Raimundo Alves de Campos Júnior
O CONFLITO ENTRE O DIREITO DE PROPRIEDADE E O MEIO AMBIENTE E A QUESTÃO DA INDENIZAÇÃO
DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO FLORESTAL
Recife, dezembro de 2002
Raimundo Alves de Campos Júnior
O CONFLITO ENTRE O DIREITO DE PROPRIEDADE E O MEIO AMBIENTE E A QUESTÃO DA INDENIZAÇÃO
DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO FLORESTAL
Dissertação apresentada à Banca Examinadora como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Recife/Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em convênio com a Universidade Federal de Alagoas (UFAL), sob a orientação do Prof. Dr. Andreas Joachim Krell.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO – UFPE Universidade Federal de Alagoas – UFAL
Faculdade de Direito do Recife
Recife, dezembro de 2002
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Francisco Queiroz Bezerra Cavalcanti (Presidente)
Prof. Dr. George Sarmento Lins Júnior (1º Examinador)
Prof. Dr. Geraldo de Oliveira Santos Neves (2º Examinador)
AGRADECIMENTOS
A Deus, por ter me permitido estar aqui e por todas as graças alcançadas.
Aos meus pais, Raimundo e Nenita, pelo legado de amor, carinho, compreensão e perseverança.
Aos meus irmãos, Lenise, Lenilde, Lenilson e Lisiane, pela amizade, carinho e força.
A minha esposa, Sandra, e as minhas adoráveis filhas, Bruna e Rayssa, pela compreensão pelas horas roubadas do convívio familiar.
Aos meus avós, Alípio, Maria Hermínia, Lia e Perciano (in memorian), pelo exemplo de humildade, decência, honestidade e persistência.
Aos amigos Juízes Ricardo Tenório, Evilásio Filho, Francisco Antônio e Sérgio Mendonça, pelo incentivo e pelas críticas inteligentes e construtivas, que foram de grande valia para a elaboração deste trabalho.
À Professora Erinalva, pela idéia inicial na escolha do tema e pela ajuda na bibliografia.
Aos colegas Juízes Federais da Seção Judiciária de Alagoas, pelas colaborações, sugestões e incentivos prestados.
Ao Desembargador Federal, Dr. Francisco Cavalcanti, pelo incentivo à conclusão desta dissertação.
Aos servidores da Justiça Federal de Alagoas, especialmente aos da 4ª e 5ª Varas, bem como a Antônio, Inaldo, Luciana, Kennedy, Beclaute, Jamesson e Kayrene, pela amizade, colaboração no trabalho diário de prestação jurisdicional e pela gentileza em examinar o presente trabalho.
Ao Centro de Atendimento ao Juiz Federal (CAJU), especialmente às bibliotecárias Márcia, Raquel e Flávia, pela ajuda na revisão bibliográfica.
A todos os funcionários do Curso de Mestrado em Direito da UFPE e da UFAL, especialmente à Carminha, Joanita, Josi, Raquel e Rosely, pelo apoio, compreensão e simpatia constantes.
AGRADECIMENTO ESPECIAL
Agradeço ao meu orientador, Andreas Joachim Krell, pela amizade sincera, pelo
incentivo, pela paciência e ajuda indispensáveis à conclusão deste trabalho e à correção dos
rumos da pesquisa.
RESUMO
A propriedade, tal como constitucionalmente protegida, já não mais pode ser
entendida em sua concepção liberal, onde era permitido ao proprietário usar, gozar e dispor de
seu bem com amplitude ilimitada, pois já não há mais um direito individual de propriedade,
mas sim um direito a ser exercido em prol da coletividade. Pelo fato de as normas que
asseguram o direito de propriedade e o de higidez ambiental possuírem índole principiológica,
faz-se necessário o uso da Teoria dos Princípios, com a aplicação do método do
balanceamento ou de ponderação, para, sopesando os valores envolvidos, encontrar a solução
mais justa para o caso concreto, máxime porque os direitos de propriedade e de preservação
ambiental, como direitos fundamentais, possuem a mesma dignidade constitucional, um não
podendo prevalecer em relação ao outro. Infelizmente, e apesar dos avanços da doutrina, a
jurisprudência pátria ainda insiste em dar à propriedade privada a concepção mais
individualista do Estado Liberal, desconsiderando que o ponto de partida de qualquer
operação hermenêutica deve ser a Constituição e que a função social compõe os limites, as
fronteiras internas do direito de propriedade, incidindo sobre o próprio conteúdo desta, sendo,
pois, pressuposto para o reconhecimento do direito de propriedade válido, razão pela qual não
há falar em indenização de áreas criadas pelo Poder Público para a preservação ambiental,
principalmente quando não se impede, por inteiro, o uso da propriedade. O presente trabalho,
partindo da premissa de que a preservação do meio ambiente é tarefa de todos e de que
nenhum proprietário tem direito ilimitado de alterar a configuração natural de sua propriedade
sem a autorização dos órgãos públicos, vem, pois, para tentar munir a coletividade jurídica de
conceitos e esclarecimentos básicos que possam ser usados para o entendimento da nova
ordem constitucional: da proteção do meio ambiente e do atendimento da função social da
propriedade (situações plenamente harmonizáveis e imprescindíveis à sobrevivência humana
e à humanização da propriedade).
ABSTRACT
Ownership, as it is currently constitutionally protected, can no longer be understood
in its liberal conception, in which the owner was allowed to make unlimited use of his
property, for ownership is no longer an individual right, but a socially collective one.
Because the rules that assure the right to property and to a clean environment have the nature
of principles, the use of the Principle’s Theory becomes necessary to, weighing the values
involved, find the fairest solution to the presented case, mainly because ownership and
environment protection, as fundamental rights, bear the same constitutional dignity, being
impossible for one of them to prevail over the other. Unfortunately, despite doctrinary
advances in this field, our court precedents still insist in giving ownership the individualist
concept of the Liberal State, not considering that the start for any hermeneutical interpretation
must be the Constitution and that the social role of ownership is the limit, the internal
boundary of property right, reaching all its contents and being an essential condition to the
recognition of valid property rights, reason by which there can be no compensation of State
created areas to environmental conservation, mainly when the use of property by its owner is
not entirely restricted. The present research, starting with the premise that environment
conservation is a collective duty, and that no owner has unlimited right to alter the natural
configuration of his property without the consent of the proper government authorities, aims
to provide the legal community with basic concepts and ideas that can be used to a better
understanding of the new constitutional order: environmental protection and the fulfillment of
property’s social role (completely harmonizable situations and indispensable to human
survival and property humanization).
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 10
CAPÍTULO I: OS DIREITOS FUNDAMENTAIS ......................................... 13 1.1 As gerações dos direitos fundamentais ............................................................... 13 1.2 Os direitos fundamentais nas Constituições brasileiras ...................................... 16 1.3 Pontos controvertidos na doutrina dos direitos fundamentais ............................ 18 1.4 O problema da eficácia dos direitos fundamentais ............................................. 20
CAPÍTULO II: O PROBLEMA DA COLISÃO ENTRE DIREITOS
FUNDAMENTAIS ............................................................................................ 27 2.1 Princípios e regras ............................................................................................... 27 2.2 Critérios de distinção entre regras e princípios .................................................. 29 2.3 O papel constitucional dos princípios .................................................................. 33 2.4 O princípio da dignidade da pessoa humana ....................................................... 34 2.5 O significado do princípio da proporcionalidade para os direitos fundamentais 37 2.6 A proporcionalidade e as leis restritivas de direitos ............................................. 40 2.7 Resolução do conflito entre os direitos fundamentais ......................................... 41
CAPÍTULO III: O DIREITO DE PROPRIEDADE ........................................ 45
3.1 Fundamentos filosófico-jurídicos da propriedade .............................................. 45 3.2 A propriedade como categoria de direito subjetivo: a teoria individualista da propriedade ........................................................................................................ 51 3.3 A teoria social da propriedade ............................................................................ 54 3.4 A propriedade nas Constituições brasileiras ....................................................... 56 3.5 O princípio da função social da propriedade ...................................................... 59 3.6 Princípio da função social da propriedade e as regras constitucionais
programáticas ......................................................................................................... 63
CAPÍTULO IV: O MEIO AMBIENTE COMO OBJETO DE DIREITO .... 66 4.1 O Direito Ambiental ............................................................................................ 66 4.2 Características do Direito Ambiental .................................................................. 69 4.3 Princípios constitucionais de proteção ao meio ambiente ................................... 71
4.3.1 Princípio do direito humano fundamental ..................................................... 71 4.3.2 Princípio da supremacia do interesse público na proteção do meio ambiente em relação aos interesses privados ...................................................................... 72 4.3.3 Princípio da indisponibilidade do interesse público na proteção do meio ambiente ............................................................................................................ 73 4.3.4 Princípio da obrigatoriedade da intervenção estatal ...................................... 73 4.3.5 Princípio da prevenção .................................................................................. 74 4.3.6 Princípio da proteção da biodiversidade ........................................................ 74 4.3.7 Princípio da defesa do meio ambiente ........................................................... 75 4.3.8 Princípio da responsabilização pelo dano material ........................................ 75 4.3.9 Princípio da exigibilidade do estudo prévio de impacto ambiental ............... 75 4.3.10 Princípio da educação ambiental ................................................................. 76 4.3.11 Princípio do desenvolvimento sustentável .................................................. 76
4.4 Desenvolvimento econômico e meio ambiente ................................................... 76 4.5 Natureza do meio ambiente como direito indivisível .......................................... 77
CAPÍTULO V: PROPRIEDADE versus MEIO AMBIENTE ...................... 81 5.1 Propriedade versus higidez ambiental: categorias de direitos fundamentais ...... 81 5.2 Relação entre os princípios da função social da propriedade e da proteção do meio ambiente na Constituição de 1988 ................................................................ 82 5.3 Resolução do conflito entre os direitos fundamentais de propriedade e de preservação do meio ambiente ............................................................................... 85
CAPÍTULO VI: FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E LIMITAÇÕES ................................................................................................. 90
6.1 Propriedade: limitações e restrições ................................................................... 90 6.2 Limites internos e externos da propriedade ........................................................ 93 6.3 Poder de polícia e função social da propriedade ................................................ 97
CAPÍTULO VII: AS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL E O PROBLEMA DA INDENIZAÇÃO DAS PROPRIEDADES PRIVADAS ..................................................................................................... 101
7.1 A obrigação de preservar o meio ambiente e o direito de propriedade: cabimento ou não da indenização .......................................................................... 101 7.2 Desapropriação indireta e indenização ............................................................... 102 7.3 Instrumentos de preservação ambiental .............................................................. 104
7.3.1 As Áreas de Preservação Permanente .......................................................... 104 7.3.2 As Reservas Florestais Legais ...................................................................... 106
7.4 O problema da indenização das Áreas de Preservação Permanente e das Reservas Florestais Legais ..................................................................................................... 108 7.5 Pressupostos para a indenização de áreas de interesse ambiental ...................... 112
CAPÍTULO VIII: ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA ................................ 115
8.1 Lixo industrial ................................................................................................... 115 8.2 Loteamentos irregulares ..................................................................................... 115 8.3 Degradação do meio ambiente versus licença ambiental ................................... 116 8.4 Invasão dos sem-terra versus área de preservação nacional ............................... 117 8.5 Áreas de preservação permanente (reservas ou estações ecológicas), reservas florestais legais e direito de propriedade ............................................................... 119 8.6 Parques nacionais e estaduais versus direito de propriedade .............................. 121 8.7 Síntese da jurisprudência brasileira sobre indenização das áreas de preservação ambiental ............................................................................................................... 122
CONCLUSÕES ................................................................................................... 126 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 135
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ac. acórdão ADC ação direta de constitucionalidade ADIn ação direta de inconstitucionalidade art. artigo BverGE Entscheidungen des Busdesverfassungsgerichts (Decisões do Tribunal
Constitucional Federal alemão) c/c combinado com CC Código Civil (Lei nº 3.071/16) CDC Código de Defesa do Consumidor CF/88 Constituição Federal de 1988 cf. conforme cit. citado(a) CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente Coord. coordenador CP Código Penal CPC Código de Processo Civil CPP Código de Processo Penal Dec. Decreto Des. Desembargador DJU Diário da Justiça da União DOE Diário Oficial do Estado DOU Diário Oficial da União EC Emenda Constitucional ECO/92 Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento, realizada no Brasil (Rio de Janeiro), em 1992 ed. edição em. ementa IBAMA Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais Renováveis ibid. mesma obra e mesmo autor j. julgado em LICC Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei nº 4.657, de 04/09/42) MP Ministério Público Med. Prov. Medida Provisória Min. Ministro MS Mandado de Segurança nº número (por vezes também n.) OAB Ordem dos Advogados do Brasil ob. obra obs. observação op. cit. obra já citada anteriormente ONGs Organizações Não-Governamentais ONU Organização das Nações Unidas Org. organizador p. página par ou § parágrafo p. ex. por exemplo
PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente RDA Revista de Direito Administrativo RDP Revista de Direito Público RE Recurso Extraordinário Rel. Relator RF Revista Forense Rep. Repositório RePro Revista de Processo REsp Recurso Especial RJTJESP Revista do Tribunal de Justiça do Espírito Santo RT Revista dos Tribunais s.d. sem data s.e. sem editor segs. seguintes sic de acordo como que foi escrito s.l. sem local s.n. sem número ss. seguintes STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça T. Turma t. tomo TASP Tribunal de Alçada de São Paulo TFR Tribunal Federal de Recursos TJ Tribunal de Justiça TJ-SP Tribunal de Justiça de São Paulo trad. Tradução UICN União Internacional para Conservação da Natureza un. unânime v. ver; veja; volume v.g. verbi gratia (por exemplo) v.u. votação unânime
10
INTRODUÇÃO
O homem, como ser social, vivendo na sociedade contemporânea, é regido, em suas
relações, por uma série de normas e princípios que visam protegê-lo e garantir-lhe um
determinado número de direitos. Dentre os direitos encontramos uma determinada categoria
que se constitui nos direitos essenciais, os direitos fundamentais, que têm por escopo tutelar a
pessoa humana, protegendo-a de todo e qualquer ataque contra ela deflagrado.
Como valores precípuos plasmados em uma Constituição, os direitos fundamentais
traduzem, pois, as concepções filosófico-jurídicas aceitas por uma determinada sociedade, em
um certo momento histórico.1 Estes valores basilares do Estado são, ao mesmo tempo, fins
dessa sociedade e direitos dos seus indivíduos.
Nos primórdios, a concepção da propriedade era tida como direito natural coletivo,
no qual todos tinham o direito de possuí-la. Não tinha, assim, qualquer valor econômico
individual. Porém, com o passar dos tempos, a propriedade começou a despertar os interesses
dos homens, que se aperceberam do aspecto econômico e absorveram a idéia de que a
propriedade representava poder e riqueza. A busca desse status contribuiu sobremaneira para
revelação do egoísmo e insensatez da natureza humana, como também para formação das
distintas classes sociais. Enquanto o direito de propriedade era exercido de maneira coletiva,
não havia qualquer espécie de preocupação nesse sentido. No momento em que passou a
denotar privilégio para alguns e representar instrumento de opressão para outros, eclodem os
primeiros conflitos de interesses, sendo necessária a adoção de medidas disciplinadoras para o
uso do instituto, máxime quando o mundo hodierno se debate com o problema da escassez
dos recursos naturais, pelo uso abusivo da propriedade privada, que são indispensáveis à
sobrevivência e existência digna dos seres humanos.
Com a tomada de consciência de que os recursos naturais existentes no mundo não
são perenes, aliada à elevação do direito ao meio ambiente sadio como direito fundamental de
todo ser humano, surgiu a idéia de que o desenvolvimento econômico deveria
necessariamente estar condicionado à preservação do meio ambiente, eis que fundamental
para a própria sobrevivência humana. O desenvolvimento sustentável é, indiscutivelmente, a
1 A propósito do assunto, recomenda-se a obra de BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson
Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. No mesmo sentido, entre nós, COMPARATO, Fábio Konder. Os problemas fundamentais da sociedade brasileira e os direitos humanos. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DA OAB, 12., 1998, Porto Alegre. Anais ... Porto Alegre: OAB, Conselho Federal, 1998.
11
maior preocupação da sociedade moderna e tem sido palco de grandes restrições àquele
ultrapassado conceito de direito de propriedade privada advindo da filosofia liberal.
