Universidade Federal de Minas Gerais
Faculdade de Direito
Davi Lucas Bois
Aspectos polêmicos na aplicabilidade da Lei
complementar nº 123/2006 e Decreto nº 6.204/2007 às
licitações e contratos administrativos.
Belo Horizonte
2011
Davi Lucas Bois
Aspectos polêmicos na aplicabilidade da Lei
complementar nº 123/2006 e Decreto nº 6.204/2007 às
licitações e contratos administrativos.
Monografia apresentada ao curso de
graduação da Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais, como
requisito parcial para a obtenção do grau de
bacharel em Direito.
Orientadora: Profa. Dra. Cristiana Fortini
Belo Horizonte
2011
Monografia final de curso intitulada “Aspectos polêmicos na aplicabilidade da
Lei complementar nº 123/2006 e Decreto nº 6.204/2007 às licitações e
contratos administrativos”, defendida em ____/____/2011, frente à banca
examinadora constituída pelos professores abaixo:
_______________________________________________________________
Profa. Dra. Cristiana Maria Fortini Pinto e Silva
(orientadora)
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
Resultado:_______________________________________________________
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1..................................................................................................79
Figura 2...................................................................................................79
Figura 3...................................................................................................80
Figura 4...................................................................................................81
Figura 5...................................................................................................82
Figura 6...................................................................................................83
Figura 7...................................................................................................84
Figura 8...................................................................................................85
Figura 9...................................................................................................86
Figura 10.................................................................................................87
Figura 11.................................................................................................87
SUMÁRIO
1 Introdução ....................................................................................................... 7
2 Visão global do Estatuto das Microempresas e impacto nas licitações ......... 12
2.1 Definição legal a respeito das ME/EPP‟s ................................................ 12
2.2 Âmbito de incidência da Lei complementar nº 123/2006 ........................ 13
2.3 Objetos, Modalidades e Tipos de licitação alcançados pelo regramento
da Lei complementar 123/2006. ................................................................... 16
2.4 Constitucionalidade dos benefícios estabelecidos .................................. 20
3 Benefícios estabelecidos pela Lei Complementar nº 123/2006 nas licitações.
......................................................................................................................... 24
3.1 Regularidade Fiscal tardia (arts 42 e 43) ................................................ 24
3.2 Empate ficto (arts 44 e 45) ...................................................................... 30
3.3 Licitações diferenciadas (arts 47 e 48) ................................................... 38
3.3.1 Os benefícios propriamente ditos (art. 48) ....................................... 47
3.3.1.1 Licitações exclusivas (art. 48, I da LC nº 123/2006 e art. 6º do
Decreto nº 6.204/2007) ...................................................................... 47
3.3.1.2 Obrigatoriedade de subcontratação de ME/EPP (art. 48, II da
LC nº 123/2006 e art. 7º do Decreto nº 6.204/2007).......................... 48
3.3.1.3 Cota exclusiva para participação de ME/EPP (art. 48, III da LC
nº 123/2006 e art. 8º do Decreto nº 6.204/2007) ............................... 50
3.3.1.4 Hipóteses de não-aplicação e considerações gerais sobre as
licitações diferenciadas (§ 1º, art. 48 e art. 49) .................................. 52
4 Outras considerações de ordem prática decorrentes da aplicação dos
benefícios estatuídos pela LC nº 123/2006. ..................................................... 59
4.1 Forma e momento da comprovação da condição de ME/EPP ............... 59
4.2 Termo inicial para usufruir do benefício da regularização fiscal tardia.... 69
4.2.1 Ainda sobre o marco inicial para usufruir do benefício da
regularização fiscal tardia (polemização do entendimento adotado por
Marçal Justen Filho e TCU) ....................................................................... 76
4.3 Histórico de aplicação dos benefícios no Governo Federal .................... 78
4.4 Desvio de finalidade decorrente da utilização indevida dos benefícios .. 88
5 Conclusão ..................................................................................................... 95
6 Referências bibliográficas ............................................................................. 98
7
1 Introdução
A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88), no seu
artigo 37, inciso XXI, dispõe sobre a obrigatoriedade de a Administração
Pública realizar suas alienações ou contratações de obras, serviços e bens em
geral, por meio de licitação, elegendo, portanto, este meio como o mais apto e
adequado ao Administrador para exercer a disposição ou aquisição da res
pública. Além dos princípios explícitos que devem reger a conduta do
administrador, arrolados no art. 37 da Constituição, quais sejam a legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, é notória a existência,
entre os princípios implícitos ou não-expressos, previstos na carta
constitucional, do principio da probidade administrativa que impõe ao
Administrador o dever de cuidar da coisa pública com zelo e responsabilidade,
visando sempre resguardar o interesse coletivo.
O legislador ordinário, a fim de dar concretude ao disposto no art. 22,
inciso XXVII da CRFB/88, que dispõe sobre a obrigatoriedade da União de
editar normas gerais sobre licitações e contratos administrativos, editou a Lei nº
8.666/93 que estabeleceu normas gerais1 2 sobre as licitações e contratos da
Administração Pública. Vale lembrar que a lei vinculou também normas
específicas3, que, em princípio, obrigam apenas a União. Constitui-se, portanto,
tal diploma como principal norteador da Administração na condução dos seus
1 Normas gerais, segundo o escólio de Joel de Menezes Niebuhr, são aquelas normas nacionais “produzidas pelo Estado Federal, que devem se revestir da mesma tonalidade em todas as partes da Federação, desenhando o traçado básico de determinado instituto jurídico por meio da definição de seus princípios, diretrizes, conceitos, modalidades, etc.”. Ainda segundo o autor, em tais casos os entes federativos, inclusive a própria União conquanto devam obediência às normas gerais, deverão produzir, ao lado delas, normas federais, estaduais e municipais, atinentes à estrutura política e jurídica de cada qual, que dá feição própria e especial às normas prescritas em caráter nacional. (NIEBURH, Joel de Menezes. Licitação Pública e Contrato Administrativo. Curitiba:Zênite, 2008. p 40-41) 2 Questionamento que se faz por boa parte da doutrina, também trazido por Nieburh é que “o grande
problema reside em distinguir na sistemática da Lei nº 8.666/93 as normas gerais das normas não gerais. E tudo se agrava porque o conceito de normas gerais não é objetivo; ao contrário, admite forte dose de subjetividade e indeterminação”. (NIEBURH, Joel de Menezes. Obra citada. p. 42) 3Em função da polêmica existente a respeito de quais seriam as normas gerais expostas na Lei nº 8.666/93, que não esclarece no seu art. 1º a questão, por ora está pacificado como regras específicas da União apenas aquelas assim declaradas pelo STF na ADI nº 927-3/RS, cuja emenda se transcreve: “Interpretação conforme dada ao art. 17, I, ‘b’ (doação de bem imóvel) e art. 17, II, ‘b’ (permuta de bem móvel), para esclarecer que a vedação tem aplicação apenas no âmbito da União Federal, apenas. Idêntico entendimento em relação ao art. 17, I, ‘c’ e § 1º do art. 17.”
8
processos de alienações ou contratações de obras, serviços e bens em geral
na atualidade. Ressalta-se que tal estatuto, bem como o principio constitucional
insculpido no art. 37, XXI, da CRFB/88, pautam-se principalmente nos
princípios da isonomia4 e economicidade5.
Também tratando de normas que dizem respeito às licitações, foi
editada a Lei nº 10.520 de 17 de julho de 2002, que instituiu nova modalidade
de licitação denominada pregão, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal
e Municípios. Dispõe também esta lei no seu art. 9º que as normas do Estatuto
das Licitações aplicar-se-ão subsidiariamente a modalidade pregão.
O surgimento do pregão como modalidade licitatória ocorreu com a
edição da Lei nº 9.472/97 (lei de criação da ANATEL), que instituiu nos seus
artigos 54 a 59 a referida modalidade.
Já no âmbito da União, como bem pontuado por Carlos Pinto Coelho
Motta
A modalidade de licitação denominada “pregão” foi oficialmente instituída no âmbito da União Federal pela Medida Provisória 2.026, de 4/5/00, mais tarde renumerada como MP 2.108, em 27 de dezembro do mesmo ano; e mais uma vez alterada para 2.182, em sua reedição nº 16, em junho de 2001.
6
O texto da MP foi reeditado por várias vezes até julho de 2002, quando
foi transformado na Lei nº 10.520/2002 pelo Congresso Nacional.
Tradicionalmente, portanto, tem sido o referido Estatuto das Licitações,
juntamente com a Lei nº 10520/2002, os principais orientadores sobre o tema
na Administração Pública. A Lei Complementar nº 123/2006, sem chamar para
si a disciplina do tema, ao estabelecer regime jurídico diferenciado para
microempresas e empresas de pequeno porte (ME/EPP‟s) no ordenamento
jurídico brasileiro, dispôs em seu capitulo V, denominado “Do acesso aos
mercados”, nos seus artigos 42 a 49, regras específicas sobre a participação
4 Adota-se aqui o termo isonomia na acepção da garantia de uma igualdade formal para todos os
interessados em participar dos certames licitatórios. Até porque entendemos que a igualdade material é um dos fins colimados pela LC nº 123/2006. 5 Aqui expresso como vantajosidade ou busca da melhor proposta: de menor valor, com a maior qualidade possível. 6 MOTTA,Carlos Pinto coelho. Eficácia nas licitações e contratos: estudos e comentários sobre as Leis 8.666/93 e 8.987/95, a nova modalidade do pregão e o pregão eletrônico; impactos da lei de responsabilidade fiscal, legislação, doutrina e jurisprudência.9.ed. rev., atual. e ampl. - Belo Horizonte: Del Rey, 2002.p. 638
9
em licitações de microempresas e empresas de pequeno porte (ME/EPP‟s).
Com isso, visou dar concretude aos arts. 170, IX e 179 da CRFB/88, que
estabelecem como principio da ordem econômica brasileira o tratamento
favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis
brasileiras e que tenham sua sede e administração no País, bem como
dispõem sobre a obrigação de a União, Estados, Distrito Federal e Municípios
dispensarem tratamento jurídico diferenciado a elas.
A citada lei complementar, ao pretender concretizar o tratamento
diferenciado às ME/EPP‟s, estabeleceu regras específicas e/ou norteadoras de
atuação da Administração que fugiram às noções tradicionais do regime de
licitações na Administração Pública, até então pautados principalmente pela
ótica da vantajosidade quanto ao preço contratado, e isonomia no tratamento
dos participantes. Passou a incluir na prática do Estado/Administrador certo
substrato de socialidade nas compras públicas, a fim de que estas se
tornassem em instrumentos de propulsão do desenvolvimento
econômico/social de pequenas empresas no país.
Para isso estabeleceu uma série de tratamentos favorecidos para
ME/EPP‟s nas licitações, com regras específicas que se subdividem em três
grandes categorias: (i) alteração na fase de habilitação, com concessão de
prazos mais elásticos para comprovação da regularidade fiscal (artigos 42 e
43); (ii) alteração no julgamento das propostas, com a criação de empate ficto e
critério de desempate (artigos 44 e 45); (iii) licitações/contratações
diferenciadas, com a possibilidade de a administração efetuar licitações
destinadas exclusivamente a empresas desse segmento, licitações com lotes
reservados ou licitações com subcontratação obrigatória das ME/EPP‟s (artigos
47 a 49)7.
No presente trabalho, ao nos referirmos às microempresas ou empresas
de pequeno porte, usaremos a designação genérica de “pequenas empresas”
ou ME/EPP‟s. Exceto quando disposto de modo diverso, entenda-se aplicável
também as disposições quanto às cooperativas, equiparadas as pequenas
empresas para fins de concessão dos benefícios aqui discutidos, conforme
dispôs a Lei nº 11.488/2007, cujo art. 34 assim dispõe:
7SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Licitações e o novo estatuto da pequena e microempresa:
reflexos práticos da LC nº 123/06.2.ed. atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2009. Pág 24.
10
Art. 34. Aplica-se às sociedades cooperativas que tenham auferido, no ano-calendário anterior, receita bruta até o limite definido no inciso II do caput do art. 3
o da Lei Complementar n
o 123, de 14 de dezembro
de 2006, nela incluídos os atos cooperados e não-cooperados, o disposto nos Capítulos V a X, na Seção IV do Capítulo XI, e no Capítulo XII da referida Lei Complementar.(grifamos)
Como tema central deste trabalho pretende-se perquirir sobre alguns
problemas de ordem prática que podem advir da aplicação dos dispositivos
legais em comento, tendo em vista a atecnia do legislador. Pretende-se ainda
analisar a constitucionalidade do tratamento favorecido dispensado pela Lei.
O estudo do tema é de alta relevância, pois aponta para matéria sensível
no âmbito das compras públicas na atualidade. Pode balizar em grande medida
a atuação de administradores públicos, juristas e até mesmo do empresariado
destinatário das normas em questão.
Apesar de o governo federal já ter editado o Decreto nº 6.204/2007
regulamentando os arts. 42, 43, 44, 45, 47, 48 e 49 da Lei Complementar nº
123/2006, no âmbito da Administração Pública Federal, existem ainda muitas
polêmicas sobre os termos que a lei complementar disciplina, como a forma e o
momento da comprovação da condição de ME/EPP na licitação, termo inicial e
final para comprovação da regularidade fiscal da empresa, comprovação das
hipóteses de não aplicação de benefícios, descrita no art. 49 da LC nº
123/2006, a efetividade de tais tratamentos, após a sua implementação legal, e
o desvio de finalidade decorrente da aplicação indevida do benefício, entre
outras.
Nesse sentido vislumbra-se certa divergência doutrinária sobre a
aplicação dos institutos estabelecidos pela Lei Complementar nº 123/2006,
sendo de grande valor jurídico a sua análise a fim de se estabelecer nortes na
aplicação da norma, sem contudo pretender esgotar o assunto.
Para isso, esta monografia será dividida em três blocos principais,
expressos nos capítulos dois, três e quatro que tratam de assuntos
relacionados na forma que se segue, sendo que este primeiro capítulo se
presta apenas a introduzir os temas a serem abordados:
No capítulo dois será trazida uma visão geral do Estatuto das
microempresas, com o conceito legal das ME/EPP‟s, o âmbito de incidência da
11
norma em questão, discutindo-se quais órgãos estão vinculados a ela, e lhe
devem obediência. Será discutido ainda qual o alcance das normas
estabelecidas no capítulo V da LC nº 123/2006, no tocante às licitações
públicas, quais as modalidades e tipos de licitação são alcançadas pela norma
em questão. Por fim se analisará a receptividade da norma no ordenamento
jurídico brasileiro, abordando especialmente sua compatibilidade com as
diretrizes e parâmetros constitucionais.
No capítulo três serão abordados os benefícios estabelecidos pela lei,
sendo eles a regularidade fiscal tardia, o empate ficto e direito de preferência,
as licitações diferenciadas e as hipóteses de não aplicação de alguns dos
benefícios.
No capítulo quatro serão feitas considerações de ordem prática
decorrentes da aplicação da LC nº 123/2006 às licitações. Para isso, elegeram-
se alguns pontos considerados mais críticos na aplicação da lei, para sobre
eles dissertar, sem pretensão de querer esgotar as polêmicas que perpassam a
aplicação do mencionado diploma. Serão abordados neste capítulo a forma e o
momento de comprovação da condição de ME/EPP por parte dos beneficiários,
o termo inicial e final para regularização fiscal tardia, o histórico de aplicação
dos benefícios no Governo Federal, e os desvios de finalidade decorrentes da
utilização indevida dos benefícios por parte das empresas.
Por fim, no capítulo cinco, concluiremos, ratificando os posicionamentos
exarados ao longo desta monografia, bem como traçando algumas
considerações pessoais sobre o tema.
12
2 Visão global do Estatuto das Microempresas e impacto nas licitações
2.1 Definição legal a respeito das ME/EPP’s
O conceito de ME/EPP no ordenamento jurídico brasileiro é estabelecido
com base em critérios objetivos quanto a receita bruta auferida pela empresa
em cada ano-calendário. Seu regramento se encontra no art. 3º da LC nº
123/2006. Cristiana Fortini8, assim dispõe sobre ele
A microempresa é a "sociedade simples e o empresário a que se refere o art.366 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, devidamente registrado no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas", com receita máxima anual limitada a R$240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais), enquanto a empresa de pequeno porte, usualmente chamada de pequena empresa, diferencia-se da microempresa em face dos valores auferidos, que partem de R$240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e alcançam, no máximo, R$2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais).
Nesse aspecto Jonas Lima observa a diferença da opção brasileira
nesta conceituação, vez que em outros países, tem-se notícia dessa definição
de modos bem diversos. Nos Estados Unidos da América, por exemplo,
embora haja a utilização de critérios conjugados nesta conceituação, para fins
de estatísticas e pesquisas de órgão oficiais, “considera-se pequena empresa
aquela que possua menos de 500 empregados”. Na Alemanha e França
também se estabelece como pequena empresa aquela com menos de 500
empregados. No Japão, com menos de 300, e em outros países com menos de
250, sendo inviável o estabelecimento de uniformidade nessas regras em razão
das realidades distintas de cada país.9
8 FORTINI, Cristiana. Micro e pequenas empresas: as regras de habilitação, empate e desempate na lei complementar nº 123 e no Decreto nº 6.204/07. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 7, n. 79, julho.2008. Disponível em: http://www.editoraforum. com.br/bid/bidConteudoShow.aspx? idConteudo=54234. Acesso em: 9 maio 2010. 9 LIMA, Jonas Sidnei Santiago de Medeiros. Licitações à luz do novo estatuto da microempresa.
Campinas, SP: Servanda Editora, 2008. p. 43, 44.
13
Quanto às cooperativas, como ressalta Luiz Eugenio Scarpino Junior10,
ela “possui regramento próprio (Lei Federal nº 11.488/07), que, em seu art. 34,
concede o mesmo tratamento favorecido das MPEs, a despeito do contido no
inciso VI, §4º do art. 1º da LC nº 123/06”. Completa ainda Diógenes Gasparini11
assentando que “esse diploma legal equiparou as cooperativas às empresas de
pequeno porte para fins licitatórios, modificando, portanto, essa lei
complementar federal”.
2.2 Âmbito de incidência da Lei complementar nº 123/2006
A fim de delimitar com precisão o âmbito de incidência da LC nº
123/2006, e das entidades que estarão submetidas ao seu regime, assim
dispôs o artigo 1º do mencionado diploma:
Art. 1º Esta Lei Complementar estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, especialmente no que se refere:
De uma leitura literal do caput do artigo 1º da LC nº 123/2006, se conclui
que a lei se aplica a todas as pessoas políticas da federação. É o entendimento
defendido por Jair Eduardo Santana e Edgar Guimarães12
, ou seja estariam
submetidos às normas estabelecidas na lei complementar, a União, Estados,
Distrito Federal e Municípios, incluindo todos os poderes constitucionalmente
estabelecidos (Executivo, Legislativo, Judiciário), como também, Tribunais de
Contas, Ministério Público e órgãos e entidades da Administração Direta e
Indireta. Ressalvam, contudo que a aplicação da lei quanto às empresas
públicas e sociedades de economia mista, entidades que fazem parte da
Administração Indireta, deveria ocorrer do modo fixado pelo art. 77, § 2º da LC
10
SCARPINO JUNIOR, Luiz Eugenio. As licitações diferenciadas na Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, princípios da isonomia e economicidade nas contratações públicas. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública — FCGP, Belo Horizonte, ano 8, n. 90, jun. 2009. Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=57772>. Acesso em: 3 julho 2010. 11 GASPARINI, Diogenes. Pregão presencial e microempresa. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública - FCGP, Belo Horizonte, ano 8, n. 86, fev. 2009. Disponível em: <http://www.editora forum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=56730>. Acesso em: 3 julho 2010. 12
SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Obra citada. Pág 40.
14
nº 123/2006, qual seja adotando as providências para adaptação de seus
respectivos atos normativos à legislação complementar, no prazo máximo de 1
(um) ano, a partir da vigência da LC nº 123/2006.
Marçal Justen Filho tem entendimento diverso, defendendo que apenas
em parte as disposições trazidas no capítulo V da LC nº 123/2006 têm
aplicação irrestrita aos órgãos e poderes da União, Estados, Municípios e
Distrito Federal. A esse respeito dispõe que, excetuado o poder executivo, as
licitações diferenciadas dos arts. 47 e 48 não seriam aplicáveis aos demais
Poderes”, asseverando ainda que “existe forte argumento no sentido de que as
licitações diferenciadas dos arts. 47 e 48 não são aplicáveis no âmbito da
Administração indireta”13
. Como razões de seu entendimento o autor expõe
que as normas previstas nos artigos citados possuem natureza extra-
econômica, vez que possuem objetivo dúplice que será não só o de promover a
aplicação de recursos estatais para obtenção de bens e serviços necessários a
satisfação do ente público atendido, mas também de incentivo da atuação das
pequenas empresas. Por este motivo entende que
“é da essência das licitações diferenciadas a obtenção de preços superiores aos que poderiam ser obtidos em licitações comuns. Isso significa, portanto, a transferência de recursos para o segmento de ME e EPP, visando fomentar a sua atividade.”
14
Para o autor, “a função de fomento é reservada exclusivamente ao
estado na sua manifestação direta”15
. Quanto às empresas públicas
prestadoras de serviço público, por exemplo, têm seus serviços remunerados
por taxas e tarifas exigidas dos usuários dos serviços prestados. Adotar
licitações diferenciadas nesse setor constituiria elemento de elevação de
custos dos serviços prestados, transferindo indiretamente riqueza dos usuários
desses serviços para as ME/EPP‟s. Solução que o autor reputa como
inconstitucional.16
A respeito do tema falaremos um pouco mais ao discorrer sobre os
benefícios instituídos nos artigos 47 e 48 pela LC nº 123/2006.
13 JUSTEN FILHO, Marçal. O Estatuto da microempresa e as licitações públicas. 2. ed. ver. e atual., de acordo com a Lei Complementar 123/2006 e o Decreto Federal 6.204/2007. São Paulo: Dialética, 2007, p. 26. 14
JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada, p. 127. 15
JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada, p. 128. 16 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada, p. 128.
15
Ainda a respeito do âmbito de incidência da norma, Santana e
Guimarães trazem preciosa contribuição ao discorrer sobre a pertinência da
aplicação da LC nº 123/2006 às entidades do denominado Sistema “S”17
.
Segundo o entendimento dos autores, tais entidades, caracterizadas
como Serviços Sociais Autônomos, não são integrantes da estrutura
organizacional da Administração Pública Brasileira e, portanto, não se
submetem aos rigores jurídicos da disciplina jurídica das licitações. Em vista
disso, inexistem comandos normativos expressos, que obriguem o Sistema “S”
a respeitar, quando da realização de suas contratações, o regime jurídico
estatuído pelo capítulo V da LC nº 123/200618
.
Concluem dizendo que só haverá o dever de entidades do Sistema “S”
se submeterem as inovações da LC nº 123/2006 se as instituições
componentes, em nível nacional, explicitarem tais diretrizes sob a forma de
Regulamento, tal qual o fez o Conselho Deliberativo Nacional do Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE, em 25 de
fevereiro de 2008.19
Vale lembrar que as entidades que compõe o sistema S estão
desobrigadas de seguir os estritos termos da Lei nº 8.666/93, podendo editar
regulamentos próprios para contratação de bens, serviços e obras. Ditos
regulamentos têm de ser compatíveis com os princípios norteadores da Lei nº
8.666/93. Tal posicionamento foi firmado pelo TCU desde a edição do Acórdão
nº 1.337/2003 – Primeira Câmara, de relatoria do Ministro Humberto
Guimarães Souto.
17
“Serviços Sociais Autônomos são todos aqueles instituídos por lei, com personalidade de Direito Privado, para ministrar assistência ou ensino a certas categorias sociais ou grupos profissionais, sem fins lucrativos, mantidos por dotações orçamentárias ou por contribuições parafiscais. (...) Embora oficializadas pelo Estado, não integram a Administração direta nem a indireta, mas trabalham ao lado do estado, sob seu amparo, cooperando nos setores, atividades e serviços que lhe são atribuídos, por serem considerados de interesse específico de determinados beneficiários” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 346) apud SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Obra citada. p. 40, 41. 18
SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Obra citada. p. 40-42 19 SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Obra citada. p. 42, 43
16
2.3 Objetos, Modalidades e Tipos de licitação alcançados pelo regramento da Lei complementar 123/2006.
O inciso III, do art. 1º da LC nº 123/2006 diz respeito à “preferência nas
aquisições de bens e serviços pelos Poderes Públicos”. Em virtude de tal
disposição, alguns doutrinadores divergem quanto ao alcance das normas
estabelecidas na lei complementar.
