meninosderua
2
naquele dia
ele acordou suando
com medo
no meio da noite
sonhou que estava
passando na frente
de um mundo de gente
muitas viaturas
muita polícia
muitos colegas seus
perguntou o que era
se já estava
resolvido
responderam
que sim
3
no meio das pessoas
alguém dizia
que tinha sido
um assalto
de mais um
ou melhor
menos um
destes pivetes de rua
4
então ele viu
o menino deitado
no rosto
um pedaço
de pano sujo
sujo de sangue
um tiro acertou
bem na cabeça
uns sete ou oito
ou dez anos
o pano não cobria
o corpo todo
ele viu
que a camisa
que o pivete usava
era a mesma
que de noite
seu filho estava usando
pra dormir
5
ele viu
a camisa do pivete
deitado morto
sem ver o rosto
acordou assim
suando
com medo
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levantou da cama devagar
para não acordar a mulher
foi ver o filho
o outro também
e a filha
todos dormindo
voltou pra cama
ainda acordado
lembrou que
o filho dele perguntava
se de noite
o tigre da camisa
também dormia
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moravam na entrada da favela
o Juca
já morava ali
antes de ser favela
quando era só
fim de mundo
final do bairro
desde criança
brincava
com os outros meninos
filhos dos ricos
como ele dizia
jogavam bola
na frente da casa dele
que era um fim de rua
e não tinha asfalto
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era o campo
não passava nem ônibus
que na época
chamava lotação
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ficou assim
acordado
o resto da noite
lembrando de quando
era criança
muita gente
chamava ele de pivete
porque vivia sujo
de brincar na terra
mas ele nem ligava
sua mãe
era lavadeira
e das boas
então ele tinha
até coisas
que os filhos dos ricos
seus amigos
não tinham
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seu pai nunca apareceu
mas o Juca
não reclamava
o irmão
bem maior
era da polícia
e não deixava
ninguém bater nele
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quando amanheceu
ele não sabia
o que fazer
com aquele sonho
pesadelo
nem com o que tinha
lembrado da infância
não entendia
onde foi que uns meninos
viraram pivetes
e outros
continuaram meninos
crianças
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mesmo sem saber
ele acordou
o tigre da camisa do filho
o filho
o outro filho
e a filha
tomou café com a família
colocou o uniforme
e saiu de casa
pra trabalhar
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contou o sonho
pro seu companheiro de trabalho
o cabo Oliveira
nome de polícia
que era boa pessoa
ficou também impressionado
até aconselhou o sargento Da Silva
o Juca
a procurar vidente
que sabe de sonho
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mas ele não queria saber
de quem sabia de sonho
ele queria saber
era a diferença
entre menino e pivete
de porque
quando ele era criança
todo mundo era menino
e mesmo quando
chamavam ele de pivete
era só quando não conheciam
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pronto
foi falando isto
para o Oliveira ou Chico
que ele entendeu
que a gente
só chama de pivete
quem a gente
não conhece
então ele pensou e viu
que para os pivetes
virarem meninos de novo
eles tinham que ser
conhecidos
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e o Oliveira
entendeu também
lembrou dele menino
morando no interior
brincando
com todo mundo
lá não tinha pivete
mas quando ele veio
morar na cidade
foi pra favela
todo mundo
falava pra ele
não se misturar
com os pivetes
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mas um dia
ele estava andando na rua
e viu um bando de pivetes
e já ia correr de medo
mas aí ele viu
que no meio deles
tinha um colega
da escola
que na hora do recreio
dividiu com ele
um pão com molho
e lá na escola
este menino
não era pivete
era colega
era menino
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o Oliveira só achou difícil
foi como fazer pra conhecer
tanto menino de rua
o Juca
sargento Da Silva
que não era de desanimar
resolveu então conhecer os meninos
da região que eles trabalhavam
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depois de uma semana
só procurando
contando quantos eram
o Juca pensou
que se só ali naquele bairro
tinha tanto menino
imagina na cidade toda
20
mas foi aí que o Oliveira
descobriu que não
ele fazia uns serviços de segurança
uns bicos
em outros bairros da cidade
e começou a ver uns meninos
que eles já tinham visto
então aquele tanto de menino
na verdade eram poucos
eles só não ficavam no mesmo lugar
ficavam é andando pelas ruas da cidade
eles começaram a fazer
outra coisa com os meninos
