Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”
ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013
GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 60
GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América
Latina
Nações e desenvolvimento na América Latina
Olívia Carolino Pires
Resumo: O presente artigo tem como objetivo examinar a questão nacional como desdobramento da contradição que move o processo histórico na América Latina. Nos marcos do referencial de análise do método do materialismo histórico dialético, tratando-se de um processo histórico diferente do que aconteceu na Europa, é de se supor que o pensamento crítico sobre as determinações dessa realidade tenha um conteúdo com especificidades próprias, em relação ao assumido nas formulações do marxismo clássico, que reflete a contradição que move o processo histórico europeu e se universalizou como o fundamento do pensamento crítico da classe trabalhadora em nível mundial.Para apoiar essa reflexão trazemos a contribuição de Vito Antonio Letizia por meio de documentos bibliográficos a respeito dessa temática. Nas contribuições de Letizia vamos destacar o que ele chama de aleijume na formação nacional, nas ex-colônias do continente a oeste do Atlântico. O aleijume na formação nacional coloca ao pensamento crítico marxista no caso latino-americano, o tema da Libertação Nacional, fundamental para maior parte dos povos e que não era uma proposição original de Marx. Para nos ajudar a sustentar essa hipótese trazemos também as contribuições de Fernando Martinez Heredia. Nossas análises preliminares conduzem à idéia de que a formulação política de um “horizonte de tarefas nacionais e democráticas pendentes de serem realizadas” pode contribuir para a organização e lutas dos trabalhadores. Palavras-chave: marxismo; libertação nacional; socialismo.
1) Introdução A América Latina, a partir das contradições de seu processo histórico de
desenvolvimento capitalista, apresenta peculiaridades na questão das formações nacionais,
amplamente abordadas nos estudos do subdesenvolvimento, capitalismo periférico e
dependente. Essas teorias se constituem a partir da formulação bastante conhecida de que o
capitalismo sempre foi um modo de produção mundial, de valorização em escala internacional
e universal, mas que se desenvolve em formações sócio-econômicas específicas. Tomamos
esse pressuposto como ponto de partida para uma reflexão sobre a questão nacional, com
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vistas a reunir elementos para examinar a hipótese de que, dessa especificidade deriva um
sentido nacional próprio de cada formação sócio-econômica.
O objetivo desse artigo é examinar a questão nacional como desdobramento da
contradição que move o processo histórico na América Latina. Nos marcos do referencial de
análise do método do materialismo histórico dialético, tratando-se de um processo histórico
diferente do que aconteceu na Europa, com uma base material distinta, é de se supor que o
pensamento crítico sobre as determinações dessa realidade tenha um conteúdo com
especificidades próprias, em relação ao assumido nas formulações do marxismo clássico, que
reflete a contradição que move o processo histórico europeu e se universalizou como o
fundamento do pensamento crítico da classe trabalhadora em nível mundial.
No presente artigo apresentamos uma revisão bibliográfica a fim de reunir
contribuições que permitam examinar as contradições do desenvolvimento capitalista na
América Latina, que colocam ao pensamento crítico marxista o tema de tarefas pendentes a
serem realizadas na construção nacional, sem o qual não se pode pensar em democracia e nem
em uma esfera de desenvolvimento autônomo para povos que aqui habitam1.
Para essa reflexão trazemos a contribuição de Vito Antonio Letizia2 por meio de
documentos bibliográficos e entrevistas a respeito dessa temática. Nas contribuições de
Letizia vamos destacar o que ele chama de aleijume na formação nacional, nas ex-colônias do
continente a oeste do Atlântico. O aleijume na formação nacional coloca ao pensamento
crítico marxista no caso latino-americano, o tema da Libertação Nacional, fundamental para
maior parte dos povos e que não era uma proposição original de Marx. Para nos ajudar a
sustentar essa hipótese trazemos também as contribuições de Fernando Martinez Heredia3.
No presente artigo, nosso propósito é promover um “encontro” de dois professoresque
foram fundamentais na minha formação e que despertaram em conversas e estudos esse tema
objeto da pesquisa que venho desenvolvendo sob a orientação do professor doutor Lúcio
Flávio Rodrigues de Almeida, para quem a questão nacional também é muito cara,
1Obras como as de Michel Lowÿ - Marxismo na América Latina: Uma antologia de 1909 aos dias atuais (2ª
edição) (2006, Editora Perseu Abramo ) - colocam as especificidades da América latina, nas pautas das
discussões marxistas. 2VitoAntonioLetizia foi professor de Economia da PUC SP, fundador do grupo Interludium reflexões
anticapitalistas em 2011, autor de A Grande Crise Rastejante, Editora Caros Amigos 2012. 3Fernando Martinez Heredia: Doutor em Direito e professor titular adjunto da Universidad de La Habana, onde
dirigido Departamento de Filosofia. Trabalha como investigador titular do Centro Juan Marinello, do Ministério
de Cultura de Cuba. Ensaísta e historiador, foi diretor da revista cubana Pensamiento Crítico, e se dedicou as
pesquisas sobre a revolução,a historia cubana e aos movimentos populares latinoamericanos. É autor de uma
dezena de livros e de mais de 200 ensaios y artígos publicados em numerosos países. É membro da Unión de
Escritores y Artistas de Cuba.
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contribuindo com um contraponto em relação aos desdobramentos políticos inerentes à
ideologia nacional4.
Numa primeira aproximação podemos identificar pelo menos dois tipos de
apropriações da questão nacional5. Uma delas é a que predomina a questão nacional como
ideologia burguesa. Exemplos dessa apropriação, vão desde movimentos de massa em nome
da questão nacional que levaram a nazismo ou fascismo até processos que em torno da
questão nacional foram feitas alianças de classe entre a burguesia e os trabalhadores que
comprometeram o avanço de nas lutas desses últimos. A segunda forma de apropriação pode
ser caracterizada pela presença do apelo ao "nacional"em siglas representativas de
organizações, movimentos e partidos que não separam libertação nacional de socialismo e
antiimperialismo em seus processos de lutas.6
Analisar a questão da apropriação do "nacional" é relevante, pois se trata de uma
temática presente em formulações como as do nacional desenvolvimentismo, e atualmente no
debate sobre o chamado neodesenvolvimentismo em alguns países da América Latina
defendido com propostas ancoradas em ideologias e matizes políticas diversas.
