MEMÓRIAS DA CULTURA ESTUDANTIL TIJUCANA: ITUIUTABA-MG (DÉCADAS DE 1950 E 1960)
Isaura Melo FrancoUniversidade Federal de Uberlândia- UFU/CAPES
Sauloéber Tarsio de SouzaUniversidade Federal de Uberlândia - UFU
Palavras-chave: Cultura Estudantil. Ituiutaba. Décadas de 1950 e 1960.
O presente trabalho decorre de pesquisa de mestrado vinculada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia-MG, linha de História e
Historiografia da Educação. Temos como objeto de estudo a cultura estudantil secundarista no
município de Ituiutaba no período entre as décadas de 1950 e 1960, momento de intensa
atividade dos organismos dos estudantes, em sua maioria representantes do ensino secundário.
Esse período caracteriza-se pela projeção dessa categoria como elemento social atuante por
todo o país, assim, buscaremos refletir sobre o perfil dos clubes e grêmios lítero-educativos,
os limites e possibilidades de suas ações, bem como as representações construídas em torno
deles e veiculadas pela imprensa local.
Construímos nosso referencial teórico, também a partir do conceito de cultura escolar
dentro de uma abordagem histórica, sendo entendida como um conjunto de normas que
determinam conhecimentos a serem ensinados e condutas a serem incorporadas, e um
conjunto de práticas que permitem a difusão desses conhecimentos e a inclusão desses
comportamentos (JULIA, 2001).
Nesse sentido, projetando tal conceito sobre nosso objeto, acreditamos que a cultura
estudantil é constituída por conjunto de práticas e princípios comuns aos grupos de estudantes
localizados em determinados contextos espaciais e temporais, influenciando em suas ações e
visões de mundo.
Desse modo, nosso principal objetivo constitui-se em identificar parte do cotidiano e
das sociabilidades escolares que deram forma a cultura dos estudantes no contexto acima
apresentado. Acreditamos que a importância desse estudo se deve parcialmente pelo
ineditismo do tema, já que a historiografia da educação brasileira ainda conta com poucos
estudos em relação ao desvendamento da cultura que circulava na educação secundária no
período entre 1930 e 1960 (SOUZA, 2008).
Para a execução deste trabalho consideraremos alguns princípios comuns ao oficio do
historiador, pois se trata de um estudo pertencente à historiografia da educação, a qual
necessita de um forte rigor metodológico encontrado no campo da história. Logo, devemos
ressaltar que: “[...] a história da educação como especialização da história não é uma refutação
da pedagogia. É um deslocamento que cria um novo ângulo de apreensão das questões
pedagógicas saturadas de historicidade” (NUNES; CARVALHO, 2005, p. 31-32). Desse
modo, ponderamos a importância da abertura da área da educação ao diálogo com outras áreas
do conhecimento cientifico como forma de contribuição para a expansão da compreensão dos
fenômenos humanos.
Nosso objeto de estudo, faz parte de uma renovação temática que vem sendo
desenvolvida atualmente nas pesquisas historiográficas. Pois concordamos com a perspectiva
defendida pelo historiador francês Michel de Certeau (1979, p.35), a qual nos indica que:
O historiador não é mais um homem capaz de construir um império. Não visa mais o paraíso de uma história global. Ele aí vem circular em torno de racionalizações adquiridas. Trabalha nas margens. Sob esse ponto de vista, torna-se um andarilho. Numa sociedade favorecida pela generalização, dotada de poderosos meios centralizadores o historiador avança na direção das fronteiras das grandes regiões exploradas.
Nesse sentido, pretendemos dar voz e vez aos jovens estudantes de uma cidade
interiorana, distante dos grandes centros urbanos do país, até porque a grande maioria dos
estudos sobre o movimento estudantil no Brasil se refere as capitais, principalmente ao eixo
Rio - São Paulo. Logo buscamos valorizar a memória da cultura vivenciada por estes sujeitos,
relacionado sempre o contexto local com o nacional, já que se trata de um período de grande
efervescência política e social dos movimentos estudantis.