Para José Anacleto Abduch Santos20,
O tratamento diferenciado e favorecido previsto na lei complementar, do ângulo das contratações públicas se direciona para as aquisições de bens e serviços. (...) A disposição legal expressa e excludente dos demais objetos passíveis de contratação leva a conclusão de que estão afastadas da incidência do tratamento diferenciado e favorecido a contratação de obras, as alienações e as concessões de serviços públicos.
Outros autores, como Cynthia de Fátima Dardes21 afirmam que a
redação do inciso III, do art. 1º da LC nº 123/2006 , revela-se como uma
impropriedade do legislador, que deveria se referir ao termo genérico licitações,
envolvendo não apenas a aquisição de bens, mas a contratação de serviços,
obras de engenharia, alienações e locações.
Ivan Barbosa Rigolin22 também tece severas críticas à redação do
Estatuto das Microempresas. Ao comentar outro ponto da lei, diz inclusive da
dificuldade de se “contar todos os erros que o legislador consegue cometer
num inciso de três linhas”. Fernanda Babini23 também ressalta a técnica
legislativa imperfeita na elaboração da lei. Apesar das considerações, tais
20 SANTOS, José Anacleto abduch. As licitações e o Estatuto da Microempresa. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 14, junho/julho/agosto de 2008. Disponível na internet: http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp. Acesso em 9 maio 2010. 21
DARDES, Cynthia de Fátima. Pregão eletrônico e as microempresas, empresas de pequeno porte e cooperativas. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública FCGP, Belo Horizonte, ano 8, n. 87, mar. 2009. Disponível em: http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?id Conteudo =56957. Acesso em: 9 maio 2010 22
RIGOLIN, Ivan Barbosa. Micro e pequenas empresas em licitação: a LC nº 123, de 14.12.06: comentários aos arts. 42 a 49. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 6, n. 61, jan. 2007 Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudo Show.aspx?idConteudo=39052>. Acesso em: 19 outubro 2010. 23 BABINI, Fernanda. A Lei Complementar nº 123/2006 e suas inconsistências. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 6, n. 70, out. 2007. Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=47850>. Acesso em: 3 julho 2010.
17
autores não adentram a discussão sobre quais os limites exatos para aplicação
da lei. Se sua aplicação incluiria obras, alienações, concessões, entre outros.
Vale lembrar que o Decreto nº 6.204/07 supriu a omissão legislativa no
âmbito da União e dispôs em seu art. 1º:
Art. 1º Nas contratações públicas de bens, serviços e obras, deverá ser concedido tratamento favorecido, diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte. (destacamos)
Nesse sentido, pelo menos no âmbito da União não há mais dúvida
quanto à aplicabilidade da Lei para contratação de obras por parte da
Administração Pública.
Se por um lado entendemos razoável a dúvida que se apôs com relação
a aplicação da lei às contratações de obras de engenharia, por outro, com
relação a alienações, concessões e permissões em geral entendemos
totalmente incompatível, tendo em vista possuírem estas contratações
fundamentos diametralmente opostos aos que se pretende atingir com a LC nº
123/2006.
Quanto às modalidades em que seria aplicável os termos da LC nº
123/2006, temos que, do sistema normativo brasileiro referente a licitações,
depreendem-se seis modalidades de licitação, quais sejam: a concorrência,
tomada de preços, convite, concurso, leilão e pregão.
Dentre as modalidades existentes, a Lei de Licitações reservou a cada
uma delas um conceito específico e as hipóteses de cabimento. Exceção ao
Pregão que foi instituído e disciplinado pela Lei nº 10.520/2002, conforme já
exposto na Introdução deste trabalho.
De uma simples leitura dos artigos 22 e 23 da Lei de Licitações pode se
inferir que as modalidades concorrência24, tomada de preços, convite se
destinam a aquisição de bens, contratação de serviços e obras de engenharia
e da leitura da Lei nº 10.520/2002 se infere que o pregão se presta a
contratação de bens e serviços comuns para atender as necessidades da
Administração Pública. Já a modalidade concurso se dará para escolha de
trabalhos técnicos, científicos ou artísticos mediante entrega de prêmios ou
24
Vale lembrar que a modalidade concorrência também pode servir para alienação de bens imóveis, concessões de direito real de uso, entre outros.
18
remuneração e o leilão ocorrerá quando houver interesse da Administração em
dispor de seus móveis, imóveis ou produtos apreendidos, nas hipóteses
legalmente estabelecidas.
Diante da apertada síntese, é forçoso reconhecer que os termos
disciplinados pela LC nº 123/2006 e regulamentados pelo Decreto 6.204/2007
só se aplicarão às modalidades de concorrência, tomada de preços, convite e
pregão, uma vez que como explicitado nos próprios diplomas, só se
estabelecem tratamentos diferenciados para as licitações que visem à
aquisição de bens, contratação de serviços e obras.
Com esse mesmo entendimento compartilham José Anacleto Abduch
Santos25, bem como Jair Eduardo Santana e Edgar Guimarães26, que assim
dispõem
Desde logo, é preciso assentar que a LC nº 123/2006 estabeleceu critérios de preferência a serem observados por ocasião de licitações que visem aquisição de bens e contratação de serviços. Assim, ao aplicarmos um critério residual ou excludente, é possível, de imediato, sustentar que a lei complementar talvez não produza qualquer impacto em licitações nas modalidades concurso e leilão, tendo em vista suas finalidades e aplicabilidades. Restam assim, integralmente submissas às disposições da LC nº 123/2006, a concorrência, tomada de preços, convite e pregão, exceção feita apenas nas situações em que ditas modalidades contemplem em seus objetos concessões ou permissões de serviços públicos.
Chegando a um entendimento quanto ao objeto e modalidades de
licitação a que são aplicáveis os termos da LC nº 123/2006, só nos falta
perquirir sobre quais tipos comportam a aplicação dos benefícios instituídos
pelo diploma legislativo.
Quanto aos tipos licitatórios existentes, destacamos aqueles elencados
pela própria Lei nº 8.666/93, no seu artigo 45, e aplicáveis ao caso: (i) menor
preço – caso em que será considerada vencedora a proposta que oferecer o
menor preço, desde que atenda a especificação e não tenha preços
inexequíveis; (ii) melhor técnica – será considerada vencedora a proposta que
apresentar a melhor técnica para execução do objeto que a Administração
pretende contratar, observada a questão do preço e (iii) técnica e preço – será
25
SANTOS, José Anacleto abduch. Obra citada. 26
SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Obra citada. p. 44
19
considerada vencedora a proposta que obtenha a melhor média ponderada
entre os dois critérios.
Neste ponto, temos que o disciplinamento estabelecido pela LC nº
123/2006 se coaduna apenas em parte com os tipos de licitação melhor técnica
e técnica e preço.
Os artigos 42 e 43 da lei estabelecem benefícios relativos à regularidade
fiscal do contratado, o que comporia o primeiro bloco de benefícios, segundo a
divisão adotada na Introdução desse trabalho. Ora, esses benefícios, que
sucintamente dizem respeito à concessão de prazos para regularização da
documentação fiscal da empresa podem, sem óbice algum, serem aplicados às
licitações do tipo melhor técnica ou técnica e preço, além, é óbvio, da aplicação
ao tipo menor preço.
Assim ocorrerá porque esse benefício não diz respeito a questões
econômicas, portanto relacionadas à fase de apresentação da proposta, mas
sim a questões de documentação que impactam apenas a fase de habilitação
do processo licitatório. Portanto não faz sentido restringir a concessão do
benefício às licitações do tipo melhor técnica ou técnica e preço, desde que
haja pequenas empresas participando do certame. Ao discorrer sobre o
assunto, Marçal Justen Filho apresenta entendimento no mesmo sentido,
observando que “esse benefício [regularização fiscal tardia] incide nas
licitações de tipo menor preço, melhor técnica e técnica e preço”27.
Já com relação aos demais benefícios consubstanciados nos artigos 44
e 45, vemos como possível a concessão e utilização dos benefícios legais
somente nas licitações do tipo menor preço, vez que esses artigos vão tratar de
benefícios eminentemente econômicos, que têm impacto direto na proposta
apresentada pelos licitantes, não sendo portanto conciliáveis com as com as
licitações do tipo melhor técnica ou técnica e preço.
Também nesse sentido, preleciona Justen Filho observando que
Embora o silêncio legislativo, afigura-se evidente que o benefício é aplicável exclusivamente nas licitações de menor preço. As licitações de técnica (técnica e preço e melhor técnica), em que a identificação da proposta mais vantajosa depende da conjugação de critérios
27
JUSTEN FILHO, Marçal. O Estatuto da microempresa e as licitações públicas. 2. ed. ver. e atual., de acordo com a Lei Complementar 123/2006 e o Decreto Federal 6.204/2007. São Paulo: Dialética, 2007, p. 68.
20
econômicos e técnicos, apresentam sistemática incompatível com as regras simplistas dos artigos 44 e 45 da LC nº 123/06. Esses dispositivos buscam proteger as pequenas empresas por meio do mecanismo de redução do valor da proposta comercial. A aplicação do benefício em uma licitação de técnica e preço demandaria o fornecimento de critérios adequados, que não constam do diploma.
28
Por fim, também nesta toada se firmou o regulamento federal (Decreto nº 6.204/2007), ao estabelecer em seu artigo 5º que os benefícios concedidos nos artigos 44 e 45 da LC nº 123/2006, seriam restritos às licitações do tipo menor preço.
2.4 Constitucionalidade dos benefícios estabelecidos
Em termos formais, não há que se atacar a LC nº 123/2006, pois que
editada pela União com fulcro não somente nos artigos constitucionais já
citados, quais sejam os artigos 170, IX e 179 da CRFB/88, mas também
amparada no art. 22, XXVII da Constituição da República. Para Cristiana
Fortini29,
“ao atribuir competência para editar normas gerais de licitações e contratos à União, o art. 22, XXVII, da Constituição da República respalda, ao menos do ponto de vista formal, o disposto nos artigos 42 a 45, 47 a 49 da LC n° 123.”
Já quanto ao aspecto material, ao se tratar do estudo da
constitucionalidade das normas estabelecidas pela LC nº 123/2006, no seu
capítulo V, necessário se faz estabelecer qual o enfoque, tradicionalmente era
dado às licitações, e ao contrato administrativo em si. Nas palavras de Marçal
Justen Filho30
No enfoque até então prevalente (que caracteriza a própria Lei nº 8.666/93), a licitação e a contratação administrativa são disciplinadas sob o exclusivo enfoque do aprovisionamento de bens e serviços necessários ao desempenho das funções estatais. Trata-se, portanto, de atuação administrativa norteada exclusivamente pela concepção da vantajosidade. Nesse âmbito, a licitação é orientada à obtenção da proposta de menor valor e de maior qualidade, mediante a mais ampla competição entre interessados. (destacamos)
28 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 99. 29
FORTINI, Cristiana; PIRES, Maria Fernanda; CAMARÃO, Tatiana. Aspectos relevantes de licitações e contratos. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 140 30 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 28.
21
Assim, se reconhece que tradicionalmente, os princípios prevalentes em
matéria de licitação eram a isonomia e a vantajosidade, entre outros, erigidos,
originariamente, pela própria Constituição Federal, que no art. 37, inciso XXI,
que assim dispõe:
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (destacamos)
Vale lembrar que pode se dizer que já existia uma preocupação social
na Lei nº 8.666/93. Em vários pontos deste Estatuto observa-se a preocupação
do legislador em que a licitação não passe ao largo das necessidades sociais.
Cristiana Fortini ao discorrer sobre a possibilidade de fracionamento
prevista no § 1º do art. 23 da Lei nº 8.666/93, assim dispõe:
O fracionamento resultará da comprovação de que este reflete a solução mais consentânea com o interesse público. Se realizados os estudos, apurar-se que a divisão interna não provocará distúrbios de ordem econômico-financeira, visto que não implicará perda de economia de escala, nem desbordará em óbices de ordem técnica, o fracionamento deve ser realizado.[...] No art. 179, inserido no capítulo dedicado à ordem econômica e financeira, a Constituição da República assinalou a preocupação que deve nortear os atos estatais na tentativa de prestigiar micro e pequenas empresas. [...] Seria inadmissível que a Administração Pública optasse pela licitação tradicional, realizada em um único bloco, quando efetivamente comprovada a presença dos pressupostos ensejadores do fracionamento externo. Esta medida não traria nenhuma benesse ao interesse público, que não deve ser visto apenas sob a ótica da boa contratação no sentido de aliar qualidade e custo, mas também há de servir, sempre que possível, para promover os valores enraizados no texto constitucional.
Ainda no art. 12 da Lei Geral de Licitações ao descrever os principais
requisitos que deveriam ser considerados para compor os projetos básicos e
executivos, o inciso IV fala da “possibilidade de emprego de mão-de-obra,
materiais, tecnologia e matérias-primas existentes no local para execução,
conservação e operação”, demonstrando portanto a preocupação do legislador
22
com o desenvolvimento local e regional na execução dos serviços contratados
pela Administração.
Com o advento da LC nº 123/2006, ancorada nos princípios
constitucionais de favorecimento das pequenas empresas, expressos nos arts.
170, IX, e art. 179, imprimiu-se com mais intensidade às licitações, o que
Marçal Justen Filho denominou de “função social do contrato administrativo”.
Segundo o jurista,
Adota-se função social do contrato administrativo quando a finalidade buscada por meio da contratação consiste não apenas na obtenção de bens e serviços necessários a satisfação de necessidades estatais mas também a obtenção de outras finalidades de cunho social. Nesses casos, a contratação administrativa é utilizada para incentivar o desenvolvimento econômico e social, eliminar desigualdades individuais e coletivas e promover a realização de fins constitucionalmente protegidos.
31
Luciano Ferraz também descreve a importância da função social da
licitação, destacando o seu papel relevante na sociedade, in verbis:
[...]a licitação pode ser utilizada como instrumento de regulação de mercado, de modo a torná-lo mais livre e competitivo, além de ser possível concebê-la – a licitação – como mecanismo de indução de determinadas práticas (de mercado) que produzam resultados sociais benéficos, imediatos ou futuros à sociedade. [...] é possível o emprego do procedimento licitatório como forma de regulação diretiva ou indutiva da economia, seja para coibir práticas que limitem a competitividade, seja para induzir práticas que produzam efeitos sociais desejáveis.
José Anacleto Abduch Santos, ao tratar da constitucionalidade da LC nº
123/2006 frente ao principio da isonomia, assim leciona:
Quaisquer discriminações legais são legítimas e, portanto válidas, se a discriminação tiver suporte constitucional. [...] No caso da norma em exame, o fundamento constitucional está expressamente previsto no art. 170, inc. IX, da Constituição Federal, erigindo à condição de princípio o tratamento favorecido à empresa de pequeno porte, e no art. 179, que remete à lei a criação de situação jurídica de efetivo tratamento diferenciado. À luz de um dos referentes metodológicos acima citados, o da interpretação sistemática, é de se referir que tal princípio deve coabitar harmonicamente o sistema jurídico com os demais princípios e valores constitucionais, e certamente deverá ser ponderado quando da solução de casos concretos.
32
31
JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 28. 32 SANTOS, José Anacleto Abduch. AS LICITAÇÕES E O ESTATUTO DA MICROEMPRESA. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 14, junho/julho/agosto, 2008. Disponível na internet: <http://www.direitodoestado.com.br/ rere.asp>. Acesso em: 9 maio 2010.
23
Ressalta-se, portanto, que quantos aos fins colimados, é quase
unânime33 a posição dos autores nacionais de que a lei seria constitucional. No
entanto não se pode dizer o mesmo especificamente quanto aos benefícios
que introduz. Nesse sentido, na análise de cada tipo de benefício estatuído
pela lei, serão analisadas as posições doutrinárias a respeito da
constitucionalidade dos benefícios propriamente ditos.
Vale lembrar por fim, que o Tribunal de Contas da União, fazendo uso de
suas prerrogativas reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal, na sua
Súmula 347, ao analisar a Constitucionalidade da LC nº 123/2006 nas
licitações, se manifestou no sentido de que as normas gerais ali estabelecidas
são consentâneas com o princípio constitucional da isonomia insculpido no art.
37, inciso XXII. É o que se depreende do Acórdão nº 1.238/2008 – Plenário,
relatado pelo Ministro Guilherme Palmeira.
33
Em sentido diverso se manifestam José Luiz Ribeiro (BRAZUNA, José Luis Ribeiro. Lei Complementar nº 123/2006: inconstitucionalidade dos benefícios para microempresas e empresas de pequeno porte em licitações públicas. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública - FCGP, Belo Horizonte, ano 8, n. 94,out. 2009. Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/bid/bid ConteudoShow.aspx?idConteudo=62985>. Acesso em: 3 julho 2010.) e Ivan Barbosa Rigolin (RIGOLIN, Ivan Barbosa. Micro e pequenas empresas em licitação: a LC nº 123, de 14.12.06: comentários aos arts. 42 a 49. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 6, n. 61, jan. 2007 Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo =39052>. Acesso em: 13 janeiro 2011.)
24
3 Benefícios estabelecidos pela Lei Complementar nº 123/2006 nas licitações.
Dedicaremos o presente capítulo a uma análise mais acurada dos
benefícios trazidos pela LC nº 123/2006 às licitações. Desde já destacamos
que alguns pontos decorrentes da lei, mesmo dizendo respeito aos benefícios,
serão analisados separadamente no próximo capítulo, dada a sua grande
relevância prática para o interprete e aplicador do direito.
3.1 Regularidade Fiscal tardia (arts 42 e 43)
Os benefícios estabelecidos pela LC nº 123/2006, nos seus artigos 42 e
43, dizem respeito à possibilidade de concessão de prazos mais elásticos aos
licitantes ME/EPP‟s para apresentação da documentação referente à
regularidade fiscal. Por simples comodidade, transcrevemos os artigos a serem
analisados:
Art. 42. Nas licitações públicas, a comprovação de regularidade fiscal das microempresas e empresas de pequeno porte somente será exigida para efeito de assinatura do contrato. Art. 43. As microempresas e empresas de pequeno porte, por ocasião da participação em certames licitatórios, deverão apresentar toda a documentação exigida para efeito de comprovação de regularidade fiscal, mesmo que esta apresente alguma restrição. § 1o Havendo alguma restrição na comprovação da regularidade fiscal, será assegurado o prazo de 2 (dois) dias úteis, cujo termo inicial corresponderá ao momento em que o proponente for declarado o vencedor do certame, prorrogáveis por igual período, a critério da Administração Pública, para a regularização da documentação, pagamento ou parcelamento do débito, e emissão de eventuais certidões negativas ou positivas com efeito de certidão negativa. § 2o A não-regularização da documentação, no prazo previsto no § 1o deste artigo, implicará decadência do direito à contratação, sem prejuízo das sanções previstas no art. 81 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, sendo facultado à Administração convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para a assinatura do contrato, ou revogar a licitação.
A redação dos dispositivos acima tem sido muito criticada diante da
imprecisão técnica de sua redação, como no art. 42 quando transfere para um
momento posterior ao certame (assinatura do contrato) a comprovação da
25
regularidade fiscal, que é típica da fase de habilitação da licitação, ou no § 1º
do art. 43 quando chama “vencedor” ao licitante antes que este seja obrigado a
comprovar sua regularidade fiscal, ou ainda no §2º do art. 43 quando impõe
aos licitantes ME/EPP‟s que não apresentarem documentação regular no prazo
estabelecido pela Administração às sanções previstas no art. 81 da Lei nº
8.666/93, que por sua vez sequer arrola qualquer pena, tornando a previsão da
LC inócua neste ponto.
Um ponto que traz dúvida crucial aos aplicadores da norma em questão
é referente ao momento em que deverá ser comprovada a regularidade fiscal
por parte do licitante ME/EPP que esteja com a documentação irregular. Tendo
em vista que a solução dessa questão terá inegável relevância prática nos
processos licitatórios, dedicaremos a ela um tópico a parte no próximo capítulo,
analisando por ora as demais implicações do benefício aqui estabelecido.
Está claro nestes artigos que deverá ser oportunizado ao licitante
ME/EPP a possibilidade de participar da licitação, com a documentação fiscal
irregular, sendo-lhe obrigatoriamente concedido o prazo de dois dias úteis,
prorrogáveis por igual período, para regularização da documentação, desde
que solicitado pelo licitante.
Um primeiro ponto a esclarecer é que a concessão do presente
benefício independe de previsão editalícia. Assim se depreende uma vez que a
lei possui aplicabilidade imediata, e só previu disposição diversa para as
normas tributárias reguladas por ela. É o que se verifica no seu art. 88, que
dispõe que a lei entraria em vigor na data de sua publicação, ressalvado o
regime de tributação das microempresas e empresas de pequeno porte, que
vigoraria a partir de 1º de julho de 2007.
Nesse sentido o Tribunal de Contas da União, no Acórdão 2144/2007 -
Plenário, através do seu Ministro Relator Aroldo Cedraz, assim se manifestou:
Em uma análise mais ampla da lei, observo que seu art. 49 explicita que os critérios de tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte previstos em seus arts. 47 e 48 não poderão ser aplicados quando “não forem expressamente previstos no instrumento convocatório”. A lei já ressalvou, portanto, as situações em que seriam necessárias expressas previsões editalícias. Dentre tais ressalvas, não se encontra o critério de desempate com preferência para a contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte, conforme definido em seus arts. 44 e 45 acima transcritos. (destacamos)
26
Marçal Justen Filho compartilhando deste entendimento, assim leciona
A maior parte das disposições atinentes a benefícios licitatórios, contidas na LC nº 123, apresenta natureza auto-aplicável. Assim se passa com o disposto nos arts. 42 e 43 (regularização fiscal) e nos arts. 44 e 45 (preferência em caso de empate).
Outro ponto que se questiona é a obrigação do licitante de apresentar a
documentação exigida para efeito de comprovação de regularidade fiscal,
mesmo que esta apresente alguma restrição. Por ora, se o benefício consiste
em que o mesmo tenha a oportunidade de regularizar a documentação fiscal
em situação irregular, não faz muito sentido que o mesmo seja obrigado a
apresentar a documentação com restrições. Isso se constituiria em mera
formalidade, não sendo consentâneo com o espírito da lei em facilitar o acesso
das ME/EPP‟s às licitações.
Ivan Barbosa Rigolin parece entender como desnecessária essa
formalidade, uma vez que comentando o benefício informa que
o edital precisará informar que se o licitante for micro ou pequena empresa não precisará apresentar aquela documentação fiscal, que o edital acaso exija, no envelope de habilitação, porém que a simples participação da micro ou da pequena empresa implica em que, se vencer e observado ainda o disposto no art. 2º, apresentará os documentos de regularidade fiscal exigidos no edital, sob pena de inabilitação
34 (destacamos)
O professor Jorge Ulisses Jacoby dissente desse entendimento, defende
que toda documentação deve ser apresentada desde o momento da habilitação
na licitação, ao consignar que
Compreende-se que o benefício se restrinja ao saneamento e não a complementação, pois, do contrário, estabelecer-se-ia a desordem processual, ficando os beneficiários da Lei Complementar nº 123/06 com o direito de apresentar parte dos documentos no momento em que bem entendessem. Licitação, como já lembrado, é procedimento formal.
35
34 RIGOLIN, Ivan Barbosa. Obra citada. 35 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. O Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, a Lei de Licitações e Contratos e a Lei do Pregão. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 6, n. 65, maio 2007. Disponível em: <http://www.editora forum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=40460>. Acesso em: 3 julho 2010
27
O Tribunal de Contas da União, se manifestando sobre o assunto, no
Acórdão 2505/2009 – Plenário, de relatoria do Ministro Augusto Nardes,
também deixa a entender não ser obrigatória a apresentação de todos os
documentos da pequena empresa na fase de habilitação, pois assim decidiu
Ora, os arts. 42 e 43 da Lei nº 123/2006 possuem caráter impositivo, não dando margem a mais de uma interpretação. Resta evidente o privilégio concedido pelo legislador às microempresas e/ou empresas de pequeno porte, de modo que a exigência de comprovação da regularidade fiscal daquelas perante a Administração somente é permitida para fim de assinatura do contrato.
