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OS ARGUMENTOS SOBRE O ENSINO DA ARTE: SEUS LUGARES E SUAS
PROBLEMATIZAES.
Andra Penteado De Menezes
Faculdade de Educao da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FE UFRJ)
RESUMONesse artigo apresento concluses resultantes de pesquisa na qual busquei analisar os
diversos argumentos que tm legitimado o ensino de arte no Brasil, seu currculo escolar e asteses que o sustentam. Partindo dos estudos de Cham Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca (2002),que propem uma Teoria da Argumentao que fundamente a legitimao das verdadesprovisrias que se estabelecem atravs dos debates, busco investigar algumas produesbibliogrficas que tm influenciado as teses formuladas, desde incio do sculo XX, para o ensinode arte, focando essencialmente as produes plsticas e visuais, problematizando-as e avaliandosuas contribuies.
Palavras-chave: Nova Retrica, Linguagem, Currculo, Ensino de Arte.
ABSTRACTIn this paper I present partial conclusions from a research in which I attempted to analyze the
arguments that have legitimized some thesis about art education in Brazil, its curriculum andtheories. Supported by Chaim Perelman and Lucie Olbrechts-Tyteca's New Rhetoric Theory (2002),that proposes the argumentation to justify and legitimates the provisional truths that are establishedin a specific society, I investigate part of the Brazilian literature about arte education to understandtheir thesis, from beginning twenty century, debating them and evaluating their contributions.
keywords: New Rhetoric Theory, Linguistic, Curriculum, Art Education.
INTRODUO: O DEBATE.Nessa pesquisa, apoio-me no Tratado da Argumentao, de Perelman e
Olbrechts-Tyteca (2002) onde se coloca que toda verdade no demonstrativa se
estabelece atravs da argumentao entre diferentes teses, gerando verdades
provisrias e negociveis entre orador e auditrioi. De outra perspectiva, minha
problematizao foi, em parte, motivada pelos estudos de Ivor Goodson (1997 e
1995, 7 edio) e de Forquin (1992), ao proporem que o currculo escolar fruto
de escolhas e embates que resultam em um processo argumentativo que se d
entre vrios sujeitos interessados na educao (pais, professores, coordenadores,
diretores e representantes do mercado de trabalho), influenciado por outros
discursos oficial e historicamente validados. Portanto, ao trabalhar com esses
quatro autores penso a confluncia na qual o debate assume posio central tanto
no estabelecimento daquilo que, em determinado momento scio-histrico, ser
mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]7/31/2019 MENEZES_Os Argumentos Sobre o Ensino Da Arte_seus Lugares e Suas Problematizacoes
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considerado legtimo, quanto na possibilidade de empreender novas verdades
provisrias para a educao. Ao mesmo tempo, mister compreender as
verdades como construo de linguagem e de discursos que as estabelecem.
Dito isso, gostaria de colocar uma premissa que tem orientado meu olhar
sobre a educao e minhas reflexes e buscas nesse campo. A teoria da Nova
Retrica prope que o debate acontece em sociedades cujos valores j vm
sendo negociados pois, como Perelman e Olbrechts-Tyteca chamam ateno,
este se inicia a partir de acordos que vigoram e que esto estabelecidos para o
tema em discusso e que as teses apresentadas se colocaro justamente no
sentido de reforar ou modificar os acordos vigentes (Id., p 73-74). Desse modo,
problematizar tais acordos, e os valores de juzo a eles subjacentes, no
corresponde a dizer que a prpria instituio escolar, a sociedade e os sujeitos,em geral, devam abrir mo de seus papeis e de suas convices, apenas sugere
que tais convices podem ser discutidas e resignificadas incessantemente.
Assim, a sociedade que participa do universo escolar, tenta, em sua revisibilidade,
compreender os fundamentos e valores que nortearam os acordos e princpios
que vigoram na educao para reformul-los se, e quando, necessrio com o
objetivo de atender melhor s exigncias educativas de sua contemporaneidade
em um contexto de benefcio social.
ALGUNS ACORDOS SOBRE O CURRCULO, OS DISCURSOS QUE SO
TECIDOS NAS ESCOLAS E O ENSINO DE ARTE NO BRASIL.
