestação subseqüente
de tutela executiva, seja por não se organizadas, tais atividades, em um
processo autônomo de execução, seja por serem empregadas medidas
coercitivas.”257
Desta forma, os conceitos de sentença mandamental e executiva lato
sensu, apresentados pelos autores que defendem sua existência autônoma,
256 Marcelo Lima GUERRA cita o entendimento de Eduardo TALAMINE relativo a sentença executiva, que seria aquela que “traz em seu dispositivo a determinação de imediata atuação de meios de sujeitação (sub-rogatórios), independentemente de novo processo”. Quanto à definição de sentença mandamental, aponta que seria aquela que “em vez da predeterminação de formas substitutivas da conduta do devedor, dirige-lhe ordem cuja inobservância caracteriza desobediência à autoridade estatal e pode implicar a adoção de medidas coercitivas.” O entendimento de Kazuo WATANABE quanto às sentencas executivas lato sensu, também é citado, como sendo aquela que pela “elevada carga de executividade de que é dotada, é ela executável no próprio processo em que foi ela proferida.”(GUERRA, Marcelo Lima. Ob. cit. p. 45.) 257 GUERRA, Marcelo Luiz. Ob. cit. p. 47.
152
seria realizado em função do modo de prestação da tutela executiva por ele
preparada e não em função de característica da própria sentença. 258
Para esse doutrinador, a categoria das sentenças mandamentais e
executivas lato sensu, incluem-se no conceito de sentença condenatória.
Nesse sentido afirma que “Uma vez identificado o caráter instrumental de
certas sentenças quanto à prestação da tutela executiva, qualquer que seja a
forma processual e as medidas judiciais através das quais a tutela executiva
vier a ser prestada, sucessivamente, as sentenças que apresentam tal caráter
instrumental compõem uma, e apenas uma categoria.”259
Não obstante o respeito devido ao entendimento apresentado, não é o
objetivo deste trabalho trilhar toda a elaborada teoria apresentada pelo
processualista referido, mas apenas, traçar o necessário contra-ponto
doutrinário ao estudo que se propõe e demonstrar, um passant, os argumentos
utilizados por aqueles que não reconhecem as sentenças mandamentais e
executivas lato sensu como categorias autônomas na classificação das ações e
sentenças.260
Ao objetivo do trabalho interessa, no atual estágio do modelo processual
brasileiro, frente às evidências encontradas na própria legislação processual,
conforme artigos 461 e 461-A do Código de Processo Civil e 84261 do Código
258 Quanto a esse ponto, referido doutrinador entende que se trate de uma “multiplicação inútil de entidades” que não sobrevivem ao fio da “navalha de Ockham””, em referência ao princípio da economia elaborada pelo filósofo e teólogo medieval Guilherme de Ockham (1285-1347/1349), expresso em duas fórmulas distintas: a) (inutilmente se faz com muito o que se que se pode fazer com pouco e b) uma pluralidade não deve ser pressuposta sem necessidade. (Ibid. p. 47-48) 259 Ibid. p. 48. 260 Para maiores esclarecimentos, vide GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. 261 “Código de Defesa do Consumidor: Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. § 1º. A conversão em obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível à tutela
153
de Defesa do Consumidor, investigar a inegável necessidade de se rever
antigas posições e confrontá-las com as mudanças sensivelmente perceptíveis
no modelo de processo jurisdicional pátrio, e a linha mestra que o baliza, sob o
manto do direito constitucional à efetividade da prestação jurisdicional.
4.4.1.1.1. Situações jurídico-materiais que reclamam tutela mandamental
Vistos os diferentes entendimentos doutrinários acerca da tutela
mandamental, cumpre-se seja feita a análise dos direitos que a ela se
amoldam, ou a adequação entre essa técnica e as situações jurídico-
substanciais que motivam a aplicação de seu funcionamento.
Conforme já debatido em outro momento, há direitos que, para serem
tutelados, dependem tão somente de modificação na esfera puramente jurídica,
como os que reclamam uma declaração ou constituição. Outros requerem uma
modificação empírica para se efetivarem, como os que somente podem ser
alcançados mediante tutela condenatória, executiva lato sensu ou
mandamental.
Partindo desse ponto, percebemos que os direitos que reclamam a ação
mandamental e as técnicas processuais que esta habilita, são direitos que,
além de reclamarem repercussões físicas, necessitam ainda que tais
específica ou a obtenção do resultado prático correspondente. § 2º. A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa (art. 287 do Código de Processo Civil).§ 3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu. § 4º. O juiz poderá, na hipótese do § 3º. ou na sentença, impor multa diária ao réu, independente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito. § 5º. Para a tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividades nocivas, além de requisição de força policial.”
154
modificações se dêem por vontade do obrigado, ou seja, para se garantir o
bem da vida contido na pretensão, não se pode prescindir da prestação do
obrigado. Nesse sentido, aponta Luiz Guilherme MARINONI que a efetiva tutela
de direitos que demandem o cumprimento de uma obrigação infungível, não
podem ser tutelados mediante meios de execução por sub-rogação.262
Para garantir essa prestação por parte do obrigado é que são
disponibilizados os meios de coação habilitados pela ação mandamental.
Assim, no entendimento de Luiz Guilherme MARINONI, a multa, como meio de
coerção indireta, importa em ameaça destinada a convencer o réu a adimplir a
ordem do juiz. Para esse autor, a técnica mandamental, conforme já debatido,
funda-se na ordem e na multa.
Logo, a adequação da ação mandamental tendo em vista a eficácia que
essa habilita, é justificada para a proteção de direitos que requeiram um
comando judicial de repercussão física, dotado de meios de coação da vontade
do obrigado. Sérgio MURITIBA, tratando do assunto, expressa posicionamento
no sentido de que: “o aspecto material da sentença mandamental se faz
observar pelo fato de esta advir da apreciação dinâmica de direito que requer
uma atuação empírica para proporcionar o bem da vida por ele assegurado,
mais especificamente dependente da conduta do próprio obrigado, seja essa
dependência originada de causa natural, jurídica ou operacional.”263
262 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica… cit. p. 71-76. 263 MURITIBA, Sérgio. Ação executiva ... cit. p. 246. Nesse sentido complementa o autor: “Acreditamos que não é inadequado falar que todo tipo de direito subjetivo, processualmente tutelável pela técnica mandamental, reclama prestação de natureza infungível, de modo que o alcance da utilidade que ele proporciona ao seu titular fica condicionado à participação física do sujeito passivo. Entretanto, tal infungibilidade da prestação não deve ser aferível apenas tomando em conta aptidões e qualidades especiais do devedor (infungibilidade natural), tampouco as restrições impostas pelo ordenamento jurídico (infungibilidade jurídica). É preciso também considerar a infungibilidade operacional ou prática, aferível em função das dificuldades de ordem prática, ao se tentar realizar concretamente o direito por meio do serviço jurisdicional, mediante a utilização dos meios sub-rogatórios.”(Ibid. p. 247-248)
155
A necessidade de se recorrer aos meios de coerção configura a
essência da prestação que reclama a ação mandamental. O pressuposto da
existência da necessidade de participação direta do devedor no cumprimento
da obrigação é que caracteriza a utilidade das técnicas processuais contidas na
ação mandamental, diga-se a coerção da vontade do obrigado.
Nesse sentido é o ensinamento de Luiz Guilherme MARINONI, ao
enfatizar que: “Um direito que depende do cumprimento de uma obrigação de
fazer infungível ou de uma obrigação de não-fazer encontra meio processual
adequado para a sua tutela na sentença que ordena o fazer ou o não-fazer
mediante uma “ameaça” que possa levar o réu a adimplir voluntariamente.”264
No entanto, deixa claro o referido processualista que a ação
mandamental também poderá ser utilizada para a tutela de direitos que
dependam de cumprimento de obrigação fungível. Justifica seu entendimento
no sentido de que esses direitos, não obstante poderem ser realizados por
terceiros, portanto, independerem exclusivamente da vontade do obrigado,
também podem ser tutelados mediante o emprego da ordem atrelada à multa.
Evidencia que “no direito brasileiro, aliás, sempre se entendeu, sem qualquer
discussão, que o emprego da coerção indireta é cabível em face das
obrigações fungíveis.”265
Resta assim claro o cabimento das ações mandamentais com relação
aos deveres de fazer infungíveis, já que aquela habilita o recurso a meios de
264 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica...cit. p. 71. Há de se notar, entretanto, a discussão entabulada pelo autor quanto a possibilidade de a técnica mandamental ser usada de modo irrestrito quanto as obrigações de fazer infungíveis. Ressalta a importância de se proceder com cautela quando da utilização da ação em relação a obrigações de conteúdo artístico, ou obrigações que “algo que não é pessoal, mas que também não é passível de controle por ele próprio, como a inspiração para cantar ou pintar um quadro.”(Ibid. p. 72-73.) 265 Ibid. p. 73.
156
coerção para se compelir o devedor a adimplir a obrigação. Foi visto também
que a aplicação da técnica pode ser estendida às obrigações que comportem
prestação de fazer fungíveis, evidenciada a necessidade a partir da casuística
analisada.
A análise de situações jurídico-substanciais que contenham deveres de
não fazer, deixa antever entendimento no sentido de que, tais obrigações são
melhores tuteladas pela tutela preventiva, que tem na ação mandamental seu
correlato processual. Nesse sentido expressa-se Luiz Guilherme MARINONI:
“A efetividade da tutela preventiva, como é obvio, está na dependência da
possibilidade de se impedir o ilícito (ou a continuação ou repetição). Torna-se
imprescindível, assim, a possibilidade do uso da multa, como meio de coerção
capaz de convencer o réu a não fazer ou a fazer, conforme se tenha a ação ou
a omissão.”266
Não obstante a possibilidade de utilização das técnicas próprias da ação
executiva lato sensu, em situações concretas envolvendo dever de não fazer, a
produção de efeitos da tutela mandamental apresenta-se, em geral, mais
célere, bem como, há de se considerar a possibilidade de ocorrência da
infungibilidade operacional da adoção dos meios de sub-rogação.
Quanto à adequação da ação mandamental aos deveres de dar coisa
certa, temos que, antes da alteração promovida no Código de Processo Civil,
pela Lei 10.444, de 07 de maio de 2002, que acrescentou ao codex o artigo
461-A e seus parágrafos, como regra, as situações substanciais que
envolvessem tal pretensão, deveriam ser processadas mediante as técnicas
afeitas à ação de condenação com seu correspondente processo de execução.
266 MARINONI, Luiz Guilherme. A tutela inibitória...cit. p. 69.
157
No entanto, frente à dicção dada ao artigo 461-A do diploma processual,
a pretensão a direitos que envolvam dever de dar coisa certa, passou a ser
tutelada pela ação executiva lato sensu. Deve ser feita novamente a ressalva a
pouco feita, quanto às situações práticas nas quais esteja se buscando tutela
de caráter preventivo ou antecipatório, ou que haja inviabilidade prática da
adoção das técnicas sub-rogatórias, próprias da ação executiva, situação na
qual será, dentro do principio da necessidade, passível de utilização a técnica
mandamental.
Tal possibilidade, inclusive, vem expressa no parágrafo 3º, do artigo
461-A, já referido, quando o legislador, ao possibilitar a utilização de medidas
coercitivas mediante o emprego de multa, adota função técnico-processual
própria da tutela mandamental.
Por fim, diante das novas diretrizes específicas para o cumprimento dos
deveres de pagar quantia certa, promovidas pela Lei 11.232, de 22 de
dezembro de 2005, percebe-se a previsão de incidência de multa de dez por
cento sobre o valor da condenação, em caso de não pagamento espontâneo
da dívida, a ser aplicada em caso de execução definitiva, consoante teor do
caput do artigo 475-J267, do Código de Processo Civil. O objetivo da multa
prevista é de, a exemplo do que ocorre com a ação mandamental, atuar sobre
a vontade do devedor no sentido de coagi-lo a, voluntariamente, cumprir o
dever de pagar a quantia constante da decisão judicial.
Desta forma, pode-se considerar que já existe, por força da própria
disposição legal que trata da matéria, utilização da função técnico-processual 267 “ Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.”
158
própria das ações mandamentais, a saber, a cominação de multa como forma
de coerção da vontade do obrigado, com relação às obrigações de pagar
quantia certa. Possui assim, o caput do artigo 475-J, do código processual,
previsão de eficácia processual mandamental, na cominação da multa a incidir
sobre o valor da condenação, no caso de não cumprimento espontâneo da
obrigação.
De uma forma geral, assim se expressa Ernane Fidelis dos SANTOS,
quanto ao novo sistema do Código de Processo Civil brasileiro:
para todas as ações que condenam à obrigação de fazer ou de não fazer, a classificação de mandamental se impõe; para as que determinassem a entrega de coisa, a sentença será executiva lato sensu, enquanto as condenatórias produziriam títulos executivos judiciais, mas com fase executória tendo procedimentalidade diversa (art. 475-J), muito embora se abolisse a ação de execução própria para dar cumprimento ao preceito sentencial.268
Embora não esgotadas as hipóteses nas quais se mostra apropriada a
adoção da tutela mandamental – e não se crê ser possível tal esgotamento –
as referências e análises já efetuadas atendem os despretensiosos objetivos
do trabalho.
4.4.1.1.2. Funções técnico-processuais habilitadas pela tutela
mandamental: Medidas de coerção indireta, v.g. multa e pena de prisão.
Toda sentença, como espécie de ato imperativo do Estado, possui
vocação para produção de efeitos. Esses efeitos variam de acordo com
268 SANTOS, Ernane Fidélis dos. As reformas de 2005 do código de processo civil: execução dos títulos judiciais e agravo de instrumento. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 39.
159
distintas modalidades de sentença e as repercussões diversificadas que
ensejam. A aptidão para proporcionar determinados efeitos está, assim,
diretamente relacionada ao objeto da ação postulada e os mecanismos
processuais por esta habilitados para a obtenção desse objeto, ou seja, os
meios executivos269.
Cumpre, portanto, sejam verificados quais as funções técnico-
processuais ou “meios executivos”, habilitados pela ação mandamental para a
produção dos efeitos esperados, de acordo com o modelo nacional. 270
A ação mandamental possui como escopo principal a tutela de direitos
que demandem alteração no mundo fático, e que essas alterações devam se
dar, ressalvadas as situações de obtenção do resultado prático equivalente
obtido por meio da técnica executiva lato sensu, por meio da vontade do
obrigado. Ou seja, destina-se à tutela de direitos que dependem do
cumprimento de uma prestação infungível, e que, portanto, não podem ser
269 Não obstante, conforme bem observa Marcelo Lima GUERRA, a restrição feita por CARNELUTTI, em seu Sistema de Direito Processual, quanto ao conceito de meios executivos, como sendo àqueles com os quais a satisfação do credor é obtida sem qualquer participação do devedor, através exclusivamente de atos judiciais, não se pode negar que as medidas coercitivas adotadas pelo Juiz, que visem a obtenção da satisfação do credor, desempenhem função análoga às medidas sub-rogatórias. Ambas as situações consubstanciam-se em medidas judiciais decretadas com vistas à satisfação do credor. Define, assim, meio executivo enquanto noção subordinada à tutela executiva, como “ato ou conjunto de atos através dos quais se presta a tutela executiva, o que é o mesmo que dizer, através dos quais o órgão jurisdicional busca a satisfação de um direito subjetivo”. A partir desse entendimento, indica que para prestar a tutela executiva, o juiz deve ser valer dos meios sub-rogatórios, que são aqueles nos quais o juiz substitui-se à pessoa do devedor realizando em seu lugar a prestação devida, ou dos meios coercitivos, sendo aqueles com os quais o “órgão jurisdicional pressiona a vontade o devedor, através de ameaças de sanções agraváveis, de modo a induzi-lo a realizar, ele mesmo, a prestação devida.” Entende esse autor que o conceito de tutela executiva é mais amplo que o de execução forçada, quando usada como expressão sinônima de execução por sub-rogação. (GUERRA, Marcelo Lima. Direitos ...cit. p. 36-37.) 270 Necessário que sejam feitas algumas diferenciações conceituais, quanto aos termos que serão usados, tanto para a apresentação das funções técnico-processuais habilitadas pela ação mandamental, quanto pela executiva lato sensu. Dir-se-á que, enquanto esta habilita a execução forçada, ou direta, a outra habilita execução indireta. Execução forçada ou direta é expressão utilizada para designar execução na qual a atividade jurisdicional se vale de meios sub-rogatórios, prescindindo da manifestação do demandado. Execução indireta é aquela realizada mediante a aplicação de medidas de coação, de modo a pressionar a vontade do devedor no sentido de levá-lo ao adimplemento. Várias são as formas de coação a serem exercidas como pressão sobre a vontade do devedor, como multa, prisão e outras.
160
adequadamente tutelados por meio da execução por sub-rogação, seja ela
uma obrigação de fazer infungível ou de não fazer.
Em virtude dessa finalidade, a ação mandamental deve ser dotada de
mecanismo hábil para a concretização de seu desiderato, já que a função
técnico-processual dessa ação é atuar sobre o próprio demandado, de modo a
coagi-lo a agir de acordo com o determinado pelo comando judicial.