Esse cenário de diversidade de apropriação do "nacional" coloca uma indagação que
acreditamos ser importante para a classe trabalhadora, qual seja: a formulação política de um
“horizonte de tarefas nacionais pendentes de serem realizadas” contribui para a organização e
lutas dos trabalhadores ou representa um retrocesso, um rebaixamento de programa
partidáriosou até uma ameaça?
4 ALMEIDA, 1997,em Nacionalitarismo e democracia: para um reexame da questão nacional sustenta a
hipótese que o nacionalismo de "nação oprimida", não está sempre articulado a programas político-ideológico
das classes dominadas. Ao contrário, esta articulação é um resultado potencial das lutas de classes. 5 ALMEIDA 1997 se refere a um duplo caráter das lutas nacionais:“Uma fonte inesgotável de equívocos sobre o
nacionalismo consiste em tratá-lo diretamente, sem considerar a estrutura ideológica que lhes confere pertinência
política. É o estudo da ideologia nacional que possibilita a inteligibilidade teórica do nacionalismo. A ideologia
nacional postula a existência de um igualitarismo especifico que se constitui entre os membros de uma
comunidade cuja soberania se expressa no Estado-Nação. Compartilho da tese de que esse igualitarismo, que
apresenta a todos os membros da referida comunidade como indivíduos – sujeitos, é fundamental para a
reprodução da dominação capitalista de classe. Daí o duplo caráter das lutas nacionais nos processos de
revolução burguesa. Por um lado, existe um aspecto "progressista", pois estes processos se voltam para
constituição de uma nova estrutura jurídico-política (burguesa) indispensável para a instauração desse
igualitarismo específico: o igualitarismo nacional. Por outro lado, este igualitarismo se articula a um novo tipo
de dominação de classe (a dominação capitalista), sendo fundamental para a reprodução desta”. (ALMEIDA,
1997, p. 86) 6Exemplos: Ação Libertadora Nacional (Brasil, 1966), Frente Sandinista de Libertação Nacional (Nicaragua,
1979), Frente FarabundoMarti de Libertação Nacional (El, Salvador,1980), Exercito Zapatista de Libertação
Nacional (México, 1994) etc. Também processos como no Viet Nam, China, Corea,nas colônias portuguesas e
Argélia Estados na África se qualificaram como socialistas nas primeras décadas de sua existência enquanto tal,
e foram marcados por movimentos políticos que desejavam unir a justiça social a busca de Libertação Nacional.
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A busca de respostas para essa questão deve levar em conta necessariamente essa
dupla apropriação do "nacional" tanto em termos da primeira forma de apropriação,
relacionada a questão nacional como ideologia burguesa quanto em termos da segunda forma
de apropriação do "nacional" relacionado a processos emancipatórios7.
Nosso propósito é focalizar essa segunda apropriação do "nacional" por seu vínculo
umbilical com a história daAmérica Latina, que por suas características trouxe novas
formulações e modos de pensar o desenvolvimento, a democracia e processos de transição
socialista com um conteúdo originalem relação ao marxismo especialmente na questão do
internacionalismo proletário.
Procurando reunir essas idéias, todas elas comprometidas com o pensamento crítico de
uma perspectiva da classe trabalhadora e com as transformações sociais, dividimos o artigo
em três momentos:
O primeiro momento Nações Negadas, baseado nas contribuições de Vito Letizia
aborda a contradição entre Sociedade OcidentalSociedades Nativas que tem como força
motriz a violência. Dessa contradição se desdobra o primeiro molde gerador da forma social
das colônias baseado em dois métodos de colonização: "sociedades subjugadas" e
"sociedades rejeitadas". Esse “modo de agir com violência” é a marca de como a contradição
vai se desenvolver no processo histórico do continente. Identificar a violência como força
motriz do processo explica a condição de sub-humanidade que foram lançados os povos
nativos do continente oeste atlântico que vem a ser uma violência de natureza distinta da
violência identificada por Marx na Assim chamada Acumulação Primitiva (CapítuloXXIV, O
Capital).
O segundo momento, Nações Aleijadas ainda apoiados nas contribuições de Letizia
reunimos elementos para examinar como a ressonância da revolução francesa trazendo os
ideais de emancipação da modernidade que repercute na América Latina e ficam restritos a
independência política da burguesia o que esvazia a questão nacional dos Movimentos de
Independência. Ao esvaziar a luta emancipatória de seu sentido nacional as tarefas não-
realizadas no processo de independência reaparecem transmitidas a épocas posteriores.
E por fim, Nações por venir se baseia nas contribuições do cubano Fernando M.
Heredia que mostra as peculiaridades que fazem com que no processo histórico da América
7 “Uma fonte inesgotável de equívocos sobre o nacionalismo consiste em tratá-lo diretamente, sem considerar a
estrutura ideológica que lhes confere pertinência política (ALMEIDA, 1997, p. 86)
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Latina os povos do continente estão condenados a ir além dos ideais da modernidade, e
portanto dessas aspirações, para virem a se constituir como nações.
2) Nações Negadas
(LETIZIA, 2012) nos sugere análise de longa duração para captar a contradição que
move o processo histórico no continente a pretexto de identificar as forças sociais cujas
contradições puseram em movimento cada momento sucessivo do processo histórico do
Continente Oeste-Atlântico. O autor se refere a Continente Oeste Atlântico em vez de
América porque essa só passou a existir realmente quando as colônias nele criadas pela
Sociedade Ocidental se emanciparam.8
O termo invasão em si remete à violência. A invasão dos espanhóis e portugueses nas
terras das colônias ocidentais destroem as sociedades nativas com objetivo fundamental de
torná-las fonte de riqueza mercantil, isto principalmente metais monetizáveis. O que move a
colonização é a pressão crescente das cortes sobre os empreendedores mercantilistas por um
maior rendimento monetário das Colônia. Usufruindo de direitos exclusivos e privilégios, os
mercadores não deixariam de ser firmes guardiões dos laços com a metrópole, laços esses que
faziam das colônias oeste-atlântica meras extensões territoriais da Europa Ocidental.