Considerando essas colocaes prvias, gostaria de fazer uma reflexo mais
ampla sobre o currculo de arte no Brasil, suas polticas e os acordos a
estabelecidos.
A princpio, isso traz trs conceitos relevantes sobre os quais gostaria de
posicionar-me: a qu me refiro quando falo em currculo, quando falo sobre os
discursos que so tecidos nas escolas e quando falo em ensino de arte no Brasil.
Baseada em Goodson (1995, 7 edio) abordarei o currculo no apenas
como o documento prescritivo que estabelece os contedos e metodologias que
sero adotados ao longo do ano letivo nas escolas, mas como toda a gama de
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prticas, desvios, reencaminhamentos e acordos estabelecidos dentro e fora de
sala de aula entre alunos e professores, professores e demais grupos adultos,
escola e sociedade. Nessa perspectiva o currculo constri-se atravs de
negociaes legitimadas por processos argumentativos que se do entre
diferentes setores sociais e grupos de especialistas em educao.
A escola uma instituio social em contnuo movimento e transformao,
plural e heterognea, e considero que seja entre outras caractersticas um
espao negociado. Isso remete a algumas reflexes possveis e me ocuparei,
rapidamente, de algumas delas. Em primeiro lugar, sua pluralidade desnaturaliza-
a e coloca-a na dimenso de espao pblico que busca servir formao de
jovens de acordo com diferentes realidades culturais e scio-histricas, o que nos
desobriga de termos de consider-la como fruto de alguma lei natural, ou deverdade universal, que a determine.
Em segundo lugar e de acordo com essa perspectiva, no seria justo falar
na escola ou no discurso da escola, de maneira homognea e singular, como
se no fossem muitos, mltiplos e diversificados os argumentos e propostas que
se tecem nessas tantas instituies. Porm, por fora das limitaes de espao e
tempo argumentativo que um artigo impe, gostaria de me antecipar e solicitar a
meus interlocutores que sejam flexveis s eventuais generalizaes e
homogeneizaes necessrias para que se leve a cabo outras questes que esto
em foco nesse trabalho. Desse modo, inmeros casos particulares e singulares de
narrativas na, e para a, educao podero ficar apagados sem que isso signifique,
de minha parte, qualquer sinal de desprestgio, seno que uma opo, neste
momento, de analisar e elaborar as construes argumentativas que me
parecerem atender melhor s problematizaes que apresento nesse texto.
Quanto definio de um objeto de estudo relacionado arte na escola,
observo que esta tem sido tratada como ente genrico, tanto em sua verticalidade,
quanto em sua horizontalidade. Horizontalmente, parece-me haver um
entendimento da arte que a toma uniformemente como uma gama de linguagens
estticas artes visuais, msica, dana, teatro cujas diferenas estruturais,
lexicais e semnticas, embora consideradas, so alocadas sob a gide de uma
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mesma e nica disciplina. Verticalmente, noto que a arte tratada como um
mesmo objeto ontolgico, seja para as crianas de nvel maternal, seja para
alunos do ensino mdio, sugerindo-se mais experimentao para as crianas
menores e uma crescente complexidade de reflexo terica para os mais velhos.
Este argumento vem sendo legitimado no discurso pedaggico desde Comnio,
para quem o ensino deve partir das coisas mais fceis para as mais difceis
(1996, p. 229). notrio que esse pressuposto implica aceitarmos a naturalizao
do objeto de conhecimento, tornando-o universalmente vlido, delimitado e
inquestionvel (no apenas em sua dimenso ontognica, mas epistemolgica) e
que a nica diferenciao cabvel no se pauta em sua qualidade, mas em sua
quantidade: mais fcil aquele conhecimento que pode ser menos refletido no
nvel de uma razo abstrata, ou seja, maisprtico, e mais difcil o conhecimentode maior profundidade e reflexo abstrata. Convido meus interlocutores a
pensarem a seguinte tese: e se o entendimento de arte cabvel a uma criana de
oito anos no for o mesmo daquele que serve ao jovem de quinze? Ser que o
significado de arte em minha infncia corresponde ao significado que lhe atribuo
hoje? O objeto arte , de fato, objetivo e dado?