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mais do que só contar
começaram a conversar com eles
começaram a fazer perguntas
a conhecer
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perguntavam tudo pra eles
mas os meninos tinham muito medo deles
porque eles eram da polícia
E não respondiam nada direito
inventava muitas mentiras
choravam muito
mas o mais estranho
é que a única coisa
que eles sempre falavam
era que não queriam voltar pra casa
isto quando tinham casa
ou pros orfanatos ou creches
eles preferiam ficar ali na rua
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o sargento Da Silva
o menino Juca
lembrou de novo da infância dele
da rua dele
que era o melhor lugar do mundo pra ele
só ia em casa pra comer
dormir
que da escola
mesmo gostando um pouco de estudar
porque seu irmão falava que era bom
a coisa que ele gostava mesmo
era de voltar pra casa
tirar o uniforme
e ir pra rua encontrar os amigos
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lembrou também que um dia
eles fizeram uma cabana de papelão
assaram salsicha na fogueira
e quase a turma toda dormiu lá fora de casa
na rua
feito pivete
e aquele dia foi o melhor dia da vida
de muito menino ali
por muito tempo
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o Juca entendeu tudo de novo
que a rua é mesmo uma delícia
que de tanto gostar da rua
ele resolveu ser polícia
mesmo o irmão não sendo mais
e falando pro Juca estudar
ser advogado
o Juca resolveu ser o sargento Da Silva
porque a rua era o melhor lugar
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na rua
ele conhecia as pessoas
encontrava os amigos
não quis nem saber de ser promovido
quando era soldado
e ir trabalhar em delegacia
porque gostava mesmo
é de ficar na rua
até hoje quando chegava em casa
ele ainda fazia igual
tirava o uniforme
corria com a família toda
pra porta de casa
sexta feira ele fazia galinhada
vinha muito vizinho
tinha pelada dos meninos e tudo
Ficavam até tarde da noite
na rua
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foi assim
que o sargento Da Silva
parou de querer tira r os meninos da rua
e começou a conhecer cada um
a cumprimentar
a chamar pelo nome cada pivete
agora menino
que ele encontrava
ele viu que só dele e do Oliveira
começarem a fazer isto
a chamar pelo nome
aconteceu uma coisa
três meninos pequenos
um de nove
outro de sete
e um de cinco
foram ficando
por ali naquele bairro
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de vez em quando sumiam uns dias
o Da Silva e o Oliveira
ficavam preocupados
mas aí eles voltavam
foram ficando cada vez mais perto
falando mais
perdendo o medo
porque agora
eles viam no Juca
e no Chico
pessoas
e não apenas
policiais
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o Tavinho
apelido de Gustavo
tinha casa e família
mas saiu de casa com seis anos
porque o homem
que vivia lá com sua mãe
batia muito nele e na mãe dele
e ele não queria mais ver aquilo
saiu de casa
num dia que sua mãe
teve que ser internada no hospital
porque o tal homem bateu muito nela
e ele com medo de ficar ali sozinho
e apanhar muito
foi embora
quando o Tavinho saiu de casa
ele foi com um menino
que ele conhecia
que já morava na rua
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Lalau
era assim que todo mundo
chamava este menino porque ele sabia roubar
coisa da casa dos outros
e das lojas
roubava comida
coisa pra vender
ou que dava pra brincar
ou vender
eles foram pra uma turma de meninos
pivetes
lá nesta turma
havia umas meninas maiores
que alguns chamavam de mãe ou mãezinha
algumas eram mães de verdade
a Fátima era
era mãe do Toco
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ela gostou muito do Tavinho
porque ele se parecia com o irmão dela
que morreu numa vez que a polícia
trocou tiros com uns bandidos da favela
onde ela morava
foi por isto que ela foi morar na rua
sua mãe começou a beber
o pai arrumou outra mulher
foi embora
a Fátima depois disso
começou a pedir esmola na rua
depois começou a roubar
e acabou não voltando mais pra casa
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um dia eles encontraram
o Tavinho encontrou
numa rua escura
que às vezes eles dormiam
um menino chorando de noite
sem roupa
todo machucado
ele não falava nada
nem o nome dele
o Tavinho deu uma camisa pra ele
que ficou muito grande
e mesmo sem mais nenhuma roupa
ele ficou assim
parecia uma camisola
o Tavinho escolheu um nome pra ele
Ederley
porque queria
que ele tivesse nome de gente importante
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mas como era difícil de falar
todo mundo acabou chamando de Lelé
