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Fısica Matematica 1 – 2014.1

Notas de Aula – Segunda Unidade

Professor: Leonardo Ribeiro Eulalio CabralDepartamento de Fısica - Sala 354

Telefone: 2126 7621E-mail: [email protected]: https://sites.google.com/site/fisicamatematicadfufpe2014/

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AVISO

Estas notas de aula nao devem ser consideradas substitutas das referencias lis-tadas (ou de outras que possam ser pertinentes ao conteudo da disciplina). Re-comendo que sejam consideradas como um complemento da bibliografia, de modoa servir de guia de apoio ao estudante para um bom acompanhamento da disciplina.

Estas notas nao sao de forma alguma completas ou livres de erros e incon-sistencias. Ate dito em contrario, estarao em estado de permanente atualizacao oucorrecao. Sugestoes e correcoes por parte de terceiros (quer sejam estudantes ounao) serao bem-vindas.

Leonardo R. E. Cabral

Recife, Abril de 2014

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Capıtulo 1

Introducao

Introducao de conceitos basicos utilizados na Fısica Matematica moderna, tais como, conjuntos,funcoes, relacoes de equivalencia, espacos metricos, etc.

1.1 Conjuntos

Definicao informal: “Colecao de objetos (elementos do conjunto) sem uma estrutura”. Exemplos:estudantes de Fısica Matematica 1 em 2011.1; vetores no espaco; pontos em uma reta; eventos noespaco-tempo, etc. Seja a um elemento de um conjunto A. Diz-se que a pertence ao conjunto A oua ∈ A. A negacao de tal afirmacao e dada por a /∈ A.

Nos conjuntos a ordem e a quantidade de vezes que os elementos estao listados e irrelevante.Dois conjuntos A e B sao iguais se e somente se (sse) cada elemento de A for tambem elemento deB e vice-versa.

Um conjunto contendo nenhum elemento e denominado de conjunto vazio, sendo representadopor ou ∅. O conjunto unitario (singleton de acordo com [Hassani]) e composto por um unicoelemento. Um conjunto pode ser representado pelos seus elementos delimitados por chaves, e.g.,N4 = 1, 2, 3, 4 representa os conjuntos de numeros naturais menores do que 4, enquanto queP7 = 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, o conjunto dos numeros primos∗ menores do que 18. Uma outra maneirade representacao e dada por

A = a | a goza de propriedade P.

Ou seja, A e o conjunto de todos os elementos a tal que P seja verdadeira (o [ElonLages] utiliza ;ao inves de |). Desta forma, pode-se escrever o conjunto vazio a | a = a, N4 = n ∈ N| n < 5e P7 = p < 18 ∈ N| p = mn, ∀ m ∈ N e ∀ n ∈ N, onde N representa o conjunto dos numerosnaturais.

As vezes, conjuntos tambem podem ser representados por intervalos. Por exemplo, [0, 1] e ointervalo fechado x | 0 ≤ x ≤ 1 se refere a todos pontos x entre 0 e 1, incluindo os pontos 0 e 1,enquanto que (−1, 1) representa o intervalo aberto x | − 1 < x < 1 onde todos os pontos x estaoincluıdos, exceto os pontos −1 e 1.

∗Pelo teorema fundamental da aritmetica, todo e qualquer n > 1 ∈ N pode ser representado de maneira unicapelo produto de um ou mais numeros primos. Por isso, nao se define o numero 1 como primo porque acarretaria emmais de uma maneira de se representar um numero natural. Por exemplo, 15 = 5 · 3 = 5 · 3 · 1 · 1.

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Figura 1.1: Conjuntos de pontos em que |z| = 1.

Alguns conjuntos numericos possuem nomen-clatura bem conhecida. Por exemplo, o conjunto dosnumeros naturais,

N = 1, 2, 3, 4, . . .,

o conjunto dos numeros inteiros,

Z = . . . , −3, −2, −1, 0, 1, 2, 3, . . .,

e o conjunto dos numeros racionais

Q = pq| p ∈ Z e q ∈ Z∗,

onde Z∗ = Z − 0. R representa o conjunto dosnumeros reais, cujos elementos podem ser descritosgraficamente por uma reta contınua. C se refere aoconjunto dos numeros complexos, por sua vez, e podeser representado por pontos em um plano. Observa-se que N ⊂ Z ⊂ Q ⊂ R ⊂ C. Outros exemplosde conjuntos sao: o conjunto de todas as potencias nao negativas de x, x ∈ R;xn, n ∈ N; oconjunto das raızes quarticas de 1, z ∈ C; z4 = 1 ou 1, i, −1, −i; o conjunto formado porvalores de z tais que z = x + iy ∈ C; |z| = 1 que define uma circunferencia de raio 1, conformemostra a figura 1.1.

Se a ∈ A para todo e qualquer a ∈ B, diz-se que B esta contido em A, ou B e subconjuntode A, o que pode ser representado por B ⊂ A. Se A tambem for subconjunto de B, i.e., A ⊂ B,entao A = B, o que significa que todo elemento de A tambem e elemento de B, ou seja, A = B(na realidade, para poder mostrar que dois conjuntos sao iguais, deve-se antes mostrar que A ⊂ Be B ⊂ A). Um subconjunto proprio de um conjunto A e qualquer subconjunto B de A, mas B = A(ou seja, existe a ∈ A em que a /∈ B).

O conjunto ∅ e subconjunto de qualquer conjunto X. Isto porque se ∅ ⊂ X nao fosse verdadeiro,existiria um x ∈ ∅ tal que x /∈ X. Mas x ∈ ∅ nao e verdadeiro. Logo, ∅ ⊂ X. Percebe-se tambemque, com excecao do conjunto vazio, um dado conjunto possui pelo menos dois subconjuntos: ∅ eele mesmo.

O conjunto P(A) formado pela colecao de todos os subconjuntos de um conjunto A e denotadapor vezes de 2A. Este conjunto nunca e ∅, pois ∅ ∈ P(A) e A ∈ P(A).Isto porque o numero desubconjuntos de um conjunto contendo n elementos e 2n ∗

∗Considere o conjunto vazio, . Claramente, este possui um subconjunto (ele proprio). O conjunto unitariopossui dois subconjuntos: ∅ e ele proprio. Um conjunto com dois elementos possui 4 subconjuntos: ∅, ele mesmoe os 2 subconjuntos unitarios formados por cada um de seus elementos. Se um conjunto possui tres elementos,A(3) = 1, 2, 3, os subconjuntos sao: ∅, 1, 2, 3, 1, 2, 2, 3, 3, 1 e A(3). Ou seja, existem 1+3+3+1 = 8

subconjuntos. Verifica-se, portanto, que, se A(n) = 1, 2, 3, 4, . . ., teremos o ∅,(n1

)subconjuntos unitarios,(

n2

)subconjuntos de dois elementos, . . .,

(n

n− 1

)subconjuntos com n − 1 elementos e A(n). Ou seja, o

numero de subconjuntos de A(n) e

NA(n) =

n∑p=0

(np

)=

n∑p=0

(np

)1p1n−p = (1 + 1)

n= 2n

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Propriedades da relacao de inclusao ⊂Reflexiva → A ⊂ A, ∀AAnti-simetrica → A ⊂ B e B ⊂ A, entao A = BTransitiva → A ⊂ B e B ⊂ C, entao A ⊂ B

Figura 1.2:

Das operacoes mais comuns entre conjuntos tem-se:

∪ A uniao dos conjuntos A e B, A ∪ B, e umconjunto formado por elementos de ambos osconjuntos. Isto significa que se escolhermos umelemento x qualquer de A∪B, temos que x ∈ Aou x ∈ B, i.e. A ∪ B = x | x ∈ A ou x ∈ B.Se Bαα∈I (onde I e um conjunto de ındices,cujos elementos sao α) e uma colecao de conjuntos, entao a uniao de todos esses conjuntos edenotada por ∪αBα.

∩ A intersecao dos conjuntos A e B, A ∩ B, eo conjunto formado pelos elementos comuns aA e B. Ou seja, dado um elemento qualquerx ∈ A ∩ B, x ∈ A e x ∈ B, i.e., A ∪ B =x | x ∈ A e x ∈ B. Se A ∩ B = ∅, osconjuntos A e B sao chamados de disjuntos.Note que A∩B ⊂ A e A∩B ⊂ B. Se Bαα∈Ie uma colecao de conjuntos, entao a intersecaode todos esses conjuntos e denotada por ∩αBα.

Algumas das propriedades das operacoes ∪ e ∩ estao listadas abaixo:

A ∪ ∅ = A A ∩ ∅ = ∅A ∪ A = A A ∩ A = AA ∪B = B ∪ A A ∩B = B ∩ A(A ∪B) ∪ C = A ∪ (B ∪ C) (A ∩B) ∩ C = A ∩ (B ∩ C)A ∪B = A⇔ B ⊂ A A ∩B = A⇔ A ⊂ BA ∪ (B ∩ C) = (A ∪B) ∩ (A ∪ C) A ∩ (B ∪ C) = (A ∩B) ∪ (A ∩ C)

− ou \ A diferenca entre os conjuntos A e B, denotada por A−B ou A\B, ’e o conjunto de elementosde A que nao pertecem a B, ou seja, A − B = x | x ∈ A e x /∈ B. Se A e B disjuntos,A−B = A. Desta forma, pode-se dizer que A−B = A− (B ∩ A)

∼ ou ∁ Quando B ⊂ A, A − B tem o mesmo significado que o complementar de B em relacao aA, A ∼ B (denotado tambem por ∁AB). Isto pode ser escrito como A ∼ B = x | x ∈A e x /∈ B ⊂ A Se existe um conjunto universal E subjacente, cujos subconjuntos saoos conjuntos A, B, etc, escreve-se ∼ A ou ∁A o complementar de A (ver figura). Note que∼ (A ∪B) = (∼ A) ∩ (∼ B) e que ∼ (A ∩B) = (∼ A) ∪ (∼ B).

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1.2 Produto Cartesiano

Dados dois objetos a e b, diz-se que (a, b) e um par ordenado, onde a e b sao a primeira e segundacoordenada do par, respectivamente. Denota-se o produto cartesiano dos conjuntos A e B porA × B = (a, b) | a ∈ A e b ∈ B Se B = A, i.e., A × A = A2 = (a, a) | a ∈ A, denota-sediagonal de A2.

Pode-se ainda existir o produto cartesiano de n conjuntos A1, A2, . . ., An, A1×A2× . . .×An =(a1, a2, . . . , an) | ai ∈ Ai que e o conjunto de sequencias ordenadas de n elementos ou n − uplaou n− tuplo.

Os cartesianos mais comuns sao aqueles em que A = R. Por exemplo, R2 e o conjunto de paresordenados (x1, x2) que designam os pontos no plano Euclidiano, enquanto que R3 e o conjunto detripletos ordenados (x1, x2, x3) que designam os pontos no espaco Euclidiano.

1.3 Relacoes de Equivalencia

Os elementos de um conjunto podem ser agrupados utilizando alguma relacao entre eles. Comoexemplo, a um determinado campo magnetico B pode-se associar um conjunto de potenciais vetoresA, onde A−A′ = ∇f , f sendo uma funcao bem comportada ∗, pois qualquer um destes potenciaisvetores produz o mesmo campo magnetico.

Uma relacao em um conjunto A e um teste comparativo entre pares ordenados de elementosdeste conjunto. Se o par ordenada (a, b) ∈ A × A for verdadeiro perante esse teste, diz-se que aesta relacionado a b ou a ▷ b. Por exemplo, tome A o conjunto de alunos de Fısica Matematica 1em 2011.1. Considere um par ordenado de estudantes e os relacione por fulano (a) e mais velho doque sicrano (b), ou seja, a▷ b. Esta e uma relacao entre os estudantes de Fısica Matematica 1 em2011.1 onde nao existe simetria, i.e., se a▷ b for verdadeiro, b▷ a nao o e.

Uma relacao de equivalencia em A e uma relacao em A que possui as seguintes propriedades:

a▷ a, ∀a ∈ A (reflexividade).

a▷ b ⇒ b▷ a, ∀a, b ∈ A (simetria).

a▷ b e b▷ c ⇒ a▷ c, para a, b e c ∈ A (transitividade).

Desta forma, a e equivalente a b. Por vezes, a relacao de equivalencia ser representada por ▷◁.Observe que o produto cartesiano A × A, ou seja, se os elementos de A forem dispostos como emuma matriz, (a) indica que a relacao de quivalencia contem a diagonal de A × A e (b) diz que esimetrica em relacao a esta diagonal.

Quando a ▷◁ b, JaK = b ∈ A | b▷ a e o conjunto de todos os elementos equivalentes a a. Esteconjunto e denominado de classe de equivalencia de a. Existe uma proposicao que diz que: se ▷ euma classe de equivalencia sobre A e a, b ∈ A, entao ou JaK ∩ JbK = ∅ ou JaK = JbK †.

Seja A o conjunto de potenciais vetores. Tome a relacao de equivalencia A▷A′ se A−A′ = ∇f ,para f contınua. A propriedade de simetria e verificada trivialmente. Tem-se a propridade de

∗f deve ser tal que ∇×∇f = 0. Isto ocorre para uma funcao contınua.†Digamos que a ▷ b, onde a ∈ A e b ∈ A, e b ▷ c, onde b ∈ A′ e c ∈ A′. Pela transitividade, segue que A = A′.

Se A = A′, significa que ou b /∈ A′ ou b /∈ A e A ∩A′ = ∅.

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simetria, pois um mesmo dado campo magnetico B = ∇ × A e produzido tanto por A como porA′ = A+∇f , portanto A▷ A′ ⇔ A′ ▷ A. Ve-se tambem que B = ∇× A = ∇× A′ = ∇× A′′ e atransitividade e verificada. O conjunto formado por todos os A′ = A +∇f formam uma classe deequivalencia, pois qualquer um destes pontenciais vetores produzem o mesmo campo B.

[ ]a

[ ]a [ ]a

[ ]a

[ ]a

[ ]a

1

2

3

456

Figura 1.3: Representacao esquematica da formacomo classes de equivalencia particionam um con-junto.

Outro exemplo, considere os alunos de FısicaMatematica 1 em 2011.1 e agrupe-os de acordo comoo ano em que entraram na UFPE. Uma relacao deequivalencia existe entre alunos que ingressaram nomesmo ano. As classes de equivalencia podem serdenotadas por J2008K, J2009K, J2010K, por exemplo.Verifica-se que o conjunto de todas estas classes deequivalencia particiona o conjunto constituıdo pelosalunos de Fısica Matematica 1 em 2011.1 ou que Jano de ingresso K e uma particao desse conjunto.

Na realidade, se A e um conjunto e Bα e umacolecao de subconjuntos de A diz-se que Bα eparticao de A ou que Bα particiona A, se os sub-conjuntos Bα sao disjuntos (∩αBα = ∅) e ∪αBα = A.Se sao consideradas todas as classes de equivalencia

de A, estas sao disjuntas e a uniao de todas elas constituem A. Logo, o conjunto formado portodas as classes de equivalencia de um conjunto A e uma particao de A. O conjunto denotado porA/ ▷◁= JaK | a ∈ A e denominado conjunto quociente de A pela relacao de equivalencia ▷◁.

Outros exemplos de relacoes e classes de equivalencia:

• Sejam p1 ∈ R3, p2 ∈ R3. Pode-se dizer que p1 e p2 sao equivalentes se estiverem sobre umamesma reta que passa pela origem (desta forma exclue-se p1 = (0, 0, 0) e p2 = (0, 0, 0) poispassam por estes dois pontos infinitas retas). Pode-se verificar que p1 ▷◁ p2 e que R3/bowtie eo conjunto de todas as linhas que passam pela origem ∗. Ao se escolher as retas paralelas aovetor unitario com terceira componente positiva, identifica-se R3/ ▷◁ como hemisferio norte.

• Sejam m, n ∈ Z e uma relacao entre m e n dada por m▷ n se m− n for divisıvel por k ∈ Z efixo. Portanto, m−n = kp+i, onde p, i ∈ Z. Logo, todos os m, n ∈ Z equivalentes possuem omesmo resto i ∈ Z. Como os possıveis valores para o resto sao 0, 1, 2, . . . , k− 1, as classesde equivalencia sao dadas pelos m e n que tiverem mesmo valor para o resto, podendo serrepresentadas por J0K, J1K, J2K, . . ., Jk− 1K. Desta forma, Z/▷ = J0K, J1K, J2K, . . . , Jk− 1K.

1.4 Relacoes de Ordem

Uma relacao binaria (entre um par ordenado) em um conjunto A que as propriedades:

1. a ≤ a, ∀a ∈ A. (Reflexividade)

2. a ≤ b e b ≤ a implica em a = b, para a, b ∈ A. (Anti-simetria)

∗R3/ ▷◁ e chamado de espaco projetivo associado a R3

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3. Se a ≤ b e b ≤ c, entao a ≤ c, para a, b e c ∈ A. (Transitividade)

e denominada relacao de ordem. Um conjunto onde esta definida uma relacao de ordem e chamadode conjunto ordenado. Se, para quaisquer a e b ∈ A, ou a ≤ b ou b ≤ a, o conjunto e denominadocompletamente ordenado ou linearmente ordenado.

Um conjunto ordenado A pode ter um menor elemento a ou um maior elemento b, se a ≤ x, ∀x ∈A ou x ≤ b, ∀x ∈ A. Desta forma, Z (com a relacao de ordem m ≤ n se, e somente se n −m forpositivo ou igual a zero) nao possui nem maior, nem menor elemento. Entretanto, o numero 1 e omenor elemento de N.

1.5 Mapas e funcoes

X

Y

f(X)

f

Figura 1.4: O mapa f relacionatodos os elementos do conjunto Xcom os elementos de um subcon-junto de Y , f(X) (denominado dealcance de X).

B

A

A Bx

x

f(x)

Figura 1.5: O mapa f : A 7→ B erepresentado pela curva contınua. Acurva tracejada representa um sub-conjunto de A×B que nao pode serconsiderado um mapa.

Um mapa f de um conjunto X (domınio de f) para um conjuntoY (contradomınio ou co-domınio de f), denotado por f : X 7→ Y

ou Xf7→ Y , define uma correspondencia entre os elementos de X e

aqueles de Y , de forma que (1) todos os elementos de X participeme (2) para cada elemento de X corresponda um unico elemento de Y .De maneira mais formal pode-se dizer que para os conjuntos X e Y ,f e uma relacao entreX e Y , tal que f define um produto cartesianoX × Y , onde o domınio de f (x ∈ X | (x, y) ∈ f para y ∈ Y )seja X, e (x, y) ∈ f e (x, y′) ∈ f so existir se y = y′.Se x ∈ X e y ∈ Y , escreve-se tambem y = f(x) ou x 7→ f(x) ou

xf7→ y, onde f(x) e a imagem de x sob f , e, pela definicao, cada

x ∈ X so pode ter uma unica imagem. Se os mapas f : X 7→ Y eg : X 7→ Y sao iguais somente se f(x) = g(x) para ∀x ∈ X.

Se A ⊂ X, o conjunto de pontos f(A) = f(x) | x ∈ A edenominado de imagem de A. De forma semelhante, sendo B ⊂f(X), o conjunto de todos os elementos em X cujas imagens saoelementos de B ⊂ Y , i.e., f−1(B) = x ∈ X | f(x) ∈ B ea imagem inversa ou pre-imagem de B. Por ex.: sin−1 0 = nπ

ou sin−1([0,1

2]) = ∪

([0,

π

6+ 2nπ] ∪ [

6+ 2nπ, (2n+ 1)π]

), onde

n ∈ Z,.Um mapa cujo contradomınio e o conjunto dos numeros reais,

R, ou o conjunto dos numeros complexos, C, e comumente chamadode funcao.

X

Y

f(X)

f Z

g(Y)

g

g f

Figura 1.6: A composicao (g f) de f : X 7→ Y eg : Y 7→ Z.

Um mapa que se aplica a todos os conjuntos Ae o mapa identidade, idA : A 7→ A, onde idA(a) =a, ∀a ∈ A.

O grafico Γf de uma mapa f : A 7→B e um subconjunto de A × B, definido por(a, f(a)) | a ∈ A ⊂ A×B. Quando A = B = RΓf se reduz a graficos utilizados comumente, ondeA×B representam pontos no plano xy.

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Sejam f : X 7→ Y e g : Y 7→ Z. O mapeamento h : X 7→ Z, em que h(x) = g(f(x)) e chamado decomposicao de f e g e denotado por h = gf (onde a ordem de aplicacao dos mapas e da direita paraa esquerda). Para o mapa identidade, f idX = f = idY f , pois f(idX(x)) = f(x) = y = idY (f(x)).

Se f(x1) = f(x2) implica em x1 = x2 f e injetiva ou biunıvoca ou 1 − 1 (um-para-um). Nestecaso, cada elemento de X corresponde a um unico elemento de Y .

Se f(X) = Y , ou seja, a imagem de X e o proprio contradomınio, o mapa e dito sobrejetivo ousobre Y (onto Y ).

Se f(X) = Y for tanto injetivo como sobrejetivo, diz-se que f e bijetivo ou que possui corre-spondencia biunıvoca ou correspondencia um-para-um.

xY

1 f( )x1x2 f( )x2x3 f( )x3

X

x Y1

f( )x1

x2

f( )=x2x3 f( )x3

X

xY

1 f( )x1x2 f( )x2x3 f( )x3

X

f injetiva

f sobrejetiva

f bijetiva

Figura 1.7: Representacao es-quematica de mapas injetivo, so-brejetivo e bijetivo.

Devido a f : X 7→ Y ser definida por uma regra, um domınio eum contradomınio, f ser injetiva, sobrejetiva ou bijetiva depende dodomınio e do contradomınio. Por exemplo:

• f : R 7→ R, com f(x) = x3 e bijetiva.

• g : R 7→ (−1, +1), com f(x) = tanh(x) e bijetiva.

• f1 : R 7→ R, com f1(x) = x2 nao e injetiva, nem sobrejetiva.

• f2 : R 7→ R+, com f2(x) = x2 e R+ = [0,∞) e sobrejetiva.

• f3 : R+ 7→ R, com f3(x) = x2 e injetiva.

• f4 : R+ 7→ R+, com f4(x) = x2 e bijetiva.

• det : Mn×n 7→ R, onde Mn×n e o conjunto das matrizes n× n.det(A) = detA, que e o determinante da matriz A ∈ Mn×n, esobrejetiva.

• w : C 7→ R, com w(z) = |z| nao e injetiva, nem sobrejetiva.Note que w−1(1) representa os pontos de uma circunferencia deraio 1.

Dois conjuntos que possuem correspondencia biunıoca tem o mesmonumero de elementos.

Seja f : X 7→ Y bijetiva. Para cada y ∈ Y existe somente umelemento x ∈ X, no qual y = f(x). Logo, existe o mapa inverso

f−1 : Y 7→ X, onde f−1(y) = x. Este mapa satisfaz f f−1 = f(f−1(y)) = idY e f−1 f =f−1(f(x)) = idX . Por exemplo, ln−1 = exp, pois ln(ex) = x, enquanto exp−1 = ln, pois elnx = x.Da mesma forma, a funcao inversa de 3

√x e x3 e vice-versa, pois

3√x3 = x e ( 3

√x)3 = x. Se f e

g sao bijetivas e com mapas inversos f−1 e g−1, entao a composicao g f possui inversa dada por(g f)−1 = f−1 g−1. Por exemplo, digamos que f : R 7→ R, onde f(x) = x3, e g : R 7→ R, comg(w) = y + 1. h = g f : R 7→ R e dada por w = h(x) = x3 + 1. A funcaoinversa de h e dada porh−1(w) = 3

√w − 1 que e f−1 g−1, pois f−1(y) = 3

√y e g−1(w) = w − 1.

Dado um mapa f : X 7→ Y , uma relacao de equivalencia pode ser definida da seguinte maneira:x1 ▷◁ x2 se f(x1) = f(x2). A propriedade de reflexao e satisfeita porque ∀x1 ∈ X, tem-se quef(x1) = f(x1). Possui tambem simetria, pois para x1 e x2 ∈ X, tem-se f(x1) = f(x2) e f(x2) =

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f(x1), portanto x1 ▷◁ x2 implica em x2 ▷◁ x1. Essa relacao e transitiva, pois para x1, x2 e x3 ∈ X,f(x1) = f(x2) = f(x3). Logo, se x1 ▷◁ x2 e x2 ▷◁ x3, x1 ▷◁ x3. Cada classe de equivalencia de xdefinida por essa relacao de equivalencia, JxK, e um subconjunto de X que aponta para um mesmoelemento em Y (lembre que para f ser mapa, so pode haver um elemento de Y correspondente a um

elemento de X). Desta forma, JxK = f−1(f(x)). Correspondente a f existe um mapa f :X

▷◁7→ Y ,

dado por f(JxK) = f(x), injetivo, porque se f(Jx1K) = f(Jx2K) , entao f(x1) = f(x2), e x1 e

x2 ∈ Jx1K = Jx2K. Como tambem ∪kJxkK = X, f :X

▷◁7→ f(X) e bijetiva.

Como exemplos de mapas cujos domınios sao produtos cartesianos, f : X × X 7→ Y , temosX = R e f dada pelo produto interno entre vetores, f (a, b) = a · b. Se Y = X, f e denominadade operacao binaria, onde um elemento em X esta associado a dois elementos em X. Se X = Z,f : Z × Z 7→ Z, onde f(m, n) = mn e a operacao binaria de multiplicacao entre inteiros. Seg : C2 7→ C, g(x, y) = x+ y e a operacao binaria de adicao de numeros complexos.

1.6 Espacos Metricos

Estruturas algebricas adicionadas a um conjunto torna-se um ramo da matematica, chamado dealgebra. Quando a operacao binaria de adicao (com as propriedades de associatividade, comuta-tividade, existencia de um unico elemento neutro e existencia de um unico elemento oposto a umdado elemento, tal que a adicao de ambos resulte no elemento neutro, entre outras propriedades) eintroduzida em em conjunto ⊂ R tem-se um espaco vetorial real. Um grupo e um conjunto que entreoutras propriedades, possui a operacao binaria de multiplicacao. Desta forma, conjuntos com estru-turas passam a ter propriedades que sao uteis para a descricao de fenomenos naturais. Por exemplo,grupos discretos sao importantes para a descricao de redes cristalinas em solidos ou de estruturasmoleculares, enquanto que grupos contınuos aparecem como geradores de rotacoes espaciais.

Quando a analise e abstraıda utilizando-se o conceito de conjuntos, tem-se a topologia. Nesta, ede fundamental importancia o conceito de continuidade. No que se segue, adotarei a forma intuituivacom que o [Hassani] aborda os conceitos de limite e continuidade. Para aqueles que estivereminteressados em um maneira mais formal, ver [ElonLages].

Diz-se que um espaco metrico e um conjunto X que possui uma funcao d : X×X 7→ R, chamadade metrica, a qual possui as seguintes propriedades:

(a) d(x, y) ≥ 0, ∀x, y ∈ X, sendo d(x, y) = 0 sse x = y.

(b) d(x, y) = d(y, x). (simetria)

(c) d(x, y) ≤ d(x, z) + d(z, y). (desigualdade triangular)

Ou seja, e um conjunto X onde esta definida uma nocao de distancia, d(x, y). Este conceito dedistancia data de Seculo XIX, o que Minkowski denominou de geometria dos numeros (entretanto,Minkowski nem sempre exigiu que o item (b) fosse satisfeito).

Um espaco vetorial linear ∗ normalizado possui as seguintes condicoes:

∗A definicao de espaco vetorial sera vista em maiores detalhes na proxima unidade. Resumidamente, um espacovetorial e um conjunto V (constituıdo por elementos chamados de vetores) em que duas operacoes estao definidas: aadicao entre dois vetores, tal que x + y ∈ V , e a multiplicacao por um escalar, α ∈ R ou α ∈ C, tal que αx ∈ V . A

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1. Para cada x ∈ X existe um numero ||x|| ≥ 0, tal que ||x|| = 0 se e somente se x = 0.

2. ||αx|| = |α| ||x|| para α ∈ C.

3. ||x+ y|| ≤ ||x||+ ||y||.

Se d(x, y) = |x− y|, o espaco vetorial linear se torna espaco metrico.

P Q

S

PQ

S

Figura 1.8: Pontos P , Q eS na superfıcie de uma esfera,com a metrica definida como umadistancia d (linhas espessas) entredois pontos. Na parte superior, de definida como o comprimento acorda que une dois pontos, enquantoque, na parte inferior, d e dada pelocomprimento de arco sobre a esferaque conecta estes pontos.

Exemplos de espacos metricos:

1. Seja R, onde d(x, y) = |x − y|. Tem-se (a) |x − y| > 0,∀x, y ∈ Q e |x−x| = 0 e (b) |x−y| = |y−x|. A desigualdadetriangular (c) e satisfeita, pois se w = x − z e v = z − y, esabendo que |w + v| ≤ |w| + |v| ∗, entao |x − z + z − y| =|x− y| ≤ |x− z|+ |z − y|.

2. Seja Q, onde d(x, y) = |x− y|.

3. Seja P = (x, y z) | (x, y z) ∈ R3 e x2 + y2 + z2 = 1 oconjunto de pontos sobre a superfıcie de uma esfera de raio1. Uma possıvel funcao d(P, Q) e dada pela corda que uneos pontos P e Q, conforme mostrado na parte superior daFig. 1.8.

4. Seja P o conjunto de pontos sobre a superfıcie de uma es-fera de raio 1. Uma outra definicao possıvel diz-que d(P, Q)e o comprimento de arco que une P e Q (geodesica na su-perfıcie da esfera, i.e., parte da circunferencia formada pelaintersecao entre a superfıcie da esfera e o plano que passa porP , Q e o centro da esfera, vide a Fig. 1.8, parte inferior).

5. O C0[a, b] o conjunto de funcoes contınuas reais no intervalo

fechado [a, b] onde e definida a funcao d(f, g) =∫ ba|f(x) −

g(x)|dx, ∀f e g ∈ C0[a, b]. Neste caso, temos que, por |f −

adicao deve apresentar as seguintes propriedades:

1. x+ y = y + x, ∀ x e y ∈ V . (Comutatividade)

2. (x+ y) + z = x+ (y + z), ∀ x, y e y ∈ V . (Associatividade)

3. Existe um vetor zero ∈ V que satisfaz 0 + x = x, ∀ x ∈ V .

4. Para cada x ∈ V existe um simetrico de x, −x ∈ V , tal que x+ (−x) = 0.

Enquanto que a multiplicacao:

1. α(x+ y) = αy + αx, ∀ x e y ∈ V .

2. (α+ β)x = αx+ βx, ∀ x ∈ V .

3. α(βx) = (αβ)x, ∀ x ∈ V ..

4. 1 · x = x, ∀ x ∈ V .

∗Verifique −|x| ≤ x ≤ |x| e −|y| ≤ y ≤ |y|. Da adicao, −|x|−|y| ≤ x+y ≤ |x|+|y|, o que significa |x+y| ≤ |x|+|y|

10

Page 12: Notas Aula 2u

g| ≥ 0 ∴∫ ba|f − g|dx ≥ 0, onde se

∫ ba|f − g|dx = 0,implica em f = g. A propriedade

de simetria segue do fato de |f − g| = |g − f | e, portanto,∫ ba|f − g|dx =

∫ ba|g − f |dx. A

desigualdade triangular e verificada pois (utilizando |w + v| ≤ |w|+ |v|)∫ b

a

|f −h|dx+∫ b

a

|h−g|dx =

∫ b

a

(|f −h|+ |h−g|)dx ≥∫ b

a

(|f −h+h−g|)dx =

∫ b

a

|f −g|dx,

logo, d(f, h) + d(h, g) = d(f, g).

Uma sequencia e definida como um mapeamento s : N 7→ X, onde X e um conjunto. Aquiestaremos interessados nos casos em que X for um espaco metrico. Neste mapeamento, um numeronatural n e associado a um elemento s(n) = xn (n-esimo termo da sequencia) do espaco metrico X.O conjunto de termos desta sequencia e denotado por xn∞n=1.

Considere uma sequencia, conforme definida acima. Suponha que, para um elemento x ∈ X epara qualquer numero ϵ > 0, onde ϵ ∈ R, exista um numero natural N tal que d(xn, x) < ϵ paraqualquer n > N . Portanto, pode-se afirmar que a sequencia xn∞n+1 converge ou tende para x eque limn→∞ d(xn, x) → 0, ou limn→∞ xn → x. Um sequencia que tem um limite e chamada deconvergente. Se nao possuir limite, e divergente.De acordo com [ElonLages]: limxn = x significa que existe um numero natural N , tal que n > Nimplica em d(xn, x) < ϵ para todo numero real positivo ϵ.Desta forma, se limn→∞ xn → x, o conjunto de elementos x′ do espaco metrico X que estiverema uma “distancia” d(x′, x) < ϵ de x contem todos os termos da sequencia xn∞n=1, exceto por, nomaximo, um numero finito de termos.

Se, por exemplo, X = R com d(x, x′) = |x−x′|, pode-se verificar que em um intervalo (x−ϵ, x+ϵ),uma sequencia que tende para x possui todos os seus termos dentro deste intervalo, exceto umnumero finito desses termos. Para tornar o exemplo mais especıfico, digamos que uma sequencia

tenha seus termos dados por xn =∑n

k=0 tk, onde 0 < t < 1. Sabemos que xn =

1− tn+1

1− te que

limn→∞ tn → 0 se |t| < 1 ∗. Deste modo, limn→∞ xn → 1

1− t. Observe que essa e uma sequencia

monotona crescente, pois xn+1 − xn = tn+1 → xn+1 = xn + tn+1 > xn e limitada porque os

termos estao restritos ao intervalo

(1,

1

1− t

). Logo, para ϵ > 0, nao ha termos da sequencia em(

1

1− t,

1

1− t+ ϵ

)e os termos da sequencia que nao estao em

(1

1− t− ϵ,

1

1− t

)sao aqueles que

∗Por si so, tk = tk pode ser considerado o k−esimo termo da sequencia tk∞k=1, para t < 1. Esta e uma sequencialimitada, pois todos os seus termos encontram-se no intervalo (0, t), se 0 < t < 1 (ou em (−|t|, |t|) se −1 < t < 0).E monotona decrescente para 0 < t < 1, porque tk+1 < tk. Ja para −1 < t < 0, a sequencia nao e monotona, poisalterna termos positivos e negativos, mas pode ser tratada como duas subsequencias. Isto porque quando k for par,tem-se uma subsequencia (uma restricao da sequencia para termos atrelados a um subconjunto infinito de N) limitada(com termos entre 0 e 1) e decrescente (t2)k∞k=1, enquanto que se k for ımpar, ha outra subsequencia, limitada(com termos entre −1 e 0) e crescente, −t · (t2)k∞k=1. Para saber se esta sequencia converge, tomemos |tk− t∞| < ϵ.Para 0 < t < 1, temos que 0 < tk = tk < t∞ + ϵ. Logo, para um k maior do que um dado numero natural Nos termos da sequencia pertencem a esse intervalo (devido a monoticidade decrescente e ser limitada). Portanto, asequencia converge para limn→∞ xn → 0. Se −1 < t < 0, a subsequencia para k = 2p, p ∈ N, esta no intervalo0 < t2p = (t2)p < t∞+ ϵ, enquanto que a subsequencia para k = 2p+1 esta no intervalo t∞− ϵ < t2p+1 = t (t2)p < 0.As mesmas conclusoes podem ser encontradas para cada uma das subsequencias, e a sequencia converge.

11

Page 13: Notas Aula 2u

satisfazem1

1− t− ϵ >

1− tn⋆+1

1− t→ tn

⋆+1− ϵ(1− t) > 0 → ϵ <tn

⋆+1

1− t. Portanto, para um dado

valor de ϵ existem um numero n⋆ finito de termos (da sequencia convergente) que nao pertencem

ao intervalo

(1

1− t− ϵ,

1

1− t

)e um numero infinito de termos que pertecem a esse intervalo.

Considere outra sequencia, dada por sn∞n=1, onde sn = 1 − (−1)n, ou seja, tem-se duas sub-sequencias: uma para n = 2k, 0∞k=1, e outra para n = 2k + 1, 2∞k=1. Apesar de serem limitadascada uma, a sequencia sn∞n=1 nao converge, porque as suas subsequencias, 0∞k=1 e 2∞k=1, tendema limites diferentes, limk→∞ s2k → 0 e limk→∞ s2k+1 → 2, respectivamente.Pode-se dizer que toda sequencia convergente e limitada, mas nem toda sequencia limitada e con-vergente.

Se uma sequencia sn∞n=1 possuir dois limites, e.g., limn→∞ sn → sa e limn→∞ sn → sb, entaosa = sb? Considere d(sa, sb) = 2ϵ > 0. Como limn→∞ sn → sa, existe um N ∈ N d(sn, sa) < ϵ,∀n > N . Se limn→∞ sn → sb tem-se tambem d(sn, sb) < ϵ. Portanto, d(sn, sa) + d(sn, sb) < 2ϵ.Porem, pela desigualdade triangular, d(sa, sn)+d(sn, sb) ≥ d(sa, sb) = 2ϵ, o que e inconsistente comd(sn, sa) + d(sn, sb) < 2ϵ. Logo, limn→∞ sn → sa e limn→∞ sn → sb implica em sa = sb e a unicidadedo limite e verificada.

Xx1

xn

Figura 1.9: Representacao es-quematica de uma sequencia de Cauchy(pontos, onde setas conectam os ter-mos xn e xn+1) em um espaco metricoX com metrica dada pelo comprimentodo segmento que liga dois pontos. Ascircunferencias representam discos dediametro arbitrario ϵ. Percebe-se que,para um dado valor de ϵ, existe umnumero N ∈ N a partir do qual to-dos os pontos seguintes (n > N) dasequencia estao contidos em um deter-minado disco.

Uma sequencia de Cauchy e uma sequencia em que existeum N ∈ N para o qual n > N e m > N que implica emd(xm, xn) < ϵ, para um ϵ arbitrario. Isto quer dizer quelimm,n→∞ d(xm, xn) → 0 em uma sequencia de Cauchy. AFig. 1.9 mostra uma representacao grafica de uma sequenciade Cauchy em um espaco metrico X com metrica definida comoo comprimento do segmento que une dois pontos.

Voltemos ao exemplo da sequencia xn∞n=1 no espaco X =R com d(x, x′) = |x − x′|, que tenha seus termos dados porxn =

∑nk=0 t

k, onde tem-se t|t ∈ R e 0 < t < 1. Vimos que

limn→∞ xn → 1

1− t.

Para ∀n, m tal que n e m > N (N ∈ N), tem-se que |xn+1 −

xm+1| =|tn+1 (1− tm−n) |

|1− t|, e existe ϵ > |xn − xm|. Logo,

limm,n→∞ |xn − xm| → 0 e a esta e uma sequencia de Cauchy.

Alem disto, a sequencia converge, pois limn→∞ xn → 1

1− t∈ Q.