Alm disso, seria vlido salientar o iderio da formao polivalente do
professor que, apesar das reformulaes legislativas que extinguiram a
licenciatura curta e plena (LDB 9394/96, artigo 62), mantm, nas prticas
escolares, em relao ao ensino da arte, o pressuposto de que o aluno seja
iniciado em diferentes linguagens artsticas, sob a orientao de uma mesma
disciplina, arte, que arregimenta uma diversidade de linguagens estticas e, no
caso das sries iniciais, articuladas pelo professor pedagogo. Essa prtica tem
sido justificada atravs de um argumento de qualidade, porm traslada para uma
formao pautada na diferenciao de quantidades. No nvel de trabalho proposto
para crianas do fundamental I, tem-se argumentado que no necessrio um
conhecimento profundo das linguagens, pois a proposta das escolas , apenas,
iniciar os alunos atravs da experimentao das linguagens, dos materiais e de
uma introduo genrica s artes. Portanto, esse argumento pretende se fundar
como argumento de qualidade ao sugerir que a qualificao da arte nos anos
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iniciais de carter geral, podendo um mesmo professor assumir o ensinamento
de qualquer uma das linguagens; entretanto na prtica de formao do professor
isso se traduz em uma menor quantidade de informao e de formao em cada
uma dessas linguagens pois, estabelece-se, por inrcia, o pressuposto de que a
pedagogizao de um conhecimento geral implica na possibilidade de uma
formao tambm genrica, entendida como formao menos aprofundada. Ora,
uma formao superficial refere-se a uma questo de quantidade (menos
formao em cada uma das linguagens) e no de qualidade (formao que
diferencia tipos de saberes sobre essas linguagens). Ou seja, o argumento de
qualidade, usado para legitimar a generalizao do conhecimento dos anos
iniciais, pretende sugerir que a diferena entre o ensino de arte nos diferentes
nveis da educao escolar seja da ordem da qualidade de informao a ser
trabalhada e da qualidade de abstrao que se empreende na reflexo;
entretanto a qualidade de informao a ser trabalhada e a qualidade de
abstrao se resumem reduo da "quantidade" de aprofundamento dos
conhecimentos e a formao do professor se d em termos de "quantidade"
diferenciada de formao em cada uma das linguagens.
Historicamente e especificamente no caso da formao do professor de arte
e no mais, apenas, do pedagogo -, o modelo de licenciatura curta, com dois
anos, e o de licenciatura plena, com quatro anos, podendo ser cumprida em trs,
foi colocado no pas logo na instaurao dos primeiros cursos de licenciatura em
arte, em 1973, em meio ao regime militar, quando muitas polticas pblicas
educacionais enalteciam uma pedagogia com nfase tecnicista e um modelo de
formao fundamentado na teoria do capital humano, traduzida pela frmula
simples de melhor formao com o menor investimento possvel. Esta concepo
tambm acha-se fundada em um lugar da quantidade, reforando que a questo
posta no se refere qualidade de formao do professor e do objeto de estudo
apresentado ao aluno, mas s quantidades de investigao e aprofundamento que
se estabelecem na relao ensino-aprendizagem de um mesmo objeto j
delimitado epistemologicamente que podem ser otimizadas por tcnicas
predeterminadas que sejam consideradas eficientes.
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Proponho, a partir da, pensarmos duas possibilidades: a primeira refere-se
sobre refletir a qualidade de conhecimento que devemos ter sobre uma matria
para pensar sua didatizao; a segunda diz respeito possibilidade de
diferenciarmos a qualidade da arte nos diferentes nveis de desenvolvimento do
sujeito. Nessa problematizao, as perguntas seriam: que domnios de
conhecimento devemos ter em arte para que possamos dar acesso desse
conhecimento aos alunos? A funo e o significado da arte so os mesmos para
diferentes sujeitos, de diferentes idades?
Postas essas primeiras questes, gostaria de colocar que nesse trabalho
aprofundo-me nas manifestaes estticas voltadas para a visualidade e
plasticidade, minhas reas de formao especfica.