Se antes as restrições ao direito de propriedade se limitavam às de vizinhança, hoje
elas representam um papel social e ecológico muito mais importante, pois, hodiernamente, o
atendimento simultâneo da função social e da preservação do meio ambiente é indispensável à
existência e validade do direito de propriedade privada. É por esse motivo que a Teoria dos
Princípios, através da aplicação do método de balanceamento dos valores envolvidos, é
imprescindível para a solução dos conflitos entre direitos fundamentais de igual dignidade
constitucional: o direito de propriedade e o direito que todos têm ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
O Código Florestal (de 1965), antecipando-se ao constituinte de 1988, já afirmava,
em seu artigo 1º (caput), que as florestas existentes no território nacional e as demais formas
de vegetação são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os
direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral — e especialmente o
Código Florestal — estabelecem. Vê-se, assim, que o proprietário, mesmo nos estritos limites
de seu imóvel, não tem total e absoluta disposição da flora, só podendo utilizá-la na forma e
com os limites estabelecidos pelo legislador. Sem serem proprietários, todos os habitantes do
País — é o que declara a lei — têm um interesse legítimo no destino das florestas nacionais,
privadas ou públicas, vez que imprescindíveis à sobrevivência das futuras gerações.
Imbuído das premissas acima e tendo como ponto de partida a Constituição Federal,
que enalteceu a função sócio-ambiental da propriedade, procurar-se-á mostrar aqui que o
Poder Público — em regra — não tem de indenizar pela instituição de Áreas de Preservação
Permanente e de Reservas Florestais Legais, áreas destinadas à proteção e higidez ambiental.
E tal se dá, como se demonstrará neste trabalho, porque tais espaços protegidos fazem parte
da configuração intrínseca do direito de propriedade, pois são áreas que, por caracterizarem o
aspecto ambiental da função social da propriedade, não podem ser consideradas isoladamente,
destacadas da propriedade em si. As Áreas de Preservação Permanente e as Reservas
Florestais Legais não são limitações administrativas, mas, antes disso, constituem o próprio
direito de propriedade, daí só estarem sujeitas à indenização se se comprovar que a sua
instituição inviabilizará completamente a exploração econômica do imóvel. Em outras
palavras: não caberá indenização se for possível a realização de qualquer outra atividade
econômica no local.
12
Nossos órgãos jurisdicionais, lamentavelmente, talvez por desconsiderarem conceitos
básicos de Direito Administrativo, Ambiental e Constitucional, não têm interpretado
escorreitamente a mensagem insculpida pelo constituinte quando insistem em conceder
indenizações aos proprietários de áreas destinadas à preservação ambiental. Olvidam nossos
tribunais que não há qualquer prevalência entre o direito individual à propriedade privada e o
direito à higidez ambiental — ambos elevados à insígnia de direito fundamental e de igual
dignidade constitucional — e que não é razoável atribuir-se à propriedade a ultrapassada
concepção individual e paternalista do sistema liberal,2 quando o direito moderno pugna por
uma revisão dos conceitos da propriedade privada e do papel que sua função social tem no
mundo jurídico.
E é com o fito de contribuir um pouco mais para o estudo do intrigante tema que
envolve o conflito entre o direito de propriedade e o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado que este trabalho foi desenvolvido. Entretanto, sem desejar ser a solução
definitiva para todos os casos de colisão entre tais direitos fundamentais, aqui o objetivo é
desenvolver subsídios para uma melhor compreensão dos conceitos e dos princípios que
envolvem a matéria, tudo com o propósito de munir o operador do Direito com o instrumental
necessário à nova ordem constitucional: a de que a proteção do meio ambiente, a preservação
da propriedade privada e o atendimento da função social da mesma são situações plenamente
harmonizáveis e indispensáveis à humanização da propriedade e ao equilíbrio dos
ecossistemas.
2 Fato que serve para comprovar o conservadorismo ainda reinante em nossos Tribunais.
13
CAPÍTULO I
OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
SUMÁRIO: 1.1 As gerações dos direitos fundamentais. 1.2 Os direitos fundamentais nas Constituições brasileiras. 1.3 Pontos controvertidos na doutrina dos direitos fundamentais. 1.4 O problema da eficácia dos direitos fundamentais.
1.1 As gerações dos direitos fundamentais
A história dos direitos do homem é a história de sua luta pela limitação do poder.
O regime democrático firmado no Ocidente, poder de emanação popular, voltado
para o povo e em sua razão exercido, nasce com a proclamação de direitos básicos a todos os
homens assegurados.
O reconhecimento desses direitos em declarações explícitas (Declaração da
Independência dos Estados Unidos da América, de 04/07/1776, de autoria de Thomas
Jefferson; Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, adotada pela Assembléia
Constituinte Francesa em 1789, dentre outras) condicionou diretamente o nascimento de
quase todas as Constituições escritas dos Estados Democráticos de Direito ocidentais.3
As conquistas históricas dos direitos dos homens aperfeiçoam-se nas denominadas
gerações de direitos fundamentais.4
As primeiras declarações se caracterizavam pela conotação individualista dos direitos
fundamentais, porque o Estado então estruturado era Liberal de Direito, pelo que os interesses
individuais e o individualismo predominavam sobre todas as formas de organização e o
direito não se ausentava desta natureza com que se geravam as idéias, as instituições e as suas
práticas, daí os direitos fundamentais referentes à vida, à liberdade individual, à segurança, à
3 Coube aos autores da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, em 1776, a expressão
primeira desses direitos básicos, posteriormente (já no século XX) divulgados com a alcunha de direitos humanos. E aos revolucionários franceses, com o caráter cosmopolita dominante dos seus atos políticos, a proclamação desses direitos em elenco que se divulgou e se fez fonte de sua adoção nos sistemas jurídicos e nas organizações políticas que a partir de então se estabeleceram. Vale ressaltar, contudo, que, “a despeito do dissídio doutrinário sobre a paternidade dos direitos fundamentais, disputada entre a Declaração de Direitos do povo da Virgínia, de 1776, e a Declaração Francesa, de 1789, é a primeira que marca a transição dos direitos de liberdade legais ingleses para os direitos fundamentais constitucionais”. SARLET, Ingo. A eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 46.
4 Alguns juristas, por entenderem que falar em gerações dos direitos fundamentais pode levar ao cometimento de erro de pensar que tais direitos se substituem à medida que surge uma nova geração, preferem falar em dimensões dos direitos fundamentais. SARLET, 2001b, op. cit., p. 49.
14
igualdade e à propriedade terem sido considerados, no curso do século XX, denominados de
primeira geração.
A constatação de que a dicção jurídica declaratória dos direitos fundamentais era
necessária, embora não suficiente, e de que o próprio elenco daqueles que se haviam
declarado anteriormente ampliava-se nas novas conquistas sociais, conduziu a outros
movimentos que levaram a novas formulações jurídicas, razão pela qual surgem os direitos
sociais, culturais e econômicos, bem como os direitos coletivos, direitos estes tidos como de
segunda geração, que acresceram e redimensionaram o sentido daqueles que compunham os
de primeira geração.
Os direitos fundamentais de segunda geração nasceram intrinsecamente ligados ao
princípio da igualdade. Tais direitos fecundaram a justiça social e o bem-estar social passou a
ser buscado pelo próprio Estado (o Estado fez-se Social de Direito). É por este motivo que a
nota distintiva destes direitos é a sua dimensão positiva, uma vez que se cuida não mais de
evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual, mas, sim, nas palavras de
Lafer, de propiciar um “direito de participar do bem-estar social”.5
Se os homens souberam definir os direitos sociais em documentos jurídico-
normativos, não tiveram o mesmo cuidado de elaborar a normatividade necessária para que os
mesmos alcançassem a plena efetividade, fazendo surgir, de conseqüência, a teoria da norma
programática,6 espécie de limbo constitucional, no qual permaneciam as normas contenedoras
de expressões de direitos para as quais a impositividade do cumprimento ficava a depender de
providências supervenientes, sem limite temporal para a sua adoção e sem sanção específica
para o seu não-cumprimento.
Se a liberdade (especialmente a individual) marcou a primeira fase dos direitos
fundamentais, dominando a própria concepção dos direitos de primeira geração, e a igualdade
jurídica é o ponto característico dos direitos de segunda geração, os direitos fundamentais de
terceira geração surgem como emanações de uma justiça social universal, em resposta ao
fenômeno denominado de poluição das liberdades, que caracteriza o processo de erosão e
5 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 127. 6 A crítica maior que se faz às chamadas normas programáticas é justamente a de que pairariam em certo limbo
jurídico, sem aptidão para regerem situações da vida concreta. Tecnicamente, sequer poderiam ser tidas como fontes do direito, dado não criarem, enquanto não completadas por lei, direito subjetivo ou pretensão material em favor de qualquer titular. Não teriam, destarte, qualquer eficácia — aptidão para incidência e aplicação concretas —, seja formal, seja material, já que apenas indicariam planos ou programas de atuação governamental — ou, às vezes, por parte da sociedade, servindo para direcionar o futuro desenvolvimento jurídico.
15
degradação sofrido pelos direitos e liberdades fundamentais, principalmente em face de novas
tecnologias.7
A nota distintiva dos direitos da terceira geração, também denominados de direitos
de fraternidade ou de solidariedade, reside basicamente no fato de se desprenderem, em
princípio, da figura do homem-indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos
humanos (família, povo, nação, etc.), caracterizando-se, conseqüentemente, como direitos de
titularidade coletiva ou difusa.
A solidariedade social juridicamente concebida e exigida enaltece o
constitucionalismo e dá nova interpretação ao princípio da dignidade humana. Como direitos
fundamentais da solidariedade social constitucionalmente positivada, foram reconhecidos os
direitos ao desenvolvimento, a um ambiente saudável e equilibrado, a uma saudável qualidade
de vida, ao progresso, à paz, à autodeterminação dos povos, à informação e ao patrimônio
comum da humanidade.8 Os direitos de terceira geração foram aqueles contemplados,
inicialmente, na Carta de Banjul.9
No Brasil, Bonavides defende a existência de uma quarta geração de direitos, que
compreenderia, segundo ele, “o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao
pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de
máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações
de convivência”.10
7 PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos humanos y constitucionalismo en el tercer milenio. Madrid:
Marcial Pons, Ediciones Juridicas y Sociales, 1996, p. 14. 8 Segundo Carmen Rocha, coube a Karel Vasak, Diretor do Departamento Jurídico da UNESCO para a Defesa
dos Direitos do Homem e da Paz, a reflexão sobre esses novos princípios, contribuindo para a reflexão sobre essa terceira geração de direitos. ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. O constitucionalismo contemporâneo e a instrumentalização para a eficácia dos direitos fundamentais. Revista CEJ, Brasília, v. 1, n. 3, set./dez. 1997, p. 81.
9 A Carta de Banjul expressa, em seu art. 22.1, que: “1. Todos os povos têm direito ao desenvolvimento econômico, social e cultural, compatível com o respeito adequado de sua liberdade e de sua identidade, assim como a uma participação igual no patrimônio comum da humanidade; 2. Os Estados são obrigados a garantir, individual ou coletivamente, o exercício do direito ao desenvolvimento”. Já no art. 23.1 assevera que “todos os povos têm direito à paz nacional e internacional. As relações entre os Estados são presididas pelos princípios da solidariedade e amizade que foram afirmados implicitamente pela Carta da ONU”. E, por fim, em seu art. 24 preleciona que “todos os povos têm direito a um meio ambiente que seja ao mesmo tempo satisfatório e favorável para o seu desenvolvimento”.
10 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 525. Segundo o mestre brasileiro, “os direitos da quarta geração não somente culminam a objetividade dos direitos das duas gerações antecedentes, como absorvem – sem, todavia, removê-la – a subjetividade dos direitos individuais, a saber, os direitos da primeira geração. Tais direitos sobrevivem, e não apenas sobrevivem, senão que ficam opulentados em sua dimensão principal, objetiva e axiológica, podendo, doravante, irradiar-se com a mais sabida eficácia normativa a todos os direitos da sociedade e do ordenamento jurídico”. Ibid., p. 525.
16
1.2 Os direitos fundamentais nas Constituições brasileiras
Da Constituição de 1824, que quase consignou os direitos individuais integralmente,
passando às demais Constituições, até a Carta de 1988, vemos o constitucionalismo brasileiro
prodigioso em notável técnica e pioneirismo quanto aos direitos e garantias individuais, tendo
sido o primeiro Estado a inserir no texto de uma Constituição uma declaração de direitos.
Com efeito, a Constituição do Império do Brasil de 1824 foi a primeira a introduzir a
declaração de direitos fundamentais individuais em suas normas, como parte nuclear do
sistema nela positivado.11 E tanto isso é verdade que, fazendo explanações sobre o texto
constitucional imperial, lecionava Pimenta Bueno que
os principais direitos individuais são, como o art. 179 da Constituição e seus parágrafos reconhecem, os de liberdade, igualdade, propriedade e segurança, mas não só cada um deles se divide em diversos ramos, mas também eles se combinam entre si, e formam outros direitos igualmente essenciais.12
A Constituição de 1891 estabeleceu, em título relativo aos cidadãos brasileiros, uma
Declaração de Direitos, que estendia por trinta e um incisos (art. 72), a garantia da
“inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à
propriedade”.
Basicamente, a declaração de direitos na Constituição de 1891 contém só os
chamados direitos e garantias individuais, metodologia esta que fora modificada a partir da
Constituição de 1934, que guardou a condição de ter sido a primeira a cuidar de direitos
sociais (direitos dos trabalhadores, dos servidores públicos), ainda que de maneira pouco
eficaz.13
A Constituição de 1937, ditatorial na forma, no conteúdo e na aplicação, com
integral desrespeito ao homem, não dedicava qualquer palavra aos direitos fundamentais. E
isso porque Ditadura não rima com Direito, menos ainda com Constituição.
11 Não obstante haja referência em algumas obras de direito constitucional quanto a ter sido a Constituição suíça
a primeira a integrar-se por normas declaratórias de direitos fundamentais em seu texto, tal Carta Política, entretanto, datava de 1835, enquanto o texto constitucional do Império do Brasil é de 1824.
12 PIMENTA BUENO, José Antônio. Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império. Rio de Janeiro: Ministério da Justiça e Negócios Interiores, 1958, p. 381.
13 A Constituição de 1934 reconheceu ainda a inviolabilidade aos direitos à subsistência, elevando, por conseguinte, também estes direitos à condição de fundamentais.
17
A Carta de 1946 busca o resgate do constitucionalismo perdido em 1937, tentando
recompor, no que diz respeito aos direitos fundamentais, o modelo acolhido na Constituição
de 1934. Sob a égide desta Lei Maior, o Brasil viveu talvez um de seus únicos períodos de
ensaios de uma democracia.14 Mesmo com as turbulências sociais, políticas e econômicas que
dominaram a década de 50, a sociedade floresceu cultural, social e juridicamente nessa fase.
O golpe de estado de 1964 veio liquidar com a fase constitucional estabelecida em
1946, determinando o comprometimento dos direitos humanos. Os direitos fundamentais são
simplesmente rechaçados, chegando-se ao extremo com o advento do Ato Institucional nº 5,
que suspende os direitos e garantias individuais e torna todos os cidadãos vulneráveis à ação
do Estado. Nessa época, não há de se falar em Estado de Direito, menos ainda em Democracia
ou em direitos fundamentais.
A Constituição de 1988, por sua vez, inaugurou uma fase do constitucionalismo
brasileiro que não encontrou paralelo no quanto anteriormente experimentado social e
politicamente. Tal Carta, diferentemente das sete Constituições anteriores, começa com o
homem, foi escrita para o homem e o homem é seu fim e sua esperança (é por este motivo que
foi denominada, por Ulysses Guimarães, de Constituição Cidadã).
A Carta Magna de 1988, coroando toda a evolução por que passaram os direitos
fundamentais, em considerável complexidade, passa a ostentar o arcabouço normativo mais
complexo e prolífico de direitos e garantias do homem,15 nunca antes visto.
14 Aqui não se incluiu, expressamente, no artigo destinado aos direitos e garantias individuais (art. 141, caput), o
direito à subsistência. Em seu lugar, inseriu-se o direito à vida. O direito à subsistência se achava inscrito no parágrafo único do artigo 145 da Carta de 1946, onde se assegurava a todos trabalho que possibilitasse existência digna. O direito à vida também foi consignado na Constituição de 1967 (art. 151) e em sua Emenda 1/69 (art. 153), que igualmente cuidaram de assegurar os direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade.
15 A distinção entre direitos e garantias foi muito bem esclarecida por Ruy Barbosa, que asseverou que as normas contenedoras de direitos são meramente declaratórias, enquanto aquelas referentes às garantias são assecuratórias. Estas instrumentalizam a justicialidade quando houver violação de direitos. BARBOSA, Ruy. República: teoria e prática. Petrópolis: Vozes, 1978, p. 124. Com bastante propriedade, ensina Ruy Barbosa que: “Não se encontrará, na Constituição, parte, ou cláusula especial, que nos esclareça quanto ao alcance da locução ‘garantias constitucionaes’. Mas a acepção é óbvia, desde que separemos, no texto da lei fundamental, as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquellas instituem os direitos; estas, as garantias; ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia, com a declaração do direito” (sic.). BARBOSA, Ruy. Comentários à Constituição Federal Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1934, v. 5, p. 181. A confusão que se faz entre direitos e garantias, ensina o referido autor, “desvia-se sensivelmente do rigor científico, que deve presidir à interpretação dos textos, e adultera o sentido natural das palavras”, pois direito é a faculdade “reconhecida, natural ou legal, de praticar, ou não praticar certos atos”, enquanto que garantia, ou segurança de um direito, é o “requisito de legalidade, que o defende contra a ameaça de certas classes de atentados, de ocorrência mais ou menos fácil”. BARBOSA, Ruy. Trabalhos jurídicos: obras seletas. Rio de Janeiro: Casa de Ruy Barbosa, 1962, v. 11, p. 130.