Entretanto, considere uma outra sequencia, qn∞n=1 para

qn =∑n

k=1

(−t)k+1

k∈ Q, em que t = 1. com

metrica d(q, q′) = |q − q′|. Tem-se que d(qm, qn) =

|∑m

k=1

(−1)k+1

k−∑n

k=1

(−1)k+1

k| = |

∑nk=m+1

(−1)k+1

k| =

|(−1)m∑n−m

j=1

(−1)j+1

j +m|, supondo n > m (devido a propriedade

de simetria da metrica, o resultado para n < m seria o mesmo).

12

Page 14: Notas Aula 2u

Considere a serie em que n−m = 2N (deixando de lado o termo (−1)m, por enquanto). Temos

s2N =N∑p=1

(1

m+ 2p− 1− 1

m+ 2p

)e em que n−m = 2N + 1, temos

s2N+1 =1

1 +m−

N∑p=1

(1

m+ 2p− 1

m+ 2p+ 1

)Observe que s2 < . . . < s2N < s2N+2, enquanto que s1 > . . . > s2N−1 > s2N+1. Mas s2N+1 − s2N =1/(m + 2N + 1), e limN∞ s2N = limN∞ s2N+1. Logo, se n − m → ∞, N → ∞ e d(qm, qn) =(−1)m(s2N+1− s2N) = (−1)m/(m+2N +1) → 0. Entretanto, sabe-se que limn→∞ qn → ln(1+1) =ln(2) ∗ ∈ R. Mas, sendo o espaco metrico definido em Q, este limite nao esta definido e, portanto,a sequencia nao converge (i.e., existe sequencia de Cauchy, mas esta nao converge).

Outro exemplo: nao existe numero racional q tal que q2 = 2 †, no entanto,√2 pode ser descrita

como uma sequencia de Cauchy de numeros racionais, com metrica d(xm, xn) = |xm−xn|. Primeiro,o metodo das aproximacoes sucessivas fornece que, se uma sequencia xn∞n possui a propriedade que|xn+2 − xn+1| ≤ λ|xn+1 − xn|, para 0 ≤ λ1 e ∀n ∈ N, essa e uma sequencia de Cauchy. Isto podeser mostrado pelo seguinte: para n e m = n+ p ∈ N

d(xm, xn) = |xn+p − xn| ≤ |xn+p − xn+p−1|+ |xn+p−2 − xn+p−3|+ . . .+ |xn − xn−1|≤ λ|xn+p−1 − xn+p−2|+ λ|xn+p−3 − xn+p−4|+ . . .+ |xn − xn−1|≤

(λn+p−2 + λn+p−3 + . . .+ λn−1

)|x2 − x1|

=(λp−1 + λp−2 + . . .+ 1

)λn−1|x2 − x1|

=

(1− λp

1− λ

)λn−1|x2 − x1| ≤

λn−1

1− λ|x2 − x1|

Como limn→∞λn−1

1− λ|x2 − x1| → 0, a sequencia definida de modo que |xn+2 − xn+1| ≤ λ|xn+1 − xn|,

para 0 ≤ λ1 e ∀n ∈ N e sequencia de Cauchy. A sequencia tal que xn+1 =1

2

(xn +

a

2

)obedece a

esta propriedade, pois

xn+2 − xn+1 =1

2

(xn+1 − xn +

a

xn+1

− a

xn

)=

1

2(xn+1 − xn)

(1− a

xnxn+1

)≤ 1

2(xn+1 − xn)

∗Esta e a expansao em series de Taylor

(−∑n

k=1

(−x)k

k

)para a funcao logaritmo de argumento 1 + x. Para

isto, basta verificar que∑∞

n=0 xn =

1

1− xe que ln(1 − x) = −

∫ x

0

dt

1− t= −

∫ x

0

∑∞k=0 t

k = −∑∞

k=0

xk+1

k + 1, onde

utilizou-se que a serie converge. Fazendo x −x e k′ = k + 1, ln(1 + x) =∑∞

k′=1

(−x)k′+1

k′. Esta serie converge se

−1 < x ≤ 1(ver [1.511][Gradshteyn]).

†Isto porque se houvesse(mn

)2= 2, onde m e n ∈ Z, ter-se-ia m2 = 2n2. Deste modo, pela decomposicao unica

de qualquer numero natural em fatores primos, 2 deveria aparecer um numero par de vezes tanto em n2, como em

m2. Mas isto invalida a igualdade m2 = 2n2. Logo, nao pode existirm

n∈ Q tal que

(mn

)2= 2.

13

Page 15: Notas Aula 2u

Portanto, esta sequencia e de Cauchy. Observe que o limite x desta sequencia e dado por x =

xn+1 =1

2

(x+

a

x

)→ 2x − x =

a

x→ x2 = a. Logo, se a = 2, limn→∞ xn = x →

√2 /∈ Q. Neste

caso, tem-se uma sequencia de Cauchy que nao converge no espaco metrico Q.Um espaco metrico em que toda sequencia de Cauchy converge e denominado de espaco metrico

completo. Portanto, Q nao pode ser um espaco metrico completo. Entretanto, se os pontos limitesde todas as sequencias de Cauchy do conjunto Q (os quais chamamos de numeros irracionais, R−Q)forem adicionados, este conjunto se torna um espaco metrico completo. Este conjunto e o conjuntodos numeros reais, R.

1.7 Cardinalidade

O conceito de cardinalidade esta associado ao da contagem do numero de elementos de um conjunto.Logo, a cardinalidade de ∅ e igual a 0, [pode-se escrever card(∅) = 0], enquanto que a de umconjunto unitario e igual a 1. Esta contagem e feita ao se comparar um conjunto com um outrode referencia, do qual se conhece a cardinalidade. Desta forma, e necessaria uma correspondenciabiunıvoca (relacao bijetiva) entre os dois conjuntos. Por exemplo, AN = 1, 2 . . . , N e umconjunto composto pelos primeiros N numeros naturais, finito, possuindo N elementos e card(AN) =N . Qualquer outro conjunto em que existe uma relacao bijetiva com AN possui cardinalidade N .

Diz-se que um conjunto A e enumeravel em duas situacoes: quando e finito ou ha uma bijecaoentre A e N. Neste ultimo caso, A e um conjunto infinito enumeravel. Uma bijecao que mapeia Nem A, f : N 7→ A e denominada de uma enumeracao dos elementos de A.

Alguns exemplos de conjuntos infinitos enumeraveis:

EA = a ∈ N | a = 2n, n ∈ N, ou seja, o conjunto dos numeros naturais pares. A bijecaofE : N 7→ EA, dada por fE(n) = a = 2n mostra que card(EA) = card(N). Portanto, EA einfinito enumeravel.

Pode-se dizer o mesmo de OA = a ∈ N | a = 2n− 1, n ∈ N, ou seja, o conjunto dos numerosnaturais ımpares, pois existe uma bijecao fO : N 7→ OA, dada por fO(n) = a = 2n − 1 demodo que card(OA) = card(N). Portanto, OA e infinito enumeravel.

Z, pois existe uma bijecao f : Z 7→ N, dada por f = 2p, para p > 0, e f = 1− 2p, para p ≤ 0.Logo, f−1 : N 7→ Z e uma correspondencia biunıvoca e, portanto, Z e infinito enumeravel.

P = p ∈ N | p = 1 e p = mn, ∀m, n ∈ N, i.e., o conjunto dos numeros primos. Este con-junto possui numero infinito de elementos, conforme demonstrado por Euclides ∗. O conjuntodos numeros primos P e numeravel, porque existe mapeamento bijetivo entre N e P .

∗Considere um conjunto finito de numeros primos Pn = p1, p2, . . . , pn. Seja Π =∏n

j=1 pj o produto destes nnumeros primos. Tome m = Π + 1. Se m for primo, entao existe um numero primo a mais do que inicialmente. Senao for primo, m deve ser divisıvel por algum numero primo p /∈ Pn. Se p ∈ Pn, Π seria divisıvel por p tambem.Mas p divide m = Π + 1. Desta forma, m−Π = 1 seria divisıvel por p. Como nenhum numero primo divide 1, haum acontradicao e, entao, p /∈ Pn. Ou seja, ha um numero primo p ausente do conjunto inicial Pn. Como Pn e umconjunto qualquer finito de numeros primos, sempre havera um numero primo /∈ Pn. Logo, o conjunto dos numerosprimos e infinito (ver Wikipedia).

14

Page 16: Notas Aula 2u

O conjunto composto pelos nıveis de energia dos estados ligados do atomo de hidrogenio.Pode-se verificar, da solucao da equacao de Schrodinger para um eletron submetido a umpotencial Coulombiano ∝ −r−1, que os autovalores de energia dos estados ligados do sis-

tema sao dados por En = −13, 6

n2eV, onde n = 1, 2, 3 . . . e o numero quantico principal. En

mapeia N biunivocamente nos autovalores discretos de energia dos estados ligados do atomode hidrogenio.

Teoremas que dizem respeito aos conjuntos enumeraveis (com demonstracoes) podem ser en-contrados em [ElonLages]. Por exemplo, todo conjunto infinito possui um subconjunto infinitoenumeravel. Como evidencia, basta lembrar que N ⊂ R. Tambem pode-se afirmar que um conjuntofinito A nao admite bijecao sobre um subconjunto proprio B, i.e., dado B ⊂ A, com A ∼ B = ∅,nao existe funcao biunıvoca f : A 7→ B. Esta sentenca serve como definicao para conjunto finito.Isto quer dizer tambem que um conjunto C e infinito se, e somente se, existe uma bijecao entreentre C e um subconjunto proprio D de C. Segue que todo subconjunto A de N e enumeravel, pois,se for finito, e enumeravel e, se infinito, pode-se construir um mapeamento bijetivo entre A e N.Sendo assim, para todo conjunto infinito X, card(N) ≤ card(X), onde a igualdade se verifica se Xfor enumeravel.

Sejam dois conjuntos X e Y . Se Y for enumeravel e houver f : X 7→ Y injetiva, X e enumeravel.Isto significa que um subconjunto de um conjunto enumeravel tambem e enumeravel.Por outro lado, se X for enumeravel e existir um mapeamento g : X 7→ Y sobrejetivo, entao Y eenumeravel.

Pode-se afirmar que, dados X e Y conjuntos enumeraveis, o produto cartesiano X × Y e enu-meravel. Por existirem f : X 7→ N e g : Y 7→ N injetivas, h : X × Y 7→ N × N tambem e injetiva.Como X × Y ⊂ N × N, entao se N × N for enumeravel, X × Y tambem sera. Considerando ummapeamento σ : N × N 7→ N, onde σ(m, n) = pmqn, sendo p = q primos, o teorema fundamentalda aritmetica afirma que a decomposicao de um numero natural em fatores primos e unica. Logo,σ e injetiva e N× N enumeravel, donde segue que X × Y tambem e enumeravel.

A partir do fato de o produto cartesiano de conjuntos enumeraveis ser enumeravel, pode-semostrar que o conjunto dos numeros racionais Q tambem e enumeravel. Seja um mapeamento

q : Z × Z∗ 7→ Q, onde q(m,n) =m

ne onde Z∗ = Z − 0. Verifique que Z × Z∗ e enumeravel,

pois, tanto Z, quanto Z∗ sao enumeraveis. q = m/n e sobrejetiva. Logo, se Z×Z∗ e enumeravel, Qtambem sera enumeravel.Outra consequencia e que existem tantos numeros racionais em Q como em (0, 1).

Por fim, pode-se mostrar que, dados os conjuntos Xj, com j = 1, 2, . . . enumeraveis, ∪∞j=1Xj

e enumeravel. Tem-se tambem que X1 × X2 × . . . × Xn, para n finito, e enumeravel. Isto nao enecessariamente verdadeiro se o produto cartesiano envolver um numero infinito de conjuntos Xj

enumeraveis. De fato, o produto cartesiano∏∞

j=1Xj nao e enumeravel ∗. Desta forma, o conjunto de

∗Isto e consequencia do teorema devido a Cantor [ElonLages, p.42] que diz que nao existe g : X 7→ F (X; Y )sobrejetiva, onde X e um conjunto qualquer, Y um conjunto contendo pelo menos dois elementos e F (X; Y ) e oconjunto de todas as funcoes f : X 7→ Y . Isto porque pode-se construir funcoes de X para Y , g1(x) e g2(x), parax ∈ X, em que g1(x) = g2(x) ∀x ∈ X, pois para cada g1(x) ∈ Y um outro elemento g2(x) ∈ Y pode ser escolhido emum conjunto Y com pelo menos dois elementos. Como g1(x) = g2(x) ∀x ∈ X g1 nao e sobrejetiva. Alem disso, seexistir f : A 7→ B injetiva, mas nao existir f : A 7→ B sobrejetiva, card(A) < card(B). Desta forma, sendo Xj = N eF (N, N) =

∏∞j=1Xj , como nao existe f : N 7→ F (N, N),

∏∞j=1Xj e nao-enumeravel.

15

Page 17: Notas Aula 2u

todas as listas infinitas enumeraveis de algarismos entre 0 e 9 ([ElonLages] exemplifica os algarismos0 e 1) nao e enumeravel.

Conjuntos que nao sao finitos, nem finitos enumeraveis, sao chamados de conjuntos (infinitos)nao-enumeraveis. Por exemplo, o conjunto dos numeros reais R e nao-enumeravel. Dissemos que esteconjunto pode ser construido incorporando ao conjunto Q de todas as sequencias de Cauchy em Q.Pode-se mostra que o conjunto dos numeros reais e nao enumeravel, pois dado qualquer conjuntoenumeravel A = xn ∈ R |n ∈ N ⊂ R pode-se encontrar um numero real x /∈ A (demosntracaoem [ElonLages, Pag.68]). Da mesma forma, qualquer intervalo (a, b) ∈ R e nao enumeravel ∗.Consequentemente, o conjunto dos numeros irracionais R−Q e nao enumeravel.

Seja um intervalo real, por exemplo, [0, 1]. Retira-se o intervalo

(1

3,2

3

), restando os inter-

valos

[0,

1

3

]e

[2

31

]. A cada iteracao retiram-se intervalos abertos correspondentes a terca parte

intermediaria dos intervalos restantes da iteracao anterior. Tem-se, portanto,

0 : 7→ [0, 1]

1 : 7→[0,

1

3

]∪[2

31

]2 : 7→

[0,

1

9

]∪[2

9,1

3

]∪[2

3,7

9

]∪[8

91

]3 : 7→

[0,

1

27

]∪[2

27,1

9

]∪[2

9,7

27

]∪[8

27,1

3

]∪[2

3,19

27

]∪[20

27,7

9

]∪[8

9,25

27

]∪[26

27, 1

]...

...

O conjunto de Cantor e definido conforme acima prosseguindo indefinidamente. Pode-se mostrarque este conjunto e nao-enumeravel [Hassani].

1.8 Conjuntos de Pontos Geometricos

O conjunto de pontos sobre uma reta contınua pode ser mapeado no conjunto dos numeros reais(de fato, R e muitas vezes exemplificado como o conjunto de pontos em uma reta). O conjuntode pontos no interior de uma curva fechada pode ser mapeado em um subconjunto de R2 ou deC. Os pontos dentro de uma superfıcie fechada pertecem a um subconjunto de R3. Todos estesconjuntos sao nao-enumeraveis. Nestes conjuntos pode-se definir o conceito de vizinhanca de umponto † utilizando o conceito de distancia (ou metrica) definida no espaco metrico (ver [Dennery]).Desta maneira, sejam dois pontos p e p′ ∈ Rn, onde n = 1, 2 ou 3, e d(p, p′) a distancia entre esses

∗Verifica-se isto atraves da funcao f : (0, 1) 7→ (a, b), dada por f(x) = (b− a)x+ a. Esta e uma funcao bijetivae o intervalo (0, 1) e nao enumeravel.

†De acordo com [D’Ambrosio], um sistema de vizinhancas de um elemento x ∈ X e uma colecao nao vazia desubconjuntos de X, V(x), que satisfazem

1. Se V ∈ V(x), entao x ∈ V

2. ∀U ⊂ X, se existir V ∈ V(x) tal que V ⊂ U , entao U ∈ V(x).

3. Dados U, V ∈ V(x), tem-se U ∩ V ∈ V(x)

16

Page 18: Notas Aula 2u

pontos (se a metrica for euclideana, d(p, p′) =√∑n

j=1(xj − x′j)2, onde xj e x

′j sao as componentes

de p e p′ em Rn). Uma vizinhanca de p pode ser definida como o conjunto de pontos p′ tal qued(p, p′) < ϵ, onde ϵ > 0 e arbitrario. Diz-se que, dado um conjunto P de pontos geometricos, que

• Se existir alguma vizinhanca de p ∈ P que nao possua nenhum outro ponto p′ = p, ondep′ ∈ P , p e classificado como ponto isolado do conjunto P . Por exemplo, na Fig. 1.9 seconsiderarmos o conjunto S formado somente pelos pontos da sequencia, o ponto x1 e umponto isolado.

• Um ponto p do qual toda vizinhanca deste ponto possui ao menos um ponto p′ ∈ P e chamadode ponto de acummulacao do conjunto P . Por exemplo, na Fig. 1.9 se considerarmos o conjuntoS formado somente pelos pontos da sequencia, o limn→∞ xn e um ponto de acumulacao. Umponto de acumulacao de um conjunto nao necessariamente pertence a este conjunto.

– Se p for ponto de acumulacao, pode-se ter que todos os pontos p′ de uma vizinhanca de ppertencam a P . Neste caso p e denominado ponto interior do conjunto P . Portanto, todoponto interior de um conjunto e tambem ponto de acumulacao deste conjunto, emborao inverso nao seja verdadeiro.

A classificacao de pontos geometricos pode ser utilizada para classificar dois tipos de conjutos:

• Um conjunto e um conjunto aberto quando todos os seus pontos sao pontos interiores. Porexemplo, os pontos x ∈ R no intervalo (0, 1) formam um conjunto aberto, pois tanto 0 quanto1 sao pontos de acumulacao deste intervalo.

• Um conjunto e um conjunto fechado quando todos os seus pontos de acumulacao pertencemao conjunto. Logo, [0, 1] e um conjunto fechado.

Existem casos em que um conjunto nao e aberto, nem fechado. Por exemplo, o conjunto de pontosX = (x1, x2, x3) ∈ R3 |x21 + x22 + x23 < 1 e conjunto aberto. Se sao incluıdos todos os pontosde acumulacao, em que x21 + x22 + x23 = 1, o conjunto se torna fechado. Entretanto, se alguns (naotodos) os pontos de acumulacao de X ou pontos isolados de X forem adicionados a X, o conjuntonao e aberto, nem fechado.

4. U ∈ V(x), tem-se que existe V ∈ V(x) tal que U ∈ V(y)∀ y ∈ V

Esta definicao bastante abstrata pode ser aplicada ao caso de X = R, onde para x ∈ R, V(x) sao subconjuntos deR que contem (x− ϵ, x+ ϵ), para ϵ > 0 arbitrario. Pode-se mostrar que esta definicao de vizinhanca esta de acordocom os pressupostos acima.Um conjunto X e denominado espaco topologico quando existe um mapa T : X 7→ P (X), onde P (X) e a colecao

de subconjuntos de X, de modo que para cada x ∈ X corresponde os sistema de vizninhancas V. T e chamada deuma topologia sobre X, onde o conjunto X e o suporte do espaco topologico X.A um espaco metrico pode-se ter uma topologia derivada da metrica do espaco. Entretanto, dado um espaco

topologico com topologia T , nem sempre e possıvel ter uma metrica neste espaco de modo que topologia derivadaseja T . Um espaco topologico em que e possiıvel encontrar metrica da qual a topologia derivada seja a propriatopologia do espaco e chamado de metrizavel.Quando dois pontos distintos arbitrarios x = y ∈ X (X e espaco topologico) existem conjuntos abertos (A e B)

em que x ∈ A ⊂ X e y ∈ B ⊂ X tal que A∩B = ∅ (A e B disjuntos) X e chamado de espaco topologico de Hausdorff.Todo espaco metrizavel e de Hausdorff, embora a recıproca nao seja verdadeira (vide [ElonETG, Pag.62]).

17

Page 19: Notas Aula 2u

Se todos os pontos de um conjunto sao pontos isolados, o conjunto e enumeravel. Por outrolado, se X ⊂ R for fechado, nao-vazio e sem pontos isolados, X e nao enumeravel (demonstracaona [ElonLages, Pag.141]). Desta forma, o conjunto de Cantor e nao-enumeravel.

Figura 1.10: Exemplo de duas regioesdistintas. As curvas contınuas (verdes)conectam pontos pertencentes a umamesma regiao, enquanto que as lin-has tracejadas (vermelhas) ligam pon-tos que pertencem a regioes distintas.

Define-se uma regiao como um conjunto de pontos X aberto,no qual quaisquer dois pontos x1 e x2 ∈ X podem ser conectadospor uma curva contınua c, cujos pontos estao todos contidos emX (i.e., c ⊂ X), conforme mostra a Fig. 1.10.

1.9 Numeros Reais

O conjunto dos numeros reais pode ser definido como um corpoordenado completo. A unicidade de R e verificada quando saoconsideradas as propriedades de corpos ordenados completos,i.e., do ponto de vista das relacoes entre os elementos dois cor-pos ordenados completos sao indistinguıveis. De acordo com[ElonLages], dados X e Y corpos ordenados completos existeuma unica bijecao f : X 7→ Y . f e chamada de isomorfismo entre X e Y , enquanto que X e Y saoisomorfos.

Um corpo e um conjunto X, onde estao definidas as operacoes de adicao (+) e multiplicacao (·)segundo os seguintes axiomas:

a.1 Para x1, x2 x3 ∈ X, (x1 + x2) + x3 = x1 + (x2 + x3) (Associatividade).

a.2 Para x1, x2 ∈ X, x1 + x2 = x2 + x1 (Comutatividade).

a.3 Existe um unico elemento neutro ∈ X, denotado por 0 (zero), tal que x+ 0 = x, ∀x ∈ X.

a.4 ∀x ∈ X existe um elemento simetrico, dado por −x ∈ X tal que x+ (−x) = 0.

m.1 Para x1, x2 x3 ∈ X, (x1 · x2) · x3 = x1 · (x2 · x3) (Associatividade).

m.2 Para x1, x2 ∈ X, x1 · x2 = x2 · x1 (Comutatividade).

m.3 Existe um unico elemento neutro (ou identidade) ∈ X, denotado por 1 (um), tal que x ·1 = x,∀x ∈ X.

m.4 ∀x ∈ X−0 existe um elemento inverso multiplicativo, dado por x−1 ∈ X tal que x·x−1 = 1.

d.1 Para x1, x2 x3 ∈ X, x1 · (x2 + x3) = x1 · x2 + x1 · x3 (Distributividade).

Verifique que se um conjunto satisfaz aos axiomas [a.j] ou aos axiomas [m.j], este forma um grupoabeliano ∗.

Em um corpo ordenado existe um subconjunto E ⊂ X em que

• ∀x1, x2 ∈ E implica em x1 + x2 ∈ E e x1 · x2 ∈ E.

∗Grupo abeliano e a denominacao dada a grupos que possuem a propriedade da operacao definida no grupo sercomutativa.

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Page 20: Notas Aula 2u

• Para x ∈ E, ou x = 0, ou x ∈ E ou −x ∈ E. Denotando, −E o conjunto composto peloselementos −x, X = E ∪ (−E) ∪ 0 e E ∩ (−E) = ∅, E ∩ 0 = ∅ e (−E) ∩ 0 = ∅.

Este conjunto e chamado de conjunto de elementos positivos de X, enquanto que o conjunto formadopor −x e o conjunto de elementos negativos de x. Desta forma pode-se escrever x1 < x2 se x2−x1 ∈E.

Se em um corpo ordenado X existir X ′ ⊂ X limitado superiormente, isto quer dizer que existeelemento b ∈ X ′, supremo do conjunto X ′, que obedece a (1) ∀x′ ∈ X ′, x′ ≤ b e (2) se x ∈ X,onde x′ ≤ x ∀x′ ∈ X ′, entao b ≤ x. Da mesma forma, pode existir corpo ordenado X” limitadoinferiormente, tal que existe elemento ınfimo a ∈ X”.

Um conjunto X e chamado de corpo ordenado completo quando todo X ′ ⊂ X (X ′ = ∅) limitadosuperiormente tiver supremo ∈ X (para saber mais informacoes corpos ordenados, ver [ElonLages,Cap. III]). Isto significa que Q nao e corpo ordenado completo, pois considerando o conjunto X =x ∈ Q|x2 < 2 ∈ Q, verifica-se que este e limitado superiormente e inferiormente, mas nao possuinem elemento maximo, nem elemento mınimo em Q. Isto porque o supremo de X seria b =

√2 /∈ Q

tal que b2 = 2, enquanto que o ınfimo de X seria a = −√2 /∈ Q tal que a2 = 2. Entretanto, se

X = x ∈ R|x2 < 2 ∈ R, este teria supremo e ınfimo em R. Afirma-se, assim, que existe um corpoordenado completo, o corpo dos numeros reais, R (axioma fundamental da analise).

Um conjunto X ⊂ R e chamado denso em R quando todo intervalo aberto (a, b) contiver algumelemento de X. Desta forma, tanto o conjuntos dos numeros racionais Q, como o dos numerosirracionais R−Q, sao densos em R.

1.10 Inducao Matematica

O princıpio da inducao e definido da seguinte forma: Se supoe existir uma regra ou propriedade Snassociada a cada numero natural n ∈ N. Sn e verdadeira ∀n ∈ N se:

1. S1 for verdadeira.

2. O fato de Sn ser verdadeira para um dado n ∈ N implica em Sn+1 ser verdadeira.

No [Hassani] e utilizado este princıpio para demonstrar o teorema binomial,

(a+ b)m =m∑p=0

ap bm−p.

De forma semelhante, pode-se demonstrar a desigualdade de Bernoulli: Se n ∈ N e x ≥ −1 ∈ Xpara todo corpo ordenado X, (1 + x)n ≥ 1 + nx. Isto segue diretamente do teorema binomial.Entretanto, se nao soubessemos deste teorema, por inducao terıamos que:

1. Para n = 1, (1 + x)1 = 1 + x e verdadeira.

2. Se (1 + x)n ≥ 1 + nx for verdadeira, entao multiplicando ambos os lados por 1 + x, resultaem (1 + x)n · (1 + x) ≥ (1 + nx) · (1 + x) = 1 + (n + 1)x + x2 ≥ 1 + (n + 1)x. Logo,(1 + x)n+1 ≥ 1 + (n+ 1)x e tambem verdadeira.

19

Page 21: Notas Aula 2u

O princıpio da inducao pode ser utilizado tambem na definicao objetos indutivamente (ver [ElonLages]).Por exemplo, seja um conjunto A e um mapeamento s : A 7→ A, onde para cada a ∈ A, s(a) e osucessor de a. Tem-se ainda que(1) A funcao s : A 7→ A e injetiva. Isto quer dizer que s(a) = s(b) se, e somente se, a = b ∈ A.(2) O conjunto A− s(A) e unitario. Logo, existe um unico elemento que nao e sucessor de nenhumoutro. Este e simbolizado por 1.

De (1) e (2) segue que s(a) = 1, ∀a ∈ A e que se a = 1 existe um unico b tal que s(b) = a.Verifica-se que um conjunto com estas propriedades e obedecendo ao princıpio da inducao (ou seja,B ∈ A tal que 1 ∈ B e s(a) ∈ B, ∀a ∈ B, entao B = A) e o conjunto dos numeros naturais N.

O mapa s : N 7→ N pode ser utilizado para definir indutivamente a adicao de numeros naturais.Se dissermos que o sucessor dem ∈ N e s(m) = m+1, temos que s(m+1) = s(m)+1 = (m+1)+1 =m + 2, s(m + 2) = ((m + 1) + 1) + 1 = (m + 2) + 1 = m + 3 e assim por diante, de modo ques(m + n) = m + s(n) e o resultado da composicao de s(m), s s . . . s, n vezes. Pode-se definirindutivamente o produto entre dois numeros naturais de forma semelhante. Para maiores detalhes,ver [ElonLages, Cap.II].

20

Page 22: Notas Aula 2u

Capıtulo 2

Variaveis Complexas

Nesta secao, informacoes mais detalhadas podem ser consultadas em [Hassani, Churchill, Dennery]

2.1 O Plano Complexo

Um numero complexo z e especificado por um par ordenado de numeros reais x e y, de forma quez = x+ iy, onde i2 = −1. x = ℜ(z) e y = ℑ(z) sao as partes real e imaginaria de z, respectivamente.

Como o par ordenado (x, y) especifica um ponto em um plano ⊂ R2, diz-se que z denota umponto no plano complexo. Observe que, desta forma, podemos escrever i = (0, 1) no plano complexoe que um numero z = ia = (0, a), a ∈ R e um numero imaginario puro. z = 0 = 0 + i · 0 significa opar ordenado (0, 0).

Em coordenadas polares, um ponto z se encontra a uma distancia r da origem e faz um angulo θcom o eixo Real, x. Portanto, x = r cos θ e y = r sin θ, de modo que |z| = r =

√x2 + y2 (denominado

modulo de z ou |z|) e θ = arctan(yx

)(chamado argumento de z ou arg(z)). Na realidade, ve-se que

θ e definido a menos de um termo aditivo multiplo de 2π, pois qualquer que seja arg(z) = θ+ 2nπ,n = . . . , −2, −1, 0, 1, 2, . . ., tem-se o mesmo numero z.

x

y

z1

z2

z1

z1z2+

z1z1+z

1z1

Figura 2.1: Vetores representando z1, z2,z1 + z2, z1 + z1 e z1 − z1 no plano complexo.

O complexo conjugado de z = x + iy (x, y ∈ R) podeser denotado tanto por z, como por z∗, sendo dado porz = x − iy. Observa-se, assim, que arg(z) = − arg(z), oque significa que z e a reflexao no eixo Real de z. Logo,z · z = x2 + y2 = [ℜ(z)]2 + [ℑ(z)]2 = |z|2.

Um numero complexo z pode ser representado por umvetor no plano complexo. Verifica-se z1 e z2 ∈ C satisfazema operacao de adicao de vetores:

z1 + z2 = (x1 + x2) + i(y1 + y2)

sendo o modulo da soma de z1 e z2, |z1 + z2| =√(x1 + x2)2 + (y1 + y2)2 =

√r21 + r22 + 2r1r2 cos(θ1 − θ2)

o comprimento do vetor z1 + z2. Por sua vez, o modulo dadiferenca entre z1 e z2,

|z1 − z2| =√

(x1 − x2)2 + (y1 − y2)2 =√r21 + r22 − 2r1r2 cos(θ1 − θ2),

21

Page 23: Notas Aula 2u

caracteriza uma definicao de distancia entre os pontos z1 e z2 no plano complexo.As desigualdades triangulares:

||z1| − |z2|| ≤ |z1 + z2| ≤ |z1|+ |z2|

sao satisfeitas ∗. Da segunda desigualdade, aplicada a dois termos, tres termos e assim em di-

ante, pode-se verificar que∣∣∣∑N

j=1 zj

∣∣∣ ≤ ∑Nj=1 |zj|, ∀N ∈ N. Entretanto, apesar de fazer sentido a

afirmacao |z1| > |z2|, nao se pode afirmar que z1 > z2 ou z1 < z2 a menos que z1 e z2 ∈ R.Outras operacoes com numeros complexos z1 e z2 fornecem:

z1 · z2 =(x1 + iy1) · (x2 + iy2) = x1x2 − y1y2 + i(x1y2 + x2y1)

=r1r2[cos θ1 cos θ2 − sin θ1 sin θ2 + i(cos θ1 sin θ2 + cos θ2 sin θ1)]

=r1r2[cos(θ1 + θ2) + i sin(θ1 + θ2)]

Portanto, |z1 · z2| = |z1| · |z2| e arg(z1 · z2) = arg(z1) + arg(z2). A razao entre numeros z1 ∈ C ez2 = 0 ∈ C e dada por:

z1z2

=x1 + iy1x2 + iy2

=(x1 + iy1)(x2 − iy2)

x22 + y2=x1x2 + y1y2 + i(y1x2 − x1y2)

x22 + y2=z1z2z2z2

=r1r2

[cos(θ1 − θ2) + i sin(θ1 − θ2)]

Desta ultima igualdade decorre o fato de, se z1 = 1, z−12 =

cos(−θ2) + i sin(−θ2)]r2

=cos θ2 − i sin θ2

r2.

As propriedades associativas e comutativas da adicao e da multiplicacao de numeros complexosseguem destas serem satisfeitas para cada componente ∈ R do par ordenado (x, y) ∈ C.

Verifica-se tambem que z1z2 = 0 implica em z1 = 0 ou z2 = 0 ou z1 = z2 = 0. Isto porquez1z2 = x1x2 − y1y2 + i(x1y2 + x2y1) = 0 + i0. Ou seja x1x2 − y1y2 = 0 e x1y2 + x2y1 = 0, o queresulta, se x1 ou y1 nao nulos

A ·(x1y1

)=

(x2 −y2y2 x2

)·(x1y1

)=

(00

)e det(A) = x22 + y22 = 0. Portanto, x2 = y2 = 0, se x1 ou y1 nao nulos. Como os ındices saointercambiaveis, ter-se-ia x1 = y1 = 0, se x2 ou y2 nao nulos. Logo, z1 = 0 ou z2 = 0 ou z1 = z2 = 0.

Para os conjugados complexos de z1, z2 ∈ C observam-se que:

z1 + z2 = z1 + z2 z1 − z2 = z1 − z2 z1 · z2 = z1 · z2(z1z2

)=z1z2

∗Verifica-se que |z1 + z2|2 = |z1|2 + |z2|2 +(z1z2 + z2z1). Como z1z2 = z2z1, (z1z2 + z2z1) = 2ℜ(z1z2). Portanto,|z1 + z2|2 = (|z1|+ |z2|)2 − 2|z1||z2|+ 2ℜ(z1z2). Mas ℜ(z1z2) ≤ |z1z2| = |z1||z2|. Logo, |z1 + z2|2 ≤ (|z1|+ |z2|)2, ouseja, |z1 + z2| ≤ |z1|+ |z2|).Tem-se tambem que |z1 − z2|2 = |z1|2 + |z2|2 − (z1z2 + z2z1), enquanto que ||z1| − |z2||2 = |z1|2 + |z2|2 − 2|z1||z2|.

Deste modo, |z1−z2|2−||z1|− |z2||2 = −(z1z2+z2z1)+2|z1||z2|. Mas (z1z2+z2z1) = 2ℜ(z1z2) ≤ 2|z1z2| = 2|z1||z2|.Logo, |z1− z2|2−||z1|− |z2||2 ≥ 0, donde segue que |z1− z2| ≥ ||z1|− |z2||. Fazendo z2 → −z2, |z1+ z2| ≥ ||z1|− |z2||

22

Page 24: Notas Aula 2u

Em particular,

z + z = 2x = 2ℜ(z) ∈ R z − z =2y = 2ℑ(z), Imaginario puro

Do produto de z1 e z2, verifica-se que z1z2z2 = (z1z2)z3 = r1r2(cos(θ1 + θ2) + i sin(θ1 +θ2))r3(cos(θ3) + i sin(θ3)) = r1r2r3(cos(θ1 + θ2 + θ3) + i sin(θ1 + θ2 + θ3)). Procedendo desta formaate o n-esimo termo, teremos

z1z2 . . . zn =n∏j=1

zj =n∏j=1

rj

[cos

(n∑j=1

θj

)+ i sin

(n∑j=1

θj

)]

Observe que se r1 = r2 = . . . = rn = 1, o produto desses n numeros complexos de modulo 1 resultaem um numero complexo de modulo 1 e de argumento igual a soma dos argumentos de zj. Logo, oproduto de um numero complexo z por outro de modulo z′ = cos θ′+ i sin θ′ equivale a uma rotacaode z por um angulo θ′.

Se z1 = z2 = . . . = zn = z = r(cos θ + i sin θ) e n > 0 ∈ Z, encontra-se

zn = rn [cos(nθ) + i sin(nθ)]

que se reduz ao teorema de De Moivre [cos(θ) + i sin(θ)]n = [cos(nθ) + i sin(nθ)] quando r = 1. De

modo complementar, para n > 0 ∈ Z, z−n =1

zn=

1

rn[cos(−nθ) + i sin(−nθ)] = 1

rn[cos(nθ)− i sin(−nθ)]

Note que, para |z| = 1, z−1 = z.

x

y

Figura 2.2: Representcao grafica das raızes3√0.7, 4

√0.9, 5

√1.1 e 6

√1.3, respectivamente de

menor para maior raio de cada circunferenciacircunscrita. As raızes estao representadas pe-los vertices dos polıgonos.

O problema de encontrar as n−esima raızes de z ∈C pode ser atacado da seguinte forma: digamos quezn = zn = rn(cos θn + i sin θn). Sabemos que, se z1 =r1(cos θ1 + i sin θ1), z

n1 = rn1 [cos(nθ1) + i sin(nθ1)]. Logo,

rn = rn1 → r1 = r1/nn = n

√rn. Por sua vez, θn = nθ1 ± 2πl,

para l ∈ Z. Logo, θ1 =θn ± 2πl

n, onde l = 0, 1 . . . , n− 1,

porque funcoes trigonometricas tem mesmo valor quer

seja em

(θn ± 2π(l + k · n)

n

), onde k ∈ Z, quer seja em(

θn + 2πl

n

). Portanto, fazendo θ1 → θ e r1 → r, tem-se

as n raızes de z1/n,

z1/n = n√r

[cos

(θn + 2πl

n

)+ i sin

(θn + 2πl

n

)]A funcao exponencial e introduzida utilizando-se a

definicao exp z = ex(cos y + i sin y), onde o argumento dasfuncoes trigonometricas, y, deve ser considerado em radi-ano. exp z e univalente ∗ para cada z ∈ C Esta funcao

fornece a funcao exponencial real, exp : R 7→ R, onde exp x = ex quando z = x ∈ R. Se z = iy

∗Funcao univalente em um conjunto S ⊂ C e aquela que em que possui um unico valor para cada valor de z ∈ S.

23

Page 25: Notas Aula 2u

a expressao a exp z = cos y + i sin y. Esta igualdade e satisfeita se considerarmos a expansao emseries de potencias de exp z, cos z e sin z [Gradshteyn], pois

exp(iy) =∞∑n=0

(iy)n

n!, cos(y) =

∞∑n=0

(−1)ny2n

(2n)!, sin(y) =

∞∑n=0

(−1)ny2n+1

(2n+ 1)!

Logo, da expansao de exp z tem-se

exp(iy) =∞∑n=0

(iy)n

n!=

∞∑n=0

i2ny2n

(2n)!+

∞∑n=0

i2n+1 y2n+1

(2n+ 1)!

que se reduz a exp(iy) = cos y + i sin y.A partir da definicao da funcao exponencial em C, verfica-se que, para z = x + iy, | exp z| =

eℜ(z) = ex e arg(exp z) = ℑ(z) = y. Para o conjugado complexo, exp z = ex(cos y− i sin y) = exp(z)Tem-se tambem que exp z1 exp z2 = eℜz1eℜz2 [cos(ℑz1 + ℑz2) + i sin(ℑz1 + ℑz2)] = exp(z1 + z2).