tinha gente que falava
que era lelé da cuca
porque ele não falava direito
era meio doidinho
mas quem falasse isto perto do Tavinho
estava era comprando briga
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assim nascia o Ederley
A Fátima dava de mamar
porque naquela época
ela tinha um neném também
Gabriel
nome de anjo
mas todo mundo chamava de Meleca
porque vivia com o nariz sujo e escorrendo
então ela
junto com o Tavinho e o Toco
criaram o Leley
depois de algum tempo
a Fátima ficou doente
foi pro hospital com o Gabriel
ninguém mais viu os dois
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assim
quando o sargento Da Silva
e o cabo Oliveira
ficaram conhecendo eles
eram o Tavinho
o Leley
e o Toco
que depois eles descobriram
que era Francisco
xará do Chico
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um dia quando o Chico e o Juca
estavam chegando na padaria
onde eles tomavam café
uma média com pão e manteiga
ou às vezes só um pingado
porque não dava tempo
os meninos chamaram
e mostraram a testa do Toco
cortada e fundo
por causa de uma pedrada
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o café com leite
o pão passado na chapa
já estavam prontos
seu Hermes
dono da padaria
ainda gritou pra eles
que eles deviam tomar o café
pra depois levarem
aqueles pivetes pro hospital
ou então que deviam deixar
machucados mesmo
falou já pegando os pratos do balcão
ao ouvir aquilo o Oliveira
quase voltou pra brigar
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mas o Da Silva já foi logo falando
que aqueles meninos não eram pivetes
e que ele podia aumentar o lanche
que na volta todo mundo ia tomar junto
foi assim que seu Hermes
passou a servir café pra cinco
toda manhã
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no pronto-socorro
eles deram ponto
doze pontos
fizeram curativo
no joelho do Tavinho também
que caiu enquanto corriam
das pedradas de uns meninos grandes
que queriam expulsar eles
do sinal onde pediam trocado
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quando o Juca contou toda a historia
desde o sonho até o pronto-socorro
pra mulher dele
que era professora
ela só falou
enquanto colocava o jantar na mesa
que aqueles meninos
tinham é que estar na escola
e não pedindo dinheiro na rua
o Juca entendeu mais uma coisa
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de manhã
depois do pão de sal na padaria
foi com o Oliveira
falar com a diretora do grupo escolar
que eles já conheciam
porque na hora da saída da escola
eles ficavam ali na porta
controlando o trânsito
não deixando menino pequeno
ir embora sozinho
a idéia do sargento Da Silva
era colocar os meninos
estudando na escola de manhã
mas Dona Rosa a diretora
falou que precisava
da assinatura da mãe
e o Da Silva viu que ia ser difícil
não sabia muita coisa dos meninos
mas ia procurar saber
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enquanto isto
ele mesmo assinava todos os papeis
e se responsabilizava por eles
a Dona Rosa
impressionada
falou que aceitava
na segunda-feira
os meninos
para alguns colegas
ainda pivetes
começaram a estudar
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foi muito difícil no primeiro dia
e quando eles saíram da escola
e viram os dois policiais lá fora esperando
foi alívio dos grandes
falavam sem parar
numa mistura de medo de voltar
vergonha de ser pivete
e vontade de chorar
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depois de ouvir tudo
o Oliveira deu um tapa com força
no capô do carro
e disse pra deixar com ele
os meninos e o Da Silva
espantados
não falaram nada
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no dia seguinte
na hora de começar a aula
o Toco ainda com o pão quente
do seu Hermes na mão
o Oliveira entrou
com os três meninos na escola
foi de sala em sala
apresentando cada um pra todo mundo
inclusive para as professoras
que ainda estavam de cara feia
para aqueles pivetes de rua
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ele falava umas historias
da vida dos meninos
que eram legais
coisa que eles viviam na rua
alguns colegas
na hora do recreio
já quiseram saber de mais coisa
quando foram brincar de pega-pega
todo mundo ficou impressionado
porque menino de rua
sabe correr e escapar
até de gente grande
e nem os meninos maiores
conseguiam pegar o Lelé
ou Leley
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não é que um dia
enquanto eles estavam saindo da padaria
para ir pra escola
tocou o radio da viatura
chamando os dois policiais
que iam ter que correr
pra atender um chamado urgente ali perto
e não daria pra levar os meninos na escola