18
Com normas estabelecendo um sistema tão completo de direitos e garantias do
homem e do cidadão é de se estranhar que os direitos fundamentais no Brasil ainda não
tenham alcançado a eficácia e a efetividade preconizadas pelo Texto Maior. Afinal, não basta
a simples existência da Constituição, pois é necessário que cada cidadão seja ativo e
participativo a torná-la viva e respeitada. O Brasil não carece de Constituição, mas tem
enorme carência de cidadania.16 E, talvez por isso, é de ressaltar o magnífico papel que vêm
desempenhando as Organizações Não-Governamentais – ONGs, que, ao denunciarem
violações dos direitos humanos, ao trabalharem na construção dos direitos de cidadania e ao
atuarem no desenvolvimento de práticas de intervenção social, contribuem sensivelmente
para a tomada de consciência dos direitos humanos, indispensável à elevação do princípio da
dignidade da pessoa humana e à manutenção do Estado Democrático de Direito.
1.3 Pontos controvertidos na doutrina dos direitos fundamentais
Com precisão, observou Ferreira Filho que
a Carta de 1988 explicita numerosíssimos direitos fundamentais, muitíssimo mais do que as anteriores e mesmo que as estrangeiras. Basta lembrar que se a Constituição alemã enuncia cerca de vinte e poucos direitos fundamentais e o art. 153 da Emenda nº 1/69 arrolava cerca de trinta e cinco direitos e garantias e o art. 5º da atual enumera pelo menos setenta e seis, afora os oito do art. 6º, afora os que se depreendem do art. 150, afora o direito ao meio ambiente (art. 225), o direito à comunicação social (art. 220), portanto, no mínimo oitenta e seis e provavelmente uma centena, se considerar que vários dos itens do art. 5º consagram mais de um direito ou garantia. Quer dizer, três vezes mais do que o texto brasileiro anterior, cinco vezes mais do que a declaração alemã. Há, portanto, na Carta vigente, uma inflação de direitos fundamentais.17
No constitucionalismo contemporâneo, o problema da inflação dos direitos
fundamentais tem causado preocupação. Alston,18 chamando a atenção para o problema,
assinala a tendência da ONU e de outros corpos internacionais de proclamarem, a todo
momento, novos19 direitos fundamentais, sem critério objetivo algum.
16 Ver, a esse respeito, a obra de ARAÚJO FILHO, Evilásio Correia de. Cidadania e legitimação do Judiciário:
censuras e avanços. Curitiba: Juruá, 2001. 17 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Os direitos fundamentais: problemas jurídicos, particularmente em
face da Constituição Brasileira de 1988. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 203, jan./mar. 1996, p. 4.
18 ALSTON, Philip. Conjuring up new human rights: a proposal for quality control. American Journal of International Law, v. 78, n. 3, 1984, p. 607 e ss.
19 O referido autor registra novos direitos em vias de serem solenemente declarados fundamentais, a saber: direito ao turismo, direito ao sono, direito de não ser sujeito a trabalho aborrecido, etc.
19
Para não banalizar os direitos fundamentais, Alston20 indica seis critérios para que
um direito possa ser admitido como fundamental. A seu ver, um direito para ser admitido
como tal deve: a) refletir um importante valor social; b) ser relevante (o que é óbvio); c) ser
elegível para reconhecimento com base numa interpretação das obrigações estipuladas na
Carta das Nações Unidas, numa reflexão a propósito de normas jurídicas costumeiras, ou nos
princípios gerais de direito; d) ser consistente com o sistema existente de direito internacional
relativo aos direitos humanos, e não meramente repetitivo; e) ser capaz de alcançar um alto
nível de consenso internacional; f) ser compatível, ou ao menos não claramente incompatível,
com a prática comum dos Estados.
Não bastassem os requisitos anteriormente mencionados, que serviriam, segundo o
autor acima, para o reconhecimento válido da qualidade de um determinado direito como
direito fundamental, Pelloux ainda entende que os direitos de solidariedade são falsos
direitos,21 eis que tais direitos pouco ou nada têm a ver com a noção de direitos humanos,
resultante de séculos de reflexão filosófica e jurídica, salientando, para corroborar sua
afirmação, entre outros aspectos, o problema da incoercibilidade dos mesmos, além da
diversidade de estrutura dos direitos aí incluídos, uns atribuídos a titular individual, mas
outros, a maioria, a titulares imprecisos – povos, humanidade, coletividade, etc.
Para Ferreira Filho,22 as observações de Pelloux parecem razoáveis, por várias
razões. Primeiro, porque, na noção clássica, os direitos fundamentais estão ligados a atributos
da pessoa humana, o que não ocorre com os direitos de solidariedade; segundo, porque o
objeto dos direitos clássicos é um interesse individual, ao passo que nos de terceira geração
esse interesse é coletivo; e terceiro, porque, quanto aos direitos tradicionais, o sistema jurídico
interno formula os meios de fazê-los coercíveis, prevendo remédios constitucionais para tanto,
o que não acontece com os direitos de solidariedade, pois grande parte deles se situa na esfera
do direito internacional e assim não encontram instrumentos jurídicos de imposição no plano
interno.
A multiplicação dos direitos ditos fundamentais suscita ainda uma outra importante
dúvida: a de saber se existe ou não uma hierarquia entre os direitos fundamentais. Para
Ferreira Filho, “do exame do art. 5º da Constituição brasileira resulta visível a existência de
várias constelações de direitos fundamentais. Ou seja, declaram-se, em torno de um direito
20 Ibid., p. 609. 21 PELLOUX, Robert. Vrais et faux droits de l´homme. Revue du Droit Public et de la Science Politique em
France et à l´étranger, Paris, n. 1, 1981, p. 53 e ss. 22 FERREIRA FILHO, 1996, op. cit., p. 6.
20
fundamental – diga-se ‘principal’ – vários outros que são como que seus ‘satélites’”.23 Para
este autor há direitos principais e direitos secundários e que os verdadeiros direitos
fundamentais são os principais,24 não passando os outros (direitos satélites) de garantias.25
Em que pese a autoridade do jurista que defende a assertiva acima, não há como
prosperar a tese de que existe hierarquia entre os direitos fundamentais. E tal se dá porque não
há qualquer hierarquia entre tais direitos, que possuem igual dignidade constitucional.26
Outro ponto bastante controvertido na doutrina dos direitos fundamentais é o
conteúdo e alcance do disposto no art. 60, § 4º, inciso IV, da CF/88, que afirma não poder ser
objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias
individuais.
Para alguns autores, a expressão direitos e garantias individuais abrange somente as
liberdades clássicas (os tradicionais direitos de liberdade e igualdade, também denominados
de direitos-defesa), ou seja, para eles somente os direitos individuais clássicos é que não
poderiam ser abolidos pela revisão. O mesmo não ocorreria com os direitos sociais. Essa,
contudo, não é a melhor exegese. É que a Constituição em vigor, incontestavelmente uma
Constituição Social, reconhece os direitos sociais como direitos fundamentais e, assim,
também estes não poderiam ser abolidos através de emendas.
1.4 O problema da eficácia dos direitos fundamentais
Antes de se adentrar no mérito do problema, necessário é trazer à baila algumas
considerações de ordem terminológica e conceitual.
Afonso da Silva distingue a vigência (qualidade da norma que a faz existir
juridicamente, após regular promulgação e publicação, tornando-se de observância
23 FERREIRA FILHO, 1996, op. cit., p. 6-7. 24 Para o consagrado constitucionalista, os direitos principais seriam o direito à vida, à liberdade, à igualdade e à
propriedade, tudo o mais não passando de complementações ou garantias. 25 A distinção entre direitos e garantias foi muito bem formulada por Ruy Barbosa (vide nota 15). Entretanto, só
a título de esclarecimento, vale ressaltar que o termo garantia é empregado em, pelo menos, três sentidos diferentes pelos juristas brasileiros. No primeiro deles, o mais amplo, garantias constitucionais equivalem a freios e contrapesos, ou seja, o arranjo constitucional destinado a impedir o abuso do poder – é Ruy Barbosa quem o registra. BARBOSA, Ruy. Comentários à Constituição Brasileira. Coord. Homero Pires. São Paulo: Saraiva, 1932-1934, v. 6, p. 278 e ss. Noutro, mais restrito, as garantias são a proteção específica de um direito fundamental. No terceiro, garantias constitucionais equivalem a remédios constitucionais, isto é, ações — judiciais — por meio das quais se procura a tutela judiciária de um direito: habeas corpus, mandado de segurança, etc.
26 Será dispensada maior atenção a este problema, em capítulo próprio, adiante.
21
obrigatória) da eficácia.27 Além disso, ainda que se possa partir da premissa de que entre
vigência e eficácia (a primeira como pressuposto da segunda) existe uma correlação dialética
de complementaridade,28 é preciso esclarecer o que se entende por eficácia. De acordo com a
concepção já clássica deste constitucionalista brasileiro, há que distinguir entre a eficácia
social da norma (sua real obediência e aplicação aos fatos) e a eficácia jurídica, noção que
designa a qualidade de produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos, ao regular, desde logo, as situações, relações e comportamentos nela indicados; nesse sentido, a eficácia diz respeito à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicação jurídica. Possibilidade e não efetividade.29
Tomando como base a noção anteriormente referida, a eficácia social confunde-se
com a efetividade da norma. Para Barroso, “a efetividade significa, portanto, a realização do
Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no
mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível,
entre o dever ser normativo e o ser da realidade social”.30 Já no que tange à relação entre a
eficácia jurídica e a aplicabilidade, necessário se faz trazer à baila mais uma vez a lição de
Afonso da Silva para consignar que eficácia e aplicabilidade são fenômenos conexos, já que a
eficácia é encarada como potencialidade (a possibilidade de gerar efeitos jurídicos) e a
aplicabilidade, como realizabilidade,31 razão pela qual eficácia e aplicabilidade podem ser
tidas como as duas faces da mesma moeda, na medida em que apenas a norma vigente será
eficaz (no sentido jurídico) por ser aplicável e na medida de sua aplicabilidade.
Vê-se, pois, que o problema da eficácia engloba a eficácia jurídica (e, portanto, a
aplicabilidade) e a eficácia social. Ambas, inobstante situadas em planos distintos (o do dever-
ser e o do ser), servem à realização integral do direito e, nesta linha de raciocínio, dos direitos
fundamentais. As normas constitucionais de direitos fundamentais são, nos exatos termos do
direito positivo constitucional brasileiro, de aplicação imediata. Tal assertiva, contudo, não
pode ser posta de forma tão singela, dado que a própria Constituição, por conta da formulação
em que se têm esses direitos, revela peculiaridades que hão de ser observadas pelo intérprete
constitucional. 27 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1982, p. 42. 28 Esta é a lição de DINIZ, Maria Helena. Constituição de 1988: legitimidade, vigência e eficácia. Supremacia.
São Paulo: Atlas, 1989, p. 67. 29 SILVA, 1982, op. cit., p. 55-56. 30 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 3. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 1996, p. 83. 31 SILVA, 1982, op. cit., p. 49-50.
22
A aplicação imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais,
expressa no § 1º do art. 5º da CF/88, significa que a sua exigibilidade não pode diferir por
alegações de condicionamentos a situações adotáveis apenas mediatamente, todavia casos há
em que a produção dos efeitos próprios e plenos das normas definidoras de direitos e garantias
fundamentais pode apresentar dificuldades em razão da dependência de esclarecimento ou
integração da mesma por norma infraconstitucional assim prevista pelo próprio constituinte.
No louvável intento de provocar a imediata eficácia dos direitos que consagra, a
Carta Magna atual estabeleceu, no § 1º do art. 5º, que “as normas definidoras dos direitos e
garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Tal previsão deveu-se à influência exercida
por outras ordens constitucionais sobre o nosso constituinte.32 Entretanto, muito embora tal
dispositivo tenha sido lido como determinante da aplicação imediata, mesmo para o caso de
normas incompletas (isto é, de regras que não contêm, nas hipóteses e, sobretudo, no
dispositivo, todos os elementos necessários para guiar a sua aplicação), a doutrina pátria, a
exemplo do que ocorre no direito comparado, ainda não alcançou um estágio de
consensualidade no que concerne ao alcance e significado do preceito em exame, sendo, pois,
um dos temas mais polêmicos de nosso direito constitucional.
Uma primeira questão que aflora é a da abrangência material de tal norma, isto é, se
aplicável a todos os direitos fundamentais, ou se restrita aos direitos individuais e coletivos do
art. 5º da CF/88. Nesse passo, e em que pese a localização do dispositivo, fato que poderia
desaguar numa interpretação restritiva, o fato é que não há como sustentar uma redução do
âmbito de aplicação da norma a qualquer das categorias específicas de direitos fundamentais
consagradas na nossa Carta Política. É que, como bem afirmou Sarlet, há que se entender pela
aplicabilidade imediata (por força do art. 5º, § 1º, da CF/88) de todas as normas de direitos
fundamentais constantes do catálogo (art. 5º a 17), bem como dos localizados em outras partes
do texto constitucional e nos tratados internacionais, eis que
a extensão do regime material da aplicabilidade imediata aos direitos fora do catálogo não encontra qualquer óbice no texto de nossa Lei Fundamental, harmonizando, para além disso, com a concepção materialmente aberta dos direitos fundamentais consagrada , entre nós, no art. 5º, § 2º, da CF. 33
32 Neste contexto vale citar o art. 18/1 da Constituição Portuguesa de 1976, o art. 332 da Constituição do
Uruguai, o art. 1º, III, da Lei Fundamental da Alemanha, e o art. 53.1 da Constituição Espanhola de 1978. 33 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição de 1988. In: SARLET, Ingo
Wolfgang (Org.) O direito público em tempos de crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 156. Estudos em homenagem a Ruy Ruben Ruschel.
23
Superada esta primeira questão, outro ponto controvertido é o do significado do art.
5º, § 1º, da CF/88, para as diversas categorias de direitos fundamentais, registrando-se que as
diferentes concepções encontradas oscilam entre os que, adotando posição extremamente
tímida, sustentam que a norma em exame não pode atentar contra a natureza das coisas,34 de
tal sorte que boa parte dos direitos fundamentais alcança sua eficácia apenas nos termos e na
medida da lei, e os que, situados em outro extremo, defendem a tese de que até mesmo
normas de cunho nitidamente programático podem ensejar, em virtude de sua imediata
aplicabilidade, o gozo de direito subjetivo individual, independentemente de concretização
legislativa.35
Há autores que defendem que a norma contida no art. 5º, § 1º, da CF/88, impõe aos
órgãos estatais a tarefa de maximizar a eficácia dos direitos fundamentais.36 Outros ressaltam
o caráter dirigente37 desta norma, no sentido de que esta, além do objetivo de
assegurar a força vinculante dos direitos e garantias de cunho fundamental, tem por finalidade tornar tais direitos prerrogativas diretamente aplicáveis pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, [...] investe os poderes públicos na atribuição constitucional de promover as condições para que os direitos e garantias fundamentais sejam reais e efetivos.38
Deste sentido aproxima-se a lição de Eros Grau, ao sustentar que o Poder Judiciário,
em face do dever de respeito e aplicação imediata dos direitos fundamentais ao caso concreto,
encontra-se investido do poder-dever de aplicar imediatamente estas normas, assegurando-
lhes sua plena eficácia.39
Na esteira do ensinamento de Sarlet,40 no que se refere à eficácia dos direitos
fundamentais, é inegável o cunho eminentemente principiológico da norma contida no art. 5º,
§ 1º, da CF/88, a qual impõe aos órgãos estatais e aos particulares que outorguem a máxima
eficácia e efetividade aos direitos fundamentais (mandado de otimização). É por esta razão 34 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A aplicação imediata das normas definidoras de direitos e garantias
fundamentais. Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo (RPGESP), São Paulo, n. 29, jul./nov. 1988, p. 35.
35 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 322 e ss.
36 PIOVESAN, Flávia. Constituição e transformação social: a eficácia das normas constitucionais programáticas e a concretização dos direitos e garantias fundamentais. Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo (RPGESP), São Paulo, n. 37, 1992, p. 73.