Portanto,exp z1exp z2

= exp(z1 − z2). Em particular,1

exp z= exp(−z). Para m e n ∈ Z e positivos,

(exp z)n = exp(nz), enquanto que (exp z)m/n = exp[mn(z + 2πl)

], onde l = 0, 1, 2 . . . , n− 1.

Uma observacao importante e que exp z e periodica de perıodo 2πi, pois exp(z + 2πi) =exp z exp(2πi) = exp z, pois exp(2πi) = cos(2π) + i sin(2π) = 1.

Muitas vezes se representa um numero complexo utilizando a funcao exponencial. Desta maneira,z em coordenadas polares e escrita como z = r(cos θ+i sin θ) = r exp(iθ) = reiθ. Consequentemente,

z = re−iθ, z1z2 = r1r2 exp[i(θ1 + θ2)] ez1z2

=r1r2

exp[i(θ1 − θ2)], se r2 = 0. Da mesma forma,

zn = rneinθ e zm/n = rm/neimθ/n.

2.2 Funcoes Complexas

Uma funcao complexa e um mapeamento f : D 7→ C, onde D ⊂ C ∗ e uma regiao do plano complexoe w = f(z), z e w ∈ C. Denotando w = u+iv e z = x+iy, encontra-se que f(z) = u(x, y)+iv(x, y).Desta forma, f mapeia pontos no plano z em pontos no plano w.

Por exemplo, uma funcao linear y = ax no plano z pode ser mapeada em diversas curvas noplano w, dependendo de que mapeamento w = f(z) for utilizado. Considere, entao:

• f(z) = z2. Digamos que o angulo que a reta y = ax faz com o eixo ℜ(z) seja θz = arctan(a).A transformacao w = u + iv = (x + iy)2 = x2 − y2 + 2ixy leva esta reta em u = x2(1 − a2)

e v = 2ax2 no plano−w, ou seja, v =2a

1− a2u, que e a equacao de uma reta inclinada de

θw = 2θz em relacao ao eixo ℜ(w).

• f(z) = zn. Neste caso, utilizemos a representacao em coordenadas polares, z = reiθ. Parapontos sobre y = ax, teremos z =

√x2(1 + a2)eiθz e, portanto, w = u + iv = zn =

[x2(1 + a2)]n/2

einθz . Logo, u = xn (1 + a2)n/2

cos(nθz) e v = xn (1 + a2)n/2

sin(nθz), ou seja,v

u= tan(nθz) → v = tan(nθz)u que a equacao e de uma reta no plano−w fazendo angulo

nθz com o eixo ℜ(w). Note que, para n par, tem-se o mesmo w para x = −x′ e x = x′.

∗As vezes se escreve f : C 7→ C, subentendendo que o domınio se refere a um subconjunto de C

24

Page 26: Notas Aula 2u

-4

-3.5

-3

-2.5

-2

-1.5

-1

-0.5

0

-2 -1.5 -1 -0.5 0 0.5 1 1.5 2

v

u

(d)

-40

-20

0

20

40

-40 -20 0 20 40

v

u

(c)

-5000

-4000

-3000

-2000

-1000

0

-2000 -1000 0 1000 2000

v

u

(b)

-1

-0.5

0

0.5

1

-1 -0.5 0 0.5 1

v

u

(a)

Figura 2.3: Mapeamentos w = f(z) da curva y =x

2(no plano−z, nao mostrado) em curvas no plano−w: (a)

w = zn, onde n = 1, 2, 3, 4, linhas de cores vermelha a azul; (b) w = exp(z); (c) ampliacao de parte da figura (b);

(d) w =z − 1

z + 1.

• f(z) = exp(z). Esta transformacao leva a reta y = ax em um espiral no plano−w, poisw = exeiax. Portanto, u = ex cos(ax) e v = ex sin(ax) e a forma parametrica de uma curvaespiral no plano−w.

• f(z) =z − 1

z + 1. Tem-se

z − 1

z + 1=

(z − 1)(z − 1)

|z + 1|2. Para z = x + iy = x(1 + ia), f(z) =

|z|2 + z − z − 1

|z|2 + z + z + 1=x2 + y2 − 1 + 2iy

x2 + y2 + 2x+ 1=x2(1 + a2)− 1 + 2iax

x2(1 + a2) + 2x+ 1. Considere w − w0, para um

dado w0 = u0 + iv0. Entao:

u− u0 =(1− u0)(1 + a2)x2 − 2u0x− (1 + u0)

x2(1 + a2) + 2x+ 1, v − v0 =

−v0(1 + a2)x2 + 2(a− v0)x− v0x2(1 + a2) + 2x+ 1

25

Page 27: Notas Aula 2u

Se fizermos (u− u0)2 + (v − v0)

2, teremos (apos alguma manipulacao algebrica):

(u− u0)2 + (v − v0)

2 =Ax4 +Bx3 + Cx2 +Dx+ E

(1 + a2)2x4 + 4(1 + a2)x3 + 2(3 + a2)x2 + 4x+ 1

onde A = (1+ a2)2[(1− u0)2 + v20], B = −4(1 + a2)[u0(1− u0) + v0(a− v0)], C = 2[2u20 − (1 +

a2)(1 − u20 − v20) + 2(a − v0)2], D = 4[u0(1 + u0) − v0(a − v0)] e E = (1 + u0)

2 + v20. Se os

pontos imagem de y = ax pelo mapeamento w(z) =z − 1

z + 1formarem uma circunferencia em

w, o numerador da equacao acima deve ser R2 vezes o denominador. Portanto, cada um dosfatores de A, B, C,D e E no numerador devem ser multiplos dos fatores de x4, x3, x2, x1 ex0 no denominador

(1 + a2)2[(1− u0)2 + v20] = (1 + a2)2R2 ⇒ (1− u0)

2 + v20 = R2 (A)

− 4(1 + a2)[u0(1− u0) + v0(a− v0)] = 4(1 + a2)R2 ⇒ u0(1− u0) + v0(a− v0) = −R2 (B)

2[2u20 − (1 + a2)(1− u20 − v20) + 2(a− v0)2] = 2(3 + a2)R2 ⇒

⇒ 2[u20 + (a− v0)2]− (1 + a2)(1− u20 − v20) = (3 + a2)R2 (C)

4[u0(1 + u0)− v0(a− v0)] = 4R2 ⇒ u0(1 + u0)− v0(a− v0) = R2 (D)

(1 + u0)2 + v20 = R2 (E)

De (A)−(E) tem-se u0 = 0, que substituindo nas equacoes (A) ou (E), resulta em v20 = R2−1.Tem-se tambem que (B) = (D) ⇒ v0(a− v0) = −R2 e (C) ⇒ (1 + a2)(v20 − 1) + 2(a− v0)

2 =

(3 + a2)R2. Portanto, av0 − v20 = −1 − v20 → v0 =1

ae R2 = 1 + v20 =

a2 + 1

a2. Verifica-se

entao que (C) e verdadeira. Logo, o mapeamento w =z − 1

z + 1transforma os pontos sobre

a reta y = ax em z em uma circunferencia de raio R =

√a2 + 1

a2e centro w0 = − i

a, i.e.,

|w − w0| = R.

2.2.1 Limite e Continuidade

Com respeito aos conceitos de limite e continuidade no plano complexo, utilizando a metrica dadapor d(z, z′) = |z − z′|, tem-se que para f : D → C:

• O limite de f(z) e definido como limz→a → w0, se para qualquer ϵ > 0, existe δ > 0 tal que|f(z)− w0| < ϵ desde que |z − a| < δ. Observe que para que o limite exista e seja igual a umdado w0, a funcao f(z) deve tender a w0 para qualquer ponto em uma vizinhanca de z = a,ou seja, independentemente do modo como z tende para a.

• f(z) e contınua em z = a ∈ D se para qualquer ϵ > 0, existe um δ > 0 tal que |f(z)−f(a)| < ϵdesde que |z − a| < δ. Ou, f(z) e contınua se o limite de f(z) existir e for limz→a f(z) → w0

e w0 = f(a).

As definicoes de limite seguem do que ja foi visto sobre convergencia e limite de uma sequencia(sequencias de Cauchy em [Notas de Aula 0]). Entretanto, um conceito importante e o de con-vergencia uniforme (cf. [Dennery, Cap. 1.2]). Tenha-se uma sequencia de funcoes definidas em

26

Page 28: Notas Aula 2u

D ⊂ C, f1(z), f2(z), f3(z), . . ., fn(z), . . .. Esta sequencia converge para f(z) se para qualquerponto z ∈ D e ϵ > 0, existe um numero N ∈ N (que pode depender de ϵ e z), onde para n > Ntemos |f(z) − fn(z)| < ϵ. Se existe um valor de N independente de z em D ⊂ C diz-se que asequencia converge uniformemente para f(z) em D. Tem-se que uma sequencia de Cauchy convergeuniformemente.

Um exemplo de sequencia que nao converge uniformemente e dado por fn(x) =nx

1 + n2x2em

x ∈ (−∞, ∞). Isto porque limn→∞ fn(x) → 0, exceto em x =1

npois fn

(1

n

)=

1

2. Portanto, como

nao e possıvel fazer |f(x)− fn(x)| < ϵ para todo o intervalo (−∞, ∞) (pois este limite depende sex esta na vizinhanca de 1/n), esta sequencia nao converge uniformemente.

Se a a sequencia se refere a somas parciais,∑n

j=1 fj(z) = Sn(z), a somatoria infinita∑∞

j=1 fj(z)converge uniformemente para S(z), se a sequencia de somas parciais Sn(z) converge uniformementepara S(z).

O criterio de Weierstrass diz que∑∞

j=1 fj(z) converge uniformemente, se |fj(z)| ≤ an (i.e., cadatermo da sequencia tem modulo limitado superiormente) e se

∑∞j=1 an e convergente.

Um exemplo de convergencia de somas parciais, considere SN (z) =

N∑j=0

zj

j!para 0 ≤ |z| ≤ R. Observe que

|fj | =∣∣∣∣zjj!∣∣∣∣ ≤ |z|j

j!≤ Rj

j!

Como

N∑j=0

Rj

j!e convergente (pois pelo teste da razao,

Rj+1/(j + 1)!

Rj/j!=

R

j + 1< 1 para uma dado j >

N ou limj→∞

R

(j + 1)→ 0), entao a sequencia de somas parciais converge uniformemente. Sabemos que

limN→∞

fN (x) → exp(z).

Outro exemplo e o da sequencia de somas parciais SN =N∑n=1

(−x)n para x ∈ [0, 1]. Sabemos que

SN e a expansao em series de potencias de −x/(1 + x) quando N → ∞. Para |x| < 1 temos que|fn| = | − xn| < |x|n = an e que, pelo teste da razao, |x|n+1/|x|n = |x| < 1. Logo, SN convergeuniformemente para x ∈ [0, 1). Entretanto, para x = 1 nao podemos chegar a esta conclusao utilizando oprocedimento acima. Para isso reescrevamos SN como

SN =

−(1− x)

N/2∑p=0

x2p+1, para N par,

−(1− x)

(N−1)/2∑p=0

x2p+1 − xN , para N ımpar.

Em x = 1 temos que SN=2p = 0, enquanto que SN=2p+1 = −1. Portanto, a serie nao converge uni-formemente neste ponto (e diverge para x > 1), pois nao e possıvel encontrar um valor de N que forneca|Sn(1)− Sm(1)| < ϵ, para n > m > N e ϵ > 0 arbitrario.

27

Page 29: Notas Aula 2u

2.2.2 Derivadas

Digamos que f : D → C, D ⊂ C. A derivada de w = f(z) e definida como

df

dz

∣∣∣∣z0

= lim∆z→0

f(z +∆z)− f(z)

∆z

Mas para que f(z) seja diferenciavel em z0 ∈ D e preciso que o limite acima exista e seja indepen-dente da forma como ∆z → 0 (o que significa independente da forma como ∆x→ 0 e ∆y → 0, pois∆z = ∆x+ i∆y)∗.

Tomemos como um exemplo f(z) = x+ 2iy e calculemosdf

dz

∣∣∣∣0

. Logo,

df

dz

∣∣∣∣0

= lim∆z→0

f(∆z)− f(0)

∆z= lim

∆x→0∆y→0

∆x+ 2i∆y

∆x+ i∆y= 1 + lim

∆x→0∆y→0

i∆y

∆x+ i∆y

Percebe-se que a derivada de f depende do modo como ∆z tende a zero, pois para ∆x → 0 com∆y = 0

lim∆x→0

f(∆x)− f(0)

∆x= 1

enquanto que se ∆y → 0 com ∆x = 0,

lim∆y→0

f(i∆y)− f(0)

i∆y= 2.

Para ∆y = m∆x, i.e., ∆z tende a 0 por uma reta de coeficiente angular m,

lim∆x→0

f(∆x+ i∆y)− f(0)

∆x+ i∆y= 1 + (m+ i)

m

1 +m2= 1 +

m2

1 +m2+

im2

1 +m2

que depende de m. Logo, f(z) = x+ 2iy nao e diferenciavel em z = 0.Vejamos as condicoes que devem ser satisfeitas para que uma funcao w = f(z) = u + iv seja

diferenciavel. Uma condicao necessaria e a de que

lim∆x→0∆y=0

f(z +∆z)− f(z)

∆z= lim

∆x=0∆y→0

f(z +∆z)− f(z)

∆z

Portanto,

lim∆x→0∆y=0

f(z +∆z)− f(z)

∆z= lim

∆x→0

u(x+∆x, y) + iv(x+∆x, y)− u(x, y)− iv(x, y)

∆x

= lim∆x→0

u(x+∆x, y)− u(x, y)

∆x+ i lim

∆x→0

v(x+∆x, y)− v(x, y)

∆x=∂u

∂x+ i

∂v

∂x∗O mesmo argumento vale para derivadas de uma funcao f : R → R pois

lim∆x→0

f(x0 ± |∆x|)− f(x0)

±|∆x|

pode: (i) nao existir um dos ou ambos os limites; (ii) os limites existem, mas sao diferentes. Em ambos os casos,f(x) pode ate ser contınua, mas nao e diferenciavel em x0. No domınio complexo, a condicao de uma funcao serdiferenciavel se torna ainda mais restritiva, pois exige que um limite semelhante ao acima exista, seja finito e unicopara qualquer caminho de se chegar ao ponto z0.

28

Page 30: Notas Aula 2u

Por outro lado,

lim∆y→0

∆x=0

f(z +∆z)− f(z)

∆z= lim

∆y→0

u(x+∆x, y) + iv(x+∆x, y)− u(x, y)− iv(x, y)

i∆y

= −i lim∆y→0

u(x+∆x, y)− u(x, y)

∆y+ lim

∆y→0

v(x+∆x, y)− v(x, y)

∆y= −i∂u

∂y+∂v

∂y

Logo, para que tenhamos a derivada independente de ambas as formas como ∆z → 0, devemos terambas as igualdades

∂u

∂x=∂v

∂ye − ∂u

∂y=∂v

∂x

satisfeitas. Estas condicoes sao chamadas de condicoes de Cauchy-Riemann (C-R) e necessariamentedevem ser satisfeitas em um ponto z0 para que uma funcao seja diferenciavel neste ponto.

Entretanto, exposta da forma acima, as condicoes de Cauchy-Riemann nao garantem que umafuncao seja diferenciavel. Para saber se Cauchy-Riemann sao condicoes suficientes (i.e., se foremsatisfeitas, garantem que a funcao e diferenciavel), considere∣∣∣∣f(z +∆z)− f(z)

∆z−(∂u

∂x+ i

∂v

∂x

)∣∣∣∣onde w = f(z) = u(x, y)+iv(x, y) definida em D ⊂ C tem u(x, y) e v(x, y) satisfazendo as condicoesde Cauchy-Riemann, alem de terem derivadas parciais primeiras com respeito a x e y contınuas emx e y ∈ D. Pelo fato de u(x, y) e v(x, y) terem derivadas parciais contınuas, tem-se que

u(x+∆x, y +∆y)− u(x, y) =∂u

∂x∆x+

∂u

∂y∆y + ϵ1∆x+ δ1∆y

v(x+∆x, y +∆y)− v(x, y) =∂v

∂x∆x+

∂v

∂y∆y + ϵ2∆x+ δ2∆y

para ∆x→ 0 e ∆y → 0, onde ϵ1, ϵ2, δ1 e δ2 podem ser arbitrariamente pequenos. Desta forma,

f(z +∆z)− f(z) = u(x+∆x, y +∆y)− u(x, y) + i[v(x+∆x, y +∆y)− v(x, y)]

=

(∂u

∂x+ i

∂v

∂x

)∆x+

(∂u

∂y+ i

∂v

∂y

)∆y + (ϵ1 + iϵ2)∆x+ (δ1 + iδ2)∆y

=

(∂u

∂x+ i

∂v

∂x

)∆x+

(−∂v∂x

+ i∂u

∂x

)∆y + (ϵ1 + iϵ2)∆x+ (δ1 + iδ2)∆y

=

(∂u

∂x+ i

∂v

∂x

)∆x+

(i∂v

∂x+∂u

∂x

)i∆y + (ϵ1 + iϵ2)∆x+ (δ1 + iδ2)∆y

=

(∂u

∂x+ i

∂v

∂x

)∆z + (ϵ1 + iϵ2)∆x+ (δ1 + iδ2)∆y

onde utilizamos Cauchy-Riemann e ∆z = ∆x+ i∆y. Logo,∣∣∣∣f(z +∆z)− f(z)

∆z−(∂u

∂x+ i

∂v

∂x

)∣∣∣∣ ≤ ∣∣∣∣(ϵ1 + iϵ2)∆x

∆z

∣∣∣∣+ ∣∣∣∣(δ1 + iδ2)∆y

∆z

∣∣∣∣29

Page 31: Notas Aula 2u

devido a desigualdade triangular

∣∣∣∣(ϵ1 + iϵ2)∆x

∆z+ (δ1 + iδ2)

∆y

∆z

∣∣∣∣ ≤ ∣∣∣∣(ϵ1 + iϵ2)∆x

∆z

∣∣∣∣+ ∣∣∣∣(δ1 + iδ2)∆y

∆z

∣∣∣∣.Como

∣∣∣∣∆x∆z

∣∣∣∣ ≤ 1 e

∣∣∣∣∆y∆z

∣∣∣∣ ≤ 1, pois |∆z| =√(∆x)2 + (∆x)2, ϵ1, ϵ2, δ1 e δ2 podem ser feitos quao

pequenos desejarmos e portanto,

df

dz= lim

∆z→0

f(z +∆z)− f(z)

∆z=

(∂u

∂x+ i

∂v

∂x

)Logo, f(z) = u(x, y)+ iv(x, y) e diferenciavel em D ⊂ C, se u(x, y) e v(x, y) satisfazem as condicoesde Cauchy-Riemann e possuem derivadas parciais primeiras com respeito a x e y contınuas emz ∈ D.

E interessante observar que, a partir de z = x + iy e z = x − iy, teremos x =z + z

2

e y =z − z

2i. Logo,

∂f

∂z=

∂f

∂x

∂x

∂z+∂f

∂y

∂y

∂z=

1

2

(∂f

∂x+ i

∂f

∂y

). Sendo f(z) = u + iv, temos

∂f

∂z=

1

2

(∂u

∂x+ i

∂v

∂x+ i

∂u

∂y− ∂v

∂y

)=

1

2

(∂u

∂x− ∂v

∂y

)+i

2

(∂v

∂x+∂u

∂y

). Se f(z) = u+ iv obedece as

condicoes de Cauchy-Riemann, as partes real e imagniaria de∂f

∂zse anulam e

∂f

∂z= 0. Logo, para

uma funcao ser diferenciavel, esta nao pode ser funcao de z, i.e., se uma funcao puder ser escritacomo funcao somente de z = x+ iy, nao dependendo explicitamente de z, e possıvel que esta funcaoseja diferenciavel. Isto nao significa que se uma funcao depender somente em z seja diferenciavel,mas que, se so puder ser expressada com dependencia explicita em z, a funcao nao e diferenciavel ∗.

Tomemos alguns exemplos: (1) f(z) = x2 + 2iy2 =

(z + z

2

)2

+

(z − z

2i

)2

=1

4[(1 − 2i)(z2 +

z2) + 2(1 + 2i)zz]. Portanto, f(z) nao pode ser expressa como funcao exclusiva de z e nao deveser diferenciavel. Pode-se constatar isto mediante a verificacao das condicoes de Cauchy-Riemann:∂u

∂y= 0 = −∂v

∂x, mas

∂u

∂x= 2x = 4y =

∂v

∂ye, portanto, f(z) nao e diferenciavel. (2) f(z) =

x2 − y2 + 2ixy = (x+ iy)2 = z2. Como pode ser escrita com funcao apenas de z, ha a possibilidade

de f(z) ser diferenciavel. De Cauchy-Riemann ,∂u

∂y= −2y = −∂v

∂xe∂u

∂x= 2x =

∂v

∂y, portanto

f(z) = z2 e diferenciavel.As regras de derivacao de funcoes complexas sao da mesma forma daquelas para funcoes reais.

Por exemplo, para a soma de duas funcoes hs(z) = f(z) + g(z), tem-se

dhsdz

= lim∆z→0

f(z +∆z) + g(z +∆z)− f(z)− g(z)

∆z

= lim∆z→0

f(z +∆z)− f(z)

∆z+ lim

∆z→0

g(z +∆z)− g(z)

∆z=df

dz+dg

dz.

∗A constatacao acima pode ser tambem deduzida (ver [Dennery, Pg. 16]) expandindo u(x, y) e v(x, y) em seriesde Taylor em torno de um ponto z0 = x0 + iy0 (supondo que esta expansao exista na vizinhanca de z0).

30

Page 32: Notas Aula 2u

Para o produto, hp(z) = f(z)g(z),

dhpdz

= lim∆z→0

f(z +∆z)g(z +∆z)− f(z)g(z)

∆z

= lim∆z→0

f(z +∆z)g(z +∆z)− f(z +∆z)g(z) + f(z +∆z)g(z)− f(z)g(z)

∆z

= lim∆z→0

f(z +∆z)[g(z +∆z)− g(z)] + [f(z +∆z)− f(z)]g(z)

∆z

=f(z) lim∆z→0

g(z +∆z)− g(z)

∆z+ lim

∆z→0

f(z +∆z)− f(z)

∆zg(z)

=f(z)dg

dz+df

dzg(z)

De forma semelhante, pode-se mostrar que as regras de derivacao conhecidas podem ser aplicadasa funcoes de argumento complexo.

Um mapeamento que satisfaz as condicoes de Cauchy-Riemann possui uma propriedade interes-sante que diz respeito a suas partes real e imaginaria. Para isto, verifiquemos que a regra da cadeiafornece:

dw(x, y) =∂w

∂xdx+

∂w

∂ydy = ∇w · dr

se definirmos∇ = x∂

∂x+y

∂ye dr = xdx+ydy. ∇w e chamado de gradiente de w. Se w(x, y) = c0 =

constante for uma curva equipotencial (i.e., possui mesmo valor para todos os pontos nesta curva),∇w = ∇c0 = 0 e dw = ∇w · dr = 0. Logo, como dr e tangente a curva w = c0, ∇w e normal em(x0, y0) a curva w(x, y) = w(x0, y0) = c0.

Digamos que w = u = iv = f(z) seja diferenciavel em (x0, y0). Logo, em (x0, y0), ∇u e ∇v saovetores perpendiculares as curvas equipotenciais u = u(x0, y0) e v = v(x0, y0). Portanto,

∇u · ∇v =∂u

∂x

∂v

∂x+∂u

∂y

∂v

∂y= 0

onde as condicoes de Cauchy-Riemann foram utilizadas. As curvas equipotenciais definidas poru = u(x0, y0) e v = v(x0, y0) sao perpendiculares entre si em (x0, y0). Ou seja, as tangentes ascurvas ℜ(f(z)) e ℑ(f(z)) sao perpendiculares em z0, se f(z) e diferenciavel em uma vizinhancadeste ponto.

2.2.3 Funcoes Analıticas

Seja f : D → C, onde D ⊂ C. f(z) e analıtica∗ em z0 ∈ D, se for diferenciavel em z0 e em qualquer zem alguma vizinhanca de z0. O domınio onde f e analıtica e denominado de domınio de analiticidadede f . Se f(z) for analıtica em todo e qualquer z ∈ C, diz-se que f e funcao inteira.

O ponto, z0, em que f(z) e analıtica, e chamado de ponto regular de f . Se, pelo contrario, f(z)nao for analıtica em z0, z0 e ponto singular ou singularidade de f . Se a singularidade ocorrer apenasem z0, mas nao na sua vizinhanca, z0 e ponto singular isolado de f .

∗Aqui nao farei distincao entre os conceitos de funcoes analıticas e funcoes holomorficas. Segundo [Ahlfors],ambos os termos possuem significado identico (ver [Ahlfors, pg. 24]). De maneira geral, o termo funcao analıtica emais conhecido por fısicos e engenheiros, enquanto o termo funcao holomorfica e mais utilizado por matematicos.

31

Page 33: Notas Aula 2u

-1

-0.5

0

0.5

1

-1 -0.5 0 0.5 1

y

x

(d)

-1

-0.5

0

0.5

1

-1 -0.5 0 0.5 1

y

x

(c)

-0.4

-0.3

-0.2

-0.1

0

0.1

0.2

0.3

0.4

-0.4 -0.3 -0.2 -0.1 0 0.1 0.2 0.3 0.4

y

x

(b)

-1

-0.5

0

0.5

1

-1 -0.5 0 0.5 1

y

x

(a)

Figura 2.4: Curvas de nıvel de u = u(x, y) = ℜ(w) (em azul) e v = v(x, y) = ℑ(w) (em vermelho) para diferentes

mapeamentos w = f(z): (a) f = exp(z); (b) f = 1/z; (c) f = z3 e (d) f = ln

z −R

z1z − z1

, onde R = 1/2 e z1 = 1/5.

Note que as curvas equipotenciais de u(z) e v(z) sao perpendiculares entre si, desde que f(z) seja diferenciavel nesteponto (i.e., z seja regular).

32

Page 34: Notas Aula 2u

A soma e o produto de duas funcoes inteiras sao tambem funcoes inteiras. Entretanto, se f(z) e

g(z) sao inteiras, a razaof(z)

g(z)pode nao ser inteira, devido a possıveis valores de z em que g(z) = 0.

Exemplos de funcoes analıticas e de suas derivadas:

p0(z) = a: Funcao constante, onde a = const.. Neste caso,dp0dz

= lim∆z→0p0(z +∆z)− p0(z)

∆z= 0,

∀ z ∈ C. Funcao e inteira.

p1(z) = z: Funcao inteira, poisdp1dz

= lim∆z→0z +∆z − z

∆z= 1, ∀ z ∈ C.

p2(z) = z2: Funcao inteira, poisdp2dz

= lim∆z→0(z +∆z)2 − z2

∆z= lim∆z→0

z2 + 2z∆z +∆z2 − z2

∆z=

2z + lim∆z→0∆z = 2z, ∀ z ∈ C.

pn(z) = zn: Funcao inteira, pois, ∀ z ∈ C,

dpndz

= lim∆z→0

(z +∆z)n − zn

∆z= lim

∆z→0

zn +∑n

j=1

n!

j!(n− j)!zn−j∆zj − zn

∆z

= lim∆z→0

n∑j=1

n!

j!(n− j)!zn−j∆zj−1 = nzn−1 + lim

∆z→0

n∑j=2

n!

j!(n− j)!zn−j∆zj−1 = nzn−1

P (z) = a0 + a1z + . . .+ anzn: Polinomio de grau n e funcao inteira, pois cada um de seus termos

e inteiro (como visto acima) e a soma de funcoes inteiras e funcao inteira. Calculando direta-mente:

dP

dz= lim

∆z→0

n∑j=0

aj[(z +∆z)n − zn]

∆z=

n∑j=0

aj

[jzj−1 + lim

∆z→0

j∑k=2

j!

(j − k)!k!zj−k∆zk−1

]

=n∑j=0

ajjzj−1

S(z) =∑∞

j=1 aj(z − z0)j: Se a serie de potencias S(z) converge em |z − z0| < R, R > 0 ∈ R e

chamado raio de convergencia desta serie. S(z) e analıtica dentro de seu raio de convergencia.

f(z) =1

z: A derivada do inverso de z e dada por

df

dz= lim

∆z→0

1

z +∆z− 1

z∆z

= lim∆z→0

z − z −∆z

z∆z(z +∆z)= − lim

∆z→0

1

z(z +∆z)= − 1

z2

Como 1/z2 diverge quando z → 0, nao sendo definida em z = 0, este ponto e ponto singularisolado de f(z) = 1/z. f(z) e analıtica para todo z ∈ C, exceto em z = 0, ou seja, o domıniode analiticidade de f(z) e o plano−z excetuando z = 0.

33

Page 35: Notas Aula 2u

f(z) = |z|2: Tem-se

df

dz= lim

∆z→0

(z +∆z)(z +∆z)− zz

∆z= lim

∆z→0

z∆z + z∆z +∆z∆z

∆z= z + lim

∆z→0

(∆z + z

∆z

∆z

)

Se z = 0, entaodf

dz

∣∣∣∣0

= 0. Entretanto, se z = 0,df

dznao e definida, pois depende do modo

como ∆z → 0. Logo, f(z) = |z|2 nao e diferenciavel ∗, exceto em z = 0 (nem na vizinhancade z = 0 |z|2 e diferenciavel!).

f(z) = cos(z): f(z) e inteira, pois a derivada de cos z e dada por:

d cos z

dz= lim

∆z→0

cos(z +∆z)− cos z

∆z= lim

∆z→0

cos z cos∆z − sin z sin∆z − cos z

∆z

= lim∆z→0

− cos z (1− cos∆z)− sin z sin∆z

∆z= lim

∆z→0

− cos z (1− 1 +1

2∆z2)− sin z∆z

∆z=− sin z

f(z) =1

cos(z): Neste caso:

df

dz= lim

∆z→0

1

cos(z +∆z)− 1

cos z

∆z= lim

∆z→0

cos z − cos(z +∆z)

cos(z +∆z) cos z∆z

= lim∆z→0

cos z − cos z cos∆z + sin z sin∆z

cos(z +∆z) cos z∆z= lim

∆z→0

cos z (1− cos∆z) + sin z sin∆z

cos(z +∆z) cos z∆z

= lim∆z→0

cos z (1− 1− 1

2∆z2) + sin z∆z

cos(z +∆z) cos z∆z=

sin z

cos2 z

Portanto, f(z) = 1/ cos z e analıtica em z ∈ C, exceto nos pontos singulares dados por

cos z = 0, i.e., z =

(n+

1

2

)π, onde n ∈ Z.

A funcao exponencial complexa pode tambem ser definida (alem do que ja foi dito na Sec. 2.1)exigindo-se que as seguintes afirmacoes sejam validas para um mapeamento f : C → C:

1. f(z) deve ser univalente e analıtica para qualquer z ∈ C.

2. f(z) =df

dz, ∀ z ∈ C.

3. f(z1 + z2) = f(z1)f(z2), ∀ z1, z2 ∈ C.∗Note que, apesar de ℜ(|z|2) = x2 + y2 e ℑ(|z|2) = 0 terem derivadas contınuas , isto nao garante que |z|2 seja

diferenciavel.

34

Page 36: Notas Aula 2u

De (3), tem-se f(2z) = [f(z)]2. Se z = 0, f(0) = [f(0)]2 → f(0)[f(0) − 1] = 0. Ou seja, ouf(0) = 0 ou f(0) = 1. De (3) e de (2),

df

dz= lim

∆z→0

f(z +∆z)− f(z)

∆z= lim

∆z→0

f(z)f(∆z)− f(z)

∆z= f(z)

[lim∆z→0

f(∆z)− 1

∆z

]= f(z)

Portanto,

lim∆z→0

f(∆z)− 1

∆z= 1 ou f(z) = 0

Como, por definicao, f(z) = 0, lim∆z→0f(∆z)− 1

∆z= 1. Se lim∆z→0 f(z) → f(0) = 0, entao

lim∆z→0f(∆z)− 1

∆z= 1 nao seria verdadeira, alem do lado esquerdo da equacao divergir. No en-

tanto, se lim∆z→0 f(z) → f(0) = 1, entao lim∆z→0f(∆z)− 1

∆z=

1 +∆z − 1

∆z= 1, onde aproximamos

f(∆z) = 1+∆z se ∆z for pequeno o suficiente. Isto e equivalente a dizer que lim∆z→0(f(∆z)−1) =

lim∆z→0∆z → 0. Logo, f(0) = 0 e f(0) =df

dz

∣∣∣∣z0

= 1.

A condicao (1) diz que f(z) deve obedecer Cauchy-Riemann. Logo, f(z) = u + iv =df

dz=

∂u

∂x+i

∂v

∂x=∂v

∂y−i∂u

∂y, donde u =

∂u

∂x=∂v

∂ye v =

∂v

∂x=∂u

∂y. As funcoes u e v que satisfazem u =

∂u

∂x

e v =∂v

∂xsao u = a(y)ex e v = b(y)ex. Substituindo nas condicoes de Cauchy-Riemann ,

∂u

∂x=

∂v

∂y→ a =

db

dye∂v

∂x= −∂u

∂y→ b = −da

dy. A solucao destas equacoes fornece b = A cos y+B sin y

e a = −A sin y + B cos y. De f(0) =df

dz

∣∣∣∣0

= 1, tem-se B + iA = 1, ou seja, A = 0 e B = 1.

Portanto, a funcao procurada e dada por f(z) = exp(z) = ex(cos y + i sin y) = exeiy = ex+iy = ez.

Verifica-se que exp(z) e inteira, pois f(z) =df

dz. Como exp(z) e contınua em qualquer z ∈ C, logo

sua derivada tambem e contınua (e todas as derivadas subsequentes).

Vimos anteriormente que ez =∑∞

j=0

zj

j!. Como e|z| =

∑∞j=0

|z|j

j!e uma serie convergente,

a expansao em series de potencia ez =∑∞

j=0

zj

j!tem raio de convergencia infinito. Ja verificamos

anteriormente que eiy = cos y+i sin y atraves da representacao em serie de cada uma destas funcoes.Generalizando, pode-se definir

cos z =eiz + e−iz

2e sin z =

eiz − e−iz

2i

Substituindo eiz =∑∞

j=0

(iz)j

j!resulta na expansao em series de potencia de cos z e sin z. Verifica-se

tambem que cos2 z + sin2 z = 1. As demais funcoes trigonometricas seguem dessas definicoes paracos z e sin z.

35

Page 37: Notas Aula 2u

Funcoes hiperbolicas sao definidas de forma semelhante

cosh z =ez + e−z

2e sinh z =

ez − e−z

2

de forma que cosh z = cos(iz) e sinh z = −i sin(iz). Portanto, cosh2 z − sinh2 z = 1. As demaisfuncoes hiperbolicas seguem destas definicoes.

O logaritmo natural de z e definido como ef(z) = z. Logo, eu(cos v + i sin v) = r(cos θ + i sin θ),o que fornece eu = r e v = θ+2πn, n ∈ Z. Assim, Re(ln z) = ln r e ℑ(ln z) = θ+2πn. Deste modo,a funcao logaritmo natural de z e definida como:

f(z) = ln z = ln r + i(θ + 2πn)

onde n = 0, ±1, ±2, . . .. Note que o argumento de z e estabelecido a menos de uma constantemultipla de 2π, o que faz com que ln z seja multivalente, pois um mesmo valor de z corresponde amais de um valor de ln z (neste caso, infinitos valores de ln z).

O logaritmo principal ∗ Lnz e a funcao logaritmo de z, definida de modo a ser univalente daseguinte forma

Lnz = ln r + iθ, −π ≤ θ ≤ π

Observe que

limθ→π

Lnz = limϵ→0

Ln(rei(π−ϵ)

)= ln r + iπ, mas lim

θ→−πLnz = lim

ϵ→0Ln(re−i(π−ϵ)

)= ln r − iπ.

Portanto, Lnz e descontınuo em θ = ±π, ou seja, no eixo real negativo (x < 0 e y = 0)†.Uma propriedade importante e que dada uma funcao analıtica f : D → C, onde w = f(z), suas

partes real u = ℜ(w) e imaginaria v = ℑ(w) satisfazem a equacao de Laplace em duas dimensoes.Isto pode ser verificado utilizando Cauchy-Riemann para mostrar que o laplaciano ∇2 aplicado a uou a v (∇2u e ∇2v) e igual a zero:

∇2u =∂2u

∂x2+∂2u

∂y2=

∂2v

∂x∂y− ∂2v

∂y∂x= 0 e ∇2v =

∂2v

∂x2+∂2v

∂y2= − ∂2u

∂x∂y+

∂2u

∂y∂x= 0

desde que u e v tenham derivadas contınuas. Logo, em um ponto z ∈ C, u e v satisfazem a equacaode Laplace se w = u + iv for analıtica neste ponto. Funcoes que satisfazem a equacao de Laplacesao chamadas de funcoes harmonicas.

Podemos conluir, entao, que:

• as partes real e imaginaria de uma funcao analıtica sao funcoes harmonicas e que, ainda,satisfazem as condicoes de Cauchy-Riemann;

• um par de funcoes harmonicas ψ e ϕ nao necessariamente definem uma funcao diferenciavelψ+ iϕ (por exemplo, ψ = x e ϕ = 2y sao harmonicas, mas a funcao complexa f(z) = x+ i 2ynao e diferenciavel). Entretanto, se este par de funcoes harmonicas satisfaz as condicoes deCauchy-Riemann entao f(z) = ψ + iϕ e analıtica.

∗ou ramo principal da funcao multivalente ln z.†Veremos mais sobre ln z nas proximas aulas.

36

Page 38: Notas Aula 2u

Em Fısica, a equacao de Laplace aparece corriqueiramente. Na eletrostatica, dinamica de fluidos(incompressıvel e irrotacional) e no estudo de transferencia (estacionaria) de calor, o potencialeletrico, a funcao escoamento e a temperatura satisfazem a equacao de Laplace. Se o sistemativer duas dimensoes ou se for possıvel – utilizando simetria – reduzı-lo a duas dimensoes, pode-serelacionar funcoes complexas a quantidades fısicas.

Como exemplo, tenha um filamento fino e longo carregado eletricamente, com densidade decarga linear λ = constante. Este e um sistema que pode ser tratado como bi-dimensional, poistem simetria cilındrica. Sabemos, utilizando a lei de Gauss, que o modulo do campo eletrico

em um ponto (x, y) e dado por E =λ

2πϵ0r, onde ϵ0 e a permissividade eletrica do vacuo e r =√

(x− x0)2 + (y − y0)2 = |z−z0| e a distancia do fio ao ponto (x, y). Logo, a menos de um potencial

de referencia, o potencial eletrico em (x, y) e dado por Φ = −∫E · dr = − λ

2πϵ0ln r. Mas tambem

sabemos que Φ satisfaz a equacao de Laplace, exceto na posicao onde se encontra o filamento

carregado. Portanto, Φ = − λ

2πϵ0ln |z− z0| pode ser considerado como a parte real de um potencial

complexo, Ω(z) = Φ(z) + iΨ(z) = − λ

2πϵ0ln(z − z0), onde ℜ(Ω) = Φ = const. sao circunferencias

concentricas a z0 e ℑ(Ω) = Ψ = const. sao raios emanando de z0. Estas curvas sao ortogonais entresi, exceto em z = z0.