Por consideramos a cultura estudantil como algo intrínseco a sociedade que a permeia,
já que entendemos que a atuação dos estudantes não é um fato isolado na sociedade,
destacaremos a importância do estudo do cenário político-social nacional da época analisada,
tendo sempre em vista a relação entre micro e macro, pois acreditamos que o particular é
expressão do desenvolvimento geral.
Na década de 1950, merece destaque o debate sobre nossa primeira LDBEN (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional) n. 4024/61. A discussão sobre esta se iniciou
quando o ministro da educação e saúde pública do governo Dutra (1946-1951), Clemente
Mariani, constitui uma comissão para elaborar o anteprojeto da LDB, visando atender a um
dos dispositivos da Constituição de 1946, que mencionava a competência da União para
legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. Mas o então deputado e ex-ministro
Gustavo Capanema, vendo no projeto a expressão de uma rivalidade política, elaborou
parecer em 1949 que resultou no arquivamento do projeto. Somente em 1957, foram
retomadas as discussões sobre este, marcadas pelo conflito entre escola pública e escola
particular. Assim a promulgação de nossa primeira LDB ocorreu somente em 1961,
representando o equilíbrio entre os defensores da escola pública e da privada. (SAVIANI,
2007).
Nossa primeira LDB (1961) teve orientação liberal de caráter descentralizador,
concedeu autonomia aos Estados para a organização de seus sistemas de ensino, além de
garantir a equivalência plena aos diversos ramos do ensino secundário que passaram a dar
acesso a qualquer carreira do ensino superior. Por outro lado, beneficiou amplamente a
iniciativa privada e não criou condições que possibilitassem a universalização da educação.
Na década de 1960 destaca-se a chegada dos militares ao poder, por meio do golpe
militar que impôs a deposição ao presidente João Goulart em 31 de março de 1964, ocorrendo
uma ruptura política para a manutenção da ordem socioeconômica do capitalismo de mercado
associado dependente.
Com o advento da ditadura, o discurso progressista e revolucionário foi censurado
pelo conservadorismo, pela voz da “Ordem”, da “Moralidade”, da “Pátria” e da “Família”. A
primeira resposta à ditadura foi o musical Opinião, em dezembro de 1964, com Nara Leão, Zé
Kéti e João do Vale, acompanhado pela idéia de que a arte seria “tanto mais expressiva”
quanto mais tivesse uma opinião, um conteúdo político. Expressava os sentimentos de toda
uma geração de intelectuais, artistas e estudantes, que sonhavam com a aliança entre povo e
intelectual, o sonho da revolução nacional e popular. No teatro a peça “Liberdade, Liberdade”
realizada pelo Teatro de Arena e no cinema o filme “Opinião Pública” de Jabor também
traziam o debate político como essência, explorando novas linguagens para driblar a repressão
militar. Nessas atividades de militância política e cultural propunha-se “[...] política externa
independente”, “reformas estruturais”, “libertação nacional”, “combate ao imperialismo e ao
latifúndio” (HOLLANDA e GONÇALVES, 1999, p.14).
Outros autores também destacam a ocorrência dessas manifestações culturais que
representaram contestação ao regime antidemocrático, assim como é revelado a seguir:
[...] apesar da repressão e da censura, o país vive um período de efervescência cultural, notadamente na área da música popular e do teatro. A partir de 1965, têm início os festivais de música e com eles o surgimento de compositores como Chico Buarque de Holanda, Geraldo Vandré (cuja música ‘Pra não dizer que não falei de flores’ encarna o sentimento antiditadura dos estudantes de todo o país), Milton Nascimento, Gilberto Gil, Caetano Veloso etc. Como contraponto surge também Roberto Carlos – o ‘rei da jovem guarda’ – cuja música é mais comercial e desvinculada de preocupações políticas. No teatro Millôr Fernandes, José Celso Martinez, Oduvaldo Viana Filho (Vianinha), Chico Buarque e outros foram responsáveis por espetáculos como o ‘Show Opinião’, ‘Liberdade-Liberdade’ e ‘Roda-Viva’ de forte cunho político. Contudo, o terrorismo de direita não dá sossego a esses grupos de teatro (GERMANO, 2005, p. 116).