37 Sobre Constituição dirigente, vide CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra: Coimbra Editora, 1983.
38 PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 92.
39 GRAU, 1997, op. cit., p. 312 e ss. 40 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2001, p. 373.
24
que até mesmo os defensores mais ardorosos de uma interpretação restritiva do art. 5º, § 1º, da
CF/88, reconhecem que o constituinte pretendeu, com sua expressa previsão no texto, evitar
um esvaziamento dos direitos fundamentais, impedindo que os mesmos sejam figuras de mera
retórica. Soma-se a isto o fato de que, segundo a melhor doutrina, inexiste norma
constitucional destituída de eficácia e aplicabilidade, sendo possível falar de uma graduação
da carga eficacial das normas (de todas) da Constituição,41 o que, de outra parte, não afasta a
existência de distinções entre as normas constitucionais no que diz respeito à forma de sua
positivação no texto constitucional, assim como uma diversidade de efeitos jurídicos
decorrentes deste fenômeno, razão pela qual foram formuladas diversas teorias propondo uma
classificação das normas constitucionais de acordo com o critério de sua eficácia e
aplicabilidade.42
Assim, cumpre reconhecer que, mesmo no âmbito das normas definidoras de direitos
e garantias fundamentais, encontram-se algumas normas que a doutrina majoritária
convencionou denominar de normas de eficácia limitada, as quais não teriam condições de
gerar a plenitude de seus efeitos sem a intervenção do legislador.43 E tal se dá porque o
constituinte certamente não quis fazer aplicável o inaplicável, nem quis deixar ao juiz — a
pretexto de cobrir lacuna — o arbítrio de dar esta ou aquela feição a um direito ou garantia
incompletamente caracterizados na Constituição. Ao revés, previu até uma ação específica
para reclamar do Judiciário a regulamentação legal do preceito — a ação de
41 Esta é a lição de DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 104. 42 A classificação das normas constitucionais quanto à sua eficácia, aliás, varia, praticamente, de autor para
autor. Maria Helena Diniz, por exemplo, considera a existência de normas com eficácia absoluta, normas com eficácia plena, normas com eficácia restringível, normas com eficácia complementável ou dependentes de complementação, estabelecendo critérios próprios de sua diferenciação. José Afonso da Silva considera que, embora a Constituição declare expressamente que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, “isso não resolve todas as questões porque a Constituição mesma faz depender de legislação ulterior a aplicabilidade de algumas normas definidoras de direitos sociais”. Afirma o autor ainda a existência de normas constitucionais programáticas, sob a divisão: normas constitucionais de eficácia plena; normas constitucionais de eficácia contida; normas constitucionais de eficácia limitada, compreendidas por normas constitucionais de princípio institutivo e normas constitucionais de princípio programático. Estabelece ainda que as normas que consubstanciam os direitos fundamentais políticos e individuais são de eficácia contida e aplicabilidade imediata, ao passo que aquelas definidoras dos direitos econômicos e sociais tendem a sê-lo também, mas algumas seriam de eficácia limitada, de princípios programáticos e de aplicabilidade indireta. Kildare Gonçalves Carvalho, por seu turno, acredita haver normas constitucionais preceptivas, cuja aplicação é imediata, vinculando todos os sujeitos de direito, públicos ou privados, inclusive o legislador ordinário, e as programáticas, cuja aplicação é diferida e mediata, dirigindo-se ao legislador ordinário, dele dependendo sua exeqüibilidade. São assim consideradas porque dependeriam de regras infraconstitucionais ulteriores que as complementassem ou especificassem (cf. síntese extraída de SILVEIRA, Cláudia Maria Toledo da. Direitos sociais: auto-aplicabilidade versus programaticidade. Revista do CAAP, Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p. 63-81, 1996-1997).
43 SILVA, 1982, op. cit., p. 73 e 86 e ss.; DINIZ, 1989b, op. cit., p. 97 e ss.
25
inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º) — e, no caso dos direitos fundamentais, o
mandado de injunção (art. 5º, LXXI).44
Não bastasse isso, os direitos fundamentais cumprem, em nossa ordem
constitucional, a função de direitos de defesa45 e de direitos a prestações,46 distinção que
conduz à existência de algumas diferenças essenciais entre ambas as categorias de direitos
fundamentais, especialmente entre os direitos de defesa e os direitos sociais de cunho
prestacional. Estes, por seu turno, assumem habitualmente a feição, no que diz respeito à sua
técnica de positivação e eficácia, de normas carentes de concretização legislativa, o que, de
outra parte, não lhes retira pelo menos um certo grau de eficácia.47
De conseqüência, verifica-se que a norma contida no art. 5º, § 1º, da CF/88, ainda
que aplicável a todos os direitos fundamentais, não o poderá ser da mesma forma. E tal se dá
porque os direitos sociais a prestações, por necessitarem, para a sua efetivação, de uma
concretização legislativa, e por dependerem, além disso, das circunstâncias de natureza social
e econômica, tendem a ser positivados de forma vaga e aberta, deixando para o legislador
indispensável liberdade de conformação na sua atividade concretizadora48. É por esta razão
44 Paradoxalmente, este mandado de injunção é o exemplo típico da norma incompleta, razão pela qual entende
Gebran Neto que, havendo lacuna, os dispositivos que esboçam os direitos e deveres individuais e coletivos (caput e demais incisos do art. 5º da CF/88) podem e devem ser completados, diante do caso concreto, pelo Poder Judiciário, por força de expressa disposição constitucional (art. 5º, § 1º, CF/88), independentemente de mandado de injunção, ao qual cabe garantir e efetivar os demais direitos fundamentais, sempre que houver omissão legislativa. GEBRAN NETO, João Pedro. A aplicação imediata dos direitos e garantias individuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 13.
45 A título de síntese, e de acordo com a formulação de Canotilho, “os direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: 1) constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera individual; 2) implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 552. É por esse motivo que a generalidade dos autores afirma que os direitos fundamentais assumem, na ordem constitucional, uma dupla dimensão (duplo caráter).
46 Na Lei Fundamental vigente, os direitos a prestações encontraram uma receptividade sem precedentes no constitucionalismo pátrio, de modo especial no capítulo dos direitos sociais. Apesar disso, os direitos prestacionais, tomados em seu sentido amplo, não se restringem a direitos a prestações materiais, de tal sorte que nem todos os direitos sociais são direitos a prestações estatais. É que os direitos sociais não se limitam a uma dimensão prestacional, pois há vários destes direitos fundamentais sociais que não exercem a função precípua de direitos a prestações, podendo ser, na verdade, reconduzidos ao grupo dos direitos de defesa, como ocorre com o direito de greve (art. 9º, da CF/88).
47 Para Andreas Krell, “a eficácia social reduzida dos Direitos Fundamentais não se deve à falta de leis ordinárias; o problema maior é a não prestação real dos serviços sociais básicos pelo Poder Público. A grande maioria das normas para o exercício dos direitos sociais já existe. O problema parece estar na formulação, implementação e manutenção das respectivas políticas públicas e na composição dos gastos nos orçamentos da União, dos Estados e Municípios”. KRELL, Andréas. Realização dos direitos fundamentais sociais mediante controle judicial da prestação dos serviços públicos básicos. Direitos & Deveres, Maceió, ano 3, n. 5, jul/dez 1999, p. 138.
48 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 2. ed. Coimbra: Editora Coimbra, 1993, v. 4, p. 105.
26
que os direitos sociais a prestações costumam ser considerados como sendo de cunho
programático.
Outro argumento em favor da necessária concretização pelo legislador ordinário é o
de que, em virtude de sua relevância econômica-financeira e de sua colocação sob uma
reserva do possível, a decisão em favor da definição do objeto da prestação e de sua
realização, ainda mais no âmbito da aplicação de recursos públicos, incumbe aos órgãos
políticos legitimados para tanto. Cuida-se, pois, de um problema de natureza competencial,
razão pela qual há quem sustente falecer capacidade funcional ao Poder Judiciário para
resolver o problema no âmbito estrito da argumentação jurídica.49
Independentemente das considerações trazidas, o fato é que a efetividade ou a
produção dos efeitos sociais das normas jurídicas depende, fundamentalmente, da atuação dos
cidadãos,50 razão pela qual já não há como cuidar de cada geração de direitos fundamentais
isoladamente, porque a certeza e eficácia de uns depende da eficácia dos demais. A eficácia
social desses direitos depende da atuação dos cidadãos.51
A cidadania foi erigida como princípio, ao lado da dignidade da pessoa humana (art.
1o, II e III, da CF/88). Sem o conhecimento dos direitos fundamentais pelos cidadãos e o seu
exercício por eles, a zelar pelo seu patrimônio jurídico e pelo patrimônio de todos, não há
como se dotar de eficácia social aquele elenco de direitos preconizados pelo constituinte.52 Só
através da consciência de seus direitos fundamentais e da participação efetiva dos cidadãos é
que se exercitará escorreitamente o princípio da solidariedade social.
49 Este é o entendimento de J.P. Müller, segundo SARLET, 1999, op. cit., p. 153. 50 SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 2. ed. São
Paulo: Cortez, 1996. 51 Para o constitucionalismo comunitário, a validade jurídica dos direitos fundamentais é em parte determinada
pelo reconhecimento comunitário, e não simplesmente remetidos para a opinião e a vontade de seus titulares. Vide CITADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva: elementos da filosofia constitucional contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999.
52 É por esta razão que, nas palavras de Pérez Luño, “sólo cuando los derechos humanos se hallan inscritos en la consciencia cívica de los hombres y de los pueblos actuán como instancias para la conducta a las que se puede recurir. Las normas, las instituciones y los jueces son condiciones necesarias, pero no suficientes, para el efectivo disfrute de las libertades. Esa necesidad de adhesión social es también del todo predicable respecto al constitucionalismo.” PÉREZ LUÑO, 1996, op. cit., p. 45.
27
CAPÍTULO II O PROBLEMA DA COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS
SUMÁRIO: 2.1 Princípios e regras. 2.2 Critérios de distinção entre regras e princípios. 2.3 O papel constitucional dos princípios. 2.4 O princípio da dignidade da pessoa humana. 2.5 O significado do princípio da proporcionalidade para os direitos fundamentais. 2.6 A proporcionalidade e as leis restritivas de direitos. 2.7 Resolução do conflito entre os direitos fundamentais.
Foi em virtude do entendimento do homem, enquanto destinatário ideal dos direitos
fundamentais, mostrar-se insuficiente, que, com o decorrer da história, o conteúdo daqueles
foi ampliado. Hoje, os direitos fundamentais englobam tanto os direitos inicialmente
considerados como tais, agora direitos individuais, como toda uma nova série de prerrogativas
e garantias que busca assegurar o exercício da cidadania plena, esta entendida em sua
conceituação mais ampla.53
O tema — a colisão de direitos fundamentais — é certamente um dos mais difíceis e
apaixonantes do direito constitucional, por exigir do intérprete a difícil tarefa de
harmonização, quando em conflito, de valores primordiais para o ser humano. Para a solução
desse intricado problema, necessário se faz, de início, efetuar-se a distinção entre regras e
princípios.
2.1 Princípios e regras
As normas jurídicas, e dentre elas as normas de direitos fundamentais, dividem-se
em princípios e regras. Princípios são as normas jurídicas de natureza lógica anterior e
superior às regras e que servem de base para a criação, aplicação e interpretação do direito.
Na sempre precisa conceituação de Bandeira de Mello, princípio é o “mandamento nuclear de
um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes
normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e
53 Para Dimeinstein, “a cidadania é o direito de ter uma idéia e poder expressá-la. É poder votar em quem quiser
sem constrangimento. É processar um médico que cometa um erro. É devolver um produto estragado e receber o dinheiro de volta. É o direito de ser negro sem ser discriminado, de praticar uma religião sem ser perseguido”. DIMEINSTEIN, Gilberto. O cidadão de papel. A infância, a adolescência e os direitos humanos no Brasil. São Paulo: Ática, 1999, p. 20.
28
inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que
lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.”54
Da lição de Carraza, extrai-se que,
etimologicamente, o termo ‘princípio’ (do latim principium, principii) encerra a idéia de começo, origem, base. Em linguagem leiga é, de fato, o ponto de partida e o fundamento (causa) de um processo qualquer. Introduzida, na Filosofia, por Anaximandro, a palavra foi utilizada por Platão, no sentido de fundamento do raciocínio (Teeteto, 155d) e por Aristóteles, como a premissa maior de uma demonstração (Metafísica, v. 1, 1012 b32-1013 a 19). Nesta mesma linha, Kant deixou consignado que ‘princípio é toda proposição geral que pode servir como premissa maior num silogismo’ (Crítica da Razão Pura, Dialética, II, A). Por igual modo, em qualquer Ciência, ‘princípio’ é começo, alicerce, ponto de partida. Pressupõe, sempre, a figura de um patamar privilegiado, que torna mais fácil a compreensão ou a demonstração de algo. Nesta medida é, ainda, a ‘pedra angular’ de qualquer sistema.55
Os princípios caracterizam-se, essencialmente, por serem densificação dos valores
mais relevantes do ordenamento jurídico. Podem ser explícitos em enunciados lingüísticos ou
podem estar implícitos,56 o que não lhes retira a posição de proeminência de que desfrutam.
Têm como função essencial a de orientar e influenciar a interpretação e a aplicação das
demais normas jurídicas, que têm o status de simples regras, bem como, por isso mesmo, de
todos os atos do Poder Público.
O fato de as normas da Constituição, em grande parte, consubstanciarem princípios,
exige que se lhes dê, necessariamente, interpretação57 — e interpretação criadora —, para se
obter precisão e garantia em favor desses preceitos. Os princípios, diferentemente das regras
54 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1980, p. 230. 55 CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1995,
p. 27-28. 56 Eros Grau afirma que o reconhecimento de princípios constitucionais não positivados é inquestionável.
Tratando extensamente do tema, e diferenciando princípios positivados e princípios gerais de Direito, assinala tal autor que os princípios gerais do Direito são efetivamente descobertos no interior de determinado ordenamento, eis que já se encontravam em estado de latência, não se tratando, pois, de princípios que o aplicador do Direito ou o intérprete possa resgatar fora do ordenamento, em uma ordem suprapositiva ou no Direito Natural. Trata-se, pelo contrário, de princípios que, embora não expressamente enunciados na Constituição, no seu bojo estão inseridos. E arremata, citando Feuerbach, que “é necessário sair do positivo para tornar a entrar no positivo”. GRAU, 1997, op. cit., p. 117-118. Vale ressaltar, por fim, que, no atual texto constitucional brasileiro, a existência e prevalência dos princípios implícitos também decorre do regime e dos demais princípios constitucionais, cuja aplicação está assegurada pela regra do § 2º, do art. 5º, da Lei Maior: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. O princípio da proporcionalidade, que serve para salvaguardar os cidadãos da aplicação de qualquer lei injusta, é o exemplo mais típico de um princípio implícito.
57 Por norteadoras da exposição dos princípios, os quais funcionam como pedra de toque e ponto de partida para a interpretação da Constituição e da legislação que lhe sucede, e pela excelência dos trabalhos, vide as obras de José Joaquim Gomes Canotilho (Direito constitucional) e Luís Roberto Barroso (Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora).
29
jurídicas, demandam juízo de ponderação prática, no instante da interpretação-aplicação, a
fim de obterem determinação. As regras, por sua vez, são normas jurídicas destinadas a dar
concreção aos princípios.
Para Dworkin58 o direito é, pois, um sistema de regras e princípios. Ele mostra que,
nos chamados casos-limites (ou hard cases), quando os juristas debatem e decidem em termos
de direitos e obrigações jurídicas, eles utilizam padrões (standards) que não funcionam como
regras, mas trabalham com princípios, política e outros gêneros de standards.
Para o referido autor, princípios são exigências de justiça, de eqüidade ou de
qualquer outra dimensão da moral. Deste conceito decorre, como lembra Chueri, que o “o
texto constitucional, não importa se brasileiro ou americano, faz com que a validade de um
direito dependa não de uma determinada regra positiva, mas de complexos problemas
morais”.59
As regras, ao contrário dos princípios, indicam conseqüências jurídicas que se
seguem automaticamente quando ocorrem as condições previstas. Um princípio não
determina as condições que tornam sua aplicação necessária. Ao contrário, estabelece uma
razão (fundamento) que impele o intérprete numa direção, mas que não reclama uma decisão
específica, única. Daí acontecer que um princípio, numa determinada situação e frente a outro
princípio, não prevaleça, o que não significa que ele perca a sua condição de princípio, que
deixe de pertencer ao sistema jurídico. Por conseguinte, as regras, ao contrário dos princípios,
são aplicáveis na forma do tudo ou nada (all or nothing). Se se dão os fatos por ela
estabelecidos, então ou a regra é válida e, em tal caso, deve-se aceitar a conseqüência que ela
fornece; ou a regra é inválida e, neste caso, não influi sobre a decisão.60
2.2 Critérios de distinção entre regras e princípios
Segundo Canaris,61 uma distinção fundamental entre princípios e regras jurídicas
relaciona-se ao fato dos primeiros, ao contrário das segundas, não permitirem, pela
insuficiência do seu grau de concretização, a subsunção. Segundo este autor, no plano da
58 Sucessor de Herbert Hart na cátedra de jurisprudência na Universidade de Oxford. 59 CHUERI, Vera Karam de. Filosofia do direito e modernidade: Dworkin e a possibilidade de um discurso
instituinte de direito. Curitiba: JM Editora, 1995, p. 85. 60 Na dicção de Dworkin: “if the facts a rule stipulates are given, then either the rule is valid, in which case the
answer it supplies must be accept, or it is not, in which case it contributes nothing to the decision”. DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1978, p. 24.