(LETIZIA, 2012)
É recorrente nas análises críticas de interpretação da formação sócio econômica do Brasil
o entendimento muitas vezes generalizado para América de que "A ocupação econômica das
terras americanas constitui um episódio da expansão comercial da Europa" como diz Celso
Furtado (1968) no início do primeiro capitulo de seu livro Formação Econômico do Brasil.
Nesse capítulo ou episódio da expansão mercantilista a violência foi a protagonista e vai
marcar o desfecho do desenvolvimento no continente. Da perspectiva das preocupações de
nosso trabalho o que é preciso destacar que desse capítulo ou episódio se tem a primeira
contradição que move a história no Continente Oeste-Atlântico: a contradição entre Sociedade
OcidentalSociedades Nativas que tem como força motriz a violência9.
A força expansiva da economia mercantil ocidental fez com que o homem civilizado
ocidental se deparasse com sociedades nativas, sendo elas nações civilizadas ou nações
8FARRET , R. L. e PINTO, S. R. (2011) trabalham com a idéia de um processo de construção da idéia de
América Latina como conceito e simbologia na modernidade e identificam a criação do nome América Latina e a
sua predominância frente aos demais termos empregados para definir a identidade continental em fins do século
XIX, tais como hispanoamérica, indoámerica, iberoámérica, entre outros.
9“O primeiro confronto dessas forças se desenrolou sob o signo da violência, e sua coabitação - mais
precisamente a exploração do colonizado pelo colono - prosseguiu graças às baionetas e aos canhões"
(FANON, 1979, p 52)
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primitivas, a superioridade militar garantiu desequilíbrio de forças favorecendo a vitória das
forças invasoras. Dessa contradição se desdobra o primeiro molde gerador da forma social
das colônias, e do desfecho das guerras resultou o “modo de agir e a ideologia” que criaram
as relações de trabalho brutais com os nativos subjugados; relações reforçadas pelo tráfico e
pela exploração de escravos africanos, que não poderiam deixar de ser transferidas
parcialmente a toda forças de trabalho livre da época e que até hoje reproduzem o modo de
agir e a ideologia nas relações da burguesia com a classe operária, assim como as da
burguesia com seus serviçais prática notadamente comum nos atuais países americanos.
Nos moldes da violência e da negação se estrutura a forma social das colônias ocidentais
oeste-atlânticas, a forma de comunidades já distintas das comunidades metropolitanas, por
terem se tornado, só ali, aptas ao extermínio de povos inteiros ou sua exploração até o limite
último de suas forças físicas no trabalho compulsório. (Letizia, 2012)
A diferença que aqui registramos com os explorados nas metrópoles é a negação da
humanidade dos explorados. As sociedade nativas foram lançadas em condição de sub
humanidade ao descartar no processo de exploração a nação nativa como unidade básica e
funcional de toda, e qualquer, sociedade humana.
Só uma resistência vitoriosa de sociedades nativas poderia levar os colonos
a ampliar seu agir humano, o que geraria outro molde social básico, menos
brutal e mais igualitário nos novos países ocidentais em formação no
Continente Oeste-Atlântico. Isso não tendo sido possível, o uso exclusivo da
violência na exploração mercantil se tornou o modo de agir fundante das
sociedades coloniais ocidentais do Continente. (LETIZIA,2012,p.8)
Esse “modo de agir com violência” é a marca de como a contradição vai se desenvolver
no processo histórico do continente. É da contradição Sociedade OcidentalSociedades
Nativas que vem o impulso para o surgimento da contradição que trouxe as colônias
ocidentais à existência enquanto comunidades distintas das européias. Esses fatos explicam o
fundamento para compreender nesses termos que a nação que se constitui nas formações
sociais ocidentais a oeste atlantica como nações aleijadas.
3) Nações Aleijadas
A questão nacional tem um conteúdo distinto do processo europeu em se tratando do
processo da América Latina. Numa primeira aproximação diríamos: enquanto no primeiro as
aspirações nacionais foram sintetizadas na forma de organização social própria da dominação
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burguesa que é o Estado-Nação10; na segunda, essas aspirações repousam no povo portador da
tarefa de realizá-las11.
Para caracterizar a nação que na América se forma recorremos a contribuição de
LETIZIA que desenvolvimento capitalista mundial coube às ex-colônias uma formação
nacional aleijada. Na América Latina, os Estados nascidos dos Movimentos de
Independência12(1808 – 1829) das ex-colônias espanholas e portuguesa no século XIX, a
construção de novas nações se deu sob a liderança de burguesias que capitanearam a luta
emancipatória. Desse modo, as aspirações nacionais que a modernidade alçara a partir da
Europa repercutiram entre o povo pobre das ex-colônias, mas, alijados do processo
emancipatório, ficaram as aspirações pendentes de serem realizadas, sem aplicação na forma
de Estado-Nação que se constituiu. (LETIZIA, 2012)
A constituição da nação burguesa no século XIX na Europa ocidental esteve
relacionada às aspirações de universalizar os direitos políticos de populações inteiras alçadas
à vida de povos. Essa é uma tarefa histórica que surge como reivindicação antifeudal da
burguesia capitalista nascente no ocidente e que se manifesta pela exigência de novas formas
de propriedade, comandadas pela circulação de moeda de crédito, e de novas relações sociais,
tendentes a um individualismo mais desenvolvido, exigências estas postas pela primeira vez
pelo conjunto da sociedade européia a partir da Revolução Francesa. Esta tarefa histórica
decorre das convulsões sociais da Europa e repercutiram entre o povo.