Um sistema comN filamentos carregados λj localizados em zj, pode ser entao dado pelo potencial

camplexo Ω = − λ

2πϵ0

∑Nj=1 ln(z − zj). Na figura 2.4(d) sao mostradas as curvas equipotenciais de

ℜ(Ω) e ℑ(Ω) para um filamento de carga λ em z = z0 = 1/5 e outro de carga −λ em z =1

2z0.

2.3 Mapeamento Conforme

x

yC1

C2

x

yC1

C2

' '

''

'x0

y0

x0

y0

'

'

z' = f(z)

Figura 2.5: Representacao esquematica de um mapeamento z′ =z(z) que leva as curvas C1 e C2 em z para as curvas C ′

1 e C ′2 em

z′. Se este mapeamento for conforme, no ponto (x0, y0) o anguloν e igual ao angulo ν′ em (x′0, y

′0).

Consideremos uma funcao analıtica z′(z) =u(x, y) + iv(x, y) em D ⊂ C. A regiao De mapeada do plano−z para o plano−w ecurvas C1 e C2 em z sao levadas em cur-vas C ′

1 e C′2 em w, conforme mostrado na

Fig. 2.5. Digamos que em z0 = (x0, y0) ascurvas C1 e C2 se cruzem e facam anguloentre si igual a ν. Sob a aplicacao dez′ = z(z), z0 e transformado no pontoz′0, onde as curvas C ′

1 e C ′2 formam um

angulo ν ′. Uma transformacao deste tipoe chamada de mapeamento conforme se,alem de z′(z) ser analıtica, para qualquer

z ∈ D,dz′

dz= 0. Verifica-se que este ma-

peamento preserva angulos, i.e., ν = ν ′.Se ν = ν ′, cos ν = cos ν ′. Digamos que tk, k = 1, 2 sejam os vetores tangentes as curvas C1 e C2

em z. Da mesma forma, sejam t′k, k = 1, 2 os vetores tangentes as curvas C ′1 e C ′

2 em z′. Podemos

37

Page 39: Notas Aula 2u

escreve-los da seguinte maneira:

tk =x∆xk + y∆yk√(∆xk)2 + (∆yk)2

e t′k =x∆x′k + y∆y′k√(∆x′k)

2 + (∆y′k)2

Observe que t1 · t2 = cos ν e t′1 · t′2 = cos ν. Entao:

t1 · t2 =∆x1∆x2 +∆y1∆y2√

[(∆x1)2 + (∆y1)2][(∆x2)2 + (∆y2)2]e t′1 · t′2 =

∆x′1∆x′2 +∆y′1∆y

′2√

[(∆x′1)2 + (∆y′1)

2][(∆x′2)2 + (∆y′2)

2]

Temos de mostrar que estas equacoes sao iguais se o mapeamento for conforme. Para isto, escreve-se

∆x′k =∂u

∂x∆xk +

∂u

∂y∆yk e ∆y′k =

∂v

∂x∆xk +

∂v

∂y∆yk

tanto para k = 1, como para k = 2. Utilizando Cauchy-Riemann , as equacoes se tornam

∆x′k =∂u

∂x∆xk −

∂v

∂x∆yk e ∆y′k =

∂v

∂x∆xk +

∂u

∂x∆yk

Observando que desta forma

∆x′1∆x′2 +∆y′1∆y

′2 =

∂u

∂x

∂u

∂x∆x1∆x2 −

∂u

∂x

∂v

∂x∆x1∆y2 −

∂v

∂x

∂u

∂x∆y1∆x2 +

∂v

∂x

∂v

∂x∆y1∆y2

+∂v

∂x

∂v

∂x∆x1∆x2 +

∂v

∂x

∂u

∂x∆x1∆y2 +

∂u

∂x

∂v

∂x∆y1∆x2 +

∂u

∂x

∂u

∂x∆y1∆y2

=

[(∂u

∂x

)2

+

(∂v

∂x

)2](∆x1∆x2 +∆y1∆y2)

e que fazendo 1 2,

(∆x′k)2 + (∆y′k)

2 =

[(∂u

∂x

)2

+

(∂v

∂x

)2] [

(∆xk)2 + (∆yk)

2]

para k = 1, 2. Observe tambem que∣∣∣∣dz′dz

∣∣∣∣2 = (∂u∂x)2

+

(∂v

∂x

)2

Portanto, desde que, em um ponto z0, tenhamosdz′

dz=∂u

∂x+ i

∂u

∂x= 0, ou seja nao tenhamos

∂u

∂x= 0

e∂v

∂x= 0, encontramos que

t′1 · t′2 =

∣∣∣∣dz′dz

∣∣∣∣2 (∆x1∆x2 +∆y1∆y2)∣∣∣∣dz′dz

∣∣∣∣2√[(∆x1)2 + (∆y1)2] [(∆x2)2 + (∆y2)2]

=∆x1∆x2 +∆y1∆y2√

[(∆x1)2 + (∆y1)2][(∆x2)2 + (∆y2)2]= t1 · t2

38

Page 40: Notas Aula 2u

Logo, ν = ν ′ em z0, desde que z′(z) seja analıtica edz′

dz= 0 neste ponto ∗.

Uma observacao importante e que dada uma funcao complexa z′ = f(z), analıtica em z0 ∈ C e

ondedz′

dz

∣∣∣∣z0

= 0, i.e., e um mapeamento conforme, existe uma unica inversa z = F (z′), univalente

e analıtica, de z′ = f(z) na vizinhanca de z′0 = f(z0). Alem disso,dz

dz′

∣∣∣∣z′0

=1

dz′

dz

∣∣∣∣z0

. Isto permite

que a transformacao de z para z′ seja feita tambem de z′ para z (embora nem sempre seja possıvelencontrar uma expressao simples para o mapeamento).

Uma propriedade importante dos mapeamentos conformes com aplicacao em Fısica se deve aofato de que se uma funcao f for harmonica em z = (x, y), sob um mapeamento conforme z′ = z′(z),f(z′) e harmonica tambem em z′ = (x′, y′). Isto permite que, se a solucao de um problema quesatisfaz a equacao de Laplace for conhecida, e possıvel (mas nem sempre simples), utilizando algummapeamento conforme apropriado, mapear esta solucao em outra geometria na qual nao se conhecea solucao da equacao de Laplace.

Para mostrar isto, tomemos uma funcao complexa Ω = U + iV , cujas partes real e imaginariasao harmonicas em uma regiao do plano−z. Logo,

∂U

∂x=∂V

∂y,

∂V

∂x= −∂U

∂y,

(∂2

∂x2+

∂2

∂y2

)UV

= 0

Utilizando a regra da cadeia e Cauchy-Riemann ,

∂x′=∂x

∂x′∂

∂x+∂y

∂x′∂

∂y=∂x

∂x′∂

∂x− ∂x

∂y′∂

∂y∂

∂y′=∂x

∂y′∂

∂x+∂y

∂y′∂

∂y= − ∂y

∂x′∂

∂x+∂y

∂y′∂

∂y

∗Tanto em [Dennery], como em [Churchill] isto e mostrado de forma diferente. Tomemos as curvas mostradas naFig. 2.5. Digamos que α1 e α′

1 sejam os angulos que C1 e C ′1 fazem com o eixos x e x′, respectivamente. Verifica-se

que ∆z′ =dz′

dz∆z pela regra da cadeia. Logo, se

dz′

dz= 0 podemos definir que arg(∆z′) = arg(∆z) + arg

(dz′

dz

), de

modo que, quando ∆ → 0, isto resulta em α′1 = α1 + ψ1, onde ψ1 = arg

(dz′

dz

).

Para um ponto z sobre C1 e z′(z) em C ′1, temos z − z1 = reiϕ e z′ − z′1 = r′eiϕ

′. Desta forma, teremos

z′ − z′1z − z1

=

r′

rei(ϕ

′−ϕ). Quando z → z1, ϕ → α1 (angulo que C1 faz com o eixo x) e ϕ′ → α′1 (angulo que C ′

1 faz com o eixo

x′). Alem disto, limz→z1

z′ − z′1z − z1

→ dz′

dz

∣∣∣∣z1

=

∣∣∣∣dz′dz∣∣∣∣z1

eiα. z′(z) e analıtica,dz′

dz

∣∣∣∣z1

= 0 e α = α′1 − α1. E necessario

que adz′

dz

∣∣∣∣z1

= 0 para que haja correspondencia biunıvoca entre z e z′ na vizinhanca de z1. Sedz′

dz

∣∣∣∣z1

= 0 deixa de

existir correspondencia biunıvoca entre z e z′ na vizinhanca de z1, nao podemos definir ∆z′ =dz′

dz∆z de modo que

arg(∆z′) = arg(∆z) + arg

(dz′

dz

), pois ∆z′ = 0, e o mapeamento deixa de ser conforme.

O mesmo raciocınio segue se utilizarmos a curva C2 ao inves de C1. Tem-se entao que α = α′2 − α2 = α′

1 − α1, ouseja ν′ = α′

2 − α′1 = α2 − α1 = ν.

39

Page 41: Notas Aula 2u

Portanto,(∂2

∂x′2+

∂2

∂y′2

)UV

=

[∂

∂x′

(∂x

∂x′∂

∂x− ∂x

∂y′∂

∂y

)+

∂y′

(− ∂y

∂x′∂

∂x+∂y

∂y′∂

∂y

)]UV

=

[(∂x

∂x′∂

∂x− ∂x

∂y′∂

∂y

)(∂x

∂x′∂

∂x− ∂x

∂y′∂

∂y

)+

(− ∂y

∂x′∂

∂x+∂y

∂y′∂

∂y

)(− ∂y

∂x′∂

∂x+∂y

∂y′∂

∂y

)]UV

=

[(∂x

∂x′

)2

+

(∂y

∂y′

)2](

∂2

∂x2+

∂2

∂y2

)2UV

+

[∂x

∂x′∂2x

∂x∂x′− ∂x

∂y′∂2x

∂y∂x′+∂y

∂x′∂2y

∂x∂x′− ∂y

∂y′∂2y

∂y∂x′

]∂

∂x

UV

+

[−∂x∂x′

∂2x

∂x∂y′+∂x

∂y′∂2x

∂y∂y′− ∂y

∂x′∂2y

∂x∂y′+∂y

∂y′∂2y

∂y∂y′

]∂

∂y

UV

−[∂x

∂x′∂x

∂y′+∂x

∂y′∂x

∂x′+∂y

∂x′∂y

∂y′+∂y

∂y′∂y

∂x′

]∂2

∂x∂y

UV

O segundo e o terceiro termos da ultima igualdade se anulam, porque cada um dos termos dentro dos

colchetes se anula, e.g.,∂2x

∂x∂y′=

∂y′∂x

∂x= 0,

∂2y

∂y∂y′=

∂y′∂y

∂y= 0, e utilizando Cauchy-Riemann ,

∂2x

∂y∂y′= − ∂

∂y

∂y

∂x′= − ∂

∂x′∂y

∂y= 0,

∂2y

∂x∂y′=

∂x

∂x

∂x′=

∂x′∂x

∂x= 0 e de maneira semelhante para os

outros termos. O quarto termo da ultima igualdade tambem se anula, se considerarmos as condicoesde Cauchy-Riemann , pois

∂x

∂x′∂x

∂y′+∂x

∂y′∂x

∂x′+∂y

∂x′∂y

∂y′+∂y

∂y′∂y

∂x′= 2

(∂x

∂x′∂x

∂y′− ∂x

∂x′∂x

∂y′

)= 0

Portanto,(∂2

∂x′2+

∂2

∂y′2

)UV

=

[(∂x

∂x′

)2

+

(∂y

∂y′

)2](

∂2

∂x2+

∂2

∂y2

)2UV

=

∣∣∣∣ dzdz′∣∣∣∣2( ∂2

∂x2+

∂2

∂y2

)2UV

Logo, dado um o mapeamento z′ = z′(z) seja conforme, as funcoes U = ℜ(Ω) e V = ℑ(Ω)harmonicas em uma regiao do plano−z, serao tambem harmonicas na regiao mapeada conforme-mente no plano−z′.

2.3.1 Transformacoes homograficas

Uma transformcao do tipo z′ =az + b

cz + d, onde ad − bc = 0 e c = 0 e chamada de transformacao

homografica ∗. Esta transformacao se caracteriza por mapear conformemente (exceto em z = −d/c,z′(z) e analıtica e possui derivada nao nula) circunferencias no plano−z em circunferencias noplano−z′ (ou retas, se lembrarmos que retas podem ser tratadas como uma circunferencia de raio

∗Tambem chamadas de transformacoes de Moebius. Uma animacao mostrado graficamente as propriedades destastranformacoes pode ser envontrado em http://www.ima.umn.edu/~arnold/moebius/

40

Page 42: Notas Aula 2u

infinito). Antes, entretanto, note que z′ =az + b

cz + dpode ser formada pela seguinte sequencia de

transformacoes conformes:

1. z1 = z + d

2. z2 = c2z1

3. z3 =1

z2

4. z4 = (bc− ad)z3

5. z′ =a

c+ z4

As tranformacoes 1 e 5 sao exemplos de translacoes, enquanto que 2 e 4 sao exemplos de trans-formacoes de similaridade (dilatacao/ ou contracao, mantendo a forma da curva em z). A trans-formacao 3 z’e uma inversao, pois, por exemplo, mapeia a circunferencia |z| = 1 nela mesma,enquanto que o interior (exterior) de z = 1 e mapeado no exterior (interior) de |z′| = 1.

Para exemplificar, considere |z − a| = r, onde r > 0 ∈ R e facamos z′ =1

z. Teremos

∣∣∣∣ 1z′ − a

∣∣∣∣ =r → |1− az′| = r|z′|, que, ao quadrado se torna, |1− az′|2 = (1−az′)(1−az′) = 1− (az′+az′)+

|az′|2 = r2|z′|2. Ou seja, (r2 − |a|2)|z′|2 + 2ℜ(az′) − 1 = 0. Se r = |a|, entao |z′|2 + 2ℜ(az′)r2 − |a|2

−1

r2 − |a|2= 0. Mas se temos uma circunferencia em z′, teremos que esta equacao deve corresponder

a |z′ − a′| = r′. Portanto, |z′|2 − (a′z′ + a′z′) + |a′|2 = r′2 → |z′|2 − 2ℜ(a′z′) + |a′|2 − r′2 = 0.

Igualando os termos em mesma ordem de z′, temos1

r2 − |a|2= r′2−|a′|2 e ℜ(az′)

r2 − |a|2= ℜ(a′z′). Desta

maneira, a′ =a

r2 − |a|2ou a′ =

a

r2 − |a|2. Substituindo em

1

r2 − |a|2= r′2−|a′|2, encontramos r′2 =

1

r2 − |a|2+

|a|2

(r2 − |a|2)2=

r2

(r2 − |a|2)2, ou seja, r′ =

r

|r2 − |a|2|. Logo, se r = |a|, a circunferencia

|z − a| = r e mapeada em |z′ − a′| = r′, onde r′ =r

|r2 − |a|2|e a′ =

a

r2 − |a|2.

Se r = |a|, entao (r2−|a|2)|z′|2+2ℜ(az′)−1 = 0 se torna ℜ(az′) = 1

2→ ℜ(a) x′−ℑ(a) y′ = 1

2que e a equacao de uma reta (ou uma circunferencia de raio R → ∞).

2.3.2 Aplicacoes de Mapeamento Conforme: Potencial Eletrico em tornode Condutores Cilındricos

Digamos que se deseje conhecer o potencial eletrico, U(x, y), em torno de dois cilindros longoscondutores disjuntos, em potenciais V1 e V2 e de raios R1 e R2 (R1 +R2 < D, onde D e a distanciaentre os centros dos cilindros). Antes de mais nada, este sistema pode ser considerado bidimensionaldevido ao fato de os cilindros serem longos (i.e. comprimento dos cilindros, L ≫ r1 e L ≫ r2).Portanto, a regiao entre os cilindros pode ser tratado como a regiao no plano−z entre duas circun-ferencias de raios R1 e R2, separadas por distancia D. Entretanto, a geometria deste sistema ainda

41

Page 43: Notas Aula 2u

torna intrincada a solucao da equacao de Laplace em duas dimensoes. Entretanto, se for possıvelmapear esta geometria em uma geometria mais simples, atraves de mapeamento conforme, ondeconhecemos o potencial eletrico, podemos encontrar U na regiao entre os cilindros.

Por simplicidade, normalizemos as dimensoes espaciais pelo raio do cilindro 1, R1, e deixemos

este cilindro centrado na origem. Isto equivale a fazer a transformacao conforme z1 =z

R1

. Desta

forma, em z1, o cilindro 1 e definido por |z1| = 1 e o cilindro 2, por |z1 − d| = r2, onde d = D/R1 er2 = R2/R1.

Deseja-se uma transformacao conforme que mapeie a geometria acima em outra regiao noplano−w em que conhecemos o potencial eletrico, como, por exemplo, a regiao entre dois cilin-dros concentricos. Sabe-se que uma transformacao homografica w(z′) transforma circunferenciasem z′ em circunferencias em w. Portanto, considere

w(z1) =z1 − a

az1 − 1, a ∈ R

onde z1 = a e z1 = 1/a Observe que a transformacao inversa, que mapeia w em z1 e dada por

z1(w) =w − a

aw − 1, a ∈ R

Esta transformacao mapeia |z1| = 1 em

|w(eiθ)| =∣∣∣∣ eiθ − a

aeiθ − 1

∣∣∣∣ =√

(eiθ − a)

(aeiθ − 1)

(e−iθ − a)

(ae−iθ − 1)=

√a2 − 2a cos θ + 1

a2 − 2a cos θ + 1= 1

ou seja, a circunferencia de raio 1 centrada na origem e mapeada em uma circunferencia de raio 1na origem.

Para pontos sobre a circunferencia de raio r2 em d, temos

|z1 − d| = r2 →∣∣∣∣ w − a

aw − 1− d

∣∣∣∣ = r2 → |(1− ad)w − (a− d)| = r2|aw − 1|

Ou seja,

|(1−ad)w−(a−d)|2 = r22|aw−1|2 → [(1−ad)2−a2r22]|w|2−2[(a−d)(1−ad)−ar22]ℜ(w)+(a−d)2−r22 = 0

Se (1− ad)2 = a2r22 ou

∣∣∣∣1a − d

∣∣∣∣ = r2, a expressao acima se torna,

|w|2 − 2(a− d)(1− ad)− ar22

(1− ad)2 − a2r22ℜ(w) + (a− d)2 − r22

(1− ad)2 − a2r22= 0

Para que esta curva seja uma circunferencia, tem-se que |w − dw| = r2w, i.e.,

|w|2 − 2dwℜ(w) + d2w − r22w = 0.

Logo,

dw =(a− d)(1− ad)− ar22

(1− ad)2 − a2r22e r22w = d2w − (a− d)2 − r22

(1− ad)2 − a2r22

42

Page 44: Notas Aula 2u

Como queremos que o cilindro 2 seja mapeado em um cilindro concentrico com o cilindro 1, dw = 0.Desta maneira,

(a− d)(1− ad)− ar22 = 0 → a+1

a=

1 + d2 − r22d

→ a2 −(1 + d2 − r22

d

)a+ 1 = 0

cuja solucao e

a =1 + d2 − r22 ±

√(1 + d2 − r22)

2 − (2d)2

2d=

1 + x1x2 +√(x21 − 1)(x22 − 1)

x1 + x2

onde consideramos o sinal positivo e fizemos x1 = d + r2 e x2 = d − r2 (perceba que x1 e x2sao as coordenadas da circunferencia |z1 − d| = r2 no eixo real), x1x2 = d2 − r22, x1 + x2 = 2d e(1 + d2 − r22)

2− (2d)2 = (1 + x1x2)2− (x1x2)

2 = 1−x21−x22+x21x22 = (x21− 1)(x22− 1). Observe que

a+1

a=

1 + d2 − r22d

= 21 + x1x2x1 + x2

∴ 1

a=

1 + x1x2 −√

(x21 − 1)(x22 − 1)

x1 + x2

Para saber qual e o raio r2w da circunferencia em que |z1 − d| = r2 e mapeada, temos

r22w = − (a− d)2 − r22

a2

[(1

a− d

)2

− r22

]onde utilizamos que dw = 0. Porem,

a1/a

− d =

a1/a

− x1 + x2

2=

2(1 + x1x2)− (x1 + x2)2 ± 2

√(x21 − 1)(x22 − 1)

2(x1 + x2)= γ ± ζ

onde γ =2(1 + x1x2)− (x1 + x2)

2

2(x1 + x2)e ζ =

√(x21 − 1)(x22 − 1)

(x1 + x2). Desta forma,

−(ar2w)2 =

(a− d)2 − r22[(1

a− d

)2

− r22

] =(γ + ζ)2 − r22(γ − ζ)2 − r22

=γ2 + ζ2 − r22 + 2γζ

γ2 + ζ2 − r22 − 2γζ

onde

γ2 =4(1 + x1x2)

2 + (x1 + x2)4 − 4(x1 + x2)(1 + x1x2)

4(x1 + x2)2

ζ2 =(1 + x1x2)

2 − (x1 + x2)2

(x1 + x2)2

γζ =[2(1 + x1x2)− (x1 + x2)

2]√

(x21 − 1)(x22 − 1)

(x1 + x2)2

r22 =

(x1 − x2

2

)2

=(x1 − x2)

2

4

43

Page 45: Notas Aula 2u

-1.5 -1 -0.5 0 0.5 1 1.5

u

-1.5-1

-0.50

0.51

1.5

v

-1 -0.5 0 0.5 1

x

-1

-0.5

0

0.5

1

y

-1 -0.5 0 0.5 1

u

-1

-0.5

0

0.5

1

v

-1.5 -1 -0.5 0 0.5 1 1.5 2 2.5

x

-2-1.5-1

-0.50

0.51

1.52

y

w = z aaz 1

Figura 2.6: Mapeamento conforme de z = z1 para w(z), onde x1 > x2 > 1 e r2w < 1 na parte superior e1 > x1 > x2 > −1 e r2w > 1 na parte inferior.

44

Page 46: Notas Aula 2u

Portanto,

γ2 + ζ2 − r22 =4(1 + x1x2)

2 − 4(x1 + x2)2(1 + x1x2) + (x1 + x2)

4 + 4(1 + x1x2)2 − 4(x1 + x2)

2 − (x21 − x22)2

4(x1 + x2)2

=8(1 + x1x2)

2 − 4(x1 + x2)2(2 + x1x2) + (x1 + x2)

4 − (x21 − x22)2

4(x1 + x2)2

Mas (x1 + x2)4 − (x21 − x22)

2 = 4x31x2 + 8x21x22 + 4x1x

32 = 4x1x2(x1 + x2)

2. Logo,

γ2 + ζ2 − r22 =8(1 + x1x2)

2 + 4(x1 + x2)2(x1x2 − 2− x1x2)

4(x1 + x2)2

=2[(1 + x1x2)

2 − (x1 + x2)2]

(x1 + x2)2=

2(x21 − 1)(x22 − 1)

(x1 + x2)2

Portanto,

−(ar2w)2 =

γ2 + ζ2 − r22 + 2γζ

γ2 + ζ2 − r22 − 2γζ=

2(x21 − 1)(x22 − 1) + [2(1 + x1x2)− (x1 + x2)2]√

(x21 − 1)(x22 − 1)

2(x21 − 1)(x22 − 1)− [2(1 + x1x2)− (x1 + x2)2]√(x21 − 1)(x22 − 1)

Denotando βk = x2k − 1, onde k = 1, 2,

−(ar2w)2 =

2β1β2 − (β1 + β2)√β1β2

2β1β2 + (β1 + β2)√β1β2

=

(2β1β2 − (β1 + β2)

√β1β2

)24β2

1β22 − (β1 + β2)2β1β2

=β1β2β1β2

(2√β1β2 − (β1 + β2)

)22β1β2 − β2

1 − β22

=−(2√β1β2 − (β1 + β2)

)2(β1 − β2)2

Logo,

r2w =

∣∣∣∣1a∣∣∣∣ ∣∣∣∣2√β1β2 − (β1 + β2)

β1 − β2

∣∣∣∣=

∣∣∣∣∣1 + x1x2 −√

(x21 − 1)(x22 − 1)

x1 + x2

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣2√(x21 − 1)(x22 − 1)− (x21 + x22 − 2)

x21 − x22

∣∣∣∣∣=

∣∣∣[2(1 + x1x2) + x21 + x22 − 2]√(x21 − 1)(x22 − 1)− (1 + x1x2)(x

21 + x22 − 2)− 2(x21 − 1)(x22 − 1)

∣∣∣(x1 + x2)2|x1 − x2|

=

∣∣∣(x1 + x2)2√(x21 − 1)(x22 − 1)− (1 + x1x2)[(x1 + x2)

2 − 2(1 + x1x2)]− 2(1 + x1x2)2 + 2(x1 + x2)

2∣∣∣

(x1 + x2)2|x1 − x2|

=

∣∣∣(x1 + x2)2√(x21 − 1)(x22 − 1) + (x1 + x2)

2[2− (1 + x1x2)]∣∣∣

(x1 + x2)2|x1 − x2|

onde da antepenultima para a penultima passagem utilizamos x21+x22−2 = (x1+x2)

2−2(1+x1x2)e (x21 − 1)(x22 − 1) = (1 + x1x2)

2 − (x1 + x2)2. Portanto,

r2w =

∣∣∣√(x21 − 1)(x22 − 1) + 1− x1x2

∣∣∣|x1 − x2|

45

Page 47: Notas Aula 2u

Nesta expressao para r2w, afirmamos inicialmente que x1 = d+ r2 > d− r2 = x2, logo x1 − x2 > 0.O numerador, entretanto, e positivo ou negativo dependendo de x1 > x2 > 1 ou 1 > x1 > x2 > −1,porque (1− x1x2)

2 > (x21 − 1)(x22 − 1) = (1− x1x2)2 − (x1 − x2)

2. Logo, para x1 > x2 > 1

r2w =x1x2 − 1−

√(x21 − 1)(x22 − 1)

x1 − x2

e os dois cilindros separados a uma distancia d sao mapeados em dois cilindros concentricos, com ocilindro |z1−d| = r2 mapeado no cilindro interno de raio r2w < 1. Entretanto, se 1 > x1 > x2 > −1,

r2w =

√(x21 − 1)(x22 − 1) + 1− x1x2

x1 − x2

e a regiao entre uma circunferencia interna de raio r2 e outra externa, de raio r1 = 1, cujos centrosestao separados por uma distancia d < r1 − r2 e mapeado na regiao interna de duas circunferenciasconcentricas de raio 1 e raio r2w > 1. Estes mapeamentos sao mostrados na Fig. 2.6. Uma tabela comdiversos mapeamentos conformes, inclusive este acima, pode ser obtida no [Churchill, Apendice 2].

Conhecemos o potencial eletrico na regiao entre os cilindros concentricos, delimitados por |w| = 1e |w| = r2w. Podemos escreve-lo como

U(u, v) =A

2ln(u2 + v2) +B,

onde as constantes A e B sao determinadas pelas condicoes de contorno (neste caso, de Dirichlet,pois sabemos que U1 e U2 sao os valores de U em cada um dos cilindros). Porem, U e a parte realdo potencial complexo

F = A lnw +B = U + iV,

onde F e funcao analıtica nos pontos em que U for harmonica ∗. Condicoes de contorno do tipoU = c, onde c e constante permanece inalterada por um mapeamento conforme, w = w(z), poiscurvas equipotenciais de U em z sao mapeadas em curvas equipotenciais de U em w †. Das condicoesde contorno dadas, temos U(|w| = 1) = U1 = A ln |1|+B = B e U(|w| = r2w) = U2 = A ln |r2w|+U1.

Logo A =U2 − U1

ln r2we B = U1. Mapeando de volta a z1, w = (z1 − a)/(az1 − 1), e portanto:

F =U2 − U1

ln r2wlnw + U1 =

U2 − U1

2 ln r2wln

∣∣∣∣ |z1|2 − 2aℜ(z1) + a2

a2|z1|2 − 2aℜ(z1) + 1

∣∣∣∣+ U1

onde z1 = z/R1 e a =1 + x1x2 +

√(x21 − 1)(x22 − 1)

x1 + x2, x1 = d+ r2 = (D+R2)/R1 e x2 = d− r2 ==

(D − R2)/R1. Se r2w =x1x2 − 1−

√(x21 − 1)(x22 − 1)

x1 − x2, entao 1 < x2 < x1 e determinamos o

∗Note que

E = −∇U ≡ −∂U∂x

− i∂U

∂y= −∂U

∂x+ i

∂V

∂x=dFdz

pois F e analıtica. Ainda mais, observe que E tem direcao ortogonal as curvas equipotenciais de U . Como as curvasem que U e V sao ortogonais em um ponto z, as equipotenciais de V sao as linhas de campo do vetor E.

†Para informacoes mais detalhadas sobre como as condicoes de contorno sao modificadas sob transformacaoconforme, ver [Churchill, pp. 177-179]

46

Page 48: Notas Aula 2u

-3

-2

-1

0

1

2

3

-3 -2 -1 0 1 2 3

y

x

-3

-2

-1

0

1

2

3

-3 -2 -1 0 1 2 3

y

x

-3

-2

-1

0

1

2

3

-3 -2 -1 0 1 2 3

yx

-6

-4

-2

0

2

4

6

-2 0 2 4 6 8 10

y

x

-3

-2

-1

0

1

2

3

-3 -2 -1 0 1 2 3 4

yx

-10

-5

0

5

10

-5 0 5 10 15

y

x

Figura 2.7: Curvas equipotenciais de U(x, y) (em cores) e linhas de campo eletrico (em preto) para diferentesvalores de D, R1 e R2. Utilizou-se U1 = 1 e U2 = −1.

potencial eletrico U na regiao em torno dos cilindros separados por distancia d > r1+r2. Entretanto,

se r2w =

√(x21 − 1)(x22 − 1) + 1− x1x2

x1 − x2, entao −1 < x2 < x1 < 1 e determinamos o potencial

eletrico U na regiao entre duas cascas cilındricas uma interna a outra, mas nao necessariamenteconcentricas. Entao, para ambos os casos (tendo o cuidado de escolher o valor de r2w correto)

U(x, y) =U2 − U1

2 ln r2wln

∣∣∣∣ x2 + y2 − 2ar1x+ r21a2

a2(x2 + y2)− 2ar1x+ r21

∣∣∣∣+ U1

Graficos das curvas equipotenciais de U para diferentes valores de D, R1 e R2 sao mostrados naFig. 2.7 (sao tambem mostradas as linhas de E).

47

Page 49: Notas Aula 2u

Capıtulo 3

Intergracao de Funcoes Complexas

Uma integral ao longo de uma curva∗ de uma funcao f(z) definida em D ∈ C e definida a partir dadefinicao usual de integral definida,∫

γ

f(z)dz = lim∆zk→0

N→∞

N∑k=1

f(zk)∆zk

onde zk e um ponto sobre uma curva γ (que varia de um ponto inicial z = a1 a um um pontofinal z = a2 e ∆zk e um pequeno segmento em zk. Devido ao fato de existirem infinitas curvasdiferentes conectando a1 e a2, e possıvel que a integral

∫γf(z)dz =

∫ a2a1f(z)dz tenha valor diferente

dependendo da curva que conecta a1 e a2.A integral de f(z) = u + iv pode ser transformada a uma integracao usual com respeito a um

curva z(t) parametrizada por t ∈ [ta, tb] quando z vai de a ate b,∫γ

f(z)dz =

∫γ

[u(x, y) + iv(x, y)](dx+ idy) =

∫γ

(udx− vdy) + i

∫γ

(vdx+ udy)

=

∫ tb

ta

(udx

dt− v

dy

dt

)dt+ i

∫γ

(vdx

dt+ u

dy

dt

)dt =

∫ tb

ta

(u+ iv)

(dx

dt+ i

dy

dt

)dt

=

∫ tb

ta

f(z)dz

dtdt

• Uma curva e definida como um mapa γ : [a, b] → C, onde γ(t) = ℜ(γ(t)) + iℑ(γ(t)) para a ≤ t ≤ b. γ(a) eγ(b) sao os pontos inicial e final da curva.

• Um arco simples, arco contınuo ou arco de Jordan e uma curva que nao intercepta a si mesma, ou seja,γ(t1) = γ(t2) quando t1 = t2. Se γ(a) = γ(b) (alem de γ(t1) = γ(t2) quando t1 = t2) entao o arco deJordan e uma curva simples fechada ou curva de Jordan.

• Um caminho (path) e uma colecao finita de arcos simples γ1, γ2, . . . , γn, tal que o ponto final de γk coincidecomo ponto inicial de γk+1.

• Arco suave (smooth arc) e uma curva na qual a derivadadγ

dt=dℜ(γ)dt

+ idℑ(γ)dt

existe edγ

dt= 0 para t ∈ [a, b].

• Contorno (contour) e um caminho cujos arcos sao suaves. Quando o ponto inicial de γ1 coincide com o pontofinal de γn, o contorno e dito contorno simples fechado.

48

Page 50: Notas Aula 2u

Se uma f(z) for igual a derivada de uma funcao F (z) em um contorno γ, i.e., f(z) =dF (z)

dz,

entao F (z) e denominada de primitiva de f(z). Para z ao longo do contorno γ, temos∫γ

f(z)dz =

∫ tb

ta

f(z)dz

dtdt =

∫ tb

ta

dF (z)

dz

dz

dtdt =

∫ tb

ta

dF [z(t)]

dtdt = F (b)− F (a)

As propriedades e as regras de integracao de uma funcao complexa sao analogas as de umafuncao real, i.e.,

• Linearidade: ∫γ

[f(z)dz + g(z)dz] =

∫γ

f(z)dz +

∫γ

g(z)dz∫γ

af(z)dz = a

∫γ

f(z)dz

para uma constante a ∈ C.

• Se o contorno γ e dividido em contornos conectados γ1 e γ2 (atravessados no mesmo sentidoque γ), entao ∫

γ

f(z)dz =

∫γ1

f(z)dz +

∫γ2

f(z)dz.

• Se o contorno γ e atravessado no sentido oposto (designemos isto por um contorno γ′), entao∫γ′f(z)dz = −

∫γ

f(z)dz.

• Se f(z) e g(z) forem diferenciaveis em um contorno γ, entao

d

dz[f(z)g(z)] =

df

dzg + f

dg

dz.

Consequentemente, para γ indo de z = a a z = b,∫γ

df

dzg(z)dz = f(b)g(b)− f(a)g(a)−

∫γ

f(z)dg

dzdz.

Exemplos de integrais definidas

• Tenhamos∫γ1zdz, onde γ1 e o segmento de reta y = x em 0 ≤ x ≤ 1. Parametrizando em t, de

forma que x = t, temos z = x+ iy = (1 + i)t e dz = (1 + i)dt, com t ∈ [0, 1]. Logo,

I1 =

∫γ1

zdz =

∫ 1

0(1 + i)2tdt =

(1 + i)2

2= i.

49

Page 51: Notas Aula 2u

Figura 3.1: Esquerda: curvas γ dadas por y = tn, x = t e t ∈ [0, 1]. Direita: Caminhos de integracao C+ e C−.

Se utilizassemos outra curva, e.g., γ (cf. Fig. 3.1) sendo dada por x = t e y = tn (ou seja, y = xn)em t ∈ [0, 1], terıamos, z = t+ itn e dz = dt(1 + i ntn−1)∫

γzdz =

∫ 1

0dt(1 + i ntn−1

)(z = t+ i tn) =

∫ 1

0dt[t− nt2n−1 + i(n+ 1)tn

]= i

que independe de n e, portanto, do caminho de integracao neste caso (por exemplo, tente encontrar∫γ′ zdz para γ′ = [1− cos ((2n+ 1)πt)] /2, x = t, x ∈ [0, 1] e verifique se o valor e o mesmo do

encontrado anteriormente).

• Considere agora∫C± dz/z, onde C

+ (C−) e o arco de circunferencia de 0 a π (de 0 a −π) conformemostra a Fig. 3.1. Tomando z = eiθ, entao dz = izdθ, onde 0 ≤ θ ≤ π para o caminho C+ e−π ≤ θ ≤ 0 para o caminho C−. Portanto,∫

dz

z= i

∫ ±π

0dθ = ±iπ

o que significa que a integral depende do caminho. De outra forma, para uma circunferencia centradaem z = 0 e de raio 1 terıamos,∮

C

dz

z= i

∫ π

−πdθ = −

∫C−

dz

z+

∫C+

dz

zi = 2iπ.

Ou seja∮C

dz

z= 0. Isto se deve ao fato de f(z) = 1/z nao ser analıtica em todos os pontos da regiao

envolvida pela curva fechada C.

Desigualdade de Darboux

E possıvel conhecer o limite superior de uma integral de contorno. Por exemplo, considere a integral∫γf(z)dz de uma funcao f(z) : C → C, contınua e limitada (i.e., |f(z)| ≤ M , M > 0) ao longo de

50

Page 52: Notas Aula 2u

γ, sendo γ um caminho (composto por uma conjunto finito de arcos simples γk tal que o final deγk−1 coincide com o inıcio de γk) no plano complexo. Portanto, seja∣∣∣∣∫

γ

f(z)dz

∣∣∣∣ = lim∆zk→0

N→∞

IN , onde IN =N∑k=1

f(zk)∆zk,

de modo que

|IN | =

∣∣∣∣∣N∑k=1

f(zk)∆zk

∣∣∣∣∣ ≤N∑k=1

|f(zk)| |∆zk| ≤MN∑k=1

|∆zk| .

Logo, ∣∣∣∣∫γ

f(z)dz

∣∣∣∣ ≤M lim∆zk→0

N→∞

N∑k=1

|∆zk| =MLγ (3.1)

onde Lγ e o comprimento do caminho γ.

Integrais e funcoes analıticas

Existe uma conexao entre funcoes analıticas e integrais de caminho que, de certo modo, vimosquando estudamos campos vetoriais irrotacionais. Para isso, vamos identificar um numero complexocomo um vetor em um espaco bidimensional. Ou seja, para f(z) = u(x, y) + i v(x, y), tenhamos

dr ≡ (dx, dy), A1 = (u, −v) e A2 = (v, u) de forma que,∫γ

f(z)dz =

∫γ

[u(x, y)+iv(x, y)](dx+idy) =

∫γ

(udx−vdy)+i∫γ

(vdx+udy).=

∫γ

A1·dr+i∫γ

A2·dr.