Um terceiro ponto que se discute é quanto à prorrogação do prazo de
dois dias para regularização fiscal do licitante, previsto § 1º do art. 43. Segundo
expõe a LC nº 123/2006, a concessão da prorrogação ocorrerá a critério da
Administração, sendo portanto de competência discricionária. O que não
significa que a Administração não deva motivar seus atos que visem restringir
direitos do licitante. Segundo Justen Filho, a rejeição da Administração deve
ensejar a indicação das razões concretas que justifiquem a decisão adotada. E
essa rejeição só poderá ser adotada quando houver ausência por parte do
interessado de conduta adequada ou satisfatória no certame.36
O Decreto nº 6.204/2007, ao regulamentar o referido ponto, traçou
como obrigatória a concessão dessa prorrogação, desde que solicitada pelo
licitante que faz jus ao benefício, tornando o ato vinculado na esfera da
Administração em que se aplica. Mas se por um lado deu à norma em questão
a feição de dever-poder, por outro enumerou exceções não razoáveis ou
proporcionais como escusa para o seu não cumprimento por parte da
Administração. Elencou como justificativa para a sua não-concessão a
urgência da contratação ou existência de prazo insuficiente para o empenho. A
adoção de tais razões não se mostra razoável porque o fato de Administração
não conceder a prorrogação do prazo para regularização dos documentos não
implica necessariamente que a contratação será efetivada em tempo recorde,
sem nenhum outro problema. Pode ocorrer inclusive de a próxima colocada no
certame também fazer jus ao benefício da regularização tardia, hipótese em
36 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 76-77.
28
que a Administração teria que conceder outros dois dias para que essa
empresa se regularizasse, tornando inválido o argumento da urgência na
contratação. O mesmo raciocínio pode ser aduzido no caso do prazo para
empenho. Esse é o entendimento adotado pelo professor Justen Filho.37
Cristiana Fortini entende que “a regra deva ser a de conceder a dilação,
e a exceção deva ser a negativa. Isso porque a obtenção de documentos pode
demandar prazo maior do que os dois dias úteis mencionados no §1º, do art.
43.”38
Em suma a visão de outros administrativistas ao tratar do tema converge
no sentido de que, via de regra, é dever da Administração conceder a
prorrogação do prazo para comprovação da regularidade fiscal, havendo
divergência apenas quanto aos fatos que autorizariam a denegação da dilação.
Para uns, a urgência da contratação e o prazo exíguo para empenho seriam
motivos bastantes, para outros apenas uma conduta imprópria por parte do
licitante autorizaria a Administração a denegar a prorrogação do prazo de
regularidade fiscal.
Por fim, ainda dentro do tema da regularidade fiscal, outra questão que
se coloca é acerca da aplicação de sanção em função da não-regularização da
pequena empresa no prazo concedido pela Administração, previsto no §2º do
art. 43, que assim dispôs:
§ 2o A não-regularização da documentação, no prazo previsto no § 1o deste artigo, implicará decadência do direito à contratação, sem prejuízo das sanções previstas no art. 81 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, sendo facultado à Administração convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para a assinatura do contrato, ou revogar a licitação. (g.n.)
A disposição legal é no sentido de que a não-regularização da
documentação, no prazo previsto, implicará, além da decadência do direito à
contratação, a aplicação das sanções previstas no art. 81 da Lei nº 8.666, de
21 de junho de 1993. O Decreto 6.204/2007 neste ponto se limitou a repetir o
comando legal, sem adentrar as controvérsias que ensejaria.
Pois bem, a questão é que o art. 81 da Lei nº 8.666/93 assim dispõe
37
JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 77. 38 FORTINI, Cristiana; PIRES, Maria Fernanda; CAMARÃO, Tatiana. Obra citada . p. 145
29
A recusa injustificada do adjudicatário em assinar o contrato, aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo estabelecido pela Administração, caracteriza o descumprimento total da obrigação assumida, sujeitando-o às penalidades legalmente estabelecidas.
Nota-se que o art. 81 não revela sanção alguma, apenas caracteriza a
recusa injustificada de assinatura do contrato como descumprimento total da
obrigação, abrindo à Administração a possibilidade de aplicação de sanções
cabíveis, mas em si mesmo não traz sanção alguma. O que o art. 43, §2º faz é
equiparar a não-regularização da documentação fiscal das microempresas à
não assinatura do contrato. A redação do dispositivo não deixa clara qual
sanção seria aplicável ao caso, como uma leitura literal poderia transparecer.
Com relação à sanção à microempresa que não promoveu sua
regularização fiscal no tempo concedido pela Administração, Jonas Lima aduz
que ela não pode ser automática. Aponta para isso a redação do art. 81 que
impõe sanção apenas às empresas que recusarem assinar o contrato de forma
“injustificada”. Nesse sentido seria cabível a sanção apenas a empresa que
não justificasse devidamente a impossibilidade de regularização fiscal.39
Para José Anacleto Abduch Santos,
A aplicação de sanção na hipótese em exame constitui tratamento justo, tendo em vista o principio da boa-fé que deve nortear as relações no curso da licitação. Justo, portanto, que aquele licitante que se aproveitou indevidamente de uma prerrogativa legal seja penalizado.
40
Já o entendimento de Cristiana Fortini e Ivan Barbosa Rigolin convergem
no sentido de que a citada regra é de redação técnica imperfeita, tendo em
vista que não há penas arroladas no art. 81 da Lei nº 8.666/93, sendo que
quem fosse condenado a essas penas, literalmente estaria “condenado a nada”
e também porque a situação prevista no dispositivo da Lei de Licitações difere
em muito da regulada pelo §2º do art. 43 da LC nº 123, sendo inadmissível
punir com o mesmo rigor situações tão díspares. Tal aplicação afrontaria o
princípio da proporcionalidade, uma vez que quem simplesmente não
conseguiu se habilitar em um processo licitatório seria equiparado àquele que
deliberadamente se recusou a assinar um contrato com a Administração, após
39
LIMA, Jonas Sidnei Santiago de Medeiros. Obra citada. p. 70 40 SANTOS, José Anacleto abduch. Obra citada.
30
ter passado por todas as fases da licitação, inclusive tendo o objeto adjudicado
a si. A aplicação de sanção em tais casos iria, inclusive, de encontro a um dos
propósitos da lei, que é o de facilitar e promover o acesso das ME/EPP‟s ao
mercado. 41
3.2 Empate ficto (arts 44 e 45)
O benefício que aqui denominamos empate ficto se encontra disposto
nos artigos 44 e 45 da LC nº 123/2006, que transcrevemos a seguir para facilitar a análise:
Art. 44. Nas licitações será assegurada, como critério de esempate, preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte. § 1
o Entende-se por empate aquelas situações em que as propostas
apresentadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte sejam iguais ou até 10% (dez por cento) superiores à proposta mais bem classificada. § 2
o Na modalidade de pregão, o intervalo percentual estabelecido
no § 1o deste artigo será de até 5% (cinco por cento) superior ao
melhor preço. Art. 45. Para efeito do disposto no art. 44 desta Lei Complementar, ocorrendo o empate, proceder-se-á da seguinte forma: I - a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada poderá apresentar proposta de preço inferior àquela considerada vencedora do certame, situação em que será adjudicado em seu favor o objeto licitado; II - não ocorrendo a contratação da microempresa ou empresa de pequeno porte, na forma do inciso I do caput deste artigo, serão convocadas as remanescentes que porventura se enquadrem na hipótese dos §§ 1
o e 2
o do art. 44 desta Lei Complementar, na ordem
classificatória, para o exercício do mesmo direito; III - no caso de equivalência dos valores apresentados pelas microempresas e empresas de pequeno porte que se encontrem nos intervalos estabelecidos nos §§ 1
o e 2
o do art. 44 desta Lei
Complementar, será realizado sorteio entre elas para que se identifique aquela que primeiro poderá apresentar melhor oferta. § 1
o Na hipótese da não-contratação nos termos previstos no caput
deste artigo, o objeto licitado será adjudicado em favor da proposta originalmente vencedora do certame. § 2
o O disposto neste artigo somente se aplicará quando a melhor
oferta inicial não tiver sido apresentada por microempresa ou empresa de pequeno porte. § 3
o No caso de pregão, a microempresa ou empresa de pequeno
porte mais bem classificada será convocada para apresentar nova proposta no prazo máximo de 5 (cinco) minutos após o encerramento dos lances, sob pena de preclusão.
41
FORTINI, Cristiana. Obra citada. p. 146 apud RIGOLIN, Ivan Barbosa. Micro e pequenas empresas em licitação: a LC nº 123, de 14.12.06: comentários aos arts. 42 a 49. Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 6, nº 61, p. 33-41, jan. 2007.
31
Conforme redação dos §§ 1º e 2º do art. 44 da LC, o empate ficto
refere-se à situação em que o legislador, a fim de beneficiar às ME/EPP‟s,
decidiu declarar como empatadas propostas que de fato não o seriam. Para
isso, tomando como referência os preços inicialmente mais bem colocados,
estabeleceu um limite de 10% nas modalidades tradicionais e 5% na
modalidade pregão para que as propostas das pequenas empresas fossem
consideradas empatadas. Como salienta Justen Filho, produz-se, desse modo,
uma ficção de empate, na medida em que, sob o prisma aritmético, não existe
igualdade de valores42.
Em termos hipotéticos, supondo que em uma licitação a empresa
(provisoriamente) melhor colocada, não enquadrada como ME/EPP, apresente
proposta no valor de R$ 100,00, a qual denominamos proposta paradigma. Tal
proposta será considerada empatada com todas as demais apresentadas por
ME/EPP‟s que apresentem o seu valor até R$ 110,00 (nas modalidades
tradicionais) ou até R$ 105,00 (na modalidade pregão).
Uma vez ocorrido o empate, declarado nos termos consignados na LC, a
pequena empresa terá a oportunidade de oferecer nova proposta de valor
inferior aquele inicialmente considerado como melhor.
Sobre o benefício em questão, vale salientar que somente quando a
proposta mais bem colocada no certame não for de ME/EPP é que se fará o
desempate. É o que dispõe o § 2º do art. 45.
Quando houver o empate real (valores equivalentes apresentados por
duas ou mais empresas), o desempate deverá ocorrer nos moldes da Lei nº
8.666/93. Obviamente se no empate real figurar uma pequena empresa e outra
empresa não enquadrada como ME/EPP, aplicar-se-á as regras da LC nº
123/2006 para dissolução do empate.
Havendo o empate ficto, não necessariamente serão chamadas várias
ME/EPP‟s para apresentar novos valores. Apenas a ME/EPP mais bem
colocada (desde que não empatada de fato com outra ME/EPP como veremos
a frente) entre aquelas que figuraram nesse patamar poderá apresentar nova
proposta. Somente em caso de recusa da pequena empresa em ofertar novos
valores é que as demais ME/EPP‟s situadas na margem de 10% (modalidades
42 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 92
32
tradicionais) ou 5% (pregão) serão chamadas a cobrir a proposta paradigma,
mesmo assim, obedecendo-se rigorosamente a ordem de classificação. É o
que se depreende da leitura do inciso II do art. 45.
Cristiana Fortini ainda faz outra relevante consideração sobre o tema:
Importa ainda ter em mente que a micro ou pequena empresa não precisará estar em segundo lugar para usufruir da faculdade prevista no art. 45, I. Qualquer que seja sua colocação, há de lhe ser concedida nova chance. Pode ocorrer, então, que a segunda colocada, assim considerada a classificação inicial, não seja chamada a ofertar novo lance, porque não é considerada micro ou pequena empresa, mesmo que sua proposta se situe nos limites estabelecidos nos §§1º e 2º do art. 44.
43
Somente serão chamadas duas ou mais ME/EPP‟s concomitantemente
no caso de haver um empate real (equivalência de valores) entre elas. Nesse
caso serão chamadas para que se faça um sorteio entre elas, a fim de se
decidir qual das ME/EPP‟s primeiro dará o lance de desempate. Não é de outra
forma que dispõe o art. 45, inciso III, ao dizer que havendo equivalência nos
valores apresentados pelas ME/EPP‟s que se encontrem nos intervalos
estabelecidos nos §§1º e 2º do art. 44 da LC, será realizado sorteio entre elas
para que se identifique a que primeiro poderá apresentar melhor oferta.
Em uma leitura literal do dispositivo, pode parecer que a Administração
deve conceder a todas as ME/EPP‟s que tenham suas propostas dentro dos
percentuais estabelecidos nos §§ 1º e 2º do art. 44 da LC, a oportunidade de
oferecer melhores ofertas, havendo talvez até outra disputa de preços somente
entre as pequenas empresas, servindo o sorteio apenas para se identificar o
licitante que “primeiro poderá apresentar melhor oferta”, como bem salienta
Cristiana Fortini44. O que, obviamente não é o caso, trata-se somente de mais
um momento de infeliz redação do legislador. O sorteio ocorrerá para definir
qual empresa terá a oportunidade de oferecer nova oferta e apenas se a
empresa sorteada abrir mão de sua prerrogativa é que a outra empresa
“empatada” teria a oportunidade de realizar nova oferta.
Vale lembrar que o próprio Decreto nº 6.204/2007 já ressalvou que no
Pregão, por sua disciplina diferenciada, não ocorrerá tal hipótese, tendo em
43
FORTINI, Cristiana. Obra citada. p. 150 44 FORTINI, Cristiana. Obra citada. p. 150
33
vista que nesta modalidade, os lances porventura oferecidos com o mesmo
valor, serão classificados segundo a sua ordem de apresentação, sendo
considerado como melhor colocado aquele que tiver sido apresentado com
antecedência em relação aos demais de valor idêntico.
Marçal Justen Filho também ressalta o caráter facultativo do exercício
dessa preferência por parte das ME/EPP‟s, assim dispondo
É fundamental destacar que a LC nº 123 não determina que verificada a situação de “empate ficto”, a pequena empresa será reputada vencedora. [...] O benefício consiste em facultar a pequena empresa a possibilidade de introduzir benefícios não existentes originalmente em sua proposta, de modo a torná-la mais vantajosa dentre as diversas apresentadas no certame. [...] Existirá dever de a Administração Pública dar oportunidade à pequena empresa para modificar o valor de sua proposta. [...] Se [a pequena empresa] escolher não o fazer, não existirá efeito jurídico algum em sua recusa.
45
Vale também lembrar que a oportunidade para que o licitante ME/EPP
exerça o seu direito de preferência deve ter um limite temporal. Conforme
dispõe o § 3º do art. 45, no caso do Pregão, a faculdade deve ser exercida no
prazo máximo de 5 (cinco) minutos após o encerramento dos lances, sob pena
de preclusão. No caso das demais modalidades de licitação, a lei
complementar foi silente. O Decreto nº 6.204/2007, no § 7º do art. 5º, dispôs
que nos demais casos não regulados pela lei, o próprio órgão ou entidade
contratante deverá prever o prazo para que o licitante ME/EPP exerça o seu
direito de preferência, devendo inclusive esse prazo estar previsto no
instrumento convocatório.
Com relação à incidência desse benefício, conforme já assentado no
tópico anterior, temos que a sua aplicação nas licitações deve se dar
independente de previsão editalícia, conforme entendimento da melhor doutrina
e já assentado pelo Tribunal de Contas da união, no Acórdão 2144/2007 -
Plenário, através do seu Ministro Relator Aroldo Cedraz
A existência da regra restringindo a aplicação dos arts. 47 e 48 e ausência de restrição no mesmo sentido em relação aos arts. 44 e 45 conduzem à conclusão inequívoca de que esses últimos são aplicáveis em qualquer situação, independentemente de se encontrarem previstos nos editais de convocação.
45 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 94,95.
34
Vê-se, portanto, que não houve mera omissão involuntária da lei. Ao contrário, caracterizou-se o silêncio eloqüente definido pela doutrina. [...] De fato, somente há que se falar de lacuna quando for verificada, da análise teleológica da lei, ser ela incompleta, carecendo de complementação. Não se vislumbra, na espécie, essa situação. Resta nítido que a lei buscou propiciar uma maior inserção das microempresas e empresas de pequeno porte no mercado de aquisições do setor público, o que se compatibiliza por inteiro com o silêncio eloqüente mencionado. Observo, aliás, que os comandos contidos nos arts. 44 e 45 são impositivos ("proceder-se-á da seguinte forma..."), ao passo que a redação conferida aos arts. 47 e 48 deixam claro seu caráter autorizativo ("a administração pública poderá..."). As regras insculpidas nos arts. 44 e 45 não são, portanto, facultativas, mas auto-aplicáveis desde o dia 15.12.2006, data de publicação da Lei Complementar 123. (destacamos)
Considerando ainda a relevância prática, adentramos por ora em alguns
aspectos mais controversos do benefício em tela.
O primeiro deles é a própria redação da lei complementar. Como já
observado anteriormente, em vários pontos do diploma legislativo percebe-se
por parte do legislador um verdadeiro descaso com as técnicas de boa redação
da norma.
Ao dizer sobre o modo de aplicação da própria norma, o art. 45, inciso I
menciona que
a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada poderá apresentar proposta de preço inferior àquela considerada vencedora do certame, situação em que será adjudicado em seu favor o objeto licitado; (destacamos)
Ao disciplinar desta forma o benefício, o legislador desconsidera
absolutamente toda e qualquer boa técnica no que diz respeito às licitações. É
sabido que a licitação é um procedimento formal, que tem suas fases bem
definidas na Lei Geral de Licitações (Lei nº 8.666/93), estando o licitante
portanto sujeito a percorrer todo um procedimento, antes de ser declarado
vencedor em um certame. Mesmo na modalidade Pregão em que ocorre o que
se denomina inversão de fases, a declaração de vencedor do certame não é
um ato automático. Ela ocorre após verificados certos pressupostos de
aceitabilidade da proposta (art. 4º, XI da Lei nº 10.520/2002).
Errou portanto o legislador ao dizer que a proposta provisoriamente mais
bem colocada no certame seria a vencedora. Ora, se a lei introduz benefício a
35
ser usufruído pelo licitante na fase de apresentação de propostas, não há que
se falar, em um primeiro momento, em proposta vencedora do certame. Se já
existisse uma proposta vencedora do certame, não deveria ser oportunizado a
nenhum outro licitante “cobri-la”.
Ivan Barbosa Rigolin bem leciona a respeito do assunto,
Neste ponto, inc. I, a lei nem sequer manda declarar o vencedor do certame, como não manda aguardar a fase de recursos do julgamento das propostas, mas simplesmente “atropela” as fases da licitação e afirma que “será adjudicado em seu favor o objeto licitado”. A grosseira inadvertência do legislador é espantosa, verdadeira alienação do direito aplicável, e neste ponto, no afã de proteger micro e pequenas empresas e de resto apenas com a lei do pregão na consciência, ele parece jamais ter lido a lei de licitações. Resta difícil contar todos os erros que o legislador consegue cometer num inciso de três linhas, e naturalmente não poderá a Administração proceder como indicado neste inacreditável inc. I.
Outro ponto igualmente relevante diz respeito à disposição final do inciso
quando diz que uma vez apresentada pela ME/EPP uma proposta de valor
menor que a proposta paradigma, “será adjudicado em seu favor o objeto
licitado”.
Nesse momento, a proposta da micro ou pequena empresa ainda deverá
ser analisada quanto aos seus pressupostos de aceitabilidade. No caso do
Pregão, a empresa sequer apresentou os documentos de habilitação, portanto
é impróprio e incorreto dizer que, assim que oferecida a proposta de menor
valor, será adjudicado o objeto em favor da empresa. A redação legal
simplesmente ignora que o licitante em questão poderá ser inabilitado ou ter
sua proposta recusada por motivos diversos, não vindo portanto a ter o objeto
adjudicado em seu favor.
Um tópico que vem merecendo atenção dos doutrinadores e aplicadores
do direito em matéria de licitação, é a questão da exeqüibilidade das propostas.
Ainda mais no caso da modalidade Pregão, onde muitas empresas, no afã de
ganhar a licitação acabam por disputar os preços em um patamar aquém de
suas possibilidades de execução. No caso do benefício do empate ficto, ainda
caberá a empresa cobrir a melhor oferta, o que pode aumentar
significativamente os riscos quanto à exeqüibilidade da proposta. Marçal Justen
Filho, em suas lições sobre o tema, assim dispôs:
36
Este tema vem preocupando a todos e gerando problemas práticos relevantes para a Administração, especialmente nas licitações em que se admite a alteração do valor das propostas. [...] ...o problema se agrava nas hipóteses em que se facultar ao licitante a redução do valor originalmente ofertado. Nesse caso, o licitante poderá formular lance de valor insuficiente para cobrir os seus custos. [...] Portanto, a Administração Pública deverá examinar com grande cautela e minúcia a proposta a ela encaminhada por pequena empresa, tendo por conteúdo a redução do valor ofertado abaixo daquele apresentado por uma empresa normal. Caberá à comissão de licitação ou ao pregoeiro convocar o autor da proposta de valor reduzido, instando-o a demonstrar a sua composição de custos para o efeito de comprovar a viabilidade de executar a proposta pelo valor pretendido. Se o licitante se omitir ou não lograr comprovar a exeqüibilidade, caberá a desclassificação de sua proposta.
Por fim, em uma linha também defendida por Jair Eduardo Santana e
Edgar Guimarães46 há uma última, mas não menos importante reflexão a
respeito do assunto. Em se tratando o procedimento licitatório da modalidade
Pregão, que é de fato o que mais vem sendo empregado na Administração
Pública Federal para aquisição de bens e serviços comuns, pode ocorrer a
situação que se segue. Principalmente se utilizado o Pregão na sua forma
eletrônica.
Determinada empresa não enquadrada como ME/EPP participa de uma
licitação, mas não sabe quais empresas estão disputando com ela o objeto da
licitação. Essa mesma empresa, durante a fase de disputa por lances,
consegue oferecer o preço mais vantajoso, alcançando a primeira colocação no
certame. Por se tratar de média ou grande empresa, e tendo em vista a
economia de escala, essa empresa obteve o primeiro lugar na disputa, mas
consegue reduzir o seu preço ainda mais. O que provavelmente faria se lhe
fosse oportunizada a negociação prevista no inciso XVII do art. 4º da Lei
10.520/2002.
Ocorre que de acordo com o que dispõe o § 6º do art. 5º do Decreto nº
6.204/2007, “no caso do pregão, após o encerramento dos lances, a
microempresa ou empresa de pequeno porte melhor classificada será
convocada para apresentar nova proposta no prazo máximo de cinco minutos
por item em situação de empate, sob pena de preclusão”. A partir deste
46 SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Obra citada. p. 66, 67
37
entendimento, há que se concluir que não se admite a negociação, tão logo
tenha se encerrado a etapa de disputa por lances.
Nesse caso, haverá um fatal atropelamento da média ou grande
empresa quanto à possibilidade de negociação e consequente redução do seu
preço. A supressão dessa negociação neste instante pode gerar pelo menos
duas conseqüências para o certame.
A primeira delas é para a média ou grande empresa, que tendo a
negociação suprimida, não poderá fugir ao percentual de 5% da próxima
colocada ME/EPP. Ou seja, se a média ou grande empresa houvesse obtido o
menor preço com o valor de R$100,00 e a próxima colocada ME/EPP
houvesse oferecido o preço de R$105,00, ao ser oportunizada a grande/média
empresa a negociação dos preços ofertados, haveria a possibilidade de a
empresa fugir ao fatal atropelamento, diminuindo sua proposta, neste exemplo,
para R$99,99. Dessa forma não haveria que se falar em empate ficto, pois que
o percentual máximo de 5% foi dissipado, muito menos em desempate.
Na forma como foi concebida a norma, à grande/média empresa não
restará escolha senão aguardar passivamente a conduta da micro ou pequena
empresa, não podendo portanto negociar o seu preço com a Administração,
mesmo tendo alcançado a melhor oferta, em um primeiro momento.
A segunda face cinzenta dessa escolha do legislador é que, por suprimir
uma eventual negociação com uma grande/média empresa, a Administração
poderá estar abrindo mão de valores mais vantajosos que poderiam ser obtidos
na licitação e aceitando uma redução de preço por parte da micro ou pequena
empresa, que vise simplesmente cobrir a melhor oferta da média/grande
empresa, estando, p. ex, apenas R$ 00,01 (um centavo) a menor que a melhor
proposta.
Se por um lado entendemos, que esse provavelmente é o espírito da lei,
admitindo que a Administração pague um pouco mais caro, desde que fomente
a atividade das micro e pequenas empresas, por outro, não se pode deixar de
apontar que tal entendimento revela uma questão crucial trazida pela LC nº
123/2006, no tocante ao julgamento das propostas no pregão, que será
postergar a aplicação do artigo 4º, inciso XVII, da Lei nº 10.520/2002
(negociação) para momento ulterior à aplicação do art. 45, §3º, da citada Lei
Complementar (convocação da ME/EPP para cobrir a melhor proposta).