Cândido Rangel DINAMARCO, não obstante não reconhecer a
existência de sentenças que sejam só mandamentais, sem serem
condenatórias271, ensina que, segundo o regramento jurídico brasileiro no
tocante à disciplina destas sentenças272, “o juiz tem o poder-dever de, em caso
de desobediência ao preceito, em primeiro lugar exercer pressões psicológicas
de variada ordem sobre o obrigado desobediente, para que voluntariamente
decida cumprir (Calamandrei).”273
Sobre a afirmação contida no trecho acima transcrito, esclarece o
doutrinador que voluntariamente não é sinônimo de espontaneamente. Em
havendo persistência do devedor no não cumprimento da obrigação, o juiz
deve então impor, “mediante atos de poder e, agora, independentemente da
vontade do obrigado, um resultado prático equivalente ao do cumprimento.”274
Para esse processualista, o poder do juiz de decidir imperativamente e
de impor decisões, encontra plena legitimidade política no conceito e estrutura
271 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 6ª.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p. 229-233. 272 Conforme já enunciado, referido autor reconhece na ordem positiva brasileira o teor de sentença mandamental, àquelas proferidas em mandado de segurança, quando há concessão do pleito, e as que condenam a obrigação de fazer ou não fazer, tanto no sistema do Código de Processo Civil, conforme dicção do artigo 461, quanto no Código de Defesa do Consumidor, consoante redação do artigo 84. (DINARMARCO, Cândido Rangel. Instituições....cit. v. III. p. 242-243.) 273 Ibid.p. 243. 274 Id.
161
do poder estatal. Ao contrário, se houvesse a decisão, a condenação e a
pressão para o cumprimento do comando judicial, e diante da reiterada recusa
do devedor, quedasse resignado o juiz, estar-se-ia exercendo o poder estatal
pela metade. Segundo o doutrinador, na ausência de atos enérgicos
politicamente legítimos, estaria comprometida a efetividade da tutela
jurisdicional com sua correlata garantia constitucional.
Para DINAMARCO, a medida de coerção exercida pelo juiz, através de
pressão psicológica, consistirá em imposição ou aumento de multa,
denominada astreintes, para o caso de não cumprimento da obrigação dentro
do prazo fixado. Entende que a intensidade da pressão, ou seja, o valor e a e
esporadicidade da multa, devem ser aumentados a medida que persiste a
renitência no cumprimento da obrigação, até que se decida abandonar a
tentativa de obter o cumprimento voluntário e imponham-se as medidas
equivalentes ao adimplemento. A finalidade das sanções de multa, teriam
assim, finalidade de promover a efetividade de alguma decisão judiciária.
Referido processualista apresenta entendimento no sentido de que, em
quatro manifestações, a vigente configuração da tutela das obrigações
específicas disporia sobre as multas a serem impostas como sanção ao
inadimplemento. Seriam elas:
a) no § 2º do art. 461, ao ditar a regra da cumulação da multa com possíveis perdas-e-danos; b) e no § 4º do mesmo artigo, ao autorizar o juiz a impô-la e estabelecer normas para sua imposição e dimensionamento; c) em seu § 5º, ao reafirmar esse poder e de modo explícito associar as astreintes ao cumprimento da obrigação originária ou à obtenção do resultado equivalente de que fala o caput; d) no § 6º do mesmo artigo, dando ao juiz poderes para alterar a periodicidade e valor das multas (os dois últimos dispositivos têm redação ditada pela lei n. 10.444, de 07.05.2002).275
275 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p. 235.
162
Luiz Guilherme MARINONI conforme debatido, entende apropriada a
utilização da técnica mandamental, através da coerção indireta, tanto em face
das obrigações infungíveis quanto das fungíveis. No entanto, evidencia que a
obrigação infungível somente pode ser tutelada adequadamente mediante a
imposição de multa.276 Para esse processualista, a “multa, ou a coerção
indireta, implica ameaça destinada a convencer o réu a adimplir a ordem do
juiz. Para esse autor, a técnica mandamental, “fundada na ordem e na multa,
não se confunde com a técnica condenatória, ou mesmo com a técnica
executiva ligada à coerção direta ou à sub-rogação.”277
Nesse mesmo sentido, apensar de não reconhecer autonomia as ações
mandamentais e executivas lato sensu, Marcelo Lima GUERRA, indica que em
se tratando de obrigações infungíveis, “especialmente a infungibilidade dita
“natural”, a respectiva tutela executiva somente poderá ser obtida através de
medida coercitiva, já que, diante da infungibilidade, é impossível a substituição
da atividade do devedor pela do órgão jurisdicional, característica da medida
sub-rogatória.”278
No entanto, ao se referir as obrigações fungíveis, referido doutrinador ,
admitindo ser possível o uso de medidas sub-rogatórias, não entende que haja
uma prioridade genérica e abstratamente estabelecida das medidas sub-
rogatórias, em relação às medidas coercitivas, indicando que somente a
situação concreta poderá revelar qual o meio executivo mais apto a prestar a
tutela executiva de modo mais eficaz. Aponta entendimento contrário de José 276 Nesse sentido afirma que “para que o processo possa dar ao autor uma prestação infungível é necessário que ele atue sobre a vontade do devedor, convencendo-o a adimplir. O uso da multa é imprescindível em se tratando de obrigação infungível.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica...cit. p. 189.) 277 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica...cit. p. 72. 278 GUERRA, Marcelo Lima. Ob cit. p. 40.
163
Carlos BARBOSA MOREIRA, Ernane Fidélis dos SANTOS e Moacyr Amaral
SANTOS.
Sérgio Torres TEIXEIRA, entende que a tutela mandamental dá ensejo a
sanções processuais das mais variadas espécies, como a aplicação das
astreintes , a imputação de penas decorrentes de eventual litigância de má-fé,
mas, sobretudo, o desrespeito ao comando exposto no mandado emanado do
respectivo julgado, que contém uma ordem judicial decretada em nome da
soberania estatal, caracterizaria conduta ilícita, a ser coibida através da
caracterização do crime de desobediência e a configuração da
responsabilidade civil do devedor. Ou seja, para esse doutrinador, “ignorar a
ordem judicial emanada da sentença mandamental, frustrando a atuação da
tutela jurisdicional, constitui grave ofensa, punível mediante a aplicação de
diversas sanções, tanto endógenas como exogenamente.”279 Posicionamento
semelhante é defendido por Edson Ribas MALACHINI,280 conforme
entendimento já exposto.
Vale destacar que a mandamentalidade se assenta na ordem exarada
pelo Juiz, para que seja cumprida a decisão contida na sentença. As funções
técnico-processuais habilitadas pela tutela mandamental, destinam-se a servir
de meio coativo para a observância da conduta exigida. Nesse sentido,
diversos são os meios de coação passíveis de serem determinados pelo Juiz
279 Explica o autor que de modo “endoprocessual, a desobendiência pode ensejar a aplicação (inclusive de forma concomitante) de multas pecuniárias de três espécies”, discriminadas em “a) a decorrente da aplicação das penas de litigância de má-fé, nos arts. 16 a 18 do CPC; b) a relativa às astreintes do art. 461 do CPC; e c) a relativa à caracterização de ato atentatório ao exercício da jurisdição, conforme estipulado no parágrafo único do artigo 14 do CPC.” Com referência ao âmbito da concretização da sentença mandamental, ou seja, nas palavras do processualista, exogenamente, incidem com mais intensidade as medidas punitivas, sobretudo, quanto a “potencial caracterização de responsabilidade civil e criminal do devedor em face da desobediência.”(TEIXEIRA, Sérgio Torres. Ob cit. p. 399.) 280 MALACHINI, Edson Ribas. Ações ...cit.p. 471.
164
no afã de compelir o devedor ao cumprimento da obrigação, v.g. a multa ou a
pena de prisão pelo crime de desobediência. O que deve ser observado é a
utilidade do meio coativo a ser empregado para se atingir o fim colimado.
Em se tratando da multa, conforme adotado pelo modelo nacional,
poderá ser imposta inclusive de ofício pelo juiz, ser majorada ou diminuída,
guardando sempre razão de compatibilidade e suficiência com as
necessidades oriundas do caso concreto que visa tutelar, e sua finalidade
coercitiva, para que não se transforme em pena.
Em face do modelo adotado pelo Código processual brasileiro quanto as
tutelas mandamentais e executivas lato sensu, foi conferida flexibilidade ao juiz
para a imposição de medidas que se afigurem aptas a obtenção da tutela
jurisdicional específica.
De se observar que tais poderes devem ser equilibrados em função dos
bens jurídicos em confronto, de modo a justificar a imposição de medidas
coercitivas. Nesse sentido, a prisão coercitiva pode se afigurar como meio
eficiente para se alcançar a tutela específica.281
4.4.1.2. Ação e sentença executiva lato sensu
Não há na doutrina pátria, consenso sobre a autonomia da ação
executiva lato sensu, sua terminologia, bem como quanto aos casos de
incidência. Com referência a terminologia, adota-se no presente trabalho a
expressão executiva lato sensu, vez que o termo empregado designa 281 É o que ensina Luiz Guilherme MARINONI, quando afirma que “Não é errado imaginar que, em alguns casos, somente a prisão poderá impedir que a tutela seja frustrada. A prisão como forma de coação indireta, pode ser utilizada quando não há outro meio para a obtenção da tutela específica ou do resultado pratico equivalente.”( MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas...cit.. p. 87.)
165
fenômeno que extrapola as ações de conhecimento ao mesmo tempo em que
não se restringe aos atos próprios da ação de execução. As ações executivas
lato sensu não são ações de conhecimento ou executivas puras, conforme
formatação da doutrina tradicional, muito embora possuam elementos de
ambas.
Conforme posicionamento de se classificar a ação pela carga de eficácia
da sentença de procedência, percebe-se a eficácia tida por tais ações, ou seja,
o resultado prático que elas produzem, extrapola o mundo jurídico
reverberando no mundo dos fatos. Já foi trabalhado em outra oportunidade,
que a aptidão para proporcionar determinados efeitos, está diretamente
relacionada ao objeto da ação postulada e os mecanismos processuais por
esta habilitados para a obtenção desse objeto.
Vez que a ação executiva lato sensu objetiva a modificação do mundo
dos fatos através da habilitação de meios executivos, possui sentença dotada
de eficácia executiva. No entanto, sua eficácia, apesar de executiva, não a
desobriga de perscrutar em todos os meandros devidos, a procedência da
pretensão do demandante, através de funções técnico-processuais do
processo de conhecimento. Além disso, sua eficácia não se restringe apenas a
uma modalidade de execução, englobando diversas ações executivas282, com
282 Conforme referência feita por José Miguel Garcia MEDINA, citando PONTES DE MIRANDA, as ações executivas lato sensu, seriam gênero que abrangeriam diversas ações executivas. Cita passagem da obra ‘Comentários ao Código de Processo Civil’, Tomo I, p. 113, de referido processualista, a qual se transcreve: “[...]. Assim, a classificação pela preponderância de um dos cinco elementos dá-nos outro quadro: [...] 5. Ação executiva lato sensu: a) ação executiva, por antecipação ou adiantamento da executividade, de que são exemplos as ações de títulos extrajudiciais, mas de cognição incompleta ao tempo da eficácia executiva; b) ações executivas sem antecipação ou adiantamento da executividade, de modo que a sentença final é a ‘executiva’; c) ação executiva de sentença (‘execução se sentenças’), que são títulos para se iniciar a execução, já sem a elaboração de cognição completa, porque a sentença exeqüente deixou atrás aquela elaboração e tende a explorar a cognição completa que traz em si”. (PONTES DE MIRANDA apud MEDINA, José Miguel Garcia, in ob cit. p. 228.)
166
suas peculiaridades, culminado, por todos esses motivos, no emprego da
expressão executiva lato sensu.283
Alguns autores, apesar de reconhecerem a ocorrência, na prática, de
sentenças dotadas de eficácia processual diferenciada da condenatória,
chamando mesmo tais sentenças de executivas lato sensu, não reconhecem a
existência da ação e sentença executiva lato sensu, como categoria jurídica
autônoma.
Cândido Rangel DINAMARCO, citado por Ovídio Araújo Baptista da
SILVA, apesar de reconhecer que em determinadas ações há um sincretismo
através do qual podem ser obtidas a condenação e a satisfação final do direito,
não admite a sentença executiva autônoma, dizendo que a sentença executada
pelo juiz no processo de conhecimento é condenatória, com a peculiaridade de
que num processo só, faz-se a execução com base nessa sentença. 284
Entendimento análogo é defendido por Marcelo Lima GUERRA, conforme obra
mencionada.
A divergência acerca da aceitação ou não da ação executiva lato sensu,
como categoria autônoma, enfrenta necessariamente a questão da definição e
283 Esse posicionamento é defendido por José Miguel Garcia MEDINA, com sustentação na doutrina de PONTES DE MIRANDA. Para maiores esclarecimentos remete-se a obra citada ‘Execução Civil: princípios fundamentais’, de José Miguel Garcia MEDINA. 284 Segundo Baptista da SILVA, para DINAMARCO “seria uma adulteração dos conceitos supor que a sentença a ser executada por ordem do juiz, no processo de conhecimento, não seja também condenatória”. No entanto, adverte SILVA, que esse entendimento contraria a doutrina dominante que aponta como nota essencial da sentença condenatória sua incapacidade de realizar no mesmo processo a execução. Aponta duas razões fundamentais para sua divergência com o pensamento de DINAMARCO, indicando que, sob seu entendimento, as ações denominadas por PONTES DE MIRANDA como executivas lato sensu, não seriam apenas sincréticas, no importe de realizarem a cognição e a execução numa mesma relação processual. Para ele, a natureza das ações condenatórias é determinada por sua insuficiência de efetivar a sanção ou se auto-executar na mesma relação processual de conhecimento, e pela relação existente entre a ação condenatória e o direito das obrigações, a impossibilitar o sincretismo daquelas, já que a sentença condenatória, ao impor uma prestação ao réu, limita-se a preparar a execução, condenando e aguardando o cumprimento voluntário do executado, sendo ineliminável esse momento existente entre a sentença e a execução. (SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso...cit.v.2. p. 208-209.)
167
entendimento referente a ação condenatória, deixando evidente a importância
de proceder a diferenciação para com esta, a partir de sua arquitetura formada
pela doutrina clássica, para se compreender e legitimar a ação e sentença
executiva lato sensu, sua definição e hipóteses de cabimento.
Partindo do momento histórico no qual se deu a formação da ação e
sentença condenatória, cabe aqui relembrar, ainda que sucintamente, o
assunto tratado no segundo capítulo, sobre a influência da ideologia liberal na
formação da doutrina acerca da classificação das ações e sentenças285.
Conforme debatido naquela oportunidade, a separação entre a ação de
conhecimento e a de execução em processos distintos, cada uma com limites e
finalidades devidamente delineadas e imiscíveis, bem como a necessidade de
um processo cognitivo exauriente e definitivo a anteceder o processo
executivo, visava, dentre outras situações, à obtenção de um grau de certeza
sobre o direito postulado, a justificar a execução.
Essa preocupação fundava-se, sobretudo, na proteção que devia ser
prestada ao particular contra o Estado, ou melhor, na proteção que devia ser
dada ao devedor de somente sofrer os atos executivos por parte do Estado, por
dívida já debatida em prévio processo de conhecimento. Tal entendimento
coaduna com o pensamento liberal, conforme seus ideais já apresentados em
capítulo anterior.
285 Conforme ensina Luiz Guilherme MARINONI: “Essa classificação, além de refletir, sobre o plano metodológico, as exigências da escola sistemática, baseadas nas necessidades de isolar o processo do direito material, espelha os valores do direito liberal, fundamentalmente a pretendida neutralidade do juiz, a autonomia da vontade, a não ingerência do Estado nas relações dos particulares e a incoercibilidade do fazer. Como é sabido, o Estado liberal fez surgir um juiz despido de poder de imperium e que devia apenas proclamar as palavras da lei. As sentenças da classificação trinária, todas elas lato sensu declaratórias, refletem essa idéia.”(MARINONI, Luiz Guilherme. Manual cit... p. 415.)
168
A sentença condenatória, segundo seu delineamento elaborado pela
doutrina clássica, sob a influência da ideologia liberal-burguesa, não tutelava,
por si só, qualquer direito material, dependendo do ajuizamento de uma ação
de execução para a realização no plano dos fatos do direito reconhecido na
sentença. Sua principal finalidade era a formação de um título executivo
judicial.
Essa ausência de tutela material tida pela sentença condenatória, e sua
carência de mecanismos aptos a alcançar a finalidade buscada pelo
jurisdicionado, foi paulatinamente, em função, sobretudo, das modificações
sociais havidas, dos novos interesses e anseios, tornando a ação condenatória
vazia em efetividade.
Atualmente, quando se busca, através das atividades processuais, a
efetividade de realização do direito material tutelado, a ação condenatória se
torna definitivamente insuficiente e em descompasso com os anseios sociais.
Desta forma, pode-se inferir que, consoante ensina José Miguel Garcia
MEDINA:
A ação condenatória, longe de ser um instrumento de tutela do direito material, exerce, assim, função eminentemente processual. Quem ajuíza uma ação condenatória, o faz porque o ordenamento jurídico-processual condiciona o ajuizamento de uma ação de execução à existência de um título executivo (e a sentença condenatória, como se diz correntemente na doutrina, é título executivo por excelência).286
De uma forma geral, os doutrinadores que acatam a categoria das ações
e sentenças executivas lato sensu287, guardadas as devidas particularidades
de entendimento, concordam que, contrário do que ocorre com a condenatória, 286 MEDINA. José Miguel Garcia. Ob. cit. p. 222. 287 Conforme será visto mais adiante, Ovídio A. Baptista da SILVA entende pela denominação de tais ações apenas como executivas, e não executivas lato sensu, denominação esta devida a PONTES DE MIRANDA. Também Edson Ribas MALACHINI entende ser cabível a expressão executiva lato sensu, tão somente em relação às ações, não tendo qualquer adequação à expressão quando se trata de sentenças.
169
a sentença executiva não se destina à formação de um título executivo. Uma
vez proferida a sentença, seu cumprimento dá-se no mesmo processo, na
mesma relação processual instaurada em sede de cognição, prescindindo de
processo executivo autônomo.
