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Anais do IV Simpósio Lutas Sociais na América Latina ISSN: 2177-9503

Imperialismo, nacionalismo e militarismo no Século XXI

14 a 17 de setembro de 2010, Londrina, UEL

GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina

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José Alves Dias1

Embora a implantação de um modelo econômico excludente e a execução de uma política restritiva e autoritária seja, realmente, resultado direto da ação de parte das Forças Armadas brasileiras que arquitetaram o golpe e implantaram a ditadura que o sucedeu é preciso situar a ingerência internacional e o nível de participação de civis nesse processo. A absorção de um único prisma resultante do embate pela preservação da memória daquele período pode resultar em interpretações históricas destoante da realidade que produzirão imagens desfocadas para o futuro com grande prejuízo para a sociedade.

Desse modo, pretendemos, a partir de alguns desses autores, demonstrar que a atuação dos governos militares dependeu, em grande parte, do posicionamento de seus aliados civis e de governos de outros países capitalistas. Entretanto, tão necessário quanto evidenciar a interação entre paisanos e fardados durante o período autoritário em apreço é constatar diversidade constitutiva dos militares enquanto agentes da política. De modo semelhante, cabe questionar a homogeneidade dos grupos civis que ocuparam posições no poder naquela conjuntura. Se houve influencia desses sujeitos na recente história política brasileira ela foi determinada por outras variáveis que não escondem seus conflitos e sua diversidade. 2

1 UESB. End. eletrônico: [email protected] 2 Vários autores trataram dos militares, entre eles Martins Filho (1995) pontua as crises políticas durante a ditadura e analisa a dinâmica dos militares em meio a essas crises; Contreiras (1998) traz essa diversidade nos depoimentos dos próprios militares; Oliveira (1980) exemplifica esses conflitos nos

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Alguns estudos realizados nas décadas finais do século XX reiteram os conflitos internos dos setores civis dominantes que se digladiavam pelo poder e a diversidade do pensamento militar brasileiro no tocante à política nacional. Não obstante a valiosa contribuição de estudiosos da elite econômica, intelectual e política do país, pouca atenção se dedicou à atuação diversificada e aos conflitos internos dessas elites que acabaram por determinar que facções ocupariam o poder ao lado dos militares.

Ao longo desse texto pretendemos resgatar algumas das principais análises sobre militares e civis na política ditatorial brasileira e discutir, a partir delas, a participação civil nesse processo. Enfim, mostrar a diversidade de idéias, concepções e posições dos civis que, como parte do corpo social, também revelaram pluralidades. Certamente, esse recuo será importante para a compreensão das investidas imperialistas e neoliberais na atual conjuntura política brasileira.

O modelo moderador proposto por Alfred Stepan para explicar as relações entre civis e militares consiste em estabelecer um padrão de comportamento no qual o envolvimento militar na política tem como objetivos manter a ordem interna, limitar a ação do poder executivo e controlar a mobilização política de grupos emergentes. A legitimidade para o exercício dessas funções é conferida pelas elites políticas em um grau limitado. Umas das principais limitações diz respeito ao gerenciamento de crises, nas quais os militares são chamados a intervir como moderadores, mas, sem o direito de efetuar mudanças no sistema político ou de tentar dirigir o referido sistema. Cabe-lhes uma atitude conservadora de manutenção do sistema até que o chefe do executivo seja deposto e o poder transferido a outros grupos civis alternativos. (STEPAN: 1975, p. 50).

Segundo o mesmo autor, em 1964 houve uma ruptura desse modelo uma vez que os militares não se restringiram a depor o presidente João Goulart, mas assumiram, também, a direção política do país:

“Um aspecto central do poder moderador é que ele mantém as regras gerais do jogo político. Mas, quando estas regras são elas mesmas amplamente questionadas por muitos protagonistas políticos, o papel do poder moderador ou árbitro torna-se menos importante ou praticável. Se, por exemplo, os políticos acreditam que o regime é inoperante, torna-se muito mais difícil resolver a questão de quem deveria receber o poder político depois da deposição do presidente. Abre-se claramente o caminho para os militares assumirem um novo papel político na sociedade: o de dirigente ao invés de moderador do sistema político. Se os próprios

momentos decisivos do governo Geisel. A produção acadêmica sobre os civis, pelo contrário, é bem menor. Exceções foram as obras de Dreifuss (1981), Sarmento (2001) e Cruz (1995), algumas dissertações e teses não publicadas e outras publicações em artigos científicos.