Se γ for um contorno fechado, sabemos, do teorema de Green (no plano) ou de Stokes (no espaco) [11],

que∮γA ·dr =

∫S∇×A ·dS, onde S e a superfıcie delimitada pelo contorno γ, dS e um elemento in-

finitesimal de superfıcie de direcao perpendicular a superfıcie dS. Se ∇×A = 0 (condicao necessaria

para que o campo irrotacional A seja conservativo) para todos os pontos em S (regiao delimitadapor γ), entao ∮

γ

A · dr =∫S

∇× A · dS = 0

Quando f(z) for analıtica, u e v obedecem a Cauchy-Riemann e portanto,

∇× A1 = n

(−∂v∂x

− ∂u

∂y

)= n

(∂u

∂y− ∂u

∂y

)= 0 e ∇× A2 = n

(∂u

∂x− ∂v

∂y

)= n

(∂u

∂x− ∂u

∂x

)= 0

onde n e perpendicular ao plano−z. Neste caso, a integral e independente do caminho de integracao,se f(z) for analıtica no contorno.

Note que independencia do caminho de integracao implica em que udx− vdy e vdx+udy sejam

formas diferenciais exatas, i.e., existe funcao F tal que u =∂ψ

∂x, v = −∂ψ

∂ye v =

∂ϕ

∂x, u =

∂ϕ

∂y(e,

assim, A1 = (u, −v) e A2 = (v, u) sao campos conservativos), para que∫γ

(udx− vdy) =

∫γ

[∂ψ

∂xdx+

∂ψ

∂ydy

]=

∫ ψ(a2)

ψ(a1)

dψ = ψ(a2)− ψ(a1)

51

Page 53: Notas Aula 2u

e ∫γ

(vdx+ udy) =

∫γ

[∂ϕ

∂xdx+

∂ϕ

∂ydy

]=

∫ ϕ(a2)

ϕ(a1)

dϕ = ϕ(a2)− ϕ(a1)

Nestes casos, u =∂ψ

∂x=∂ϕ

∂ye v =

∂ϕ

∂x= −∂ψ

∂yque sao as condicoes de Cauchy-Riemann para uma

funcao analıtica F = ψ+ iϕ. Portanto, a integral de uma funcao analıtica f(z) = u+ iv independe

do caminho de integracao. Existe uma funcao analıtica F (z), primitiva de f(z), tal que f(z) =dF

dz,

que pode ser encontrada utilizando metodos de integracao convencionais.De maneira mais rigorosa a associacao da independencia da integracao de uma funcao complexa

ao longo de um caminho no plano complexo a analiticidade da funcao e fornecida pelo teorema deCauchy-Gousart: para f(z) analıtica em um contorno simples fechado C e em todos os pontos dentrode C (ou seja, em um domınio simplesmente conexo)∗∮

C

f(z)dz = 0

Para este teorema ser valido e suficiente que as derivadas de f(z) existam em todos os pontosinternos ao contorno simples fechado C.

Figura 3.2: Subdivisao da regiao A (regiao en-volvida por C) em quadrados Bl. Os quadradosBj = Aj e Ak = Bk estao no interior da regiaoenvolvida por C, enquanto que Bi e atravessadopor um trecho de C, onde Ai = A ∩Bi.

Para mostrar o teorema de Cauchy-Gousart transcrevoabaixo o procedimento mostrado nas [Churchill, Secs. 46-49]na [Dennery, Sec. 11].

Para a funcao inteira f(z) = zn, com n ≥ 0, o teorema evalido pois (i) qualquer curva C finita se encontra dentro daregiao de analiticidade da funcao e (ii) existe uma primitivaunica posto que

dF (z)

dz=

d

dz

[zn+1

n+ 1

]= f(z). (3.2)

Logo,∮C z

ndz = 0.No caso mais geral, digamos que A denote o conjunto

de todos os pontos pertencentes ou envolvidos pela curva C(simplesmente conexo). Digamos que A possa ser subdivididoem um numero finito N de subconjuntos Aj . Para isso, cons-troi-se uma rede de pequenos quadrados sobre A, conformemostra a Fig. 3.2. Alguns estarao completamente dentro daregiao envolvida pela curva C (regioes Aj e Ak, por exemplo),outros serao transpassados por esta curva (quadrado Bi, porexemplo).

Considere, entao, a funcao

g(z, z0) = f(z)− f(z0)−df

dz

∣∣∣∣z0

(z − z0). (3.3)

∗Em um domınio simplesmente conexo D em duas dimensoes todos os pontos zk dentro de qualquer contornosimples fechado Ck pertecem a D. Em uma linguagem mais informal, um domınio simplesmente conexo e uma regiaosem furos, ou seja, pode sempre ser deformada para a forma de um disco.

52

Page 54: Notas Aula 2u

e uma constante ε, arbitraria e positiva, de modo que, para z ∈ Aj e z0 ∈ Aj , tenhamos

|z − z0| < δj(ε), → |g(z, z0)| < ε|z − z0|, (3.4)

onde δj(ε) (positivo) nao depende da escolha de Aj , de z ou z0. Em outras palavras, em cada Aj existeum ponto z0 no qual as condicoes acima sao satisfeitas para qualquer ponto z ∈ Aj , z = z0. Mas comosaber se a divisao de A em subconjuntos satisfazendo a condicao acima e valida?

Para aqueles Aj que satisfazem a condicao acima, nao ha o que verificar. Entretanto, suponhamosque existam alguns Aj que nao satisfacam a condicao. Nestes casos, estes subconjuntos sao subdivididosem quadrados menores. Aqueles que estiverem na regiao externa a curva C nao interessam. Se dos queestiverem dentro ou parcialmente dentro da regiao definida por C ainda existirem subconjuntos que naosatisfizam a condicao dada, estes sao subdivididos uma vez mais.

Se apos um numero finito de subdivisoes todos os subconjuntos Aj satisfizerem a condicao, entao asubdivisao do interior de C com a condicao dada pela Eq. (3.4) e valida. Entretanto, suponha que aomenos um dos subconjuntos nao possa ser dividido em um numero finito de vezes de modo a satisfazer aessa condicao, digamos Aj(0). Designando a k−esima subdivisao por Aj(k) a aresta lj(k) desta e igual ametade da aresta lj(k− 1) da subdivisao anterior, Aj(k− 1). Existe um ponto zj comum a todos os Aj(k)com vizinhancas que contem cada um dos Aj(k). Bem, como f(z) e analıtica entao f(z) e diferenciavelem alguma vizinhanca de z0, i.e., ∣∣∣∣∣ dfdz

∣∣∣∣zj

− f(z)− f(zj)

z − zj

∣∣∣∣∣ < ε

para alguma vizinhaca |z − zj | < δj . Assim, para z0 = zj ,

|g(z, z0)| =

∣∣∣∣∣f(z)− f(z0)−df

dz

∣∣∣∣z0

(z − z0)

∣∣∣∣∣ < ε |(z − z0)| < ε√2lj ,

onde lj e aresta da subdivisao Aj(k). Portanto, a Eq. (3.4) e satisfeita. Note que a vizinhanca em que istoocorre, digamos depois da k−esima subdivisao, implica que tenhamos um numero finito de subdivisoes,pois senao terıamos um unico ponto sem vizinhanca em que Eq. (3.4) fosse satisfeita o que contraria ahipotese de f(z) ser analıtica. Portanto, e possıvel subdividir o conjunto de pontos A (que contem ospontos envolvidos ou sobre a curva C) em um numero finito de subconjuntos satisfazendo a Eq. (3.4).

Agora, note que a integral∮C f(z)dz (percorrendo C no sentido antihorario) pode ser substituıda pela

soma das integrais ao longo do contorno Cj de cada subdivisao Aj (no sentido antihorario) acima descrita,∮Cf(z)dz =

N∑j=1

∮Cj

f(z)dz.

Isto porque subdivisoes adjacentes no interior de C possuem arestas comuns cujas contribuicoes se cance-lam, restando aquelas que se encontram ao longo da curva C. Mas podemos utilizar a Eq. (3.3), alem de∮Cjzndz = 0, para escrever,∮

Cj

f(z)dz =

∮Cj

g(z, z0)dz + f(z0)

∮Cj

dz +df

dz

∣∣∣∣z0

∮Cj

(z − z0)dz =

∮Cj

g(z, z0)dz.

Portanto,∣∣∣∣∮Cf(z)dz

∣∣∣∣ =∣∣∣∣∣∣N∑j=1

∮Cj

g(z, z0)dz

∣∣∣∣∣∣ ≤N∑j=1

∣∣∣∣∣∮Cj

g(z, z0)dz

∣∣∣∣∣ ≤N∑j=1

∮Cj

|g(z, z0)| |dz| <N∑j=1

√2εlj

∮Cj

|dz|

53

Page 55: Notas Aula 2u

Mas, ∮Cj

|dz| ≤

4lj , se Aj estiver no interior da curva C4lj + sj , se Aj possuir na sua fronteira segmento de C

onde sj e o comprimento do arco ao longo de C que faz parte de Aj . Assim, denotando Ni e Nc como onumero de Aj no interior e com parte ao longo de C respectivamente, temos,∣∣∣∣∮

Cf(z)dz

∣∣∣∣ < √2ε

4 Ni∑j=1

l2j +

Nc∑j=1

(4l2j + ljsj)

=√2ε

4 N∑j=1

l2j +

Nc∑j=1

ljsj

Entretanto, temos ainda que

∑Nj=1 l

2j e a soma das areas de cada Aj o que nao pode ser maior do que a

area de um quadrado de lado l e que contenha toda a curva C, i.e.,∑N

j=1 l2j < l2. Alem disso, se s e o

comprimento da curva C,∑Nc

j=1 sj = s e∑Nc

j=1 ljsj < ls. Portanto,

|∮Cf(z)dz| <

√2ε(4l2 + ls

)Como

√2ε(4l2 + ls

)pode ser feito tao pequeno quanto desejarmos, segue que no limite em que ε → 0

|∮C f(z)dz| → 0 e o teorema de Cauchy-Gousart e mostrado.

O exemplo da integral de∮dz/z visto anteriormente parece contrariar o teorema de Cauchy-

Gousart, pois tınhamos obtido∮Cdz/z = 2iπ. Na realidade, o teorema nao poderia ser aplicado a

toda a regiao envolvida por uma curva fechada C em que haja ao menos um ponto onde a funcaof(z) nao seja analıtica, pois exige analiticidade de f(z) em todos os pontos sobre e envolvidos porC.

Ha uma maneira de contornar essa situacao para casos como o de f(z) = 1/z: redefine-se ocontorno e a regiao envolvida pelo contorno de modo a a que os pontos de nao-analiticidade dafuncao a ser integrada f(z) estejam na regiao externa ao contorno. Isto e exemplificado na Fig. 3.3a esquerda. Nesta figura e mostrado um possıvel contorno C = C0 +

∑Nk=1Ck +

∑Nk=1 l

+k +

∑Nk=1 l

−k

que faz com que as singularidades de uma funcao f(z) estejam no exterior de C. Para isto, note queadotou-se um sentido de integracao – antihorario definido como positivo – de modo que os trechosl+k e l−k que conectam os contornos Ck a curva C0 sao atravessados em sentidos opostos e cada Ckseja percorrido no sentido horario. Os trechos l+k e l−k sao separados por uma distancia infinitesimalde modo que suas contribuicoes se cancelam mutuamente. Desta forma, a regiao envolvida pelocontorno C nao contem as singularidades da funcao f(z). Portanto, f(z) e analıtica no interiore sobre C (entendida aqui como a regiao colorida na Fig. 3.3 a esquerda) e para este contorno oteorema de Cauchy-Gousart fornece

∮Cf(z)dz = 0.

Formula integral de Cauchy

Considere f(z) analıtica no interior e sobre o caminho fechado C no sentido positivo. Seja z0 umponto qualquer no interior de C. Entao,

f(z0) =1

2πi

∮C

dzf(z)

z − z0(3.5)

Note que se z0 estiver no exterior da regiao delimitada por C terıamos∮Cdz

f(z)

z − z0= 0 devido ao

teorema de Cauchy-Gousart e o integrando ser analıtico.

54

Page 56: Notas Aula 2u

Figura 3.3: Possıvel contorno para integracao de∮Cf(z)dz em uma regiao onde f(z) possui singularidades (pontos).

Os contornos internos Ck sao atravessados no sentido horario, enquanto que os segmentos l+k e l−k se encontram auma distancia infinitesimal um do outro, sendo atravessados em sentidos opostos. O contorno resultante envolvesomente a parte colorida.

Para mostrar a formula integral de Cauchy, perceba antes que

g(z) =f(z)

z − z0

e analıtica em toda a regiao envolvida por C, exceto em z = z0. Para podermos utilizar o teorema deCauchy-Gousart podemos aplicar um contorno Γ que deixe o ponto z0 na regiao no exterior da regiao deintegracao (como mostrado na direita da Fig. 3.3). Consideremos, ainda, que o contorno γ envolvendo z0seja uma circunferencia centrada em z0 de raio infinitesimal δ, i.e., zγ(ϕ)− z0 = δeiϕ. Portanto,∮

Γdz

f(z)

z − z0=

∮Cdz

f(z)

z − z0+

∮γdz

f(z)

z − z0+

∫l+dz

f(z)

z − z0+

∫l−dz

f(z)

z − z0= 0

→∮Cdz

f(z)

z − z0+

∮γdz

f(z)

z − z0= 0,

pois as contribuicoes das integrais ao longo de l+ e l− se cancelam. Para avaliar a contribuicao da integralao longo de γ, verifique que por f(z) ser diferenciavel, logo contınua,∣∣∣∣f(z)− f(z0)

z − z0

∣∣∣∣ = |f(z)− f(z0)||z − z0|

δ.

Portanto, utilizando a desigualdade de Darboux,∣∣∣∣∮γdzf(z)− f(z0)

z − z0

∣∣∣∣ ≤ ∣∣∣∣f(z)− f(z0)

z − z0

∣∣∣∣ 2πδ < 2πϵ,

55

Page 57: Notas Aula 2u

Quando δ → 0, temos ϵ→ 0, e assim

∣∣∣∣∮γ dz f(z)− f(z0)

z − z0

∣∣∣∣→ 0. Isto implica em

∮γdz

f(z)

z − z0= f(z0)

∮γ

dz

z − z0= −f(z0)

∫ 2π

0

iδeiϕdϕ

δeiϕ= −i2πf(z0),

onde o sentido antihorario positivo foi adotado. Portanto,∮Cdz

f(z)

z − z0+

∮γdz

f(z)

z − z0=

∮Cdz

f(z)

z − z0− i2πf(z0) = 0 →

∮Cdz

f(z)

z − z0= i2πf(z0),

donde segue a Eq. (3.5)

A formula integral de Cauchy mostra que uma funcao analıtica tem seu valor especificado emqualquer ponto dentro de um contorno C se esta funcao tem valores especificados ao longo de C.Isto quer dizer que a analiticidade de uma funcao complexa define propriedades nao-locais (i.e., naoassociadas somente ao ponto em que a funcao complexa e diferenciavel) da funcao. Isto se deve aofato de as partes real e imaginaria de uma funcao analıtica satisfazerem as condicoes de Cauchy-Riemann e consequentemente a equacao de Laplace. Este fato tem conexoes em diversas areas, umadas quais a de sistemas fisicos que satisfazem a equacao de Laplace e a condicoes de contorno, e.g.,em problemas de valores de contorno na eletrostatica, onde o conhecimento do potencial eletricosobre condutores define o potencial em toda a regiao entre os condutores.

3.0.3 Derivadas em termos de integrais de contorno

A formula integral de Cauchy permite determinar diversas propriedades de funcoes analıticas. Umresultado importante e que qualquer funcao f(z) que pode ser representada por

f(z) =1

2πi

∫γ

g(ζ)

ζ − zdζ (3.6)

onde γ e um caminho qualquer, nao necessariamente fechado, e g(z) e uma funcao contınua sobreγ, e analıtica em um ponto qualquer z /∈ γ. Se pudermos intercambiar a integracao com a derivada,poderıamos escrever diretamente,

df(z)

dz=

1

2πi

∫γ

dζ g(ζ)d

dz

1

ζ − z=

1

2πi

∫γ

g(ζ)

(ζ − z)2dζ,

de modo que se z nao estiver sobre γ entao a ultima integral do RHS e definida e portanto f(z)e analıtica nestes valores de z. Para saber se e possıvel derivar a expressao dentro da integralverifiquemos que∣∣∣∣f(z +∆z)− f(z)

∆z− 1

2πi

∫γ

g(ζ)

(ζ − z)2dζ

∣∣∣∣ = ∣∣∣∣∫γ

dζg(ζ)

[1

∆z(ζ − z −∆z)− 1

∆z(ζ − z)− 1

(ζ − z)2

]∣∣∣∣=

∣∣∣∣∫γ

dζg(ζ)

[(ζ − z)2 − (ζ − z)(ζ − z −∆z)− (ζ − z −∆z)∆z

∆z(ζ − z −∆z)(ζ − z)2

]∣∣∣∣=

∆z

∣∣∣∣∫γ

dζg(ζ)

(ζ − z −∆z)(ζ − z)2

∣∣∣∣56

Page 58: Notas Aula 2u

O termo na ultima igualdade tende a zero quando ∆z → 0 se z nao estiver sobre γ, pois, neste caso,o integrando e limitado superiormente. Desta forma, e mostrado que f(z) e diferenciavel e que

df(z)

dz=

1

2πi

∫γ

g(ζ)

(ζ − z)2dζ.

Raciocınio analogo pode ser feito para determinar as n−esimas derivadas de f(z).Suponhamos que a n−esima derivada de f(z) possa ser obtida por derivacoes consecutivas da

Eq. (3.6). Portanto,

dnf(z)

dzn=

n!

2πi

∫γ

g(ζ)

(ζ − z)n+1dζ. (3.7)

Seguindo procedimento semelhante ao que fizemos para a primeira derivada, teremos∣∣∣∣∣∣∣∣∣dn−1f

dzn−1

∣∣∣∣z+∆z

− dn−1f

dzn−1

∣∣∣∣z

∆z− n!

2πi

∫γ

g(ζ)

(ζ − z)n+1dζ

∣∣∣∣∣∣∣∣∣ =∣∣∣∣∫γdζ

g(ζ)

2π∆z

[(n− 1)!

(ζ − z −∆z)n− (n− 1)!

(ζ − z)n− n!∆z

(ζ − z)n+1

]∣∣∣∣=

∣∣∣∣∫γdζ

g(ζ)

[(n− 1)![(ζ − z)n+1 − (ζ − z)(ζ − z −∆z)n]− n!(ζ − z −∆z)n∆z

∆z(ζ − z −∆z)n(ζ − z)n+1

]∣∣∣∣=

∣∣∣∣∫γdζ

g(ζ)

[(n− 1)!(ζ − z)[(ζ − z)n − (ζ − z −∆z)n]− n!(ζ − z −∆z)n∆z

∆z(ζ − z −∆z)n(ζ − z)n+1

]∣∣∣∣=

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∫γdζ

g(ζ)

n∑q=1

n!(n− 1)!

(n− q)!q!(ζ − z)n−q+1(−1)q∆zq −

n∑q=0

(n!)2

(n− q)!q!(ζ − z)n−q(−1)q∆zq+1

∆z(ζ − z −∆z)n(ζ − z)n+1

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣=

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∫γdζ

g(ζ)

n−1∑q=0

n!(ζ − z)n−q(−1)q(

(n− 1)!

(n− q − 1)!(q + 1)!− n!

(n− q)!q!

)∆zq+1 + (−1)n∆zn+1

∆z(ζ − z −∆z)n(ζ − z)n+1

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣=

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∫γdζ

g(ζ)

n−1∑q=1

−q(n+ 1)!(n− 1)!

(n− q)!(q + 1)!(ζ − z)n−q(−1)q∆zq+1 + (−1)n∆zn+1

∆z(ζ − z −∆z)n(ζ − z)n+1

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣=

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∆z

∫γdζ g(ζ)

n−1∑q=1

−q(n+ 1)!(n− 1)!

(n− q)!(q + 1)!(ζ − z)n−q(−1)q∆zq−1 + (−1)n∆zn−1

(ζ − z −∆z)n(ζ − z)n+1

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣Portanto, se z /∈ γ, o integrando e limitado e no limite em que ∆z → 0 a expressao acima vai para zero, e

temos a Eq. (3.7).

57

Page 59: Notas Aula 2u

Para uma funcao f(z) analıtica em uma regiao D podemos substituir γ por um contorno fechado(contido em D) arbitrario em volta do ponto z e tomarmos g(z) = f(z). Desta forma, obtem-se oseguinte teorema:As derivadas de todas as ordens de uma funcao analıtica f(z) existem e sao analıticas no domıniode analiticidade de f(z).Alem disso, a n−esima derivada de f(z) e dada por:

dnf(z)

dzn=

n!

2πi

∮C

f(ζ)

(ζ − z)n+1dζ. (3.8)

Comportamento local de funcoes analıticas

Uma propriedade advinda do fato de uma funcao f(z) ser analıtica e o seguinte teorema:O modulo de uma funcao analıtica f(z) nao pode ter um maximo local dentro da regiao de analiti-cidade de f(z).

Para verificar o teorema, considere um ponto regular z0 dentro da regiao de analiticidade de f(z). Pelaformula integral de Cauchy, para um contorno C circular de raio δ em torno de z0,

f(z0) =1

2πi

∮Cdz

f(z)

z − z0→ |f(z0)| =

∣∣∣∣ 1

2πi

∮Cdz

f(z)

z − z0

∣∣∣∣ ≤ ∫ 2π

0

∣∣∣∣δeiϕidϕ2πi

f(z0 + δeiϕ)

δeiϕ

∣∣∣∣≤

max∣∣f(z0 + δeiϕ)

∣∣2π

∫ 2π

0dϕ = max

∣∣∣f(z0 + δeiϕ)∣∣∣ → f(z0) ≤ max |f(z)|C

Logo, nao importa o quanto nos aproximemos de z0, a funcao f(z) analıtica neste ponto tera valor maximo

em algum ponto da fronteira de z0. Assim, nao e possıvel que haja maximo local em um ponto regular

dentro da regiao de analiticidade de f(z).

O mesmo raciocınio pode ser aplicado as funcoes inteiras ef(z) e e−if(z), pois∣∣ef(z)∣∣ = eℜ f(z) e∣∣e−if(z)∣∣ = eℑ f(z). Verifica-se que eℜ f(z) e eℑ f(z) nao podem possuir maximos locais. Como a funcao

exponencial de um argumento real e monotonica, nem ℜ f(z), nem ℑ f(z) podem possuir maximoslocais em um ponto regular de f(z). Outra consequencia do teorema e que, se considerarmosq(z) = 1/|f(z)| em um ponto regular z0 de g(z) (ou seja, ponto onde f(z) e analıtica e f(z0) = 0),q(z) nao pode possuir maximo local neste ponto. Consequentemente, se f(z0) = 0, f(z) nao podepossuir mınimo local em z0.

Teorema de Cauchy-Liouville

Um funcao inteira (i.e., analıtica em todo C) e limitada e necessariamente uma funcao constante.Esta e uma consequencia da formula integral de Cauchy. Da derivada de uma funcao analıtica f(z)

temos,

df

dz=

1

2πi

∮Cdζ

f(ζ)

(ζ − z)2,

onde C e um contorno fechado, convenientemente escolhido como uma circunferencia de raio R e centradaem z, z − z0 = Reiϕ. Aplicando a desigualdade de Darboux teremos,∣∣∣∣dfdz

∣∣∣∣ = 1

∣∣∣∣∮Cdζ

f(ζ)

(ζ − z)2

∣∣∣∣ ≤ 1

∫ 2π

0

∣∣∣∣dϕ f(ζ)Reiϕ

∣∣∣∣ ≤ max∣∣f(z0 +Reiϕ)

∣∣R

.

58

Page 60: Notas Aula 2u

Como a funcao f(z) e inteira R pode ser feito tao grande quanto desejado. Portanto, para R → ∞, comomax

∣∣f(z0 +Reiϕ)∣∣ e limitada,∣∣∣∣dfdz

∣∣∣∣→ 0 → df

dz= 0 → f(z) = constante.

Como conclusoes temos:

• Funcoes complexas nao triviais (i.e., que nao sejam funcoes constantes) e limitadas no infinitodevem ter ao menos um ponto de singularidade em C;

• Funcoes complexas inteiras (i.e., sem pontos singulares) e nao triviais nao sao limitadas emC.

• Para uma funcao polinomial de z pode ser fatorada em n−raızes

pn(z) =n∑j=1

ajzn = A

n∏j=1

(z − zj), z ∈ C,

e A e uma constante. Se nao fosse possıvel, assuma que pn(z) nao possua zeros o planocomplexo. Entao f(z) = 1/pn(z) seria limitada e analıtica em todo o plano complexo. Logo,seria funcao constante e, consequentemente, pn(z) tambem o seria, o que nao e o caso. Logo,pn(z) deve ter ao menos uma raiz, i.e., deve existir z1 ∈ C no qual pn(z1) = 0. Assim,pn(z) = (z − z1)qn−1(z), onde qn−1(z) e um polinonio de grau n − 1. O mesmo argumentoutilizado para pn(z) e usado para qn−1(z) o que nos diz que qn−1(z) = (z − z2)rn−2(z), ondern−2(z) e um polinonio de grau n− 2. O procedimento e repetido ate que se obtenha pn(z) =(z− z1)(z− z2) · · · (z− zn)p0, onde p0 seria um polinomio de grau zero ou seja, uma constanteA.

Teorema de Morera

Se para um funcao contınua f(z) em uma dada regiao D ∈ C tivermos∮C

f(z)dz = 0

para qualquer contorno fechado C dentro da regiao, entao f(z) e analıtica em D.Este teorema pode ser verificado da seguinte maneira: Se

∮C f(z)dz = 0 em D entao a integral ao longo

de um caminho γ nao necessariamente fechado em D so depende dos pontos inicial e final de γ. Assim,podemos ter uma funcao F (z) definida por

F (z) =

∫ z

af(ζ)dζ

onde a e um ponto fixo e z um ponto arbitrario nas extremidades de um caminho γ. Portanto,

F (z +∆z)− F (z)

∆z=

∫ z+∆z

a

f(ζ)

∆zdζ −

∫ z

a

f(ζ)

∆zdζ =

∫ z+∆z

z

f(ζ)

∆zdζ = f(z) +

∫ z+∆z

z

[f(ζ)− f(z)]

∆zdζ

59

Page 61: Notas Aula 2u

Aplicando a desigualdade de Darboux para um caminho retilıneo entre z e z + ∆z ao ultimo termo doRHS, teremos∣∣∣∣∫ z+∆z

z

[f(ζ)− f(z)]

∆zdζ

∣∣∣∣ ≤ ∫ z+∆z

zdζ

∣∣∣∣ [f(ζ)− f(z)]

∆z

∣∣∣∣ ≤ max

∣∣∣∣ [f(ζ)− f(z)]

∆z

∣∣∣∣ |∆z| = max |f(ζ)− f(z)|

Como f(z) e contınua, max |f(ζ)− f(z)| → 0 quando ∆z → 0. Assim, temos para ∆z → 0,∣∣∣∣F (z +∆z)− F (z)

∆z

∣∣∣∣ = ∣∣∣∣f(z) + ∫ z+∆z

z

[f(ζ)− f(z)]

∆zdζ

∣∣∣∣ ≤ |f(z)|+∣∣∣∣∫ z+∆z

z

[f(ζ)− f(z)]

∆zdζ

∣∣∣∣→ |f(z)|

e podemos afirmar quedF (z)

dz= f(z).

Ou seja, F (z) e a primitiva de f(z), analıtica em z (ponto arbitrario na regiao D). Como todas as derivadas

de um funcao analıtica tambem sao analıticas (na regiao de analiticidade das mesmas), f(z) tambem e

analıtica.

Do teorema de Cauchy-Gousart uma funcao analıtica em uma regiao simplesmente conexa satis-faz ao teorema de Morera. Portanto, esta funcao possui uma primitiva F (z) analıtica nesta regiao.

60

Page 62: Notas Aula 2u

Capıtulo 4

Series de Taylor e de Laurent

4.1 Propriedades de Series

Para estudarmos uma serie infinita de numeros complexos S =∞∑k=1

zk, verifiquemos antes o que

acontece com a sequencia de somas parciais SN =∑N

k=1 zk. Se zn = xn + iyn podemos escrever,

SN =N∑k=1

xk +N∑k=1

yk = XN + iYN .

Se as sequencias XN =∑N

k=1 xk e YN =∑N

k=1 yk possuem limites, isto quer dizer que definidosX =

∑∞k=1 xk e Y =

∑∞k=1 yk existe um inteiro Nε tal que,

|X −XN | <ε

2e |Y − YN | <

ε

2, para N > Nε.

Portanto, para N > Nε,

|S − SN | = |(X + iY )− SN | ≤ |X −XN |+ |Y − YN | < ε→ limN→∞

SN = X + iY

ou seja, uma condicao necessaria para que exista o limite de SN quando N → ∞ e o da existenciados limites de suas partes real e imaginaria. Para verificar que isto tambem e condicao suficiente,digamos que SN possua um limite, i.e., existe um inteiro Mε tal que

|S − SN | < ε, para N > Mε.

Logo, |X − XN | < ε e |Y − YN | < ε para N > Mε e as partes real e imaginaria de S =∞∑k=1

zk

possuem limites.Para series de numeros reais deve-se ter necessariamente que o n−esimo termo tenda para zero

quando n → ∞. Portanto, para que haja convergencia da serie S =∞∑k=1

zk = X + iY e necessario

que limn→∞ xn → 0 e limn→∞ yn → 0, ou seja, que limn→∞ |zn| → 0. Alem disso, se a serie converge,

61

Page 63: Notas Aula 2u

cada um dos termos deve ser limitado, i.e., existe uma constante M > 0 tal que |zn| < M , paratodo e qualquer n.

Se a serie S =∞∑k=1

zk e absolutamente convergente quer dizer que∞∑k=1

|zk| =∞∑k=1

√x2k + y2k.

Podemos entao enunciar o seguinte teorema:

Se a serie de potencias∞∑k=0

ak (z − z0)k converge para z1 = 0 entao esta serie converge absolutamente

para todo e qualquer z tal que |z − z0| < |z1 − z0|. Tambem temos que se a serie de potencias∞∑k=0

bk

(z − z0)kconverge para z2 = 0, entao esta serie converge absolutamente para todo e qualquer

z tal que |z − z0| > |z2 − z0|.

Para verificar o teorema acima, antes perceba que se

∞∑k=0

ak (z − z0)k converge em z1 = 0, entao todos

os seus termos sao limitados, i.e.,∣∣ak(z1 − z0)

k∣∣ < M , para k = 0, 1, 2, . . . e M > 0 uma constante. Logo,

∣∣∣ak(z − z0)k∣∣∣ = ∣∣∣ak(z1 − z0)

k∣∣∣ ∣∣∣∣ z − z0z1 − z0

∣∣∣∣k < M

∣∣∣∣ z − z0z1 − z0

∣∣∣∣k .Como

∣∣∣∣ z − z0z1 − z0

∣∣∣∣k < 1 sao os termos de uma serie geometrica convergente, i.e.,

∞∑k=0

∣∣∣∣ z − z0z1 − z0

∣∣∣∣k = 1

1−∣∣∣∣ z − z0z1 − z0

∣∣∣∣concluı-se que

∞∑k=0

ak (z − z0)k converge absolutamente para |z − z0| < |z1 − z0|.

Em particular, para serie∞∑k=0

ak (z − z0)k o maior valor de |z1 − z0| para o qual a serie converge

e denominado de raio de convergencia da serie e a regiao em que |z − z0| < max |z1 − z0| = R echamada de cırculo de convergencia. Para pontos fora do cırculo de convergencia a serie diverge.

Para a serie de potencias∞∑k=0

bk

(z − z0)kconvergente para |z − z0| > |z2 − z0|, temos

∣∣∣∣∣ bk

(z2 − z0)k

∣∣∣∣∣ < M

para k = 0, 1, 2, . . . e M > 0 uma constante. Logo,∣∣∣∣∣ bk

(z − z0)k

∣∣∣∣∣ =∣∣∣∣∣ bk

(z2 − z0)k

∣∣∣∣∣∣∣∣∣z2 − z0z − z0

∣∣∣∣k < M

∣∣∣∣z2 − z0z − z0

∣∣∣∣k .Como

∣∣∣∣z2 − z0z − z0

∣∣∣∣k < 1 sao os termos de uma serie geometrica que converge em |z − z0| > |z2 − z0|, entao o

teorema e verificado.

O teorema acima e outros resultados importantes sobre series de potencias sao enunciados peloseguinte teorema (que se deve a Abel):

62

Page 64: Notas Aula 2u

Para uma serie de potencias S(z) =∞∑n=0

an(z − z0)n existe uma regiao (cırculo de convergencia)

|z − z0| < R, onde 0 ≤ R ≤ ∞, em que:

i A serie converge absolutamente para qualquer z em |z − z0| < R. Alem disso, a serie convergeuniformemente para todos os pontos dentro do cırculo de convergencia, i.e., para |z − z0| < R.

ii Para |z − z0| > R os termos da serie nao sao limitados e a serie diverge.

iii Em |z − z0| < R a serie representa uma funcao analıtica, onde a derivada pode ser obtida termoa termo e possui o mesmo raio de convergencia.

O item ii e parte do item i ja foram verificados. Para mostrar que a convergencia e uniforme dentro

do cırculo de convergencia, temos que S(z) = limn→∞

Sn, onde Sn =

n∑k=0

ak(z − z0)k. A ‘distancia’ entre Sm

e Sn e dada por

|Sm − Sn| =

∣∣∣∣∣m∑k=n

ak(z − z0)k

∣∣∣∣∣ ≤m∑k=n

|ak| |z − z0|k ≤m∑k=n

|ak| |z1 − z0|k

onde |z − z0| ≤ |z1 − z0| < R. Mas foi dito que a serie e absolutamente convergente nesta regiao. Logo,

|S(z1)− Sn(z1)| =

∣∣∣∣∣ limm→∞

m∑k=n

ak(z1 − z0)k

∣∣∣∣∣ < limm→∞

m∑k=n

|ak| |z1 − z0|k = ρN < ε, para n > Nε

Portanto, para todo m > n > Nε (Nε independente de z),

|Sm − Sn| =

∣∣∣∣∣m∑k=n

ak(z − z0)k

∣∣∣∣∣ ≤ ρN < ε,

o que mostra que a convergencia da sequencia de somas parciais e uniforme em |z − z0| < R.

Um passo necessario para mostrar que a serie de potencias S(z) =

∞∑k=0

ak(z − z0)k representa uma

funcao analıtica em |z− z0| < R e verificar que esta serie representa uma funcao contınua em |z− z0| < R.

Para a serie parcial SN =

N∑k=0

ak(z − z0)k isto e trivial pois SN e um polinomio. Assim, escrevamos

S(z) = SN (z) +RN (z), onde RN (z) = limM→∞

M∑k=N+1

ak(z − z0)k. Portanto, para z′ e z dentro do cırculo de

convergencia,∣∣S(z′)− S(z)∣∣ = ∣∣SN (z′)− SN (z) +RN (z

′)−RN (z)∣∣ ≤ ∣∣SN (z′)− SN (z)

∣∣+ ∣∣RN (z′)∣∣+ |RN (z)|

Devido a convergencia uniforme, em |z− z0| < R existe um Nε tal que |RN (z)| < ε/3 para todo e qualquerN > Nε. Devido a continuidade de SN (z), existe um valor δ > 0 em que |SN (z′)− SN (z)| < ε/3 quando|z′ − z| < δ para N ≥ Nε. Assim,∣∣S(z′)− S(z)

∣∣ ≤ ∣∣SN (z′)− SN (z)∣∣+ ∣∣RN (z′)∣∣+ |RN (z)| < ε, quando |z′ − z| < δ.

63

Page 65: Notas Aula 2u

Isto quer dizer que S(z) =∞∑k=0

ak(z − z0)k representa uma funcao contınua em |z − z0| < R.

Estes resultados sao estensıveis para series do tipo∞∑k=0

bk(z − z0)k

se substituırmos (z−z0) por 1/(z−z0)

nas consideracoes acima. Portanto, se∞∑k=0

bk(z − z0)k

converge na regiao anular R2 ≤ |z − z0| ≤ R1 entao a

serie converge uniformemente e representa uma funcao contınua para z nesta regiao.

E interessante ainda verificar que uma serie de potencias S(z) =∞∑k=0

ak(z − z0)k pode ser integrada

termo a termo sobre um caminho C contido no interior do cırculo de convergencia da serie. Mais ainda, aserie obtida do produto da serie de potencias convergente por uma funcao g(z) contınua sobre C pode serintegrada termo a termo, i.e., ∫

Cg(z)S(z)dz =

∞∑k=0

ak

∫Cg(z)(z − z0)

kdz.

Veja que∫Cg(z)S(z)dz =

∫Cg(z)SN (z)dz +

∫Cg(z)RN (z)dz =

N∑k=0

ak

∫Cg(z)(z − z0)

kdz +

∫Cg(z)RN (z)dz

Como S(z) e g(z) sao contınuas na regiao considerada,∫C g(z)S(z)dz existe. As integrais dos termos na

soma parcial existem tambem, pois SN e um polinomio e g(z) e contınua. Logo,∫C g(z)RN (z)dz deve

existir. Devido a convergencia uniforme da serie existe um Nε tal que RN (z) < ε para N > Nε, onde ε eNε independem de z. Logo,∣∣∣∣∫

Cg(z)RN (z)dz

∣∣∣∣ ≤ εmax g(z)L, para N > Nε,

onde L e o comprimento da curva C. Consequentemente,∫Cg(z)S(z)dz = lim

N→∞

N∑k=0

ak

∫Cg(z)(z − z0)

kdz.

Se usarmos este resultado para g(z) = 1 e para um caminho fechado C contido no cırculo de convergenciada serie, temos ∮

CS(z)dz =

∞∑k=0

ak

∮C(z − z0)

kdz = 0,

pois∮C(z − z0)

kdz = 0 para funcoes analıticas dentro e sobre C. Segue, pelo teorema de Morera que se∮C S(z)dz = 0 em um caminho qualquer dentro do cırculo de convergencia da serie, S(z) =

∞∑k=0

ak(z− z0)k

representa uma funcao analıtica em |z − z0| < R.Resta verificar que uma serie de potencias convergente no interior de seu cırculo de convergencia pode

ser derivada termo a termo, i.e.,

dS(z)

dz=

∞∑n=0

nan(z − z0)n−1, para |z − z0| < R.

64

Page 66: Notas Aula 2u

Considere um caminho fechado C contido em |z − z0| < R e que envolve o ponto z1 dentro do cırculo deconvergencia. Sabemos que S(z) e analıtica, portanto,

dS

dz

∣∣∣∣z1

=1

2πi

∮Cdz

S(z)

(z − z1)2.

Mas vimos tambem que ∫Cg(z)S(z)dz = lim

N→∞

N∑k=0

ak

∫Cg(z)(z − z0)

kdz.