De modo geral, na Europa, as bandeiras da “liberdade, igualdade, fraternidade”, embora
reduzida pela burguesia francesa a liberdade de empreendimento econômico, a igualdade
10“gradualmente se aproximariam de um modelo internacional de um Estado – Nação definido territorialmente,
com uma Constituição garantindo a propriedade e os direitos civis, assembleias representativas e governos
eleitos por elas e, quando possível, uma participação do povo comum na política dentro de limites tais que
garantissem a ordem social burguesa e evitassem o risco de ela ser derrubada.. (HOBSBAWM,2004, p. 19)
11Acreditamos que essa formulação vai ao encontro da diferença elaborada por Lenin entre os chamados
nacionalismo de “nação oprimida” e nacionalismo de “nação opressora” que segundo ALMEIDA (1997)
proporcionam referências teóricas importantes para se pensar a relação entre dependência e questões nacionais:
“A primeira distinção situa-se, portanto, entre, por um lado, movimentos nacionais que se dão em um contexto
marcado pela eclosão de revoluções burguesas e, por outro lado, aqueles que afloram em um contexto já
marcado pela ordem capitalista. Frequentemente, esta distinção adquire a forma de uma periodização,
referindo-se, neste caso, a duas grandes “épocas”: 1) derrocada do feudalismo e do absolutismo, na qual se
constituíram uma sociedade e um Estado burguês sob forma democrática, sob o impacto dos movimentos de
massas; 2) a época da ordem capitalista consolidada, com regime constitucional já estabelecido há muito tempo
e com antagonismo entre o proletariado e a burguesia bastante desenvolvido. Se a luta pelas liberdades
políticas em geral e, em particular, pelos direitos da nacionalidade, eram típicas da primeira época, a segunda
seria marcada pela ausência de movimentos democráticos burgueses de massas” (Lenin, 1971;590) IN
(ALMEIDA, 1997, p. 88) 12 Exemplos: Equador (1809),Venezuela (1810), México (1810), Paraguai (1811), Argentina (1816), Chile
(1818), Uruguai (1818), Nicarágua (1838), Guatemala (1839).
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formal perante a lei e a fraternidade entre as potências do Ocidente, foi e permanece
grandiosa, porque as tormentas revolucionárias européias do século XIX lhe deram um
significado universal.
LETIZIA (2012) nos sugere pensar como na América a bandeira da Revolução Francesa
teve uma tradução particular desse significado universal, exatamente por ser feita pelos
segmentos urbanos da classe mercantil colonial, que era o grupo social mais informado e mais
apto a responder aos acontecimentos europeus, assim como o mais interessado em mudanças
aparentemente alcançáveis nas relações com a metrópole.
A ressonância da Revolução Francesa na América Latina que se dá notadamente pelo
aparecimento dessas aspirações como decorrência da continuidade social entre as metrópoles
européias ocidentais e suas colônias americanas. A ressonância da Revolução Francesa que
chega à América de colonização ibérica como caráter civilizatório, repercute entre o povo
como aspiração à emancipação e desencadeia os Movimentos de Independência.
Consideramos importante destacar nessa análise é que essa repercussão se das formas
distorcidas, correspondentes ao rebaixamento humano das sociedades coloniais, onde as
grandes idéias revolucionárias só poderiam ser mal traduzidas por suas lideranças.Ou seja, no
Continente Oeste-Atlântico, as tormentas independentistas tiveram outros conteúdos.
Na América Latina, o segmento urbano das classes mercantis tentou
enquadrar a simpatia popular pela Revolução Francesa nos estreitos limites
de sua campanha contra o monopólio comercial de suas metrópoles. Para
isso traduziu “liberdade” como emancipação política, “igualdade” como
equiparação dos direitos de todos os países ao acesso ao comércio
internacional e “fraternidade” como alegre confraternização entre
escravistas, exploradores de nativos subjugados e “bons homens” de origem
européia, sem mexer nas hierarquias sociais estabelecidas durante a
colonização. (LETIZIA, p. 15 2012, p.)
O que essa análise traz de central para pensar a peculiaridade da questão nacional na
América é que a tarefa histórica colocada como pano de fundo nos Movimentos de
Independência esta relacionada a aspirações gerais dos povos da América de constituir-se em
nações.
É amplamente abordado na literatura sobre o período dos Movimentos de Independência
da América Latina que esses movimentos aparecem apenas como necessidade de
diferenciação de interesses econômicos regionais impulsionados pelo desenvolvimento do
mercado mundial capitalista, que vão aos poucos se afastando dos da metrópole, até
desembocar na necessidade de construção de uma nação livre politicamente. Letizia se refere
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a isso como “a visão de curto alcance característica comum a todas as burguesias
independentistas, mesmo as mais avançadas”.
Enquanto a burguesia reduzem os movimentos à "visão de curto alcance", o povo
estende seu horizonte. Para as classes exploradas e oprimidas, a Independência coloca como
aspiração à Igualdade, sentida como conquista imediatamente ligada à liberdade na nação
projetada no horizonte pela revolta geral.
A questão é que o povo, o povo explorado e oprimido não podia deixar de
ver a questão da liberdade como uma possibilidade concreta de universalizar
os direitos humanos e civis proclamados pela Revolução Francesa, o que o
fazia fundir a liberdade com a realização da igualdade, isto é, com a
abolição da escravatura e da servidão, inevitavelmente ligada ao livre acesso
à apropriação da terra para todos. E essas aspirações populares foram
frustradas nos movimentos de independência. (LETIZIA,2012,p. 20)
A análise de como se moveram as forças sociais nesse momento histórico é o
fundamento para se entender que apesar do processo ser portador do conteúdo da
emancipação os Movimentos de Independência na América Latina esvaziam esse conteúdona
medida em que as aspirações ficam restritas a independência econômica da colônia com
relação a economia da metrópole européia.