Esse clima de agitação cultural, vivenciado nos anos de 1960 “[...] se deu juntamente
com a transformação dos comportamentos, o surgimento das novas esquerdas, com a
crescente insatisfação das classes médias intelectualizadas em relação ao regime, com o
crescimento da população universitária e com as revoltas estudantis” (GROPPO, 2000, p.
286). Os processos de contestação ao governo além da veiculação no teatro, cinema e na
música, também foram perceptíveis em outras artes como a literatura, a poesia e as artes
plásticas. Entretanto, esses grupos de artistas politizados também foram perseguidos pelo
sistema repressor.
Nesse cenário, o governo militar, com o objetivo de manter a ordem socioeconômica
existente exerceu severa repressão contra a sociedade civil, acusando o movimento estudantil
de subversivo e de possuir ideais comunistas, devido à contestação, principalmente pela UNE,
do agravamento das desigualdades sociais provocado pelas alterações políticas e com reflexos
no sistema educacional.
Logo, surgiram os acordos MEC-USAID entre o Ministério da Educação (MEC) e a
United States Agency for International Development (USAID), que visavam dar assistência
técnica e reorganizar o sistema educacional brasileiro, de acordo com os interesses do
capitalismo internacional.
Assim esses acordos, que permeavam todos os níveis educacionais, obedeciam a um
plano de dominação ideológica e cultural do Brasil e de toda a América Latina. No ensino
primário, esses convênios conseguiram uma maior dominação, devido aos contatos dos norte-
americanos com os governos estaduais. Já o ensino médio foi a parte mais difícil de atuação
destes, pois nesse nível a maior parte das instituições eram pertencentes à iniciativa privada.
No ensino superior, a autonomia das universidades conseguiu por muito tempo conter a
completa dominação desses convênios (POERNER, 1995).
De modo geral, a entrega da reorganização do sistema educacional aos técnicos norte-
americanos, serviram para agravar ainda mais a crise educacional (ROMANELLI, 2007).
A participação dos estudantes foi importante para que a educação brasileira não fosse
totalmente entregue ao controle dos Estados Unidos, visto que: “[...] a reação estudantil, o
amadurecimento do professorado e a denúncia de políticos nacionalistas com acesso à opinião
pública evitaram a total demissão brasileira no processo decisório da educação nacional”
(CUNHA & GÓES, 2002, p.32).
O governo ditador, também empreendeu as reformas educacionais 5.540/68 e
5.692/71, que visavam ajustar a educação às exigências do mercado de trabalho.
De um modo geral, podemos afirmar que um dos graves problemas das reformas
educacionais empreendidas no período estudado foi o baixo investimento financeiro na escola
pública e o favorecimento da ampliação da rede privada.
O marco temporal de nosso estudo foi delimitado a partir do entendimento de que as
medidas na educação escolar são sempre relacionadas a questões de ordem política, de forma
que o estudo sobre as décadas de 1950 e 1960 se torna bastante relevante, pois são anos
marcados por efervescência política e social. Sendo necessário destacar que as ações
estudantis tiveram grande repercussão nas lutas sociais e políticas do país, com destaque para
a União Nacional dos Estudantes (UNE), que exerceu oposição ao governo militar.
Quanto à metodologia, utilizamos como fonte primária de pesquisa a leitura de jornais
locais do período correspondente, tendo como base a premissa de que estes representam um
produto cultural de sujeitos específicos em determinado contexto histórico (AMARAL, 2011).
Pois possibilitam a análise das manifestações da época de uma forma cotidiana, aproximando-
nos de discursos que permeavam determinada conjuntura.
Embora os jornais tenham sido considerados durante algum tempo fontes suspeitas de
pesquisa, como demonstra sua pouca utilização em estudos até a década de 1970, por estarem
vinculados a interesses subjetivos, consideramos que a utilização dos jornais como fonte de
pesquisa é um rico manancial para os estudos historiográficos. Pois apresentam o movimento
da história de uma forma cotidiana, transmitindo e gerando novos acontecimentos no contexto
de suas produções, sendo imbuídos de significações e representações sociais, que
devidamente analisadas, funcionam como importantes instrumentos desveladores do contexto
investigado.