61 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito. Trad. Antônio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989, p. 86-87.
30
fluidez, os princípios situam-se entre os valores e as regras jurídicas. Excedem os valores, em
termos de concretização, por já delinearem indicações sobre as suas conseqüências jurídicas,
mas ainda não alcançam o grau de densidade normativa das regras, pois não têm delimitada
com a precisão necessária as respectivas hipóteses de incidência e conseqüências jurídicas.
Leciona Dworkin62 que dois são os critérios que permitem apartar os princípios das
regras. O primeiro deles é de ordem lógica: as regras são aplicadas de forma disjuntiva, ou
seja, ocorrendo a hipótese de incidência e sendo a norma válida, a conseqüência jurídica deve
necessariamente ocorrer. Os princípios, por seu turno, não são automaticamente aplicados,
comportando inúmeras exceções não previstas pela própria norma.
O segundo critério pelo qual podemos distinguir regras e princípios é de natureza
axiológica. Os princípios possuem uma ‘dimensão de peso’, valorativa, ausente nas regras.
Desse modo, ocorrendo o conflito entre dois ou mais princípios em um determinado caso,
deve o intérprete considerar o peso relativo de cada um deles e verificar, naquele caso
concreto, qual deve prevalecer, afastando o princípio incompatível. Situação diferente ocorre
com as regras. Havendo conflito entre duas regras — o que Bobbio denomina de antinomia
própria63 —, uma delas será inválida e deverá ser excluída do sistema jurídico. Nessa
hipótese, os critérios para a solução da antinomia são de ordem técnica (lex posterior derogat
priori, lex superior derogat inferioris, lex specialis derogat generali), não demandando ao
aplicador do direito nenhum juízo valorativo.
Observa ainda Dworkin que no caso de conflito entre princípios não há propriamente
uma discricionariedade do intérprete em definir qual deles deve prevalecer. Essa
determinação resulta, na expressão do constitucionalismo alemão,64 de um juízo de
ponderação (Abwägung) entre os diversos valores jurídicos envolvidos, segundo critérios de
razoabilidade e proporcionalidade.
O pensamento de Dworkin é retomado, dentro do sistema do civil law, pelo
constitucionalista alemão Alexy, que, considerando o modelo do jusfilósofo americano
demasiadamente simples, busca formular um modelo mais diferenciado.65
Alexy observou que entre princípios e valores existe uma ampla coincidência
estrutural. Toda colisão de princípios pode ser apresentada como uma colisão de valores e 62 DWORKIN, Ronald. Los derechos en serio. Trad. Marta Guastavino. Barcelona: Ariel, 1995, p. 75-80. 63 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 5. ed. Brasília: UnB, 1994, p. 86-110. 64 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de
Estudios Constitucionales, 1997, p. 90-98. 65 ALEXY, 1993, op. cit., p. 99.
31
toda colisão de valores como uma colisão de princípios. A única diferença reside no fato de
que nas colisões de princípios visa-se encontrar o que é devido (o que é o ordenado, o
proibido e o permitido), ao passo que na solução de uma colisão de valores busca-se o que é
melhor, isto significando dizer que os princípios têm roupagem deontológica e os valores
roupagem axiológica.66
Em Alexy, a teoria dos princípios — e a distinção entre princípios e regras —
constitui o marco de uma teoria normativa-material dos direitos fundamentais e, com ela, o
ponto de partida para responder a pergunta acerca da possibilidade e dos limites da
racionalidade no âmbito destes direitos. E será, por conseguinte, a base e a chave para a
solução dos problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais.67
Assim, sem uma perfeita compreensão desta distinção, própria da estrutura das
normas de direito fundamental, é impossível formular-se uma teoria adequada dos limites dos
direitos fundamentais, quanto à colisão entre estes, e uma teoria suficiente acerca do papel
que eles desempenham no sistema jurídico.
Para Alexy,68 o ponto decisivo para distinção entre regras e princípios é que estes são
mandados (ou mandamentos) de otimização, isto é, os princípios são normas que ordenam
algo que deve ser realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e
reais existentes. Significa que os princípios podem ser cumpridos em diferentes graus e que a
medida devida de seu cumprimento depende não somente das possibilidades reais, mas
também das jurídicas. Por sua vez, as regras são normas que somente podem ser cumpridas ou
não. Têm, pois, caráter de mandados definitivos.69
Se uma regra é válida, então há de se fazer exatamente o que ela exige, nem mais
nem menos. Elas contêm, pois, determinações no âmbito do fática e juridicamente possível.
66 ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho. Trad. Jorge M. Senã. 2. ed. Barcelona: Gedisa, 1997, p.
164. Em outra obra, Alexy afirma que “la diferencia entre principios y valores se reduce así a un punto. Lo que en el modelo de los valores es prima facie lo mejor es, en el modelo de los principios, prima facie debido; y lo que en el modelo de los valores es definitivamente lo mejor es, en el modelo de los principios, definitivamente debido. Así pues, los principios y los valores se diferencian sólo en virtud de su carácter deontológico y axiológico respectivamente.” ALEXY, 1997b, op. cit., p. 147.
67 ALEXY, 1993, op. cit., p. 81. 68 ALEXY, 1997a, op. cit., p. 75. 69 Nas precisas palavras de Alexy: “Las reglas son normas que, cuando se cumple el tipo de hecho, ordenan una
consecuencia jurídica definitiva, es decir, cuando se cumplen determinadas condiciones, ordenan, prohiben o permitem algo definitivamente o autorizan definitivamente hacer algo. Por lo tanto, pueden ser lhamadas ‘mandatos definitivos’. Su forma de aplicación caracteristica es la subsunción. En cambio, los principios son mandatos de optimización. En tanto tales, son normas que ordenan que algo se realice en la mayor medida posible según las posibilidades fácticas y jurídicas. Esto significa que pueden ser realizados en diferent grado y que la medida de su realización depende no solo de las posibilidades fácticas sino también jurídica”. ALEXY, 1993, op. cit., p.75.
32
Isto significa que a diferença entre regras e princípios é qualitativa e não apenas de grau.70
Onde, porém, a distinção entre regras e princípios se mostra mais claramente é nas colisões de
princípios e nos conflitos de regras. Embora apresentem um aspecto em comum — o fato de
duas normas, aplicadas independentemente, conduzirem a resultados incompatíveis —,
diferenciam-se, fundamentalmente, na forma como se soluciona o conflito.
Assim, os conflitos de regras se resolvem na dimensão de validez. Ou seja, somente
podem ser solucionados introduzindo-se uma regra de exceção, debilitando o seu caráter
definitivo, ou declarando-se inválida, pelo menos, uma das regras. Com efeito, uma norma
vale ou não vale juridicamente. E se uma regra é válida e é aplicável a um caso concreto,
significa dizer que válida também é a sua conseqüência jurídica.71
Daí que o conflito entre duas regras há de ser solucionado por outras regras.
Qualquer decisão será na dimensão de validez, ou seja, quando duas regras jurídicas
aparentemente incidirem sobre determinada hipótese fática, a questão é solucionada através
do recurso aos critérios hierárquico, cronológico e de especialidade, que acarretam a opção
por uma das regras, com a completa desconsideração da outra. A colisão de princípios, por
outro lado, resolve-se na dimensão de peso, tal como o expressa Dworkin.72
Assim, quando dois princípios entram em colisão — por exemplo, se um diz que
algo é proibido e outro, que é permitido —, um dos dois tem que ceder frente ao outro,
porquanto um limita a possibilidade jurídica do outro. O que não implica que o princípio
desprezado seja inválido, pois a colisão de princípios se dá apenas entre princípios válidos.
Em outras palavras, se é verdade que, como corolário do postulado da coerência interna, o
ordenamento jurídico não tolera antinomias entre as suas regras, isso não sucede no plano dos
princípios. Princípios jurídicos podem sinalizar soluções diametralmente opostas para
determinados casos concretos, sem que tal fato denote qualquer inconsistência na ordem
jurídica.73
70 Ibid., p. 87. 71 Ibid., p. 88. 72 No mesmo sentido se manifesta Alexy, para quem “la ponderación es la forma característica de la aplicación
de los principios”. Ibid., p. 75. 73 Alexy toma como exemplo de colisão o caso da incapacidade processual, que trata da admissibilidade da
realização de uma audiência quando o acusado corre o perigo de sofrer um infarto. De um lado, o princípio que ordena a aplicação do direito penal no maior grau possível; de outro, o princípio da proteção da vida e da integridade física do acusado. Isoladamente, os princípios conduzem a resultados opostos. No caso concreto, fática e juridicamente, um limita a realização do outro. Ambos possuem, abstratamente, idêntica hierarquia, de forma que não é possível declarar a invalidez de um deles. Para Alexy, a solução da colisão consiste em se estabelecer entre os princípios uma relação de precedência condicionada, tendo em conta as circunstâncias do caso (ALEXY, 1997b, op. cit., p. 91-92). A determinação da relação de precedência condicionada consiste em
33
2.3 O papel constitucional dos princípios
Boa parte das normas de direitos fundamentais é composta por princípios. Igualdade,
privacidade, função social da propriedade, liberdade de consciência, saúde, trabalho, meio
ambiente ecologicamente equilibrado, dentre outros direitos, constituem, antes de tudo,
princípios orientadores de todo o ordenamento jurídico, devendo, pois, ser necessariamente
considerados pelo aplicador do Direito.
O moderno constitucionalismo é caracterizado precisamente pela ampla utilização de
normas de caráter principiológico, bem assim de conceitos indeterminados. Como se viu, os
princípios são postulados, comandos ou enunciados genéricos, relativamente abstratos e
amplos; por isso mesmo, essa categoria de normas costuma compor-se de disposições abertas,
polissêmicas e indeterminadas.
A vasta presença, nas Constituições, de normas abertas, como as que consubstanciam
princípios, intensifica a importância e a responsabilidade da atuação interpretativa, porquanto
com ela é que, na prática, se determinará a normatividade concreta da Constituição.
Segundo Alexy,74 um corpo de normas constitucionais constituído apenas de regras
imporia tratamento excessivamente minucioso da realidade (um legalismo) que castraria as
potencialidades hermenêuticas que os princípios propiciam, tanto para o legislador quanto
para o administrador, para o juiz e para os demais operadores do Direito. É dizer: a instituição
de um modelo que se fundasse unicamente sobre regras não daria conta da crescente
complexidade das situações que a Constituição propõe a tutelar, pois engessaria o intérprete e
o legislador infraconstitucional, subtraindo-lhes a maleabilidade necessária à acomodação dos
conflitos que naturalmente se estabelecem em casos concretos, entre diversos interesses
concorrentes.
Além disso, considerando o comportamento peculiar dos princípios nos casos de
conflito, a maior utilização de regras acarretaria graves impasses em razão da complexidade
da realidade sócio-política, gerando inúmeros conflitos de regras constitucionais, virtualmente
insolúveis, ante o juízo puramente de validade que elas impõem na resolução de antinomias
— isso sem falar que quem sustenta um modelo exclusivamente de regras (modelo puro)
se identificar, no caso concreto, sob quais condições um princípio precede a outro. No exemplo dado, o Tribunal Constitucional Federal Alemão, para solucionar o conflito, e sem declarar a invalidade do princípio que cedeu, decidiu que havia razões suficientes para prevalecer o princípio da proteção à vida e à integridade física do acusado, ou, o que é o mesmo, o direito fundamental do acusado (BverGE 51, 324).
74 Ibid., p. 167.
34
encomenda ao sistema jurídico, enquanto tal, a realização de só um postulado de
racionalidade, é dizer, vislumbra tão-somente a existência do postulado da segurança jurídica.
Outra virtude da utilização de normas principiológicas, decorrente do que já se
expôs, é a redução da necessidade de reforma da Constituição. As Constituições rígidas são
aquelas que exigem, deliberadamente, procedimentos geralmente complexos e solenes para a
própria modificação. Como nem sempre é tarefa simples a obtenção de consenso bastante a
superar as barreiras impostas pela própria Lei Maior para sua reforma, a textura aberta dos
princípios permite que, por meio de interpretação adaptativa, a Constituição seja
permanentemente atualizada, mantendo-se-lhe a contínua vitalidade. Nada obstante, é óbvio
que um sistema constitucional apenas composto de princípios é também inconveniente, pois a
excessiva abertura e indeterminação que daí adviriam acarretariam dificuldades de monta, eis
que trariam ao ordenamento uma dose inaceitável de incerteza e insegurança, já que a
aplicação dos princípios opera-se de modo mais fluido e menos previsível do que as regras.
2.4 O princípio da dignidade da pessoa humana
O conceito de pessoa mudou sensivelmente durante a evolução humana. O homem,
para a filosofia grega, era um animal político ou social, como em Aristóteles, cujo ser era a
cidadania, o fato de pertencer ao Estado, que estava em íntima conexão com o Cosmos, com a
natureza. Zeller, citado por Mondin, chega a afirmar que “na filosofia antiga falta até mesmo
o termo para exprimir a personalidade, já que o termo persona deriva do latim”.75
O conceito de pessoa, como categoria espiritual, como subjetividade, que possui
valor em si mesmo, como ser de fins absolutos, e que, em conseqüência, é possuidor de
direitos subjetivos ou direitos fundamentais e possui dignidade, surge com o Cristianismo,
sendo depois desenvolvida pelos escolásticos.
A proclamação do valor distinto da pessoa humana terá como conseqüência lógica a
afirmação de direitos específicos de cada homem, o reconhecimento de que, na vida social,
ele, homem, não se confunde com a vida do Estado, além de provocar um “deslocamento do
Direito no plano do Estado para o plano do indivíduo, em busca do necessário equilíbrio entre
a liberdade e a autoridade”.76
75 MONDIN, Battista. O homem, quem é ele? Elementos de antropologia filosófica. São Paulo: Edições Paulinas,
1980, p. 285, nota 2. 76 REALE, Miguel. Filosofia do direito. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 4.
35
Na sua investigação sobre o verdadeiro núcleo da teoria do conhecimento, o sujeito
torna-se, para Kant, o elemento decisivo na elaboração do conhecimento. Propôs ele, assim,
uma mudança de método no ato de conhecer, que ele mesmo denomina revolução
copernicana. Ou seja, em vez de o sujeito cognoscente girar em torno dos objetos, são estes
que giram em redor daquele. Não se trata mais, portanto, de que o nosso conhecimento deve
amoldar-se aos objetos, mas que estes devem ajustar-se ao nosso conhecimento. Trata-se,
como comenta Pascal, de uma substituição, em teoria de conhecimento, de uma hipótese
idealista por uma hipótese realista.77
Para Kant, o que caracteriza o ser humano, e o faz dotado de dignidade especial, é
que ele nunca pode ser meio para os outros, mas fim em si mesmo. “Só o homem não existe
em função de outro e por isso pode levantar a pretensão de ser respeitado como algo que tem
sentido em si mesmo”.78 Para ele, o homem tem valor absoluto, não podendo, por
conseguinte, ser usado como instrumento para algo, e, justamente por isto, tem dignidade, é
pessoa.
Como diz Kant, “o homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como
fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade”.79
Conseqüentemente, se cada homem é fim em si mesmo e se o texto constitucional diz que a
dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil, importa
concluir que o Estado existe em função de todas as pessoas e não estas em função do Estado.
Aliás, de maneira pioneira, o constituinte, para reforçar a idéia anterior, colocou,
topograficamente, o capítulo dos direitos fundamentais antes da organização do Estado.
No entanto, tomar o homem como fim em si mesmo e que o Estado existe em função
dele, não nos conduz a uma concepção individualista da dignidade da pessoa humana, ou seja,
de que num conflito indivíduo versus Estado, privilegie-se sempre aquele. E tal se dá porque a
concepção mais adequada é a que busca a compatibilização, a inter-relação entre os valores
individuais e coletivos. Inexiste, portanto, aprioristicamente, o predomínio do indivíduo ou o
predomínio do todo. A solução há de ser buscada em cada caso, de acordo com as
circunstâncias, solução que pode ser tanto a compatibilização, como, também, a preeminência
de um ou outro valor.
77 PASCAL, George. O pensamento de Kant. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 36. 78 Apud OLIVEIRA, Manfredo. A filosofia na crise da modernidade. São Paulo: Loyola, 1992, p. 23. 79 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70,
s.d., p. 68.