38
3.3 Licitações diferenciadas (arts 47 e 48)
Os benefícios por ora estudados estão disciplinados nos artigos 47 e 48
da LC nº 123/2006, que transcrevemos abaixo para uma melhor compreensão:
Art. 47. Nas contratações públicas da União, dos Estados e dos Municípios, poderá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica, desde que previsto e regulamentado na legislação do respectivo ente. Art. 48. Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta Lei Complementar, a administração pública poderá realizar processo licitatório: I - destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nas contratações cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais); II - em que seja exigida dos licitantes a subcontratação de microempresa ou de empresa de pequeno porte, desde que o percentual máximo do objeto a ser subcontratado não exceda a 30% (trinta por cento) do total licitado; III - em que se estabeleça cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte, em certames para a aquisição de bens e serviços de natureza divisível. § 1
o O valor licitado por meio do disposto neste artigo não poderá
exceder a 25% (vinte e cinco por cento) do total licitado em cada ano civil. § 2
o Na hipótese do inciso II do caput deste artigo, os empenhos e
pagamentos do órgão ou entidade da administração pública poderão ser destinados diretamente às microempresas e empresas de pequeno porte subcontratadas.
Na redação do art. 47, o primeiro ponto que vem a tona é a respeito da
obrigatoriedade ou não da concessão do tratamento diferenciado às ME/EPP‟s
nas contratações públicas. Há divergência entre vários doutrinadores a respeito
desse ponto.
Jonas Lima47, por uma interpretação literal, conclui que há uma
faculdade dos entes governamentais na aplicação do benefício, não se
constituindo, portanto, em dever. Vai ainda mais longe ao defender que se trata
de uma questão discricionária, estando ao livre alvedrio do administrador
decidir pela aplicação ou não dos benefícios, desde que o faça antes da
elaboração do edital.
47 LIMA, Jonas Sidnei Santiago de Medeiros. Obra citada. p. 87, 88.
39
Cristiana Fortini48 concorda que a aplicação dos benefícios em questão
se trata de uma faculdade, não apenas em função de uma mera interpretação
literal, mas por que o legislador assim o faz entender, numa interpretação
sistemática dos demais benefícios estabelecidos pelo legislador, que, quando
quis criar norma cogente não teria deixado margem para dúvidas. A fim de
corroborar esse entendimento, bastaria verificar a redação dos 42, 43 e 44 da
LC nº 123/2006.
Jair Eduardo Santana e Edgar Guimarães49 sustentam que o comando
legal em questão, na verdade, não encerra uma faculdade, mas sim um poder-
dever, visto que o sistema normativo ao ser lido em tom finalístico visa atender
aos comandos constitucionais que tratam a respeito do tema (art. 170, IX, e art.
179), que se condensam com as regras do art. 47, apenas se solidificando com
a ação efetiva da administração pública. Noutras palavras, a instituição do
tratamento diferenciado só faria sentido se a Administração, de fato, fosse
instada a materializar o benefício. Se o raciocínio for inverso, (permitindo-se a
Administração decidir sobre a aplicação de acordo com o seu alvedrio) pode se
obstar impiedosamente a própria estrutura constitucional.
Em princípio, vemos como mais acertado o posicionamento defendido
por Jair Eduardo Santana e Edgar Guimarães, visto que ao introduzir o
tratamento discriminatório na LC, o legislador traça certos fins, explícitos no art.
47, que não parecem indicar apenas uma probabilidade de atuação da
Administração, mas sim objetivos claros a serem alcançados pelo
Administrador, que somente poderá fazê-lo por meio da implementação do
tratamento diferenciado nas licitações. A expressão “poderá”, a nosso ver foi
utilizada com o objetivo de permitir aos demais entes da Administração Pública
prever e regulamentar o tratamento diferenciado em seu âmbito primeiro, para
somente depois efetivamente implantar a sua utilização nas licitações.
Contudo, é preciso atentar para o que foi dito por Ivan Barbosa Rigolin,
ao dizer que ninguém está obrigado ao impossível50. Neste sentido,
entendemos que se a aplicação de um ou mais dos benefícios previstos no art.
48 se demonstrar inviável em função da falta de técnica do legislador ao
48
FORTINI, Cristiana. Obra citada. p. 152 49
SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Obra citada. p. 127, 128. 50 RIGOLIN, Ivan Barbosa. Obra citada.
40
estabelecer o instituto, então estará respaldada a Administração para entender
como discricionária a concessão dos benefícios.
Diógenes Gasparini arremata, trazendo inclusive o entendimento
adotado pelo Decreto Federal nº 6.204/2007, assim dispondo
Ainda que a expressão poderá constante desse artigo e do subseqüente pudesse justificar uma faculdade para a Administração Pública escolher entre conceder ou não esse tratamento, há que se levar em conta o disposto no art. 49 que estabelece as únicas hipóteses em que não são aplicáveis os arts. 47 e 48. De sorte que ressalvadas essas hipóteses sua aplicação é obrigatória. Observe-se, ainda, que o art. 6º do Decreto federal nº 6.204/07 não usa o vocábulo poderá, mas vale-se da palavra deverão, conotando uma obrigação.
51
Apenas por esmero e rigor técnico alguns autores salientam a falta de
inclusão na redação do art. 47 do Distrito Federal. É unanime portanto o
entendimento de que esta lacuna é facilmente suprível pelo entendimento
sistemático da norma, que inclusive faz alusão ao Distrito Federal no caput do
art. 1º, não fazendo sentido algum excluí-lo da incidência específica dessas
normas.
O art. 47 faz ainda explícita alusão a que o regime finalístico de
licitações que institui, para ser aplicado deve estar “previsto e regulamentado
na legislação do respectivo ente”. O art. 77, § 1º, da LC 123/2006, determina o
prazo de um ano para que os entes federativos editem “as leis e demais atos
necessários para assegurar o pronto e imediato tratamento jurídico
diferenciado, simplificado e favorecido às microempresas e às empresas de
pequeno porte”.
Alguns autores adotam o entendimento segundo o qual, ao tornar
explícita a necessidade de que os benefícios estivessem previstos e
regulamentados em legislação, a lei não deixou margem a que as normas que
propõem fossem regulamentadas por outro meio que não outras leis. É o caso
de Marçal Justen Filho52 e Jair Eduardo Santana e Edgar Guimarães53, para
quem aliás, a edição de tal ato normativo não se daria apenas em função da
terminologia legal, mas por que há no art. 48 temas reservados a tratamento
51
GASPARINI, Diogenes. Obra citada. 52
JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 106 53 SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Obra citada. p. 128, 129.
41
legislativo, como especificamente o seu §2º que trata de assunto que resvalará
em matérias de domínio tributário, financeiro e fiscal. Outro argumento
aventado por Marçal Justen Filho é a própria redação do art. 77 , § 1º da lei,
citado acima, que dispõe expressamente sobre o prazo para edição das leis e
demais atos necessários a implementação do tratamento diferenciado.
A respeito do assunto ainda há uma relevante reflexão trazida por
Marçal Justen Filho, no que diz respeito à natureza jurídica das normas que
tratam de licitações na Lei Complementar 123/2006. Segundo o autor tais
normas têm status equivalente ao de lei ordinária, pois não tratam de temas
reservados a legislação complementar. Antes são legítimas por editarem
normas gerais sobre o tema, dando cumprimento ao disposto no inciso XXVII
do art. 22 da Constituição Federal. O problema é que ao editarem as normas a
respeito das licitações diferenciadas por meio da LC nº 123/2006, adota-se
esta como fundamento de validade para edição das leis ordinárias veiculadoras
da disciplina específica sobre o tema. Resumindo o seu entendimento o autor
expõe
[...] a eficácia jurídica dos referidos dispositivos deriva da competência da União para editar lei ordinária veiculadora de normas gerais sobre licitação. Não existe um fundamento constitucional para que uma lei complementar nacional autorize a instituição de uma nova figura licitatória, caracterizada por regime jurídico diferenciado. Sob esse prisma, a utilização do veículo da lei complementar, no caso examinado, foi inútil.
Apesar de toda essa discussão, o que se observou é que a própria
União Federal, em seu âmbito, resolveu editar o Decreto nº 6.204/2007 para
tratar da matéria, não adotando o entendimento defendido pelos autores acima
colacionados.
Aparte a questão formal da disciplina trazida pelo art. 47 da LC nº
123/2006, passemos a análise dos fins que a lei instituiu como pressupostos
necessários à realização de licitações diferenciadas. Disciplinou a lei que os
benefícios concedidos às ME/EPP‟s devem ser concedidos visando a (i)
promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e
regional, (ii) a ampliação da eficiência das políticas públicas e (iii) o incentivo à
inovação tecnológica.
42
Elegeu portanto três finalidades precípuas que devem ser buscadas
como condição para concessão dos benefícios. Nesse ponto, é importante
ressaltar, a lei complementar deixa claro o objetivo do fomento. Relega-se a um
segundo plano aqueles objetivos tradicionais da licitação, qual seja a busca
pelo menor preço, com a melhor qualidade possível e garantia da isonomia na
realização do certame, naquilo que, segundo o escólio de Marçal Justen Filho
poderia se denominar de “função econômica” da licitação. Nesse novo
contexto, privilegia-se a promoção de outros valores reputados como
relevantes. Pode se dizer aí da “função extra-econômica” da licitação,
indicando que a orientação do certame se dará não necessariamente para a
busca da proposta mais vantajosa para a administração, mas à seleção da
proposta apta a realização de outros fins (aqueles almejados pela lei)54.
No dizer de Luciano Ferraz, quando o Estado estabelece essas
preferências para as pequenas empresas, “o diferencial é utilizado justamente
com o intuito de fomentar a criação de empresas desta natureza, como
verdadeiro mecanismo de indução e de desenvolvimento dessas empresas,
que empregam expressivo número de trabalhadores no Brasil”55.
Para Pereira Junior e Dotti, no que tange a Administração Federal, é
imprescindível que o gestor público demonstre, caso a caso, mediante
justificativa idônea (explicitação dos motivos do ato administrativo, que se
definem, a seu turno, como o conjunto das razões de fato e de direito que
legitimam o ato), que a contratação atenderá concomitantemente aos três
objetivos, sob pena de incorrer em desvio de finalidade.56
Já segundo o entendimento de Marçal Justen Filho, o administrador
deverá comprovar que a aplicação das restrições previstas no art. 48 da LC Nº
123/2006 é uma solução adequada a cumprir pelo menos um dos objetivos
54
JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 108,109. 55
FERRAZ, Luciano. FUNÇÃO REGULATÓRIA DA LICITAÇÃO. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico (REDAE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 19, agosto/setembro/outubro, 2009. Disponível na internet: http://www.direitodoestado.com/ revista/REDAE-19-AGOSTO-2009-LUCIANO-FERRAZ.pdf. Acesso em: 9 maio 2010. 56 PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. O tratamento diferenciado às microempresas, empresas de pequeno porte e sociedades cooperativas nas contratações públicas, segundo as cláusulas gerais e os conceitos jurídicos indeterminados acolhidos na Lei Complementar nº 123/06 e no Decreto Federal nº 6.204/07. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 7, n. 74, fev. 2008. Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudo Show.aspx?idConteudo=52292>. Acesso em: 13 janeiro 2011.
43
elencados pela lei e repetidos pelo Decreto, ou seja, a licitação vai (a)
promover o desenvolvimento econômico e social, no âmbito municipal e
regional ou (b) ampliar a eficiência das políticas públicas ou (c) incentivar a
inovação tecnológica.57
Compartilhamos desse entendimento por entendê-lo mais acertado e um
pouco mais consentâneo na concretização e aplicação da lei aos casos
concretos. Conforme apontado por diversos doutrinadores, inclusive por
Pereira Junior e Dotti, os comandos legais expressos no artigo 48 são
extremamente abertos e subjetivos, tornando sua aplicação espinhosa e
sensível. Entender que cada licitação deva atender aos três objetivos
expressos pela lei é reduzir o sentido legal e limitar por demasiado as
hipóteses de aplicação da norma, indo de encontro ao próprio espírito da lei.
Ainda quanto aos fins estatuídos no art. 47 da LC nº 123/2006 e
repetidos no art. 1º, incisos I, II e III do Decreto 6.204/2007, há que se fazer
algumas considerações.
O primeiro fim previsto no texto do caput do art. 47 e no inciso I, do art.
1º do Decreto nº 6.204/2006 é a promoção do desenvolvimento econômico
e social no âmbito municipal e regional.
Salvo melhor juízo, compartilhamos do entendimento segundo o qual
esta hipótese implica que o Estado, através da licitação, concorra para a
promoção do desenvolvimento econômico ou social, reputando-se inicialmente
como válidas medidas de caráter restritivo nos procedimentos licitatórios,
limitando-se, por exemplo, geograficamente a possibilidade de participação nos
certames licitatórios. Tal medida gera uma série de controvérsias, sendo
assunto não pacífico na doutrina.
Pereira Junior e Dotti, dissecando o texto, extraem entendimento
segundo o qual a limitação geográfica em uma licitação não é consentânea
com o objetivo do Decreto nº 5.450/2005, que ao instituir o Pregão, na
modalidade eletrônica, visou, dentre outros objetivos, ampliar a participação
dos licitantes, bastando, para tanto, o acesso aos recursos de tecnologia da
informação e o prévio credenciamento no sistema eletrônico. Em função disso
57 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 115
44
dão interpretação peculiar ao conteúdo da expressão “âmbito municipal e
regional”, para dizer que
o parâmetro do conceito é de natureza econômico-social, afastando qualquer conotação de circunscrição ou competência territorial. O "âmbito municipal e regional" compreende, para os fins da lei e do decreto, as atividades peculiares à vocação econômica regional ou municipal agrícola, industrial, extrativa, artesanal, turística, etc. Os contratos, a cujo acesso se pretende garantir tratamento diferenciado em favor de microempresas e empresas de pequeno porte, bem como a sociedades cooperativas, devem ter por objeto atividades compatíveis com a vocação econômico-social da região ou do Município em que as respectivas obrigações haverão de ser cumpridas pela contratada. Logo, as políticas públicas a que alude o inciso II do art. 1º são igualmente aquelas traçadas nas Constituições estaduais e nas Leis Orgânicas municipais, tendo por destinatárias essas atividades.
58
Marçal Justen Filho dissente desse entendimento, aduzindo que, se de
um lado há a redação constitucional que veda o tratamento discriminatório
entre brasileiros ou a criação de preferências entre os entes federativos (CF/88,
art. 19, inc. III), de outro há também na Constituição, expresso como um dos
objetivos fundamentais da república, a obrigação do Estado de envidar
esforços para erradicar a pobreza e a marginalidade e reduzir as
desigualdades regionais e sociais (CF/88, art. 3º, inc. III). Nos dizeres do autor
“seria pouco possível eliminar as desigualdades se houvesse tratamento
idêntico para todos os brasileiros.” O autor emenda com propriedade ao expor
que
A eliminação das desigualdades regionais e individuais pressupõe a adoção de políticas de cunho afirmativo, que assegurem benefícios e vantagens para os sujeitos e as regiões em condições de hipossuficiência. Trata-se de realizar o princípio da isonomia, tal como unanimemente consagrado: tratar de modo desigual aqueles que se encontram em situação distinta.
59
O autor ainda elenca como exemplos já existentes dessa diferenciação o
próprio regime estabelecido pela LC nº 123/ 2006 e a instituição de Zonas
Francas, que é mais uma evidencia da viabilidade de consagração de regimes
tributários diferenciados para empresas sediadas em determinadas regiões
econômica e socialmente menos desenvolvidas. Reputa então não só possível,
58
PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. Obra citada. 59 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 111
45
como constitucional a imposição de restrição ao universo de licitantes fundado
na conjugação de critério econômico e de critério geográfico.
Arremata o entendimento consignando que “é evidente que a validade
dessa solução depende da demonstração de que aquela região apresenta um
índice de desenvolvimento econômico ou social inferior ao vigente em outras
regiões”60.
O segundo fim previsto no texto do caput do art. 47 e no inciso II, do art.
1º do Decreto nº 6.204/2006 é a ampliação da eficiência das políticas
públicas.
Mais uma vez o texto legal coloca o aplicador da norma em situação de
dificuldade, uma vez que não bastando a licitação diferenciada ser fruto da
aplicação de políticas públicas, deve servir para ampliá-la.
Via de regra, a maior parte das políticas públicas é implementada
através de diretrizes legislativas. Imperiosa será portanto a edição de atos
regulamentares dispondo sobre a forma de aplicação das políticas públicas. Se
o ente estatal não dispõe de determinada política pública, não caberá a
aplicação da contratação diferenciada. Exemplificando, não se poderia adotar
licitação restrita à ME/EPP para fornecimento de material de construção onde
não existisse uma política publica formalmente adotada cuja eficiência pudesse
se ampliar por meio da contratação de empresa de pequeno porte.61Marçal
Justen Filho, tratando deste tópico aborda a dificuldade de se concretizar a
presente diretriz, quando diz que “o elevado grau de abstração adotado na
redação legislativa torna muito difícil desenvolver considerações mais efetivas
sobre o tema”.
Pereira Junior e Dotti traçam dois parâmetros que deverão pautar as
licitações realizadas sob este suporte:
(a) intrinsecamente, impulsionando os administradores a verificar o suporte teórico/acadêmico da política considerada, a correlação entre propostas de sua viabilização e o alinhamento/validade dos paradigmas e parâmetros adotados; por exemplo, se a participação exclusiva de entidades de pequeno porte, nos moldes do art. 6º do Decreto nº 6.204/07, em determinada licitação, não representa prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado; (b) externamente, mediante avaliação permanente dos resultados e da
60
JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 112 61 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 113
46
percepção destes pelos destinatários da política e pelos usuários das compras, obras e serviços decorrentes da contratação dessas empresas.
62
O terceiro fim previsto no texto do caput do art. 47 e no inciso III, do art.
1º do Decreto nº 6.204/2006 é o incentivo à inovação tecnológica.
Outra vez, discorremos sobre o entendimento de Marçal Justen Filho,
para quem de todas as alternativas existentes no art. 47, essa se constitui na
menos imprecisa, visto que é razoavelmente possível identificar os casos de
inovação tecnológica. Deve-se ter em vista que as grandes empresas também
e talvez até mais se preocupem com inovação tecnológica, mas normalmente o
fazem não para atender demandas setoriais, mas a interesses de grande
escala, sendo por isso mais focada em desenvolvimento de tecnologias que
visem atender mercados mundiais ou nacionais, nem sempre estando focadas
na resolução de problemas caracteristicamente locais ou regionais. Até por
isso, o autor defende que as contratações diferenciadas orientadas a inovação
tecnológica deverão relacionar-se com esse segmento diferenciado, não
atendido pela grande empresa, o que inclusive, deverá restar demonstrado no
processo.63
Uma visão menos romântica e mais realista do assunto é trazida por
Pereira Junior e Dotti, ao disporem que:
Saber se a concessão do tratamento favorecido, diferenciado e simplificado àquelas empresas e cooperativas implica incentivo à inovação tecnológica demandaria dos agentes da Administração demonstração nada corriqueira, qual seja a de que a contratação ensejaria o emprego de conhecimento, de método ou de processo produtivo capaz de agregar valor ao objeto do contrato, em comparação com o que se encontra no mercado, praticado pelas empresas de maior porte. Soa como desafio pretensioso e contraditório em relação à simplificação pretendida.
64
De fato, é impensável que uma licitação que tenha como um de seus
objetivos o incentivo à inovação tecnológica prescinda de um conhecimento
menos superficial e mais aprofundado do que se quer alcançar. Indispensável
seria a composição de Comissões Especiais de Licitação, com membros
tecnicamente qualificados, o que é bastante utópico, já que nem qualificação
62
PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. Obra citada. 63
JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 114 64 PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. Obra citada.
47
jurídica, pressuposto básico ao desempenho de suas funções, por muitas
vezes, seus membros possuem.
3.3.1 Os benefícios propriamente ditos (art. 48)
Quanto aos benefícios propriamente ditos nas licitações diferenciadas,
são dispostos no art. 48 da LC, bem como nos artigos 6º a 8º do Decreto
Federal nº 6.204/2006 três tipos de licitações/contratações diferenciadas, as
quais denominamos de (i) licitações exclusivas, (ii) obrigatoriedade de
subcontratação de ME/EPP e (iii) cota exclusiva para participação de ME/EPP.
3.3.1.1 Licitações exclusivas (art. 48, I da LC nº 123/2006 e art. 6º do Decreto nº 6.204/2007)
Determina o comando legal, na primeira modalidade de licitação
diferenciada, que as licitações realizadas pela Administração até o valor de R$
80.000,00 poderão ser exclusivas para participação de pequenas empresas.
Destaque-se de antemão que as licitações exclusivas, no âmbito da
administração pública federal, já se tornaram regra e não mais admitem
aplicação discricionária por parte do administrador, conforme dispôs a redação
do art. 6º do Decreto nº 6.204/2006, in verbis
Art. 6º Os órgãos e entidades contratantes deverão realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nas contratações cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).
Pelo menos em âmbito federal já não se pode seguir a orientação
traçada por Rigolin como a mais adequada:
O art. 47 assusta menos que os anteriores, porque apenas consigna uma faculdade à Administração, a de favorecer as micro e as pequenas empresas nas licitações, cada ente da federação editando legislação própria que conceda “tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte”. Assim sendo, quem desejar pode pular desse ponto até o art. 50, uma vez que sendo mera faculdade a Administração a exerce ou não. E neste caso específico imagina-se que não exercerá, porque se supõe que a Administração pública brasileira tenha mais o que fazer,
48
e problemas reais com a enfrentar no dia-a-dia, antes de se desdobrarse para conceber e editar legislação que faça tabula rasa do princípio da igualdade e, em nome de uma política governamental que serve para eleger mandatários mas que provavelmente nenhum interesse oferece ao poder público, estabeleça favorecimentos a uma espécie de empresa brasileira, em detrimento de todas demais.
65
O benefício em tela não guarda maiores complicações no seu “modus
operandi” visto tratar-se de regra simples e objetiva. A polêmica advém da sua
aplicação em si, e não de como será aplicado.
Apesar de realmente polêmica, a licitação exclusiva para ME/EPP tem
sido adotada com grande freqüência nas compras governamentais, como se
verá com mais detalhes no próximo capítulo.
A licitação reservada impõe uma necessária limitação de mercado no
momento de realização da licitação. Isso pode levar, como tem levado, a
conseqüências nefastas, uma vez que, grandes e médias empresas, não se
conformando em abrir mão deste quinhão, têm se utilizado de inúmeros
artifícios para permanecer nas disputas. Esse assunto também será melhor
explorado no próximo capítulo.
3.3.1.2 Obrigatoriedade de subcontratação de ME/EPP (art. 48, II da LC nº 123/2006 e art. 7º do Decreto nº 6.204/2007)
Dispõe o art. 48, inciso II:
Art. 48. Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta Lei Complementar, a administração pública poderá realizar processo licitatório: [...] II - em que seja exigida dos licitantes a subcontratação de microempresa ou de empresa de pequeno porte, desde que o percentual máximo do objeto a ser subcontratado não exceda a 30% (trinta por cento) do total licitado;
Este benefício trata da possibilidade de a Administração exigir do
licitante a subcontratação de ME/EPP para execução de parte do objeto, até o
limite percentual de 30% do total do objeto licitado.
Diferente das licitações exclusivas, que quanto ao modo de aplicação
não apresenta grandes dificuldades, este benefício pode suscitar
questionamentos tanto quanto ao modo, como sobre sua aplicação em si.
65 RIGOLIN, Ivan Barbosa. Obra citada.
49
O primeiro deles, que diz respeito ao “como fazer”, pois que a legislação
estabelece no seu § 2º que os empenhos e pagamentos do órgão ou entidade
da administração pública poderão ser destinados diretamente às
microempresas e empresas de pequeno porte subcontratadas.
Tal disposição, para boa parte dos doutrinadores, soa como um
disparate da lei. Mais uma vez se prestigiam a confusão e a superficialidade de
soluções simplistas na concessão dos benefícios. O que propõe a lei em tal
parágrafo é flagrantemente absurdo, pois que burla uma série postulados da
contratação pública e privada. Da contratação pública pois que cria espécie de
pagamento de serviços a fornecedor não contratado pela Administração, sem
vinculo jurídico estabelecido com ela. Realiza-se portanto uma despesa por
meio impróprio, no que tange a legislação que regulamenta a despesa pública.