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militares acham que deve ser adotado um novo conjunto de medidas, seu papel pode mudar de mantenedor para transformador do sistema”. (STEPAN: 1975, p. 101)

O autor, ao pensar os civis e os militares entre 1945 e 1964, o conflito entre grupos heterogêneos aparece de uma forma meramente funcional, ou seja, a articulação de objetivos comuns no tocante ao golpe e à ocupação do poder teria formado uma elite militar com a função de derrubar o presidente civil e organizar a sociedade.

Seus argumentos sobre a origem social dos militares, bem como, sobre a atuação dos militares no poder, especialmente quanto à dificuldade de proteger a classe média demonstra um nível de profissionalização incompatível com o comportamento observado em momentos posteriores, como por exemplo, na escolha dos sucessores de Castelo, Costa e Silva, Médici e Geisel.

Do mesmo modo, a divisão dos grupos civis em governo, grupos pró-regime e anti-regime - grupos civis que terminaram por se constituir na elite política responsável por atribuir legitimidade aos militares - é funcional. Tanto o governo como os demais grupos citados buscam o apoio militar e dele se servem. Ainda que com estratégias e objetivos diferenciados todos têm “função” relevante nos cursos de golpes militares como o ocorrido no Brasil.

Criticando o brasilianista, João Roberto Martins Filho, propõe uma revisão da literatura sobre os regimes políticos do tipo brasileiro. Quanto a Stepan refuta a cooptação unilateral dos militares pelos civis e a pretensa legitimidade conferida por estes aos militares. Na essência é uma crítica ao modelo elitista burocrático que subordina mecanicamente as Forças Armadas às elites civis supondo uma atitude passiva dos militares por seu papel meramente burocrático e profissional. Diz ele:

“(...) a ênfase na homogeneidade militar é um dos efeitos mais visíveis do paradigma elitista burocrático (...) o ponto relevante é que a busca de uma elite paradigmática conduziu esses autores a superestimar um conjunto de aspectos que incluíam o projeto, o discurso e a ideologia castrenses, em detrimento de uma série de outros processos vinculados às práticas, aos conflitos e às relações de força efetivas no seio das Forças Armadas”. (MARTINS FILHO: 1996, p. 34 e 35).

Nesse caso, ele sugere repensar a analise sobre a criação e supervalorização do papel da elite militar formada na Escola Superior de Guerra e o desprezo às determinações estruturais do governo ditatorial-militar. A partir daí João Roberto se propõe a analisar a dinâmica das crises políticas durante a ditadura baseada na “heterogeneidade, divisão e fluidez” dos principais grupos militares que assumiram o poder a partir de 1964.

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Ao fazer uma anatomia da crise brasileira no início da década de 60, Wanderley Guilherme dos Santos estabeleceu um modelo explicativo para o golpe militar. Segundo ele, no confronto político a polarização das forças provocou um colapso do sistema configurando-se como uma “crise de paralisia decisória”. Nesse caso, o poder se dispersou entre os atores políticos participantes do processo gerando um equilíbrio na correlação de forças que tornou impossível “produzir decisões sobre as questões mais prementes à época. Provocaram esse fenômeno a radicalização ideológica do parlamento, sua fragilidade organizacional e instabilidade do executivo no que se referiu aos seus ministérios”. (SANTOS: 1986, p. 10)

Aqui, parece insuficientemente explicado porque os militares estiveram impermeáveis à crise de paralisia decisória ou aos seus efeitos no restante da sociedade a ponto de assumirem o poder após a queda de Goulart. A arena política do congresso pode ser restrita para pensar os objetivos a que o autor se propõe uma vez que parecem mais amplos que a capacidade de análise proposta pelo modelo. Permanecem algumas lacunas a respeito da participação das elites e dos partidos na crise brasileira dos anos 60 e décadas seguintes. O resultado da análise poderia ser melhor se houvesse uma preocupação centrada nos interesses ideológicos e/ou regionais ao invés de se fundamentar em cálculos sobre ações pontuais do legislativo e do executivo.