A aspiração da Liberdade no momento da independência fica restrita a autonomia da
colônia para seu desenvolvimento quando o interesse regional se contrapõe ao estrangeiro, ou
seja, o desenvolvimento do capitalismo nas colônias coloca a questão da autonomia e não
necessariamente a independência. Continua no poder o mesmo grupo social restrito, já
dominante durante a colônia o que reduziu a independência dessa área a mero desligamento
da administração metropolitana.
Á medida que na colônia a economia era integralmente imposta pela lógica europeia, o
regime de propriedade nos países da América Latina contrariava o desenvolvimento
capitalista que não pode prescindir da propriedade como base na qual os indivíduos formam
comunidades modernas. A propriedade capitalista impõe a frustração da aspiração da
Liberdade nos Movimentos de Libertação Nacional. Para as classes exploradas e oprimidas o
primeiro conteúdo frustrado da Independência, a Liberdade, se deu com a concretização da
proibição ao livre acesso ao uso dos recursos naturais e à propriedade da terra. Esse processo
se dá concretamente no caso do Brasil pela Lei de Terra de 1850.
Para o homem cindido da sociedade burguesa, só a propriedade lhe permite alçar-se ao
reconhecimento pleno como ser humano, com os direitos “naturais” burgueses inerentes ao
“Homem”.
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Nos novos estados nascidos da independência das ex-colônias oeste-
atlânticas, a construção de novas nações só poderia se dar sob a liderança da
burguesia que havia capitaneado a luta emancipatória e comandava as
relações internacionais.As aspirações materiais dos pobres das ex-colônias,
que não haviam comandado o processo emancipatório, ficaram sem
aplicação. Sendo que, com a falta de poder para decidir os rumos políticos
dos respectivos estados, estes perdiam o único meio de colocar o interesse
geral do povo, e não apenas o interesse restrito dos herdeiros do
empreendimento mercantil. (LETIZIA, 2012,p. 17)
Além da propriedade privada da terra para se desenvolver o capitalismo precisa da força
de trabalho que impõe a frustração à aspiração da Igualdade nos Movimentos de Libertação
Nacional. A universalização dos direitos civis se coloca como abolição da escravatura
africana e da servidão dos índios, instituições incompatíveis com a realização desta aspiração.
Para as burguesias de toda a América, de início a Igualdade simplesmente não se coloca, ou se
coloca às avessas, a saber: como manter o escravismo africano e a servidão dos índios em
meio à crise da sociedade colonial e à agitação das novas idéias libertárias vindas da Europa.
Cabe lembrar que esta tendência da burguesia foi facilitada, no momento das independências,
pelo bloqueio temporário da disseminação das conquistas da Revolução Francesa.
Não houve nos processos de independência da América Latina a apropriação do
território pelo povo nem a universalização dos direitos civis, portanto na América Latina a
constituição da nação esta liquidada na Independência que o povo não participou.
A não realização dessas tarefas históricas resulta o aleijume de nascença das sociedades
da América, divididas entre um estrato social com direitos civis efetivos maiores
(descendentes de imigrantes europeus, mas nem todos estes) e outro com direitos efetivos
menores (descendentes de escravos e de índios submetidos), inclusive a dos EUA, em que
pese o mito da “democracia americana”.
Letizia sintetiza:
É pela ausência de forças sociais que defendessem os interesses
econômicos gerais, que fracassou a construção nacional na área ibérica.
Continuou a prevalecer nos novos estados os interesses dos mesmos
empreendimentos baseados em mão-de-obra servil ou escrava, o que
esvaziou a luta emancipatória de seu sentido nacional. Por isso as
independências dessa área ficaram limitadas à emancipação política, mas
não porque a Inglaterra tenha impedido seu desenvolvimento econômico,
como reza certa tradição esquerdista latino-americana e sim porque foram
independências vazias de conteúdo social. (LETIZIA,2012,p. 21.)
Ao esvaziar a luta emancipatória de seu sentido nacional as tarefas não-realizadas no
processo de independência reaparecem transmitidas a épocas posteriores. A aspiração da
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Liberdade e Igualdade não realizadas na Independência da América Latina reaparece como
movimentos nacionalistas, que vão repercutir nos povos como movimentos anti-imperialistas.
4) Nações por venir
O processo de transitoriedade em formações sociais ou modos de produção esta
relacionadoa perspectiva do desenvolvimento de contradições como qual sintetizado por Marx
no célebre parágrafo do Prefácio a Introdução da Crítica a Economia Política.13. Baseado em
investigações do processo histórico Marx chega a um resultado em seus estudos resumindo
numa formulação que aponta para um sentido histórico que ao chegar a uma determinada fase
de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade se chocam com as relações
de produção existentes e se abre, assim, uma época de revolução social.
O conteúdo de desenvolvimento das contradições implícito no tema da Libertação
Nacional na história da América Latina aponta para uma perspectiva de sentido histórico
original com relação à formulação clássica de Marx. 14
Se no marxismo clássico o desenvolvimento era condição do socialismo, para os
países subdesenvolvidos o socialismo é condição do desenvolvimento (CASTRO, 1970).
Ponderamos que talvez não o socialismo, mas a realização de aspirações profundas do
povo latino americano que se move pela construção de nações democráticas na qual a relação
social de forças seria bem mais favorável ao proletariado, relação que é a condição
fundamental para qualquer possibilidade de realização do socialismo.