A ARGUMENTAO COMO MTODO E COMO RESULTADO.
caracterstica das questes que trago a impossibilidade de respond-las de
modo inconteste. Uma boa maneira de abord-las poderia ser buscando as
respostas mais razoveis para cada contexto educacional concreto. Portanto as
respostas seriam provisrias e negociadas caso a caso, caracterstica que
inerente Teoria da Argumentao, no propondo respostas prescritivas para as
questes que analisa. Deste modo, trabalhar com essa teoria permite, a uma s
vez, proceder ao objetivo de investigao da pesquisa e apresentar-se a si mesma
como metodologia possvel para a negociao dos debates e valores que cabem
em cada realidade escolar, ao invs de pretender uma normatizao dos valores
que deveriam nortear um currculo de arte.
Do ponto de vista metodolgico, recorri reviso bibliogrfica de obras
literrias que versam sobre o ensino de arte e das polticas educacionais no Brasil,
desde incio do sculo XX, quando se inicia no pas um amplo debate sobre a
democratizao e massificao do ensino, e a textos legislativos que referem-se a
essas polticas.
A reviso bibliogrfica, na perspectiva da teoria da Argumentao, nos serve
compreenso dos acordos que esto estipulados para a disciplina para, ento,
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averiguarmos a pertinncia de sua contestao, propondo novas teses que
problematizem o modelo institudo.
As categorias para anlise dos acordos foram determinadas a partir do
material estudado, considerando-se os tipos de argumentos presentes nas
estruturas narrativas estudadas, uma vez que a Teoria da Argumentao no
prope categorias a priori, mas estuda a estrutura dos argumentos conforme
esses se apresentem e se articulem no discurso.
ALGUNS ACORDOS PRVIOS E TESES O ENSINO DE ARTE NO BRASIL.
A investigao histrico-bibliogrfica sobre os argumentos empreendidos a
respeito do ensino de arte no Brasil, desde a Bela poca, sugerem alguns acordos
prvios que fundamentam essa disciplina e que apresentarei como premissas paraproblematizaes nesse texto.
A Bela poca confirma e estabelece princpios educacionais cuja
complexidade no pode ser resumida em frmulas lineares. Embora observemos
discursos de vis liberalizante nas polticas educacionais do perodo, fixados,
tardiamente, na forma oficializada da Lei 4024/61 (BRASIL, 2007), isso no traduz,
em termos de argumentao, um preconceito contra a arte como possvel
observar nos textos de alguns estudiosos da histria do ensino da arte no Brasil.
Aqui, saliento a proposio da professora Ana Mae Barbosa, em seu livro
Arte-educao no Brasil (2005), na qual sugere que a afirmao do desenho nos
programas de ensino de arte das escolas brasileiras, cujas primeiras legitimaes
datam desse perodo, apontavam para um preconceito contra a arte. Em termos
de tese, o que parece haver nessa insero a escolha por uma escola cujo
objetivo final , como j foi apontado por Foucault, o de fabricar indivduos teis
(1987, p. 174). Ter-se-ia optado, no momento, por um argumento pragmticoii, j
que o desenho foi entendido como conhecimento de arte - em uma perspectiva
clssica, pela etimologia da palavra latina artis, equivalente do termo grego tkne
(produzir algo com boa tcnica)- e servindo formao de mo de obra para a
indstria. Por outro lado, ao defender a tese do estudo de desenho, devemos
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supor que a sociedade, em parte, sustentava, implicitamente, outras teses, sem o
que, no teria havido embate.
A tese, ou lugar (topoi), j estabelecida no Brasil, por tradio, para o ensino
da arte, fundamentava-se na Escola de Belas Artes, cujo modelo era o da
apropriao das tcnicas e representaes clssicas das artes plsticas, a partir
do modelo das academias europeias que visavam o desenvolvimentos das
chamadas belas artes mas, tambm, a formao para o trabalho na indstria,
atravs da fundao dos Liceus de Artes e Ofcios.
Neste entendimento, proponho problematizarmos duas questes: a primeira
a presena da conservao que a argumentao pragmtica nesse caso -
fundada na filosofia clssica - traz, apesar de seu aparente discurso aliado
modernidade da indstria. Formar para a indstria um valor que assegura amanuteno social e, na sociedade democrtica capitalista, essa manuteno visa
a conservao econmica, a diviso do trabalho e de classes; da seu
conservadorismo. Nesse vis, trazer para a escola a arte modernista, com seus
princpios de perverso e negao da ordem, resultado de um tipo de criatividade
inquiridora do regime social estabelecido, seria menos vantajoso para a educao
das massas do que apoiar o ensino do desenho que as capacitaria para a recm
industrializao e manteria as novas geraes dentro dos limites conservadores
da esttica racionalista que bem atendia s classes aristocrticas.