Uma consulta aos relatórios secretos e documentos confidenciais do governo britânico instigou o jornalista Geraldo Cantarino a investigar como a Inglaterra acompanhou e interferiu no curso de golpe de 1964. O autor relata uma preocupação constante da embaixada daquele país com a instabilidade política brasileira e os perigos que isso representava ao capitalismo na América, especialmente, aos Estados Unidos. Um trecho da correspondência entre Leslie Fry, o embaixador britânico no Rio de Janeiro e o governo de seu país declarava que:

“Nós devemos fazer o que for possível para apoiar os Estados Unidos da América numa área do mundo que é muito mais preocupante para eles do que para nós. Infelizmente, no entanto, a antiamericanismo é um vírus que parece ter infectado de tal maneira quase todos os brasileiros, que é fácil concluir que a melhor forma de colaborar com os Estados Unidos seria exercer, separadamente, as nossas próprias políticas no país. Claro que em consulta aos nossos aliados, sempre que for necessário, mas não em colaboração aberta.” (CANTARINO: 1999. p. 39).

Obviamente, essa preocupação implicou em colaboração de organismos anticomunistas do Brasil com as ações simultâneas do governo inglês e do Departamento de Estado americano para cumprir as metas do “Foreign Office” cujo objetivo era interferir positivamente na opinião pública brasileira sobre o capitalismo norte americano.

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Recentemente, Carlos Ficou lançou uma obra que reafirma o apoio dos Estados Unidos ao golpe de 1964. Os contatos, flagrados pelo historiador, entre o general José Pinheiro Cintra e o general Castelo Branco dão conta das intimidades políticas e financeiras entre Washington e o primeiro governo militar brasileiro.

Ainda que não seja novidade a colaboração dos Estados Unidos para o golpe de estado que implantou a ditadura militar no Brasil, a constatação de Carlos Fico, que pesquisou diretamente esse tema nos últimos quatro anos, de acordos para a entrega de armas, munições e combustível às vésperas da grande conspiração e a revelação da instalação secreta de equipamento de detecção de explosões nucleares, sem o conhecimento do governo brasileiro, em base militar operada pelos EUA nos dá a dimensão do caráter da interferência estrangeira em nosso país. (FICO: 2010)

A breve apresentação e discussão das propostas de estudo dos autores acima têm como objetivo resumir suas percepções a respeito da sociedade brasileira no momento de golpe e em seus desdobramentos posteriores a fim de refletir sobre a importância de analisar a participação conjunta de civis e militares na ditadura brasileira. Cabe destacar que, embora se trate de governos autoritários, as relações entre estes e seus aliados civis tiveram, quase sempre, um caráter muito mais interdependente do que subordinado. Mesmo nas fases mais sangrentas da repressão os militares brasileiros sempre reivindicaram uma pretensa democratização do país. Por um lado, isso refletia a influência e a dependência dos Estados Unidos e demais países capitalistas. Por outro, significava uma profunda instabilidade política resultante, não somente das pressões da oposição, como também, das tensas negociações entre os diversos segmentos militares nas sucessões presidenciais.

Esse é um ponto crucial para explicar a relação entre civis e militares brasileiros durante a ditadura. Incapazes de encontrar o ponto exato de inflexão entre o autoritarismo praticado e o liberalismo aspirado o principal suporte dessa autocracia foi a articulação com os grupos políticos civis organizados nos estados da federação. Estes emprestaram seu prestígio político e suas habilidades aos militares em troca de recursos, cargos e outras facilidades. Portanto, a partir dessa percepção, podemos contestar a idéia de elites civis completamente subordinadas aos militares quer por tutela, repressão ou imposição ideológica. Evidentemente, o nível dessa interdependência variou ao longo das duas décadas de acordo com a conjuntura política e com os recursos disponíveis. Contudo, não podem ser caracterizadas, apenas, como subordinadas em um ou outro caso.