A diferença existente na concepção de transição socialista elaborada em regiões, onde se
deu a gênese e desenvolvimento do capitalismo e a produzida na parte do mundo que foi
arrastada e arrasada pela expansão mundial do capitalismo conduziu durante o século XX a
13
(...)O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu de fio condutor aos meus estudos, pode
resumir-se assim: na produção social da sua vida, os homens contraem determinadas relações necessárias e
independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada fase de
desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção forma a
estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e política e à
qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material
condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral. Não é a consciência do homem que
determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência. Ao chegar a uma
determinada fase de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade se chocam com as relações
de produção existentes, ou, o que não é senão a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro
das quais se desenvolveram até ali. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações se
convertem em obstáculos a elas. E se abre, assim, uma época de revolução social. (MARX,1982, p. 129)
14Marx concibióel socialismo como resultado deldesarrollo. Hoy para el mundo subdesarrolladoel socialismo ya
es incluso condicióndeldesarrollo. Porque si no se aplica el método socialista –poner todos los recursos naturales
y humanos del país al serviciodel país, encaminaresos recursos enladirecciónnecesaria para lograr los objetivos
sociales que se persiguen--, si no se haceeso, ningún país saldrádelsubdesarrollo.” Fidel Castro a los 244
graduados del Instituto de Economía de laUniversidad de La Habana, el 20-12-1969. (CASTRO, p. 133,1970)
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grandes desacertos teóricos e políticos que até hoje são flagrantes na determinação do sujeito
histórico, formas de luta, identificação do inimigo. Vamos nos concentrar num aspecto dessa
diferença, qual seja o entendimento sobre questão nacional.
Para identificar a diferença entre dois sentidos que a questão nacional15 assume nesses
dois processos históricos recorremos à contribuição de Fernando Martinez Heredia no texto
Concepto de Socialismo (2005) onde ele expõe a duas maneiras diferentes de entender o
socialismo no mundo do século XX. A primeira é a formulação clássica do marxismo assim
apresentada pelo autor:
A primeira é um socialismo que pretende mudar totalmente o sistema de
relações econômicas, mediante a racionalização dos processos de produção
e de trabalho, a eliminação do lucro, o crescimento sustentável das riquezas
e a satisfação crescentes das necessidades da população. Propõe-se eliminar
o caráter contraditório do progresso, cumprir o sentido da história, consumar
a obra da civilização e o ideal da modernidade. Seu material cultural prévio
foram três séculos de pensamento avançado europeu, que aportaram os
conceitos, as ideias acerca das instituições guardiãs da liberdade e da
equidade, e a fonte de crenças cívicas do Ocidente. Este socialismo propõe
consumar a promessa não cumprida da modernidade, introduzindo a justiça
social e a harmonia universal. Para triunfar, necessita um grande
desenvolvimento econômico e uma grande libertação dos trabalhadores, até
o ponto em que a economia deixe de ser medida pelo tempo de trabalho.
Neste socialismo a democracia seria posta em prática num grau muito
superior ao alcançadopelo capitalismo, inclusive nos projetos mais radicais.
(HEREDIA, 2005, p. 17, tradução nossa).
HEREDIA (2005) chama atenção para o fato de que no ambiente desse "primeiro
socialismo", portador de um sentido de consumar a obra da civilização e o ideal da
modernidade,se privilegia a significação burguesa do Estado, a nação e o nacionalismo
relacionados a instituições de dominação e manipulação.
O nacionalismo, como conceito derivado do processo histórico referente à gênese das
classes antagônicas e complementares, burguesia e proletariado, carrega essa contradição, que
as fronteiras nacionais assumem na lógica da racionalidade moderna.
O nacionalismo, política e ideal triunfante em grande parte do continente e
que parecia próximo a generalizar-se, seria superado pela ação do
proletariado paneuropeu, que conduziria finalmente o resto do mundo a uma
nova ordemnaqual nãohaveria fronteiras. As ideologias burguesas do
15
Acreditamos que a distinção desses dois sentidos do nacional vai ao encontro da distinção entre o caráter dos
movimentos nacionais que se articulam à distinção entre os chamados nacionalismo de “nação oprimida” e
nacionalismo de “nação opressora”. Segundo ALMEIDA (1997), o segundo nacionalismo, ao se tornar um
componente importante da revolução burguesa, especialmente (embora não seja condição necessária) em um
contexto marcado por um forte potencial de participações de massas, apresenta um aspecto democrático burguês.
(ALMEIDA, 1997, p. 89).
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progresso e da civilização podiam ser aceitas pelos proletários porque eles
as voltariam contra o domínio burguês: o socialismo seria a realização da
racionalidade moderna.(HEREDIA, 2005, p. 04, tradução nossa)
Essa concepção de nacionalismo traz implícita a conotação de um sujeito histórico16,
resultado de um processo de desenvolvimento do capitalismo, capaz de levar a cabo una nova
onda revolucionária como fora a da burguesa, de alcance mundial, mas com um conteúdo
oposto, libertador de todas as opressões e de todos os oprimidos. Com relação a esse sujeito
histórico portador das aspirações colocadas no programa da modernidade,o internacionalismo
proletário assume centralidade nos projetos políticos.
O interessante é comparar com projetos políticos que estão obrigados a ir muito além
do que os ideais da razão e da modernidade e por isso devem mover-se em outro terreno
como sugere Heredia:
A transição socialista dos países pobres deveria ser então o que a primeira
vista pareceria um paradoxo: o socialismo que está a seu alcance e o projeto
que pretende realizar estão obrigados a ir muito além do cumprimento dos
ideais da razão da modernidade e, de entrada, devem mover-se em outro
terreno. Seu caminho exige negar que a nova sociedade seja o resultado da
evolução do capitalismo, negar a ilusão de que apenas a expropriação dos
instrumentos do capitalismo permitirá construir uma sociedade que o
“supere” e negar-se a “cumprir etapas intermediárias” supostamente
“anteriores” ao socialismo. É dizer, a este socialismo que lhe é inevitável
trabalhar pela criação de uma nova concepção da vida e do mundo, ao
mesmo tempo em que se empenha em cumprir com suas práticas mais
imediatas. (HEREDIA, p.20, 2005)
Essa "segunda formulação sobre socialismo" que Heredia nos convida a pensar é
precisamente a que traz um conteúdo original com relação a essa primeira formulação clássica
do marxismo ao levar em conta o tema da libertação nacional. Ele assim se posiciona.