Mais ainda, da contratação privada, pois que extingue, através do pagamento
direto ao subcontratado, a prática, muito corrente, de adiantamento
(pagamento por parcelas dos serviços, antes da efetiva prestação), por parte
das grandes/médias empresas para as empresas subcontratadas. Essa
extinção pode ser nefasta, pois que a pequena empresa não conta, muitas
vezes, com capital para realizar todo o serviço, e somente após a sua
conclusão receber seu pagamento, que é o que ocorreria no caso de o
pagamento ser efetivado pela Administração. Até porque não poderia a
Administração pagar por serviço não prestado.
Outra questão apontada pelos doutrinadores diz respeito à aplicação de
sanções e à responsabilização das empresas “principais” pelo comportamento
das “subcontratadas”. Jonas Lima assim se manifestou a respeito
A discussão crucial, então, será fixada na questão da responsabilidade das empresas por inexecução ou falhas na execução do contrato, especialmente em face do repasse direto de verbas à subcontratada. Pela regra geral da Lei 8.666/93, perante a Administração, quem responderia em primeiro plano seria a contratada, mas agora a matéria precisa de certa reavaliação em face do caso concreto.
66
Também o Decreto nº 6.204/07 elucidou algumas questões a esse
respeito, mas levantou dúvidas. Disciplinou no seu art. 7º, inciso III, a
possibilidade de a Administração exigir documentação comprobatória da 66 LIMA, Jonas Sidnei Santiago de Medeiros. Obra citada. p.94, 95.
50
regularidade fiscal e trabalhista da subcontratada, sob pena de rescisão, mas
foi silente quanto a aplicações de sanções à subcontratada pela inexecução, ou
falhas na execução do contrato, deixando explícito que prevalece a
responsabilidade da contratada quanto à execução dos serviços. Ainda quanto
à habilitação da subcontratada, ao exigir somente a regularidade fiscal e
trabalhista no dispositivo citado, o Decreto dá a entender serem prescindíveis
os documentos que comprovem a habilitação jurídica, qualificação técnica e
econômico-financeira, dispostos como necessários no art. 27 da Lei nº
8.666/93. Nesse ponto, entendemos que o Decreto inova a lei, dispensando
exigências que o legislador não autorizou. Apesar de haver posições no sentido
de que as exigências de habilitação elencadas na Lei 8.666/93 são excessivas
e em alguns pontos até desnecessárias67, não cabe ao regulamento federal
criar regramento novo onde a lei foi silente.
A redação do inciso I do art. 7º, do Decreto causa estranheza naquilo
que inova a lei. Ao falar sobre a possibilidade de os editais de licitação
preverem a subcontratação, dispõe que eles devem ainda determinar:
I - o percentual de exigência de subcontratação, de até trinta por cento do valor total licitado, facultada à empresa a subcontratação em limites superiores, conforme o estabelecido no edital;
A LC nº 123/2006 é bem clara no seu art. 48, inciso II sobre a
impossibilidade de subcontratação em limite superior a 30% do objeto
contratado, mas a redação do Decreto deixa a entender que a subcontratação
poderá ocorrer em até 99% do objeto, desde que estabelecido no edital. Não
há como entender os propósitos do ente regulador com tal disposição. Resta
clara a inovação de forma ilícita.
3.3.1.3 Cota exclusiva para participação de ME/EPP (art. 48, III da LC nº 123/2006 e art. 8º do Decreto nº 6.204/2007)
Traça então o art. 48, inciso III o seguinte:
67 A respeito das exigências de regularidade fiscal, por exemplo, entende Marçal Justen Filho que esta tem adquirido outro significado ao longo do tempo, tornando-se um meio indireto de promover a cobrança de dívidas fiscais do licitante, quando o credor fazendário, ao invés de adotar a solução teoricamente adequada, negava ao interessado a documentação necessária para participar de licitações. Para evitar os efeitos nocivos correspondentes, o particular acabava liquidando os valores pretendidos pelo Fisco. (JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada, p.121)
51
Art. 48. Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta Lei Complementar, a administração pública poderá realizar processo licitatório: [...] III - em que se estabeleça cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte, em certames para a aquisição de bens e serviços de natureza divisível.
Pelo que se depreende da redação em questão, esta regra se refere à
possibilidade de que uma parcela do objeto (divisível) seja adjudicado a um
fornecedor e a outra parcela a outro ou outros. A possibilidade de adjudicação
de parcelas diferentes de um mesmo objeto a mais de um fornecedor não
chega a ser novidade na legislação, que já previa essa possibilidade nos §§ 1º
e 7º, do art. 23 da Lei Geral de Licitações.
A novidade, no entanto, fica exatamente em que haja a possibilidade de
destinação de até 25% do objeto exclusivamente para pequenas empresas. Na
regulamentação da norma em questão percebeu-se que para dar concreção ao
disposto no inciso III do art. 48, o objeto da licitação será subdivido em parcelas
de 75% e 25% respectivamente, sendo o primeiro montante destinado a
concorrência ampla e o segundo reservado exclusivamente para as ME/EPP‟s.
De acordo com o que se depreende do texto legal e da regulamentação
realizada, pelo menos no âmbito do governo federal, ocorrerá como se fossem
duas licitações distintas, com a diferença de que as pequenas empresas
podem participar de ambos os certames (o de concorrência ampla e o
reservado). Tanto é assim que o § 3º do art. 8º dispõe sobre a impossibilidade
de uma mesma ME/EPP vencer a cota reservada e parte destinada a ampla
disputa, tendo oferecido maior preço na cota reservada. Caso isso aconteça,
deverá igualar o menor preço para os dois certames, in verbis:
§ 3º Se a mesma empresa vencer a cota reservada e a cota principal, a contratação da cota reservada deverá ocorrer pelo preço da cota principal, caso este tenha sido menor do que o obtido na cota reservada. (g.n.)
Diferente ocorrerá se a ME/EPP ganhar apenas a cota reservada (25%).
Nesse caso, a Administração se dispõe a pagar até mesmo um pouco mais
caro para beneficiar tais empresas.
Na escorreita lição de Cristiana Fortini,
52
Houve uma clara opção do legislador pelo uso da licitação com o fito não de encontrar a proposta ideal ou mais próxima do interesse financeiro da Administração Pública, mas de concretizar o comando constitucional que vislumbra a necessidade de tratar de forma desigual as micro e pequenas empresas, entendendo, como se infere do caput do art. 47, que com isso de promove o desenvolvimento econômico e social, amplia-se a eficiência das políticas públicas e talvez se incentive a inovação tecnológica.
68
Marçal Justen Filho relembra que resta evidente que a regra geral da Lei
8.666/93 incide sobre a matéria, no sentido de que “o fracionamento do objeto
divísivel não pode acarretar a contratação direta ou a alteração da modalidade
cabível de licitação”69. Ou seja, não pode o Administrador, se valendo das
regras estauídas, fugir a modalidade licitatória cabível para a totalidade do
objeto no exercício financeiro, dividindo por exemplo as compras de papel a
serem realizadas ao longo do ano de modo que ao invés de uma compra de R$
50.000,00, realize dez “dispensas” de R$ 5.000,00 ou então a fim de contratar
obra de engenharia orçada em R$ 750.000,00 (setecentos e cinqüenta mil
reais), parcele o objeto a fim de realizar cinco convites de R$ 150.000,00. Caso
queira parcelar o objeto em tais casos, deverá fazer dez “pregões” no primeiro
caso e cinco “tomadas de preço” no segundo.
3.3.1.4 Hipóteses de não-aplicação e considerações gerais sobre as licitações diferenciadas (§ 1º, art. 48 e art. 49)
Apesar de a Lei Complementar nº 123/2006 em alguns momentos
padecer de boa técnica na redação de seus artigos, cuidou de disciplinar
algumas hipóteses em que os benefícios previstos nos artigos 47 e 48 não
deveriam ser aplicados. Além do atendimento aos fins colimados no art. 47,
dispôs o legislador sobre outros requisitos a serem atendidos pelo
administrador.
No § 1º do art. 48 informa que as licitações diferenciadas realizadas sob
o pálio desta lei não devem ultrapassar o limite de 25% (vinte e cinco por
cento) do total licitado em cada ano civil.
68
FORTINI, Cristiana. Obra citada. p. 157 69 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada, p.121
53
Tal disposição não foi elucidada pelo Decreto nº 6.204/2007 que a
respeito do assunto praticamente imitou a disposição legal. Permanece a
dúvida portanto se tal limite se refere a contratações realizadas no órgão ou no
ente contratante.
Para um melhor entendimento, transcrevemos o texto legal:
Art. 49. Não se aplica o disposto nos arts. 47 e 48 desta Lei Complementar quando: I - os critérios de tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não forem expressamente previstos no instrumento convocatório; II - não houver um mínimo de 3 (três) fornecedores competitivos enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte sediados local ou regionalmente e capazes de cumprir as exigências estabelecidas no instrumento convocatório; III - o tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não for vantajoso para a administração pública ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado; IV - a licitação for dispensável ou inexigível, nos termos dos arts. 24 e 25 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993.
Presume-se através da disciplina do art. 49 que não almeja o legislador
que a Administração, em nome da concessão de benefícios às ME/EPP‟s,
promova contratações desastrosas, não vantajosas, ou que promovam a
malversação dos recursos públicos. Ocorre que, mesmo ao fazer as ressalvas
que entendeu necessárias para resguardar a correta aplicação da lei,
novamente o legislador repete os erros que cometeu em outros artigos.
Ao tratar das ressalvas à aplicação da lei, há novamente o uso de
termos fluidos, vagos e imprecisos70, que necessariamente precisarão do bom
manejo do aplicador na sua interpretação.
E mesmo a tentativa de imprimir a melhor aplicação possível à norma
nem sempre será suficiente para uniformizar a interpretação em função do
crescente número de órgãos envolvidos na aplicação da norma. Em apenas
uma licitação pode haver a interferência/envolvimento de vários órgãos: o
administrador enquanto executivo criando a demanda, a consultoria jurídica
atendendo as disposições do art. 38 da Lei nº 8.666/93, os órgãos de controle
70 São exemplos desses termos: "promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional"; "ampliação da eficiência das políticas públicas"; "incentivo à inovação tecnológica"; "urgência na contratação" (caso a micro ou pequena empresa não comprove a sua regularidade fiscal no prazo); "inviabilidade da substituição" (pela empresa contratada, da microempresa ou empresa de pequeno porte por aquela subcontratada).
54
interno, a exemplo da CGU (Controladoria Geral da União), órgãos de controle
externo, por exemplo TCU (Tribunal de contas da União), atuando preventiva
ou repressivamente, concomitante ou posteriormente, além do próprio judiciário
atendendo ao princípio constitucional previsto no art. 5º, inciso XXXV, que com
certeza receberá demandas a respeito do tema.
No inciso I, do art. 47, temos uma regra objetiva de fácil aplicação e que
não apresenta maiores dificuldades, qual seja a obrigatoriedade de constarem
nos editais de licitação a concessão dos benefícios previstos nos artigos 47 e
48 da LC nº 123/2006.
Já o mesmo não se pode dizer do inciso II, do art. 47, ao dispor que não
poderá ser aplicado o benefício na hipótese de não haver pelo menos 03
(três) fornecedores competitivos enquadrados como ME/EPP sediados local ou
regionalmente e capazes de cumprir as exigências estabelecidas no
instrumento convocatório.
A primeira dificuldade em relação ao inciso II é estabelecer o alcance da
expressão “fornecedores competitivos”. Se trataria de fornecedores atuantes no
mercado, independente da análise da habilitação jurídica, qualificação técnica,
econômico-financeira e da regularidade fiscal?
Se a resposta for afirmativa, os resultados poderiam ser desastrosos na
prática, tendo em vista que não é nada incomum se encontrar no mercado
empresas que não obstante prestem serviços ao particular, com aparência de
normalidade, encontram-se com sua documentação de habilitação bastante
irregular. Essas empresas não poderiam servir de parâmetro para o que se
designou como “competitivas”, uma vez que não estariam aptas a participar
dos procedimentos licitatórios.
Se a resposta no entanto for negativa, tem-se outros desdobramentos.
Caberá a Administração, antes da realização de qualquer certame, fazer uma
exaustiva pesquisa junto às pequenas empresas, a fim de verificar quais
estariam com a documentação regular antes de se iniciar o certame. Poderá
ainda ocorrer de haver empresas com apenas a documentação fiscal irregular.
Considerando o disposto no art. 42 dessa mesma lei complementar, estas
empresas deveriam então ser consideradas “competitivas”? Suponhamos que
sim, atendendendo aos anseios finalísticos da lei, então teríamos estabelecidos
alguns critérios para eleger os fornecedores como competitivos: devem ser
55
enquadrados como ME/EPP, devem estar com toda documentação regular,
exceto possíveis irregularidades fiscais.
Mas mesmo assim não teríamos necessariamente fornecedores
competitivos, pois ainda há que se analisar o aspecto quantitativo: serão os
fornecedores capazes de fornecer todo o objeto a ser licitado? Se não, em
tese, isso deveria configurar impedimento a participação na licitação. Carlos
Motta faz interessante observação a respeito:
A diretriz expressa no inciso II, pelo menos sob o aspecto quantitativo pode ser vista como discutível – já que seria perfeitamente viável a aplicação da regra do art. 23, § 7º, da Lei nº 8.666/93, a qual permite, na compra de bens e serviços de natureza divisível e desde que não haja prejuízo para o conjunto ou complexo, “a cotação de quantidade inferior a demanda na licitação, com vista a ampliação da competitividade, podendo o edital fixar quantitativo mínimo para preservar a economia de escala”. Por conseguinte, caso as pequenas empresas existentes na localidade não estejam capacitadas para, respectivamente, dar conta de “todo” o quantitativo do objeto, não se configura razão para alijá-las do processo e justificar a não-aplicação do tratamento diferenciado.
71
Depois de toda essa análise, ainda nos restaria uma questão a discutir
quanto aos fornecedores “competitivos”. Mesmo que existissem um mínimo de
três fornecedores aptos a realizar o objeto a ser contratado pela Administração,
estes não poderiam ser obrigados a participar do certame. E aí é que reside o
último ponto. Se não acudissem três interessados no certame realizado pela
administração, seria válida mesmo assim a licitação? Poderia a autoridade
competente presumir a competitividade e adjudicar o objeto da contratação ao
fornecedor que compareceu a sessão?
Vejamos o posicionamento de Marçal Justen Filho,
A vontade legislativa não é a restrição absoluta da disputa, mas a competição entre pequenas empresas. Sob esse prisma, a vedação à participação de empresas de maior porte apenas poderá ser justificada se houver uma efetiva e concreta competição entre pequenas empresas. No entanto, a validade da licitação dependerá da efetiva participação de pelo menos três licitantes em condições de efetiva competição. (destacamos)
71
MOTTA. Regime licitatório diferenciado das microempresas e empresas de pequeno porte. Lei complementar nº 123/2006. Boletim de Licitações e Contratos – BLC, p.872 apud SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Obra citada. p. 135
56
Não bastasse toda a dificuldade apresentada para se delimitar o sentido
e aferir a existência dos “fornecedores competitivos”, complementa a lei o
disposto no inciso II, indicando que eles deverão ser sediados “local ou
regionalmente”. Outra vez a lei nos traz um conceito vago e impreciso. O que
seria local? O município contratante, a região metropolitana? E regional? O
Estado, a região norte, sul, etc? E se o conceito de regional ou local se der
conforme o entendimento de Jessé Torres Pereira Junior e Marinês Restelatto
Dotti, expostos no item 3.3 do capítulo 3º deste trabalho, que o flexibilizam para
além da região do órgão contratante, podendo se referir a qualquer local ou
região do território brasileiro?
Mais uma vez a lei deixa o aplicador em situação delicada, dificultando-
lhe a concretização dos fins colimados por ela. E não obstante toda a dúvida
que permeia a interpretação e aplicação do inciso II do art. 49, o Decreto nº
6.204/2007, se limitou a repetir o comando legal em seu art. 9º, inciso I, não
contribuindo para elucidação da questão.
O inciso III do art. 49 ensejará debates que dificultam a sua aplicação.
Dispõe também como condição impeditiva à realização das licitações
diferenciadas o fato de o tratamento diferenciado e simplificado para as
microempresas e empresas de pequeno porte não ser vantajoso para a
administração pública ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do
objeto a ser contratado;
A seu respeito dispõe Marçal Justen Filho
Somente existe sentido na previsão de licitações diferenciadas porque se concebe que a ME ou EPP ofertará propostas mais elevadas do que as apresentadas por outras empresas. Portanto, a aplicação das licitações diferenciadas conduzirá necessariamente à oneração dos cofres públicos em montante superior ao necessário.
72
De fato, a lei, em todo tempo, dá a entender que o Estado está disposto
a pagar um pouco mais, a fim de fomentar a criação e a atividade das micro e
pequenas empresas, mas no inciso em questão apresenta impeditivo de
aplicação do benefício, que em princípio parece de difícil transposição.
72 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada, p. 124.
57
O Decreto nº 6.204/2007 “consertou” a disposição ao determinar como
parâmetro para que a contratação não seja considerada vantajosa, o valor de
referência da contratação.
Ivan Rigolin também parece enxergar um certo paradoxo na disposição
do inciso:
O inc. III parece demonstrar arrependimento do legislador, ou uma revisão de atitude, ou de comportamento. Textualmente proíbe que cada ente conceda tratamento diferenciado às micro e às pequenas empresas se esse tratamento “não for vantajoso para a administração pública ou represente prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado.” É curioso o comportamento do legislador. A lei estimula a todo tempo, por vezes até irrefletida ou mesmo imoralmente como se viu, o tratamento de certas empresas, e ao final indica que se for prejudicial esse incentivo, então está proibido... Ora, não terá imaginado que todas as regras protetivas anteriores fazem muita vez periclitar o interesse público, sem dizer da quebra intencional e pensada da regra da pressuposta igualdade de direitos entre empresas que pretendem fornecer ao poder público ? Seja como for, o inc. III, deste art. 49, por certo sem querer, constitui forte argumento em favor da inaplicação dos arts. 47 a 48 pelo poder público, como se recomenda enfaticamente. E, apenas por isso, merece elogio.
73
Também a respeito da ausência de efeito nocivo sobre o “conjunto ou
complexo” do objeto a ser contratado, Marçal Justen Filho diz que a hipótese é
adequada aos casos em que se fraciona o objeto, mas também é aplicável
quando se pretendesse impor a obrigatoriedade da subcontratação74. A
hipótese em questão provavelmente se refere também aqueles casos em que a
divisão ou parcelamento do objeto não é viável em função da perda da
economia de escala.
Por fim, o inciso IV do art. 49 dispõe que não serão aplicáveis as
licitações diferenciadas quando a licitação for dispensável ou inexigível, nos
termos dos artigos 24 e 25 da Lei nº 8.666/93.
Neste ponto, é destacado por Edgar Guimarães e Jair Eduardo Santana
que nos casos em que a dispensa é facultativa, a aplicação do inciso não será
tão simples, podendo gerar discussões75. No mais, outros autores não apontam
outras controvérsias no inciso em questão, restando portanto pacífico que o
73
RIGOLIN, Ivan Barbosa. Obra citada. 74
JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada, p. 125. 75 SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Obra citada. Pág 136.
58
benefício não será aplicável nas hipóteses de inexigibilidade ou de dispensa de
licitação não facultativa.
59
4 Outras considerações de ordem prática decorrentes da aplicação dos benefícios estatuídos pela LC nº 123/2006.
No capítulo que se inicia pretendemos analisar alguns pontos, que pela
fundamental importância que possuem, merecem uma análise mais detida e
apartada do tópico no qual se inserem. Por isso, ao tratar destes pontos nos
capítulos anteriores, efetuamos uma análise mais superficial. Espera-se que o
presente capítulo sirva de referencia a balizar uma aplicação exitosa dos
benefícios estatuídos na legislação supracitada. Analisaremos também, não
exaustivamente, a aplicação dos benefícios instituídos pela LC nº 123/2006, no
âmbito do governo federal.
Para isso dividimos o presente capítulo em quatro tópicos. Discutiremos
sobre a forma e momento de comprovação da condição de ME/EPP para
participação no processo licitatório, as perspectivas existentes quanto ao termo
inicial e final para usufruir do benefício da regularização fiscal tardia, como tem
sido aplicados os benefícios no âmbito do governo federal e por fim
analisaremos os desvios de finalidade surgidos da utilização indevida dos
benefícios.
4.1 Forma e momento da comprovação da condição de ME/EPP
Um interprete desavisado poderia concluir que no ponto em questão não
há polêmica alguma, posto que a lei conceitua objetivamente o que viria a ser
uma microempresa ou empresa de pequeno porte, conforme disposição do art.
3º da LC nº 123/2006.
Edgar Guimarães e Jair Eduardo Santana, ao comentarem a respeito do
conceito legal, assim lecionam
Pelas disposições legais acima transcritas, tem-se um conceito objetivo de ME e EPP. Todavia, para fins de obtenção dos benefícios, o simples enquadramento nos limites da receita bruta anual fixados pela LC nº 123/06 não é o suficiente. O § 4º do mesmo art. 3º relaciona os casos em que não se aplicará o regime de favorecimento para nenhum efeito legal, de sorte que caberá a
60
Administração Pública exercer o devido controle, a fim de precaver-se contra eventuais simulações que visem a qualificação indevida de certa pessoa como beneficiária das vantagens outorgadas às MEs e EPPs.
Portanto, não obstante a conceituação legal, em princípio, diversos são
os documentos e aparatos de que pode se servir a sociedade empresária para
comprovar a sua condição de ME/EPP, se valendo desde uma declaração do
próprio representante legal da empresa, atestando seu enquadramento até a
apresentação dos balanços patrimoniais, com as demonstrações contábeis da
empresa atestando a informação através do seu faturamento bruto. Caberá
portanto uma análise quanto às diversas opções existentes, a fim de verificar
se são mesmo “opções”, ou se constituem apenas uma via a que deverá
percorrer o aplicador da norma, a fim de fazê-la incidir no caso concreto.
Dispõe o art. 72 da LC nº 123/2006 sobre a necessidade de a ME/EPP
acrescentar à sua firma ou denominação as expressões „Microempresa‟ ou
„Empresa de pequeno porte‟ ou simplesmente as abreviações „ME/EPP‟. Se
assim ocorresse, toda ME/EPP poderia ser identificada simplesmente por sua
razão social.
No entanto, assevera Marçal Justen Filho que é “impossível eliminar o
risco de que a empresa, não obstante tenha deixado de fazer jus aos
benefícios, omita a alteração em seu nome empresarial.” Conclui o raciocínio
defendendo que “a percepção dos benefícios, no âmbito das licitações, impõe à
Administração Pública o dever de verificação da presença dos referidos
requisitos.” 76
A esse respeito também se manifestou o Tribunal de Contas da União,
entendendo que a mera omissão da sigla ME/EPP ou das expressões que
originaram a sigla na denominação empresarial não tem o condão de afastar a
concessão dos benefícios expressos no Capítulo V da LC nº 123/2006. Assim
se manifestou o Ministro Relator Aroldo Cedraz, no Acórdão 1650/2010 –
Plenário:
Por fim, o fato de a empresa vencedora não conter em sua firma ou denominação a expressão "Microempresa" ou a sua abreviação "ME", como determina o art. 72 da Lei Complementar, não é óbice, a nosso ver, ao enquadramento como microempresa, feito com base no art. 3º
76 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada, p. 47
61
do referido diploma legal, como vimos nos parágrafos 16 e 17 desta instrução. A exigência prevista no artigo 72 não diz respeito a requisito para o enquadramento como microempresa ou empresa de pequeno porte, mas sim a obrigação que a empresa deve cumprir para fazer jus aos benefícios de que trata o Capítulo XI- Das Regras Civis e Empresariais, dos quais ressaltamos a dispensa de publicação de qualquer ato societário e as condições especiais no protesto de títulos quando o devedor for microempresário ou empresa de pequeno porte.
A detida análise da condição da empresa deverá se constituir em
medida obrigatória a ser tomada pela Administração, a fim de não conceder
privilégios a quem não faz jus a ele. Posto isto, de que documentos deve se
valer a Administração a fim de tomar uma decisão acertada?