Contrário sensu, os que não admitem a autonomia da ação executiva,
também de forma geral, entendem que a sentença executada por ordem do juiz
no processo de conhecimento, trata-se também de uma sentença
condenatória, com a peculiaridade de ser executada no mesmo processo.
Desta forma e a exemplo da estrutura de trabalho levado a efeito no
estudo da ação mandamental, torna-se necessário proceder à análise da ação
e sentença executiva lato sensu, sua diferenciação da ação condenatória, a
partir dos esquemas teóricos estabelecidos por doutrinadores que se
dedicaram ao tema, sem se olvidar da existência de diversos outros
processualistas que também tratam do assunto.
Conforme observa Luiz Guilherme MARINONI, existem duas maneiras
de se considerar a sentença executiva, sendo a primeira devida a PONTES DE
MIRANDA, que projetou a base desta ação em sua classificação quinária das
ações e sentenças. A segunda forma é a visão adotada pelo próprio
processualista e entende que as sentenças devem ser classificadas a partir de
critérios processuais, ou seja, devem ser considerados os “meios de execução
e os valores e princípios que se ligam a cada uma delas”288. Vejamos então as
duas maneiras, segundo o aporte teórico de seus defensores.
Partindo do ensinamento de PONTES DE MIRANDA, percebemos que
sua premissa fundamental é a de que a sentença executiva, por si só, seria
288 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual … cit. p. 430.
170
bastante para provocar alteração na linha discriminativa das esferas jurídicas
do demandante e do demandado, enquanto tal alteração não seria obtida pela
sentença condenatória, que dependeria de um posterior e autônomo processo
de execução por expropriação, que então tiraria o bem da esfera jurídica do
devedor e a transferiria para a do credor.
Cabe lembrar, nesse momento, que o critério usado pelo doutrinador
para a classificação das ações é a carga eficacial preponderante da sentença,
de procedência, ou seja, quanto à eficácia executiva, ou força executiva da
sentença proferida em sede de ação executiva, ensina que aquela deve se dar
de maneira imediata, por meio da própria sentença do processo de
conhecimento. É o que se depreende de seus ensinamentos, conforme vemos:
A ação contra quem, em negócio jurídico se comprometeu a concluir um contrato e não cumpriu, ou contra quem prometera transferir propriedade de coisa determinada ou de outro direito, ou é condenado a declarar a vontade, é ação que termina por sentença executiva, e não só por sentença exeqüível: tal sentença tem força, e não só efeito executivo, como se dá com as ações de execução de sentença e de execução de títulos extrajudiciais. 289
Assim, o jurista define a ação executiva como sendo “aquela pela qual
se passa para a esfera jurídica de alguém o que nela deveria estar, e não
está.”290 Em outras palavras, “A sentença favorável nas ações executivas
retira valor que está no patrimônio do demandado, ou dos demandados, e põe-
no no patrimônio do demandante.”291 Esse é o núcleo de sua doutrina acerca
da eficácia executiva lato sensu, ou seja, a transferência da coisa da esfera
patrimonial do réu para a do autor, em suas palavras, a modificação na “linha
289 PONTES DE MIRANDA. Tratado...cit. tomo 7. p. 38. 290 Ibid. p. 135. 291 PONTES DE MIRANDA. Tratado …cit. Tomo 1. p. 225.
171
discriminativa das esferas jurídicas”, dê-se diretamente pela eficácia
preponderante executiva da sentença.
Ainda entende o jurista que, embora seja comum à ação executiva e à
condenatória que se dê a retirada do bem que está numa esfera jurídica, a do
devedor, para outra esfera jurídica, a do credor, na ação condenatória e
executiva por crédito, o bem a ser retirado da esfera jurídica do devedor ali se
encontrava de forma acorde com o direito. Já na ação executiva, o bem a ser
apanhado e retirado da esfera jurídica do demandado, ali se encontrava de
forma contrária ao direito, ou seja, na ação executiva, a coisa estaria no
patrimônio do devedor de forma ilegítima, contra o direito.
Outro aspecto a ser destacado em sua doutrina diz respeito a que a
coisa em questão pode ser garantida tanto por um direito real, quanto por um
direito pessoal. Nesse sentido, afirma que “As sentenças nas ações executivas
ou são pessoais ou são reais.”292 É o que também podemos inferir dos
seguintes trechos de suas obras:
Outra atitude a eliminar-se é a dos que limitam as sentenças executivas à execução das obrigações de crédito: estariam fora as execuções em que não há o devedor (de direito das obrigações) constrangido a executar, ou assistir e sofrer a execução pelo Estado, dito forçada.”(...)“Em vez de verem os fatos do mundo contemporâneo após as sínteses, tentadas e experimentadas, com a tese romana e a antítese germânica, esses juristas são vítimas do romanismo, quando, aliás, o próprio direito romano não limitava às ações de direito das obrigações a actio iudicati. 293
“As ações executivas ou são reais ou pessoais. Nas ações executivas reais, a posição do demandado é a de pessoa imediatamente interessada, passivamente, na execução: de algum modo a tem de tolerar. Nas ações executivas pessoais, a posição do demandado é a de quem sofre a execução, por sair de seu patrimônio o bem com que se satisfaz a pretensão oriunda do título executivo, extrajudicial ou judicial.294
292 PONTES DE MIRANDA. Tratado…cit. Tomo 1. p. 225. 293 PONTES DE MIRANDA. Tratado...cit. tomo 7. p. 37. 294 Ibid.p. 42.
172
PONTES DE MIRANDA refere-se às ações executivas como gênero
onde estariam abrangidas diversas ações executivas, conforme passagem já
mencionada, indicada por José Miguel Garcia MEDINA. No entanto, ressalta o
doutrinador que devem ser evitadas as dilatações conceptuais do termo
execução295 e suas variantes, no sentido de designar um atendimento a uma
ordem, mandado ou lei. Segundo ensina “O executar é ir extra, é seguir até
onde se quer. Compreende-se que se fale de execução, de ação executiva,
quando se tira algo do patrimônio e se leva para diante, para outro.
Compreende-se também que se vá ao extremo de se ligar à execução, lato
sensu, qualquer cumprimento de sentença, mas essa dilação de sentido é
acientífica.”296 Para PONTES DE MIRANDA, a “ação de execução de sentença
é que é o protótipo da ação executiva “lato sensu””.297
Por seu turno, a doutrina de Luiz Guilherme MARINONI admite a
categoria da sentença executivas lato sensu, como sendo aquela que executa,
não se limitando a criar o título judicial, pressuposto para a execução. Seu
entendimento, no entanto, diverge do apresentado anteriormente, porquanto
para a classificação e distinção das ações, parte de critérios processuais e não
de direito material.
Assim, apresenta divergência com a doutrina de PONTES DE
MIRANDA, quanto à diferença existente entre a sentença executiva e a
condenatória. Conforme já mencionado, para PONTES DE MIRANDA, o que
diferenciaria a ação condenatória e a executiva, seria a modificação na linha
295 Para o jurista, “A palavra “execução” tem dois sentidos: um, estrito, que se refere à ação de execução da sentença, ou do título extrajudicial; e outro, largo, que abrange a execução da obrigação, qualquer que seja.”(PONTES DE MIRANDA. Tratado... cit. tomo 7 p. 38.) 296 PONTES DE MIRANDA. Tratado das ações... cit.. Tomo 7. p. 26. 297 Ibid. p. 31.
173
discriminativa das esferas jurídicas298, ou seja, o fato de o bem estar ou não
legitimamente na esfera jurídica do demandado. Para ele, na ação executiva, o
bem estaria contrário ao direito na esfera jurídica do devedor, enquanto na
ação condenatória e na execução que a segue, o bem ali se encontraria acorde
com o direito. A execução por expropriação, assim, só seria necessária para a
retirada de um bem que estivesse legitimamente na esfera jurídica do réu, ou
seja, na ação condenatória, vez que, em se tratando de bem que estivesse
contrariamente ao direito na esfera do demandado, como na ação executiva, a
própria sentença restabeleceria o direito do autor.
Diversamente, MARINONI entende que devem ser considerados os
meios de execução e os valores e princípios que se ligam às sentenças
condenatórias, mandamental e executiva, para efetuar sua distinção. 299
Assim, em seu entendimento, a sentença executiva é a que se realiza
“através dos meios de execução direta adequados à tutela específica do direito
ao caso concreto, que devem ser utilizados pelo autor e pelo juiz segundo as
regras do meio idôneo e da menor restrição possível, ou segundo a lógica de
298 Como será visto, Ovídio Araújo Baptista da SILVA também corrobora com o posicionamento mencionado, segundo o qual é inerente ao ato executório a invasão da esfera jurídica do demandado. 299 Assevera o doutrinador: “Portanto, há uma brutal distinção entre as sentenças, permitindo a definição de três categorias distintas. As sentenças satisfativas, que independem de execução, aí presentes as sentenças declaratória e constitutiva. As sentenças mandamental e executiva, caracterizadas pela necessidade de se dar tutela específica ao direito material e aos diversos casos concretos, e por isso marcadas por uma ampla latitude de poder de execução. E a sentença condenatória, voltada a tutela que se contenta com o pagamento de quantia certa, particularmente à tutela pelo equivalente ao valor da lesão,a qual se liga a execução por expropriação, isto é, a única forma de execução direta expressamente tipificada na lei, sem dar ao juiz qualquer possibilidade de ajuste ao caso concreto.” Importa ainda destacar que, dentro da segunda categoria apresentada pelo jurista, devem ser distinguidas as duas sentenças pelos meios de execução que habilitam de acordo com nosso ordenamento jurídico. Assim, “é preciso separar a multa dos meios de execução que permitem a tutela do direito independente da vontade do réu.”(MARINONI, Luiz Guilherme. Manual... cit. p. 422.)
174
que a modalidade executiva deve ser idônea à tutela do direito sem deixar de
ser a menos gravosa ao réu.”300
Observa Luiz Guilherme MARINONI que não pode ser definida como
executiva a sentença que condena o réu a uma prestação, posto que essa,
embora não se restrinja a fixar o pressuposto para ação de execução, uma vez
descumprida, supõe uma execução. Ou seja, “A supressão da ação executiva
não faz, por si só, executiva a sentença”. 301
Com tal consideração, aponta o que em sua opinião, seria a grande
dificuldade de se compreender o conceito de sentença executiva. Destaca que
a sentença executiva não mantém relação de causa e efeito com a supressão
da ação de execução. Se assim fosse, havendo a supressão da execução,
transformar-se-iam todas as sentenças condenatórias em executivas.
Uma vez que parte de critérios processuais302, ou seja, dos meios de
execução habilitados por cada sentença para proceder sua classificação, para
MARINONI, é de suma importância que se atente para as distinções havidas
entre a execução direta e a indireta, sendo elas, em suas palavras, “a forma
como se manifesta a sentença em seu momento dinâmico, de execução.”303
Assim, para esse autor, a execução direta dar-se-ia através de meios
executivos que permitissem, independentemente da vontade do demandado, a
realização do direito. Percebe-se, assim, que essa forma de tutela permite
300 Ibid.p. 430. 301 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória...cit. p. 373. 302 É enfático o autor na defesa de seu entendimento quando afirma: “É evidente que uma sentença que “reconhece a existência de obrigação” somente pode ser qualificada a partir da análise dos meios de execução que lhe conferem particularidade. Isso porque, à distância dos meios de execução, tais sentenças têm a mesma natureza, como teriam a mesma natureza todas as sentenças da classificação trinária, caso não fossem particularizadas por determinados critérios de ordem processual.”(MARINONI, Luiz Guilherme. Manual ...cit. p. 418-419.) 303 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual... cit. p. 422.
175
diretamente a realização do direito. Já na execução indireta, a realização do
direito é intentada através de meios executivos, como a multa e a prisão civil,
que incidem sobre a vontade do executado, de modo a coagi-lo a adimplir. No
entanto, a efetivação do direito será dependente, em última análise, da vontade
do devedor.
Embora admita a tese central da doutrina de PONTES DE MIRANDA,
com relação à diferença existente na alteração da linha discriminativa das
esferas jurídicas pela ação condenatória e executiva lato sensu, bem como as
considerações de Ovídio Araújo Baptista da SILVA sobre a correlação histórica
que remonta ao direito romano, havida entre pretensões de direito real e ação
executiva, MARINONI sedimenta seu posicionamento focando na efetividade
do processo, através da análise dos meios executórios habilitados pela ação
para a prestação da tutela juriscional.
Para esse processualista, a ação executiva lato sensu, como a ação
mandamental, são técnicas de tutela que tornam possível a proteção de
direitos que, para sua efetivação, dependem de uma atividade material.
Outro processualista que, com grande propriedade trata das ações
executivas, é Ovídio A. Baptista da SILVA, que, partindo dos ensinamentos de
PONTES DE MIRANDA, elaborou doutrina sobre as ações executivas lato
sensu e as mandamentais, sob uma concepção histórico-doutrinária.
Primeiramente, vale ressaltar que Ovídio Araújo Baptista da SILVA, não
obstante manter em vista a doutrina clássica formadora do processo de
conhecimento e o de execução para sua teoria sobre a ação executiva e a
mandamental, sobretudo para classificá-las e diferenciá-las da ação
176
condenatória, apresenta severas críticas à separação entre cognição e
execução em processos distintos.
São diversas as incursões teóricas contidas em sua obra que
evidenciam o repúdio à concepção doutrinária responsável pela formação do
processo de conhecimento e o de execução nos moldes como o conhecemos
hoje, doutrina esta, deixa claro o doutrinador, “com a qual não temos o menor
compromisso ou simpatia.”304 Não obstante, toda a argumentação tecida,
Ovídio A. Baptista da SILVA, respeita a história e a doutrina formativa dos
conceitos da ação de conhecimento e de execução, a partir das quais,
fielmente, vai construir sua teoria acerca das ações mandamentais e
executivas lato sensu.
Justifica que os conceitos e pressupostos ideológicos contidos na
doutrina que separa o processo de conhecimento do processo de execução,
foram elaborados segundo proposição defendida pela doutrina medieval,
comprometida com seus próprios interesses, como já debatido no segundo
capítulo, sendo a estrutura do processo de conhecimento elaborada de modo
que nela não fossem praticados, ou permitidos de serem praticados, quaisquer
atos executivos, seja por meios de sub-rogação ou de coação.
Como contrapartida, “a unificação dos meios executórios, reunidos num
único processo de execução, fez-se mediante a redução de toda a atividade
jurisdicional executiva à execução por créditos”.305 Ou seja, tanto restou o
processo de conhecimento restrito unicamente à cognição, sem apresentar
qualquer possibilidade de promover alterações no mundo fático, quanto o
304 Ibid. p. 195. 305 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso... cit. vol 2. p. 20.
177
processo de execução restou limitado à execução por créditos, e seus
correlatos meios executórios.
Desta forma é que, tendo em vista a formação do processo de
conhecimento e o de execução, Baptista da SILVA é taxativo ao afirmar que
“se alguma dessas duas categorias houver de ser ampliada para acomodar as
ações executivas “lato sensu” e mandamentais, certamente não será o
processo de conhecimento, e sim o de execução”306, em divergência com a
doutrina de PONTES DE MIRANDA, que, sob seu entendimento307, incluem-se
as ações executivas no processo de conhecimento.
Justifica seu entendimento, conforme dito, com base em razões
históricas, afirmando que a própria formação do processo de conhecimento
priva-o de possuir qualquer atividade executória, devendo a relação processual
ser encerrada com a prolação da sentença de mérito, transferindo-se para a
subseqüente e autônoma relação processual executória, as atividades
jurisdicionais posteriores à sentença308. Aduz o autor que restam “Excluídas,
portanto (não por nós), do processo de conhecimento as demandas executivas
– caracterizadas por conterem, na mesma relação processual, a cognição e a
execução”.309 Somente em função da concepção doutrinária corrente poderia
ser justificada a inclusão das ações executivas no processo de execução, já
306 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso,,,cit. vol. 2. p. 21. 307 José Miguel Garcia MEDINA, entendendo de forma diversa, aponta que a designação “ação executiva lato sensu”, utilizada por PONTES DE MIRANDA, não significa que para esse autor se estivesse, necessariamente, diante de modalidade ação de conhecimento, porquanto em sua obra trata o doutrinador as ações executivas como gênero que abrangeria diversas ações executivas, designando o termo empregado, “fenômeno para além das ações de conhecimento”. (MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil...cit. p. 228) 308 Nesse sentido afirma: “é perfeitamente lógico que as novas formas de atividade jurisdicional, que porventura exijam a realização de funções executivas, sejam conduzidas ao repositório comum do processo de execução, justamente concebido como instrumento de unificação dos meios executórios.”(SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso...cit.vol.2. p. 22.) 309 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso...cit. vol 2. p. 195.
178
que, para tal doutrina, somente existem no processo de conhecimento,
sentenças declaratórias, constitutivas e condenatórias, as duas primeiras
prescindindo de execução e a terceira morta por consumação.
Para Baptista da SILVA, a denominação mais apropriada para a ação
em estudo, seria tão somente ação executiva, conforme esclarece, que, com
relação às execuções fundadas em pretensões reais310 “Preferimos denominá-
las ações executivas, em vez de conservar a denominação que lhes dera
PONTES DE MIRANDA, ao chamá-las ações executivas lato sensu.”311
A distinção entre direitos reais e direitos obrigacionais312 é sobremaneira
importante para a doutrina de Ovídio Araújo Baptista da SILVA sobre as ações
executivas.