A outra maneira de entender o socialismo tem sido a de conquistar em um
país a libertação nacional e social, derrocando o poder estabelecidoe criando
um novo poder, pondo fim ao regime de exploração capitalistae seu sistema
de propriedade, eliminar a opressãoe abater a miséria, e efetuar uma grande
redistribuição das riquezas e da justiça. Suas práticas têm outros pontos de
partida. Suas conquistas fundamentais sãoo respeito à integridadee à
dignidade humana, a obtenção de alimentação, serviços de saúde,educação,
emprego e demais condições de uma qualidade de vida decente para todos, e
a implantação da prioridade dos diretos das maiorias e das premissas da
igualdade efetiva das pessoas, além de seu lugar social, gênero, raça eidade.
16 “A burguesia é considerada como classe revolucionária enquanto agente da grande indústria – em relação aos
feudais e ás classes médias decididos a manter todas as suas posições sociais, que são produto de modos de
produção caducos. Por outro lado, o proletariado é revolucionário frente à burguesia porque, resultante ele
próprio da grande indústria, tende a despojar a produção de seu caráter capitalista, que a burguesia procura
perpetuar.” (MARX, Gotha, 19)
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Garante sua ordem social e certo grau de desenvolvimento econômico e
social, mediante um poder muito forte e uma organização revolucionária a
serviço da causa, honestidade administrativa, centralização dos recursos e
suadestinação aos fins econômicos e sociais selecionados ou urgentes, busca
de relações econômicasinternacionais menos injustas, e planos de
desenvolvimento. (HEREDIA, 2005, p.17, tradução nossa)
Sem desmerecer a centralidade da contradição entre capital e trabalho, esse socialismo
deve garantir em seu processo de transição a satisfação de necessidades básicas e, ao mesmo
tempo, ser criativo para fundar instituições e práticas democráticas no bojo de uma nova
cultura “diferente e oposta ao do capitalismo”:
Este socialismo deve recorrer um duro e longo caminho visando garantir a
satisfação de necessidades básicas, a resistência eficaz frente a seus
inimigos e às agressões e atrativos do capitalismo, e enfrentar as graves
insuficiências emergentes do chamado subdesenvolvimento e dosdefeitos de
seu próprio regime. Ao mesmo tempo que realiza todas essas tarefas - e não
depois - deve fundar instituições e cultura democráticas, e um estado de
direto. Em realidade está obrigado a criar uma nova cultura diferente e
oposta à do capitalismo. (HEREDIA, p.18, 2005)
Além de não poder depreciar o esforço civilizatório esse segundo modo de socialismo
tem como fundamento um projeto libertador que deve combinar com êxito as aspirações de
justiça social com as de liberdade e autodeterminação nacional.
No ambiente do segundo (socialismo), a libertação nacional e a plena
soberania têm um peso crucial, porque a ação e o pensamento socialistas
deve haver derrotado ao binômio dominante nativo-estrangeiro, libertar as
relações e as subjetividades de sua colonização, e arrebatar à burguesia o
controle do nacionalismo e do patriotismo. Para o segundo socialismo é
vital combinar com êxito as ânsias de justiça social com as de liberdade e
autodeterminação nacional. O poder do Estado lhe é indispensável, suas
funções aumentam fortemente e sua imagem cresce muito, às vezes até a
graus desmesurados. (HEREDIA, p. 18, 2005)
Destacamos que a contribuição dessa distinção que faz Heredia é no sentido de
mostrar que, enquanto a exploração do trabalho assalariado e a missão do proletariado têm
lugares prioritários na ideologia do primeiro socialismo, para o segundo, o central são as
reivindicações de todos os oprimidos, explorados, marginalizados ou humilhados em derrotar
o binômio dominante nativo-estrangeiro, libertar as relações e as subjetividades da
colonização, o que passa por expropriar daburguesia, o controle do nacionalismo e do
patriotismo17.
17
ALMEIDA, 1997 apresenta um contraponto a essa formulação ao explorar a idéia de que a implicação
democrática necessária dos movimentos nacionais das “nações oprimidas” refere-se apenas a um dos aspectos
deles. Muitos desses movimentos podem ser, quanto a outros aspectos, incrivelmente antidemocráticos e é
unicamente em relação aquele aspecto que o autor propõe o termo “nacionalitarismo” (ALMEIDA, 1997, p. 90)
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5) Considerações finais
Resgatemos a indagação inicial do nosso artigo: da perspectiva da classe trabalhadora,
a formulação política de um “horizonte de tarefas nacionais pendentes de serem realizadas”
contribui para a organização e lutas dos trabalhadores ou representa um retrocesso, um
rebaixamento de programaspartidários ou até uma ameaça?
Destacamos nos autores pesquisados que, em se tratando de povos com histórico de
Nações Negadas, “o modo de agir com violência” é a marca de como a contradição vai se
desenvolver no processohistóricodo continente. Como pontuamos, identificar a violência
como força motriz do processo revela o fundamento predominante nas relações sociais
marcado pela violência exacerbada das forças opressoras dos Estados Nacionais, pelo
desprezo à vida e notadamente pela exploração da força de trabalho. Essa violência é
desdobramento de um processo distinto da violência própria da sociedade de classes em geral.
Trata-se de uma violência que não opera na condição de um ser humano sobre outro, mas no
caso rejeitaa humanidade de homens, mulheres e crianças,ao negar as nações nativas das
colônias no continente a oeste do Atlântico.
Desse modo, identificar a violência como força que move a contradição no continente
é reconhecer a condição de sub-humanidade em que foram lançados os povos nativos do
continente a oeste do Atlântico, como resultado de uma violência de natureza distinta a da
violência identificada por Marx na Assim chama Acumulação Primitiva, Capítulo XXIV, O
Capital.
A violência, que em Marx é o “pecado original” na constituição de Nações Burguesas,
é a marca da formação deformada de Nações Aleijadas, em que as aspirações de formação
nacional não foram realizadas.
É precisamente nos Movimentos de Independência, quando a ressonância da
Revolução Francesa repercute no povo da América Latina trazendo aspirações emancipatórias
da modernidade, que se observa que esses ideais ficam restritos à independência política da
burguesia, e que caracteriza o aleijo de nascença da questão nacional. Ou seja, os ideais
humanos que a modernidade prenuncia,não têm aderênciaà sub-humanidade a que foram
lançados os povos de nações negadas.