O primeiro documento que podemos enunciar é a declaração expedida
pela Junta Comercial do Estado onde se localiza a empresa, atestando que a
empresa em questão é enquadrada naquele órgão como ME/EPP. É
importante esclarecer, no entanto, que a declaração da Junta, por si só, ainda
não constituirá documento hábil a comprovar o usufruto dos benefícios da LC
nº 123/2006, isto porque a declaração expedida pela Junta Comercial, em
verdade, apenas atestará a condição que a empresa figura nos registros
daquele órgão, registros que por sua vez, são formados a partir de informação
prestada pela própria empresa no ato de sua inscrição e/ou alteração do ato
constitutivo junto a Junta Comercial do estado. Ou seja, a própria empresa
declara à Junta Comercial que é micro ou pequena empresa, e após o registro
na Junta de sua situação, em um momento posterior pede a mesma Junta lhe
conceda certidão atestando a sua situação.
Pelo menos é o que se observa a partir do regulamento emitido pelo
DNRC – Departamento Nacional de Registro do Comércio, a Instrução
Normativa 103/2007, publicada no Diário Oficial da União de 22 de maio de
2007, que dispôs especificamente sobre o “enquadramento, reenquadramento
e desenquadramento de microempresa e empresa de pequeno porte,
constantes da Lei Complementar nº 123/2006, nas Juntas Comerciais”.
Jonas Lima, a respeito da situação assim leciona
É preciso observar que as informações apenas declaradas na Junta Comercial podem não refletir a realidade dinâmica da vida empresarial, sendo certo que muitas empresas podem ter a condição declarada, como micro-empresa ou empresa de pequeno porte, mas, na prática, já terem ultrapassado o limite máximo de receita bruta no ano-calendário de R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil
62
reais), previstos como teto no art. 3º, inciso II, da Lei Complementar nº 123/2006. Muitas empresas apresentaram e muitos pregoeiros e presidentes de comissão de licitação aceitaram apenas tais certidões, mesmo sem qualquer intenção negativa, mas eventualmente com informações desatualizadas e sem a segurança, por exemplo, da Demonstração do Resultado do Exercício - DRE.
Outro documento de que pode se valer a Administração para embasar a
concessão de benefícios às ME/EPP‟s é a comprovação da empresa e que é
optante pelo SIMPLES. A esse respeito, o Ministro Aroldo Cedraz, no Acórdão
1650/2010-Plenário, assim declarou
Cabe destacar, ainda, que a empresa optante pelo Simples Nacional - regime especial unificado de arrecadação de tributos e contribuições devidos pelas microempresas e empresas de pequeno porte - além de atender aos requisitos e às vedações previstos no art. 3º da Lei Complementar nº 123/2006, está sujeita, também, às vedações adicionais constantes do art. 17 do mesmo diploma legal. Ademais, a fiscalização do cumprimento das obrigações principais e acessórias relativas ao Simples Nacional, bem como das ocorrências que ensejam a exclusão de ofício das empresas optantes, é de competência da Receita Federal do Brasil, nos termos dos arts. 29 e 33 do Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Assim, é válida a presunção de que a ME ou EPP optante pelo Simples preenche os requisitos previstos no referido art. 3º e pode, destarte, pleitear o tratamento diferenciado também nas aquisições de bens e serviços pela Administração Pública, como alega a empresa Deutec Prestação de Serviços Ltda., vencedora dos pregões eletrônicos nos 84 e 86/2009 (fls. 150/151). (destacamos)
Observa no entanto o Ministro Aroldo Cedraz, no mesmo acórdão citado
que “é possível existir uma ME ou EPP que não seja optante pelo Simples
Nacional. Neste caso, a Administração não poderá, a nosso ver, negar a
condição de ME ou de EPP da licitante com base na consulta ao cadastro de
optantes pelo Simples.” Sendo assim, apesar de se constituir em um
documento válido, a subsidiar a Administração na identificação da ME/EPP, a
inexistência da declaração de enquadramento no SIMPLES não implica a
impossibilidade da concessão de benefícios às ME/EPP‟s que porventura
decidiram não fazer a opção pelo regime tributário do SIMPLES.
Em outras palavras, “a lei que instituiu o Simples Nacional não parece
ser condição necessária para que os dispositivos da LC nº 123/2006 referentes
à preferência em licitações possuam eficácia”77.
77 Acórdão 193/2010 – Plenário. Ministro Relator: José Múcio Monteiro.
63
Ainda sobre o assunto, Edgar Guimarães e Jair Eduardo Santana
também se manifestam:
Para que uma ME/EPP possa gozar dos benefícios a ela outorgados pela LC nº 123/06 nas licitações, ela precisa, necessariamente, ser optante do Simples Nacional? [...] ...determinada ME/EPP, embora preencha todos os requisitos legais para ser enquadrada no Simples Nacional, por sua decisão poderá permanecer no regime tradicional, não perdendo com isso a possibilidade de gozar dos benefícios que lhe reserva a lei. Portanto, a resposta à [...] indagação é negativa.
78
Por fim, temos ainda a possibilidade de a Administração exigir do
licitante a apresentação de seus balanços patrimoniais, com as demonstrações
contábeis, onde conste expressamente as informações a respeito de seu
faturamento bruto anual, que conquanto haja certa manipulação ou
desatualização dos demais demais documentos citados (Certidão da Junta
Comercial e Declaração de opção pelo Simples Nacional), dificilmente ocorrerá
a manipulação e consequente falsificação dos balanços contábeis da empresa,
inclusive quanto a sua receita bruta anual, havendo no máximo, em certos
casos, uma tentativa de desconfigurar o conceito de receita bruta, a fim de
manter o enquadramento como micro ou pequena empresa.79
78 SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Obra citada. Pág 33, 34. 79
Tentativa nesse sentido é noticiada no Acórdão 193/2010 – Plenário, de Relatoria do Ministro José Múcio Monteiro, que ao discorrer sobre o tema menciona engenhosa tese defendida pela empresa que teve faturamento anual bem acima de R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais). Trago a colação trechos do acórdão apenas para enriquecimento do trabalho e melhor entendimento do exemplo:
“30. Segundo a empresa "é criterioso trazer a baila a diferenciação entre ´´entradas´´ e ´´receitas´´ de inegável importância para análise do tema levantado, qual seja: as entradas são valores que embora transitem pela contabilidade das empresas, não complementam e ou incorporam a seu patrimônio, sendo ineficientes para expressarem sua capacidade contributiva; já as receitas correspondem ao beneficio efetivamente resultante do exercício da atividade profissional, a taxa de lucro, real preço do serviço. Logo, não há margem para discussão uma vez que a receita da empresa só corresponde ao lucro sendo o restante meras entradas tais como salários, encargos sociais, vale transporte, vale alimentação, plano de saúde, benefícios sociais e tributos, essas entradas não incorporam o patrimônio da Requerente, pois, de imediato, são repassadas aos trabalhadores e aos órgãos arrecadadores. [...]
31. Portanto, a empresa parece interpretar "receita bruta" como "lucro", chegando a mencionar que isso representaria 1,44% do valor do serviço. [...]
33. A interpretação de "receita bruta" defendida pela empresa não se coaduna com os usos típicos do conceito. A empresa parece assumir, ao citar o julgado do Tribunal de Alçada, que o serviço por ela prestado é apenas de intermediação dos contratos das empresas prestadoras de serviço, com base em que ela conclui que os pagamentos efetivados pelo órgão contratante que são utilizados para cobrir
64
Cabe assentar inclusive, que a realização de diligências por parte do
Pregoeiro ou membros da Comissão de Licitação tem sido cobrada por parte
do TCU. Pelo menos é o que se depreende do disposto no Acórdão 193/2010-
Plenário, supramencionado, de relatoria do Ministro José Múcio Monteiro, que
dispõe:
(...) não parece haver suporte jurídico para o entendimento externado pelo pregoeiro de que ele não tem competência para examinar a condição de ME da licitante e que tal competência cabe exclusivamente à Secretaria da Receita Federal. Parece ter havido, quanto a esse ponto, confusão entre a situação tributária da empresa enquanto optante pelo simples e sua condição de ME. As prerrogativas relacionadas a contratações públicas não dependem necessariamente da opção tributária da empresa. [...] Portanto, tomadas em conjunto, essas informações demonstram que a empresa tem faturado, nos últimos anos, valores muito acima do limite de receita para ser enquadrada como microempresa. Restaria solicitar à empresa informações referentes aos seus balanços contábeis, com o objetivo de verificar, de forma mais exata e abrangente, a receita bruta por ela auferida nos últimos anos.
A comprovação da condição de ME/EPP portanto, a nosso ver, não se
mostra como figura de menor relevância, até porque é com base nessas
informações que o Estado dispensará a ME/EPP tratamentos diferenciados em
relação às demais empresas.
O Decreto Federal nº 6.204/2007, ao disciplinar a questão, assim dispôs:
Art. 11. Para fins do disposto neste Decreto, o enquadramento como microempresa ou empresa de pequeno porte dar-se-á nas condições do Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, instituído pela Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, em especial quanto ao seu art. 3º, devendo ser exigido dessas empresas a declaração, sob as penas da lei, de que cumprem os
despesas variadas, tais como aquelas relacionadas ao pagamento de pessoal, não fazem parte de suas receitas. Se for esse o entendimento da Star Segur, ele não parece compatível com a "descrição das atividades econômicas" da empresa, que consta do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica junto à Receita Federal, a qual cita as seguintes atividades: serviços combinados de escritório e apoio administrativo (principal); outras obras de engenharia civil não especificadas anteriormente (secundária); e atividades de teleatendimento (secundária). Essa descrição sugere que a empresa realiza tais atividades, ao invés de subcontratá-las. De qualquer forma, se a empresa de fato tem subcontratado outras empresas para prestar os serviços, restaria verificar a legalidade desse tipo de subcontratação, tendo em vista o disposto na Lei nº 8.666/1993 sobre ao tema. Além disso, o inciso XII do art. 17 da LC nº 123/2006 veda a opção pelo Simples Nacional de empresa que realize cessão ou locação de mão-de-obra, sugerindo que o normativo não visa a beneficiar esse tipo de empresa. Portanto, cabe solicitar esclarecimentos à empresa quanto à maneira com que ela executa os contratos de prestação de serviço firmados com órgãos federais, tais como os serviços de teleatendimento, objeto do certame ora em tela.”
65
requisitos legais para a qualificação como microempresa ou empresa de pequeno porte, estando aptas a usufruir do tratamento favorecido estabelecido nos arts. 42 a 49 daquela Lei Complementar. (destacamos)
Ao tratar do assunto, entendemos que a solução consignada pelo
Decreto é bem simplista, e representa até um certo retrocesso frente às
disposições legais, uma vez que segundo ele bastaria uma declaração da
própria empresa no sentido de cumprir os requisitos impostos pela LC nº
123/2006, para usufruir dos benefícios.
Hão de dizer, os defensores do diploma, que a lei assim já determina
para outras exigências habilitatórias, conforme se verifica no art. 27, inciso V da
Lei nº 8.666/93, ao tratar da proibição de contratação de menores de 16 anos,
salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze. Ocorre que em tal caso,
por exemplo, a declaração de atendimento ao disposto no inciso XXXIII, do art.
7º da Constituição Federal, se destina a todas as empresas participantes do
procedimento licitatório, independente de o fazerem na condição de médias,
grandes, pequenas, microempresas ou até mesmo na condição de
consorciadas. No caso em tela, a exigência de uma simples declaração da
empresa é solução razoável, pois que a sua não adoção implicaria a
necessidade de a Administração promover diligências junto ao estabelecimento
onde se exerce a empresa para comprovar seu cumprimento, posto não dispor
de outros instrumentos, que não a verificação in loco para atestar o
cumprimento da exigência.
De modo diverso ocorre com relação à comprovação da empresa de que
se enquadra como ME/EPP, nos termos da LC nº 123/2006. A Administração
dispõe de uma série de documentos, supramencionados, para fundamentar a
sua decisão, não precisando necessariamente realizar diligências in loco, para
conferir um mínimo de segurança à sua decisão de habilitar tais licitantes. Em
favor de uma análise mais criteriosa da condição de ME/EPP há o fato de que,
ao aceitar a qualificação de uma empresa como ME/EPP no certame, a
Administração pode estar preterindo propostas mais vantajosas
economicamente, a fim atender aos fins colimados no caput do art. 47 da LC
nº 123/2006, excluindo portanto do certame as demais empresas que não se
autodeclararam como ME/EPP‟s.
66
Ao contrario do que pode parecer a priori, no entanto, não defendemos a
desnecessidade da apresentação da declaração referida no art. 11, antes
entendemos que a presente declaração deve possuir caráter complementar
aos demais documentos. Nesse sentido se manifesta Marçal Justen Filho,
“a disciplina contemplada no referido art. 11 não pode ser interpretada no sentido da suficiência de uma pura e simples declaração do interessado. A relevância da questão exige que a Administração imponha ao particular o dever de apresentar documentação – mínima que o seja – comprobatória do preenchimento dos requisitos legais.”
Defendemos inclusive que a declaração em tela deva ser efetivada pela
empresa, mas não com propósito de dispensá-la da apresentação de outros
documentos, como certidão da junta comercial, balanços contábeis, com
faturamento bruto anual, entre outros. Entendemos no caso, deve a declaração
servir, juntamente com os demais documentos citados, para resguardar ao
Administrador de que adotou as diligências razoáveis requeridas no caso, para
verificar o status jurídico da licitante. Até porque, mesmo que a Administração
se cerque de várias cautelas, o que é recomendável que se faça, nunca poderá
garantir, de plano, o cumprimento por parte da ME/EPP de todos os requisitos
previstos na LC nº 123/2006 para a fruição dos benefícios, principalmente no
que tange às vedações impostas no § 4º, do art. 3º da LC nº 123/2006.
Para ilustrar o que citamos, tomamos como referência o disposto no
inciso IV, do § 4º do art. 3º da LC nº 123/2006, in verbis
§ 4o Não poderá se beneficiar do tratamento jurídico diferenciado previsto nesta Lei Complementar, incluído o regime de que trata o art. 12 desta Lei Complementar, para nenhum efeito legal, a pessoa jurídica: [...] IV - cujo titular ou sócio participe com mais de 10% (dez por cento) do capital de outra empresa não beneficiada por esta Lei Complementar, desde que a receita bruta global ultrapasse o limite de que trata o inciso II do caput deste artigo;
O § 4º em tela elenca expressamente dez hipóteses em que as
ME/EPP‟s não poderão se beneficiar dos tratamentos diferenciados
estabelecidos pela lei complementar. Para certificar-se apenas do atendimento
ao inciso IV em questão, deveria a Administração adotar uma série de
diligências, que tornariam o prosseguimento do certame licitatório
67
completamente inviável. Haveria que expedir ofício à Receita Federal a fim de
indagar sobre a existência de outras empresas, em que o titular ou sócio da
pessoa jurídica ou física licitante participe com mais de 10% do capital. Haveria
ainda de identificar, se positiva a resposta da Receita Federal, se a empresa
em questão possui receita global superior a R$ R2.400.000,00 (dois milhões e
quatrocentos mil reais), analisando então a documentação de empresas que
sequer estariam participando de certame.
Atendo-se apenas a este exemplo, já se vislumbra, no nosso
entendimento, como inviável a comprovação pela Administração, de que o
potencial fornecedor não se enquadra em nenhuma das hipóteses de vedação
previstas no § 4º do art. 3º da LC nº 123/2006. Para esse fim, a declaração
seria instrumento apto a substituir as diligências da Administração, exceto se,
por motivos devidamente justificados, o Administrador entender de maneira
diversa.
Entendemos então que a Administração deverá tomar um mínimo de
cautela antes de presumir como válida a declaração do licitante de que se
enquadra nas situações previstas na LC nº 123/2006, como apto a usufruir dos
benefícios ali estabelecidos.
Há de se ressaltar ainda procedimento relativamente simples que tem
auxiliado em muito a Administração e órgãos de controle no levantamento dos
indícios de fraude às licitações por empresas formalmente enquadradas como
ME/EPP, mas que de fato não o são. Qualquer cidadão, inclusive os órgãos da
própria Administração podem acessar o portal da transparência do governo
federal e através dele analisar qual o montante recebido por determinada
empresa em determinado período. Apesar de ser uma análise que, em
princípio pode parecer simplista, já que a empresa pode ter contrato com
diversos outros órgãos e empresas que não os federais, ela vem se mostrando
frutífera, uma vez que várias empresas, inescrupulosamente, mesmo tendo
recebido somente do governo federal, valores de até R$ 13 milhões em anos
anteriores, continuaram se beneficiando da condição de ME/EPP para
participar e ganhar novas licitações. Falaremos um pouco mais sobre o
assunto, inclusive citando as decisões dos órgãos de controle sobre o tema no
tópico destinado ao estudo do desvio de finalidade que vem surgindo da
utilização indevida dos benefícios estabelecidos na LC nº 123/2006.
68
Por fim quanto ao momento de comprovação dos benefícios,
entendemos que deva ser diferenciado nas modalidades tradicionais de
licitações instituídas pela Lei nº 8.666/93 da modalidade Pregão, instituída pela
Lei nº 10.520/2002, em razão do que rezam os próprios diplomas.
Tendo em vista que a lei do Pregão estabeleceu o que costuma se
chamar de “inversão de fases” na licitação, deixando a análise dos documentos
de habilitação para o momento posterior à apresentação das propostas,
entendemos deva ser somente após a disputa de lances e conseqüente
classificação das propostas, a análise dos documentos de habilitação do
licitante melhor colocado no certame. Tal solução, em verdade, é a adotada
pelo Decreto nº 6.204/2006, no seu art. 11, in verbis
Parágrafo único. A identificação das microempresas ou empresas de pequeno porte na sessão pública do pregão eletrônico só deve ocorrer após o encerramento dos lances, de modo a dificultar a possibilidade de conluio ou fraude no procedimento.
Alguns autores80 defendem que a Administração deveria proporcionar
um meio, mesmo nos Pregões eletrônicos, para que já se soubesse, de
antemão, sobre a existência de pequenas empresas participando do certame.
Isso evitaria que, tanto os licitantes quanto os pregoeiros, fossem pegos de
surpresa, quanto à concessão dos benefícios às ME/EPP‟s participantes do
certame.
Já nas licitações tradicionais, em que a fase de habilitação antecede a
fase de apresentação das propostas, é nessa fase que se mostra mais
pertinente a comprovação por parte da empresa de sua condição jurídica.
Ateste-se ainda que apesar do disposto no art. 42 e 43 da LC nº 123/2006, não
deverá haver na fase de habilitação, dilação de prazo para apresentação dos
documentos de habiliatação jurídica requeridos pela Administração, uma vez
que os benefícios estabelecidos nos artigos supramencionados se referem
exclusivamente a comprovação da regularidade fiscal, não se estendo a
comprovação dos demais requisitos de habilitação previstos no art. 27 da Lei nº
8.666/93.
80
É a posição defendida por Jair Eduardo Santana e Edgar Guimarães (obra citada, pág. 68), bem como Marçal Justen Filho (obra citada, pág. 53).
69
4.2 Termo inicial para usufruir do benefício da regularização fiscal tardia
Preferiu-se o tratamento da questão ora apontada em ponto apartado da
explicação do benefício da regularização fiscal tardia, pois que, sendo a tônica
deste trabalho o apontamento das implicações práticas e não só teóricas dos
benefícios estabelecidos pela LC nº 123/2006, verificamos que o ponto aqui
salientado tem causado grande controvérsia entre doutrinadores e desnorteado
o aplicador nas suas tarefas diárias. Estabelecido de forma confusa e
contraditória pelo legislador, o momento da comprovação da regularidade
fiscal, bem como suas implicações está longe de se tornar ponto pacífico na
doutrina e nos órgãos de controle da Administração. O Decreto nº 6.204/2007
tentou pacificar o entendimento a respeito do assunto, mas também não foi
muito feliz na sua redação, permanecendo as controvérsias a respeito do tema.
Pois bem, eis a origem da polêmica, na redação dos arts. 42 e 43 da LC
nº 123/2006, in verbis
Art. 42. Nas licitações públicas, a comprovação de regularidade fiscal das microempresas e empresas de pequeno porte somente será exigida para efeito de assinatura do contrato. Art. 43. As microempresas e empresas de pequeno porte, por ocasião da participação em certames licitatórios, deverão apresentar toda a documentação exigida para efeito de comprovação de regularidade fiscal, mesmo que esta apresente alguma restrição. § 1º Havendo alguma restrição na comprovação da regularidade fiscal, será assegurado o prazo de 2 (dois) dias úteis, cujo termo inicial corresponderá ao momento em que o proponente for declarado o vencedor do certame, prorrogáveis por igual período, a critério da Administração Pública, para a regularização da documentação, pagamento ou parcelamento do débito, e emissão de eventuais certidões negativas ou positivas com efeito de certidão negativa.
Considerando a redação legal, diversas interpretações tem se formado
em torno da questão. Apesar de o art. 42 deixar claro que a comprovação da
regularidade fiscal das pequenas empresas só será exigida para efeito de
assinatura do contrato, logo no § 1º do art. 43 assevera que o termo inicial do
prazo para eventual saneamento da regularidade fiscal se iniciará a partir do
“momento em que o proponente for declarado o vencedor do certame”,
deixando uma clara dúvida para o intérprete: quando ocorre a “declaração do
vencedor” em um certame? Se já foi declarado o vencedor, caberia
70
desclassificá-lo? Para se declarar um vencedor do certame, o fornecedor já
não deveria ter cumprido todos os requisitos para ter a si adjudicado o objeto?
Edgar Guimarães e Jair Eduardo Santana, ao iniciar o tratamento do
assunto, de pronto já aduzem:
Em se tratando de interpretação da LC n° 123/06, devemos desenvolver tarefa hermenêutica pautada por conduta sistemática e finalística. Não se poderá jamais se pretender leitura gramatical ou literal do texto da lei posto que a resultado da interpretação conduziria ao absurdo, impedindo cumprimento dos propósitos legislativos e protetivos trazidos para a companhia das MEs/EPPs. Assim é que dizemos, desde já, que não é razoável do ponto de vista operacional que parte da habilitação das MEs/EPPs tenha seu julgamento postergado para a etapa da formalização do contrato. É o que diz o art. 42 da LC nº 123/06, se lido na sua letra ordinária.
Apesar de os autores supramencionados rechaçarem a interpretação
literal do art. 42, tendo-na como absurda, tal linha de pensamento não é
defendida por Marçal Justen Filho e o Tribunal de Contas de União no Acórdão
2505/2009, que parecem concordar que a interpretação gramatical do art. 42
prevalece sobre outros textos legais, inclusive o art. 43, § 1º e art. 4º, § 2º do
Decreto nº 6.204/2007, como veremos adiante.
Feita a observação, na continuidade do raciocínio defendido por Edgar
Guimarães e Jair Eduardo Santana os autores esclarecem a sua posição:
Ora, a época da formalização do contrato (sua assinatura, como diz o art. 42 da LC nº 123/06) o processo de licitação já se resolveu; terá sido homologado e o respectivo julgamento da habilitação deverá ser considerado fase vencida há muito tempo. Pensar o contrário é admitir que, julgada a habilitação na fase de formalização do contrato (como diz a literalidade da lei), haverá de se abrir prazo para recurso (art. 109 da Lei de Licitações). O caos se instalaria e certamente não é esse o desejo da norma.
81
Abraçamos a idéia de que o posicionamento defendido pelos referidos
autores é o mais razoável e consentâneo, tanto com o espírito da lei, como
com a tendência de simplificação, economia e celeridade dos procedimentos
de licitação, como se viu após a edição da Lei do Pregão.
Neste sentido, aliás, parece ter querido o regulamento federal fixar a
interpretação legal. Não foi muito feliz, no entanto, pois praticamente repetiu o
81 SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Obra citada. p. 81,82.
71
disposto no artigo 42 da LC nº 123/2006 no caput do seu art. 4º, consignando
comandos diversos nos seus parágrafos, in verbis
Art. 4º A comprovação de regularidade fiscal das microempresas e empresas de pequeno porte somente será exigida para efeito de contratação, e não como condição para participação na licitação. § 1º Na fase de habilitação, deverá ser apresentada e conferida toda a documentação e, havendo alguma restrição na comprovação da regularidade fiscal, será assegurado o prazo de dois dias úteis, cujo termo inicial corresponderá ao momento em que o proponente for declarado vencedor do certame, prorrogável por igual período, para a regularização da documentação, pagamento ou parcelamento do débito, e emissão de eventuais certidões negativas ou positivas com efeito de certidão negativa. §2º A declaração do vencedor de que trata o § 1º acontecerá no momento imediatamente posterior à fase de habilitação, no caso do pregão, conforme estabelece o art. 4º, inciso XV, da Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e no caso das demais modalidades de licitação, no momento posterior ao julgamento das propostas, aguardando-se os prazos de regularização fiscal para a abertura da fase recursal. (destacamos)
Em uma interpretação sistemática do Decreto nº 6.204/2007, percebe-se
então que o diploma fixou o termo inicial para comprovação da regularização
fiscal pelo licitante que requeira o benefício em momentos distintos para o
Pregão e as demais modalidades licitatórias da Lei nº 8.666/93.