Em relação à utilização do conceito de representação nesse estudo, recorremos ao
sentido atribuído por Chartier (1990), o qual entende as representações como elementos de
transformação do real e que atribuiriam sentido ao mundo. A construção desse sentido ou
simbolismo social não ocorreria dentro de uma liberdade absoluta, pois as representações
necessariamente, teriam em sua concepção, um fundo de apoio nas condições reais de
existência, ou seja, as idéias-imagens possuiriam um mínimo de concreticidade extraída do
cotidiano para que tivessem aceitação social, de forma que:
As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinados pelos interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza. As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por ela menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas (CHARTIER, 1990, p.17).
Desse modo, consideramos que as representações veiculadas pelos jornais não são
discursos neutros, pois apresentam linguagens que aspiram aos interesses e visões de mundo
de certos grupos ligados a esses veículos de comunicação.
Assim as representações presentes nesses periódicos permitem abordagens mais
amplas em relação ao fenômeno educacional, possibilitando o estudo de concepções
pedagógicas e ideologias que circulavam pelo imaginário da população local. Dessa forma,
sua importância está no fato de que, como afirmou Capelato (1988) sua atividade não consiste
apenas em transmitir, mas, igualmente, em gerar acontecimentos, compondo-os com
elementos de uma visão bastante particular do mundo, somatória de subjetividade e de
interesses aos quais o jornal está vinculado.
De modo geral, acreditamos que assumir o jornal como fonte para a pesquisa histórica
não significa pensá-lo como receptáculo de verdades. Ao contrário, deve-se pensá-lo a partir
de suas intencionalidades, pois é uma fonte parcial, fragmentária e carregada de
subjetividades.
Nesse sentido, consideramos que os jornais devem ser investigados de forma
científica, considerados como documentos-monumentos, pois como afirma Le Goff (1995),
estes são produtos da sociedade que os produziu de acordo com as relações de força
existentes, necessitando que os pesquisadores possuam uma visão crítica sobre a fonte
utilizada.
Além disso, torna-se importante nos atentar aos ensinamentos de Carlo Ginzburg,
referindo-se as raízes de um paradigma indiciário modelador das ciências humanas, os quais
nos revelam que o trabalho historiográfico exige a consideração de vestígios, pequenos
detalhes, sinais que também são representativos de uma dada realidade histórica, caminhando
lado a lado com um rigor flexível, considerando-se que: “Ninguém aprende o ofício de
conhecedor ou de diagnosticador limitando-se a pôr em prática regras preexistentes. Nesse
tipo de conhecimento entram em jogo [...] elementos imponderáveis: faro, golpe de vista,
intuição” (GINZBURG, 1989, p.179). Assim buscamos nesse trabalho, além de um forte rigor
teórico e metodológico, desenvolver uma sensibilidade aguçada para o desvelamento e análise
de questões específicas ao nosso objeto de estudo.
Consultamos às coleções dos seguintes jornais: “Gazeta de Ituiutaba”, “Folha de
Ituiutaba”, “Correio do Pontal”, “Correio do Triângulo”, “Cidade de Ituiutaba” e “Município
de Ituiutaba”, todos com veiculação nesse período, constantes do acervo da Fundação Cultural
de Ituiutaba. Mesmo considerando-se que nesse arquivo as coleções dos jornais não estavam
completas, foram analisadas mais de 530 notícias sobre o universo escolar entre os anos de
1949 e 1970.
Em seguida, utilizamos à história oral, por julgarmos que esta metodologia de pesquisa
é um poderoso recurso para a investigação histórico-educativa, tendo em vista que esta: “[...]
permite o registro de testemunhos e o acesso a histórias dentro da história e, dessa forma,
amplia as possibilidades de interpretação do passado” (ALBERTI, 2006, p.155). Assim,
acreditamos que à história oral é uma rica fonte para a pesquisa à medida que valoriza a
memória dos sujeitos envolvidos em determinados acontecimentos sucessíveis de serem
historicizados.