36
Partindo da premissa de que a pessoa é um mínimo invulnerável que todo estatuto
jurídico deve assegurar, alguns autores sustentam que a dignidade da pessoa humana é um
princípio absoluto, razão pela qual entendem que, ainda que se opte, em determinada situação,
pelo valor coletivo, por exemplo, esta opção não pode nunca sacrificar, ferir o valor da
pessoa.80 Distanciam-se, assim, do pensamento de Alexy, que rejeita, radicalmente, a
existência de princípios absolutos, chegando a afirmar que se os há, impõe-se modificar o
conceito de princípio.81
A dignidade da pessoa humana é princípio unificador de todo o sistema de direitos
fundamentais,82 é o núcleo essencial dos direitos fundamentais, a “fonte jurídico-positiva dos
direitos fundamentais”,83 a fonte ética, que confere unidade de sentido, de valor e de
concordância prática ao sistema dos direitos fundamentais,84 o “valor que atrai a realização
dos direitos fundamentais”,85 “o valor básico (Grundwert) e fundamentador dos direitos
humanos”.86 “Os direitos fundamentais são a expressão mais imediata da dignidade
humana”.87
Daí falar-se, por conseqüência, na centralidade dos direitos fundamentais dentro do
sistema constitucional, apresentando não apenas um caráter subjetivo, mas também
80 Este é o entendimento de SANTOS, Fernando Ferreira. Princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana. Disponível em: <http://www.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=160>. Acesso em: 21 out. 2001. 81 Para explicar por que os direitos fundamentais não são absolutos e ilimitáveis, é oportuno citar Larenz: “Os
direitos, cujos limites não estão fixados de uma vez por todas, mas que em certa medida são ‘abertos’, ‘móveis’, e, mais precisamente, esses princípios podem, justamente por esse motivo, entrar facilmente em colisão entre si, porque sua amplitude não está de antemão fixada”. LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Trad. José Lamego. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 575.
82 Jorge Miranda, analisando o conceito de pessoa na Constituição, tendo em vista o art. 1º da Declaração Universal, assim define as diretrizes básicas: “a) a dignidade da pessoa humana reporta-se a todas e cada uma das pessoas e é a dignidade da pessoa individual e concreta; b) cada pessoa vive em relação comunitária, mas a dignidade que possui é dela mesma, e não da situação em si; c) o primado da pessoa é do ‘ser’, não do ‘ter’; a liberdade prevalece sobre a propriedade; d) a proteção da dignidade das pessoas está para além da cidadania portuguesa e postula uma visão universalista da atribuição dos direitos; e) a dignidade da pessoa pressupõe a autonomia vital da pessoa, a sua autodeterminação relativamente ao Estado, às demais entidades públicas e às outras pessoas.” MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1993, v. 4, p. 169.
83 FARIAS, Edilson Pereira de. A colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1996, p. 54.
84 MIRANDA, J., op. cit., p. 166-167. 85 SILVA, José Afonso da. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DA OAB, 15., 1994, Foz do Iguaçu. Anais ... Foz
do Iguaçu: OAB, Conselho Federal, 1994. p. 549. 86 PEREZ LUÑO, Antônio Enrique. Derechos humanos, Estado de Derecho y Constitución. 3. ed. Madrid:
Tecnos, 1990, p. 318. Tradução livre. 87 SEGADO, Francisco Fernandez. Teoria jurídica de los derechos fundamentales en la Constitución Española de
1978 y en su interpretación por el Tribunal Constitucional. Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 31, n. 12, mar./abr. 1994, p. 77. Tradução livre.
37
cumprindo funções estruturais, já que são condições essenciais de um Estado constitucional
democrático.88
Dessa maneira, a interpretação dos demais preceitos constitucionais e legais há de ser
feita à luz daquelas normas constitucionais que proclamam e consagram direitos
fundamentais, as normas de direito fundamental. Com razão, pois, Canotilho, ao asseverar
que “a interpretação da Constituição pré-compreende uma teoria dos direitos fundamentais”.89
E tal se dá porque, como bem observou Pérez Luño, “os direitos fundamentais são o
parâmetro de conformidade com o qual devem ser interpretadas todas as normas que
compõem nosso ordenamento”.90
2.5 O significado do princípio da proporcionalidade para os direitos fundamentais
O caráter polissêmico e aberto das normas constitucionais, sobretudo em se tratando
de direitos fundamentais, muitas vezes já contém em si uma exigência de conformação.
Quando se fala, por exemplo, em função social da propriedade, revela-se implícita a
necessidade de o legislador ordinário intervir para dar a tal expressão um sentido
determinado. Acresça a isto uma análise sobre o próprio conteúdo de muitos desses direitos e
garantias e poder-se-á observar que, em grande parte deles, ele é eminentemente normativo,
situação que está a gerar uma irrefragável limitação. Demais disso, os direitos humanos são
separados por categorias ou gerações que reclamam diferentes tipos de intervenção do
legislador: os direitos de liberdade são tanto mais amplos quanto menor a intervenção estatal;
já os direitos sociais só são factíveis em sua plenitude em decorrência do reconhecimento do
Estado.
88 Ou, nas exatas palavras de Segado: “conditio sine qua non del Estado constitucional democrático.” Ibid., p.
77. É por esta razão que a dignidade humana, inscrita como fundamento do Estado, significa não só um reconhecimento do valor do homem em sua dimensão de liberdade, como também de que o próprio Estado se constrói com base nesse princípio. Esse princípio abrange, logicamente, todos os direitos fundamentais, encontrando-se afirmado em diversos trechos constitucionais (arts. 170; 193; 5º, incisos III, V e XLI; 7º, incisos IV e XXX, dentre outros).
89 CANOTILHO, 1993, op. cit., p. 505. Sobre o que vem a ser uma teoria dos direitos fundamentais e qual a sua função, a resposta de Böckenförde é irretocável: “[...] por tal teoría (entende-se) una concepción sistematicamente orientada acerca del carácter general, finalidad normativa, y el alcance material de dos derechos fundamentales. Esta teoria tiene su punto de referencia (la orientación sistemática) por regla general en una determinada concepción del Estado y/o en una determinada teoría de la Constitución. Su función consiste en no abandonar la interpretación de los singulares preceptos de derechos fundamentales unicamente a una técnica jurídica conformada a partir de detalladas regulaciones legales, sino en integrarla en el contexto general de una concepción del Estado/teoria de la Constitución”. BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang. Teoria e interpretación de los derechos fundamentales. In: BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang. Escritos sobre derechos fundamentales. Trad. Juan Luis Requejo Pagés e Ignácio Villaverde Menéndez. Baden-Baden: Nomos Verl.-Ges., 1993, p. 45.
90 PEREZ LUÑO, 1990, op. cit., p. 310. Tradução livre.
38
Outro aspecto bastante complexo dos direitos e garantias está relacionado com o
atributo da relatividade. Na maioria das situações em que está em causa um direito do homem,
ocorre que dois direitos igualmente fundamentais se enfrentem. Como observa Bobbio,
basta pensar, para ficarmos num exemplo, no direito à liberdade de expressão, por um lado, e no direito de não ser enganado, excitado, escandalizado, injuriado, difamado, vilipendiado, por outro. Nesses casos, que são a maioria, deve-se falar de direitos fundamentais não absolutos, mas relativos, no sentido de que a tutela deles encontra, em certo ponto, um limite insuperável na tutela de um direito igualmente fundamental, mas concorrente. E dado que é sempre uma questão de opinião estabelecer qual o ponto em que um termina e o outro começa, a delimitação do âmbito de um direito fundamental do homem é extremamente variável e não pode ser estabelecida de uma vez por todas.91
O princípio da proporcionalidade funciona como parâmetro técnico: por meio dele
verifica-se se os fatores de restrição tomados em consideração são adequados à realização
ótima dos direitos colidentes ou concorrentes. Afinal, o que se busca é a garantia aos
indivíduos de uma esfera composta por alguns direitos, tidos por fundamentais, que não
possam ser menosprezados a qualquer título.
O princípio da proporcionalidade tem como principal campo de atuação o dos
direitos e garantias fundamentais e, por isso, qualquer manifestação do Poder Público deve
render obediência a estes últimos. A possibilidade de exame da razoabilidade da lei por parte
do Judiciário constitui importante mecanismo de proteção aos direitos fundamentais, porque a
total liberdade do legislador para regulá-los tornaria pouco eficaz a cláusula de eternidade a
que estão submetidos esses direitos em diversas ordens jurídicas, como é o caso da nossa (art.
60, § 4, inciso IV, da CF/88).92
O princípio da proporcionalidade, além de viabilizar um efetivo controle das leis, por
permitir detectar situações inconstitucionais menos flagrantes, fornece ao juiz um
instrumental prático inigualável quando se trata de controlar uma excessiva intervenção do
legislador na seara dos direitos fundamentais.
91 BOBBIO, 1992, op. cit., p. 42. 92 Tal como observado por Gilmar Ferreira Mendes, na esteira de diversos doutrinadores como Kelsen,
Loewenstein e Hesse, “não basta que a Constituição consagre garantias essenciais para a consolidação de um sistema democrático, no qual os direitos fundamentais sejam efetivamente respeitados. Faz-se mister que ela logre concretizar sua ‘pretensão de eficácia’.” E, para tanto, conclui: “é certo que a falta de um mecanismo de controle de normas retira muito da força normativa ou vinculante da Constituição. Kelsen chega mesmo a afirmar que tais Constituições não dispõem de força vinculante, uma vez que qualquer ato normativo secundário pode afastar a sua aplicação tópica ou genericamente”. MENDES, Gilmar Ferreira. A doutrina constitucional e o controle de constitucionalidade como garantia da cidadania: necessidade de desenvolvimento de novas técnicas de decisão e possibilidade da declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade no direito brasileiro. ADV Seleções Jurídicas, COAD, ago. 1993, p. 11-25.
39
A expressão proporcionalidade tem um sentido literal limitado, pois a representação
mental que lhe corresponde é a de equilíbrio: há, nela, a idéia implícita de relação harmônica
entre duas grandezas. Mas a proporcionalidade em um sentido amplo é mais do que isso, pois
envolve também considerações sobre a adequação entre meios e fins e a utilidade de um ato
para a proteção de um determinado direito. A sua utilização esbarra no inconveniente de ter
que se distinguir a proporcionalidade em estilo estrito da proporcionalidade tomada em
sentido lato, que designa o princípio constitucional.
O problema dos direitos fundamentais hoje está centrado na problemática de sua
efetividade. A garantia de sua eficácia jurídica e social não se resolveu com a simples
positivação do seu conteúdo em uma carta constitucional, sendo, pois, necessário se fazer uma
reinterpretação do valor da Constituição93 como garantia dos direitos fundamentais, razão pela
qual já não mais se tolera que os direitos colocados na Lei Maior sejam apenas mera carta de
intenções ou mero programa de governo, eis que se exige uma pauta mínima de bens e valores
inscrita na Constituição, pauta esta que deve vincular a todos, até mesmo o Estado.
A partir desse novo contexto, infere-se que a dignidade do homem, objetivo máximo
a ser alcançado pelo Estado e pela sociedade, exige possibilidade de abertura para o
reconhecimento dos direitos fundamentais e traz ínsita a necessidade de certas garantias
básicas para defesa desses direitos.
O princípio da proporcionalidade, como uma das várias idéias jurídicas fundantes da
Constituição, tem assento justamente aí, nesse contexto normativo no qual estão introduzidos
os direitos fundamentais e os mecanismos de respectiva proteção. Sua aparição se dá a título
de garantia especial, traduzida na exigência de que toda intervenção estatal nessa esfera se dê
por necessidade, de forma adequada e na justa medida, objetivando a máxima eficácia e
otimização dos vários direitos fundamentais concorrentes.
Com toda certeza, restrições em demasia podem até aniquilar o próprio direito,
comprometendo a própria noção de Estado de Direito Democrático. Enfim, são inúmeras as
formulações jurídicas, expressas ou implícitas, referentes aos direitos fundamentais, a partir
das quais é justificado um controle mais amplo dos atos legislativos, inviabilizando qualquer
invasão indevida do legislador às posições jurídicas asseguradas aos indivíduos em razão da
Constituição. E o princípio da proporcionalidade responde, sem dúvida alguma, a essa
93 “O controle da constitucionalidade representa indispensável instrumento para a defesa do valor da
Constituição, expresso em seu sentido político, pelo Princípio da Supralegalidade Constitucional”. DANTAS, Ivo. O valor da Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 187.
40
necessidade de cobrir os poucos espaços sindicáveis pelo Judiciário, sobretudo em termos de
controle da lei.
2.6 A proporcionalidade e as leis restritivas de direitos
Embora se possa catalogar, formalmente, as normas de direitos fundamentais
constantes de uma Constituição como regras ou princípios, o salto dialético no estudo desse
tipo de normas parece depender da consideração de que possuem um duplo caráter. Os
direitos fundamentais, mesmo quando expressos sob a forma de regras, reconduzem-se a
princípios, tendo em vista o valor ou bem jurídico que visam proteger.94
O caráter principiológico das normas de direitos fundamentais implica, por si só, a
proporcionalidade em sentido amplo ou a existência de seus elementos ou subprincípios:
adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.95 É por esta razão que
constitucionalistas renomados entendem que o princípio da proporcionalidade é derivado da
própria essência dos direitos fundamentais.96
Quando se tem um ou mais direitos fundamentais em jogo na solução de um caso
concreto, devem eles sofrer uma ponderação em razão do bem ou valor que se pretende
tutelar. Esta relativização da aplicação de uma norma de direito fundamental implica a
existência de várias possibilidades jurídicas de realização dos direitos fundamentais. Ora, o
equacionamento de um conflito entre princípios é regido pela proporcionalidade em sentido
estrito, daí que este elemento do cânone da proporcionalidade é um consectário lógico da
natureza de princípio da norma de direito fundamental.
Também a adequação e a necessidade são dedutíveis desse caráter principiológico
das normas de direito fundamental. Se é certo que a realização dos direitos fundamentais
supõe uma otimização não só de situações jurídicas, mas igualmente de situações fáticas, fica
claro que a adequação dos meios aos fins e a busca da maior idoneidade do meio para a
realização ótima do fim estão implícitas no processo, porque são elas — adequação e
necessidade — que determinam, enfim, o resultado apto sob o aspecto da realidade possível.
94 ALEXY, 1993, op. cit., p.135. 95 Ibid., p. 111. 96 Ibid., p. 112. Entre os brasileiros, fazem menção a decisões da Corte Constitucional alemã, com estas
conclusões: MENDES, op. cit.; e BONAVIDES, op. cit.
41
Como antes assinalado, a comprovação da existência do princípio da
proporcionalidade pode se dar de várias formas, sem que um argumento invalide outro. Nesse
ponto, pretende-se apenas afirmar que a concretização dos direitos fundamentais está atada ao
princípio da proporcionalidade, em razão do caráter principiológico das normas que
contemplam.
2.7 Resolução do conflito entre os direitos fundamentais
As normas constitucionais sobre direitos fundamentais, por serem normas de
natureza principiológica, contêm conceitos vagos, abstratos, de textura aberta,97 que
constituem fórmulas valorativas, as quais não podem ser interpretadas adequadamente
mediante os métodos tradicionais de hermenêutica.98
O esforço hermenêutico do jurista moderno volta-se para aplicação direta e efetiva
dos valores e princípios existentes em nossa Lei Maior. Configura-se, assim, em obediência
aos enunciados constitucionais, inevitável o abandono dos métodos clássicos de interpretação,
sendo necessária a adoção do critério da ponderação para solução do conflito entre os valores
envolvidos. Com razão, pois, Krell, ao afirmar que
apesar do fato de a doutrina constitucional moderna no Brasil enfatizar que o Estado Social preconizado pela Carta de 1988 exige um novo entendimento das suas normas jurídicas, que seja orientado por valores, a maioria dos operadores (juízes, promotores, procuradores, administradores, advogados) ainda não passou a interpretar as normas constitucionais e ordinárias (civis, comerciais, administrativas) ‘no espírito’ dos Direitos Fundamentais e seus valores subjacentes. [...] A natureza político-social dessas normas impõe a necessidade de métodos de interpretação específicos. O modelo dominante no Brasil sempre foi de perfil ‘liberal-individualista-normativista’, que nega a aplicação das normas programáticas e dos princípios da nova Constituição. [...] Enquanto o positivismo jurídico formalista
97 É a abertura da Constituição que permite a mutação constitucional, evitando o processo constituinte, originário
e derivado, permanente, com resultados políticos e jurídicos nem sempre seguros, previsíveis e desejados para a vida social.
98 Gramatical, histórico, teleológico e sistemático são os principais métodos tradicionais de interpretação, valendo ressaltar que não é possível obter resultados satisfatórios se aplicados de forma isolada. Sobre a inter-relação dos métodos, escreveu Müller: “as regras tradicionais da interpretação não podem ser isoladas como ‘métodos’ autônomos para si. No processo da concretização elas não somente revelam complementar e reforçar-se reciprocamente, mas estar entrelaçadas materialmente já a partir do seu enfoque. Não formam procedimentos autonomamente circunscritíveis e fundamentáveis, mas aparecerem como ‘facetas distintas de uma norma concretizanda no caso’.” MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. Trad. Peter Naumann. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 68.