No pregão fixou como termo inicial o momento imediatamente posterior
à fase de habilitação. O que equivale a dizer que, se não providenciada a
regularização da documentação dentro do prazo de dois dias úteis,
prorrogáveis, o licitante deverá ser inabilitado, prosseguindo-se no certame,
através da convocação dos próximos colocados, de acordo com a classificação
das propostas na fase de disputa por lances. Tal interpretação induz a
constatação de que a ME/EPP que não logre êxito em regularizar sua situação
no momento imediatamente posterior à fase de habilitação (considerando os
prazos legais) não poderá continuar no certame, e conseqüentemente não terá
o objeto do certame a si adjudicado, nem homologado, sequer se aproximando
da fase de assinatura (ou formalização) do contrato.
Nas demais modalidades de licitação, quando houver a necessidade de
concessão de prazo para regularização fiscal, o termo inicial será praticamente
coincidente com o pregão, posto que também ocorrerá após a fase de
julgamento das propostas, antes da finalização do certame, ou seja antes da
adjudicação e homologação, e, obviamente, antes da assinatura do contrato.
72
Nesse caso, o disposto no Decreto faz pressupor que a ME/EPP encontrada
irregular quanto à documentação fiscal na fase de habilitação, prosseguirá
normalmente no certame para a fase de apresentação de propostas. Nesse
momento é que, tendo oferecido a melhor proposta terá então de regularizar a
documentação da habilitação fiscal, no prazo referido no art. 4º, §1º.
Verifica-se que a interpretação fixada pelo Decreto, em princípio, vai de
encontro à norma consignada no art. 42 da LC nº 123/2006, que diz
expressamente que a comprovação de regularidade fiscal das microempresas
e empresas de pequeno porte somente será exigida para efeito de
assinatura do contrato. Em ambos os casos estudados, a ME/EPP sequer
chegaria a fase de formalização do contrato.
Apesar de contrário a literalidade do art. 42 da LC, entendemos muito
mais razoável a disciplina do Decreto, uma vez que não foge aos fins
objetivados pela lei, qual seja concedendo tratamento diferenciado à ME/EPP,
ao mesmo tempo em que não cria uma insegurança jurídica, tal qual o faria a
interpretação literal, entendendo que a regularidade fiscal só deve ser
comprovada para efeito de assinatura do contrato.
É de se ressaltar ainda que a aplicação da literalidade da lei torna
incoerente e um tanto ilógico todo o rito procedimental das licitações, posto que
remete para momento “pós-licitação” procedimentos intrinsecamente ligados ao
certame licitatório em si, como o é a habilitação do licitante.
Tratando a respeito da redação legal na aplicação ao pregão, mais uma
vez leciona Edgar Guimarães e Jair Eduardo Santana,
Vamos sempre insistir que a literalidade da norma não pode ser levada ao seu extremo porque, assim interpretando, chegaríamos a um impossível. Afirmamos isso porque a regularidade fiscal (entenda-se, no caso, parte da habilitação) não pode ter sua análise adiada para o instante da formalização do contrato. Na etapa pré-contratual a licitação já se findou e, em tal caso, não haverá como reabrir a falada sessão concentrada para efetuar o julgamento da habilitação, declarar vencedor, abrir oportunidade para recurso, processá-lo, se o caso, retomando com a adjudicação e homologação.
82
Não obstante todos os argumentos que pesem em favor da interpretação
consignada pelo Decreto nº 6.204/2007, há entendimentos dissonantes na
82 SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Obra citada. p. 86.
73
doutrina e jurisprudência. Na doutrina, elencamos a opinião de Marçal Justen
Filho, pelos notórios conhecimentos na seara de licitações e contratos e pelo
aprofundado estudo que faz da questão.
O autor, tratando da determinação temporal para suprimento dos
defeitos de regularidade fiscal, informa que devido à redação imprecisa do art.
43, § 1º, da lei, abre-se certa margem de interpretação para três correntes, nas
licitações tradicionais e no pregão.
Expõe quanto às licitações tradicionais e quanto ao pregão o que se
segue:
Quando se afirma que a ME ou EPP poderá promover a sua regularização depois de proclamada a sua vitória, é possível tanto reputar que o momento adequado será (a) depois de classificadas as propostas, antes da abertura da oportunidade para interpor recurso, (b) depois de decididos os recursos, antes da homologação e adjudicação ou (c) depois de encerrada a licitação, com a adjudicação do objeto ao vencedor. No âmbito do pregão, é possível reputar que a regularização fiscal tardia poderá ocorrer (a) depois de examinados os documentos de habilitação, antes da oportunidade para interposição do recurso, (b) depois de julgados os recursos, antes de a licitação ser apreciada pela autoridade superior ou (c) depois de adjudicado e homologado o seu objeto pela autoridade superior.
83
Ainda segundo Marçal, a escolha de qualquer das soluções, em todos os
casos, traria vantagens e desvantagens.
A escolha pela opção “a”, de oportunizar à ME/EPP a oportunidade de
regularizar sua situação fiscal antes da abertura de prazos para recurso traria a
vantagem de reduzir ao mínimo os problemas práticos da Administração,
propiciando porém riscos relevantes para a pequena empresa. Isso porque ao
abrir prazo para regularização da pequena empresa antes de decidir eventuais
recursos e antes de finalizado o certame, a Administração ainda não pode
assegurar de fato a contratação da ME/EPP, que poderia sair do certame em
virtude de provimento de recursos, anulação ou revogação do certame, tendo
promovido sua regularização fiscal em vão, se o fez com o objetivo de ser
contratada.
A escolha pela opção “b”, de a Administração permitir a regularização
fiscal após a decisão dos recursos aumentaria os riscos para a Administração e
83 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 69-70
74
reduziria os riscos do particular de não vir a ser contratado. Isso porque a
inabilitação do licitante nesse caso, levaria a Administração a reabrir a etapa de
classificação, podendo aceitar-se nova ME/EPP, novos julgamentos de
eventuais recursos e até mesmo nova inabilitação, o que prolongaria
excessivamente o certame licitatório. A solução, no entanto, seria melhor para
o fornecedor, uma vez que, se houvesse o provimento de eventuais recursos
que o impedissem de ir adiante na licitação, não teria que, forçosamente,
regularizar-se perante o fisco.
Por fim a escolha pela opção “c”, nas palavras do próprio autor
Seria extremamente mais problemática para a Administração Pública. Se a oportunidade para regularização fazendária acontecesse apenas depois da homologação e adjudicação, a ausência de apresentação dos documentos pelo adjudicatário geraria problemas práticos muito relevantes. Afinal a Administração teria de promover o desfazimento de todos os atos desde a classificação e produzir outros. Isso envolveria prazo razoavelmente longo. Se o beneficiário fosse um outro beneficiário da possibilidade de regularização tardia, o risco de problemas seria reaberto. Mas a contrapartida seria a redução drástica de riscos para o licitante vencedor. Todas as dúvidas sobre o cabimento da contratação teriam sido exauridas e ele promoveria a sua regularização fiscal com tranqüilidade de que haveria a sua contratação sem maiores obstáculos ou incertezas.
84
Apesar de o próprio autor reconhecer como “extremamente mais
problemática para a Administração Pública” a terceira opção elencada, afirma
categoricamente ter sido esta a opção adotada pelo legislador, que ao dispor
no art. 42 que a regularidade fiscal “somente será exigida para efeito de
assinatura do contrato”, induz a necessidade de que a Administração promova
todos os atos licitatórios antes de se exigir a comprovação da regularidade
fiscal do licitante. Aduz ainda que somente nessa perspectiva de interpretação
terá sentido outras disposições da lei, entre elas, o art. 43, § 2º, quando alude
a decadência do direito à contratação, que só existirá ao final do certame,
após a sua homologação. Antes da finalização da licitação, não existe direito à
contratação, quando muito há uma expectativa de sagrar-se vencedor.
Também faz referência à aplicação de sanções ao licitante que não regularizou
a documentação (art. 43, § 2º), informando que
84 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 71-72
75
não se pode conceber que a desclassificação(inabilitação) do licitante em razão de documentação defeituosa seja qualificada como inadimplemento absoluto e integral da obrigação de executar o objeto. Somente se pode aplicar o art. 81
85 se a regularização
fazendária surgir como uma obrigação imposta ao sujeito que foi formalmente reconhecido como vencedor do certame, resultado esse já aprovado pela autoridade superior do certame.
86
Marçal Justen Filho portanto não só declara seu entendimento contrário
ao adotado pelo Decreto nº 6.204/2007, como aduz que o disposto no
parágrafo 2º do art. 4º do Regulamento Federal é inválido, consignando que “ o
dispositivo não pode ser aplicado e qualquer tentativa de impor à ME ou EPP o
dever de apresentar a documentação regularizada antes da adjudicação do
objeto configura-se como ilegal”.
Apesar da relevância e opulência dos argumentos esposados por Marçal
Justen Filho, seríamos obrigados a admitir que o autor seria apenas uma voz
destoante na doutrina a rechaçar a aplicação do Decreto nº 6.204/2007, no
respectivo ponto, sem conseqüências drásticas para os gestores públicos na
área federal, que estariam amparados pelo regulamento federal para agir de
maneira diversa.
Ocorre que não obstante o disciplinamento da questão trazido pelo
Decreto Federal, o Tribunal de Contas da União, no Acórdão 2505/2009,
deixou bem claro entendimento, que, a nosso ver, coaduna-se muito mais com
a posição defendida por Marçal Justen Filho do que pelo próprio regulamento
federal. O Ministro Relator Augusto Nardes, assim dispôs sobre o tema:
Ora, os arts. 42 e 43 da Lei nº 123/2006 possuem caráter impositivo, não dando margem a mais de uma interpretação. Resta evidente o privilégio concedido pelo legislador às microempresas e/ou empresas de pequeno porte, de modo que a exigência de comprovação da regularidade fiscal daquelas perante a Administração somente é permitida para fim de assinatura do contrato. [...] ...agiram os gestores públicos em desconformidade com a Lei, visto lhes ser vedado promover desclassificação antecipada de licitantes que não tenham, na fase de habilitação, comprovado atendimento integral ao requisito da regularidade fiscal.[...]
85 O autor se refere ao art. 81 da Lei nº 8.666/93, a que o art. 43, § 2º da LC nº 123/2006 faz alusão. Dispõe o art. 81 da Lei Geral de Licitações: A recusa injustificada do adjudicatário em assinar o contrato, aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo estabelecido pela Administração, caracteriza o descumprimento total da obrigação assumida, sujeitando-o às penalidades legalmente estabelecidas. 86 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 73
76
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante as razões expostas pelo Relator, em: [...] 9.2. com fundamento no art. 58, inciso II, da Lei nº 8.443/1992, c/c o art. 268, inciso II, do Regimento Interno do TCU, aplicar, individualmente, aos responsáveis relacionados no subitem anterior, multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), fixando-lhes o prazo de 15 (quinze) dias, a contar das notificações, para que comprovem, perante o Tribunal, o recolhimento de suas dívidas aos cofres do Tesouro Nacional, atualizadas monetariamente na data do efetivo recolhimento, se forem pagas após o vencimento, na forma prevista na legislação em vigor;
Ante o entendimento exposto pelo TCU, inclusive com a aplicação de
multa à comissão de licitação que agiu de maneira diversa, entendemos de
inegável relevância para o gestor público uma boa fundamentação de seus
atos, antes da adoção de qualquer dos entendimentos consignados neste
trabalho, para concessão e definição do marco inicial do prazo para
comprovação da regularidade fiscal ante à Administração pelas pequenas
empresas nos certames licitatórios.
4.2.1 Ainda sobre o marco inicial para usufruir do benefício da regularização fiscal tardia (polemização do entendimento adotado por Marçal Justen Filho e TCU)
Não apenas por amor ao debate, mas também pela relevância prática,
queremos por fim fazer uma última reflexão quanto ao posicionamento adotado
por Marçal justen Filho e que também parece ser o adotado pelo TCU, pelo
menos no acórdão citado. Em suma o posicionamento adotado consigna que a
comprovação da regularidade fiscal da empresa só deve ser solicitado no
momento da formalização do contrato.
Pois bem, é sabido que a Lei 8.666/93, no seu art. 15, inciso II, dispõe
que as compras da Administração deverão, sempre que possível, ser
processadas através de sistema de registro de preços. Não nos propomos aqui
a discutir a adoção do sistema de registro de preços e suas implicações para a
Administração, pois não é esse o objeto do presente trabalho.
O governo federal, através do Decreto nº 3.931/2001 regulamentou o
Sistema de Registro de Preços, que vem, principalmente após a instituição do
pregão, a partir da Lei nº 10. 520/2002, sendo utilizado em larga escala pela
77
Administração Pública, inclusive através da adesão de um órgão a ata de
preços registrada por outro órgão, no que tem se denominado “carona”.
Fato é que quando realiza a licitação através do sistema de registro de
preços, a Administração apenas está, num primeiro momento, registrando
preços, para eventuais e futuras aquisições. Não há por parte do fornecedor
direito adquirido à contratação dos bens que são objeto do registro, há no
máximo o direito de não ser preterido quando em iguais condições a outro
fornecedor.
Dada a sistemática do sistema de registro de preços, podemos dizer que
só haverá formalização do contrato se e quando houver a solicitação de
fornecimento/prestação do objeto registrado na licitação.
Se adotado o entendimento consignado por Marçal Justen Filho e TCU
(Acórdão 2505/2009), conforme analisado acima, temos que a Administração
poderá (se não deverá) formalizar com ME/EPP‟s em situação de
irregularidade fiscal a ata de registro de preços, posto que somente poderá
exigir a comprovação da regularidade fiscal da ME/EPP no ato da formalização
do contrato, ou seja somente quando for utilizar o objeto do contrato. Sem
maiores delongas, acreditamos que é desnecessário discorrer sobre o absurdo
que tal hipótese pode configurar, uma vez que além da possibilidade de a
Administração se aliar a empresa em situação de irregularidade fiscal, imagine-
se se no ato da contratação do serviço ou fornecimento do bem, a ME/EPP
simplesmente não consegue a documentação necessária. Voltaria a
Administração a reabrir o certame, talvez já encerrado há muito tempo,
considerando o prazo máximo de 12 (doze) meses de vigência da ata? E se tal
fosse possível, poderia a Administração formalizar nova ata de registro de
preços para o mesmo período de tempo? Francamente, entendemos descabida
tal situação, o que somamos aos demais argumentos supramencionados para
declarar a preferência pela solução consignada no Decreto nº 6.204/2007, qual
seja de se conceder o prazo às ME/EPP‟s para regularização da
documentação fiscal antes da homologação e adjudicação do certame
licitatório, possuindo menor conseqüência o fato de sê-lo antes ou após a
interposição de recursos.
78
4.3 Histórico de aplicação dos benefícios no Governo Federal
Efetuaremos no presente capítulo uma sintética demonstração dos
resultados da aplicação dos benefícios estatuídos pela LC nº 123/2006 no
âmbito do governo federal. Ressalta-se que as informações consideradas
contemplam apenas os órgãos da administração direta, autárquica e
fundacional, extraídos do Sistema Integrado de Administração de Serviços
Gerais – SIASG, no período de 2002 a 2009 (janeiro a dezembro)87.
Destacamos também que os dados trazidos à colação trazem apenas uma
análise quantitativa da aplicação dos benefícios, não se prestando a ser
qualitativa, o que será feito com mais propriedade no tópico adiante onde
analisaremos os desvios de finalidade decorrentes da utilização do benefícios,
através de acórdãos do TCU.
O primeiro indicador que trazemos à colação informa a evolução do
número de itens de compra, pelo porte da empresa no período de 2002 a 2009,
tomando como base os meses de janeiro a dezembro em cada ano. Atentando
para a evolução em relação aos itens de compra, a média de itens adquiridos
foi de 30% e 36% para os micro e pequenos fornecedores, respectivamente.
87
Os presentes dados foram compilados e formatados estatísticamente pela Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação – SLTI, do Ministério do Planejamento, em trabalho divulgado no sitio de compras do governo federal, no endereço www.comprasnet.gov.br, no link “Brasil Econômico”.
79
Fig. 1
Em relação ao valor há uma mudança significativa no cenário, pois a
participação média dos micro e pequenos fornecedores nas compras públicas,
no referido período, é de apenas 8% e 12%, respectivamente.
Fig. 2
80
Na próxima análise procurou avaliar o crescimento real acumulado88, ou
seja a variação acumulada do valor de compra das ME/EPP‟s nas compras
públicas. Nesse contexto, o panorama anterior, que em príncipio parecia ser
negativo, deverá ser revisto, isto porque, as MPE em 2002 participavam nas
compras89 governamentais com R$ 2,8 bilhões e passaram a responder em
2009 por um valor que corresponde a R$ 14,6 bilhões dessas compras, ou
seja, apresentaram um crescimento real acumulado de 522%. Nota-se que
mesmo participando fortemente em relação aos itens e timidamente no valor de
compra, as MPE tiveram um crescimento bastante significativo no decorrer dos
últimos anos. Não se pode negar portanto a sua crescente inserção nas
compras governamentais.
Fig. 3
No mesmo tipo de análise comparativa, nesse caso no entanto, apenas
em relação ao pregão eletrônico, no período compreendido entre os anos de
88 Valores foram corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Dessazonalizado (IPCA) – ano base 2009 89
Valores foram corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Dessazonalizado (IPCA) – ano base 2009
81
2005 a 2009, o cenário é extremamente positivo para as MPE. No ano de
2005 elas respondiam por cerca de R$ 1,3 bilhão das compras por essa
modalidade. Em 2009, houve uma elevação desse valor para 11,1 bilhões,
representando um crescimento real acumulado da ordem de 783% no referido
período. Esse resultado ratifica os benefícios do pregão eletrônico na sua
tendência de democratizar os processos licitatórios, estimulando a competição
entre os fornecedores.
Fig.4
82
Fig. 5
Ao finalizar a análise evolutiva das compras em função do porte,
examinam-se os gastos nas aquisições públicas até R$ 80.000,00. Os dados
mostraram que essas compras entre 2002 e 2009, entre os meses de janeiro a
dezembro, corresponderam, em média, a 14% (R$ 3,5 bilhões) do total.
Ressalta-se que as MPE responderam, em média, por cerca de 50% (R$ 1,8
bilhão) das compras até R$ 80.000,00.
Nesse mesmo contexto, o crescimento real acumulado das MPE, entre
2002 e 2009, é da expressiva carga de 149%90. Tomando apenas o ano de
2009 como base, o cenário é ainda mais positivo, tendo em vista que as MPE
responderam por 65% (R$ 3,1 bilhões) das compras até esse valor, o que
demonstra o esforço do Estado em alavancar esses empreendimentos por
meio do aumento de sua participação nos gastos de pequeno vulto, que são
90
Valores foram corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Dessazonalizado (IPCA) – ano base 2009
83
efetivamente aqueles onde esses fornecedores tem chances mais factíveis ou
maiores chances de contratar com o Governo.
Fig.6
Examinou-se também o valor das aquisições segundo o porte e a
modalidade de compra, tomando como base apenas o ano de 2009. É
importante destacar que em 81% e 68% das compras onde micro e pequenas
empresas forneceram para o governo, respectivamente, a modalidade
empregada foi o pregão eletrônico.
84
Fig. 7
O indicador de empate ficto no pregão eletrônico foi analisado segundo o
porte, no período de 2008² e 2009³. Os dados mostram que quando houve
desempate, ou seja, quando as MPE tiveram a prioridade na compra, fizeram
uso dessa faculdade e responderam por 32% (R$ 732 milhões) em 2008 e 39%
(R$ 1,1 bilhão) em 2009 dos valores contratados pela administração pública.
85
Fig.8
O indicador dos tipos de benefícios também foi analisado segundo o
porte, no período compreendido entre os anos de 2008 e 2009, nesse caso,
nos meses de janeiro a dezembro de cada ano. Os dados mostraram que
quando houve benefício, as MPE responderam por 99% (458 milhões) das
compras em 2008, enquanto que em 2009 foram responsáveis por 98% (R$
422 milhões) do valor despendido pelo governo para contratação de bens e
serviços.
86
Fig.9
Por fim, aprofundando a análise pelo porte das empresas nas Unidades
da Federação, apenas no ano de 2009, constatou-se que as Unidades
Administrativas de Serviços Gerais (UASG‟s) contrataram junto às MPE, em
média, cerca de 45% (R$ 540,9 milhões). As UASG‟s que mais compraram,
proporcionalmente, das MPE foram aquelas localizadas na Paraíba, com cerca
de 84% do valor total de suas compras (R$ 1,0 bilhão). O pior desempenho
nesse indicador está com o Distrito Federal, cujas aquisições de bens e
serviços fornecidos pelas MPE representaram apenas 10% do total de suas
compras (R$ 2,1 bilhões).
Percebe-se portanto que o Distrito Federal não tem envidado maiores
esforços na concessão dos benefícios estatuídos pela lei complementar. O que
causa certa estranheza, já que ali se localiza a capital brasileira, de onde se
fundam, através do Congresso Nacional nela estabelecido, boa parte das
políticas públicas implementadas, inclusive a que é levada a efeito através da
LC nº 123/2006, de tratamento diferenciado e favorecido às ME/EPP‟s.
87
Fig.10
Fig. 11
88
4.4 Desvio de finalidade decorrente da utilização indevida dos benefícios
No presente tópico pretende-se analisar o que vem acontecendo em boa
parte das licitações realizadas pelo governo federal e que provavelmente
também atinge ou atingirá estados e municípios, mas que em função de sua
publicidade e relevância acabam por se tornar mais visíveis em âmbito federal.
É a utilização indevida dos benefícios estatuídos pela LC nº 123/2006 por
empresas que se dizem ME ou EPP, mas que na verdade não o são, bem
como a criação artificial de pequenas empresas para atuarem nessa fatia de
mercado e até mesmo uma situação legal, mas que no nosso ponto de vista
configura-se imoral, tendo em vista as finalidades instituidas pela lei
complementar, que é a adjudicação por parte de uma empresa em um ano-
calendário de objetos de licitações diversas, vencidas pelo uso da prerrogativa
de tratamento diferenciado, mas que ultrapassam em muito o valor da receita
bruta anual estabelecida como teto para o enquadramento da empresa como
ME/EPP.
A existência dos referidos problemas já havia sido alertada por Marçal
Justen Filho, que ao tratar do benefício da subcontratação obrigatória de
ME/EPP, já consignou: Existe o risco de que o sujeito produza a criação
artificial de uma ME ou EPP, mantida mediante interpostas pessoais, para
aparente satisfação da exigência legal.91
Porém o autor que mais chama a atenção para a questão é Jonas Lima,
ao questionar certos pontos da aplicação da lei, que segundo entende não
seriam coerentes com sua finalidade primordial, quais sejam aquelas definidas
nos artigos 170, IX e 179 da CRFB/88.
Um primeira crítica a aplicação da lei seria no que diz respeito à
possibilidade de uma ME/EPP contrair com a Administração Pública contratos
em valores bem superiores aqueles que servem como limite do enquadramento
da ME/EPP. Por exemplo, de acordo com a aplicação literal da legislação atual
não haveria impedimento a que uma pequena empresa ganhasse no mesmo
exercício financeiro diversas licitações, se valendo dos benefícios instituídos
pela LC nº 123/2006, até porque, segundo dispõe a legislação, a declaração de
91 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 117
89
desenquadramento da empresa só deverá ser feita no ano-calendário seguinte
(art. 3º, §9º, da LC nº 123/2006).
A primeira vista pode parecer impertinente a crítica levantada, pois
deveria ser exatamente o crescimento da empresa, inclusive com o seu
desenquadramento o objetivo da Estado ao instituir os benefícios. Ocorre que,
alinhado aos demais objetivos traçados pela legislação, quais sejam o acesso
aos mercados, à preferencia nas aquisições públicas, o desenvolvimento
regional, entre outros92, não é razoável se possibilitar que uma ME/EPP
assuma, mesmo que somente em um exercício financeiro, contratos superiores
a R$ 10 milhões e ainda assim possa, até o final do ano calendário participar
de outras licitações, como se ME/EPP fosse, o que formalmente até será, mas
não em situação de equivalência em relação a outras ME/EPP‟s que de fato
tem a sua receita bruta dentro dos parametros definidos pela legislação. A
equiparação de tais empresas em um procedimento licitatório seria
desarrazoada e desproporcional.