Para esse autor, a essência da ação executiva e sua diferença com a
ação condenatória, está na “originária concepção romana, criadora da distinção
entre ações fundadas em direito obrigacional (relativo) e ações derivadas de
um direito absoluto, especialmente entre a actio e a vindicatio.”313
A importância dessa diferenciação realçada pelo processualista
sobreleva-se em sua doutrina, porquanto é sobre ela que pauta-se sua 310 Justifica seu entendimento alegando que “nos sistemas jurídicos rudimentares, como o próprio jurista reconhece, a execução real foi a expressão originária, mais primitiva, da atividade, que, num momento subseqüente, jurisdicionalizou-se. A execução obrigacional, como o direito moderno a concebe, foi produto de um estágio mais evoluído do fenômeno processual, de modo que, se pretendêssemos separá-las hoje, atribuindo-lhes a qualidade, respectivamente de strito e lato sensu, então às obrigações é que deveria caber a classe das lato sensu, não às execuções reais.”(SILVA, Ovídio Araújo da. Curso...cit. vol 2. p. 183.) 311 SILVA, Ovídio Araújo da. Curso... vol 2. cit. p. 183. 312 De se esclarecer aqui também o entendimento acerca da diferenciação traçada pelo autor, havida entre a execução por créditos, fundada em direito obrigacional, e a execução de uma pretensão real. Para Baptista da SILVA, a execução por créditos nasce de uma relação obrigacional que pode ter origem tanto no campo dos direitos das obrigações quanto no do direito de família e sucessões. Quanto a execução de uma pretensão real é fundada no direito de propriedade. Importa ainda apresentar a distinção feita pelo autor no sentido que “Diz-se que a ação é real quando, por meio dela, o autor busca obter a coisa (res), e não o cumprimento de uma obrigação, a que esteja sujeito o demandado; ao contrário, será ela uma ação pessoal quando fundada no direito das obrigações.” (SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso... cit. vol 2. p. 199.) 313 Idem, Ibdem.p. 196.
179
diferenciação das ações condenatórias e executivas, no importe em que
somente as pretensões materiais de natureza real, que visam a obtenção de
coisa, seriam próprias à que fossem proposta ação executiva lato sensu,
conforme terminologia adotada no trabalho, enquanto as pretensões materiais,
de feição obrigacional, somente deveriam ser processadas através da ação
condenatória e do correlato processo de execução.314
A análise de sua doutrina leva a conclusão de que para ele, a
adequação das ações executivas lato sensu, ou seguindo sua denominação,
apenas ações executivas, limita-se tão somente às pretensões de natureza real
com vista à recuperação de coisa, vez que, esta estaria contra o direito na
esfera jurídica do demandado. Em última análise, somente seria própria a ação
executiva para SILVA, quando houvesse um vínculo real entre o autor e a
coisa, ou seja, quando o bem, objeto da apreensão, fosse de propriedade do
autor, sendo dispensada a prestação do réu. Ou seja, referido processualista
limita a eficácia executiva lato sensu, as situações jurídico-substanciais nas
quais, há um vínculo real entre o autor e o objeto da apreensão.
De outro lado, em se tratando das ações pautadas no direito
obrigacional, seria imprescindível o processo de execução, mesmo na hipótese
de recuperação de coisa derivada de obrigação de obtenção de coisa certa,
definida por sentença. Já que, nessa hipótese, por estar a coisa acorde com o
direito no patrimônio do demandado, sua retirada somente poderia ser dar
314 O conceito de pretensão para SILVA, está ligado ao direito obrigacional, derivado da actio romana. É a exigibilidade que define a pretensão: Exigir (exercer pretensão); agir (exercer ação). Segundo ensina, o direito romano concebia dois meios jurídicos para a realização dos direitos: a ação e a reinvindicação. Assim, quando foi concebido o conceito de pretensão, derivando-o da actio, fez com que esse se ligasse ao direito das obrigações, uma vez que a actio romana, que gerava uma condemnatio, originava-se invariavelmente de uma obligatio, fosse proveniente de contrato ou de delito. (SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso ...cit.v.2. p.196-205.)
180
através do processo de execução. A sentença, sendo o bem de propriedade do
devedor, somente deveria se limiar a condená-lo, respeitando a necessidade
de sua prestação voluntária no cumprimento da obrigação. A obrigação legal
não equivaleria ao vínculo real entre a coisa e o autor da ação, de modo a
legitimar a imediata utilização dos meios necessários à materialização do
direito315.
Por seu turno, Sérgio Torres TEIXEIRA ao abordar as sentenças
executivas lato sensu, indica que essas vão além de apenas abrir caminho
para posterior processo executório, elas se destinam a “fazer atuar o próprio
direito, no sentido de produzir, em si, a transformação no plano empírico.”316
Afirma que nas hipóteses de sentença executiva lato sensu, ocorreria uma:
ruptura com a dicotomia tradicional envolvendo “conhecimento” e “execução”, uma vez que tal modalidade de julgado proporciona, em um único processo, a resolução da questão litigiosa e em seguida a realização (materialização) do direito reconhecido. A concretização deste, portanto, ocorre, desde logo, pois o próprio pedido do postulante requer para o seu atendimento a entrega do bem objeto do litígio, cabendo ao magistrado, ao proferir a decisão, expedir imediatamente mandado judicial com tal finalidade, caso o bem ainda não esteja no domínio do vencedor quando da prolação da decisão. O respectivo mandado, assim, emana da própria sentença, sendo oriundo do pleito decorrente da própria demanda.317
Conclui que a sentença executiva lato sensu é auto-operante, no sentido
de que contêm, em sua composição, os elementos imprescindíveis para
proporcionar as necessárias modificações no mundo dos fatos. Assim, para
ele, a sentença executiva lato sensu, “não se destina a preparar futura
execução forçada a ser realizada em outra etapa processual. Não se submete
a posterior processo de execução, sendo auto-suficiente quanto à sua própria
315 Deve ser observado, no entanto, que a legislação processual em vigor, sobretudo os artigos 273 e 461-A do Código de Processo Civil, pode ser alcançada a eficácia executiva lato sensu¸ ainda que na hipótese do primeiro artigo citado, de maneira provisória. 316 TEIXEIRA, Sérgio Torres. Ob. cit. p. 327. 317 Ibid. p. 327.
181
concretização.”318Seria, desta forma, “provida de um ato, correspondente à
atuação transformadora da realidade fática, enquanto a sentença condenatória
contém tão-somente um pensamento, semelhante ao enunciado lógico exposto
no momento declaratório (reconhecimento do direito) e no momento
sancionador (condenação na obrigação de satisfazer uma obrigação.”319
Ernane Fidélis dos SANTOS320, admitindo que hoje, parte da doutrina
tende a acatar a classificação das ações de PONTES DE MIRANDA,
estendendo-a às sentenças, apresenta seu entendimento acerca das ações
mandamentais e executivas lato sensu.
Para o referido processualista, as sentenças executivas lato sensu,
seriam distintas das simplesmente condenatórias, porque nesta última, apesar
de haver uma condenação a uma prestação determinada, ainda restaria uma
linha discriminativa entre as esferas jurídicas de ambas as partes. Ou seja,
mesmo havendo a condenação, não haveria modificação no patrimônio do
devedor, sendo necessário que o credor provoque sua agressão através de
procedimento próprio de cumprimento da sentença, para recebimento de seu
crédito e cumprimento da obrigação correspectiva.
Diferentemente, na sentença executiva lato sensu, a própria decisão
judicial já determina o que deve ser cumprido, através do reconhecimento de
que algo estaria ilegitimamente no patrimônio de outrem. Assim, “o comando
jurisdicional deixa de ser simples preceito condenatório, para determinar, por
ele mesmo, o cumprimento satisfativo da pretensão.”321
318 Ibid. p. 328. 319 Ibid. p. 328. 320 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. vol 1: processo de conhecimento. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 214-215. 321 Ibid.p. 215.
182
Kazuo WATANABE é outro entre os doutrinadores pátrios que se
dedicou ao estudo das ações executivas lato sensu. Exara entendimento no
sentido de que, embora seja necessária a existência de atividades cognitivas e
executivas na realização da prestação jurisdicional, não há obrigatoriedade a
que estas atividades restem limitadas em procedimentos estagnados. Deixa
claro que uma coisa “é o binômio “cognição-execução”e outra a dicotomia
“processo de cognição (ou de conhecimento) – processo de execução””.322
Assim, entende que as atividades de cognição e de execução podem se dar no
mesmo processo, como ocorre na ação mandamental e na executiva lato
sensu.
Para WATANABE deve ser considerada sempre a eficácia predominante
e não a eficácia exclusiva quando se fala dos provimentos jurisdicionais,
podendo haver conjugação de eficácias em um mesmo provimento.
Aspecto que sobressai em sua doutrina, diz respeito à concepção tida
de um processo que possibilite a realização da tutela efetiva, em atendimento
aos princípios constitucionais. Para tanto, formula entendimento no sentido da
possibilidade de serem relativizados, tanto a dicotomia entre processo de
conhecimento-processo de execução, quanto à rigidez dos meios executórios
previstos no Código Processual, já que, em seu entendimento, ambos “não
exaurem as formas de atuação do direito admitidas em nosso sistema
processual”.323
De uma maneira geral, pela análise das doutrinas apresentadas,
percebe-se que, como eficácia sentencial decorrente da tutela executiva lato
322 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: Perfil, 2005. p. 53. 323 Ibid. p. 56.
183
sensu, a execução por título judicial como processo autônomo desaparece,
passando a sentença proferida em sede de processo de conhecimento a ter
força executiva por si própria. Desta forma, a relação processual formada
perpetua-se para além da sentença do processo de conhecimento e se
desenvolve na fase de realização material do direito reconhecido.
Não se trata de uma supressão do processo executório mas de seu
sincretismo com relação ao processo de conhecimento, no importe em que a
execução já passa a ter integração na própria pretensão de conhecimento.
Deve se ressalvar, no entanto, que o enquadramento de executiva lato
sensu ou mandamental, com a ocorrência do sincretismo entre os processos
de conhecimento e de execução, atualmente somente são aplicáveis às
obrigações de fazer e não fazer e entrega de coisa, conforme bem salienta
Carreira ALVIM, que “de efetivo cumprimento da sentença se trata apenas nas
hipóteses de obrigação de fazer e não fazer (art. 461) e de entrega de coisa
(art. 461-A); em se tratando de obrigação por quantia certa, faz-se por
execução, embora nos termos dos demais artigos do capítulo.”324
4.4.1.2.1. Situações jurídico-materiais que reclamam tutela executiva lato
sensu
Incontáveis são as situações materiais potencialmente aptas a reclamar
do Direito proteção jurídica. Frente à impossibilidade de prever ou tutelar
especificamente cada uma dessas situações, vê-se o legislador processual
com a tarefa de criar mecanismos diversos que melhor atendam a um maior
324 ALVIM, J.E. Carreira. Cumprimento da Sentença. Curitiba: Juruá, 2006. p. 58.
184
número de situações derivadas da vida real, já que, quem postula em juízo,
possui uma pretensão diretamente determinada pelo direito material. Ao
submeter ao processo, dada situação jurídico-substancial, o jurisdicionando
deve fazê-lo buscando subordinar sua pretensão material a uma das técnicas
processuais colocadas à sua disposição.
Frente a um mesmo direito, por vezes, o ordenamento jurídico dispõe de
mais de uma forma de tutela cabível. Nessas situações, no entanto, a adoção
de uma tutela deverá ser realizada mediante adequação, considerando-se,
sobretudo, o princípio da proporcionalidade, meio mais idôneo e menor
restrição possível, mantendo-se sempre em vista a efetividade almejada e a
aptidão da técnica escolhida para produzir o resultado concreto esperado.
Essa constatação leva à consciência da necessidade de consideração
do direito material para a definição da técnica processual a ser adotada, no
importe em que é àquele, em última análise, que a técnica processual deve
responder. O resultado adequado para a satisfação do direito material, ou seja,
a produção dos efeitos pretendidos no campo material, é função da técnica
processual. A efetividade da prestação jurisdicional está, então, condicionada à
utilização da técnica processual hábil à produção dos efeitos pretendidos pelo
direito material. Clara, portanto, a relação de interdependência existente entre
os planos processual e material, sendo aquele provedor de meios idôneos à
realização material dos objetivos deste.
Com base nessas considerações, depreende-se que não apenas os
elementos de ordem processual devem ser considerados no estudo da ação
executiva lato sensu, mas também os elementos de ordem substancial, de
modo a identificar as pretensões materiais que a ela se harmonizam.
185
Ressalva-se, de início, que o atual sistema jurídico pátrio, através dos
comandos contidos no artigo 461-A, do Código de Processo Civil, há disciplina
expressa autorizando a adoção da tutela executiva lato sensu com relação às
obrigações de entrega de coisa. 325
No entanto, frente a possibilidade de ampliação do campo de incidência
dessa tutela, cabe analisar as obrigações de uma forma geral, e identificar a
propriedade da tutela em apreço para a realização material efetiva da
pretensão contida em cada uma delas.
Como já foi analisado, tanto a ação mandamental quanto a executiva
lato sensu se justapõem a direitos que demandem alteração no mundo físico e
não apenas no mundo jurídico, conforme ocorre também com a ação
condenatória. As situações jurídico-materiais que reclamam a tutela
mandamental já foram apresentadas. Resta averiguar aquelas que reclamam a
tutela executiva lato sensu.
A tutela executiva lato sensu em razão dos instrumentos processuais
que habilita, por meio de sub-rogação, se mostra imprópria para proteger
direitos que demandem para sua efetivação uma prestação de fazer de
natureza infungível.
Dado a sua própria natureza, os deveres de fazer infungíveis se
caracterizam pela impossibilidade de se obter um resultado equivalente ao seu
325 Consoante a classificação das obrigações no direito brasileiro, segundo Washington de Barros MONTEIRO, tem-se que “Na obrigação de dar (ad dandum), como já se acentuou anteriormente, compromete-se o devedor a entregar alguma coisa, que pode ser, todavia, certa ou incerta, específica ou genérica, (...)”. Aponta o doutrinador que não á razão para a distinção entre as obrigações de dar das de entregar. Define as obrigações de fazer como sendo aquelas nas quais a prestação consista num ato do devedor, ou num serviço deste. Aponta que por vezes a distinção entre a obrigação de dar e a de fazer é muito sutil, tornando-se quase impossível fixá-la com exatidão. Como obrigação de não fazer, aponta como sendo aquela pela qual “o devedor se compromete a não praticar certo ato, que poderia livremente praticar, se não houvesse se obrigado”. (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Direito das Obrigações. 1ª parte. 4. vol. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 55 Et seq.)
186
adimplemento por via de uma transformação da prestação, quer seja de ordem
jurídica ou prática. Assim, a infungibilidade se refere à impossibilidade efetiva
de o dever ser prestado por pessoa diversa do sujeito passivo, ou ser alterado
o fazer em questão, a prestação propriamente dita.
Desta forma, não é possível, sobretudo através dos meios de sub-
rogação, que sejam alcançados resultados práticos efetivos através da tutela
executiva lato sensu, quando a situação jurídico-substancial reclama um fazer
de natureza infungível.
No entanto, em se tratando de direitos que demandem um fazer de
natureza fungível, é própria a tutela executiva lato sensu, já que esses direitos
podem ser protegidos através da utilização dos meios sub-rogatórios da
vontade do devedor, pela obtenção do resultado prático equivalente.
Com relação aos deveres de não fazer, Luiz Guilherme MARINONI
admite a utilização da técnica executiva lato sensu, e, citando Kazuo
WATANABE, traz a seguinte situação prática:
Pensemos por exemplo, no dever legal de não poluir (obrigação de não fazer). Descumprida, poderá a obrigação de não fazer ser sub-rogada em obrigação de fazer (v.g., colocação de filtro, construção de um sistema de tratamento de efluente etc,), e descumprida esta obrigação sub-rogada de fazer poderá ela ser novamente convertida, desta feita em outra de não fazer, como a de cessar a atividade nociva.326
Sobretudo, com relação aos deveres de entrega de coisa é apropriada a
técnica processual habilitada pela ação executiva lato sensu. Como estas
podem ser efetivadas mediante o desapossamento, prescindem da vontade do
326 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica…cit.p. 124.
187
devedor, podendo, assim, se dar por sub-rogação, conforme técnica habilitada
pela tutela executiva lato sensu.
No ordenamento positivado, o artigo 461-A, do código processual,
tornou adequada, para todas as pretensões que tenham por objeto obrigação
de entrega de coisa, seja derivada de direito obrigacional, real ou ex lege, não
contidas em títulos extrajudiciais, a ação executiva lato sensu, havendo ainda a
possibilidade de adoção da ação mandamental, conforme prevê seu o
parágrafo 3º 327, evidenciando a fungibilidade existente entre ambas as formas
de tutela, quando se almeja a efetividade da prestação jurisidicional.
Vale relembrar que com relação aos deveres de entrega de coisa certa
já havia, em determinadas situações, a previsão expressa em nosso
ordenamento jurídico de utilização da técnica executiva lato sensu, como nas
ações de reintegração de posse, de despejo, entre outras.
Enfim, com relação às obrigações de pagar quantia certa, não obstante
tratar-se de situação de entrega de coisa fungível, tendo em vista a existência
na lei de distinção de regimes de tutela para cada espécie de dever, não seria
possível desconsiderar a disposição legal.
Ademais, tendo em vista as recentíssimas alterações havidas no codex
processual com relação a tais obrigações, estas já se encontram devidamente
amparadas por instrumentos processuais próprios e sintonizados com os novos
princípios norteadores do sistema jurídico contemporâneo.