Se fizermos g(z) =1

2πi(z − z1)2, entao

∮C

S(z)

2πi(z − z1)2dz =

1

2πilimN→∞

N∑k=0

ak

∮C

(z − z0)k

(z − z1)2dz = lim

N→∞

N∑k=0

akd

dz1

[(z1 − z0)

k]

Portanto, mostramos que para |z1 − z0| < R,

dS(z1)

dz1=

∞∑n=0

and

dz1[(z1 − z0)

n] =

∞∑n=1

nan(z1 − z0)n−1

4.2 Series de taylor

Teorema: Seja f(z) uma funcao analıtica em todos os pontos em que |z − z0| < R. Para todo equalquer ponto nesta regiao

f(z) =∞∑n=0

1

n!

dnf

dzn

∣∣∣∣z0

(z − z0)n , (4.1)

onde a serie converge em |z − z0| < R. A serie de MacLaurin e obtida para z0 = 0.Para verificar o teorema, utiliza-se a formula integral de Cauchy,

f(z) =1

2πi

∮C0

dz′f(z′)

z′ − z

para o contorno fechado C0 em que |z − z0| = R e z dentro da regiao envolvida por C0. Mas

1

z′ − z=

1

z′ − z0 − (z − z0)=

1

(z′ − z0)

(1− z − z0

z′ − z0

) =1

(z′ − z0)

∞∑k=0

(z − z0z′ − z0

)k

onde a serie geometrica e convergente desde que |z − z0| < |z′ − z0| (que e o caso). Portanto,

f(z) =1

2πi

∮C0

dz′f(z′)

z′ − z=

∞∑k=0

(z − z0)k 1

2πi

∮C0

dz′f(z′)

(z′ − z)k+1=

∞∑k=0

1

k!

dkf

dzk

∣∣∣∣z0

(z − z0)k

Como a serie de Taylor acima requer analiticidade para todos os pontos dentro do cırculo deconvergencia, este, por sua vez, deve-se estender ate o primeiro ponto singular de f(z) mais proximode z0.

65

Page 67: Notas Aula 2u

Figura 4.1: (a) regiao anular entre as circunferencias C2 e C1, onde R2 < |z − z0| < R1. (b) Contorno compostopelas curvas C2, C1, γ (envolvendo o ponto z) e os segmentos de reta conectando estas curvas. (c) Contorno Ccontido na regiao anular R2 < |z − z0| < R1 (regiao anular entre as circunferencias C2 e C1).

4.3 Series de Laurent

Digamos que uma dada funcao f(z) seja analıtica na regiao anular R2 ≤ |z − z0| ≤ R1, conformemostra a Fig. 4.1(a) (i.e., sobre as circunferencias C1 e C2 e na regiao entre elas). Para cada pontoz em R2 < |z − z0| < R1 temos

f(z) =∞∑

n=−∞

an(z − z0)n, an =

1

2πi

∮C

dξf(ξ)

(ξ − z0)n+1, (4.2)

onde C e um contorno qualquer que envolva o ponto z0 e esteja em R2 < |z − z0| < R1.Para mostrar que a expansao em series de potencias acima representa uma funcao analıtica em R2 <

|z − z0| < R1, considere a seguinte integral no contorno especificado na Fig. 4.1(b),

0 =

∮Γdξf(ξ)

ξ − z=

∮C1

dξf(ξ)

ξ − z−∮C2

dξf(ξ)

ξ − z−∮γdξf(ξ)

ξ − z︸ ︷︷ ︸2πif(z)

→ f(z) =1

2πi

[∮C1

dξf(ξ)

ξ − z−∮C2

dξf(ξ)

ξ − z

]

onde as integrais ao longo dos segmentos que conectam as circunferencias C1, C2 e γ se cancelam mutua-mente, e os sentidos de integracao positivo e negativo ja foram considerados. Mas, observe que escrevendo,

1

ξ − z=

1

ξ − z0 − (z − z0)=

1

ξ − z0

1(1− z − z0

ξ − z0

) =1

ξ − z0

∞∑k=0

(z − z0ξ − z0

)k, p/ integral em C1

− 1

z − z0

1(1− ξ − z0

z − z0

) =1

z − z0

∞∑k=0

(ξ − z0z − z0

)k, p/ integral em C2

temos,

f(z) =

∞∑k=0

(z − z0)k

2πi

∮C1

dξf(ξ)

(ξ − z0)k+1+

∞∑k=0

1

(z − z0)k+1

1

2πi

∮C2

dξf(ξ)(ξ − z)k

66

Page 68: Notas Aula 2u

Em relacao as integrais ao longo de C2 e C1, estes contornos podem ser deformados para um contorno C(vide Fig. 4.1(c)) pois os integrandos sao analıticos na regiao R2 < |z − z0| < R1, i.e.,∮

C1+C+l1++l1−

dξf(ξ)

(ξ − z0)k+1= 0 →

∮C1

dξf(ξ)

(ξ − z0)k+1−∮Cdξ

f(ξ)

(ξ − z0)k+1= 0

→∮C1

dξf(ξ)

(ξ − z0)k+1=

∮Cdξ

f(ξ)

(ξ − z0)k+1∮C2+C+l2++l2−

dξf(ξ)(ξ − z)k = 0 →∮C2

dξf(ξ)(ξ − z)k −∮Cdξf(ξ)(ξ − z)k = 0

→∮C2

dξf(ξ)(ξ − z)k =

∮Cdξf(ξ)(ξ − z)k.

Aqui, l1+ e l1− (l2+ e l2−) sao os segmentos que conectam o contorno C1 (C2) ao contorno C. Substituindoas integrais ao longo de C1 e C2 por integrais ao longo de C, temos

f(z) =

∞∑k=0

(z − z0)k

2πi

∮Cdξ

f(ξ)

(ξ − z0)k+1+

∞∑k=0

1

(z − z0)k+1

1

2πi

∮Cdξf(ξ)(ξ − z)k

=

∞∑k=0

(z − z0)k

2πi

∮Cdξ

f(ξ)

(ξ − z0)k+1+

−∞∑k=−1

(z − z0)m

2πi

∮Cdξ

f(ξ)

(ξ − z)m+1

que resulta na Eq. (4.2).

Uma observacao a respeito da serie de Laurent e que se f(z) for analıtica em |z − z0| < R1, oraio interno da regiao anular entre as circunferencias C2 e C1 e igual a zero, e esta regiao se tornaum disco com fronteira C1. Com isso os termos da expansao com expoentes negativos possuemcoeficientes nulos porque neste caso ∮

C

dξf(ξ)(ξ − z)k = 0

e a serie se torna uma serie de Taylor (somente com zk com expoentes positivos).

Unicidade de representacoes por series de potencias

Este fato e enunciado pelo seguinte teorema:Se a serie

∞∑n=−∞

an(z − z0)n

converge para uma funcao f(z) em todos os pontos dentro de uma dada regiao anular em torno dez0 (i.e., para R2 < |z − z0| < R1) esta serie e a unica representacao em series de Laurent para f(z)em potencias de (z − z0) nesta regiao.

Para verificar o teorema multipliquemos

f(z) =∞∑

n=−∞an(z − z0)

n

67

Page 69: Notas Aula 2u

por g(z) = 1/2πi(z − z0)m+1 e integremos ao longo de um contorno C na regiao R2 < |z − z0| < R1.

Teremos, ∮Cdzg(z)f(z) =

1

2πi

∞∑n=−∞

an

∮Cdz

(z − z0)n

(z − z0)m+1.

Mas

∮Cdz

(z − z0)n

(z − z0)m+1=

∮C dz(z − z0)

n−m−1 = 0 p/ n > m∮C

dz

(z − z0)= 2πi p/ n = m∮

C

dz

(z − z0)m−n+1=

dm−n

dzm−n (1) = 0 p/ m > n

ou seja,1

2πi

∮Cdz

1

(z − z0)m−n+1= δm,n.

Portanto, ∮Cdzg(z)f(z) =

1

2πi

∮dz

f(z)

(z − z0)m+1=

1

2πi

∞∑n=−∞

an

∮C

dz

(z − z0)m−n+1= am

e o n−esimo coeficiente an da serie e exatamente o n−esimo coeficiente da expansao em serie de Laurent

de f(z). Logo, a expansao em series de Laurent em termos de potencias de (z − z0) e unica na regiao

especificada.

Uma observacao importante sobre a expansao em series de Laurent se refere ao coeficiente dotermo em (z − z0)

−1,

a−1 =1

2πi

∮C

dξf(ξ)

(ξ − z)0=

1

2πi

∮C

f(ξ)dξ,

onde C envolve z0. Isto quer dizer que a integral de uma funcao f(z) em um caminho fechado emtorno de z0 (mesmo que envolva regiao de nao-analiticidade de f(z)) e proporcional a a1, i.e.,∮

C

f(ξ)dξ = 2πia−1.

4.4 Operacoes aritmeticas com series

Com respeito a operacoes com series, se tem o seguinte teorema:

Sejam as series f(z) =∞∑

n=−∞

an(z− z0)n e g(z) =

∞∑n=−∞

bn(z− z0)n, convergentes em R2 < |z− z0| <

R1. Temos: A adicao de series e sempre valida na intersecao dos cıculos de convergencia de cadaserie, i.e.,

∞∑n=0

(an + bn)(z − z0)n = f(z) + g(z)

Isto vale consequentemente para a subtracao entre series.

68

Page 70: Notas Aula 2u

O produto entre duas series converge para o produto de suas somas em todos os pontos interioresaos cırculos de convergencia das series, i.e.,

∞∑m=−∞

∞∑n=−∞

anbm(z − z0)n+m =

∞∑k=−∞

ck(z − z0)k.

Pode-se mostrar que para a divisao f(z)/g(z), se g(z) = 0 em uma vizinhanca de z = z0, oscoeficientes das potencias de (z − z0) obtidos pela divisao direta das series sao iguais aos obtidosda expansao de f(z)/g(z) em series de Laurent.

Vamos verificar o produto entre series de Taylor para z0 = 0 por simplicidade. Assim, dadas as series

f(z) =

∞∑n=0

anzn e g(z) =

∞∑n=0

bnzn, convergentes em |z| < R, os termos cn do produto f(z)g(z) =

∞∑n=0

cnzn

determinados diretamente:

f(z)g(z) =

∞∑n=0

anzn

∞∑m=0

bmzm = a0b0︸︷︷︸

c0

+(a0b1 + a1b0︸ ︷︷ ︸c1

)z + (a2b0 + a1b1 + b0a2︸ ︷︷ ︸c2

)z2 + (a3b0 + a2b1 + a1b2 + b0a3︸ ︷︷ ︸c3

)z3

+ . . .+k∑p=0

apbk−p︸ ︷︷ ︸ck

zk + . . .

coincidem com a expansao em series de Taylor de f(z)g(z), pois

c0 = f(0)g(0) = a0b0

c1 =df(z)g(z)

dz

∣∣∣∣0

=df(z)

dz

∣∣∣∣0

g(0) + f(0)dg(z)

dz

∣∣∣∣0

= a1b0 + a0b1

c2 =1

2!

d2f(z)g(z)

dz2

∣∣∣∣0

=1

2!

d2f(z)

dz2

∣∣∣∣0

g(0) +df(z)

dz

∣∣∣∣0

dg(z)

dz

∣∣∣∣0

+1

2!f(0)

d2g(z)

dz2

∣∣∣∣0

...

cn =1

n!

dnf(z)g(z)

dzn

∣∣∣∣0

=n∑p=0

1

p!(n− p)!

dpf(z)

dzp

∣∣∣∣0

dn−pg(z)

dzn−p

∣∣∣∣0

=n∑p=0

apbn−p

...

Aqui utilizamos

dqf(z)

dzq=

∞∑n=0

n(n− 1) · · · (n− q + 1)anzn−q → dqf(z)

dzq

∣∣∣∣0

= q!

e pode-se mostrar por inducao que

dnf(z)g(z)

dzn=

n∑p=0

n!

p!(n− p)!

dpf(z)

dzpdn−pg(z)

dzn−p

69

Page 71: Notas Aula 2u

Para o caso geral, primeiro veja que a expansao em series de Laurent (para contorno C na regiao deanaliticidade das series) fornece,

ck =1

2πi

∮Cdz

f(z)g(z)

(z − z0)k+1=

1

2πi

∞∑n=−∞

∞∑m=−∞

anbm

∮C

dz

(z − z0)k−(n+m)+1=

∞∑n=−∞

∞∑m=−∞

anbmδk,n+m

=∞∑

n=−∞anbk−n

Por outro lado, o produto das series resulta em,

∞∑n=−∞

∞∑m=−∞

anbm(z − z0)n+m =

∞∑n=−∞

∞∑k=−∞

anbk−n(z − z0)k =

∞∑k=−∞

ck(z − z0)k,

→ ck =

∞∑n=−∞

anbk−n,

onde fizemos k = n +m. Logo, as series obtidas por expansao de f(z)g(z) em series de Laurent e peloproduto das series sao identicas.

Para o caso da divisao entre duas series, i.e., para q(z) = f(z)/g(z), onde g(z) == 0 em algumavizinhanca de z0 vamos indicar que o divisao das series fornece serie identica a da expansao em series deq(z) da seguinte forma: considere f(z) = q(z)g(z). Portanto,

∞∑n=−∞

an(z − z0)n =

∞∑k=−∞

∞∑m=−∞

ckbm(z − z0)k+m =

∞∑k=−∞

∞∑n=−∞

ckbn−k(z − z0)n

e os coeficientes ck podem ser obtidos (em princıpio) pela solucao da equacao matricial,

∞∑k=−∞

bn−kck = an.

Por outro lado, os coeficientes da expansao de q(z)g(z) em series de Laurent devem ser os coeficientes anda expansao em series de f(z), ou seja,

an =1

2πi

∮Cdz

q(z)g(z)

(z − z0)n+1=

1

2πi

∞∑k=−∞

∞∑m=−∞

ckbm

∮Cdz

1

(z − z0)n−k−m+1=

∞∑k=−∞

∞∑m=−∞

ckbmδn,k+m

→ an =∞∑

k=−∞ckbn−k

que resulta na mesma equacao matricial a ser resolvida. Portanto, se as equacoes tiverem solucao elasdevem ser as mesmas (considerando as integrais como somas finitas e depois fazendo o limite do numero

de termos muito grande, i.e., limN→∞

N∑k=−N

bn−kck = an, para n = 0,±1,±2, . . . ,±N).

4.5 Exemplos de representacoes em series de potencias

Funcoes inteiras

Como funcoes inteiras sao analıticas em todo o plano complexo somente potencias positivas de(z− z0) terao coeficientes nao nulos na expansao em series de potencias. Vejamos alguns exemplos:

70

Page 72: Notas Aula 2u

• f(z) = eλz, onde λ ∈ C e uma constante. Neste caso, para expansao de Taylor-Maclaurin(para z0 = 0),

dnf

dzn

∣∣∣∣0

= λn

Logo,

eλz =∞∑n=0

λn

n!zn

• f(z) = sen z. Para expansao em torno de z0 = 0 temos

dnf

dzn

∣∣∣∣0

=

0, p/ n = 2p(−1)p, p/ n = 2p+ 1

, p = 0, 1, 2, . . .

Portanto,

sen z =∞∑p=0

(−1)pz2p+1

(2p+ 1)!

Note que

eiz − e−iz =∞∑n=0

[in − (−i)n]n!

zn =∞∑

n ımpar

2inzn

n!= 2i

∞∑p=0

(−1)pz2p+1

(2p+ 1)!= 2i sen z

→ sen z =eiz − e−iz

2i= −i senh(iz).

• f(z) = cos z. Expandindo em torno de z0 = 0 temos

dnf

dzn

∣∣∣∣0

=

0, p/ n = 2p+ 1(−1)p, p/ n = 2p

, p = 0, 1, 2, . . .

Portanto,

cos z =∞∑p=0

(−1)pz2p

(2p)!

Note tambem que

eiz + e−iz =∞∑n=0

[in + (−i)n]n!

zn =∞∑

n par

2inzn

n!= 2

∞∑p=0

(−1)pz2p

(2p)!= 2 cos z

→ cos z =eiz + e−iz

2= cosh(iz).

• f(z) = senh z e g(z) = cosh z. Para expansao em torno de z0 = 0 e mais facil utilizar

senh z =ez − e−z

2e cosh z =

ez + e−z

2

71

Page 73: Notas Aula 2u

Logo,

senh z =1

2

∞∑n=0

[1− (−1)n]

n!zn =

∞∑p=0

z2p+1

(2p+ 1)!

cosh z =1

2

∞∑n=0

[1 + (−1)n]

n!zn =

∞∑p=0

z2p

(2p)!

Funcoes analıticas com singularidades

Em muitos casos a obtencao da expansao em series e mais facil por manipulacao aritmetica dasfuncoes do que diretamente das Eq. (4.1) e Eq. (4.2). Seguem alguns exemplos:

• f(z) =1

1 + αz, onde α ∈ C e uma constante. Esta e uma funcao analıtica, mas que possui

singularidade em z = −1/α. Logo, para expansao em torno de z0 = 0 tem-se cırculo deanaliticidade de raio 1/|α| (ou seja, para |z| < 1/|α|). Para encontrar a expansao em tornode z0 = 0 nesta regiao podemos utilizar a definicao (vide Eq. (4.1)), onde

dnf

dzn

∣∣∣∣0

= (−1)nn!αn

e, portanto,1

1 + αz=

∞∑n=0

(−1)n(αz)n, p/ |z| < 1/|α|

ou poderıamos fazer,

1

1 + αz=

1

1− (−αz)=

∞∑n=0

(−1)n(αz)n, p/ |z| < 1/|α|

onde utilizamos a serie geometrica∞∑k=0

rn = 1/(1− r), para |r| < 1.

Para expansao em torno de z = 0 na regiao |z| > 1/|α| podemos reescrever f(z) da seguinteforma,

1

1 + αz=

1

z(1 +

α

z

)Como |α/z| < 1 temos uma serie geometrica convergente para

1(1 +

α

z

) , de forma que

1

1 + αz=

1

z

∞∑n=0

(−αz

)n=

∞∑n=1

(−1)n−1αn−1

zn=

−∞∑n=−1

(−1)n−1α−(n+1)zn.

72

Page 74: Notas Aula 2u

Esta e a serie de Laurent em torno de z = 0 para1

1 + αzna regiao |z| > 1/|α|. Note que

escrevendo da maneira mostrada na Eq. (4.1) terıamos an = 0 para n = 0, 1, 2, . . ., enquantoque an = (−1)n−1α−(n+1) para n = −1, −2,−3, . . ..

Poderıamos, ainda, expandir f(z) em series de Taylor torno de z0. Portanto,

1

1 + αz=

1

1 + αz0 + α(z − z0)=

1

1 + αz0

1

1 +α(z − z0)

1 + αz0

=∞∑n=0

(−1)nαn

(1 + αz0)n+1(z − z0)

n

convergente para |z − z0| < |z0 + 1/α|. Observe que o cırculo de convergencia com centro emz0 se estende ate a singularidade de f(z). Por exemplo, se α = 1 a expansao em torno dez0 = 0 fornece um cırculo de convergencia centrado neste ponto e de raio 1, enquanto que aexpansao em torno de z0 = −1 fornece um cırculo de convergencia maior, com centro em −1e de raio 2.

• f(z) =3 + z2

z2 − z4. Para expansao em torno de z = 0 temos

1 + z2

z2 − z4=

1

z22− 1 + z2

1− z2=

1

z2

(2

1− z2− 1

)=

1

z2

(2

∞∑n=0

z2n − 1

)=

1

z2+ 2

∞∑n=0

z2n

A serie converge em 0 < |z| < 1. Potencias negativas de z (i.e., a−2 = 1) aparecem devido afuncao nao ser analıtica em z = 0.

• f(z) =z

(z − a)(z − b), onde a e b sao constantes reais tal que 0 < γa = b, γ > 1. Esta funcao

e analıtica, exceto nos pontos z = a e z = b. Para reescreve-la, observe que

z

(z − a)(z − b)=z − b+ γa− γz + z + (γ − 1)z

(z − a)(z − b)=

1

z − a− γ

1

z − b+ γ

z

(z − a)(z − b)

→ (γ − 1)z

(z − a)(z − b)= γ

1

(z − b)− 1

(z − a)

→ z

(z − a)(z − b)=

γ

(γ − 1)

1

(z − b)− 1

(γ − 1)

1

(z − a)

A expansao desta funcao em torno de z = 0 desta funcao recai, em parte, no exemplo anteriorpara (1 + αz)−1. Deve-se ter atencao, entretanto para o cırculo de convergencia de cadaexpansao. Primeiro, para |z| < a podemos fazer,

z

(z − a)(z − b)=

γ

(γ − 1)

1

(z − b)− 1

(γ − 1)

1

(z − a)= − γ

b(γ − 1)

∞∑n=0

zn

bn+

1

a(γ − 1)

∞∑n=0

zn

an

=1

(γ − 1)

∞∑n=0

[1

an+1− γ

bn+1

]zn =

γ

(γ − 1)

∞∑n=0

(γn − 1)

γn+1

zn

an+1

e so temos potencia positivas de z em |z| < a.

73

Page 75: Notas Aula 2u

Na regiao anular a < |z| < b a expansao acima diverge. Entretanto, utilizando

1

z − a=

1

z

1(1− a

z

) ,podemos expandir em uma serie convergente para |z| > a. Assim, temos a serie de Laurentem a < |z| < b,

z

(z − a)(z − b)=

γ

(γ − 1)

1

(z − b)− 1

(γ − 1)z

1(1− a

z

) = − γ

b(γ − 1)

∞∑n=0

zn

bn− 1

(γ − 1)z

∞∑n=0

an

zn

= − γ

(γ − 1)

∞∑n=0

zn

bn+1− 1

(γ − 1)

∞∑n=1

an−1

zn

que contempla coeficientes nao-nulos de potencias positivas e negativas de z.

Finalmente, para |z| > b podemos escrever

1

z − a=

1

z

1(1− a

z

) e1

z − b=

1

z

1(1− b

z

)de modo que expandimos em series convergentes para |z| > b a fim de obter a serie de Laurentnesta regiao,

z

(z − a)(z − b)=

γ

(γ − 1)z

1(1− b

z

) − 1

(γ − 1)z

1(1− a

z

) =γ

(γ − 1)z

∞∑n=0

bn

zn− 1

(γ − 1)z

∞∑n=0

an

zn

=∞∑n=1

[γbn−1 − an−1

(γ − 1)

]z−n.

Note que nesta expansao somente potencia negativas de z aparecem.

• f(z) =

sen z

z, p/ z = 0

1, p/ z = 0Neste caso, temos

sen z

z=

∞∑n=0

(−1)nz2n

(2n+ 1)!

que converge para qualquer ponto em z ∈ C. Inclusive,

limz→0

sen z

z= 1 = f(0)

que estabelece que a funcao e contınua em z = 0 tambem. Portanto, f(z) e funcao inteira.

74

Page 76: Notas Aula 2u

• f(z) = csc z. Para expandir esta funcao em potencias de z, antes verifique que csc z = 1/ sen ze singular em z = mπ, onde m = 0, ±1, ±2, . . .. Logo, a representacao em series em tornode z = 0 e convergente em 0 < |z| < π. A expansao de Laurent nesta regiao sera dada por,

csc z =1

sen z=

1

z

∞∑n=0

(−1)nz2n

(2n+ 1)!

=1

z

1(1−

∞∑n=1

(−1)n+1z2n

(2n+ 1)!

) =1

z

∞∑p=0

[∞∑n=1

(−1)n+1z2n

(2n+ 1)!

]p

=1

z

1 +∞∑n=1

(−1)n+1z2n

(2n+ 1)!+

∞∑m=1n=1

(−1)n+m+2z2(n+m)

(2n+ 1)!(2m+ 1)!+

∞∑l=1m=1n=1

(−1)l+n+m+3z2(l+n+m)

(2n+ 1)!(2m+ 1)!(2l + 1)!+ · · ·

=

1

z

[1 +

z2

3!− z4

5!+z6

7!+

z4

(3!)2− 2z6

3!5!+

z6

(3!)3+ · · ·

]=

1

z+z

3!+

[1

(3!)2− 1

5!

]z3 +

[1

(3!)3− 2

3!5!+

1

7!

]z5 + · · ·

=1

z+z

3!+

[1− (3!)2

5!

]z3

(3!)2+

[1− 2(3!)2

5!+

(3!)3

7!

]z5

(3!)3+ · · ·

4.6 Zeros de funcoes analıticas

Zero de ordem m

Se f(z) e analıtica em um ponto z0 ha uma vizinhanca de z0 (i.e., |z− z0| < ρ0) em que existe umarepresentacao em serie de Taylor de f(z),

f(z) =∞∑n=0

an(z − z0)n = f(z0) +

∞∑n=1

1

n!

dnf

dzn

∣∣∣∣z0

(z − z0)n.

Seja z0 um zero de f(z), i.e., f(z0) = 0. z0 e denominado de zero de ordem m de f(z) se

dnf

dzn

∣∣∣∣0

= 0, para n = 0, 1, 2, . . . ,m− 1

dmf

dzm

∣∣∣∣0

= 0.

Se m = 1, z0 e denominado de zero simples de f(z).Podemos escrever em |z − z0| < ρ0,

f(z) = (z − z0)m

∞∑p=0

am+p(z − z0)p = (z − z0)

mg(z), am+p =1

(m+ p)!

dm+pf

dzm+p

∣∣∣∣z0

onde,

g(z) =∞∑p=0

am+p(z − z0)p, com g(z0) = am =

1

m!

dmf

dzm

∣∣∣∣z0

= 0

75

Page 77: Notas Aula 2u

Como a serie f(z) converge na vizinhanca de z0, g(z) deve ser contınua em z0, ou seja,

|g(z)− g(z0)| = |g(z)− am| < ε para |z − z0| < δ

Digamos que para ε = |am|/2 tenhamos δ = δ1. Assim,

|g(z)− am| <|am|2

para |z − z0| < δ1

A desigualdade acima para ser verdadeira exige que g(z) = 0 em qualquer ponto da vizinhanca dez0, i.e., em |z − z0| < δ1. De outra forma, para |z − z0| < δ1 temos

||g(z)| − |am|| < |g(z)− am| <|am|2

→ −|am|2

< |g(z)| − |am| <|am|2

→ 0 <|am|2

< |g(z)| < 3

2|am|

Logo, segue o seguinte teorema:

Zeros de funcoes analıticas sao isolados

Teorema: Se f(z) e analıtica em z0 e nao e funcao identicamente nula existe uma vizinhanca de z0em que a funcao e diferente de zero (possivelmente exceto em z0).

76

Page 78: Notas Aula 2u

Capıtulo 5

Calculo de Resıduos

5.1 Singularidades isoladas

Uma singularidade isolada∗ de uma funcao f(z) e um ponto z0 no qual f(z) nao e analıtica, masque possui alguma vizinhanca onde em todos os pontos f(z) e analıtica, i.e., f(z) analıtica paratodo z tal que 0 < |z − z0| < ρ (onde ρ > 0) exceto em z0. Por exemplo,

f(z) =z

(z3 − 1)

possui singularidades isoladas em z = 1, z = e±iπ/3, enquanto

f(z) = tanh z

tem singularidades isoladas nos pontos em que cosh z = 0 → cos(iz) = 0, i.e., em z = i

(n+

1

2

)π,

para n = 0, ±1, ±2, ±3, . . .. Por outro lado, f(z) = Ln z possui ponto singular na origem que naoe isolado, pois qualquer vizinhaca de z = 0 contem pontos Re z < 0, onde a Ln z nao e analıtica.

Singularidades isoladas possuem uma classificacao baseada no comportamento da funcao proximoa singularidadde.

Classificacao de singularidades isoladas

Para estudar este comportamento considere a serie de Laurent de f(z) em 0 < |z − z0| < ρ,

f(z) =∞∑n=0

an(z − z0)n +

∞∑n=1

bn(z − z0)n︸ ︷︷ ︸

parte principal de f(z) em z0

(5.1)

onde z0 e uma singularidade isolada de f(z). Temos:

• Singularidade removıvel. Ocorre quando a expansao de Laurent acima possui bn = 0 para todosos n, i.e., n = 1, 2, 3, . . .. Portano, a serie de Laurent contem apenas potencias positivas de

∗Deve-se atentar par o fato de que existem singularidades nao isoladas.

77

Page 79: Notas Aula 2u

(z − z0. Basta, entao, definir o valor para f(z) em z0, i.e., f(z0) = a0 que a singularidade eremovida e a funcao se torna analıtica em |z − z0| < ρ. Como exemplo, tome o exemplo dafuncao f(z) = sen z/z. Esta funcao nao e definida em z = 0, mas possui expansao em seriede Laurent dada por

sen z

z=

∞∑n=0

(−1)nz2n

(2n+ 1)!

que e definida em todo o plano complexo. Logo, ao fazermos f(z) = sen z/z para z = 0 ef(0) = 1 temos uma funcao inteira.

• Polo de ordem m. E um tipo de singularidade isolada em que, na serie de Laurent, bn = 0para n = m+ 1, m+ 2, m+ 3, . . ., mas bn = 0 para n = m, i.e.,

f(z) =∞∑n=0

an(z − z0)n +

m∑n=1

bn(z − z0)n

em 0 < |z − z0| < ρ.

– Polo simples. E um polo de ordem m = 1. Por exemplo, f(z) = 1/(1 − z) possui polosimples em z = 1.

Exemplos:

ez

z5=

∞∑n=0

zn−5

n!

∞∑n=0

zn

(n+ 5)!+

5∑n=1

z−n

(5− n)!, |z| > 0

possui polo de ordem 5 em z = 0, enquanto que

sen z

z3=

∞∑n=0

(−1)nz2n−2

(2n+ 1)!=

∞∑n=0

(−1)n+1z2n

(2n+ 3)!+

1

z2

possui polo de ordem 2 em z = 0. Ja a funcao,

f(z) =1

z(z − 1)

possui polo simples em z = 0, pois

f(z) =1

z(z − 1)=

1

z − 1− 1

z= −

∞∑n=0

zn − 1

z, |z| < 1

Mas ha outro polo simples em z = 1, pois

f(z) =1

z(z − 1)=

1

z − 1− 1

z=

1

z − 1− 1

1 + z − 1=

1

z − 1−

∞∑n=0

(−1)n(z − 1)n, |z − 1| < 1

Para uma funcao f(z) com polo de ordem m em z = z0 podemos definir uma funcao ϕ(z)analıtica em z0,

ϕ(z) =

(z − z0)

mf(z), p/ z = z0bm, p/ z = z0,

78

Page 80: Notas Aula 2u

com bm = 0, pois, para z = z0

ϕ(z) =∞∑n=0

an(z − z0)n+m +

m∑n=1

bn(z − z0)n−m

= bm +m−1∑n=0

bm−n(z − z0)n +

∞∑n=m

an−m(z − z0)n

que tende para bm quando z → z0. Como ϕ(z) e definida ϕ(z0) = bm = 0, limz→z0 ϕ(z) = bm,|f(z)| sempre tende a infinito quando z → z0 e ϕ(z) e analıtica em z0.

Funcoes que possuem no plano complexo apenas polos como singularidades e que nao possuapolo no infinito sao necessariamente funcoes racionais, i.e.,

f(z) =p(z)

q(z),

onde p(z) e q(z) sao dois polinomios. Para verificar isto, digamos que f(z) possua N poloszjNj=1, onde o polo em zj seja de ordem mj. A expansao em torno de cada zj e do tipo,

f(z) =

mj∑n=1

bn(z − zj)n

+∞∑n=0

an(z − z0)n =

∑mj

n=1 bn(z − zj)mj−n

(z − zj)mj+ gj(z) =

Pj(z)

(z − zj)mj+ gj(z),

onde Pj(z) =∑mj

n=1 bn(z − zj)mj−n e um polinomio de grau mj − 1 e gj(z) e uma funcao

analıtica. Como expandimos em torno de zj a funcao gj(z) contem os outros polos de f(z).Procedendo de maneira similar para k = j, temos

gj(z) =Pk(z)

(z − zk)mk+ gk(z)

onde Pk(z) e polinomio de ordem mk− 1. Continuando desta forma para cada parte analıticada expansao em series de Laurent em torno de zl encontramos,

f(z) =N∑j=1

Pj(z)

(z − zj)mj+ g(z)

onde g(z) deve ser inteira, posto que todos os polos foram incluıdos nos polinomios Pj(z).Entretanto, para zto∞ a soma tende a zero pois em cada um dos termos Pj(z) tem graumj − 1, enquanto o denominador (z − zj)

mj possui grau mj. Desta forma, como nao ha polono infinito f(z) e, portanto, g(z) sao limitadas. Segue que se g(z) e inteira e limitada, deveser uma funcao constante. Deste modo,

f(z) =N∑j=1

Pj(z)

(z − zj)mj+ g(z) =

N∑j=1

Pj(z)N∏k=1k =j

(z − zk)mk + g0

N∏k=1

(z − zk)mk

N∏k=1

(z − zk)mk

=p(z)

q(z),

onde p(z) e g(z) sao polinomios, e g0 e uma constante.

79

Page 81: Notas Aula 2u

• Singularidade essencial. E o caso em que ha um numero infinito de bn nao nulos, ou seja, aparte principal da expansao em serie de Laurent possui numero infinito de termos. Comoexemplos, as funcoes

e1/z = 1 +∞∑n=1

1

n!zn, |z| > 0

e

cosh

(1

z

)= 1 +

∞∑n=1

1

(2n)!z2n, |z| > 0

posuem singularidades essenciais em z = 0.

Funcoes que possuem singularidades essenciais apresentam comportamento ‘estranho’ proximoa singularidade. Por exemplo, considere o ponto z = (ln a+i2nπ)−1 para um a ∈ R arbitrario.Neste ponto, e1/z = a, enquanto que cosh(1/z) = (a2 + 1)/a. Entretanto, para n → ∞,z = (ln a + i2nπ)−1 → 0. Isto quer dizer que ambas as funcoes se aproximam de qualquernumero real (pois a e arbitrario por definicao) em uma vizinhanca pequena de z = 0 arbitraria.

5.2 Resıduos

Uma observacao feita quando estudamos series de Laurent veio do fato de o coeficiente do termo(z − z0)

−1 da expansao de uma funcao f(z) em R2 < |z − z0| < R1 ser igual a

1

2πi

∮C

f(z)dz

onde C e um caminho fechado em R2 < |z−z0| < R1 que envolve z0. Temos, entao, uma ferramentapara obter integrais de funcoes analıticas em alguma regiao anular em torno z0 (se f(z) for analıticaem |z−z0| < R sabemos pelo teorema de Cauchy-Gousart que

∮Cf(z)dz = 0). Denotando esta serie

de Laurent como na Eq. (5.1), o coeficiente b1 e denominado de resıduo de f(z) na singularidadeisolada z0, sendo denotado por Res [f(z0)]. Entretanto, a curva C ao longo da qual a integral def(z) e calculada pode envolver um dado numero de pontos singulares (e.g., a integral de f(z) = csc zao longo da circunferencia |z| = 10 envolve os pontos singulares −3π, −2π, −π, 0, π, 2π e 3π).Nestes casos o resultado da integracao pode ser obtido a partir do seguinte teorema:teorema do resıduo

Seja um contorno simples fechado C, orientado no sentido positivo (antihorario). Seja umafuncao f(z) analıtica sobre e na regiao envolvida por C, exceto por um numero finito de singulari-dades isoladas zkmk=1 no interior de C. Entao,∮

C

f(z)dz = 2πim∑j=k

Res [f(zk)] . (5.2)

Para mostrar este teorema podemos tornar o contorno C simplesmente conexo na regiao em que f(z)e analıtica conectando C a pequenos contornos em torno de vizinhacas de cada um dos pontos singulares

80

Page 82: Notas Aula 2u

Figura 5.1: Contorno C na regiao em que uma funcao f(z) e analıtica, onde as singularidades desta funcaosao colocadas no exterior do contorno ao se adicionar pequenos contornos Ck em volta de cada singularidade econectando-os a C.

de f(z), conforma mostra a Fig.5.1. Ao longo do contorno C ′ = C +∑

k(Ck+ l+k l−k ) o teorema de Cauchy-

Gousart fornece:

0 =

∮C′f(z)dz =

∮Cf(z)dz −

m∑k=1

∮Ck

f(z)dz +

∫l+k

f(z)dz +

∫l−k

f(z)dz =

∮Cf(z)dz −

m∑k=1

∮Ck

f(z)dz

=

∮Cf(z)dz − 2πi

m∑k=1

Res [f(zk)] →∮Cf(z)dz = 2πi

m∑k=1

Res [f(zk)] .

Aqui, utilizamos∮Ckf(z)dz = 2πiRes [f(zk)].

Utilizemos os exemplos anteriores para calcular a integral∮Cf(z)dz para um contorno C:

• f(z) = sen z/z para z = 0 e f(0) = 1 para z = 0. A serie de Laurent

sen z

z=

∞∑n=0

(−1)nz2n

(2n+ 1)!

que e definida em todo o plano complexo mostra que∮Cf(z)dz = 0 para o contorno |z| = 2,

pois o termo b1 = 0.

• f(z) =ez

z5possui expansao em series de Laurent para |z| > 0,

ez

z5=

∞∑n=0

zn−5

n!

∞∑n=0

zn

(n+ 5)!+

5∑n=1

z−n

(5− n)!.

81

Page 83: Notas Aula 2u

Logo, ∮C

f(z)dz = 2πiRes [0] =2πi

4!=iπ

12.

• f(z) =sen z

z3tem serie de Laurent para |z| > 0,

sen z

z3=

∞∑n=0

(−1)nz2n−2

(2n+ 1)!=

∞∑n=0

(−1)n+1z2n

(2n+ 3)!+

1

z2

de modo que,∮Cf(z)dz = 2πiRes [f(0)] = 0.

• Para f(z) = 1/(1 − z) = −1/(z − 1) tem-se que a integral ao longo de qualquer contornofechado que envolva z = 1 e igual a

∮Cf(z)dz = 2πRes [f(1)] = −2π.

• f(z) =1

z(z − 1)possui polos simples em z = 0 e em z = 1. Como

1

z(z − 1)=

1

z − 1− 1

z= −

∞∑n=0

zn − 1

z, |z| < 1

para qualquer contorno em torno de z = 0 e contido em 0 < |z| < 1, temos∮C0f(z)dz =

2πiRes [f(0)] = −2πi. Por outro lado, a serie de Laurent em relacao a z = 1,

1

z(z − 1)=

1

z − 1− 1

z=

1

z − 1−

∞∑n=0

(−1)n(z − 1)n, |z − 1| < 1

fornece∮C1f(z)dz = 2πiRes [f(0)] = 2πi para contorno em volta de z = 1 e contido em

0 < |z − 1| < 1. Logo, para qualquer contorno que envolva ambos os polos, e.g., o contorno|z| = 2, ∮

C

f(z)dz = 2πi( Res [f(0)] + Res [f(1)]) = 2πi(−1 + 1) = 0

• A integral∮Cf(z)dz de

e1/z = 1 +∞∑n=1

1

n!zn, |z| > 0

para qualquer contorno simples fechado em torno de z = 0 e igual a∮C

f(z)dz = 2πi,

enquanto ∮C

cosh

(1

z

)dz = 0

pois o coeficiente do termo z−1 e igual a zero.