Assim se manifesta Jonas Lima a respeito:
Desvirtuou-se o verdadeiro sentido da Lei, que era de dar a primeira chance ao pequeno empresário. Mas agora que um pequeno já ganhou contas anuais que em muito ultrapassam R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais), porque ele continua, por exemplo, tendo direito ao chamado benefício de desempate? Porque não dar agora a vez a um outro pequeno empresário? A respeito desse assunto, frise-se, apesar dos parágrafos finais do art. 3º da LC nº 123/2006 terem trazido normas de exclusão da empresa do regime beneficiado, quando ela de torna grande, o fato é que a redação foi falha e, agora, nada está sendo acompanhado ou proibido, quando deveria sim haver um controle dos contratos vigentes, para evitar excessos como o que vem ocorrendo. É absolutamente inaceitável continuar aplicando o Estatuto da Microempreaa ou da Empresa de Pequeno Porte a uma empresa que somente em 2007 já ultrapassou em muito o limite de enquadramento.
93
O autor ressalta por fim que nem as alterações posteriores da LC nº
123/2006, nem o regulamento federal corrigiram as falhas nesse sentido.
Mais absurdo no entanto do que permitir que uma ME/EPP se beneficie,
num mesmo ano, em várias licitações, angariando vários contratos que
92
Conforme redação dos arts. 1º, III; 47, caput, da LC nº 123/2006; art. 1º, I, II e III do Decreto nº 6.204/2007. 93 LIMA, Jonas Sidnei Santiago de Medeiros. Obra citada. p. 58
90
ultrapassam em muito seu limite de enquadramento, é permitir que essa
mesma empresa, de maneira fraudulenta, participe de licitações diferenciadas
nos anos seguintes por simplesmente não ter promovido seu
desenquadramento junto à Receita Federal. Daí a importancia de certas
diligencias por parte da Administração, como destacamos no ponto 4.1. deste
trabalho. Esta situação também foi alertada por Jonas Lima em sua obra, que
datada de 2008, tem se demonstrado demasiadamente atualizada, posto que
prenunciou a situação que vem sendo exaustivamente encontrada pelo
Tribunal de Contas da União, em vários acórdãos recentes sobre o assunto.
Assim lecionou o autor
No Brasil está constatado um grave problema para o qual a lei não trouxe uma solução e que se alastra a cada dia, que é a falta de monitoramento e integração de dados sobre os contratos públicos assumidos pela empresa a cada dia. Existem empresas que apenas em 2007 ganharam contratos públicos de mais de 10 (dez) milhões anuais e continuaram se qualificando como microempresas ou empresas de pequeno porte, inclusive no www.comprasnet.gov.br, o que poderia ser verificado facilmente em vista dos valores constantes nas próprias atas publicadas naquele portal de compras e, em seguida, dos valores que vem sendo pagos mensalmente por órgãos federais, conforme dados do exercício de 2007, constantes no www.transparencia.gov.br.
94
Exemplos da deturpação acima transcrita extraem-se de vários acórdãos
do TCU que se trará à colação.
Um caso paradigmático que alçou aquele tribunal, versou sobre
determinada “pequena empresa” que, prevalecendo-se do benefício do empate
ficto ofereceu proposta que cobriria o preço até então melhor colocado,
ofertando o valor de R$ 22.174.999,99, sendo então declarada vencedora pelo
pregoeiro. Não bastasse a polêmica de uma pequena empresa que se valesse
dos benefícios da LC nº 123/2006 para arrebatar contrato de vinte e dois
milhões, um valor quase dez vezes superior ao limite de enquadramento da
EPP, a empresa em questão já havia vencido em anos anteriores várias
licitações, se valendo dos benefícios da lei complementar, tendo auferido em
anos anteriores contratos de mais de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais),
num único exercício. Assim dispõe o Acórdão 193/2010, de relatoria do Ministro
José Múcio Monteiro:
94 LIMA, Jonas Sidnei Santiago de Medeiros. Obra citada. p. 120, 121
91
...foram realizadas consultas às bases de dados do Siafi para verificar os valores totais das ordens bancárias emitidas em favor da empresa Star Segur nos dois últimos anos. Constatou-se que, no ano de 2008, foram emitidas 54 ordens bancárias tendo como favorecida a empresa com CNPJ nº (...), totalizando R$ 3.110.146,08. Deduzindo-se desse total o valor das ordens bancárias canceladas, verificou-se que o montante de R$ 1.756.479,03 foi pago à empresa naquele ano (fls. 28 a 31). Apesar desse valor não exceder o limite de R$ 2.400.000,00 definido na Lei Complementar para EPP, cabe considerar que ele em muito ultrapassa o limite para ME (R$ 240.000,00), que foi a condição sob a qual a (...) participou do Pregão nº 13/2009, e que esse valor se refere apenas aos serviços prestados a órgãos federais. Valor um pouco maior consta do Portal da Transparência, a saber, a quantia de R$ 1.795.854,46 recebidos pela Star Segur (fl. 32), o qual inclui também valores recebidos com base em convênios federais. Restaria verificar o quanto a empresa faturou em decorrência de contratos firmados diretamente com órgãos estaduais e municipais ou com outras empresas privadas, informações essas não incluídas nos bancos de dados consultados. 26. Quanto aos valores recebidos em 2009, consulta ao Siafi indicou a emissão de 53 ordens bancárias em favor da (...), as quais totalizaram a quantia de R$ 10.486.091,63 (fls. 33 a 36). As informações apresentadas no Portal da Transparência dão conta de um montante um pouco menor de pagamentos, totalizando R$ 8.668.076,01 (fl. 37). Independentemente do valor exato recebido em 2009, esses valores ultrapassaram muito os limites de receita bruta para o enquadramento na condição de ME e EPP. 27. Portanto, tomadas em conjunto, essas informações demonstram que a empresa tem faturado, nos últimos anos, valores muito acima do limite de receita para ser enquadrada como microempresa. Restaria solicitar à empresa informações referentes aos seus balanços contábeis, com o objetivo de verificar, de forma mais exata e abrangente, a receita bruta por ela auferida nos últimos anos. (destacamos)
É de se ressaltar que, conforme demonstrado no Acórdão, a empresa já
vinha participando de certames de maneira ilegal, desde o ano de 2008. O que
causa certa espécie é que a Administração não foi apta para inibir a conduta
criminosa reiterada pela empresa até o recebimento da representação no TCU
que deu origem ao Acórdão em tela. Destacando-se que a representação foi
feita por outro licitante que se sentiu prejudicado e não em razão de diligências
efetuadas de ofício pela Administração.
Realizadas as diligências por parte do TCU, o tribunal conheceu da
representação e decidiu :
9.2. determinar cautelarmente ao Instituto Nacional do Seguro Social que suspenda todos os procedimentos relativos à execução do contrato firmado com a empresa (...) ME em decorrência do Pregão Eletrônico nº 13/2009, até que este Tribunal delibere definitivamente sobre a matéria;
92
9.3. realizar a oitiva de (...), pregoeiro do INSS, para que, no prazo de cinco dias úteis apresente justificativas para a aceitação da proposta de preços com salário do operador abaixo do mínimo legal previsto para o período da contratação, mesmo que vigente somente a partir de janeiro de 2010, uma vez que já era conhecido de todos quando da elaboração das propostas;
Não obstante o caso em tela ter se tornado paradigmático, já que foi o
primeiro a ser julgado sobre a questão, no ano de 2010 o que se notou foi um
bom número de representações com alegações semelhantes, levando aquele
tribunal a declarar a inidoneidade e suspender da participação de licitação
várias empresas, no ambito da União. Confira-se ainda o Acórdão 3217/2010 –
Plenário, onde também determinada empresa usufruiu irregularmente dos
benefícios da LC nº 123/2006, auferindo receita superior a seis milhões de
reais em ano-calendário anterior ao usufruto de benefícios, e no ano em que
usufruiu dos benefícios venceu mais de dez licitações reservadas à
participação exclusiva de ME/EPP, somente no âmbito da Administração
Pública Federal. Veja-se trechos do acórdão em questão:
SUMÁRIO: REPRESENTAÇÃO. PARTICIPAÇÃO EM LICITAÇÃO RESERVADA A MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. FRAUDE À LICITAÇÃO. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE. - A participação em licitação reservada a microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP) por sociedade que não se enquadra na definição legal reservada a essas categorias configura fraude ao certame. - A responsabilidade pela manutenção, atualização e veracidade das declarações de pertença às categorias acima compete às firmas licitantes [...] No caso, restou suficientemente comprovado que a CEFA 3 Ltda., no ano de 2007, recebeu, somente em Ordens Bancárias oriundas de órgãos públicos federais, R$ 6.242.705,97, e que, no ano seguinte, além de não formular, perante a Junta Comercial competente, o devido pedido de desenquadramento da situação de empresa de pequeno porte, venceu as seguintes licitações, restritas à participação de ME e EPP: Convites nº 03/2008, nº 13/2008 e nº 16/2008, da 9ª Bateria de Artilharia Antiaérea; Convite nº 12/2008, do Batalhão de Manutenção de Armamento; Convites nº 08/2008, nº 09/2008 e nº 10/2008, da Biblioteca do Exército; Convites nº 10/2008 e nº 12/2008, do Centro de Avaliação do Exército; Convites nº 38/2008, nº 39/2008 e nº 81/2008, do Centro Tecnológico do Exército; Convites nº 01/2008 e nº 03/2008, do Colégio Militar do Rio de Janeiro; Convite nº 05/2008 e Pregão nº 01/2008, da 9ª Brigada de Infantaria Motorizada; Pregão Eletrônico nº 1/2008, da Comissão Regional de Obras/1;
93
Convites nº 09/2008 e nº 13/2008, da Escola de Instrução Especializada; Pregão nº 02/2008, do Instituto Nacional de Tecnologia - MCT; Pregão nº 04/2008, do Arquivo Nacional. (Acórdão 3217/2010. Ministro Relator: Walton Alencar Rodrigues)
Tendo em vista a gravidade da situação, o Tribunal não só decidiu pela
declaração de inidoneidade da empresa, como determinou fosse oficiados os
órgãos competentes para apuração das demais questões envolvidas nas
searas criminal, tributária, previdenciária, entre outros, in verbis:
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão Plenária, ante as razões expostas pelo Relator, em: 9.1. conhecer da representação e considerá-la procedente; 9.2. declarar, com fundamento no art. 46 da Lei nº 8.443/1992, a inidoneidade da empresa CEFA 3 Comércio e Prestação de Serviços Ltda. (CNPJ 05.575.863/0001-00), para licitar com a Administração Pública, pelo período de dezoito meses, por ter vencido licitações destinadas exclusivamente à participação de Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, não obstante ostentar faturamento bruto superior ao limite previsto no art. 3º da Lei Complementar nº 123/2006; [...] 9.5. encaminhar cópia destes autos, bem como do presente decisum, ao Ministério Público Federal, à Secretaria da Receita Federal do Brasil/MF e à Secretaria de Direito Econômico/MJ (Acórdão 3217/2010. Ministro Relator: Walton Alencar Rodrigues)
Pode-se citar ainda os Acórdãos 1028/2010, 1972/2010, 2429/2010,
2578/2010, 2846/2010, 2847/2010, 2928/2010 e 3381/2010, todos do Plenário,
também tratando a respeito do tema. Percebe-se portanto que a utilização
indevida do benefício não tem se constituído em fato isolado, antes tem
aumentado sua incidência, reclamando da Administração um controle mais
efetivo, a fim de que o tratamento diferenciado estabelecido pela LC nº
123/2006 não seja apenas mais um instrumento na mão de empresas
inescrupulosas que tem se utilizado dos benefícios para locupletar-se
indevidamente, em vez de ser instrumento de promoção da igualdade material.
Cabe encerrar o presente tópico com a pertinente observação de Jonas Lima:
Urge, portanto, corrigir essa situação, com uma mudança legislativa, mudança nos sistemas, ainda mais integração de dados, ou seja, a oficialização do acompanhamento do crescimento da empresa nas licitações e nos contratos públicos, a exemplo do que fazem os norte-americanos, que passam a monitorar sempre os contratos que vão
94
sendo assumidos pelas empresas enquadradas no conceito de small business.
95
Por fim, destacamos uma última situaçao que também tem sido utilizada
por grandes ou médias empresas a fim de burlar as licitações diferenciadas,
mas que até o momento não há registros de atuações dos órgãos de controle
para inibir a situação. Alguns sócios de empresas que antes da edição da LC
nº 123/2006, eram proprietários de empresas de médio e grande porte fizeram,
a partir da edição do estatuto, modificações em seus atos constitutivos, a fim
de adequá-los, em termos de participação societária a limites aceitos pela LC
nº 123/2006, como por exemplo reduzindo sua participação em grandes
empresas a menos que 10%, a fim de criarem outras pessoas jurídicas
enquadradas como ME/EPP, com o fito de usufruir dos benefícios da legislação
mencionada. Há casos de sócios, que, em momento concomitante a edição da
lei, criaram pequena empresa para participar de licitações, reduziram sua cota-
parte nas grandes empresas a 9% do capital social, indicando claramente a
manobra efetuada apenas com o fito de usufruir indevidamente dos benefícios
da LC nº 123/2006.
Obviamente há também casos de pequenas empresas de fachada, que
não obstante possuírem sócios que não possuem capital social de outras
empresas, constituem-se em meros “laranjas” para atuação disfarçada de
grandes empresas, havendo casos em que toda a estrutura utilizada pela
pequena empresa é a disponibilizada pela grande empresa, inclusive
maquinário, uniformes, etc, estando apenas formalmente criada a pequena
empresa, para atuação nas licitações exclusivas ou com tratamento
diferenciado para esse segmento.
95 LIMA, Jonas Sidnei Santiago de Medeiros. Obra citada. p. 121, 122
95
5 Conclusão
Em ousada franqueza, tomamos como nossa a manifestação de Rogério
Greco, aplicando-a a nossa visão hermenêutica da parte atinente à licitações
na LC nº 123/2006 e de seu regulamento federal, tomados em termos gerais:
Na minha época de faculdade [...] os professores sempre diziam “a lei é sábia”, “o legislador é sábio” e “a lei não contém palavras inúteis”. Pra falar a verdade eu nunca encontrei lei sábia, nunca vi um legislador sábio e muito menos que a lei não contenha palavras inúteis. Você tem que se virar, você tem que se desdobrar pra entender exatamente o quê que o legislador quis dizer, ao colocar uma palavra ou não colocar, enfim, a nossa situação é extremamente complicada. [...]Interpretar não é tarefa fácil.
96
Apesar de restar clara a intenção do legislador em beneficiar as
pequenas empresas, promovendo o desenvolvimento regional delas, sua
inserção em maior fatia no mercado, seu crescimento e emancipação, sua
inovação tecnológica, entre outros objetivos já exaustivamente discutidos, não
podemos dizer, a esta altura, que a norma esteja cumprindo perfeitamente
seus objetivos.
O que se nota é que a via eleita pelo legislador para promover os fins
que elegeu, não foi necessariamente a mais adequuada. A atecnia da lei tem
prejudicado em muito seu implemento com sucesso. Os variados
entendimentos, que numa tentativa de interpretação sistemática, tentam
“salvar” a lei muitas vezes se chocam, produzindo consequencias drásticas e
pouco desejáveis do ponto de vista prático para o aplicador mais próximo da
norma, quais sejam as comissões de licitação e pregoeiros. Exemplo clássico
desse choque é o aventado no ponto 4.1 quanto ao momento adequado para
que a empresa comprove a regularidade fiscal. O entendimento do órgão de
controle conflita com o entendimento consignado no regulamento federal. Qual
deles o gestor adota?
Ao mesmo tempo, posicionamentos extremados que simplesmente
orientam ao Administrador que se ignore certas partes da lei também não
96
GRECO, Rogério. Aula proferida no programa “Saber Direito”, transmitido pela TV Justiça, em 14/06/2010. Disponível para consulta no site http://videos.tvjustica.jus.br/.
96
podem ser levados a cabo, principalmente na esfera federal, onde o
regulamento optou por obrigar em momentos que a lei ofereceria uma
faculdade - que também para alguns na verdade não seria uma faculdade, mas
sim um poder-dever.
As críticas à lei, traçadas por Marçal Justen Filho, resumem a
perspectiva que tem rondado os aplicadores da norma, in verbis
Ao invés de produzir-se a simplificação e a racionalização dos certames, introduzem-se regras que vão tornando a licitação um processo administrativo cada vez mais incompreensível para os leigos. Mas a maior crítica reside na desnecessidade da adoção desses complexos instrumentos, especialmente em vista da consagração de um regime tributário simplificado e menos oneroso.
Apesar da óbvia dificuldade de implementação da lei em razão de sua
sofrível redação, realizou-se através do Decreto nº 6.204/2007 sua
regulamentação em ambito federal. Numa análise estatística, podemos traçar
até mesmo um cenário positivo, tendo em vista que a participação das
ME/EPP‟s nas licitações públicas aumentou significativamente após a edição e
implementação da LC nº 123/2006, tendo a concessão dos benefícios
contribuído de forma relevante para esse crescimento na participação
percentual das ME/EPP‟s nas compras públicas.
O que não se pode ver na análise estatística no entanto é o tratamento
qualitativo que vem sendo dado ao assunto. Por isso ao aprofundar a análise,
com base principalmente nos cases julgados pelos Tribunal de Contas da
União, depara-se com outro problema, que é a falta de instrumentos eficientes
para evitar a utilização indevida dos benefícios, como se discutiu no item 4.4.
deste trabalho.
Tem sido tão precária a atuação da Administração no controle e
concessão dos benefícios que só recentemente, após quase quatro anos de
vigência da lei, é que tem sido evidenciados os abusos cometidos por supostas
pequenas empresas na utilização indevida dos benefícios, fraudando seguidos
certames licitatórios, como no caso visto em que a “pequena empresa” ganhou
onze licitações exclusivas para ME/EPP sem sê-lo.
A fim de concretizar uma aplicação séria da lei que consiga ou pelo
menos avance no sentido de alcançar os objetivos mencionados no início desta
97
conclusão, a Administração deve investir na integração dos seus sistemas, de
forma a identificar as empresas que já ultrapassaram os limites de
enquadramento como ME/EPP, a fim de alijá-las do certame, deve qualificar os
servidores que atuam na área de licitações e contratos, que muitas vezes,
sequer possuem formação jurídica ou contábil, para que estejam preparados,
por exemplo, para identificar os balanços patrimoniais de uma empresa. Deve
por fim atuar de forma preventiva, atualizando nos sistemas de cadastramento
interno, a exemplo do SICAF (Sistema de Cadastramento de Fornecedores) no
governo federal, a situação da empresa quanto ao seu enquadramento. Deve
fazer tudo isso de forma a oferecer pelo menos o norteamento adequado a que
o aplicador da norma tome a decisão mais adequada frente ao caso concreto.
98
6 Referências bibliográficas
BABINI, Fernanda. A Lei Complementar nº 123/2006 e suas inconsistências.
Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo
Horizonte, ano 6, n. 70, out. 2007. Disponível em: <http://www.editoraforum.
com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=47850>. Acesso em: 3 julho
2010.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de
1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/;
BRASIL. Decreto nº 6.204, de 05 de setembro de 2007. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/;
BRASIL. Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte,
Lei Complementar 123, de 14 de dezembro de 2006. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/;
BRAZUNA, José Luis Ribeiro. Lei Complementar nº 123/2006:
inconstitucionalidade dos benefícios para microempresas e empresas de
pequeno porte em licitações públicas. Biblioteca Digital Fórum de Contratação
e Gestão Pública - FCGP, Belo Horizonte, ano 8, n. 94,out. 2009. Disponível
em: <http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=
62985>. Acesso em: 3 julho 2010.
DARDES, Cynthia de Fátima. Pregão eletrônico e as microempresas,
empresas de pequeno porte e cooperativas. Biblioteca Digital Fórum de
Contratação e Gestão Pública FCGP, Belo Horizonte, ano 8, n. 87, mar. 2009.
Disponível em: http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?id
Conteudo =56957. Acesso em: 9 maio 2010.
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. O Estatuto Nacional da Microempresa e
da Empresa de Pequeno Porte, a Lei de Licitações e Contratos e a Lei do
99
Pregão. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP,
Belo Horizonte, ano 6, n. 65, maio 2007. Disponível em: <http://www.editora
forum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=40460>. Acesso em: 3
julho 2010.
FERRAZ, Luciano. FUNÇÃO REGULATÓRIA DA LICITAÇÃO. Revista
Eletrônica de Direito Administrativo Econômico (REDAE), Salvador, Instituto
Brasileiro de Direito Público, nº 19, agosto/setembro/outubro, 2009. Disponível
na internet: http://www.direitodoestado.com/ revista/REDAE-19-AGOSTO-2009-
LUCIANO-FERRAZ.pdf. Acesso em: 9 maio 2010.
FORTINI, Cristiana. Micro e pequenas empresas: as regras de habilitação,
empate e desempate na lei complementar nº 123 e no Decreto nº 6.204/07.
Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo
Horizonte, ano 7, n. 79, julho. 2008. Disponível em:
<http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=5423
4>. Acesso em: 9 maio 2010.
FORTINI, Cristiana; PEREIRA, Maria Fernanda Pires de Carvalho; CAMARÃO,
Tatiana Martins da Costa. Licitações e contratos: aspectos relevantes. 2. ed.
ampliada. Belo Horizonte:Fórum, 2008.
GASPARINI, Diógenes. Pregão presencial e microempresa. Biblioteca Digital
Fórum de Contratação e Gestão Pública - FCGP, Belo Horizonte, ano 8, n. 86,
fev. 2009. Disponível em: <http://www.editora forum.com.br/bid/bidConteudo
Show.aspx?idConteudo=56730>. Acesso em: 3 julho 2010.
GRECO, Rogério. Aula proferida no programa “Saber Direito”, transmitido pela
TV Justiça, em 14/06/2010. Disponível para consulta no site
http://videos.tvjustica.jus.br/.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos
Administrativos. Ed. Dialética, 2009.
100
LIMA, Jonas Sidnei Santiago de Medeiros. Licitações à luz do novo estatuto da
microempresa. Campinas, SP: Servanda Editora, 2008.
MOTTA,Carlos Pinto coelho. Eficácia nas licitações e contratos: estudos e
comentários sobre as Leis 8.666/93 e 8.987/95, a nova modalidade do pregão
e o pregão eletrônico; impactos da lei de responsabilidade fiscal, legislação,
doutrina e jurisprudência.9.ed. rev., atual. e ampl. - Belo Horizonte: Del Rey,
2002.
PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. O tratamento
diferenciado às microempresas, empresas de pequeno porte e sociedades
cooperativas nas contratações públicas, segundo as cláusulas gerais e os
conceitos jurídicos indeterminados acolhidos na Lei Complementar nº 123/06 e
no Decreto Federal nº 6.204/07. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e
Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 7, n. 74, fev. 2008. Disponível
em: <http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=
52292>. Acesso em: 13 janeiro 2011.
RIGOLIN, Ivan Barbosa. Micro e pequenas empresas em licitação – A LC n.
123, de 14/12/06 – Comentários aos artigos 42 a 49. Fórum de Contratação e
Gestão Pública – FCGP. Belo Horizonte, ano 6, n. 61, p. 33-41, jan. 2007.
SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Licitações e o novo estatuto da
pequena e microempresa: reflexos práticos da LC nº 123/06.2.ed. atual. e
ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2009. Disponível em:
<http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=>.
Acesso em: 9 jul 2010.
SANTOS, José Anacleto Abduch. AS LICITAÇÕES E O ESTATUTO DA
MICROEMPRESA. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE),
Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 14, junho/julho/agosto, 2008.
Disponível na internet: <http://www.direitodoestado.com.br/ rere.asp>. Acesso
em: 9 maio 2010.
101
SCARPINO JUNIOR, Luiz Eugenio. As licitações diferenciadas na Lei Geral da
Micro e Pequena Empresa, princípios da isonomia e economicidade nas
contratações públicas. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão
Pública — FCGP, Belo Horizonte, ano 8, n. 90, jun. 2009. Disponível em:
<http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=5777
2>. Acesso em: 3 julho 2010