327 A possibilidade de aplicação de uma técnica de tutela, quer seja mandamental ou executiva lato sensu, quando ambas possuem aptidão para produzir o resultado pretendido, não exclui a utilização da outra. Assim, mesmo sendo própria a ação executiva lato sensu para a tutela das obrigações de fazer fungíveis, não estaria excluída a adoção da técnica mandamental, quando a situação concreta evidenciar que a adoção dos meios de sub-rogação, pela obtenção do resultado prático equivalente a ser efetuado por terceiros mostrar ser extremamente difícil ou oneroso seu cumprimento, sendo, após um juízo de proporcionalidade, feita a opção por se compelir, através da multa, o próprio devedor a cumprir o serviço.
188
4.4.1.2.2. Funções técnico-processuais habilitadas pela ação executiva
lato sensu: Medidas de coerção direta e sub-rogação
Conforme ensina Sérgio Ricardo de Arruda FERNANDES, a sentença
de força executiva lato sensu é “dotada de eficácia suficiente para alcançar o
cumprimento da obrigação (de dar) nela imposta, independente da instauração
de processo de execução.”328 Para esse processualista, “a própria sentença já
impõe a imediata efetivação de medidas de execução direta (meios de sub-
rogação), pelos quais, mesmo sem a concorrência da atuação do devedor, a
obrigação será satisfeita.”329
Para Ovídio Araújo Baptista da SILVA, a ação executiva, conforme
expressão adotada pelo processualista, somente ensejaria meio executivo do
desapossamento, da retomada da coisa pelo autor. Esse entendimento, além
de revelar ligação com o princípio da tipicidade dos meios executórios,
evidencia a vinculação dessa ação às pretensões reais, que, por sua vez
desafiam ação real, por meio da qual o autor busca obter a coisa. Desta forma,
o objeto mediato da ação executiva seria sempre uma coisa certa, não se
afigurando como adequada com relação às pretensões que visem um fazer ou
um não fazer.
No entanto, a análise das formas de atuação do direito admitidas pelo
nosso sistema processual, sobretudo pela dicção do artigo 461-A, do codex
processual, evidenciam que há, em relação à ação executiva lato sensu, uma
328 FERNANDES, Sérgio Ricardo de Arruda. Comentários às alterações no código de processo civil: processo de conhecimento e recursos. Rio de Janeiro: Vitor Roma, 2004.p. 131. 329 Ibid. p. 131,
189
atenuação do princípio da tipicidade dos meios executivos. Do mesmo modo, o
princípio da congruência dos meios requeridos, por assim dizer, resta mitigado
nesta ação. Ambas as situações derivam da necessidade de realização do
princípio da efetividade processual.
Se por seu turno, a multiplicidade de situações postas à tutela da ação
executiva lato sensu, demanda um atuação através de meios executivos
relativizados, aplicados por meio de juízos de adequação à situação material
que se visa tutelar, da mesma forma, não fica adstrito o juiz aos meios
executivos requeridos pelo demandante, podendo decidir, com base no critério
da proporcionalidade, qual o mais apropriado para a efetivação do direito
tutelado. Aqui reside uma peculiaridade do provimento executivo lato sensu
que o diferencia dos demais provimentos, a aptidão para produzir efeitos
processuais diferenciados330, ou seja, habilita eficácia processual própria.
A sentença executiva lato sensu habilita meios executórios denominados
sub-rogatórios, ou seja, aqueles que prescindem da vontade ou da participação
efetiva do demandado para serem efetivados. No entanto, com relação à
sentença executiva lato sensu, esses mecanismos de sub-rogação devem ser
diretamente considerados com relação ao bem da vida pretendido, de modo a
utilizar o meio executório mais apropriado para sua realização efetiva.
A tipificação do provimento executivo lato sensu, pode ser apontada por
possibilitar a atuação dos meios executórios, na mesma relação processual em
que são determinados, ou seja, independentemente de instauração de 330 A referência a efeitos processuais diferenciados é feita no sentido de que a tutela executiva lato sensu, através das técnicas processuais que habilita, viabiliza a certificação do direito ao mesmo tempo em que possibilita sua realização material, proporcionando alterações no mundo fático de modo a dar ao titular do direito o bem específico que este lhe concede, ou seja, a apreciação do direito material, nessa forma de tutela jurisdicional, é feita pelo ângulo de seu exercício, a ensejar a aplicação da eficácia executiva para sua realização.
190
processo próprio de execução. Essa prerrogativa responde a necessidade e ao
direito a prestação jurisdicional efetiva, no importe em que possibilita
considerar a circunstância na qual o direito subjetivo é postulado em juízo, e a
aplicação de técnica de tutela mais adequada a sua satisfação.
Essas técnicas podem se dar através do uso de meios de coerção
direta, que diferentemente da coerção indireta, não objetivam atuar sobre a
vontade do demandado para convencê-lo a adimplir, mas visam á realização
do direito em virtude da atuação de um auxiliar do juízo.
Enquanto a imposição de multa possui o escopo de pressionar
psicologicamente o obrigado, de modo a convencê-lo a adimplir, por
deliberação própria e mediante atos próprios, a obrigação determinada na
decisão judicial com eficácia executiva lato sensu, são direcionadas a produção
de resultados independente da vontade do obrigado e sem sua colaboração.
4.4.1.3. Eficácia processual comum às tutelas mandamentais e executivas
lato sensu conforme modelo nacional.
Como observa José Eduardo CARREIRA ALVIM, citado por Sérgio
Ricardo de Arruda FERNANDES, as obrigações podem ser adimplidas de três
formas, quais sejam:
I) a obrigação se cumpre pela forma como foi pactuada (tutela específica); II) não sendo isso possível, cumpre-se pela forma que mais se aproxima da obrigação inadimplida (tutela equivalente); III) se não for possível o adimplemento pelas formas específicas ou equivalente, será substituída pelo equivalente em dinheiro, traduzida na obrigação de indenizar (perdas e danos).331
331 CARREIRA ALVIM, José Eduardo. Apud FERNANDES, Sérgio Ricardo de Arruda. Comentários...cit. p.137.
191
Todas essas eficácias processuais, ou seja, essas formas de
cumprimento da obrigação determinada na decisão judicial concessiva da
pretensão, podem ser obtidas através das tutelas mandamentais e executivas
lato sensu, e dos diversos mecanismos técnico-processuais que habilitam,
conforme será visto.
4.4.1.3.1. Tutela específica da obrigação
Tutela específica diz respeito a que a obrigação deve ser cumprida da
forma como foi pactuada.
Conforme a dicção dos artigos 461, 461-A, do Código de Processo Civil,
e do artigo 84, do Código de Defesa do Consumidor, já citados, e que
disciplinam em nosso ordenamento jurídico as ações mandamentais e
executivas lato sensu, tanto uma como a outra, devem, primeiramente, através
da decisão concessiva da pretensão, buscar a obtenção da tutela específica da
obrigação, para o que deverão direcionar e fazer uso das técnicas processuais
habilitadas pela respectiva forma de tutela..
Somente frente à impossibilidade de obtenção da tutela específica da
obrigação332, deverão ser adotadas medidas que visem à obtenção do
resultado prático equivalente ao adimplemento, chamada também de tutela
332 CARREIRA ALVIM fala em limites naturais à obtenção da tutela específica, quando há a perda do objeto ou frente a obrigações personalíssimas, cuja infungibilidade não for apenas jurídica. Fala ainda em limites políticos, quando a execução específica for inviável em decorrência de infração aos direitos da personalidade; ao alcance de bem impenhorável; de infringência ao interesse público, e de atingirem os atos expropriatórios à Fazenda Pública. (CARREIRA ALVIM, José Eduardo. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer na reforma processual. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. p. 64-70.)
192
assecuratória.333 Assim, passa-se a tecer considerações pontuais sobre a
tutela específica, comum as tutelas mandamentais e executivas lato sensu.
Primeiramente, vale lembrar que a noção e a universalização da tutela
ressarcitória, em detrimento de uma tutela diferenciada, reflete a realidade da
economia de mercado, própria da época do direito liberal, do jusnaturalismo e
do racionalismo iluminista.334
Sob essa ideologia, nesse contexto sócio-econômico, o ressarcimento
em pecúnia, encontrava tutela satisfatória e adequada através da ação
condenatória e seu correlato processo de execução. Esse entendimento
pressupunha a inexistência de distinção entre as categorias da ilicitude e da
responsabilidade civil na situação fática posta à análise, que encontrava pleno
suporte nos valores do direito liberal clássico e na visão patrimonialista dos
direitos. 335
A ausência de distinção entre o ilícito, como um ato contrário ao direito,
e a ocorrência efetiva de um dano, levou a equívocos que tornaram deficientes,
do ponto de vista da efetividade, a tutela ressarcitória prestada pela ação
condenatória e a posterior execução. Isso porque, há situações nas quais
verifica-se a ocorrência de um ato ilícito sem a ocorrência de um dano. Essas
situações não são alcançadas pela tutela condenatória e não eram
333 Ibid.p. 83. 334 Nesse sentido afirma MARINONI: “Se todos são iguais – prevalecendo o princípio da igualdade formal - , e esta igualdade deve ser preservada no plano do contrato, não podendo o órgão jurisdicional interferir de modo mais incisivo no âmbito das relações jurídicas privadas, nada melhor do que a simples tutela que dá ao sujeito lesado apenas o equivalente em dinheiro ao valor da lesão, mantendo-se assim inalterados os mecanismos de mercado.”(MARINONI, Luiz Gulherme. Tutela específica: arts. 461, CPC e 84, CDC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 18.) 335 Ensina Luiz Guilherme MARINONI que o conceito de condenação está preso ao direito romano, no qual a tutela era sempre ressarcitória, modelo este que se serviu aos ideais liberais. Assim é que enfatiza: “Há um dogma – de origem romana – de que a tutela de reparação do dano é a única forma de tutela contra o ilícito. Isto quer dizer, em outra palavras, que ocorreu, já na época do direito romano, uma unificação entre as categorias da ilicitude e da responsabilidade civil”( MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica... cit., p. 13.)
193
consideradas pelo direito produzido sob a ideologia liberal, para o qual o
dano336 integrava a própria estrutura do ato ilícito civil.
Em função de suas características, como a igualdade inclusive entre
direitos e bens, e a idéia de não intervenção do Estado na esfera privada, não
se concebia a função preventiva do processo de conhecimento. Como ensina
Luiz Guilherme MARINONI, “diante dos valores que permearam o processo
civil clássico, a função da tutela jurisdicional restou limitada à repressão – como
era natural.”337 Também era natural, conforme dito, sob as idéias liberais, que a
noção de ressarcimento ao dano comportasse tão somente a forma pecuniária.
Esse pensamento liberal foi transportado para o nosso Código de
Processo Civil, permanecendo até a reforma de 1994, quando houve a
alteração do artigo 461, a partir da qual foi possibilitada a prestação da tutela
na forma específica.
Esse tendência foi observada nas alterações que se seguiram, conforme
dicção do artigo 461-A, segundo o entendimento de que os direitos e suas
respectivas tutelas garantidoras devem ser compreendidos em face da nova
realidade construída a partir dos valores da Constituição338. O emergir dos
direitos difusos, coletivos e diversas outras manifestações de direitos,
notadamente os direitos não-patrimoniais, fez com que a tutela prestada
através do ressarcimento pelo equivalente se mostrasse inefetiva, e a exigir
técnica adequada a sua satisfação.
336 Não obstante reconhecer que grande parte da doutrina brasileira nega a diferença entre ilícito e dano, MARINONI, afirma que: “O dano, contudo, é algo absolutamente acidental na vida do ilícito; é ele uma conseqüência meramente eventual do ato contrário ao direito. O ato ilícito, em outras palavras, pode ou não provocar um dano.”(MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica...cit. p. 25.) 337 MARINONI. Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos....cit. p. 72. 338 Afirma MARINONI que: “é possível dizer que o sistema processual é apenas o reflexo de um Estado preocupado em garantir às pessoas a fruição efetiva e real dos bens, principalmente aqueles que são considerados vitais dentro de uma organização social que se preocupa em ser mais justa.”(Ibid. p. 19.)
194
A problemática envolvendo a tutela específica aflora, sobretudo, quando
se apreciam sentenças não-satisfativas339, ou seja, “aquelas que não exaurem
frutuosamente a tutela jurisdicional”340, tornando necessária a adoção de meios
de coerção e ou de sub-rogação, capazes de efetivar adequadamente as
necessidades requeridas para a satisfação do direito.
As técnicas mandamentais e executivas lato sensu, conforme
disciplinadas em nosso ordenamento jurídico, consubstanciam-se em técnicas
processuais destinadas à efetivação de determinados tutelas, decorrentes do
direito material, que para se efetivarem, demandem não apenas alterações no
mundo jurídico, mas alterações físicas, dependentes ou não da vontade do
devedor, e que não podem ser protegidas adequadamente pelo adimplemento
da obrigação de pagamento de soma em dinheiro.
Esse entendimento encontra eco no ordenamento jurídico e nas
aspirações sociais contemporâneas, que sobrelevam o direito do jurisdicionado
em receber o bem específico garantido por lei, e não seu equivalente
monetário.
4.4.1.3.2. Resultado prático equivalente
Muito se tem discutido acerca da possibilidade de extensão às tutelas
executivas lato sensu, disciplinadas pelo artigo 461-A, do código processual, da
autorização contida no caput do artigo 461, de mesmo código processual, que
339 Embora a discussão acerca da tutela específica ocorra frente a uma sentença não-satisfativa, não há relação entre aquela e a sentença satisfativa. Ocorre que, como a sentença não-satisfativa demanda a utilização de técnicas para sua efetivação, somente essas evidenciam a impropriedade da tutela pelo equivalente, em diversas situações de direitos materiais postos a proteção da tutela jurisdicional. 340MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica...cit. p. 66.
195
disciplina as tutelas mandamentais, concernente à possibilidade de serem
determinadas providências pelo juiz, de forma a se alcançar o resultado prático
equivalente ao adimplemento da obrigação pelo devedor.
A controvérsia havida refere-se ao fato de, o parágrafo 3º do artigo 461-
A, faz alusão apenas à aplicação à ação prevista nesse artigo, do disposto nos
parágrafos 1º a 6º do artigo 461. Desta forma, estaria excluído o conteúdo do
caput, onde há a autorização para a determinação de providências que
assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento da obrigação.
No entanto, adota-se posicionamento no sentido de que, a ressalva feita
pelo legislador, deve-se a expressa menção feita pelo caput referido, às
obrigações de fazer e não fazer.
Por este motivo, em função do conteúdo do caput destacar o âmbito de
sua incidência, teria havido a supressão da indicação de aplicação com relação
às ações executivas lato sensu. Mesmo posicionamento é defendido por Sérgio
Ricardo de Arruda FERNANDES, quando afirma:
Naturalmente, não teria sentido o § 3º do artigo 461-A fazer alusão à regra do caput do artigo 461, o qual inicia-se destacado o âmbito de sua incidência. Porém, ao fazer referência aos §§ 1º. a 6º. Do artigo 461, o § 3º. do artigo 461-A acabou por estender à tutela específica da obrigação de entregar coisa a mesma disciplina do artigo 461, inclusive no que concerne à possibilidade de se adotar providências que assegurem o resultado prático equivalente (como decorre diretamente da aplicação do disposto no §5º. do art. 461). Portanto, não sendo possível a tutela específica, nada impede que seja obtida a tutela equivalente. Melhor, sem dúvida, do que se ter, como única solução, a conversão da obrigação em perdas e danos.341
Percebe-se que esse sistema de efetivação das condenações
específicas das quais são dotadas as ações e sentenças mandamentais,
341 FERNANDES, Sérgio Ricardo de Arruda. Comentários às alterações no Código e Processo Civil: processo de conhecimento e recursos.Rio de Janeiro: Roma Vitor, 2004. p.136.
196
abrandam dois postulados processuais em esfera civil. O primeiro diz respeito
ao exaurimento da competência com a publicação da sentença, estabelecido
no artigo 463342, do código processual.
Através das funções técnico-jurídicas das quais são dotadas as ações
mandamentais, sobretudo no tocante à possibilidade de o juiz tomar
providências que assegurem o resultado prático equivalente ao adimplemento
da obrigação constante da decisão judicial, após a publicação da sentença, há
a expressa previsão legal no sentido de permitir ao juiz inovar em relação à
decisão tomada.
O outro postulado que se mitiga com o sistema de efetivação das
condenações específicas, através de tais tutelas, diz respeito ao previsto nos
artigos 128, e 460343, do codex processual. Tais artigos enunciam o postulado
da necessária correlação entre a sentença e a demanda.
Novamente, a possibilidade de que o juiz venha a adotar medidas que
visem à obtenção do resultado prático equivalente ao adimplemento da
obrigação, resultará na possibilidade de adoção de medidas díspares daquelas
pedidas na inicial e concedidas na sentença.
Essas trangressões, segundo DINAMARCO, contam com a “plena
legitimidade sistemática conferida pela promessa constitucional de acesso à
justiça, a qual não se positiva sem a efetividade das decisões judiciárias.”344
342Código de Processo Civil: “Art. 463. Publicada a sentença, o juiz só poderá altera-la:I- para lhe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou lhe retificar erros de cálculo; II- por meio de embargos de declaração.” 343 Código de Processo Civil: “Art. 128. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte.” “ Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.” 344 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições...cit. p. 245.
197
4.4.1.3.3. Conversão em pecúnia
A derradeira possibilidade de se resolver o conteúdo da obrigação
específica, tutelada pelas ações mandamentais e executivas lato sensu, é a
conversão da obrigação específica em pecúnia.
Ressalte-se que essa via somente deve ser adotada na hipótese de ser
opção voluntária do credor, ou na hipótese de se apresentar prática ou
juridicamente impossível a imposição do dever reconhecido na sentença ou a
imposição da medida equivalente.