A segunda, o recurso dissociao de noes para tratar as questes
relacionadas escola, estabelecendo a diferenciao da noo de educao que
oferece argumentos que justificam um ensino para as massas. No h como
pensar a noo educao para as massas, sem que esteja subentendida outra
noo de educao e no caso parece-me que seria a de educao para a elite
pois, se assim no fosse, no haveria sentido argumentativo em dissociar a
categoria primeira, educao. No incio do sculo XX, ao discutir-se a
democratizao do ensino e ao falar-se em educao para as massas, legitimou-
se, tambm, na linguagem, a realizao de, ao menos, uma dupla educao,
provavelmente fundadas, cada qual, em diferentes objetivos e valores.
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Como em outros campos scio-polticos e institucionais, o perodo
proporcionou uma negociao entre essa necessidade de conservao de
algumas noes e o recurso de dissociao destas mesmas noes, envolvendo
os setores mais conservadores e aristocrticos da sociedade e absorvendo,
simultaneamente, seus representantes mais liberais. Nesse embate podemos
perceber que no campo do conhecimento da arte as formas foram, em muito,
estabelecidas, por familiaridade e tradio, pela aristocracia, uma vez que, mesmo
em se firmando a defesa do ensino de desenho, esse desenho entendido,
classicamente, como estudo de arte, servindo aos estudantes das camadas
populares, e, tambm, a uma elite.
A defesa do desenho, que articula tanto teses da aristocracia, quanto da
burguesia brasileira, resultaria no fortalecimento de ao menos dois discursoslegitimadores para o currculo de arte nas escolas, recorrendo, mais uma vez
dissociao de noes: um deles valorizaria a pureza esttica com aulas de
desenho artstico, cujo conhecimento serviria distino social pelo acesso
erudio; outro, pautado no fortalecimento dos conhecimentos de desenho
tcnico, servindo formao de mo de obra, sobretudo para a indstria txtil.
Noto que os argumentos pautados na tradio seja a arte a partir da
referncia do belo representado pelos cnones clssicos, ou seja como tcnica de
manufatura obtiveram vitria sobre as teses daqueles sujeitos que
argumentavam ora a favor da criatividade, ora a favor de uma linguagem esttica
que valorizasse a crtica social, na perspectiva escolanovista. As teses
tradicionais, por sua vez, pautaram-se em lugares da essncia.
Em Argumentao e Retrica lugares (topi) so os recursos normalmente
usados e aceitos em uma estrutura argumentativa por serem de uso comum e
(re)conhecido. Perelman e Olbrechts-Tyteca chamaro de lugares as premissas
de ordem geral que permitem fundar valores e hierarquias (2002, P. 95). Ou seja,
os lugares so discursos prvios sobre valores e hierarquias geralmente aceitos e
que servem de premissa para estabelecer acordos entre auditrio e orador. Os
valores aqui discutidos remetem aos lugares da essncia pois, ao admitir-se uma
essncia possvel a determinado ser ou objeto, admite-se o modelo que melhor
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encarna essa essncia e que deve ser seguido. Considerando o desenho proposto
na poca como aquele que encarna o modelo racional prescrito por regras
fossem as regras do desenho naturalista de observao, fossem as regras da
geometria possvel identificar o entendimento da arte a partir da aceitao de
algo prescrito que encarna sua essncia.
Como a essncia implica a aceitao de estruturas e normas que a definam,
o uso do lugar da essncia tende a ser aceito como o normal, j que normatiza o
objeto pelo estabelecimento de suas regras. Por este vis, seria normal que o
ensino da arte para as elites se preocupasse com a execuo tcnica primorosa
da forma, partindo dos cnones clssicos, para chegar representao do belo,
sendo o exerccio do desenho artstico o meio necessrio para esse domnio,
como j teria sido apontado no Renascimento; e seria normal o bom domnio dodesenho tcnico, para o ensino das massas, como meio necessrio para o
aproveitamento dos conhecimentos artsticos pelo mercado industrial.