Desse modo realizamos entrevistas semi-estruturadas a um dos antigos proprietários e
editores dos jornais pesquisados e a alguns dos ex-representantes do movimento estudantil
local do período analisado. Levando em consideração o fato de que os sujeitos a serem
entrevistados nesse estudo, se encontram atualmente em uma faixa etária superior a 60 anos
de idade, trabalharemos com a memória de pessoas idosas, considerando que:
[...] no estudo das lembranças das pessoas idosas [...] é possível verificar uma história social bem desenvolvida: elas já atravessaram um determinado tipo de sociedade, com características bem marcadas e conhecidas; elas já viveram quadros de referência familiar e cultural igualmente reconhecíveis: enfim, sua memória atual pode ser desenhada sobre um pano de fundo mais definido do que a memória de uma pessoa jovem, ou mesmo adulta, que de algum modo, ainda está absorvida nas lutas e contradições de um presente
que a solicita muito mais intensamente do que a uma pessoa de idade (BOSI, 2007, p.60).
Nesse sentido, ponderamos que estudar a memória de pessoas idosas, as quais se
ocupam mais conscientemente de seu passado, contribuirá para o desvelamento de fragmentos
e representações que compõem o contexto investigado.
Dessa forma, compartilhamos do entendimento de que as lembranças das pessoas mais
velhas devem ser valorizadas, por fatos lógicos, pois nossa cultura e educação contêm
infinitos aspectos que são repassados por essas pessoas às gerações mais jovens,
contemplando assim o homem como sujeito histórico, social e cultural.
Recorremos também à leitura das Atas da Câmara Municipal de Ituiutaba, referente às
décadas de 1950 e 1960, as quais revelam embates e ações políticas discutidos nas reuniões
entre prefeito e vereadores locais.
Em relação à análise de nosso objeto de estudo, a leitura dos jornais locais apontou
que na década de 1950, o município contava com várias organizações estudantis, como a UEI
- “União Estudantil de Ituiutaba”, o “Clube Estudantil Rui Barbosa de Ituiutaba”, o “Clube
Estudantil Ituiutabano”, o Grêmio “Lítero-educativo” pertencente ao Colégio Santa Tereza e o
grêmio “Lítero-educativo” do Educandário Ituiutabano.
Observamos que as comemorações cívicas eram comuns no meio estudantil tijucano,
como verificamos nas matérias: “21 de Abril no Educandário Ituiutabano – Educandário abre
suas portas para que todos assistam a comemoração do dia 21 de Abril pelos estudantes”, do
Jornal “Correio do Pontal” de 25/04/1958; e “Exaltada a memória de Tiradentes no Ginásio
São José”, do Jornal “Folha de Ituiutaba” de 26/04/1958, a qual anunciava a realização de
uma “festinha lítero-musical” dos alunos da instituição em comemoração ao dia de Tiradentes
. Esperava-se do estudante sua dedicação integral aos interesses da pátria, elemento de
sedimentação dos princípios da nação brasileira, juntamente com o fortalecimento da
instituição familiar e a tradição cristã do povo.
A veiculação pela sociedade tijucana da época de valores morais, cívicos e patrióticos
no meio estudantil, era um fator comum nesse período no Brasil que vivia a propagação da
ideologia do nacionalismo desenvolvimentista, a qual estimulava a valorização de princípios,
características e símbolos nacionais para o desenvolvimento do país.
Constatamos que a maior parte dos dirigentes estudantis em Ituiutaba, era composta
por estudantes do sexo masculino do ensino médio. As exceções eram os Grêmios “Lítero-
educativos” divulgados a cada ano, pertencentes ao Colégio Santa Tereza, que era uma
instituição confessional com cobrança de mensalidades, destinada à escolarização de
estudantes do sexo feminino. Ainda nos anos de 1950 às mulheres era permitido muito menos
que aos homens, não se via com bons olhos a atuação feminina na política estudantil,
especialmente nas localidades interioranas e tradicionais.