42
exigia a ‘neutralização política do Judiciário’, com juízes racionais, imparciais e neutros, que aplicam o direito legislado de maneira lógico-dedutiva e não criativa, fortalecendo deste modo o valor da segurança jurídica, o moderno Estado Social requer uma magistratura preparada para realizar as exigências de um direito material, ancorado em normas éticas e políticas, expressão de idéias para além das decorrentes do valor econômico. [...] A questão hermenêutica dos Direitos Fundamentais deixa de ser um problema de correta subsunção do fato à norma para se tornar um problema de conformação política dos fatos, isto é, de sua transformação conforme um projeto ideológico (e não lógico).99
A concepção hodierna já não mais admite a proteção de um direito fundamental em
detrimento de outro, eis que tal proteção só será válida quando destinada a harmonizar e a
efetivar valores existenciais, realizadores da justiça social.
A limitação legal de um direito fundamental torna-se possível em função de que, se
assim não fosse, o seu exercício pelo titular inviabilizaria o exercício de direito fundamental
de outro titular (haveria, assim, colisão, conflito, choque de direitos fundamentais). A
possibilidade de ponderação resta, pois, implícita, e, de todo modo, fundamentada na própria
Constituição.
Para a solução do conflito entre os direitos fundamentais100 deve-se proceder à
concordância prática dos direitos colidentes, viabilizando o sacrifício mínimo de ambos os
direitos, de modo a eliminar, ou pelo menos amenizar, o estado de tensão mútua existente
entre eles. Tal concordância prática, verdadeiro princípio de interpretação constitucional, no
dizer de Hesse, consiste em que os bens jurídicos constitucionalmente assegurados sejam
coordenados de modo a que todos eles possam conservar sua identidade.101
No processamento dessa concordância prática dos direitos fundamentais como
mecanismo adequado à solução de tensões entre normas, deve o intérprete valer-se da
chamada ponderação de bens ou valores jurídicos fundamentais expressos em normas
constitucionais.102
99 KRELL, op. cit., p. 156-157. 100 “A colisão entre direitos fundamentais é também um problema de interpretação constitucional, embora não
só”. STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 100.
101 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 186. Ou, nas exatas palavras de Konrad Hesse: “los bienes jurídicos constitucionalmente protegidos deben ser coordinados de tal modo en la solución del problema que todos ellos conserven su entidad. Alli donde se produzcan colisiones no se debe, através de uma precipitada ‘ponderación de bienes’ o incluso abstracta ‘ponderación de valores’, realizar el uno a costa del outro”. HESSE, Konrad. La interpretación constitucional. In: HESSE, Konrad. Escritos de derecho constitucional. Trad. Pedro Cruz Villalon. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1992, p. 45.
102 “La doctrina alemana no plantea diferencias semánticas en la utilización de los términos de ponderación de bienes, de interesses o de valores, pudiendo ser considerados pacificamente como sinônimos”. GAVARRA
43
A ponderação de bens desenvolveu-se como proposta metodológica para a solução
da tensão entre direitos fundamentais. É o método que consiste em adotar uma decisão de
preferência entre os direitos ou bens em conflito;103 o método que determinará qual o direito
ou bem, e em que medida, prevalecerá, solucionando a colisão.
A questão da ponderação desses bens ou valores fundamentais não passou
despercebida a Barroso, que assim se pronunciou sobre a mesma:
Trata-se de uma linha de raciocínio que procura identificar o bem jurídico tutelado por cada uma delas, associá-lo a um determinado valor, isto é, ao princípio constitucional ao qual se reconduz, para, então, traçar o âmbito de incidência de cada norma, sempre tendo como referência máxima as decisões fundamentais do constituinte.104
Nesse sentido, o juízo de ponderação a ser feito deve necessariamente obedecer a
parâmetros constitucionais, que, em linhas gerais, sugerem que ao sacrifício de um direito
fundamental deve corresponder a salvaguarda de outro direito fundamental, sob pena de
inconstitucionalidade. Há que se compreender, portanto, a conformação, a implicação mútua
de tais direitos no âmbito interno da própria Constituição.
Para Canotilho,105 as noções de ponderação (Abwägung) ou de balanceamento
(Balancing) representam uma viragem metodológica no âmbito do direito constitucional.
Identifica três razões para essa mudança: a) a inexistência de uma hierarquia abstrata de bens
constitucionais, o que exige uma norma de decisão que considere as circunstâncias do caso; b)
a natureza principial de muitas normas constitucionais, de modo especial aquelas que
conferem direitos fundamentais, o que, na hipótese de colisão, exige um juízo de peso, um
balanceamento, uma ponderação, portanto, uma solução diferenciada do conflito de regras
(antinomia), na qual há um juízo de validez; e c) “fractura da unidade de valores de uma
comunidade que obriga a leituras várias dos conflitos de bens, impondo uma cuidadosa
DE CARA, Juan Carlos. Derechos fundamentales y desarrollo legislativo: la garantía del contenido esencial de los derechos fundamentales en la Ley Fundamental de Bonn. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1994, p. 286.
103 Ibid., p. 332. Também Canotilho define a ponderação de bens como um método de investigação e decisão necessário para a otimização dos bens jurídicos-constitucionais e para a resolução de problemas de limites e conflitos de direitos fundamentais. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 1148. O mesmo autor, em outra passagem, reforçando a noção de método, afirma que “a ponderação é um ‘modelo de verificação e tipicização da ordenação de bens em concreto’.” Ibid., p. 1111.
104 BARROSO, 1996b, op. cit., p. 185. 105 CANOTILHO, 1998, op. cit., p. 1109.
44
análise dos bens em presença e uma ‘fundamentação’ rigorosa do balanceamento efectuado
para a solução dos conflitos”.106
Segundo Steinmetz,107 a realização da ponderação de bens requer o atendimento de
dois pressupostos básicos: 1º) a colisão de direitos fundamentais e bens constitucionalmente
protegidos, na qual a realização ou otimização de um implica a afetação, a restrição ou até
mesmo a não-realização do outro; e 2º) a inexistência de uma hierarquia abstrata,108 a priori,
entre os direitos em colisão, isto é, a impossibilidade de construção de uma regra de
prevalência definitiva ex ante, prescindindo das circunstâncias do caso concreto.109
A Carta Magna de 1988 revela diversos pontos de tensão normativa, isto é, de
proposições que consagram valores e bens jurídicos que se contrapõem e que devem ser
harmonizados pelo intérprete. Em tais casos, opção outra não restará ao exegeta que não
utilizar a Teoria dos Princípios e a ponderação dos valores envolvidos para obter a solução
mais justa à preservação dos direitos fundamentais em conflito,110 pois, como nos ensinaram
Hans-George Gadamer e Santo Tomás de Aquino,
ao jurista é imprescindível, muito mais que aplicar a lei ao caso concreto, saber interpretá-la de modo a alcançar o justo. Esta interpretação deve considerar, essencialmente, a causa do homem — visto como ser humano que vive em sociedade, que aspira ao Bem-Comum. A lei deve existir para servir ao homem e não o homem à lei.111
106 Ibid., p. 1109. 107 STEINMETZ, op. cit., p. 142. 108 Os argumentos metodológicos se opõem a uma ordem hierárquica de valores e à ponderação. De fato, não é
concebível uma ordem hierárquica abstrata de valores, por várias razões: primeiro, porque seria difícil identificar, de forma exaustiva, os valores relevantes, desde o ponto de vista dos direitos fundamentais, a serem ordenados; e, segundo, porque problema mais grave do que o da identificação é o da ordenação ou hierarquização dos valores. ALEXY, 1997b, op. cit., p. 153. Não bastasse isso, a ponderação está sujeita ao arbítrio de quem a realiza, imperando, pois, o subjetivismo e o decisionismo judiciais. Ibid., p. 157.
109 Canotilho acrescenta ainda um terceiro pressuposto: “finalmente, é indispensável a ‘justificação e motivação’ da regra de prevalência parcial assente na ponderação, devendo-se ter em conta sobretudo os princípios constitucionais da igualdade, da justiça, da segurança jurídica”. CANOTILHO, 1998, op. cit., p. 1113.
110 Vale observar, contudo, que, uma vez certificada a inexistência de uma prevalência em tese de um princípio sobre outro, deve ter o aplicador da norma constitucional o cuidado quando da identificação de colisões de direitos fundamentais, pois nem todas as situações se caracterizam como sendo verdadeiras colisões. Nesse passo, deve-se verificar qual a efetiva abrangência da norma, pesquisando-se adequadamente o seu conteúdo. Assim, não se poderia afirmar que o direito à vida é uma limitação ao direito de manifestação artística (quando, por exemplo, se permitisse, em uma cena teatral, a um ator matar outro sob o pálio da liberdade de expressão, para dar mais realismo à peça). Nessa situação não há que se falar em conflito entre direitos fundamentais, uma vez que inexiste direito à livre manifestação com a extensão pretendida. Nesse, como em muitos outros casos, ensina Edílson Farias que não se trata de colisão de direitos fundamentais, uma vez que a norma constitucional não protege essas formas de exercício de direitos. Constatando o intérprete que, no caso concreto, o âmbito de proteção do direito exclui a forma e o tipo de exercício do direito invocado, não haverá preservação do núcleo essencial através do processo de ponderação, somente aplicável nos verdadeiros processos de colisão. FARIAS, op. cit., p. 97.
111 Apud MUSETTI, Rodrigo Andreotti. A hermenêutica jurídica de Hans-George Gadamer e o pensamento de Santo Tomás de Aquino. Revista A Priori. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/ texto.asp?id=31>. Acesso em: 21 out. 2001.
45
CAPÍTULO III
O DIREITO DE PROPRIEDADE
SUMÁRIO: 3.1 Fundamentos filosófico-jurídicos da propriedade. 3.2 A propriedade como categoria de direito subjetivo: a teoria individualista da propriedade. 3.3 A teoria social da propriedade. 3.4 A propriedade nas Constituições brasileiras. 3.5 O princípio da função social da propriedade. 3.6 Princípio da função social da propriedade e as regras constitucionais programáticas.
3.1 Fundamentos filosófico-jurídicos da propriedade
A apropriação dos bens dispostos na natureza e na sociedade é o veículo necessário
para a sobrevivência humana. Esta conduta existia até mesmo nos agrupamentos mais
primitivos. É bem verdade que a propriedade primitiva possuía uma natureza comunal (é o
que se depreende da leitura do primeiro capítulo da obra de Engels),112 mas a evolução da
sociedade levou à individualização dos bens da vida.
Partindo de premissas diversas, Rousseau afirma que o fundador da sociedade civil
foi o primeiro proprietário. Para ele, “o primeiro que, tendo cercado um terreno, arriscou-se a
dizer: ‘isso é meu’, e encontrou pessoas bastante simples para acreditar nele, foi o verdadeiro
fundador da sociedade civil”.113
Para se compreender bem este ente é necessário identificar como os teóricos do
Direito e da Filosofia conceberam a propriedade ao longo da história.
Nesse passo, ainda hoje dissentem os etnólogos quanto à existência da propriedade
privada entre todos os povos antigos. Se alguns, como Lemonyer,114 afirmam que não se
conhecem povos primitivos que não tenham tido noção da propriedade privada, não parece
haver discordância quanto ao fato de que gregos e romanos, desde os primórdios de suas
civilizações, tiveram a propriedade privada.
112 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade e do Estado. Trad. Leandro Konder. 14. ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, p. 21-28. 113 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens.
Trad. Iracema Gomes Soares e Maria Cristina Roveri Nagle. Brasília: UnB; São Paulo: Ática, 1989, p. 84. 114 Apud FURTADO, Miguel Pró de Oliveira. Retrocessão e direito de propriedade. Revista de Direito Público,
São Paulo, ano 23, n. 95, jul/set. 1990, p. 114-115.
46
Embora alguns autores centralizem o foco de sua atenção sobre a posse e não sobre a
propriedade, como é o caso de Ehrlich,115 o que este último pretende salientar, mais do que o
aspecto jurídico, é o fato de que o possuidor utiliza a coisa “de acordo com sua destinação
econômica”.116 Pode-se, assim, admitir que a propriedade sempre existiu entre os homens.
O problema do fundamento da propriedade foi longamente discutido pelos teóricos
do Direito Natural. Todas as teorias podem ser divididas em dois grandes grupos: aquelas que
afirmam que a propriedade é um direito natural, ou seja, um direito que nasce no estado de
natureza, antes e independentemente do surgimento do Estado, e aquelas que negam o direito
de propriedade como direito natural e, portanto, sustentam que o direito de propriedade nasce
somente como conseqüência da constituição do estado civil.
A Escola Sociológica Francesa, por exemplo, viu na propriedade um prolongamento
da personalidade. A Escola Interpsicológica, seguindo a mesma trilha, ensinou que o meu é
uma extensão do eu.117
A propriedade privada é ainda hoje defendida pelos escolásticos como instituto de
direito natural. E é esse mesmo direito natural, que nunca se extinguiu de todo, que volta a
renascer presentemente. Segundo o testemunho de David, “o renascimento da idéia do direito
natural, que na nossa época se observa, é próprio para fazer reviver a idéia do direito comum,
vivificando o sentimento de que o direito não deve ser concebido como se identificando com a
lei e como tendo, por esse fato, um caráter nacional”.118
Rompendo com o direito natural, o positivismo passou a defender a possibilidade de
o príncipe poder criar o direito, sem vinculação com quaisquer valores. Favoráveis a esta
solução são Hobbes e Rousseau, os quais, em conformidade com suas próprias premissas,
segundo as quais o estado civil representa uma transformação radical das relações humanas
com relação ao estado de natureza, declaram que a propriedade individual, enquanto direito de
usufruir e de dispor das coisas com exclusão de qualquer outro, realiza-se somente no âmbito
da constituição estatal, sendo, portanto, um direito positivo.
115 EHRLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. Brasília: UnB, 1986, p. 71. 116 Ibid., p. 77. 117 FONTOURA, Amaral. Introdução à sociologia. 3. ed. Porto Alegre: Globo, 1961, p. 195. 118 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1986, p. 55.
47
O pensamento de Hobbes é expresso de maneira inequívoca na seguinte passagem de
sua obra De Cive:
Porque [...] antes da constituição de um Estado todas as coisas estão em situação comunitária, e não há nada que alguém possa dizer ser seu sem que um outro possa dizer, com o mesmo direito, a mesma coisa (quando tudo é comum, nada é propriedade dos indivíduos singulares), deriva de que o conceito de propriedade surgiu por meio da constituição do Estado; e se afirma que é propriedade de alguém aquilo que ele pode deter para si, segundo as leis e em virtude da autoridade do Estado, ou seja, em virtude da vontade de quem detém a soberania (VI, 15).119
Para ele “onde não há Estado, não há propriedade, pois todos os homens têm direito a
todas as coisas”.120
Da mesma forma que Hobbes pensava Montesquieu, que acreditava que a
propriedade privada era concessão do Estado.121
Rousseau também nega o direito de propriedade como direito natural e sustenta que o
direito de propriedade nasce somente como conseqüência da instituição do estado civil. Para
ele,
o que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo quanto deseja e pode alcançar; o que com ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo que possui. Para que não haja engano a respeito dessas compensações, importa distinguir entre a liberdade natural, que tem por limites apenas as forças do indivíduo, e a liberdade civil, que é limitada pela vontade geral, e ainda entre a posse, que não passa do efeito da força ou do direito do primeiro ocupante, e a propriedade, que só pode fundar-se num título positivo.122
Para Rousseau toda a propriedade é submetida ao Estado, ainda quando apenas para
atribuí-la e garanti-la aos particulares; fora do estado civil, não há mais do que simples posse
e, pois, só há propriedade na sociedade organizada.
Vale ressaltar, contudo, que, antes de Rousseau, Pufendorf já havia sustentado a tese
de que a propriedade tinha fundamento no contrato. A teoria convencionalista da propriedade
era uma solução intermediária entre a que vinculava a propriedade diretamente ao estado da
natureza e a que derivava unicamente do Estado. Para dar origem à propriedade, segundo essa
perspectiva, o Estado não era necessário; mas também não bastava a natureza. Era preciso a
livre vontade dos indivíduos que conviviam. 119 Apud BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. Trad. Alfredo Fait. 4. ed.
Brasília: UnB, 1997, p. 103. 120 HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Victor Civita, 1973, t. 14, p. 90. (Coleção Os Pensadores). 121 MONTESQUIEU. Do espírito das leis. São Paulo: Victor Civita, 1973, t. 21. (Coleção Os Pensadores). 122 ROUSSEAU, Jean Jacques. O contrato social. Trad. Antônio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes,
1998, p. 26.
48
Pufendorf criou a categoria do direito natural convencional, distinta do direito
positivo (porque era ainda um produto da sociedade natural) e do direito natural (porque o seu
fundamento não era mais a natureza, porém a vontade). O instituto típico desse direito era
justamente a propriedade.