Assim, apesar do movimento e dos debates culturais, artsticos e
educacionais, que marcaram o incio do sculo XX, na Bela poca fomos,
tradicional e classicamente, legitimando, na educao, a ideia da beleza e da
habilidade tcnica como elementos essenciais arte, portanto ao seu ensino.
A argumentao em prol de um entendimento da arte como coisa no
essencial, que se faz entre o sujeito do artista e o sujeito espectador e recriador,
ligada ao excepcional, original e nico, sustentou-se em debates outros, que se
deram fora do espao oficial da educao, principalmente nas Escolinhas de Arte
do Brasil. Inaugurou-se, no pas, um novo formato para a educao em arte fora
da rede oficial de ensino, reunindo professores em torno de uma iniciativa
diferenciada que surge em 1948, a fundao, no Rio de Janeiro, da Escolinha de
Arte do Brasil (EAB) pelo artista plstico pernambucano Augusto Rodrigues,
fundamentada no pragmatismo de Dewey (BARBOSA, 1982) e no
desenvolvimento da sensibilidade esttica proposto por Read (2001).
Teses comuns no perodo iro defender que a experimentao em arte,
atravs da livre-expresso, permitir criana o desenvolvimento de seu potencial
criativo e, por consequncia, de sua sensibilidade esttica e perceptiva. Alm
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disso, o sujeito criativo e sensvel estar mais apto, intelectualmente, para lidar
com outras formas de conhecimento, para estabelecer conexes entre diferentes
reas e conceitos e, psicologicamente, mais humanizado e socivel.
A ao das Escolinhas nos d uma medida de como o processo de
pedagogizao da arte no Brasil, na origem da formao da disciplina, em funo
de diferentes espaos de docncia e de formao dos professores, alavancou
propostas polticas e pedaggicas distintas. Essa multiplicidade de valores,
conceitos e prticas pode ser notada ao longo do crescimento da rea. At
meados do sculo XX podemos identificar, entre educadores e pensadores
liberais, aqueles que veem no ensino da arte a possibilidade de uma
instrumentalizao para o trabalho, valorizando o desenho e, sobretudo, o
desenho tcnico ou ligado s artes grficas, de estamparia, etc; e aqueles que,influenciados por Dewey, acreditam que a educao emancipadora para o
trabalho e para a insero social do sujeito deva garantir ao aluno autonomia e
desenvolvimento de sua criatividade, favorecendo um modelo de educao em
arte que o prprio proposto pelas Escolinhas de Arte. Outros, de vis
conservador, sustentam o iderio aristocrtico onde a arte subsidia o refinamento
do sujeito, devendo garantir-lhe acesso cultura clssica, no sentido de
preservao de um patrimnio e legado cultural da humanidade e, nessa forma,
estende-se ao ensino das artes manuais e prendas domsticas (bordado, costura,
etc.).
O perodo de Regime Militar com o ideal desenvolvimentista e tecnicista para
a educao, de modo geral, traz efeitos precisos para as prticas do ensino de
arte, uma vez que, como aponta Lobo Neto (2003, p. 551), a formao de uma
identidade nacionalista ao lado da disciplina de Educao Moral e Cvica, deve ser
preocupao geral da escola merecendo o cuidado dos professores em geral e,especialmente daqueles cujas reas de ensino tenham com ela conexo como:Religio, Filosofia, Portugus e Literatura, Geografia, Msica, Educao Fsica eDesportos, Artes Plsticas, Artes Industriais, Teatro Escolar, Recreao eJornalismo.
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De um lado, a arte foi colocada mecanicamente como meio para o
fortalecimento e o enriquecimento de outros valores determinados, sobretudo, pela
Educao Moral e Cvica, gerando um empobrecimento dos conceitos que
fundamentam seu ensino e reduzindo suas metodologias possveis a uma
sequncia de exerccios prticos mal articulados entre si e sem um fundamento
que os justificassem a partir de uma epistemologia voltada para seu prprio objeto.
De outro lado, professores resistentes s proposies do regime conduziam suas
prticas pautados no modelo das Escolinhas de Arte.