82

Page 84: Notas Aula 2u

Resıduos de funcoes em polos de ordem m

Enquanto que para funcoes com singularidades essenciais integrais do tipo∮Cf(z)dz devemos calcu-

lar os resıduos pelo metodo acima, utilizando a serie de Laurent para a regiao contendo o contornoC, para funcoes com polos de ordem m existe outro metodo disponıvel. Vimos que neste casopodemos associar a funcao f(z) – com polo de ordem m em z = z0 – uma funcao ϕ(z) analıtica emz0,

ϕ(z) =

(z − z0)

mf(z), p/ z = z0bm, p/ z = z0,

com bm = 0. Ainda, a serie de Laurent para uma regiao anular 0 < |z− z0| < R (onde 0 < R <∞)e dada por,

ϕ(z) =∞∑n=0

an(z − z0)n+m +

m∑n=1

bn(z − z0)m−n.

Logo,∮Cf(z)dz = 2πb1 ao longo de um contorno simples C fechado em torno de z0 e contido em

0 < |z − z0| < R, onde

b1 = Res [f(z0)] =1

2πi

∮C

dzϕ(z)

(z − z0)m=

1

(m− 1)!limz→z0

dm−1ϕ(z)

dzm−1

=1

(m− 1)!limz→z0

dm−1

dzm−1[(z − z0)

mf(z)] , (5.3)

onde o limite z → z0 deve ser tomado apos a (m − 1)−esima derivada ter sido calculada. Emparticular, para polo simples em z0,

Res [f(z0)] = limz→z0

[(z − z0)f(z)] . (5.4)

Funcoes quocientes de funcoes analıticas

Para o caso de funcoes q(z) cujos denominador e o numerador sao funcoes analıticas, i.e., dada umafuncao

q(z) =f(z)

g(z),

em que f(z) e g(z) sao ambas analıticas em um ponto z0 e f(z0) = 0. Logo, se g(z0) = 0, entaoexiste vizinhanca de z0 em que g(z) = 0, e f(z) e g(z) sao analıticas, logo, q(z) e analıtica. Poroutro lado, se g(z0) = 0, temos um ponto singular de q(z). Mas como zeros de funcoes analıticassao isolados, g(z) = 0 em alguma vizinhanca |z− z0| < δ (onde δ > 0 e pequeno o suficiente). Logo,q(z) e analıtica em |z − z0| < δ com z0 sendo um ponto singular isolado.

Digamos que q(z0) = 0, f(z0) = 0 e

dkq

dzk

∣∣∣∣z0

= 0, p/ k = 1, 2, . . . , m− 1 edmq

dzm

∣∣∣∣z0

= 0.

A funcao q(z) = f(z)/g(z) possui polo de ordem m em z0. Se m = 1 a funcao tem polo simples emz0.

83

Page 85: Notas Aula 2u

Da expansao de Laurent das funcoes no numerador e denominador, teremos

q(z) =

∞∑n=0

dnf

dzn

∣∣∣∣z0

(z − z0)n

n!

(z − z0)m∞∑n=0

dn+mg

dzn+m

∣∣∣∣z0

(z − z0)n+m

(n+m)!

=1

dmg

dzm

∣∣∣∣z0

(z − z0)m

∞∑k=0

dkf

dzk

∣∣∣∣z0

(z − z0)k

k!

∞∑p=0

(−1)p

∞∑n=1

dn+mg

dzn+m

∣∣∣∣z0

dmg

dzm

∣∣∣∣z0

(z − z0)n+m

(n+m)!

p

,

em uma regiao 0 < |z − z0| < R (para 0 < R < ∞). Para obter o resıduo de q(z) em z0 temos deobter o coeficiente do termo (z − z0)

−1 da expressao acima, seja diretamente da expansao, seja por

1

(m− 1)!limz→z0

dm−1

dzm−1[(z − z0)

mq(z)] ,

o que pode se tornar complicado. Entretanto, no caso de g(z) ter um zero simples em z0, a situacaoe amenizada, pois neste caso,

q(z) =

∞∑n=0

dnf

dzn

∣∣∣∣z0

(z − z0)n

n!

(z − z0)

[dg

dz

∣∣∣∣z0

+∞∑n=1

dn+1g

dzn+1

∣∣∣∣z0

(z − z0)n+1

(n+ 1)!

]

=1

(z − z0)dg

dz

∣∣∣∣z0

∞∑k=0

dkf

dzk

∣∣∣∣z0

(z − z0)k

k!

∞∑p=0

(−1)p

∞∑n=1

dn+1g

dzn+1

∣∣∣∣z0

dg

dz

∣∣∣∣z0

(z − z0)n+1

(n+ 1)!

p

=f(z0)

(z − z0)dg

dz

∣∣∣∣z0

+∞∑k=0

an(z − z0)k

→ Res [q(z0)] = b1 =f(z0)

dg

dz

∣∣∣∣z0

onde os coeficientes an resultam da combinacao dos termos das somatorias.Um exemplo de funcao com polos simples e f(z) = tan z, pois cos z possui zeros simples em

z = (m+ 12)π para m inteiro. Pode-se verificar isto a partir do segundo termo da expansao de cos z,

d cos z

dz

∣∣∣∣(m+ 1

2)π

= − sen[(m+ 12)π] = (−1)m+1. Como o numerador de tan z e tambem sen z, temos

Res[tan(mπ +

π

2

)]=

sen[(m+ 12)π]

− sen[(m+ 12)π]

= −1.

84

Page 86: Notas Aula 2u

5.3 Calculo de integrais definidas

Lema de Jordan

Seja C+ (C−) um semicırculo de raio R centrado na origem no semiplano complexo Imz > 0(Imz < 0), i.e., |z| = R tal que 0 ≤ arg(z) ≤ π (−π ≤ arg(z) ≤ 0) no sentido positivo. Considereuma funcao f(z) que tende a zero uniformemente mais rapidamente do que 1/|z| quando |z| → ∞para 0 ≤ arg(z) ≤ π (−π ≤ arg(z) ≤ 0) e um numero α ≥ 0 (α ≤ 0) com α ∈ R. Entao, sob estacondicoes,

limR→∞

∫C+

eiαzf(z)dz = 0, α ≥ 0

(limR→∞

∫C−

eiαzf(z)dz = 0, α ≤ 0

)Para mostrar o Lema para C+ temos z = Reiθ, onde 0 ≤ arg(z) ≤ π. Portanto, dz = iReiθdθ = izdθ e

eiαz = eiαR cos θ−αR sen θ,

de modo que ∣∣∣∣∫C+

eiαzf(z)dz

∣∣∣∣ ≤ ∫ π

0e−αR sen θ |f(z)|Rdθ.

Mas como 1/|z| → 0 mais rapidamente do que R−1, entao |f(z)|R < ε(R) positivo, onde limR→∞ ε(R) → 0.Assim,∣∣∣∣∫

C+

eiαzf(z)dz

∣∣∣∣ < ε(R)

∫ π

0e−αR sen θdθ = ε(R)

∫ π/2

0e−αR sen θdθ + ε(R)

∫ π/2

0e−αR sen(π−θ)dθ∣∣∣∣∫

C+

eiαzf(z)dz

∣∣∣∣ < 2ε(R)

∫ π/2

0e−αR sen θdθ < ε(R)

∫ π/2

0e−2αRθ/πdθ =

ε(R)π

αR

(1− e−αR

).

Acima utilizamos sen θ/θ > 2/π em 0 ≤ θ ≤ π/2, pois neste intervalo sen θ/θ e monotonicamente decres-cente com valores limθ→0 sen θ/θ → 1 e sen(π/2)/(π/2) = 2/π. Portanto,

limR→∞

∣∣∣∣∫C+

eiαzf(z)dz

∣∣∣∣ < limR→∞

ε(R)π

αR

(1− e−αR

)→

0 p/ α > 0ε(R)παR

αR= ε(R)π → 0 p/ α = 0

Logo, o Lema e verificado. Para o caso em que α < 0 tomando-se um contorno semicircular em Imz < 0

fornece α sen θ > 0 e a demonstracao segue da mesma forma acima.

Para os casos em que o Lema de Jordan e valido diversos tipos de integrais se tornam faceis deserem calculadas. Seguem alguns exemplos.

5.3.1 Integrais de funcoes racionais

Aqui os resıduos permitem obter o valor de integrais do tipo∫ ∞

−∞dxp(x)

q(x)

85

Page 87: Notas Aula 2u

Figura 5.2: Esquerda: contorno simples fechado composto pelos segmento de reta em que −R ≤ x ≤ R e oarco de circunferencia C+ em Imz > 0. Direita: contorno simples fechado composto pelos segmento de reta emque −R ≤ x ≤ R e o arco de circunferencia C− em Imz < 0. Note que neste caso a integracao esta no sentido

antihorario para que tenhamos∫ R

−Rf(z)dz.

onde p(x) e q(x) sao polinomios (∈ R) e q(x) = 0 para x ∈ R. Utilizando o contorno fechado Cformado pelo segmento de reta em que −R ≤ x ≤ R e o arco da semicircunferencia |z| = R emIm z > 0 no sentido antihorario (ver Fig. 5.2 a esquerda), se existirem zeros de q(z) em Im z > 0.Se houver zeros de q(z) em Im z < 0 poderıamos considerar o contorno exemplificado na Fig. 5.2 adireita. Portanto, para o contorno

limR→∞

∮C

p(z)

q(z)dz = lim

R→∞

∫C+

p(z)

q(z)dz + lim

R→∞

∫ R

−R

p(x)

q(x)dx =

∫ ∞

−∞

p(x)

q(x)dx

pois, pelo Lema de Jordan∗ a integral ao longo da semicircunferencia vai para zero. Logo,∫ ∞

−∞

p(x)

q(x)dx = lim

R→∞

∮C

p(z)

q(z)dz = 2πi

N∑k=1

Res

[p(zk)

q(zk)

]onde zk sao os zeros de p(z)/q(z) em Im z > 0. Se tivessemos escolhido o contorno para Im z < 0entao terıamos ∫ ∞

−∞

p(x)

q(x)dx = lim

R→∞

∮C

p(z)

q(z)dz = −2πi

N∑k=1

Res

[p(zk)

q(zk)

]com zk os zeros de p(z)/q(z) em Im z < 0.

∗Aqui o Lema de Jordan e valido se R|p(z)/q(z)| → 0 quando R → ∞. Como p(z) e q(z) sao polinomios e p(z)tem grau np e preciso que q(z) tenha grau nq ≥ np + 2.

86

Page 88: Notas Aula 2u

Exemplos∫ ∞

0

x2dx

(x2 + a2)(x2 + b2), onde 0 < a < b sao constantes reais. Neste caso,∫ ∞

0

x2dx

(x2 + a2)(x2 + b2)=

1

2

∫ ∞

−∞

x2dx

(x2 + a2)(x2 + b2)=

1

2

∮C+

z2dz

(z2 + a2)(z2 + b2).

Mas

f(z) =z2

(z2 + a2)(z2 + b2)=

1

(b2 − a2)

[b2

(z2 + b2)− a2

(z2 + a2)

]=

1

(b2 − a2)

[b

2i

(1

z − ib− 1

z + ib

)− a

2i

(1

z − ia− 1

z + ia

)].

Portanto, temos os polos simples ±ia e ±ib. Escolhendo contorno em Im z ≥ 0 apenas os polos iae ib se encontram dentro do contorno. Deste modo,∫ ∞

0

x2dx

(x2 + a2)(x2 + b2)=

1

2

∮C+

f(z)dz = πi Res [f(ia)] + Res [f(ib)] =π (b− a)

2(b2 − a2)=

π

2(b+ a)

Se tıvessemos escolhido o contorno em Im z ≤ 0 apenas os polos −ia e −ib estariam dentro destecontorno. Logo,∫ ∞

0

x2dx

(x2 + a2)(x2 + b2)= −1

2

∮C−

f(z)dz = −πi Res [f(−ia)] + Res [f(−ib)] =π

2(b+ a).

Os resultados sao os mesmos, como e de se esperar.Em outro exemplo considere ∫ ∞

−∞

dx

(x2 + a2)n,

onde a > 0 e uma constante real e n e um numero inteiro maior ou igual a 1. Temos entao,∫ ∞

−∞

dx

(x2 + a2)n=

∮c+

dz

(z2 + a2)n

pois a integral ao longo do arco da semicircunferencia de raio R → ∞ vai para zero posto que n ≥ 1.A funcao f(z) = (z2 + c2)−n tem dois polos de ordem n, ia e −ia, pois

f(z) =1

(z + ia)n(z − ia)n=

1

[−2ia(z + ia)]n

[1 + n

(z + ia

2ia

)+n(n+ 1)

2

(z + ia

2ia

)2

+ . . .

]1

[2ia(z − ia)]n

[1− n

(z − ia

2ia

)+n(n+ 1)

2

(z − ia

2ia

)2

+ . . .

]Desta expressao podemos obter diretamente os resıduos em ia e −ia. Ao inves disso, vamos tentaraplicar a Eq. (5.3) para o resıduo de f(z) em ia. Teremos,

Res [f(ia)] =1

(n− 1)!limz→ia

dn−1

dzn−1

[(z − ia)n

(z − ia)n(z + ia)n

]=

1

(n− 1)!limz→ia

dn−1

dzn−1

[(z + ia)−n

]87

Page 89: Notas Aula 2u

Mas,

dn−1

dzn−1

[(z + ia)−n

]= (−1)jn(n+ 1) · · · (n+ j − 1)

dn−j−1

dzn−j−1(z + ia)−n−j

= (−1)n−1n(n+ 1) · · · (2n− 2)(z + ia)−2n+1 =(−1)n−1[2(n− 1)]!

(n− 1)!(z + ia)−2n+1.

Logo,

Res [f(ia)] =(−1)n−1[2(n− 1)]!

[(n− 1)!]2(2ia)−2n+1 = − i[2(n− 1)]!

[(n− 1)!]2(2a)2n−1,

e encontramos,∫ ∞

−∞

dx

(x2 + a2)n=

∮c+

dz

(z2 + a2)n= 2πiRes [f(ia)] =

2π[2(n− 1)]!

[(n− 1)!]2(2a)2n−1, n = 1, 2, 3, . . .

5.3.2 Produtos de funcoes racionais e trigonometricas

No caso de integrais do tipo ∫ ∞

−∞dxp(x)

q(x)

cos(ax)sen(ax)

onde p(x), q(x) = 0 e a reais, podemos fazer∫ ∞

−∞dxp(x)

q(x)

cos(ax)sen(ax)

=

∮C

dzp(z)

q(z)

Re exp(iaz)Im exp(iaz)

,

onde o contorno C (como os da Fig. 5.2) e escolhido em Im z > 0 (Im z < 0) dependendo deeiaz = eiaR cos θe−aR sen θ ir para zero com R → ∞, i.e., para α > 0 (α < 0). Deve-se, ainda, seassegurar que limR→0R|p(z)/q(z)| → 0 uniformemente para utilizar o Lema de Jordan.

Exemplos

Como primeiro exemplo calculemos ∫ ∞

−∞

dx cos(ax)

x4 + 1,

onde a ∈ R. Esta integral pode ser transformada em uma integral ao longo de um contorno fechadoC+ se a > 0, como discutido acima. Desta forma,∫ ∞

−∞

dx cos(ax)

x4 + 1= Re

∫ ∞

−∞

dxeiax

x4 + 1= Re

∮C+

dzeiaz

z4 + 1.

O integrando da ultima igualdade possui quatro polos simples em

z4 + 1 = 0 → z4 = −1 = eiπ+i2kπ → zk = eiπ/4+ikπ/2

88

Page 90: Notas Aula 2u

Dois deles, para k = 0 e k = 1, estao em Im z > 0, i.e., z0 = eiπ/4 e z1 = e3iπ/4. Portanto,∮C+

dzeiaz

z4 + 1= 2πi

[eiaz0

(z0 − z1)(z0 − z2)(z0 − z3)+

eiaz1

(z1 − z0)(z1 − z2)(z1 − z3)

]= 2πi

[eiaz0

z30(1− eiπ/2)(1− eiπ)(1− ei3π/2)+

eiaz1

z31(1− e−iπ/2)(1− eiπ/2)(1− eiπ)

]

=

2πi

(eiaz0

z30+eiaz1

z31

)(1− e−iπ/2)(1− eiπ/2)(1− eiπ)

=

2πi

(eiaz0

z30+eiaz1

z31

)2 |1− eiπ/2|2

=πi

2

(eiaz0

z30+eiaz1

z31

)=

πi

2ei3π/4

(eia[cos(π/4)+i sen(π/4)] +

eia[cos(3π/4)+i sen(3π/4)]

ei3π/2

)=πie−i3π/4

2

(eia

√2/2 + ie−ia

√2/2)e−a

√2/2

2

√2(1− i)

2

[cos

(a

√2

2

)+ i sen

(a

√2

2

)+ i cos

(a

√2

2

)+ sen

(a

√2

2

)]e−a

√2/2

=π√2

4(1− i)(1 + i)

[cos

(a

√2

2

)+ sen

(a

√2

2

)]e−a

√2/2

=π√2

2

[cos

(a

√2

2

)+ sen

(a

√2

2

)]e−a

√2/2.

Logo, para a > 0, ∫ ∞

−∞

dx cos(ax)

x4 + 1=π√2

2

[cos

(√2a

2

)+ sen

(√2a

2

)]e−a

√2/2.

Se a < 0 o procedimento e o mesmo, mas tomando o contorno C− no plano complexo em queIm z ≤ 0.

Observe que a integral acima e uma das integrais do tipo∫ ∞

−∞

x2q+1 sen(ax)dx

x2p + b2pe

∫ ∞

−∞

x2q cos(ax)dx

x2p + b2p

onde p e q sao inteiros positivos, a > 0 e b > 0 sao constantes reais. Para o Lema de Jordan ser aplicavel epreciso que p > q para o caso em que temos o cosseno e p > q+1 para o caso em que temos o seno. Entao,podemos escrever

∫ ∞

−∞

dx

x2p + b2p

x2q cos(ax)x2q+1 sen(ax)

=

ReIm

∫ ∞

−∞

x2q

x2q+1

eiaxdx

x2p + b2p

=

ReIm

∮C+

z2q

z2q+1

eiazdz

z2p + b2p.

89

Page 91: Notas Aula 2u

O integrando f(z) =zeiaz

z2p + b2pda integral do RHS e singular quando

z2p + b2p = 0 → z2p = −b2p = beiπ+i2kπ → zk = bei(1+2k)π/2p, k = 0, 1, . . . , 2p− 1.

Observe ha somente polos simples, com p polos (para k = 0, 1, . . . , p−1) em Imz > 0 e outros p polos emImz < 0 (para k = p, p+1, . . . , 2p−1). Observe tambem que se tıvessemos z2p+1+b2p+1 no denominador,um dos polos (k = p−1) estaria no eixo real negativo (o que estaria em contradicao a suposicao que q(x) = 0para ∀x ∈ R). Portanto, temos

Res [f(zk)] = limz→zk

(z − zk)

z2q

z2q+1

eiaz

2p−1∏j=0

(z − zj)

=

zk

z2qkz2q+1k

eiazk

2p−1∏j=0j =k

(zk − zj)

o que resulta em,

∮C+

z2qkz2q+1k

eiazdz

z2p + b2p= 2πi

p−1∑k=0

Res [f(zk)] = 2πi

p−1∑k=0

z2qkz2q+1k

eiazk

2p−1∏j=0j =k

(zk − zj)

O produtorio pode ser calculado deixando zk em evidencia e depois fazendo j → j − k,

P =

2p−1∏j=0j =k

(zk − zj) = z2p−1k

2p−1∏j=0j =k

(1− zj

zk

)= z2p−1

k

2p−1∏j=0j =k

(1− eiπ(j−k)/p

)

= z2p−1k

p−1∏j=1

(1− eiπj/p

)= z2p−1

k

p−1∏j=1

(1− eiπj/p

) 2p−1∏j=p+1

(1− eiπj/p

)Fazendo j → 2p− j no segundo produtorio da ultima igualdade acima, teremos

P = 2z2p−1k

p−1∏j=1

(1− eiπj/p

) p−1∏j=1

(1− e−iπj/pe2iπ

)= 2z2p−1

k

p−1∏j=1

∣∣∣1− eiπj/p∣∣∣2 = 2z2p−1

k

p−1∏j=1

[2− 2 cos

(πj

p

)]= 2pz2p−1

k ,

pois (ver Gradshteyn & Ryzhik, Table of Integrals, Series, and Products, 7th Ed., Pg. 42, Formula 1.396.1),

p−1∏j=1

[2− 2 cos

(πj

p

)]= lim

u→1

p−1∏j=1

[u2 − 2u cos

(πj

p

)+ 1

]= lim

u→1

u2p − 1

u2 − 1= p.

Portanto,

∮C+

z2q

z2q+1

eiazdz

z2p + b2p= 2πi

p−1∑k=0

z2qkz2q+1k

eiazk

P=iπ

p

p−1∑k=0

eiazkz2p−2q−1k

z2p−2q−2k

90

Page 92: Notas Aula 2u

Aqui zk = beiπ/2peiπk/p eeiazk = eiab cos(π(1+2k)/2p).e−ab sen(π(1+2k)/2p)

Efetuando-se as operacoes aritmeticas e obtendo a parte real ou imaginaria encontramos as integraisimproprias iniciais.

Aplicando este resultado para a integral∫ ∞

−∞

x sen(ax)dx

x2 + 4, a > 0

temos p = 2, q = 0, b =√22 e ∮

C+

z eiazdz

z2p + b2p=iπ

2

[eiaz0

z20+eiaz1

z21

].

Mas z20 = ib2, z21 = −ib2, ab cos(π/4) = −ab cos(3π/4) = a e ab sen(π/4) = ab sen(3π/4) = a. Portanto,∮C+

z eiazdz

z2p + b2p=iπ

b2

[eiab cos(π/4) − e−iab cos(π/4)

]2i

e−ab sen(π/4) =iπ

2e−a sen a,

donde ∫ ∞

−∞

x sen(ax)dx

x2 + 4= Im

∮C+

z eiazdz

z2p + b2p=π

2e−a sen a,

5.3.3 Funcoes com funcoes trigonometricas como argumentos

Para integrais envolvendo funcoes do tipo f(sen θ, cos θ)∫ 2π

0

dθf(sen θ, cos θ)

faz-se z = eiθ, donde dz = izdθ, sen θ = (z− 1/z)/2i, cos θ = (z +1/z)/2 e a integracao passa a serrealizada ao longo da circunferencia |z| = 1,

∫ 2π

0

dθf(sen θ, cos θ) = −i∮|z|=1

dz

zf

z − 1

z2i

,z +

1

z2

Exemplos

Considere ∫ 2π

0

(1 + a cos θ)n, |a| < 1.

Fazendo z = eiθ temos∫ 2π

0

(1 + a cos θ)n= −i

(2

a

)n ∮|z|=1

zn−1dz(z2 +

2

az + 1

)n = −i(2

a

)n ∮|z|=1

zn−1dz

(z − z−)n(z − z+)n,

91

Page 93: Notas Aula 2u

Figura 5.3: Contornos para integrais (a)∮Cdz/(z3 + 1) e (b)

∮Cdz/(z7 + 1).

onde

z± =−1±

√1− a2

a

sao polos de ordem n. Para |a| < 1 apenas o polo z+ esta dentro do contorno |z| = 1. Logo,

∫ 2π

0

(1 + a cos θ)n= −i

(2

a

)n ∮|z|=1

zn−1dz(z2 +

2

az + 1

)n =

(2

a

)n(n− 1)!

limz→z+

dn−1

dzn−1

[(z − z+)

nzn−1

(z − z+)n(z − z−)n

]

=

(2

a

)n(n− 1)!

dn−1

dzn−1

[zn−1

(z − z−)n

]∣∣∣∣z+

.

Para os casos em que n = 1 e n = 2 o calculo da derivada e mais simples, resultando em∫ 2π

0

(1 + a cos θ)=

2

a

z+ − z−=

2π√1− a2∫ 2π

0

(1 + a cos θ)2= 2π

(2

a

)2d

dz

[z

(z − z−)2

]∣∣∣∣z+

= −2π

(2

a

)2z− + z+

(z+ − z−)3= 2π

(2

a

)2 2a

( 2a)3(1− a2)3/2

=2π

(1− a2)3/2

92

Page 94: Notas Aula 2u

5.3.4 Outras integrais

Examinemos integrais do tipo ∫ ∞

0

dx

x2n+1 + 1, n = 1, 2, 3, . . .

Neste caso se fizemos o procedimento visto anteriormente, teremos problemas, pois x = −1 e pontosingular sobre o eixo x. Logo, devemos tentar outro contorno que permita avaliar a equacao acima.Considere, entao, o contorno C formado por segmento de reta no eixo x positivo de 0 a R, um arcode cincunferencia de raio R e angulo α e a reta radial z = ρeiθ, conforme mostra a Fig. 5.3 para oscasos n = 1 (a) e n = 3 (b). Portanto,∮

C

dz

z2n+1 + 1= lim

R→∞

[∫ R

0

dx

x2n+1 + 1+

∮CR

dz

z2n+1 + 1+

∮C1

dz

z2n+1 + 1

]=

∫ ∞

0

dx

x2n+1 + 1+

∫ 0

eiαdρ

ei(2n+1)αρ2n+1 + 1=(1− ei2π/(2n+1)

) ∫ ∞

0

dx

x2n+1 + 1,

onde fizemos (2n + 1)α = 2π para que ei(2n+1)α = 1. A integral ao longo do contorno fechado Cdeve ser igual a 2πi vezes a soma dos resıduos da funcao nos polos contidos dentro de C. Os polos(simples) sao

z2n+1 = −1 = eiπei2kπ → zk = eiπ/(2n+1)ei2kπ/(2n+1).

Portanto, apenas o polo z0 = eiπ/(2n+1) se encontra dentro do contorno, de modo que∮C

dz

z2n+1 + 1=

2πi2n∏k=1

(z0 − zk)

=2πi

z2n0

2n∏k=1

(1− ei2kπ/(2n+1)

) =(1− ei2π/(2n+1)

) ∫ ∞

0

dx

x2n+1 + 1

Mas, repetido procedimento semelhante ao realizado anteriormente,

2n∏k=1

(1− ei2kπ/(2n+1)

)=

n∏k=1

(1− ei2kπ/(2n+1)

) 2n∏k=n+1

(1− ei2kπ/(2n+1)

)=

n∏k=1

(1− ei2kπ/(2n+1)

) n∏k=1

(1− e−i2kπ/(2n+1)

)=

n∏k=1

∣∣1− ei2kπ/(2n+1)∣∣2 = n∏

k=1

[2− 2 cos

(2kπ

2n+ 1

)]= lim

u→1

n∏k=1

[u2 − 2u cos

(2kπ

2n+ 1

)+ 1

]= lim

u→1

u2n+1 − 1

u− 1= 2n+ 1.

(Aqui, utilizamos resultado em Gradshteyn & Ryzhik, Table of Integrals, Series, and Products, 7th

Ed., Pg. 42, Formula 1.396.2) Portanto,∫ ∞

0

dx

x2n+1 + 1=

2πi

(2n+ 1)eiπ2n/(2n+1) (1− ei2π/(2n+1))=

2πi

(2n+ 1)eiπe−iπ/(2n+1) (1− ei2π/(2n+1))

= − 2πi

(2n+ 1) (e−iπ/(2n+1) − eiπ/(2n+1))=

π

(2n+ 1) sen

2n+ 1

)

93

Page 95: Notas Aula 2u

Figura 5.4: Contornos possıveis em torno do ponto singular x0.

5.4 Valor principal de uma integral

Em todos os casos vistos ate entao, a integral nao possuia singularidades sobre o contorno deintegracao. Quando isto acontece, a integral nao existe. Entretanto, ela pode existir no sentido dovalor principal de Cauchy da integral.

Considere um ponto x0 real e uma funcao analıtica f(x) em x0, onde lim|x|to∞ |xαf(x)| →constante para α > 0. Tentemos calcular a integral∫ ∞

−∞

f(x)dx

x− x0.

Para isso, podemos contornar o ponto singular utilizando uma semicircunferencia de raio ε→ 0 cen-trada em x0, como mostra a Fig. 5.4, ou por cima (a esquerda) ou por baixo (a direita). Escolhamoso contorno Γ+

0 , denotando por C o contorno simples fechado formado por uma semicircunferenciaCR de raio R → ∞ (a escolha do semiplano complexo Im z > 0 ou Imz < 0 deve ser feita de modoa utilizarmos o lema de Jordan e esta parte da integral tende a zero), a semicircunferencia Γ+

0 emtorno de x0 e trechos da eixo x onde −∞ < x < x0 − ε e x0 + ε < x <∞, teremos∮

C

f(z)dz

z − x0=

∫CR

f(z)dz

z − x0+

∫ x0−ε

−∞

f(x)dx

x− x0+

∫Γ+0

f(z)dz

z − x0+

∫ ∞

x0+ε

f(x)dx

x− x0

= P

∫ ∞

−∞

f(x)dx

x− x0+

∫Γ+0

f(z)dz

z − x0.

Acima e definido o valor principal da integral (quando existir), i.e.,

P

∫ ∞

−∞

f(x)dx

x− x0= lim

ε→0

∫ x0−ε

−∞

f(x)dx

x− x0+ lim

ε→0

∫ ∞

x0+ε

f(x)dx

x− x0.

Observe que os limites em ambas as integrais tendem a zero da mesma forma. Se tendessem deformas diferentes poderıamos ter resultados diferentes e a integral nao e bem definida. Para ε→ 0temos tambem ∫

Γ+0

f(z)dz

z − x0= lim

ε→0i

∫ 0

π

f(x0 + εeiθ)εeiθdθ

εeiθ= −iπf(x0).

Se houvessemos escolhido o contorno Γ−0 terıamos,∫

Γ−0

f(z)dz

z − x0= lim

ε→0i

∫ 0

−π

f(x0 + εeiθ)εeiθdθ

εeiθ= iπf(x0).

94

Page 96: Notas Aula 2u

Alem disso, ∫CR

f(z)dz

z − x0= 2πi

N∑j=1

Res

[f(zj)

zj − x0

],

onde N e o numero de resıduos def(z)

z − x0no semiplano complexo (Im z > 0 ou Im z < 0) onde a

integral e realizada. Portanto,

P

∫ ∞

−∞

f(x)dx

x− x0= ±iπf(x0) + 2πi

N∑j=1

Res

[f(zj)

zj − x0

],

onde o sinal + (−) corresponde a escolha do contorno Γ+0 (Γ−

0 ).

Um exemplo e a integral∫∞0dx

senx

x. Reescrevendo a integral, temos

∫ ∞

0

dxsenx

x=

1

2

∫ ∞

−∞dx

sen x

x=

1

2Im

∫ ∞

−∞dxeix

x=

1

2Im

∫C+

dxeix

x,

onde x = 0 pertence ao contorno de integracao. A semicircunferencia C+ no semiplano complexosuperior e escolhida pelo fato de termos eix no integrando. Observe que a singularidade em x = 0 eremovıvel. Tomando o valor principal da integral temos para um contorno por cima da singularidade

P

∫ ∞

−∞dxeix

x= iπe0 = iπ

de forma que ∫ ∞

0

dxsen x

x=

1

2ImP

∫ ∞

−∞dxeix

x=π

2

No caso em que ha duas singularidades no caminho de integracao, onde, por exemplo, temos aintegral ∫ ∞

f(x)dx

(x− x1)(x− x2), x1, x2 ∈ R

podemos aplicar o mesmo procedimento acima duas vezes. Portanto, escolhendo contorno C nosemiplano complexo em Im z > 0 ou em Im z > 0 dependendo do integrando (para que utilizemoso Lema de Jordan e a integral sobre o grande arco cR tenda a zero), teremos∮

C

f(z)dz

(z − x1)(z − x2)=

∫ x1−ε

−∞

f(x)dx

(x− x1)(x− x2)+

∫Γ1

f(z)dz

(z − x1)(z − x2)+

∫ x2−ε

x1+ε

f(x)dx

(x− x1)(x− x2)

+

∫Γ2

f(z)dz

(z − x1)(z − x2)+

∫ ∞

x2+ε

f(x)dx

(x− x1)(x− x2)

95

Page 97: Notas Aula 2u

onde Γ1 e Γ2 sao os contornos escolhidos para contornar x1 e x2 respectivamente. Teremos, portanto,que o valor principal da integral e dado por

P

∫ ∞

f(x)dx

(x− x1)(x− x2)= 2πi

N∑j

Res

[f(zj)

(zj − x1)(zJ − x2)

]

+ iπ

f(x2)− f(x1)

x2 − x1, p/ Γ1 = Γ+

1 e Γ2 = Γ+2

−f(x2)− f(x1)

x2 − x1, p/ Γ1 = Γ−

1 e Γ2 = Γ−2

f(x2) + f(x1)

x2 − x1, p/ Γ1 = Γ−

1 e Γ2 = Γ+2

−f(x2) + f(x1)

x2 − x1, p/ Γ1 = Γ+

1 e Γ2 = Γ−2

,

onde + e − no sobreescrito de Γ significam integracoes no semiplano complexo superior e infe-rior respectivamente. Em particular, o fenomeno fısico a ser considerado define qual caminho deintegracao deve ser considerado. Escolhendo ambos os contornos em um mesmo semiplano teremos,

P

∫ ∞

f(x)dx

(x− x1)(x− x2)= 2πi

N∑j

Res

[f(zj)

(zj − x1)(zJ − x2)

]± iπ

f(x2)− f(x1)

x2 − x1.

No caso de termos x1 = x2 = x0, ou seja, a integral tem um polo de ordem 2 em x0, basta fazerx1tox2 e teremos

P

∫ ∞

f(x)dx

(x− x1)(x− x2)= 2πi

N∑j

Res

[f(zj)

(zj − x1)(zJ − x2)

]± iπ

df(x)

dx

∣∣∣∣x0

.

Como exemplo, considere a integral associada a funcoes de Green∫ ∞

−∞

eixtdx

x2 − k2, k, t ∈ R

Para calcular esta integral no sentido do valor principal temos de escolher o contorno de integracaono semiplano complexo superior (inferior) se t > 0 (t < 0). Escolhendo tambem os contornos deintegracao em torno de ±k nos semiplanos superior (inferior) para t > 0 (t < 0) tambem, a integralno contorno simples fechados nao incluem polo algum. Logo, teremos

P

∫ ∞

−∞

eixtdx

x2 − k2=

∫C

eixtdx

x2 − k2± iπ

eikt − e−ikt

2k= ∓π sen(kt)

k= −π sen(k|t|)

k

Outra maneira de se evitar a singularidade no caminho de integracao e ‘elevando’ ou ‘abaixando’o caminho de integracao. Desta forma, a integral no contorno simples fechado C (onde este eescolhido de forma a integral ao longo do arco grande CR tender a zero, de acordo com o Lemade Jordan) tem parte de seu trecho nao mais no eixo real, mas em um eixo paralelo ao longo dez = x+ iε (ou z = x− iε se ‘abaixarmos’ o contorno). Assim,∮

C

f(z)dz

z − x0=

∫ ∞±iε

−∞±iε

f(z)dz

z − x0,

96

Page 98: Notas Aula 2u

onde o sinal + (−) corresponde a levantar (abaixar) o eixo x. Fazendo z′ = z − iε (z′ = z + iε nocaso de abaixar o contorno) para ε→ 0 teremos,∮

C

f(z)dz

z − x0= lim

ε→0

∫ ∞

−∞

f(z′ ± iε)dz′

z′ ± iε− x0= lim

ε→0

∫ ∞

−∞

f(z)dz

z − (x0 ∓ iε).

Ou seja, levantar (abaixar) o eixo real e o mesmo que abaixar (levantar) a singularidade por umaconstante infinitesimal. Como,∮

C

f(z)dz

z − x0= P

∫ ∞

−∞

f(x)dx

x− x0∓ if(x0),

entao,

P

∫ ∞

−∞

f(x)dx

x− x0= ±if(x0) + lim

ε→0

∫ ∞

−∞

f(z)dz

z − (x0 ∓ iε).

Considere a integral1

2πi

∫ ∞

−∞

eikxdx

x− iϵ, ϵ > 0.

Podemos calcula-la ao fecharmos o contorno com uma semicircunferencia CR de raio infinito. Se k > 0(k < 0) CR esta no semiplano complexo superior (inferior), onde dentro do contorno considerado ha um(nenhum) polo. Logo,

1

2πi

∫ ∞

−∞

eikxdx

x− iϵ=

1

2πi

∫C

eikzdz

z − iϵ=

e−kϵ, p/ k > 00, p/ k < 0

(5.5)

Se ϵ→ 0 teremos uma representacao integral para a funcao degrau de Heaviside θ(x),

θ(x) =1

2πi

∫ ∞

−∞

eixtdt

t− iϵ=

1, p/ x > 00, p/ x < 0

(5.6)

no limite em que ϵ→ 0. Note que

1

2πiP

∫ ∞

−∞

eikxdx

x=

1

2πi

∫ ∞

−∞

eikxdx

x− iϵ− iπe0

2πi=

1

2πi

∫ ∞

−∞

eikxdx

x− iϵ− 1

2.

de acordo com o que vimos acima sobre deslocar o eixo real para cima (e o ponto singular para baixo).Portanto, encontramos uma forma alternativa para a funcao degrau,

θ(x) = limϵ→0

1

2πi

∫ ∞

−∞

eikxdx

x− iϵ=

1

2+

1

2πiP

∫ ∞

−∞

eikxdx

x,

para ϵ > 0.Observe que se tomarmos a derivada desta funcao em relacao a x (supondo que possamos intercambiar

a derivacao com a integracao) teremos, para ε→ 0,

dθ(x)

dx=

0, p/ x > 00, p/ x < 0

=

1

2πi

∫ ∞

−∞

i t eixtdt

t− iϵ→ 1

∫ ∞

−∞eixtdt, (5.7)

com o valor em x = 0 nao bem definido. Esta e uma representacao integral da delta de Dirac, δ(x) (quena verdade, assim como a funcao degrau de Heaviside nao sao exatamente funcoes, mas distribuicoes oufuncoes generalizadas).

97

Page 99: Notas Aula 2u

5.5 Funcoes multivalentes

Ate agora a maioria das funcoes complexas encontradas ou eram inteiras, ou analıticas com sin-gularidades isoladas. Entretanto, ha funcoes que podem adquirir valores diferentes em um mesmoponto. Funcoes deste tipo sao chamadas de funcoes multivalentes. De modo geral, uma funcaomultivalente tem valor distinto para um mesmo valor de z quando percorre-se um contorno fechadoem volta de um dado ponto z0, i.e., para z − z0 = reiθ temos

f(z0 + reiθ+i2π

)= f

(z0 + reiθ

).

Se para qualquer curva fechada em volta de z0 tivermos este comportamento, o ponto z0 e denom-inado de ponto de corte da funcao. Entretanto, ao circundar qualquer outro ponto que nao sejaponto de corte, a funcao retorna ao seu valor inicial.