Em decorrência do cruzamento de fontes, leitura dos jornais locais e das atas
municipais, percebemos que o proprietário do jornal “Correio do Pontal” que circulou entre
(1955-1959), era também vereador em Ituiutaba no governo de Antonio Martins (1955-1959),
justamente no mesmo período de circulação do jornal, e foi acusado por vereador de outro
partido político, de utilizar seu jornal em favor de seus interesses políticos, como confirma ata
da Câmara Municipal de Ituiutaba da reunião do dia 19/11/1955. Logo, concordamos com
Wirth (1982, p.131), por entendermos que:
A imprensa local foi outro marco do regionalismo mineiro [...] Geralmente pertencia ao chefe político local, cujo domínio era disputado por um chefe rival com sua própria imprensa. Fica evidente que os jornais desempenharam uma função primordial na política local. Como foro para o combate verbal, a imprensa deu às celebridades locais um meio de sustentar a violência em nível menor, sem tiroteios ou assassinatos [...] A imprensa foi um pilar para a política, comércio e cultura no centro de gravidade do estado, a nível local.
Desse modo, destacamos a utilização de parte da imprensa local, nos anos de 1950,
como veículo representativo de determinados anseios políticos.
Na década de 1960, podemos destacar o surgimento de novas entidades estudantis
como: o “Comitê Estudantil masculino pró Lott; o “Movimento Estudantil Unido de
Ituiutaba”; a Liga Ituiutabana de Esportes Colegiais (LIEC); o grêmio estudantil “Visconde de
Cairú”; e o grêmio “Pe. Gaspar Bertoni”. Além da reestruturação do grêmio Lítero-recreativo
“Profº. Álvaro Brandão de Andrade” e permanência da existência da “União Estudantil de
Ituiutaba” e do grêmio “Bernardo Guimarães”.
Percebemos por meio dos jornais consultados, desde a década de 1950 até os anos
iniciais de 1960, o engajamento político de parte dos estudantes em Ituiutaba, dentre as
matérias jornalísticas que revelam tal característica, destacamos a seguinte, pertencente ao
Jornal “Folha de Ituiutaba” de 10 de julho de 1963:
Nesta notícia, verificamos a manifestação de estudantes secundaristas que
denunciavam o descaso político estadual e federal por obras públicas na região, e alertavam o
então governador do Estado José Magalhães Pinto, por meio de telegrama enviado para a
tomada de urgentes providencias, e a ocorrência do fato à população local através da
imprensa.
Observamos também pela imprensa tijucana a exaltação dos nomes de jovens
ituiutabanos que estudavam em outras localidades, como demonstram as seguintes matérias
do jornal “Folha de Ituiutaba”: “Candidatos de Ituiutaba aprovados nos vestibulares de
Direito”, (04/03/1959) – divulgação dos nomes de aprovados no vestibular realizado em
Uberaba; “Estudantes de Ituiutaba brilham em São Paulo” – jovens ituiutabanos estudando em
São Paulo organizaram equipe de futebol de salão”, (24/05/1961); “Diretório Acadêmico 21
de Abril – o diretório da Faculdade de Direito em Uberlândia tem estudante tijucano na
presidência, (22/02/1964). Tal fato foi justificado, por meio dos depoimentos colhidos, por
serem esses jovens estudantes em sua maioria, pertencentes à classe social privilegiada com
preocupações pequeno burguesas. Realidade esta comum a nível nacional, visto que neste
período o acesso à educação escolar se restringia a uma pequena parcela da sociedade
brasileira.
Na cultura estudantil tijucana dos anos de 1950 e 1960 também estava presente à
circulação de periódicos estudantis como os jornais: “A Voz dos Estudantes” do Clube
Estudantil Rui Barbosa, “Tribuna Estudantil” da UEI, “Sentinela do Estudante” dos alunos
dos colégios Santa Tereza e São José, além da coluna “Vida Estudantil” presente no jornal
“Correio do Triângulo” no período entre maio a outubro de 1964.
Encontramos anexado ao Jornal “Correio do Triângulo” de 09/08/1964, um exemplar
do jornal “Sentinela do Estudante”, apresentado como “porta-voz do Colégio São José”, em
edição de agosto de 1964, ano dois, n. 3, em que estão anunciadas festas religiosas,
homenagens dos alunos ao dia dos pais, ao aniversário de Ituiutaba que completaria 63 anos e
aos padres. Além de colunas humorísticas em relação ao futebol, “Fatos e Boatos” sobre a
vida pessoal de professores e alunos dos Colégios São José e Santa Tereza, palavras-cruzadas
e diversos artigos sobre o posicionamento de alunos referente a normas de conduta aceitáveis
pela sociedade tijucana da época.