o Tavinho falou que não tinha problema
que eles iam sozinho
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mas antes dele acabar de falar
lá de dentro do balcão da padaria
veio o seu Hermes gritando
e colocando o paletó
pode deixar comigo
que eu levo os meninos
de mão dada com o Toco
pra atravessar a rua
foi andando
segurando debaixo do bigode
um quase sorriso
na hora do almoço
às vezes buscava o Da Silva e o Oliveira
e agora também o seu Hermes
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foi num dia
que o Da Silva foi buscar sozinho
porque o Oliveira teve folga
que a diretora chamou pra conversar
o Tavinho tinha arrumado briga
com um menino
e tinha fugido
os meninos contaram o que houve
ele acreditou e a diretora também
o Tavinho brigou
porque uns meninos começaram a falar
que eles eram sujos e fedidos
isto por que o Tavinho
tinha ganhado deles no futebol
ele bateu forte em um colega
quando viu que o Lelé começou a chorar
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este menino chamou a professora
que brigou com o Tavinho
e até chamou ele de pivete
quando ele falou
que não ia ficar de castigo
se o outro menino
também não ficasse
ele fugiu pulando o muro
porque ninguém ia acreditar nele
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o Da Silva viu então
que o meninos estavam mesmo
meio sujos e rasgados
saiu da sala da Dona Rosa
prometendo dar um jeito em tudo
no outro dia
os três meninos voltaram pro colégio
com umas roupas bem boas
que eles ganharam
de umas clientes do seu Hermes
que já conheciam os meninos
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o Tavinho foi lá e pediu desculpas
pro menino que ele tinha batido
e falou com a professora
que hoje ele ia ficar de castigo
depois da aula se ela quisesse
ninguém esperava isto dele
e na hora do recreio
a tal professora foi falar com ele
pediu desculpas e deu um beijo nele
ele chorou muito
porque já não lembrava mais
de quando tinha sido a ultima vez
que tinha ganhado um beijo
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na saída da escola
viram umas formiguinhas
aquelas moças que varrem as ruas
trocando de roupa
e guardando numas caixas
grandes de ferro com cadeado
o Lelé
que não tinha nada de lelé
falou pro Oliveira
que devia ser muito legal
trocar de roupa
e ter um armário
pra guardar as coisas
de tarde os dois policiais
conversaram com as moças
e combinaram dos meninos
guardarem suas roupas ali
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a cada dia que passava
o Tavinho
o Gustavo
o Lelé
o Ederley
o Toco
o Francisco
ficavam mais conhecidos
ali no bairro
como eles não tinham família nem casa
as pessoas viviam pedindo pra eles
fazerem alguma coisa
coisas que os filhos fazem
lavar carro
passear com o cachorro
carregar compra de mercearia
ajudar a cuidar do jardim
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coisa que o Toco gostava muito de fazer
porque ele falava que sua mãe
a Fátima
gostava sempre de pegar uma flor
nos canteiros da rua
e dar pra ele
em troca desta ajuda
eles ganhavam roupa
comida gostosa
às vezes algum dinheirinho
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no último dia do ano
na festa de final de ano da escola
todo mundo deu os parabéns pros meninos
professora
diretora
e até o Oliveira choraram
a mulher e os filhos do Juca foram
a padaria não funcionou
e teve até bilhete pregado na porta
avisando o motivo
no meio da festa
eles colocaram os meninos
em cima de uma mesa
e o Tadeu
aquele que brigou com o Tavinho
veio trazendo nas mãos
um presente
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deu pro Tavinho
mas foi o Lelé
que rasgou o papel de embrulho
era uma agenda
destas de anotar as coisas
pra se fazer durante o dia
mas era diferente
nela só havia alguns meses
os meses das férias
em quase todos os dias
já estava escrito alguma coisa
o Tavinho que sabia ler melhor
começou a ler
mas não entendeu direito
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em cada dia das férias
estava escrito
na frente dos nomes
de cada um dos meninos
o nome de um colega da escola
a Diretora então explicou pra todo mundo
que aquilo era uma surpresa
que a escola fez para os meninos
durante as férias
eles iriam passar o dia
na casa de um colega
cada aluno tinha pedido pra mãe
e escolhido um dia
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pra brincar
comer
estudar um pouco
fazer dever de casa
junto com os meninos
que agora
com o coração batendo forte
e muito choro
ninguém mais
chamava de pivete
meninosderua
marciogibram [email protected] meninosderua.blogspot.com