A conversão em pecúnia é medida substitutiva da obrigação original. No
entanto, no atual sistema de concessão da tutela específica, privilegia-se o
oferecimento ao credor, exatamente daquilo a que tem direito.
Aqui devem ser diferenciadas as situações de tutela na forma específica,
pelo equivalente em dinheiro e a conversão em perdas e danos.
As duas primeiras hipóteses dizem respeito à situação na qual ao autor
é facultada a possibilidade de ver seu direito prestado por tutela sob a forma
específica ou pelo equivalente. Se o direito violado abre a possibilidade de
opção entre essas duas formas de ressarcimento, cabe ao credor fazer a
escolha, salvo hipótese de excessiva onerosidade ao réu.
Por uma questão de coerência lógica, o direito assegurado ao autor de
não ser violado em seus direitos, somente seria efetivamente tutelado mediante
a tutela na forma específica, ou seja, ser-lhe prestada a específica obrigação a
qual teria direito.
No entanto, embora o Código Civil de 1916 já previsse a prioridade do
ressarcimento na forma específica, o Código de Processo Civil de 1973, ao
198
instituir as formas processuais de execução da sentença condenatória, tornou
praticamente inviável o ressarcimento pela forma específica.
Antes da introdução do artigo 461, ao código processual, e a previsão de
prestação de tutela na forma específica, o credor que tivesse seu direito a uma
prestação de fazer ou entregar coisa reconhecida por sentença, diante do
descumprimento do devedor, deveria propor ação de execução para que
terceiro fizesse o que deveria ser feito pelo devedor, adiantando a esse terceiro
os valores necessários para a realização da obrigação.
Somente após, por meio da execução por expropriação, poderia cobrar
os valores despendidos do devedor original. Ou seja, a tutela pelo
ressarcimento na forma específica no código processual, mostrava-se
absolutamente despicienda, já que, ao final, redundaria em ressarcimento pelo
equivalente.
A tutela ou o ressarcimento na forma específica obriga o demandado a
reparar, mediante um fazer ou não fazer, ou um entregar a coisa.
O ressarcimento pelo equivalente em dinheiro deve ser prestado pelo
devedor para que um terceiro realize a obrigação na forma específica que ele
não pode ou se recuse a realizar.
No entanto, o ressarcimento pelo equivalente em dinheiro não se
confunde com a indenização por perdas e danos. Somente na hipótese de
impossibilidade de prestação na forma específica pelo devedor ou por terceiros
e que a obrigação será convertida em perdas e danos.
Esse raciocínio é pautado no entendimento de que, mesmo que não
possa ou se recuse o devedor a cumprir a obrigação sob a forma específica e
essa venha ser cumprida por terceiro, a obrigação continuará a ser sob a forma
199
específica, devendo o devedor arcar com o equivalente em dinheiro necessário
para sua realização.
A obrigação ao ressarcimento na forma específica não perde essa
natureza por ser prestado pelo devedor ou por terceiro, apenas obriga o
devedor a prestar ou providenciar a reparação sob a forma específica.
No entanto, quando for impossível a realização da obrigação sob a
forma específica, quer pelo devedor, quer por terceiro, deverá o devedor arcar
com a reparação pelas perdas e danos, ou obrigação de indenizar.
Assim, não devem ser confundidas as situações de reparação na forma
específica, quando realizada diretamente pelo devedor, a situação de custeio
por parte deste para que a obrigação ao ressarcimento na forma específica
seja cumprida por terceiro, e a hipótese de indenização, ou reparação por
perdas e danos, quando o credor expressamente o requerer ou for jurídica e
materialmente impossível o ressarcimento na forma específica.
Ensina Luiz Guilherme MARINONI que a indenização constitui resposta
a uma opção pelo modo de ressarcimento, enquanto o custeio pelo devedor da
realização da obrigação por terceiro é apenas um meio de realização do
ressarcimento na forma específica.
Assim, assevera que a “diferença entre resposta e meio permite concluir
que a obrigação de indenizar responde ao direito ao ressarcimento pelo
equivalente e que a obrigação de custear é simples meio para se responder ao
direito ao ressarcimento na forma específica.”345
Somente na hipótese de requerimento do credor ou impossibilidade
material ou jurídica de prestação da obrigação sob a forma específica,
345 MARINONI, Luiz Guilherme. A efetividade da multa...cit. p. 160.
200
pessoalmente pelo devedor ou por terceiro custeado, há a conversão em
pecúnia, sob a justificação perdas e danos, e o valor devido deve ser auferido
mediante as normas do Código de Processo Civil para cumprimento de
sentença que condene ao pagamento de quantia certa.
201
CAPÍTULO V
O Sincretismo processual através das tutelas mandamentais e executivas
lato sensu como potencializadoras da efetividade das decisões judiciais
5. Da mitigação do princípio da separação dos processos
Em razão de circunstâncias histórias, conforme visto, a atividade
jurisdicional foi dividida em dois processos distintos, de cognição e de
execução, sendo neste último concentrado os atos executivos.
Em nosso sistema jurídico-processual atual, antes da introdução dos
institutos da antecipação de tutela, da tutela específica das obrigações de fazer
e não fazer e entrega de coisa, com exceção de algumas ações especiais, não
havia no processo de conhecimento possibilidade da prática de atos
executivos. Na seqüência do trabalho serão observados os principais
argumentos utilizados em prol da defesa da separação dos processos, de
modo a buscar demonstrar que, na atualidade, quando o escopo do processo é
a pacificação social, obtida através da efetividade das decisões judiciais, senda
essa, direito fundamental da pessoa humana, constitucionalmente garantido, a
necessidade de separação entre os processos encontra-se, senão superada,
certamente relativizada.
Não se trata de apoucar aqui a importância do binômio conhecimento-
execução, mas sim, detectar os motivos que determinaram sua separação em
processos distintos e autônomos, de modo a contrastá-los com o momento
202
atual, verificando a pertinência da manutenção desta separação, dada as
mudanças dos valores sociais aos quais devem srevir.
Conforme entendimento apresentado no primeiro capítulo, à gênese do
processo de conhecimento e sua prioridade à execução tiveram início no
período da legis actione do direito romano, sendo diminuídas no direito
processual germânico e resgatadas sob a influência romano-canônica, já na
Idade Média346. Desta época também sua nítida separação do processo de
execução, tendo tal separação sido resgatada e potencializada pela ideologia
liberal e o direito produzido sob ela.
Ensina José Miguel Garcia MEDINA que, do embate tecido pelos juristas
da Idade Média entre a actio judicati do direito romano e a execução criada no
direito germânico-barbárico, concebeu-se a idéia de que a execução baseada
na sentença condenatória “não seguiria mais o procedimento da actio judicati,
isto é, não se faria necessário verificar a subsistência do crédito reconhecido
pela sentença, para se dar ensejo à execução. Por outro lado, o credor não
mais poderia proceder à execução sem que, antes, tivesse submetido sua
pretensão ao julgamento judicial.”347
346 Kazuo WATANABE, em discussão sobre a síntese alcançada pelos juristas da Idade Média entre duas concepções opostas, a romana e a germânica, aponta os entendimentos de PONTES DE MIRANDA, Celso NEVES, Cândido Rangel DINAMARCO e LIEBMAN. Como ponto convergente, todos esses doutrinadores destacam a síntese obtida pelos juristas da Idade Média, entre as duas correntes contrárias. Apontam por um lado o respeito pelo direito tido pelos romanos, e sua preocupação em impedir execuções injustas, levando-os a somente permiti-la após cognição completa e coisa julgada, e de outro a mentalidade germânica, rude, impulsiva, impaciente e individualista, que, para a execução, não dependiam de sentença nem autorização do órgão estatal, mas a própria submissão de devedor, por meio de cláusulas executórias inseridas nos contratos ou obtidas em juízo. A síntese obtida se deu através de uma concepção que atendia as necessidades sociais e jurídicas daquele tempo, mediante a executio purata, ou execução aparelhada. (WATANABE, Kazuo. Da cognição...cit. p. 49-53.) 347 MEDINA, José Miguel Garcia. Ob. cit. p. 194.
203
Assim, em um primeiro momento prevaleceu a idéia de que
necessariamente deveria haver um processo ordinário de cognição a preceder
a execução.
Com base nesse entendimento, preponderou na doutrina surgida na
Idade Média a idéia de que a posição do juiz na execução seria a de mero
executor, não de juiz, já que a cognição dar-se-ía por exaurida no processo de
conhecimento anterior.
Encontram-se nessas razões pontos fundamentais do entendimento
acerca da autonomia entre os processos de cognição e o de execução. Em
primeiro lugar, a distinção da natureza das atividades exercidas em cada
processo, bem como o papel do juiz em cada uma delas. Em segundo lugar, a
ordem na qual se devia dar os dois processos, precedendo à execução o
processo de conhecimento. Assim, estaria justificada a necessidade de
existência de dois processos distintos, resistindo a doutrina à idéia de que
poderia haver execução que não precedida de um processo cognitivo.
No entanto, quando as legislações passaram a atribuir eficácia executiva
aos títulos de crédito elaborados pelas próprias partes, houve a implementação
da idéia de que a execução poderia se dar independentemente de um processo
de conhecimento.
Ainda assim, permanecia a idéia de separação entre as atividades a
serem realizadas em cada um dos processos, bem como a idéia do juiz como
mero executor no processo de execução. Deste modo, no processo de
execução, quase ou nenhuma forma de incidente que envolvesse cognição
deveria ser permitido, podendo o executado fazer valer suas exceções em
outro processo. Daí a defesa do executado dar-se em outro processo,
204
conforme ocorre entre nós, através dos embargos do devedor. Muito embora
advirta José Miguel Garcia MEDINA que: “não se pode dizer, entretanto, que o
direito germânico regia-se pela absoluta separação entre as atividades
cognitivas e executivas, no mesmo processo.”348
Essa construção doutrinária realizada em relação à autonomia entre os
processos de conhecimento e de execução serviu e foi intensificada pela
ideologia liberal burguesa, cujo legado encontra-se presente em nossa
legislação, conforme debatido no segundo capítulo.
Portanto, para entender os motivos que resgataram a configuração da
separação entre o processo de conhecimento e o de execução, é necessário
retomar a idéia liberal de liberdade do indivíduo frente às intervenções do
Estado na esfera privada e identificar de que forma esses valores se
materializaram no direito, sob aquela ideologia, para que se busque demonstrar
a incompatibilidade destes ao atual panorama jurídico. Pretende-se demonstrar
que o transporte de categorias jurídicas de uma época à outra, sem se
considerar as peculiaridades espacio-temporais diversas, acarreta uma
disfunção em sua aplicação e alcance.
Para a garantia da liberdade da esfera privada das intervenções do
Estado, era preciso que o Estado-Juiz tivesse seu poder limitado tão somente à
lei, já que esta previa a igualdade formal a todos os indivíduos. Não era
permitido ao juiz qualquer interpretação em face da realidade social, posto que
essa interpretação levaria à insegurança diante do desconhecido.
348 MEDINA, José Miguel Garcia. Ob. cit. p. 197.
205
Desta forma, percebe-se que a função do juiz era meramente
declaratória349, posto que somente poderia declarar a lei, conforme já debatido
em tópico anterior. Outro poder retirado do juiz, em função do pensamento
liberal e a preocupação com a limitação de seus poderes, foi o de exercer
imperium350, ou impor força executiva às suas decisões.
Além da necessidade de segurança própria e propícia à realização dos
ideais burgueses, que era realizada pela limitação dos poderes do Juiz à mera
reprodução da lei, a desconfiança havida, após a Revolução Industrial, com
relação ao juiz também colaborou para a formação do processo de
conhecimento com as características embutidas pelo direito liberal, já que
aqueles, no período que antecedeu à Revolução, eram considerados aliados
da nobreza e do clero, o que levou a burguesia a nutrir desconfiança e buscar
limitar seus poderes ao Legislativo, e destituí-los dos poderes de execução.
Assim, parafraseando Luiz Guilherme MARINONI, o processo de
conhecimento, concebido apenas como palco de verificação dos fatos e da
declaração do direito, é fruto da tentativa do direito liberal de nulificar o poder
do juiz. Da mesma forma, a separação entre conhecimento e execução
prestou-se a impedir que o juiz concentrasse os poderes de julgar e de
executar no processo de conhecimento.
Evidencia o referido doutrinador que as três sentenças da classificação
trinária, declaratória, constitutiva e condenatória, mantêm o mesmo ranço do
349 Cabe esclarecer que nesse período os poderes de execução eram atribuídos à atividade executiva, conforme ensina Luiz Guilherme MARINONI “falar em atuação no plano normativo, não é apenas identificar o julgamento com a lei, pois no direito liberal a atividade de julgar não era limitada somente pela legislação, mas também pela atividade executiva. Esta objetivando a segurança pública e, sobretudo, a limitação dos poderes do juiz, concentrava a atividade de execução material das decisões judiciais”. (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela...cit. p. 37.) 350 Afirma Luiz Guilherme MARINONI que o “desejo de impedir o Judiciário de atentar contra a liberdade privou o juiz de exercer imperium.”(Ibid. p. 41.)
206
direito liberal concernente à separação que deveria existir entre a atividade de
julgar e a de executar o julgamento.
Nesse sentido, ao se referir às novas sentenças - mandamental e
executiva lato sensu - deixa claro que, ao passo que aquelas sentenças da
classificação trinária expressam valores de um modelo institucional de Estado
liberal, as novas estão ligadas à confiança conquistada pelo Poder Judiciário
na estrutura do Estado.351A classificação trinária em aplicação estanque, na
contemporaneidade, limita a atuação do juiz no exercício de dizer e realizar o
direito objetivo.
Ainda concernente à discussão sobre a relação existente entre as
sentenças da classificação trinária e os valores e objetivos do direito liberal-
clássico, Luiz Guilherme MARINONI lança entendimento no sentido de que as
sentenças constitutivas e declaratórias sempre foram consideradas suficientes
em si, na medida em que a simples prolação é a integralidade da prestação
jurisdicional. Desta forma, apenas a sentença condenatória necessitaria de
meios executivos para que a tutela do direito pudesse ser prestada.
Há que ser lembrado ainda o fato de que, em seu nascedouro, no direito
liberal-burguês, a função de julgar era dissociada da função de executar. Da
mesma forma, eram assim dissociados da sentença condenatória, os meios
executivos eficientes para proporcionar os resultados por ele objetivados. A
esse respeito. ensina Luiz Guilherme MARINONI: “Diante da sentença
condenatória, não é difícil perceber como o direito liberal limitou os poderes do
Judiciário. Primeiro, definiu os meios de execução que poderiam a ela se ligar
351 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela ...cit. p. 39.
207
e, depois, deixou evidenciado que nenhum outro meio executivo poderia ser
utilizado quando da execução da condenação.”352
Essa correlação existente entre a sentença condenatória e os meios
executivos tipificados em lei, foi mantida pela doutrina, fiel à raiz liberal que
busca a segurança e a liberdade, mantendo-se assim o juiz impossibilitado de
fazer uso de qualquer outro meio de execução. Dessa mesma aspiração por
segurança e liberdade, surgiu o princípio da tipicidade dos meios de execução
e a correlação necessária entre a condenação e a execução, inserida pela
doutrina responsável pela classificação trinária.
Tampouco se admitia, pelos valores liberais, as tutelas fundadas em
verossimilhança, vez que, como o julgamento deveria exarar as palavras da lei,
esse somente seria admissível após a verificação do direito, o que somente
seria conseguido depois de vencidas as fases do procedimento ordinário
clássico, que levariam ao encontro da “verdade”. A ampla defesa e o
contraditório eram vistos como garantia de liberdade contra o arbítrio do Juiz.
Como ensina Ovídio A.Baptista da SILVA:
nossas instituições, ideologicamente comprometidas com o dogma da separação dos poderes do Estado, organizaram-se segundo esse pressuposto fundamental, em virtude do qual a função jurisdicional perde visivelmente importância, ao mesmo tempo em que os magistrados conformam-se ao ideal consagrado pelos enciclopedistas franceses, segundo os quais o juiz haveria de ser um “ser inanimado”, cuja missão seria exclusivamente a de “pronunciar as palavras da lei.353
Continua o referido processualista no sentido de que, por tal
entendimento, o juiz deveria ser, “como ele é em nosso processo de
conhecimento, a “bouche de la loi”, não o “braço da lei”, expressão de seu
352 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela ...cit.p 42. 353 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de ....cit.p. 338-339.
208
poder de império.”354 Enfatiza ainda que este seria o motivo da resistência de
nossa cultura à outorga de poderes de imperium ao juiz. Conforme sua
comparação entre os juízes contemporâneos dos sistemas de direito escrito, e
as figuras do praetor e do iudex do direito romano, conclui que “os ingleses
conceberam os seus juízes à imagem e semelhança do praetor, enquanto o
sistema romano-canônico da Europa continental os criou para desempenharem
as modestas funções do iudex do direito privado romano.”355 Enfatiza ainda
que tal afirmação equivale a dizer que:
nossos magistrados foram feitos para exercer iures + dictio, jamais imperium, sabido como é que estas elevadas funções eram estritamente reservadas ao pretor romano, jamais ao iudex privado, cujas atribuições, à semelhança dos árbitros modernos, resumiam-se a dizer o direito, em ser, afinal de contas, como a doutrina posterior à Revolução Francesa pretendeu, simples “bouche de la loi”, sem qualquer poder criativo ou de império. A concepção de nosso “processo de conhecimento”, responsável, sem a menor dúvida, em grande medida, pelo exasperante emperramento da máquina judiciária, é apenas conseqüência lógica decorrente dessa ideologia.356
Desta forma, sob a influência dos entendimentos supra expostos, na
elaboração da classificação tradicional das ações e sentenças, a doutrina
considerou ainda a espécie da atividade jurisdicional desenvolvida em cada
processo. Enquanto no processo de conhecimento “seriam realizadas
atividades cognitivas, de caráter lógico e ideal, no processo de execução,
ocorreriam atividades práticas e materiais.”357 Essa diversidade de atividades
justificaria a divisão dos processos em cognição e execução, tornando-a
mesmo necessária, tendo em vista a natureza peculiar de cada atividade
354 Ibid. p. 339. 355 Id. 356 Ibid.p. 340. 357 MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil...cit.. p. 190.
209
desenvolvida, a realização de atos executivos no processo de conhecimento ou
de outra forma, a realização de atos cognitivos no processo de execução.