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A violência de negar as aspirações emancipatórias da modernidade a esses povos os
obrigam a ir além das aspirações modernas de igualdade e liberdade para existirem enquanto
nações18.
Em conseqüência, as tarefas de realização nacional,que são pressuposto para
democracia, colocam-se como pendentes e dizem respeito a aspirações profundas desses
povos, transmitidas a épocas posteriores19. Essas aspirações aparecem como conteúdo dos
movimentos por libertação nacional que não separam essa luta da luta antiimperialista e
socialista. Nesse sentido são nações por venir que, precisam ir além dos ideais da
modernidade para realizar suas necessidades mais básicas.
A questão é a inviabilidade histórica dessas necessidades mais básicas serem atendidas
no desenvolvimento capitalista previsto para formas nacionais por meio de reformas. Nesse
caso, o “horizonte de tarefas nacionais pendentes de serem realizadas” representa um
retrocesso, um rebaixamento de programaspartidários ou até uma ameaça decair no chamado
reformismo, quando se acredita que é possível a realização das tarefas nacionais e
democráticas em sociedadesde nações aleijadas, em que a luta de classes tem uma dinâmica
marcada pela exacerbada violência20.
A luta por revolução, em Nações Aleijadas, apropria-se da formulação política de um
“horizonte de tarefas nacionais pendentes de serem realizadas” no sentido de contribuir para a
organização e lutas dos trabalhadores, entendendo que essas reformas não são realizadas na
sociedade de classe e, portanto o que está em jogo, num programa de tarefas nacionaise
democráticas pendentes, não é a realização dessas tarefas, mas sim, mudar a correlação de
forças na sociedade para realizar as tarefas populares, num processo de transformações
profundas e estruturais na sociedade.21
18
O Colonizado descobre o real e o transforma no movimento da sua práxis, no exercício da violência, no seu
projeto de libertação. (FANON, 1979, p 75)
19 Por exemplo, a luta por Liberdade, apropriação do território pelo povo, reaparece nos movimentos por
Reforma Agrária. 20
Há uma necessidade diante desse embate teórico, político e ideológico que historicamente o Programa
Nacional Democrático e Popular assumiu no Brasil na trajetória do Partido dos Trabalhadores.
21 ALMEIDA (1997) apresenta uma importante ponderação ao defender que: “ Depois de montado o Estado
“próprio”, o caráter de “nação oprimida” que a formação dependente vem a adquirir manifesta-se nas
limitações que a situação de dependência impõe à capacidade de “seu” Estado implementar políticas (internas
e externas). Reciprocamente, o nacionalitarismo expressa-se nesta demanda por autonomia, que – como se viu-
pode ou não ser articulada a outros componentes democráticos (burgueses). Só que, agora, a organização por
excelência da dominação burguesa já esta constituída. Embora as possibilidades de articulação do
nacionalitarismo com as lutas operárias e populares jamais devam ser desprezadas, elas nem sempre se
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A luta anti-capitalista, ou o confronto ao capital, deve visara garantir a satisfação de
necessidades básicas e, nesse sentido, levar em conta que as massas não estão inclinadas a se
engajarpela revolução. Concretamente, é a possibilidade de criar força social que leve as
conquistas por direitos, até o limite, com a intencionalidade de classe de evidenciar que essas
conquistas não serão realizadas no capitalismo e que, portanto, o esforço de levar até o fim as
tarefas do Programa Nacional Democráticoconduzemao processo de transição socialista.
O esgotamento das possibilidades de conquista dos trabalhadores na sociedade
capitalista, em última instância,pressupõe superar a ilusão com a democracia liberal burguesa,
o que só se dá pela experiência concreta das massas populares.
A idéia de vir a ser nações (ou nações por vir) evidencia a centralidade no terreno da
luta política em que a democracia liberal burguesa deve ser apontada como o limite da luta
reivindicativa, que é superada pela luta revolucionária, por sua vez, com centralidade na
conquista do poder Estado. Florestan Fernandes disse que “a luta por reformas cede lugar à
luta revolucionaria”, ou seja, cede lugar num processo sem etapas de avanço da democracia,
pelo avanço num processo ininterrupto de esforços da classe trabalhadora, ao buscar realizar
reformas e obter conquista se depara concretamente com as contradições de classe. Esse
processo de avanço das reformas e direitos altera a correlação de forças, criando uma situação
de impasse, quando se coloca objetivamente no horizonte de luta, a superação da dominação
do Estado e da sociedade de classes pela retomada dos meios de produção, esforço esse
propriamente de um processo de revolução socialista.
Referências
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nacional. In Lutas Sociais, n.2, primeiro semestre 1997.
CASTRO, F. Pensamiento Crítico núm. 36, La Habana, 1970.
FANON, Frantz. Os condenados da Terra. 2º ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
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Pericás (ORG) América Latina: história, idéias e revolução. São Paulo: Xamã, 1999.
LETIZIA, V. Contradições que movem a história do continente oeste atlântico.
(wwww.interludium.com.br) Acesso em 28 de janeiro 2013. HEREDIA, Fernando Martínez. Socialismo, La Habana, Editora Pensamiento Socialista, 2005.
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LOWY, M.. Marxismo na América Latina: Uma antologia de 1909 aos dias atuais.Editora
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MARX, K. O capital: crítica da economia política. Livro I, volume1. São Paulo, Editora
Abril Cultural, 1983.
_____________. Prefácio de Para a crítica da economia política. Coleção Os Economistas.
São Paulo: Abril Cultural, 1982.
realizam e, quando isto ocorre, assumem diferentes concretudes, que, obviamente, não são indiferentes à
correlação de forças político-ideológica entre as classes sociais.” (ALMEIDA, 1997, p. 98)
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______________. A Ideologia Alemã. São Paulo, São Paulo, Editora Boitempo, 2007.
______________. Critica ao Programa de Gotha, São Paulo, São Paulo, EditoraBoitempo,
2012.