Assim, parece proveitoso retomar um dos autores analisados e situá-lo nesse momento da política brasileira. A crítica que João Roberto Martins Filho faz ao paradigma elitista faz sentido na medida em que os militares

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não eram, realmente, uma subespécie das elites de poder sem capacidade de intervenção no jogo político. Tampouco foi um grupo coeso e homogêneo ao qual se pode atribuir características modelares e inflexíveis. Entretanto, esse autor, em sua crítica ao papel da legitimidade civil no processo das intervenções das Forças Armadas foi bastante restritivo porque, ao desconsiderar o modelo moderador de Alfred Stepan e suas hipóteses sobre as relações entre civis e militares, abortou qualquer outra possibilidade de análise que possua essa metodologia, mas não se baseie nos mesmos pressupostos. De resto, a sua hipótese alternativa enfatiza apenas o aspecto “militar” das burocracias militares. Pensar os militares a partir da estrutura em que se organizam, apesar de uma visão plural e heterogênea do processo, não esgota o assunto e nem significa que a contraposição entre civis e militares, ou melhor, ainda, que a interação entre civis e militares na ditadura sejam propostas de análise irrelevantes.

Sem dúvida, a participação de civis, através de partidos políticos organizados e dentro de instituições preservadas dentro do modelo liberal de democracia, foi essencial para a manutenção do status quo durante a ditadura, contudo, essa interação não pode ser apenas quantificada como fez Wanderley Guilherme dos Santos. A análise do discurso e das ações deve ser qualitativa e considerar a posição de cada grupo na sociedade, seu papel naquela conjuntura e o nível de comprometimento com o governo ditatorial.

Diante desse ponto de vista a proposta é pensar em pontos de convergência que possam integrar o imperialismo, os militares e setores da sociedade civil brasileira em torno de um mesmo objetivo. O desafio, todavia, é precisar exatamente onde as divergências internas são remetidas ao segundo plano e aparece o tema geral que unifica personagens tão díspares da política nacional.

As principais divergências entre os militares brasileiros que governaram o Brasil entre 1964 e 1968 referem-se às estratégias de crescimento econômico e de repressão política. Os mais legalistas sempre combinaram a persuasão através da influência e da propaganda com métodos restritivos, tais como, a censura e a proibição de associações. Os “duros”, completamente indiferentes ao estatuto legal, romperam com todas as garantias constitucionais para garantir o funcionamento de um estado burocrático-autoritário.

Entre eles, nacionalistas e imperialistas, divergiam sobre os caminhos do desenvolvimento econômico brasileiro. Os integrantes da ala nacionalista buscam por termo à ingerência dos EUA na economia brasileira, conquanto, aceitem a colaboração militar americana para combater a oposição. Os simpatizantes imperialistas têm a pretensão de copiar o modelo liberal e

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implantar ao lado a iniciativa privada uma economia dinâmica ainda que dependente do capital internacional.

A luta pelo poder local foi o ponto de dissensão predominante entre os civis associados à ditadura brasileira. As divergências políticas e partidárias unificadas na Aliança Renovadora Nacional – ARENA não se diluíram após a reforma política de 1965, ao contrário, tornaram-se mais evidentes. Em vários estados se estabeleceram sublegendas do partido de sustentação aos governos autoritários exigindo, especialmente, nos pleitos eleitorais ainda vigentes um contorcionismo espetacular dos dirigentes políticos do país naquele momento para garantir a unidade partidária.

O anticomunismo foi o principal elo de convergência entre grupos tão dispares. Os interesses civis e militares tornam-se próximos e as divergências internas aparentam, nesse momento, uma importância menor diante do desafio de combater a ameaça comunista. Rodrigo Pato de Sá Motta explica como se desenvolveu e solidificou o pensamento anticomunista no Brasil durante parte do período republicano.