Com final do perodo militar o ensino da arte ser alimentado pela
perspectiva de educadores que questionam tanto o espontanesmo e a falta de
diretividade resultante dos colegas que fizeram resistncia ao militarismo, quanto
a forte diretividade proposta pelas atividades e exerccios modelares quecaracterizaram as prticas alianadas com a Educao Moral e Cvica.
Na Universidade de So Paulo, Ana Mae Barbosa conduziu estudos a partir
de pesquisas que vinham sendo realizadas nos Estados Unidos e na Inglaterra no
campo da educao em arte, e que propunham uma redefinio dos fundamentos
da disciplina, a partir da compreenso ps-moderna de cultura como construo
narrativa e da produo de imagens como forma de linguagem, e de sua
metodologia, sob o vis da perspectiva cognitivista. A autora prope um modelo
de metodologia que insira o ensino da arte em um conceito amplo de cultura,
resultando em trs momentos pedaggicos: apreciao da arte (fruio),
conhecimento de sua histria (contextualizao) e seu fazer (criao). A
metodologia triangular, como ficou batizada, parte da aceitao da arte como valor
cultural e como herana que tanto deve preservar e conservar (apreciao e
histria), quanto dar continuidade ao processo de construo contnua que a
cultura (fazer).
Esta proposta aponta para a evoluo do debate em torno do significado da
arte contempornea, da cultura que se segue ao modernismo do incio do sculo
XX, da globalizao, da insero do conceito de imagem e de linguagem para a
compreenso da arte e modificam os objetivos da disciplina em seu uso
pedaggico. Deste ponto de vista, podemos observar sua afinao com a
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scio-culturais, proporcionando sua problematizao com vistas a uma
aprendizagem mais significativa.
Tende-se, por efeito da inrcia, a naturalizar aquilo que foi escolha e seleo,
e que poderia ser discutido. Existe o risco de tomarmos nossos prprios modelos
pelo estatuto de fatos, que implica arriscarmo-nos a paralisar avanos. Portanto,
podemos questionar a validade do modelo curricular com o qual vimos
trabalhando e redimension-lo de modo a compreend-lo no espao que lhe cabe
na contemporaneidade. Esse movimento requer uma discusso de
fundamentao filosfica que abale o status essencial que determina nosso
entendimento sobre o objeto arte e que permita-nos resignific-lo em sua
polissemia. A anlise do percurso da discusso pedaggica em torno da arte nos
d indcios de que sua discusso manteve-se demasiado circunscrita aosaspectos metodolgicos de sua didatizao, entendendo seu objeto a partir de
algo j definido, ainda que essa definio no tenha sido homognea entre os
diversos grupos que a debateram. Caberia, portanto, iniciarmos novo debate e,
qui, a dissociao da noo de arte, investigando suas possibilidades
ontolgicas e epistemolgicas, diversas, dentro da sociedade contempornea?
i Na teoria da argumentao, de Perelman e Olbrechts-Tyteca, orador aquele que apresenta, a partir das noes comunsque esto estabelecidas para o assunto em debate, novas teses apreciao do auditrio que seu interlocutor.ii O argumento pragmtico aquele que visa a utilidade da matria em pauta, aprecia o ato ou acontecimento mediantesuas consequncias favorveis ou desfavorveis.
___________________BIBLIOGRAFIABARBOSA, Ana Mae. Recorte e Colagem: influncia de John Dewey no ensino daarte no Brasil. So Paulo: Autores Associados & Cortez, 1982.BARBOSA, Ana Mae. Arte-Educao no Brasil. So Paulo: Perspectiva, 2005.BRASIL. Lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes ebases da educao nacional. Casa Civil, Subchefia para assuntos jurdicos.
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____________________MINICURRCULOProfessora de Prtica de Ensino das Artes Visuais da UFRJ. Licenciada em ArtesPlsticas pela Faculdade Santa Marcelina. Mestre em Educao, Arte e Histriada Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Doutora em Educao pelaFaculdade de Educao da UFRJ. Tem experincia na rea do ensino de arte,com nfase nas Artes Visuais. Pesquisa no campo do currculo, sob o visfilosfico da Teoria da Argumentao, de Perelman e Olbrechts-Tytreca.