A dicotomia entre os processos de conhecimento e de execução
difundiu-se pelos ordenamentos processuais modernos, sobretudo
impulsionada pela ideologia liberal, cujos propósitos de igualdade formal e
liberdade, com a estrita regulamentação da intervenção estatal nos assuntos
privados, servia com precisão. A razão histórica, no entanto, não impediu que a
doutrina sustentasse com elementos científicos sua adoção, apresentando
elementos em defesa da superioridade e adequação da adoção do princípio da
separação entre cognição e execução sobre a cumulação das atividades
próprias a cada processo.
A organização formal do Código de Processo Civil brasileiro ainda
atende essa dicotomia entre o processo de conhecimento e o de execução. A
própria estrutura exposta no diploma referido apresenta, separados em dois
livros distintos, os processos de conhecimento e de execução. Também a
possibilidade de ajuizamento de uma ação de execução, independentemente
de verificação judicial acerca da existência do direito, através de um processo
de conhecimento de cognição completa anterior, como ocorre com as
execuções fundadas em títulos extrajudiciais, deixa evidente a existência de
autonomia entre os dois processos.
Um dos principais argumentos na defesa do princípio da autonomia
entre os processos de conhecimento e de execução reside na idéia de “pureza”
das atividades a serem realizadas, ou seja, em função da distinção havida
entre as atividades realizadas no processo de conhecimento e no de execução,
tendo em vista o fim colimado em cada um, faz-se necessário que sejam
210
desenvolvidas em processos diversos. Como conseqüência deste princípio é a
idéia de que não se pode realizar atos de cognição no processo de execução,
tampouco realizar atos próprios de execução em processo de conhecimento.
No entanto, as modificações iniciadas na última década no
ordenamento jurídico processual como um todo e, em especial no diploma
processual, deixam evidenciar situações em que há simultaneidade entre as
atividades cognitivas e executivas em uma mesma relação jurídico-processual.
Deve-se reconhecer a existência anterior às reformas já mencionadas,
de demandas judiciais nas quais já havia a simultaneidade de cognição e
execução. No entanto, tais demandas eram consideradas como exceção ao
princípio da autonomia entre os processos de conhecimento e de execução.
Através das alterações havidas no codex processual, o sincretismo processual
alcançou status de “princípio contrário ao então existente”.358 Nesse sentido,
a doutrina de Cândido Rangel DINAMARCO:
Há boas razões para mitigar ainda mais a clássica dualidade representada pelos dois processos destinados a suprimir um só conflito, fazendo crescer o número das chamadas ações executivas lato sensu ou mesmo invertendo todo o sistema para que passe a ser regra geral a unidade do processo, com meras fases de conhecimento e de execução. Os resultados obtidos nos casos hoje existentes têm sido positivos para a efetividade de uma tutela jurisdicional menos burocrática e, portanto, mais rápida, em benefício de quem tem direito e para maior prestígio do poder judiciário. 359
Como exemplo, detecta-se a possibilidade de ampliação das hipóteses
de utilização do instituto da antecipação dos efeitos da tutela, dada pela lei
358 MEDINA, José Miguel Garcia. Ob. cit. p. 191. 359 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições...cit. p. 246.
211
8.952, de 13 de dezembro de 1994, com a redação dada ao artigo 273360,
complementada pela lei 10.444 de 07 de maio de 2002, com a inclusão dos
parágrafos 6º. e 7º. Por tal disposição legal, ao possibilitar a realização no
processo de conhecimento da execução da decisão que antecipa os efeitos da
tutela, rompe o princípio da autonomia processual, adotando manifestação
expressiva de sincretismo processual361.
Mesmo as ações condenatórias, nas quais haveria a necessidade de um
processo de execução posterior, diferentemente do que se dá com as ações
declaratórias e as constitutivas, deixaram de expressar o arcabouço teórico
formalmente disposto no Código de Processo Civil, com a rígida separação
entre o processo de conhecimento e o de execução.
A edição da Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005, veio suprimir a
necessidade de ação e processos de execução autônomos, com relação à
sentença de procedência de obrigação por quantia certa, introduzindo técnica
de efetivação do julgado através de procedimento executório especificamente
definido pelos artigos 475-I a 475-R, a exemplo e na mesma esteira das
360 Código de Processo Civil. “Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou; II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. § 1º. Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento. § 2º. Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. § 3º A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A. § 4º. A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. § 5º. Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento. § 6º A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. § 7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.” 361 Nesse sentido ensina José Miguel Garcia Medina que “é comum que o ordenamento jurídico preveja exceções a um princípio jurídico. A evolução de um sistema jurídico, no entanto, pode determinar que exceções eventualmente existentes num ordenamento jurídico se desenvolvam fecundamente, de modo a se querer considerar, diante de tal fenômeno, não se estra mais diante de meras exceções, senão diante de um novo princípio jurídico.”(MEDINA, José Miguel Garcia. Ob. cit. p. 216.)
212
técnicas processuais adotadas pelos artigos 461 e 461-A, com o intuito de
efetivar o gozo do bem da vida reconhecido pela sentença.
A necessidade de se entender as atividades cognitivas e executivas não
como fins em si mesmas, mas como meios de obtenção da tutela jurisdicional
buscada, é especialmente importante em relação à ação condenatória, em
função exatamente do provimento jurisdicional concedido em tal ação.
No entendimento de José Miguel Garcia MEDINA: “A condenação, deste
modo, é atividade processual que pode ser substituída por outros meios de
tutela capazes de propiciar situação jurídica similar.”362 Assim, as relações
entre as técnicas de cognição e a execução podem se dar de diversas formas,
tendo em vista sempre o direito material que se busca proteger.
A finalidade última do sincretismo processual é a obtenção da tutela
jurisdicional mais efetiva, em tempo e modos hábeis. Esse entendimento deixa
entrever que o efeito esperado pela adoção do sincretismo processual é a
realização do direito material. Assim, com fundamento nessa idéia, surge a
possibilidade de concepção de diversas formas de relação entre o processo de
conhecimento e o de execução, através de normas processuais que visem à
realização do direito material garantido pelo ordenamento jurídico. Nesse
sentido, é que José Miguel Garcia MEDINA, assevera que:
impõe-se a formulação de mecanismos processuais capazes de abarcar, em seu conteúdo, uma gama mais ampla de situações jurídicas, bem como de possibilitar a identificação caso a caso, de instrumentos mais eficazes de realização do direito. Este desiderato é em princípio alcançado com o recurso a tipos jurídicos abertos, materializados em normas de conteúdo mais geral, que possibilitam ao juiz atender de modo mais adequado à pretensão das partes.363
362 MEDINA, José Miguel Garcia. Ob. cit. p. 217. 363 Ibid.p. 218.
213
A tentativa de se justificar juridicamente a necessidade da separação
dos processos é apontada sob diversos argumentos. A remição ao direito
romano, com referência à efetivação das sentenças na actio iudicati, que se
dava em momentos separados, diferindo da moderna execução, basicamente
pela existência dos embargos nesta última, que garantiria o contraditório a
respeito de matérias ligadas ao direito executado. Também a existência e
delimitação das ações declaratórias e constitutivas que não comportam
execução, o aparecimento de títulos executivos extrajudiciais, as diferenças
ontológicas havidas entre as funções cognitivas e executivas, a existência de
pressupostos processuais, partes e, sobretudo, objeto distintos nas duas
ações, a necessidade de citação, são fatores apontado na defesa da
necessidade jurídica da separação entre os processos.
No entanto, todos esses argumentos podem ser elididos, sobretudo pela
identificação de que, em última análise, todos eles dizem respeito a medidas de
política legislativa
A delimitação das ações declaratórias e constitutivas e sua
desnecessidade de posterior execução não comprovam a necessidade de
separação dos processos, ao contrário, somente servem para corroborar a
idéia de que diferentes direitos demandam formas diferentes de tutela
jurisdicional para sua efetivação. Do mesmo modo, a possibilidade de
existência de ação executiva baseada em título extrajudicial, tendo-se em vista
que a criação destes deveu-se a interesses de expansão comercial havidos à
época, somente vem comprovar que interesses externos, influem na política
legislativa processual.
214
Quanto à alegada diferenciação ontológica havida entre a cognição e a
execução, nunca se olvidou de sua existência, e nem se procurou dizer o
contrário. No entanto, a simples diferenciação não se presta a justificar a
necessidade de separação dos processos, conforme dito, já que há pela
história, diferentes momentos nos quais as duas atividades foram tomadas num
mesmo processo, sem prejuízo para qualquer delas. A alegação acerca da
existência de diferentes pressupostos processuais, partes e objeto, nas duas
ações, não merece também acolhida, como resta claro, já que a relação
material subjacente é a mesma em ambos os processos. Também a alegada
necessidade de citação deriva de opção político-legislativa e não jurídica.
Resta claro, portanto, que a separação dos processos de cognição e de
execução é mera opção legislativa que não encontra justificativa em qualquer
fator jurídico.
Em ultimado, assevera Luiz Guilherme MARINONI que, diante das
novas aspirações por efetividade da prestação da tutela jurisdicional “não há
razão para se preservar a antiga classificação trinária, como se ela fosse
absoluta e intocável”.364
5.1. A potencialidade do sincretismo processual na impressão da
efetividade às decisões judiciais.
Conforme debatido no terceiro capítulo, a questão da efetividade
processual, alçada a status de direito fundamental consagrado na Constituição
da República, adquire um novo matiz. Não importa mais, prioritariamente,
364 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória…cit. p. 361.
215
saber se as normas de Direito Processual realizam-se no mundo fático, mas,
sobretudo, analisar se essa concreção contribui para a efetividade da norma
substantiva. Como assevera José Roberto dos Santos BEDAQUE,
Daí não se poder falar em um direito processual puramente técnico, neutro quanto aos objetivos visados pelo legislador material. O estudioso do processo deve, em primeiro lugar, identificar as necessidades verificadas no plano material; depois, verificar quais as técnicas processuais existentes para a tutela da situação substancial posta em juízo; por último, refletir a respeito da aptidão destes meios para a obtenção dos resultados pretendidos, propondo, se o caso, a criação de mecanismos mais adequados. Tal análise depende basicamente de um fator: a consciência de que o processo será tão mais importante e necessário quanto maior seja sua efetividade; e mais, à base de toda construção processual deve estar o fenômeno material, sob pena de se perpetuar o equívoco de discussões estéreis, sem qualquer importância para os escopos do processo.365
A análise levada a intento sobre o sincretismo processual através das
ações mandamental e executiva lato sensu em nosso ordenamento jurídico, a
partir dos artigos 461 e 461 A, do Código de Processo Civil e 84 do Código de
Defesa do Consumidor, deu-se sob o entendimento de que, as técnicas e
garantias processuais instituídas nesses artigos devem ser vistas em
conformidade com o direito material que visam assegurar, tendo como mote o
direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. José Roberto dos
Santos BEDAQUE ensina que
A natureza instrumental do direito processual impõem sejam seus institutos concebidos em conformidade com as necessidades do direito substancial. Isto é, a eficácia do sistema processual será medida em função de sua utilidade para o ordenamento jurídico material e para a pacificação social. Não interessa, portanto, uma ciência processual conceitualmente perfeita, mas que não consiga atingir os resultados a que se propõe. Menos tecnicismo e mais justiça, é o que se pretende.366
365 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito...cit. p. 58. 366 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito...cit. p. 16.
216
E continua o jurista, no sentido de que “A tarefa principal do
ordenamento jurídico é estabelecer uma tutela de direitos eficaz, no sentido de
não apenas assegura-los, mas garantir sua satisfação.”367
Assim, a partir da constatação de que existem várias tutelas dos direitos
que não se satisfazem com as sentenças declaratórias, constitutivas ou
condenatóias, faz evidenciar a necessidade de mecanismos específicos de
realização do direito material posto. Há de se considerar o papel da adequação
do meio processual ofertado ao tipo de situação tutelada. Em outras palavras,
uma vez que a atuação do ordenamento jurídico material se dá através da
atuação jurisdicional, e esta, por sua vez, se dá através do processo, os
instrumentos ou meios processuais dos quais esse é dotado é que vão
determinar sua capacidade de produzir os resultados que dele se espera. Ou
seja, a efetividade do processo, e por conseqüência da prestação jurisdicional
da tutela jurídica, vai se operar ou não, como conseqüência direta dos
instrumentos processuais habilitados para sua utilização.
José Miguel Garcia MEDINA, analisando os princípios contemporâneos
da autonomia – atos executivos somente no processo de execução – e o
princípio do sincretismo entre cognição e execução – atos executivos no
processo de conhecimento, através dos provimentos mandamentais e
executivos - , conclui que: “As atividades cognitivas e executivas, no entanto,
devem ser consideradas, hoje, eminentemente como meios para a consecução
367 Ibid. p. 16.
217
de uma tutela jurisdicional, de modo que, qualquer entendimento que procure
demonstrar a “auto-suficiência” destas atividades deve ser evitado.”368
Através dos mecanismos processuais habilitados pelas tutelas
mandamental e executiva lato sensu, consoante adotadas no modelo nacional,
as referidas “formas de relação entre cognição e execução”, materialização do
sincretismo processual, podem ser obtidas.
Em linhas gerais, enquanto a tutela mandamental contém uma ordem do
juiz acompanhada de mecanismos coercitivos – multa, pena de desobeiência -
para o cumprimento da obrigação imposta à parte, a tutela executiva lato
sensu corresponde à possibilidade de adoção, no processo de conhecimento,
de medidas materiais necessárias e capazes de produzir os resultados práticos
que o cumprimento da obrigação geraria.
Através do sincretismo, a realização no plano dos fatos da sentença
condenatória, deve ser considerada fase subseqüente do processo e não um
novo processo. As medidas necessárias à realização das decisões judiciais
contidas na sentença são praticadas na mesma relação processual, dotando a
sentença de executividade e efetividade.
A viabilização das formas de relação entre cognição e execução, ou
seja, a possibilidade de adoção de medidas executivas em sede de cognição,
através das atividades sincréticas, como a mandamentabilidade e a
executividade lato sensu, imprime efetividade às decisões judiciais, no importe
em que permite a realização no mundo dos fatos do comando contido na
sentença, evitando o longo intervalo entre a definição do direito material lesado
368 MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil: princípios fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 216.
218
e sua necessária restauração, conforme havido na visão clássica pautada na
dicotomia processual.
Através dos provimentos mandamental e executivo lato sensu, há uma
determinação de tutela segundo os ditames do direito material buscado pela
parte. O direito subjetivo posto pelo autor é apreciado pelo prisma de seu
exercício, evidenciando sua satisfação efetiva e as vantagens de sua fruição.
Segundo o entendimento de que a relação entre direito material e direito
processual deve ser vista a partir de seu conteúdo de interdependência, há de
ser analisada qual a situação jurídico-substancial que motivou a aplicação do
remédio jurídico, para a detecção da técnica processual mais apropriada para a
realização efetiva da pretensão buscada, ou em outras palavras, qual a técnica
processual hábil à efetivação do comando material. Deve se identificar,
portanto, qual o conteúdo substancial do direito que necessita ser tutelado,
para a escolha do meio processualmente hábil a efetivá-lo.
Tanto a ação mandamental quanto a ação executiva lato sensu são
destinadas à instrumentalização de pretensões que necessitem de uma
transformação da realidade empírica. Essa, a primeira identificação das tutelas
possíveis de serem efetivadas pela utilização de tais técnicas.
Diferenciam-se, porém, quanto a sua estrutura processual que produz
efeitos díspares. Enquanto no provimento mandamental, a estrutura processual
permite a utilização de meios de coerção adequados e cabíveis, no provimento
executivo lato sensu, há uma habilitação de meios sub-rogatórios. Assim, em
acordo com o conteúdo substancial que se pretende tutelar, o agir físico que
seja apto à realização efetiva do direito, será definida a adoção da ação
processual idônea. Ou seja, se o direito necessitar de um agir físico
219
instrumentalizado através de meios de sub-rogação, será apta a ação
executiva lato sensu. De outro modo, se o conteúdo substancial que se
pretende tutelar, necessitar, além de modificações empíricas, estas
dependerem da vontade do obrigado, efetiva será a tutela mandamental. Vale a
pena relembrar a respeito, a doutrina de João Batista LOPES, citada por
Nelson Rodrigues NETTO:
A diferença ontológica entre a mandamentalidade e executividade está em que, na primeira, a tutela se traduz e se exaure na ordem ou mandado cujo cumprimento depende apenas da vontade do réu e, na segunda, exige a prática de atos coativos por auxiliares da justiça.Na tutela mandamental, o descumprimento sujeita o réu as sanções legais (muta, desobediência, etc.), enquanto na executiva impõe seqüência de atos até se alcançar a satisfação plena do exeqüente.369
Ou seja, apontadas as diferenças fundamentais entre as duas formas de
tutela, restam os pontos de contatos, pelo quais se percebe que ambas
prescindem de um processo executivo autônomo para fazer atuar a vontade da
lei no plano fático. Cada qual através de seus próprios elementos, ou das
medidas técnico-processuais que habilitam, são suficientes para a satisfação
efetiva da pretensão levada à apreciação do Estado em sua função
jurisdicional, de modo a obter a tutela jurisdicional plena. É o que ensina Carlos
Alberto Álvaro de OLIVEIRA, conforme vemos
Também não há dúvida de que permanecem no sistema as tutelas mandamental e executiva lato sensu, cujo “cumprimento”, efetivação ou realização prática (=execução) far-se-á conforme os artigos 461 e 461-A do CPC (art. 475-I da Lei n. 11.232, de 2005. Convém ressaltar que o artigo 461, vinculado à tutela mandamental, serve às obrigações de fazer e não fazer e ainda a certos deveres de abstenção, como os ligados aos direitos da personalidade. Já o artigo 461-A, vinculado à tutela executiva lato sensu, serve às obrigações de entregar ou restituir coisa e ao dever de restituir coisa, como sucede com o desrespeito ao direito e posse decorrente da propriedade, a possibilitar a demanda reivindicatória da posse por parte do titular do domínio.370
369 LOPES, João Batista. Apud NETTO, Nelson Rodrigues. Ob. cit. p. 38-39. 370 OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Tutela declaratória executiva?in Revista do Advogado. Ano XXVI. n. 85. Maio de 2006.p. 38.