Em análise desses pronunciamentos estudantis, nos chamou atenção o artigo: “O que
eu penso das mulheres” escrito pela estudante Leila Maria do Colégio Santa Tereza, em que
está explicitamente declarada uma concepção de educação feminina propagada desde o Brasil
Colônia, favorável a formação moral das mulheres para serem mães e esposas, como podemos
verificar a seguir:
Todo homem que se considera um candidato a felicidade, deve ter cautela na escolha de sua companheira e colocar em primeiro plano as qualidades morais da criatura e não as físicas: estas passageiras, aquelas a garantia do sêlo de uma perfeita felicidade conjugal, ao lar, ao esposo e aos filhos que vierem e que transformem sua casa num santuário onde o marido possa repousar ao regressar do trabalho, enfim um misto de espôsa e mãe, uma mulher que compartilhe com o marido seus momentos de alegria e amargura e que não troque seu lar pelas futilidades do mundo (“Correio do Triângulo”, 16/09/1964).
Artigos como esse eram comuns no meio estudantil em outros estados brasileiros, pois
refletiam uma concepção de educação moralizante presente no país nesse período, como
afirma Souza (2008, p.200) em relação ao estudo sobre a cultura escolar da década de 1950
em São Paulo.
As representações sobre a mulher também aparecem nos jornais estudantis [...] e remetem ao lugar reservado a ela no lar, destacando suas virtudes e qualidades de mãe e esposa. [...] a empreitada da moralização é acentuada, tanto para mulheres quanto para homens, reproduzindo por assim dizer, as regras de conduta consideradas socialmente exemplares.
É necessário ressaltar que a educação da mulher para ser mãe e esposa, dentro de
preceitos morais, era defendida por vários setores da sociedade brasileira, como a Igreja
Católica e o governo que defendiam uma visão tradicional de família.
Outro artigo analisado foi “Amai-vos uns aos outros”, de José Rocha em que
percebemos a emulação de valores cristãos para a disciplinarização das condutas dos jovens
estudantes, no que se refere à relação professor-aluno, como é verificado abaixo:
São como um corpo os professores e alunos. Cada membro recebe as alegrias e tristezas [...] É necessário seguir uma linha de retidão que se abre à nossa frente ou corremos o sério risco de nos tornarmos coveiros da alegria na comunidade. Todavia o cúmulo do desaforo é querermos capacitar-nos de toda razão, e longe de arrependermos das faltas, culpar os outros; equivale a submeter o próximo as mais duras provações (“Correio do Triângulo”, 16/09/1964).
Percebemos que a educação moral estava em íntima ligação com princípios cristãos,
como verificamos também em outros artigos presentes em jornais locais, dentre estes: “O
Ensino – aproximação de Deus Celestial”, Jornal “Folha de Ituiutaba” de 17/06/1959 e
“Educar os filhos quer dizer conduzi-los a Cristo”, mensagem do Colégio Normal Santa
Tereza divulgada pelo Jornal “Cidade de Ituiutaba” de 16/09/1967. Com estas, podemos
observar a veiculação de uma concepção de educação condizente com a formação de cidadãos
cristãos.
Nos anos de 1960 também era freqüente na imprensa local a veiculação de artigos que
valorizavam a exaltação do patriotismo entre os estudantes, como revelam os seguintes: “De
Rui Barbosa a Estudantes Brasileiros”, mensagem do jornal “Correio do Triângulo” de
17/05/1964, ressaltando a importância da propagação de ideais patrióticos no meio estudantil;
e “Civismo na Universidade” do Jornal “Cidade de Ituiutaba” de 14/10/1967, o qual
salientava a necessidade de veiculação de princípios cívicos e cristãos entre os estudantes para
o afastamento do materialismo, de teorias subversivas e marxistas. Assim, observamos a
difusão nesse jornal de ideais que visavam à conformação dos estudantes ao regime militar e à
ordem social capitalista vigente, utilizando para essa finalidade a doutrina cristã. Tal discurso
era comum pelas forças hegemônicas do país nesse período, visto que o golpe militar recebeu
apoio das autoridades mais influentes da Igreja Católica, as quais temiam a instalação de
presença comunista no Brasil.