Na obra em tela o autor define como, apesar das divergências, o anticomunismo concorre para unificar a dinâmica autocrática brasileira:

O anticomunismo é, antes que um corpo homogêneo, uma frente reunindo grupos políticos e projetos diversos. O único ponto de união é a recusa ao comunismo, em tudo o mais impera a heterogeneidade. Se esta diversidade muitas vezes passa despercebida, isto se deve ao fato de que, nos momentos de conflito agudo, os diversos tipos de anticomunismo se uniram contra o inimigo comum. A cooperação resultou no esforço de afinar o discurso e ação, o que contribuiu para nuançar as divergências existentes no interior das frentes anticomunistas. Mas a observação atenta é capaz de revelar as diferenças, mesmo durante os períodos de ‘união sagrada’ contra o comunismo. (MOTTA: 2002. p. 15)

As razões anticomunistas eram várias e podiam estar assentadas em análises concretas, falsas impressões ou meras elucubrações. Os políticos conservadores temiam que a articulação dos setores reformistas enveredasse para uma modificação radical dos trabalhadores frente às demandas emergenciais. Pelo mesmo motivo os grandes proprietários de terras, de indústrias e bens de consumo se uniram na cruzada anticomunista. Os militares temiam que a instabilidade política provocasse a quebra da hierarquia e, consequentemente, a hegemonia das Forças Armadas no poder. Os domínios católicos e protestantes que não professavam o credo associado a uma doutrina social argumentavam contra o ateísmo comunista e viam nisso um motivo para combatê-lo. Enfim, os motivos eram tão diversos quanto diversificada era a composição autocrática, contudo,

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estabeleceram em comum acordo um inimigo e uma meta: o comunismo a ser destruído.

Outro elemento de coesão bastante significativo é o desenvolvimento econômico industrializado conjugado com as idéias de urbanização e modernização. Para um país com histórico agrário e subdesenvolvido a inserção completa no modelo capitalista de inspiração norte americana implicava, necessariamente, em romper com esse passado e emergir em uma nova realidade.

Para os militares a urbanização e a industrialização eram ao mesmo tempo elementos constituintes de segurança nacional e de consolidação das Forças Armadas. Enquanto o povoamento garantia a ocupação e o controle territorial mais efetivo e dinâmico que inibisse ações do inimigo subversivo, a industrialização permitiria também o acesso militar às novas tecnologias observadas nas incursões pela Europa e Estados Unidos. Os mesmos temas figuravam na plataforma política dos prefeitos e governadores investidos nesses cargos pela ditadura e ampliavam as possibilidades de lucro dos investidores financeiros, industriários e comerciantes.

Em suma, a coesão em torno do anticomunismo e em favor da industrialização do país foram pilares de sustentação da ditadura apesar de todas as divergências a que estiveram expostas as frações de grupos dominantes, civis ou militares, atuantes política e economicamente naquela conjuntura.

Referências:

CANTARINO, Geraldo. 1964: a revolução pra inglês ver. Rio de Janeiro: Mauad, 1999.

CONTREIRAS, Hélio. Militares: confissões. Histórias secretas do Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1998.

CRUZ, Sebastião C. Velasco. Empresariado e Estado na transição brasileira: um estudo sobre a economia política do autoritarismo (1974 – 1977). Campinas: Unicamp, 1995.

DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. Ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis: Vozes, 1981.

FICO, Carlos. O grande irmão: da operação Brother Sam aos anos de chumbo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

MARTINS FILHO, João Roberto. O palácio e a caserna: a dinâmica militar das crises políticas na ditadura (1961 – 1969). São Paulo, Edufscar, 1995.

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MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho. O anticomunismo no Brasil (1917-1964). São Paulo: Perspectiva/Fapesp, 2002.

OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de. Conflitos militares e decisões políticas sob a presidência do general Geisel. In: ROUQUIÉ, Alain. Os partidos militares no Brasil. Rio de Janeiro, Record, 1980.

SARMENTO, Carlos Eduardo Barbosa. O espelho partido da metrópole. Chagas Freitas e o campo político carioca (1950-1983): Liderança, voto e estruturas clientelistas. Rio de Janeiro, 2001. (Tese de Doutoramento, Universidade Federal do Rio de Janeiro).

SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Sessenta e quatro: anatomia da crise. São Paulo, Vértice, 1986.

STEPAN, Alfred. Os militares na política: as mudanças de padrões na vida brasileira. Rio de Janeiro, Editora Arte Nova, 1975.


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