A funcao ln z e um exemplo de uma funcao multivalente, assim como potencias nao inteirasde z tambem o sao. Entao, o que fazer com funcoes deste tipo, ja que os teoremas vistos ate omomento lidam com funcoes univalentes (ou seja, possuem um unico valor em cada ponto z emque esta definida)? A resposta esta na construcao de superfıcies interconectadas de modo a umadada funcao multivalente ser univalente sobre cada uma destas superfıcies, chamadas de superfıciesde Riemann.

5.5.1 Pontos e ramos de corte; Superfıcies de Riemann

Superfıcie de Riemann e ln z

Um ponto de corte, como vimos, e um ponto que tem a propriedade que qualquer curva fechadaque envolva este ponto leva a funcao a ter valores diferentes a cada volta ao longo da curva. Nocaso de ln z ha dois pontos de corte: 0 e ∞. Isto porque uma volta completa em torno de z = 0terıamos um valor diferente da funcao no mesmo ponto z, i.e., para z′ = zei2π = z,

ln(zei2π) = ln z + i2π.

Alem disso, um ponto no ∞ tambem e ponto de corte, pois ln z = − ln(1/z).A construcao da superfıcie de Riemann comeca pela remocao dos pontos ao longo de uma linha

que une os pontos de corte. Este corte no plano complexo e denominado de ramo de corte. Paraf(z) = ln z o ramo de corte e composto pelo eixo x negativo (que une 0 a infinito), embora qualquerreta que unisse estes pontos poderia ser definida como um ramo de corte. Note que a funcaomultivalente passa a ser univalente no plano complexo com o ramo de corte. No caso da funcaologaritmo, teremos uma serie infinita de funcoes analıticas,

fn(z) = ln r + i(θ + 2πn), z = reiθ, n = 0, ±1, ±2, . . .

em r > 0 e −π < θ < π. Agora, cada funcao fn(z) e definida univalente. Entretanto, desta formanao e mais permitido circundar um ponto de corte sem que se deixe o domınio de analiticidade defn(z), pois terıamos de atravessar o ramo de corte. Alem disso, a funcao possui uma descontinuidadeno ramo de corte, pois, para um ϵ > 0,

fn(rei(π−ϵ)) = ln r + i[(2n+ 1)π − ϵ] e fn(re

i(−π+ϵ)) = ln r + i[(2n− 1)π + ϵ]

98

Page 100: Notas Aula 2u

de modo que

limϵ→0

[fn(rei(π−ϵ))− fn(re

i(−π+ϵ))] = i2π

Entretanto,

limϵ→0

fn(rei(π−ϵ)) = lim

ϵ→0fn+1(re

i(−π+ϵ)).

Portanto, uma construcao que evita a descontinuidade da funcao no ramo de corte e a de umasuperfıcie formada por planos complexos, cada um sendo o domınio de analiticidade de uma funcaofn(z), conectados pelo ramo de corte de forma que o plano para fn(z) e conectado em θ = π aoplano fn(z) em θ = −π. Desta forma temos infinitas (para o logaritmo) folhas – chamadas de folhasde Riemann – uma sobre a outra e conectadas pelos ramos de corte. A superfıcie formada pelasfolhas e denominada de superfıcie de Riemann. Continuam havendo dois pontos de corte para afuncao logaritmo em cada folha, mas a descontinuidade foi removida e tem-se uma funcao univalentesobre uma superfıcie de Riemann. Uma volta em torno de um ponto de corte leva de uma folhade Riemann a outra. Pode-se classificar os pontos de corte em termos da superfıcie de Riemannde uma funcao multivalente: um ponto de corte de ordem m e aquele em que sao necessarias pelomenos m voltas em torno deste ponto para que a funcao retome seu valor inicial. No caso da funcaologaritmo, z = 0 e z = ∞ sao pontos de corte de ordem infinita.

Os pontos de corte cumprem a funcao de pontos singulares. Entretanto, a natureza da singu-laridade difere da de um polo ou de uma singularidade essencial, pois alem da questao da diferen-ciabilidade da funcao no ponto, pontos de corte estao associados a funcoes multivalentes. Sem asuperfıcie de Riemann os teoremas para funcoes complexas nao seriam validos devido ao nao unicovalor de uma funcao multivalente em um ponto. Se a teoria e estendida para funcoes analıticas emsuperfıcies de Riemann, e necessario incluir os pontos de corte como singularidades.

5.5.2 Exemplos de outras funcoes multivalentes

A superfıcie de Riemann exemplificada acima e apropriada para a funcao logaritmo. Entretanto,ha outras funcoes multivalentes, com pontos de corte e supefıcies de Riemann proprios.

Superfıcie de Riemann para f(z) = zα, onde α /∈ Z

No caso de uma funcao do tipo potencia, mas onde z e elevado a um expoente nao inteiro, α, i.e.,zα, teremos um ponto de corte em z = 0 e outro no infinito. O caso em que α = 1/n nos permiteavaliar mais facilmente o que acontece. Veja que para z = reiθ temos f(z) = z1/n = r1/neiθ/n+i2kπ/n.Procedendo de maneira similar ao da funcao logaritmo tem-se n folhas de Riemann, onde para cadauma delas a funcao analıtica fk(z) e definida

fk(z) = r1/neiθ/n+i2kπ/n, r > 0, 0 < θ < 2π, k = 0, 1, . . . , n

com ramo de corte no eixo real positivo. Quando percorre-se um caminho em torno de z = 0, emθ = 2π chega-se a outra folha de Riemann, i.e., vai-se de fk(z) para fk+1(z). Entretanto, quandona folha de Riemann n − 1 uma volta de 2π nos leva de volta a folha de Riemann em que k = 0.Logo, temos n folhas de Riemann (superfıcie de Riemann fechada, pois retorna ao valor inicial apos

99

Page 101: Notas Aula 2u

Figura 5.5: Superfıcies de Riemann para as funcoes ln z (no topo, a esquerda),√z (no topo, a direita), z1/3

(embaixo, a esquerda) e z1/4 (embaixo, a direita). Os trechos verticais denotam as descontinuidades no ramo decorte.

100

Page 102: Notas Aula 2u

numero finito de folhas de Riemann) com ponto de corte de ordem n. No caso de α ser racionalnao inteiro a construcao da superfıcie seria semelhante. Se α for um numero irracional, terıamossuperfıcie de Riemann com infinitas folhas. Os pontos de corte sao em z = 0 e z = ∞.

Considere, como exemplo, f(z) = z1/2. Os pontos de corte sao z = 0 e z = ∞. Em cada umadas duas folhas de Riemann temos

f0(z) =√reiθ/2 e f1(z) =

√reiθ/2eiπ = −

√reiθ/2.

A partir da primeira folha de Riemann, onde temos a funcao f0(z), quando θ atinge 2π atravessar oramo de corte leva a segunda folha de Riemann, de modo a preservar a continuidade da funcao

√z,

pois limϵ→0 f0(r, 2π − ϵ) → f1(r, ϵ). Deste modo, depois de circular duas vezes em torno de z = 0temos o valor inicial da funcao.

Superfıcie de Riemann para f(z) =√z2 − 1

Para esta funcao e conveniente z ∓ 1 = r±eiθ± , de maneira que

f(z) =√r+r−e

i(θ++θ−)/2.

Ve-se, entao, que circular o ponto z = 1, mas nao o ponto z = −1 fornece ∆θ+ = 2π e ∆θ− = 0, ef(z) e levado ao mesmo ponto, mas com sinal oposto. O mesmo acontece se circularmos z = −1,mas nao z = 1. Portanto, z = 1 e z = −1 sao pontos de corte da funcao. Entretanto, ao circularmosamobos os pontos, temos ∆θ+ = 2π e ∆θ− = 2π o que fornece o valor inicial da funcao. Define-seo ramo de corte como o segmento de reta −1 ≤ x ≤ 1 (embora pudessemos definir outro ramo decorte, como, por exemplo, −∞ < x ≤ −1 e 1 ≤ x <∞). O ponto no infinito nao e ponto de corte,pois para z → 0,

f

(1

z

)=

√1

z2− 1 → 1

z

e este ponto e um polo simples da funcao. A superfıcie de Riemann e formada por duas folhas deRiemann. A primeira folha de Riemann e definida de modo que −π < θ± < π, onde no eixo realtemos:

f(z) = +i√1− x2, p/ − 1 ≤ x ≤ 1, θ− = 0, θ+ = π

f(z) = −i√1− x2, p/ − 1 ≤ x ≤ 1, θ− = 0, θ+ = −π

f(z) = +√x2 − 1, p/ x ≥ 1, θ− = θ+ = 0

f(z) = −√x2 − 1, p/ x ≤ −1, θ− = θ+ = ±π

Superfıcie de Riemann para arctanh(z) e arctan z

As funcoes arctanh(z) e arctan z sao exemplos de funcoes que podem ser escritas em termos dafuncao logaritmo, pois se f(z) = arctanh(z), entao,

z = tanh f =ef − e−f

ef + e−f=e2f − 1

e2f + 1→ e2f − 1 =

(e2f + 1

)z → e2f =

1 + z

1− z

f(z) = arctanh(z) =1

2ln

(1 + z

1− z

)=

1

2[ln (1 + z)− ln (1− z)] .

101

Page 103: Notas Aula 2u

Figura 5.6: Contornos para as integrais dos exemplos abaixo.

Logo, os pontos de ramificacao de arctanh z sao aqueles em que (1+z)/(1−z) = 0 ou (1−z)/(1+z) =0 (os pontos de ramificacao de lnu, u = 0 e u = ∞), i.e., z = −1 e z = 1. O ramo de corte poderiaser qualquer qualquer curva unindo estes pontos, mas para que a definicao seja a mesma de ln z,escolhe-se o segmento no eixo real entre z = −1 e z = 1 onde (1+ z)/(1− z) = (1+ x)/(1− x) ≤ 0,ou seja, x ≤ −1 ou x ≥ −1. Este ramo de corte une dois pontos e passa pelo infinito ∗. Destaforma, a funcao complexa arctanh z e definida no segmento real −1 < x < 1, coincidindo com adefinicao da funcao real arctanhx neste trecho. Alem disso, como | tanhx| < 1, isto tambem estade acordo com o fato de arctanhx nao possuir valores reais definidos em x ≤ −1 ou x ≥ −1.

Para arctan(z) temos

z = tan f =1

i

(eif − e−if

eif + e−if

)= −i

(e2if − 1

e2if + 1

)→ e2if − 1 =

(e2if + 1

)iz → e2if =

1 + iz

1− iz

f(z) = arctan(z) =i

2ln

(1− iz

1 + iz

)=i

2[ln (1− iz)− ln (1 + iz)] .

Logo, os pontos de ramificacao ocorrem quando (1 − iz)(1 + iz) = 0 ou (1 + iz)(1 − iz) = 0, i.e.,em z = ±i. Para o ramo de corte, utilizando o trecho em que o argumento do logaritmo naoseja positivo, temos um segmento de reta ao longo do eixo imaginario em que (1 − iz)(1 + iz) =(1 + y)(1 − y) ≤ 0, i.e., y = Im z ≥ 1 ou y = Im z < −1. Portanto, esta definicao esta de acordocom a funcao real arctan x que e definida para todos os valores de x.

∗O plano complexo pode ser mapeado em uma esfera, por projecao estereografica. Para isso, toma-se o planocomplexo como tangente a um dos polos (digamos que o polo sul) da esfera. Para qualquer ponto sobre a esferaexiste um ponto no plano complexo formado pela projecao sobre o plano do ponto na esfera a partir do polo norte.Assim, o infinito neste plano complexo estendido corresponde ao polo norte, neste caso. Para mais detalhes, vide[Ahlfors], secao 2.4.

102

Page 104: Notas Aula 2u

5.5.3 Exemplos de integrais de funcoes com ramos de cortes

Considere ∫ ∞

0

xµdx

x2 + 1, |µ| < 1

Para calcular esta integral, podemos fazer uso de um contorno de integracao fechado. O contornode integracao deve contornar a origem e o eixo real positivo. Utiliza-se, assim, o contorno C =CR + C0 + l1 + l2 mostrado na Fig. 5.6, de modo que∮

C

zµ dz

z2 + 1=

∫CR

zµ dz

z2 + 1+

∫l2

zµ dz

z2 + 1+

∫C0

zµ dz

z2 + 1+

∫l1

zµ dz

z2 + 1

Mas, ∣∣∣∣∫CR

zµ dz

z2 + 1

∣∣∣∣ ≤ limR→∞

R

∫ 2π−ε

ε

∣∣∣∣Rµei(µ+1)θ dθ

R2e2iθ + 1

∣∣∣∣ ≤ limR→∞

2πRµ−1 → 0∣∣∣∣∫C0

zµ dz

z2 + 1

∣∣∣∣ ≤ limr→0

r

∫ 2π−ε

ε

∣∣∣∣rµei(µ+1)θ dθ

r2e2iθ + 1

∣∣∣∣ ≤ limr→0

2πrµ+1 → 0

Logo, as integrais ao longo de CR e C0 scao iguais a zero nos limites R → ∞ e r → 0. Portanto,∮C

zµ dz

z2 + 1=

∫ ∞

0

ρµ dρ

ρ2 + 1+

∫ 0

ρµei2πµ ei2πdρ

ρ2ei2π + 1=(1− ei2πµ

) ∫ ∞

0

ρµ dρ

ρ2 + 1,

pois na integral ao longo de l2, z = ρei2π−ε, enquanto que na integral ao longo de l1, z = ρeiε, que,no limite em que ε→ 0, tendem a z = ρei2π e z = ρ, respectivamente. Na regiao dentro do contornoC ha dois polos simples em z = ±i. Portanto, calculando os resıduos nestes pontos, teremos∮

C

zµ dz

z2 + 1= 2πi

(eiπµ/2

i+ i+e3iπµ/2

−i− i

)= πeiπµ

(e−iπµ/2 − eiπµ/2

)= eiπµ

(e−iπµ − eiπµ

) ∫ ∞

0

ρµ dρ

ρ2 + 1.

Ou seja, ∫ ∞

0

ρµ dρ

ρ2 + 1= π

(eiπµ/2 − e−iπµ/2

)(eiπµ − e−iπµ)

= πsen(πµ/2)

sen(πµ)=

π

2 cos(πµ/2)=π

2sec(πµ/2)

O segundo exemplo e a integral ∫ ∞

0

lnx dx

(x2 + a2)2,

onde a = 0 ∈ R e uma constante. Escolhendo o contorno mostrado na Fig. 5.6 a direita, temos∮C

ln z dz

(z2 + a2)2=

∫CR

ln z dz

(z2 + a2)2+

∫l2

ln z dz

(z2 + a2)2+

∫C0

ln z dz

(z2 + a2)2+

∫l1

ln z dz

(z2 + a2)2

Entretanto, no limite em que os raios das circunferencias CR e C0 tendem a infinito e zero, respec-tivamente,∣∣∣∣∫

CR

ln z dz

(z2 + a2)2

∣∣∣∣ ≤ limR→∞

R

∫ π−ε

ε

∣∣∣∣(lnR + iθ) eiθdθ

(R2e2iθ + a2)2

∣∣∣∣ ≤ limR→∞

π√

(lnR)2 + π2

R3→ 0,∣∣∣∣∫

C0

ln z dz

(z2 + a2)2

∣∣∣∣ ≤ limr→0

r

∫ π−ε

ε

∣∣∣∣(ln r + iθ) eiθdθ

(r2e2iθ + a2)2

∣∣∣∣ ≤ limr→0

πr√(ln r)2 + π2

a4→ 0,

103

Page 105: Notas Aula 2u

e as integrais ao longo de CR e C0 sao iguais a zero. Portanto, para z = limε→0 ρeiε em l1 e

z = limε→0 ρei(π−ε) em l2, neste limite (ε→ 0),∮

C

ln z dz

(z2 + a2)2=

∫ ∞

0

ln ρ dρ

(ρ2 + a2)2+ eiπ

∫ 0

(ln ρ+ iπ) dρ

(ρ2 + a2)2= 2

∫ ∞

0

ln ρ dρ

(ρ2 + a2)2+ iπ

∫ ∞

0

(ρ2 + a2)2.

Como ∮C

dz

(z2 + a2)2=

∫CR

dz

(z2 + a2)2+ 2

∫ ∞

0

(ρ2 + a2)2= 2

∫ ∞

0

(ρ2 + a2)2,

entao,

∫ ∞

0

ln ρ dρ

(ρ2 + a2)2=

1

2

∮C

(ln z − iπ

2

)dz

(z2 + a2)2.

Na regiao envolvida por C ha apenas um polo de ordem 2 em z = ia. Logo,

∮C

(ln z − iπ

2

)dz

(z2 + a2)2=

2πi

1!limz→ia

d

dz

(z − ia)2

(ln z − iπ

2

)(z2 + a2)2

= 2πid

dz

(ln z − iπ

2

)(z + ia)2

∣∣∣∣∣∣∣∣ia

= 2πi

z + ia

z− 2

(ln z − iπ

2

)(z + ia)3

∣∣∣∣∣∣∣∣ia

= 2πi

2− 2

(ln a+ ln eiπ/2 − iπ

2

)(2ia)3

∣∣∣∣∣∣∣∣ia

= −π2(1− ln a) ,

de modo que ∫ ∞

0

ln ρ dρ

(ρ2 + a2)2=π

4(ln a− 1) .

5.6 Continuacao analıtica

Teorema

Sejam f1(z) e f2(z) funcoes analıticas dentro de uma regiao D ⊂ C. Se f1(z) e f2(z) coincidem em(i) uma vizinhanca de um ponto z ∈ D, (ii) uma curva contida em D ou (iii) em um conjunto depontos com ponto de acumulacao em D, entao f1(z) e f2(z) coincidem em todos os pontos z ∈ D.

Para mostrar este teorema define-se a funcao h(z) = f1(z)−f2(z) que e analıtica, pois f1(z) e f2(z) saofuncoes analıticas. Uma funcao analıtica possui ou zeros isolados ou, entao, e identicamente zero. Como

h(z) = f1(z)− f2(z) = 0 em um conjunto de pontos que nao sao isolados (pois ou sao uma vizinhanca de

um ponto, ou uma curva contınua ou um conjunto de pontos com um ponto de acumulacao), entao h(z)

deve ser identicamente nula em D. Logo, f1(z) = f2(z) para todos os pontos z ∈ D.

Este teorema afirma que funcoes diferentes nao podem coincidir em um conjunto de pontos compontos de acumulacao. Portanto, define o significado da unicidade de uma funcao, pois estabeleceque funcoes sao iguais a outras.

104

Page 106: Notas Aula 2u

Figura 5.7: Domınio de analiticidade da funcao∫∞0e−ztdt (semiplano onde x > 0) e cırculos de convergencia |z −

zj | < |zj | das funcoes1

zj

∞∑n=0

(−1)n(z − zjzj

)n

, para z1 = −i, z2 = −(1+i), z3 = −(1+2i) e z4 = −(2.2+0.2i). Estas

funcoes sao continuacoes analıticas umas das outras e representam f(z) = z−1 nos seus domınios de analiticidade.Observe que z = 0 e ponto singular das funcoes, portanto os cırculos de convergencia tem este ponto como limite.

Este teorema tem uma consequencia interessante. Suponha que uma funcao f(z) seja analıticaem |z − z0| < r0, sendo representada por uma serie de Taylor em torno de um ponto z0, i,e,f(z) =

∑∞n=0 an(z− z0)

2. Como a convergencia da serie e uniforme em |z− z0| < r0 as derivadas def(z) em um ponto z1, tal que |z1 − z0| < r0 podem ser calculadas termo a termo, i.e., temos f(z1),df

dz

∣∣∣∣z1

, . . .,dnf

dzn

∣∣∣∣z1

, . . .. Como a(1)n =

1

n!

dnf

dzn

∣∣∣∣z1

e o n−esimo coeficiente da serie de Taylor de f(z) em

torno de z1. E possıvel escolher z1 de modo que o domınio de analiticidade |z− z1| < r1 desta seriese estenda a regioes alem de |z − z0| < r0. Pode-se entao escolher outro ponto z2 em |z − z1| < r1 eencontrar uma serie de Taylor em torno de z2 com cırculo de convergencia |z−z2| < r2, de forma queesta regiao se estenda alem de |z− z1| < r1. Em vista do teorema acima, como na interseccao entreas cırculos de convergencia (i.e., na intersecao entre |z−z1| < r1 e |z−z2| < r2) temos expansoes emseries de Taylor que representam uma mesma funcao, portanto sao iguais, todas as representacoesencontradas sao as continuacoes analıticas umas das outras. Este processo pode ser repetido aolongo de um caminho (onde em todos os pontos a funcao seja analıtica) ate que se chegue a umoutro ponto zN distante de z0. Portanto, e possıvel determinar toda a regiao de analiticidade deuma funcao – com pontos singulares, inclusive, pois estes pertencem a fronteira da regiao analıtica– utilizando continuacao analıtica. Para o caso de funcoes multivalentes a continuacao analıticaatraves de diferentes folhas de Riemann leva ao mapeamento de toda a superfıcie de Riemann dafuncao.

105

Page 107: Notas Aula 2u

Suponha que f1(z) e f2(z) possuam formas diferentes e sejam analıticas dentro dos domınios D1

e D2, respectivamente, e que D1 ∩D2 = ∅. Se f1(z) = f2(z) em D1 ∩D2, a continuacao analıtica def1(z) em D2 deve ser identica a f2(z), assim como a continuacao analıtica de f2(z) em D1 deve seridentica a f1(z). Logo, f1(z) e f2(z) podem ser consideradas continuacoes analıticas de uma mesmafuncao,

f(z) =

f1(z), z ∈ D1,f2(z), z ∈ D2,

analıtica em D1 ∪D2.Como exemplo considere a funcao f(z) =

∫∞0e−ztdt, que so e definida em Re z > 0, e a funcao

g(z) =1

a

∞∑n=0

(−1)n(z − a

a

)n, com cırculo de convergencia para |z − a| < |a|. Ambas representam

a mesma funcao, pois

f(z) =

∫ ∞

0

e−ztdt =1

z

g(z) =1

a

∞∑n=0

(−1)n(z − a

a

)n=

1

a

(1 +

z − a

a

) =1

z.

Logo, f(z) e g(z) sao continuacoes analıticas uma da outra, assim z−1 tambem e. Na Fig. 5.7 saomostrados as regioes de analiticidade de cada funcao, onde aparecem quatro cırculos de convergenciapara a = zk, com z1 = −i, z2 = −(1 + i), z3 = −(1 + 2i) e z4 = −(2.2 + 0.2i). Note que z = 0 esingularidade de z−1, de modo que este ponto esta sempre na fronteira das regioes de analiticidadede cada uma das continuidades analıticas.

Apesar deste exemplo ser simples, onde uma funcao elementar com domınio de analiticidade emD = C−0 e continuacao analıtica de representacoes integral ou em series de potencias em domıniosde analiticidade menores e contidos em D, ele exemplifica o que podemos fazer com continuacaoanalıtica. Em particular, existem diversas funcoes em que somente conhecemos por representacoesintegrais ou como series infinitas, cujos domınios de analiticidade sao, em geral, restritos a regioeslimitadas de C. Logo, se soubermos que funcoes sao iguais em uma dada regiao, podemos tentarcontinuar analiticamente a funcao e mapear todo o seu domınio de analiticidade.

Antes de prosseguir, vejamos o seguinte Lema.

Lema

Sejam duas regioes Df e Dg que nao se sobrepoem (ou seja, Df ∩ Dg = ∅), mas cujas fronteiraspossuem uma parte comum, R. Sejam f(z) e g(z) funcoes analıticas em Df e Dg, e contınuas emDf + R e Dg + R, respectivamente. Se f(z) = g(z) em R, entao f(z) e g(z) sao continuacoesanalıticas uma da outra e definem uma unica funcao,

h(z) =

f(z), z ∈ Df ,g(z), z ∈ Dg,

analıtica em Df +Dg +R.Para mostrar este Lema, considere um contorno C que esteja contido em Df +Dg +R. Se C ⊂ Df ou

C ⊂ Dg nao ha o que fazer, pois nestes casos∮C f(z)dz = 0 ou

∮C g(z)dz = 0 pois f e g sao analıticas em

106

Page 108: Notas Aula 2u

seus respectivos domınios. Logo, h(z) e analıtica. No caso mais geral, em que parte de C se encontra emDf e parte em Dg, e C atravessa R, considere dois contornos Cf e Cg, onde Cf (Cg) corresponde a partede C contida em Df (Dg) mais um trecho infinitesimalmente proximo a R e contido em Df (Dg). Em Cfeste trecho muito proximo a R esta no sentido oposto ao trecho de Cg infinitesimalmente proximo a R,mas contido em Dg. Entao, temos que∮

Ch(z)dz =

∮Cf

h(z)dz +

∮Cg

h(z)dz =

∮Cf

h(z)dz +

∮Cg

g(z)dz = 0.

Como C e arbitrario, pelo teorema de Morera, h(z) e analıtica em Df +Dg +R.

5.7 Princıpio da reflexao de Schwarz

Teorema:

Seja uma funcao f(z) analıtica em uma regiao D em que parte de sua fronteira e um segmento doeixo real x. Se f(z) ∈ R quando z ∈ R (i.e., f(z) assume valores reais sobre o segmento do eixoreal), a continuacao analıtica de f(z) na regiao D, imagem de D (i.e., para cada z ∈ D, se temz ∈ D) e dada por

g(z) = f(z), p/ z ∈ D.

Primeiro, se deve mostrar que se f(z) e analıtica em D, g(z) e analıtica em D. Como f(z) e analıticaem D, para um contorno simples fechado C contido em D e parametrizado por z = γ(t), onde t1 ≤ t ≤ t2,temos

0 =

∮Cdzf(z) =

∫ t2

t1

f [γ(t)]dγ

dtdt.

Logo, para a curva C, imagem de C em D (que sera percorrida no sentido horario, se C estiver no sentidoantihorario), temos ∮

Cg(z)dz =

∫ t2

t1

g[γ(t)]dγ

dt=

∫ t2

t1

f [γ(t)]dγ

dt=

∫ t2

t1

f [γ(t)]dγ

dt= 0.

Portanto, g(z) e analıtica emD. Como f(z) = f(x, 0) e real entao, em z = x ∈ R, f(z) = f(x, 0) = f(x, 0).Do Lema anterior, isto implica que f(z) em D e g(z) = f(z) em D sao continuacoes analıticas uma daoutra. Ou seja,

h(z) =

f(z), em D,

f(z), em D

Uma consequencia do teorema e que funcoes analıticas em uma regiao que contenha parte doeixo real e que assumam valores reais quando z ∈ R devem satisfazer h(z) = h(z). Por exemplo, setemos sen z e real quando z e um numero real. Logo, sen z = sen z. Por outro lado, f(z) = z + i eanalıtica em C mas f(z) /∈ R quando z ∈ R. Verificamos que f(z) = z − i = z + i = f(z).

5.8 Relacoes de dispersao

Considere uma funcao e analıtica exceto em um corte no eixo real, x0 ≤ x <∞ e, alem disso, e realpara valores reais de z em −∞ < x < x0. O valor da funcao em ponto z que nao pertence ao ramo

107

Page 109: Notas Aula 2u

Figura 5.8: Contorno C = CR + l1 + l2 + γ utilizado para obtencao da relacao de dispersao no caso de uma funcaoanalıtica em C, exceto no corte x0 ≤ x <∞.

de corte pela formula integral de Cauchy e dado por

f(z) =1

2πi

∮C

f(z′) dz′

z′ − z

onde C e o contorno mostrado na Fig. 5.8. Se a funcao ainda satisfaz lim|z|→∞ |zf(z)| → 0, entaopodemos fazer o contorno CR ir para infinito, com a integral ao longo deste contorno indo para zero.Assim, para uma distancia infinitesimal ε dos segmentos l1 e l2 ao eixo real, temos

f(z) =1

2πi

[∫γ

f(z′) dz′

z′ − z+

∫ ∞+iε

x0+iε

f(z′) dz′

z′ − z−∫ ∞−iε

x0−iε

f(z′) dz′

z′ − z

].

Mas, ∣∣∣∣∫γ

f(z′) dz′

z′ − z

∣∣∣∣ ≤ limr→0

r

∫ 3π/2

π/2

∣∣∣∣f(reiθ) dθreiθ − z

∣∣∣∣→ 0

e, portanto, a integral ao longo de γ tende a zero. Deste modo, fazendo as mudancas de variaveisx = z′ ∓ iε na integral acima (abaixo) do eixo real, temos

f(z) =1

2πilimε→0

[∫ ∞

x0

f(x+ iε) dx

x− z + iε−∫ ∞

x0

f(x− iε) dx

x− z − iε

]=

1

2πilimε→0

∫ ∞

x0

[f(x+ iε)− f(x− iε)] dx

x− z.

Como e real para valores reais de z em −∞ < x < x0 e e analıtica no restante do plano complexo,o princıpio de reflexao de Schwarz nos diz que f(x− iε) = f(x+ iε). Portanto,

f(z) =1

πlimε→0

∫ ∞

x0

Imf(x+ iε) dx

x− z.

108

Page 110: Notas Aula 2u

Esta e uma relacao de dispersao que associa o valor de f(z) em qualquer ponto de sua regiao deanaliticidade em termos de uma integral de sua parte imaginaria na parte logo acima do ramo decorte. Relacoes de dispersao aparecem em diversas areas da fısica e, geralmente, permitem relacionaras partes real e imaginaria de grandezas expressas como funcoes complexas. Um exemplo e o doındice de refracao de um material, cuja parte real (imaginaria) pode ser relacionada a uma integral(no sentido do valor principal) de sua parte imaginaria (real).

5.9 Funcoes meromorfas e teorema de Mittag-Leffler

Ate aqui temos chamado de funcao analıtica em ponto z0 funcoes que possuem derivada definida emuma vizinhanca deste ponto e que, portanto, podem ser expandidas em series de Taylor em tornodeste ponto, com cırculo de convergencia contido no domınio de analiticidade da funcao. No jargaomatematico moderno funcoes com estas propriedades sao tambem chamadas de funcoes holomorfas.Ja funcoes analıticas em um dado domınio, exceto por um numero finito de polos (lembre quepolos sao um tipo de singularidade isolada), sao chamadas de funcoes meromorfas. Toda funcaomeromorfa h(z) em um domınio D pode ser expressa como a razao entre duas funcoes holomorfasf(z) e g(z) em D, i.e., h(z) = f(z)/g(z), onde os polos de h(z) coincidem com os zeros de g(z)(pois, sendo g(z) analıtica em D, seus zeros sao isolados).

Digamos que uma funcao h(z) possua polos em zjNj=1 (onde N pode ser infinito) e que estejamordenados de acordo com seus modulos, i.e.,

0 < |z1| ≤ |z2| ≤ |z3| ≤ . . . ≤ |zj| ≤ . . .

Note que z = 0 e suposto nao ser polo de h(z). Se for basta fazer uma translacao de modo a z = 0nao ser singularidade.

Considere o caso em que todos os polos sao simples e um contorno circular CR contendo NR

polos de h(z) no seu interior (nenhum polo se encontra sobre CR). Portanto,∮CR

h(z′) dz′

z′ − z= 2πih(z) + 2πi

NR∑j=1

Res

[h(zj)

zj − z

]= 2πih(z) + 2πi

NR∑j=1

limz→zj

(z′ − zj)

h(z′)

z′ − z

= 2πih(z) + 2πi

NR∑j=1

limz→zj(z′ − zj)h(z

′)

zj − z= 2πih(z) + 2πi

NR∑j=1

Res [h(zj)]

zj − z,

que resulta em

h(z) =1

2πi

∮CR

h(z′) dz′

z′ − z+

NR∑j=1

Res [h(zj)]

z − zj

h(0) =1

2πi

∮CR

h(z′) dz′

z′−

NR∑j=1

Res [h(zj)]

zj.

Logo,

h(z)− h(0) =z

2πi

∮CR

h(z′) dz′

z′(z′ − z)+

NR∑j=1

Res [h(zj)]

(1

z − zj+

1

zj

)

109

Page 111: Notas Aula 2u

Suponha que h(z) seja funcao limitada, i.e., h(z) < M , onde M e um numero real positivo. Entao,quando o raio da circunferencia CN tende a infinito o contorno envolve todos os N polos de h(z) e

limR→∞

∣∣∣∣∮CR

h(z′) dz′

z′(z′ − z)

∣∣∣∣ ≤ limR→∞

2πRmax

∣∣∣∣ h(z′)

R(Reiθ − z)

∣∣∣∣ ≤ 2πM limR→∞

max

∣∣∣∣ 1

Reiθ − z

∣∣∣∣→ 0.

Logo,

h(z) = h(0) +N∑j=1

Res [h(zj)]

(1

z − zj+

1

zj

). (5.8)

Este e um resultado particular da expansao de Mittag-Leffler, que mostra que uma funcao meromorfa(no presente caso com apenas polos simples) poder ser representada com a soma de uma funcaointeira (o termo f(0 acima) e uma serie (possivelmente infinita) de funcoes racionais.

Como exemplo, considere h(z) = tan z. Sabemos que os polos desta funcao ocorrem quandocos = 0, i.e., em zm = (2m+ 1)π/2, para m = 0, ±1, ±2, . . .. Estes polos sao simples (porque?) eos resıduos de tan z nestes pontos sao iguais a

Res [tan zm] = Res

[sen zmcos zm

]=

sen zm− sen zm

= −1.

Logo, temos a seguinte expansao,

tan z = −2∞∑

m=−∞

[1

2z − (2m+ 1)π+

1

(2m+ 1)π

]= −2

∞∑m=0

[1

2z − (2m+ 1)π+

1

(2m+ 1)π

]

− 2−∞∑m=−1

[1

2z − (2m+ 1)π+

1

(2m+ 1)π

]= −2

∞∑m=1

[1

2z − (2m− 1)π+

1

(2m− 1)π

]

− 2∞∑m=1

[1

2z + (2m− 1)π− 1

(2m− 1)π

]= −8z

∞∑m=1

1

4z2 − (2m− 1)2π2

= 8z∞∑m=1

1

(2m− 1)2π2 − 4z2

Outro exemplo e o da funcao sec z, cujos polos sao os mesmos de tan z, embora com resıduos

Res [sec zm] = Res

[1

cos zm

]=

1

− sen zm= (−1)m+1.

Portanto, como sec(0) = 1,

sec z = 1 + 2∞∑

m=−∞

(−1)m+1

[1

2z − (2m+ 1)π+

1

(2m+ 1)π

]= 1

+ 2∞∑m=0

(−1)m+1

[1

2z − (2m+ 1)π+

1

(2m+ 1)π

]+ 2

∞∑m=1

(−1)m+1

[1

2z + (2m− 1)π− 1

(2m− 1)π

]

110

Page 112: Notas Aula 2u

Fazendo m = m′ + 1 na ultima serie (e depois escrevendo em termos m′ = m, pois e ındice mudo),teremos,

sec z = 1 + 2∞∑m=0

[(−1)m+1

2z − (2m+ 1)π+

(−1)m

2z + (2m+ 1)π+

(−1)m+1 − (−1)m

(2m+ 1)π

]= 1 + 2

∞∑m=0

(−1)m+1

[1

2z − (2m+ 1)π− 1

2z + (2m+ 1)π

]+ 4

∞∑m=0

(−1)m+1

(2m+ 1)π

= 1 + 4π∞∑m=0

(−1)m+1(2m+ 1)

4z2 − (2m+ 1)2π2+

4

π

∞∑m=0

(−1)m+1

(2m+ 1).

Entretanto,

∞∑m=0

(−1)m+1x2m+1

(2m+ 1)= −

∫dx

∞∑m=0

(−1)mx2m = −∫

dx

1 + x2= − arctanx,

Logo,

4

π

∞∑m=0

(−1)m+1

(2m+ 1)= − 4

πarctan(1) = −1,

e encontramos,

sec z = 4π∞∑m=0

(−1)m+1(2m+ 1)

4z2 − (2m+ 1)2π2= π

∞∑m=0

(−1)m(2m+ 1)(m+

1

2

)2

π2 − z2.

Em particular, se g(z) e inteira e possui (apenas) N zeros simples (considerando, novamente,

que z = 0 nao e polo da funcao), a funcaog′(z)

g(z), onde g′(z) =

dg

dz, e funcao meromorfa limitada.

Isto porque

g(z) =N∏j=1

(z − zj)f(z), zj = zk, p/ j = k

onde f(z) e analıtica sem zeros. Assim,

g′(z)

g(z)=

N∑k=1

N∏j=1j =k

(z − zj)f(z) +N∏j=1

(z − zj)f′(z)

N∏j=1

(z − zj)f(z)

=N∑k=1

1

z − zk+f ′(z)

f(z).

Mas f ′(z)/f(z) e analıtica (pois, f(z) = 0 para todo z ∈ C e limitada, portanto deve ser constante.Deste modo,

g′(z)

g(z)=

d

dzln g(z) =

g′(0)

g(0)+

N∑k=1

(1

z − zk+

1

zk

)

111

Page 113: Notas Aula 2u

e a expansao de Mittag-Leffler de g′(z)/g(z), a qual podemos integrar em z, i.e.,

ln g(z) =g′(0)

g(0)z +

N∑k=1

ln(z − zk) +N∑k=1

z

zk+ const. = ln

[Ae

g′(0)g(0)

zN∏k=1

ez/zk(z − zk)

]

g(z) = Aeg′(0)g(0)

zN∏k=1

ez/zk(z − zk),

onde A e uma constante dada por

g(0) = A

N∏k=1

(−zk).

Logo, a funcao inteira g(z) com N zeros pode ser escrita como,

g(z) = g(0)eg′(0)g(0)

zN∏k=1

ez/zk(1− z

zk

),

para zj = 0.

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Page 114: Notas Aula 2u

Referencias Bibliograficas

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[ElonLages] Elon Lages Lima, Curso de Analise, vol. 1. Projeto Euclides - IMPA, LTC Editora,Rio de Janeiro, 1989.

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[Dennery] Philippe Dennery and Andre Krzywicki, Mathematics for Physicists. Dover, Mineola N.Y., 1995.

[Barata] Joao Carlos Alves Barata, Curso de Fısica-Matematica,http://www.fma.if.usp.br/~jbarata/notas_de_aula.html.

[Churchill] R. V. Churchill, Variaveis Complexas e suas Aplicacoes McGraw-Hill, 1975.

[Ahlfors] Lars V. Ahlfors, COMPLEX ANALYSIS: an introduction to the theory of analytic func-tions of one complex variable , 2ed Ed., McGraw-Hill, 1966.

[Gradshteyn] I. S. Gradshteyn and I. M. Ryzhik, Table of Integrals, Series, and Products, 7th ed.,Academic Press, USA.

[D’Ambrosio] Ubiratan D’Ambrosio, Metodos da Topologia. Introducao e Aplicacoes, LivrosTecnicos e Cientıficos Editora S.A. Rio de Janeiro, 1977.

[Notas de Aula 0] Notas de Aula sobre Preliminares Matematicas, referentes ao [Hassani, Cap. 0].

[11] Hamilton Luiz Guidorizzi, Um Curso de Calculo, Vol. 3. 2a Ed., Livros Tecnicos e Cientıficos,Rio de Janeiro, 1990.

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