De acordo com os depoimentos colhidos, salientamos que as ocasiões em que os
estudantes desenvolveram práticas culturais em sintonia com a comunidade local, superando o
espaço escolar, como a atuação do movimento estudantil, os torneios esportivos, as festas
cívicas e a imprensa estudantil, representaram importantes possibilidades de socialização para
os alunos secundaristas do período em questão.
A guisa de conclusão, ressaltamos que este estudo nos possibilitou desvendar parte do
cotidiano e das sociabilidades escolares que deram forma a cultura estudantil presente em
Ituiutaba-MG nos anos de 1950 e 1960 como: as principais ações realizadas pelos líderes
estudantis, além de suas relações com as forças políticas e com a imprensa; os processos
envolvidos, como a escolha da diretoria das entidades estudantis locais, que aconteciam na
maioria das vezes por eleições que tinham destaque nos jornais da época; a valorização
cultural da divulgação dos trabalhos dos estudantes e de professores, assim como o prestígio
social dos estudantes dos níveis secundário e universitário; a propagação de ideais cívicos,
patrióticos, morais e cristãos no meio estudantil em Ituiutaba; o perfil das entidades estudantis
do município que apresentavam caráter social e desportivo, com a valorização do exercício
esportivo, a promoção de ações culturais e a preocupação com causas assistencialistas; a
identificação de algumas idéias relativas à educação profissional; e o controle dos órgãos
estudantis nos anos de 1960 por membros e setores externos a classe.
De acordo com os jornais consultados, percebemos uma mudança no perfil do
estudante/aluno após a implantação da ditadura civil-militar em 1964. Visto que,
anteriormente ao golpe militar, as matérias jornalísticas ressaltam estudantes secundaristas e
universitários com participações políticas ativas por meio de reivindicações aos governantes.
Situação esta que muda com a consolidação do novo regime político, em que a classe
estudantil surge nas páginas dos jornais de forma adequada ao sistema autoritário, não
apresentando nenhuma exigência ou contestação as forças políticas instituídas, mas
preocupada com atividades recreativas e assistencialistas. Fazendo-nos acreditar que a cultura
estudantil tijucana foi marcada por atividades que conformaram os estudantes ao sistema
autoritário então vigente.
Esses dois momentos distintos perceptíveis nos jornais locais quanto à participação
política do estudante/aluno, não indicam que estes após a implantação da ditadura militar,
mesmo não tendo suas relações políticas divulgadas pela imprensa, tenham sido sujeitos
despolitizados durante esse período. Visto que, segundo um dos ex-representantes da UEI nos
anos de 1964 a 1966, esta entidade era aliada às forças políticas direitistas por meio de seus
dirigentes. Tal fato foi justificado pelo depoente, devido a UEI neste período ser dirigida em
sua maioria, por estudantes filhos de fazendeiros, os quais temiam a presença comunista no
município, denunciando por meio de telegramas enviados aos militares, qualquer
manifestação local suspeita de caráter subversivo.
Desse modo, acreditamos que parte dos estudantes secundaristas em Ituiutaba, nos
anos de 1964 a 1966 por meio da UEI, principal órgão de representação estudantil local,
aderiu e militou a favor do sistema político militar ditatorial.
De modo geral, percebemos que a cultura vivenciada pelos estudantes secundaristas
em Ituiutaba, principalmente na década de 60, foi delineada por caráter mais assistencial e
recreativo do que político, o que reforçava a estrutura social excludente do país.
Essa peculiaridade local pode ser reflexo da repressão aos estudantes dos grandes
centros de forma que mesmo nas cidades interioranas mais distantes, como Ituiutaba, os
reflexos de 1964 foram percebidos de forma acentuada, influenciando a cultura estudantil
local.
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