220
Pelo exposto, resta claro que a as tutelas mandamental e executiva lato
sensu, mostram-se como técnicas aptas à proteção efetiva dos direitos
materiais postos a tutela do Estado em sua função jurisdicional.
221
CONCLUSÃO
Diversas foram às conclusões obtidas no transcurso do estudo, cabendo
destacar de forma sintética, os pontos específicos de maior relevância para o
tema proposto, para, após, emitir considerações de índole explicativa sobre o
entendimento norteador do trabalho realizado.
1. Tem-se como fontes históricas mais remotas das ações
executivas lato sensu e mandamental, os interditos, surgidos no período
formulário do direito romano.
2. Advém da tradição romano-germânica, com influência dos valores
canônicos, o processo no direito português, que em função da colonização,
estendeu-se também ao Brasil.
3. O direito processual brasileiro, embora desde sua formação,
apresentasse entendimento doutrinário no sentido da distinção e autonomia
das atividades cognitivas e executivas, foi somente com o Código de 1973 que
tal separação se consolidou, fazendo do processo de execução procedimento
autônomo, com adequação quase que exclusiva para as ações pecuniárias.
4. Sob a ideologia liberal-burguesa, as atividades de execução e
conhecimento separaram-se rigidamente. Aparece nesse período o
procedimento ordinário, difundindo-se a sentença condenatória como
instrumento adequado à proteção jurisdicional de cunho pecuniário.
5. A classificação das ações e sentenças na doutrina clássica é
processual, centrada na autonomia do direito processual sobre o material.
222
6. Para a ciência processual contemporânea interessa a efetivação
das decisões judiciais, surgindo à questão das técnicas adequadas para a
realização das modificações pretendidas no mundo dos fatos.
7. As exigências da sociedade atual e a releitura dos direitos a luz
dos valores constitucionais, demandam nova compreensão do fenômeno
jurisdicional, no sentido de buscar a efetiva tutela jurídica, ou o resultado
concreto obtido pelo processo na defesa do direito tutelado.
8. Mas que o acesso à justiça, é direito fundamental do
jurisdicionado, constitucionalmente assegurado, o direito a efetividade do
processo, ou seja, a obtenção da satisfação efetiva e tempestiva da pretensão
formulada e reconhecida na decisão judicial.
9. As diversas técnicas processuais devem ser entendidas e
utilizadas no sentido de garantir direitos através de um processo de resultados,
como atendimento ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.
10. Na busca a efetividade da prestação jurisdicional, há que se
atentar para o bem da vida garantido pelo direito, os deveres envolvidos, e a
técnica processual hábil a prestá-lo.
11. A ação mandamental é técnica que habilita o recurso a meios de
coerção para a efetivação de determinados provimentos jurisdicionais, não se
restringindo a aplicação da multa, sendo esta sua nota essencial.
12. A ação mandamental destina-se a tutela de direitos que
necessitem de modificação empírica, por meio de medidas de coerção, sem a
necessidade de ação executiva, ou processo dessa natureza.
13. A técnica mandamental implica no uso de meios de coerção
indireta da vontade do demandado, adequando-se às obrigações de fazer de
223
natureza infungível, à obrigações de não-fazer, às obrigações de fazer
fungíveis, desde que inadequado ou economicamente inviável o uso da técnica
executiva lato sensu, e as obrigações de dar coisa certa.
14. A ação executiva lato sensu é técnica de prestação da tutela
jurisdicional, que objetiva a instrumentalização de pretensões que demandem
modificação no mundo dos fatos, através de utilização de medidas sub-
rogatórias atípicas, independente de instauração de processo ou ação
executiva.
15. A técnica executiva lato sensu possibilita a atuação de meios
executórios inominados, independente de instauração de processo de
execução, possuindo a sentença executiva lato sensu conteúdo próprio,
contido no verbo “executar”. É adequada para a tutela de deveres de fazer de
natureza fungível e dar coisa certa. Quanto aos deveres de não fazer, a técnica
somente poderá ser utilizada no sentido da obtenção do resultado prático
equivalente.
Por certo, conforme entendimento norteador do trabalho, não é apenas a
alteração do direito positivado passível, por si só, de produzir mudanças na
sociedade, no tocante a toda a sorte de mazelas que deságuam no judiciário. A
mudança da lei é importante, porém, fundamental é a formação de uma nova
mentalidade, de modo que, se extraia da lei, o que melhor pode oferecer,
dentro do quadro das expectativas traçadas.
Em outras palavras, não basta a declaração dos direitos, é imperioso
que o Poder Judiciário seja dotado de mecanismos capazes de proteger e
realizar esses direitos. Já advertiu Mauro Cappelletti que “a titularidade de
224
direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva
reivindicação.”371 Da mesma forma, é imprescindível que os operadores do
direito procedam, em sua interpretação, uma leitura a partir do conteúdo do
princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e dos direitos
fundamentais de pleno acesso à justiça e a efetividade das decisões judiciais.
Desse modo, mais que a função jurisdicional, poderão proporcionar a
prestação da efetiva tutela jurisdicional, bem como compreender as novas
funções das regras jurídicas processuais, quais sejam, realizar à efetiva
proteção do direito material e responder à realidade social.
O diagnóstico da falta de operatividade do sistema processual e sua
incapacidade de realização efetiva da tutela dos direitos é uma realidade, que
requer bem mais que uma reforma de lei para sua solução. Requer mudanças
profundas, em diversos planos da estrutura social, mantendo o foco no destino
final do serviço jurisdicional que é a tutela dos direitos previstos, prestada com
celeridade e segurança.
As tutelas mandamental e executiva lato sensu presentes em nosso
ordenamento jurídico através da dicção dos artigos 461, 461 –A, do Código de
Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor, ao determinarem
que seja concedida a tutela específica da obrigação ou o resultado prático
equivalente, dando ao juiz poderes para determinar as medidas necessárias
para tal fim, sintonizam o direito processual com o direito material que se
busca, realizando a interdependência necessária entre as disciplinas, ou seja,
fornecem instrumentos processuais necessários à obtenção do fim colimado
pelo direito material. O processo e os procedimentos, assim como as decisões
371 CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça...cit. p. 11.
225
interlocutórias e as sentenças, devem ser vistos como técnicas para a
prestação da efetiva tutela jurisdicional do direito material, suas novas
necessidades, não podendo ser pensados de forma neutra e à sua distância.
Se o processo e o procedimento não forem aptos a outorgar a tutela garantida
pela norma substantiva, negarão o direito fundamental a tutela jurisdicional
efetiva.
A partir de tais considerações, pode-se concluir acerca do marco teórico
sob o qual se desenvolve o trabalho, que se inscreve na corrente doutrinária
que toma o direito constitucional como baliza do sistema jurídico, sobretudo o
direito constitucional à efetividade da tutela jurisdicional, a ser materializado
através do processo.
A partir desse entendimento, foca as tutelas mandamentais e executivas
lato sensu, a partir das técnicas processuais que habilitam, sua eficácia
processual e os deveres aos quais se amoldam, de modo a demonstram a
aptidão de tais tutelas para proporcionar efetividade às decisões judiciais, ou
seja, apresentar resultado concreto através do processo em favor dos
jurisdicionados.
Para tanto, insiste-se na necessidade de uma mudança no ângulo de
visão, deixando a leitura perspectiva formal e introspectiva do sistema
processual, a partir de um ângulo puramente histórico, ou encerrado em um
plano exclusivamente dogmático372, e observá-lo a partir de uma perspectiva
372 É nesse sentido que José Roberto dos Santos BEDAQUE, afirma que “A ciência processual tem-se preocupado com a criação de categorias e institutos, cuja elaboração precisa a transformou no ramo do Direito que mais s desenvolveu nos últimos anos. Por outro lado, passaram os processualistas a se dedicar tanto a conceitos, muitos de extrema sutileza, que as discussões sobre temas de direito processual acabaram por representar verdadeiro exercício de filosofia pura do Direito. Quando voltamos os olhos para a realidade, porém, verificamos que o processo se encontra muito distante dela.”(BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito...cit. p. 15.)
226
aberta aos influxos do pensamento publicista, dos objetivos e resultados
alcançados no desempenho de sua função social, de pacificação social e
realização material dos direitos e garantias assegurados. Como bem observou
Cândido Rangel DINAMARCO:“Já não basta aprimorar conceitos e burilar
requintes de uma estrutura muito bem engendrada, muito lógica e coerente em
si mesma, mas isolada e insensível à realidade do mundo em que deve estar
inserida.”373
Nesse ângulo de visão, as normas processuais devem ser interpretadas
e aplicadas sob a perspectiva do direito material a ser protegido, balizado
diretamente pelo direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional.
Percebe-se assim que, a partir dessa premissa metodológica, o direito
concedido pela norma substantiva, não se resume à possibilidade de obtenção
da decisão judicial favorável, mas, sobretudo, ao direito de dispor de meios
executivos idôneos a tornarem útil essa decisão.
As tutelas mandamentais e executivas lato senso são dotadas de
eficácia processual aptas a tornar efetivo374 o provimento jurisdicional
postulado pelo autor, ou seja, habilitam funções técnico-processuais
adequadas, técnicas de tutelas hábeis a propiciar o resultado material
esperado. Daí sua aptidão para potencializar as decisões judiciais, conforme a
proposta do trabalho.
Diz-se que a ação mandamental e a executiva lato sensu potencializam
a efetividade das decisões judiciais, porquanto são dotadas de mecanismos 373 DINAMARO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 7. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999. p. 11. 374 Nesse sentido afirma Sérgio Torres TEIXEIRA, que “a sentença mandamental, ao proporcionar a efetivação da ordem judicial contida no julgado antes da “imunização”deste, evidencia a sua natural vocação à plena efetividade, e, ainda, a destaca como instrumento dedicado a proporcionar real acesso à justiça.”(TEIXEIRA, Sérgio Torres. Ob cit. p. 338.)
227
processuais hábeis, por si só, a levarem à materialização efetiva de seus
comandos.
Assim sendo, quando o direito protegido demandar a utilização de um
provimento jurisdicional que provoque modificação no mundo físico, e essa
modificação possuir como conteúdo substancial ações dependentes da
vontade do obrigado – quando se fará necessária a ação mandamental - , ou
dever ser instrumentalizado mediante meios de sub-rogação – quando será
própria a ação executiva lato sensu - ambas as ações possuem eficácia
processual suficientes à efetivação da decisão judicial, ou seja, tais ações
habilitam, por si só, funções técnico-processuais idôneas à realização material
efetiva do comando judicial, promovendo a alteração empírica necessária, para
a efetivação do comando concessivo da tutela.
Conforme demonstrado, diversos são os entendimentos com relação à
natureza jurídica, conceito, origem das ações trabalhadas. No entanto, todos os
entendimentos convergem para um denominador comum, qual seja, a aptidão
apresentada por ambas as ações, os instrumentos dos quais são dotadas as
ações para a produção dos resultados buscados no mundo fático, portanto,
para a efetivação do comando judicial.
Buscar restringir seu âmbito de aplicação, pelas discussões acerca de
sua vinculação com a derivação do poder de imperium, ou por possuir como
elemento característico a possibilidade de coerção pela multa ou pelo crime de
desobediência, ou mesmo limitar seu emprego a partir de sua relação histórica
para com as pretensões reais, para o trabalho proposto possui uma
importância latente, posto que, do marco do qual se parte, o direito
fundamental à efetividade das decisões judiciais, importa, sobretudo, observar
228
sua eficácia processual, ou seja, sua aptidão para produção de resultados
concretos.
Importa identificar que ambas as ações habilitam mecanismos, técnicas
processuais capazes de materializar o resultado prático efetivo do provimento
jurisdicional postulado pelo autor e reconhecido pela decisão judicial. Desta
forma, concretizam a efetiva proteção do direito material legalmente previsto.
Assim, conforme dito, insta seja abrandado o rigorismo doutrinário375 e
considerado o clamor social pela efetividade do processo, com supedâneo no
correlato direito constitucional à efetividade da prestação jurisdicional.
A partir desse ângulo de visão, as normas processuais devem ser lidas a
partir da idéia de viabilização da prestação da tutela jurisdicional adequada, de
modo a deixar prevalecer às normas que espelham os valores constitucionais.
Segundo as palavras de Mauro CAPPELLETTI, evidenciando a dimensão
social do processo: “se cogita de uma nova visão do processo, que rompe com
a impostação tradicional, pela qual o processualista ou o jurista em geral,
concentra a sua atenção sobre o direito como norma, seja a norma geral (a
lei), seja a norma particular (a sentença judicial ou o provimento
administrativo).”376
O processualista italiano destaca a necessária atenção a ser projetada
sobre a visão tridimensional do direito, que concita os juristas a refletirem
quanto:
375 Nesse sentido, afirma MARINONI: “Porém, o que realmente importa, é perceber que as sentenças nada mais são do que instrumentos ou técncias processuais que variam conforme as necessidades do direito material expressas em cada momento histórico.”(grifo no original) E conclui o doutrinador “Isto quer dizer que toda classificação de sentenças é transitória, sendo por isso equivocado imaginar que uma classificação possa se eternizar, como se as classificações devessem obrigar os juristas a ajeitar as novas realidades aos antigos conceitos.”(MARINONI, Luiz Guilherme. Manual...cit. p. 417.) 376 CAPELLETTI, Mauro. Problemas de reforma do processo civil nas sociedades contemporâneas. In MARINONI, Luiz Guilherme (org.). O processo civil contemporâneo. Curitiba: Juruá, 1994. p. 15.
229
“a) a necessidade ou ao problema social que reclama por uma resposta no plano jurídico; b) à avaliação de tal resposta que, embora deva assumir, ordinariamente, natureza normativa, impele o jurista a realizar um exame sobre a aptidão das instituições e dos procedimentos responsáveis pela atuação daquela resposta normativa; c)ao impacto que a resposta jurídica ocasionará sobre a necessidade ou sobre o problema social – ocasião em que estar-ser-á examinando a eficácia de tal resposta.”377
Por tal visão, “o direito não é encarado apenas de ponto de vista dos
seus produtores e do seu produto (as normas gerais e especiais); mas é
encarado, principalmente, pelo ângulo dos consumidores do direito e da
Justiça, enfim, sob o ponto de vista dos usuários dos serviços processuais.”
Para se assegurar o direito fundamental à tutela jurisdicional para os
consumidores do Direito e da Justiça, há de se atentar para a necessidade de
interpretar a lei processual de modo a extrair dela o meio executivo adequado a
realizar, dentro da máxima efetividade, o direito material protegido. O direito
fundamental à tutela jurisdicional efetiva e em tempo hábil, compreende
também o direito às técnicas executivas adequadas a cada situação jurídico-
material concreta, sob pena de violação a própria norma Constitucional.
Parafraseando DINAMARCO, a dignidade e o valor do processo, de
suas teorias e técnicas, são dimensionados diretamente pela capacidade que
demonstrem de alcançar o fim ao qual se destinam, ou seja, “propiciar a
pacificação social, educar para o exercício e respeito aos direitos, garantir as
liberdades e servir de canal para a participação democrática.”378
Fazendo nossas as palavras de Mauro CAPPELLETTI, entendemos, e
essa a convicção que motivou todo o trabalho, que “A idade dos sonhos
dogmáticos acabou. A nossa modernidade está na consciência de que o
377 Idem. p. 15-16. 378DINARMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade ...cit. p. 12.
230
processo, como o direito em geral, é um instrumento da vida real, e como tal
deve ser tratado e vivido.” 379 Como bem assevera MARINONI, não se pode
reduzir “o processo a uma dimensão puramente técnica e sociamente
neutra.”380
Enfim, abrir ensejo à efetiva tutela dos direitos, respondendo ao direito
material e à realidade social, através de processos e procedimentos vistos
como técnicas para a prestação da tutela jurisdicional, em respeito aos direitos
fundamentais constitucionalmente garantidos e a própria dignidade humana, é
a função a ser assumida pelas regras jurídicas e o novo modo de pensar do
processualista, sob pena de se cometer a impropriedade de empregar antigos
conceitos para explicar os novos fenômenos jurídico-sociais. Fazê-lo através
das tutelas mandamentais e executivas lato sensu, e as funções técnico-
jurídicas que habilitam, quem sabe seja um bom caminho.
379 CAPPELLETTI, Mauro. Problemas de reforma… cit. p. 30. 380 MARINONI, Luiz Guiherme. A efetividade…cit. p. 153.
231
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