Embora menos drástica que a de Hobbes, a teoria de Pufendorf também tinha seus
inconvenientes. É que a doutrina convencionalista da propriedade não era muito satisfatória. E
tal se dava porque, para garantir o direito de propriedade de uma determinada pessoa, era
necessário que as outras se obrigassem a respeitá-lo e, como no estado da natureza as outras
são todos os homens, a rigor, para garantir o direito de propriedade, deveria haver a
concordância de todos eles, o que de fato não é possível. Em outras palavras: dada a natureza
da propriedade como direito absoluto, o acordo só pode instituir o direito de propriedade se
for universal, o que é impossível no estado da natureza. O acordo universal só é possível no
estado civil, daí a razão de a teoria convencionalista estar intrinsecamente ligada à figura do
Estado.
Não se pode olvidar, também, que o absolutismo de Hobbes sofreu crítica ainda de
seus contemporâneos, vez que, já àquele tempo, ninguém menos que Locke apregoava a idéia
de que “em estado natural o homem vive em liberdade, mas não em licenciosidade”.123
Um dos maiores esforços feitos por Locke foi o de ter demonstrado que a
propriedade é um direito natural, no sentido específico de que ela nasce e se aperfeiçoa no
estado da natureza, ou seja, antes que o Estado seja instituído e de forma independente.
Afastada, assim, a teoria política de Hobbes e a convencionalista de Pufendorf,
tornava-se necessário voltar-se diretamente para a natureza original do homem — à sua
condição natural, antes do surgimento da sociedade civil e antes ainda daquela forma
rudimentar de consórcio que se estabelece por meio de um acordo recíproco, para dar à
propriedade individual um fundamento que a abrigasse da ingerência do soberano e das outras
pessoas estranhas ao acordo.
Para encontrar um título de aquisição original da propriedade, a doutrina jurídica
tradicional oferecia principalmente duas soluções: a ocupação, como posse res nullius, com a
intenção de apropriar-se do bem; e a especificação, isto é, a transformação de um objeto,
mediante o trabalho individual.
123 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Victor Civita, 1973, t. 18, p. 42. (Coleção Os
Pensadores).
49
Locke não aceitava a doutrina da ocupação, eis que, para ele, as coisas do mundo
externo eram, no estado da natureza, res communes; a situação original do estado da natureza
se caracterizava não pela ausência da propriedade, mas pela sua universalidade. Para ele, a
passagem para um regime de propriedade individual ocorria não mediante um processo de
apropriação, mas essencialmente por individuação.
Afastando a teoria da ocupação, Locke, embora sem se referir de forma explícita ao
instituto da especificação, sustenta que o fundamento da propriedade individual devia ser
procurado no trabalho, empregado para apropriar-se de uma coisa ou para transformá-la,
valorizando-a economicamente.
Em um trecho de sua obra, Locke preleciona que
embora a terra e todas as criaturas inferiores sejam comuns a todos os homens, cada um é proprietário da sua própria pessoa, à qual tem direito exclusivo. Podemos dizer que o trabalho do seu corpo e das suas mãos é propriamente seu. A todas as coisas retiradas do estado em que a natureza as produziu e liberou ele acrescenta o seu trabalho, dando-lhes algo que lhe é próprio e, com isso, tornam-se sua propriedade.124
Considerada a aquisição original da propriedade individual como um processo de
individuação, Locke busca justificá-la com a aplicação à coisa daquilo que é
inconfudivelmente individual: a energia despendida para apossar-se de algo, ou para valorizar
esta coisa economicamente.
Para Locke é o trabalho que dá valor às coisas. Para superar a propriedade comum da
terra é preciso valorizá-la com o trabalho. Tal pensamento é retratado no seguinte trecho: “E
não é estranho, como talvez pudesse parecer à primeira vista, que a propriedade do trabalho
possa superar a comunidade da terra, porque é justamente o trabalho que põe em todas as
coisas a diferença de valor”.125
Vê-se, pois, que, para Locke, “embora as coisas da natureza tenham sido dadas em
comum”,126 o homem “sempre teve em si mesmo o primeiro fundamento da propriedade”, isto
significando dizer que o fundamento da propriedade reside na própria natureza do homem, na
capacidade que o mesmo possui de transformar, em seu benefício, o mundo externo, com sua
energia pessoal.
124 LOCKE, John Segundo tratado sobre o governo civil e outros escritos. Trad. Magda Lopes e Marisa Lobo da
Costa. Petrópolis: Vozes, 1994. Cap. 5, artigo 27, p. 98. (Clássicos do Pensamento Político). 125 Ibid., Cap. 5, artigo 40, p. 106. 126 Vide explicação sobre o assunto no artigo 44. Ibid., Cap. 5, artigo 44, p.108.
50
Entre os dois grupos de teorias extremas, ou seja, entre aqueles que consideram a
propriedade como um direito positivo e aqueles que a consideram como um direito natural,
Kant mantém uma posição intermediária. Ele sustenta que a propriedade é um direito natural,
isto é, que a aquisição jurídica de uma coisa se dá independentemente do Estado; mas
sustenta, por outro lado, em conformidade com a distinção entre direito privado e direito
público, que a aquisição de uma coisa própria, no estado de natureza, é meramente provisória,
e somente após a constituição do Estado torna-se peremptória. Com relação à passagem do
estado de comunidade originária para a propriedade individual, Kant não aceita nem a teoria
do contrato nem a do trabalho, mas se volta para a teoria tradicional, que considerava a
ocupação como título de aquisição originária da propriedade.
Pautado em Kant, Durkheim se manifesta no sentido de que
o gênero humano é o proprietário ideal da Terra. Este direito de propriedade se pode tornar em realidade mediante os indivíduos. Por um lado os indivíduos têm o direito de querer apropriar-se de tudo quanto possam do domínio comum, com a ressalva de não avançarem uns nos direitos dos outros, condição preenchida pelo simples fato de o solo apropriado ainda não estar ocupado. Por outro lado, por isso que o ato pelo qual se faz essa apropriação é ato de vontade, é independente de toda relação espacial. Têm, pois, o mesmo valor moral, estejam onde estiverem, respectivamente, o objeto e o sujeito. Assim fica justificada a posse de alguma coisa que não detenho atualmente. Cumpre ajuntar, todavia, vale essa justificação não somente em matéria de direito, e de idéia, como em matéria de fato.127.
No Brasil, Pontes de Miranda insiste na idéia de Hobbes e Montesquieu e ensina que
“a propriedade privada é instituto jurídico”.128
Poder-se-ia pensar que o comunismo tentou abolir a idéia de propriedade privada.
Isso, todavia, não é verdade, pois, como advertiu Marx e Engels,
todas as relações de propriedade têm passado por modificações constantes em conseqüência das contínuas transformações das condições históricas. A Revolução Francesa, p. ex., aboliu a propriedade feudal em proveito da propriedade burguesa. O que caracteriza o comunismo não é a abolição da propriedade geral, mas a abolição da propriedade burguesa.129
127 DURKHEIM, Émile. Lições de sociologia: a moral, o direito e o Estado. Trad. J. B. Damasco Penna.
São Paulo: T. A. Queiroz Editor; USP, 1983, p. 118-119. 128 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda 1/69.
3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, t. 5, p. 393. 129 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto comunista. 8. ed. São Paulo: Nova Stella, 1988, p. 27.
51
3.2 A propriedade como categoria de direito subjetivo: a teoria individualista da
propriedade
A noção de direito subjetivo, isto é, do direito como atributo do sujeito, era estranha
aos antigos, pois pressupõe o desenvolvimento da idéia, tipicamente moderna, de
subjetividade. Por isso mesmo Saldanha adverte que “a própria divisão entre direito objetivo e
direito subjetivo serviu de certo modo (e Kelsen mesmo é que observou) aos interesses da
burguesia interessada em salvaguardar a subjetividade e a atividade individual de ingerências
estatais”.130
A individualização do sujeito, pela descoberta de uma sua interioridade espiritual, se
operará sob o influxo decisivo do Cristianismo, cujo apogeu intelectual se dá no século XIII,
através de nomes como Boaventura, Santo Tomás de Aquino e Roger Bacon.131 Essa evolução
culminará naquele momento instaurador da modernidade intelectual, representado pelo cogito
cartesiano, experiência radicalizada na reflexão transcendental kantiana.
Quanto à noção de direito subjetivo, segundo Villey,132 o primeiro a distingui-la teria
sido o filósofo nominalista medieval, da Escola de Oxford, Guilherme de Occan, enquanto
atributo inerente ao homem, que o coloca em uma situação de vantagem frente a outrem.133
A concepção nominalista, originariamente inglesa, mas que se expandiu no século
XV para os demais centros principais de estudos da época, situados notadamente em Paris e
na Espanha, passou ainda pela influência do contratualismo de Hobbes e Locke, com seu
individualismo possessivo, a exigir, a um só tempo, o apoio a um poder soberano e a
imposição de limites ao mesmo, que garantissem uma esfera de direitos individuais, idéia
típica do jusnaturalismo racional iluminista. A partir daí se estabelece a idéia de um direito
próprio do indivíduo, sua propriedade exclusiva, parte que lhe cabe na repartição jurídica do
patrimônio social, em virtude do reconhecimento de sua personalidade, de sua capacidade
para ter e exercer direitos, pelo só motivo de ser pessoa humana. A personalidade jurídica,
com o conjunto de direitos que lhe são inerentes, emana, portanto, diretamente do sujeito,
donde serem esses direitos, direitos subjetivos.
130 SALDANHA, Nelson. Sociologia do direito. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 65. 131 LIMA VAZ, Henrique C. de. Escritos de filosofia I: problemas e fronteiras. São Paulo: Loyola, 1986, p. 9. 132 VILLEY, Michel. Filosofia do direito. São Paulo: Atlas, 1977, p. 120. 133 No direito romano, o jus, quando referido ao cidadão, o jus civita, era antes uma relação da pessoa com os
outros globalmente considerados, e não dos cidadãos individualmente.
52
Na segunda metade do século XIX, sob o impacto da Revolução Industrial, surgiu a
concepção idealista, que consistia na tentativa de explicar causamente o direito, enquanto
fenômeno, determinado por fatores extra-jurídicos.134 Nessa linha se situa a crítica de Marx à
concepção vigente do direito, revelando a relação jurídica, e os sujeitos de direitos nela
envolvidos, como meras fantasias, criadas pela ordem jurídica burguesa. “O que há,
concretamente, são relações sociais em que se envolvem os indivíduos, nas quais parte deles,
em geral, só abstratamente possuem a ‘autonomia da vontade’ e os direitos subjetivos,
assegurados naquela ordem, para permitir o desenvolvimento das trocas econômicas em um
regime capitalista”.135 Daí assistir razão a Miaille quando aponta o fundamento do direito
subjetivo “na idéia de que a pessoa é por si mesma criadora de direito”, transferindo para o
homem a prerrogativa divina de criação a partir do nada (ex nihilo). “Neste sentido”,
acrescenta, “a noção de direito subjetivo é propriamente metafísica. Para pensar nesta noção,
é preciso ‘acreditar’ no Homem”.136
Ihering, por sua vez, foi o responsável pela concepção naturalista do direito
subjetivo. Para ele o direito subjetivo nada mais seria do que o interesse juridicamente
protegido.137
Um aspecto da concepção de Ihering sobre os direitos subjetivos que é importante
ressaltar é o caráter social por ele atribuído aos direitos privados. O referido autor vai, neste
contexto, apregoar o reconhecimento de limites impostos à liberdade do indivíduo no
interesse da sociedade, questionando o direito absoluto de propriedade, que isolava o
indivíduo de todos os elementos sociais em meio aos quais ele se move. Há, então, de se
impor restrições à propriedade — e até mesmo expropriações —, para que se conciliem os
interesses da sociedade e do proprietário, já que o indivíduo existe também para os outros, e
que a sociedade, que é quem faz desse mesmo indivíduo um homem no sentido elevado do
termo, pode exigir-lhe que colabore nos seus fins, como o ajuda a alcançar os dele. Tal
concepção repercutiu, certamente, em Viena, cidade em que Ihering lecionara com tanto
134 WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. Trad. A. M. Botelho Hespanha. Lisboa: Editora
Caloute Gulbenkian, 1980, p. 652 e ss. 135 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Direitos subjetivos, direitos humanos e jurisprudência dos interesses. In:
ADEODATO, João Maurício (Org.). Ihering e o direito no Brasil. Recife: Universitária, 1996, p. 245. Seminário Nacional em Comemoração ao Centenário de seu Falecimento.
136 MIAILLE, Michel. Uma introdução crítica ao direito. Trad. Ana Prata. Lisboa: Morais, 1979, p. 142. 137 GUERRA FILHO, 1996, op. cit., p. 234.
53
sucesso, onde Anton Menger, em O Direito Civil e as Classes Despossuídas,138 cunhou a
noção tão hoje difundida da função social da propriedade.
Efetuado este breve retrospecto na concepção do direito subjetivo, o certo é que
existem várias teorias que tentam fundamentar a propriedade a partir da dicotomia direito
objetivo e direito subjetivo.
Teixeira de Freitas lecionava que liberdade, segurança e propriedade integravam o
rol dos chamados direitos absolutos. Para o referido autor,
o direito de propriedade é uma realização do direito de personalidade relativamente aos objectos exteriores, de que o homem tem necessidade para sua existência e desenvolvimento. Antes dessa realização existe a simples faculdade — liberdade — de unir à personalidade os objetos exteriores. Ainda não há direito de propriedade. O direito de propriedade começa no momento em que a união se verifica.139
Albuquerque entende que “para a compreensão de propriedade como categoria de
direito subjetivo sugere-se a utilização da noção de livre arbítrio, que traz ínsita a idéia de
liberdade”.140 O direito à propriedade privada e à liberdade eram valores contemporâneos à
codificação liberal, “intrinsecamente vinculados à pessoa e tidos como corolários da própria
personalidade”.141 “Esta realidade propiciou o desenvolvimento de uma propriedade erigida à
categoria de direito absoluto, inviolável e sagrada, em contraposição à propriedade feudal
típica que persistiu no período do absolutismo monárquico”.142
A teoria individualista da propriedade, ou da personalidade da propriedade, ao
absorver os preceitos do Estado Liberal, cunhou a idéia de que a propriedade era absoluta e
exclusiva. Para tal teoria, a propriedade tem por destinatário o próprio indivíduo-proprietário,
que tinha a liberdade de usar, gozar e dispor de seus bens da forma que mais lhe aprouvesse,
podendo excluir todos os demais desse gozo.143
138 Tradução livre do original em alemão. 139 FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das leis civis. 3. ed. Rio de Janeiro: Livreiro Editor, 1896, p.
LXVI. 140 ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. Direito de propriedade e meio ambiente. Curitiba: Juruá, 1999, p. 41. 141 Ibid., p. 41. 142 Ibid., p. 28. 143 Vê-se, pois, que de acordo com tal teoria “a propriedade [...] encerra dois efeitos imediatos: um positivo, que
é o gozo da coisa pelo proprietário de maneira absoluta, e outro negativo, o qual impõe uma abstenção de conduta (dever) a todos os outros, com os quais o agente do direito (direito subjetivo) possa estar em contato, ou seja, o proprietário tem o direito de exigir uma abstenção de conduta de qualquer um que ameace sua propriedade”. ALBUQUERQUE, op. cit., p. 42-43. Importante acrescentar, aqui, é a crítica sobre o sentido de exclusão, ínsito à propriedade privada, pois “excluir supõe a existência duma classe de homens sem propriedade alguma. O desabrochar da personalidade da propriedade só se realiza em alguns poucos, e ainda, quanto a estes, sob a condição de se tornar impossível para infinitos outros. A propriedade privada exclui uns
54
Da teoria individualista da propriedade, foi o famoso poeta e cientista alemão Goethe
quem soube dar a melhor fórmula para o seu entendimento. Aduz este autor que a propriedade
manifesta-se “sob a forma dum alargamento da própria personalidade, duma personalidade
que se projeta nas coisas. Subordinada à personalidade, como que saturada dela, uma tal
propriedade converte-se, por assim dizer, num todo orgânico com a pessoa do proprietário”.144
Vale ressaltar, por fim, que a propriedade, hoje, perdeu todo o caráter de uma relação
jurídica em que entra alguma coisa de afeição ou de personalidade, e se converteu numa
relação em que só domina um fim econômico – o capital. E como o capital tem como
contrapartida o proletariado, a propriedade, sob esta forma, supõe a existência de uma classe
de homens sem propriedade alguma, isto significando dizer que se a teoria da personalidade
não quiser ser apenas, como no Liberalismo, uma mera possibilidade aberta aos fortes, mas se
quiser ser, na Democracia, uma possibilidade igual para todos, carece de sofrer uma
modificação, vez que é preciso que dê também um lugar, ao lado do direito de propriedade, ao
direito à propriedade, ou, para ser mais enfático, a um direito ao trabalho.
3.3 A teoria social da propriedade
As teorias individualistas da propriedade nunca foram, porém, até hoje,
rigorosamente individualistas. Assentavam no pressuposto de uma harmonia preestabelecida
entre o interesse individual e a utilidade geral. As teorias sociais da propriedade separam-se
delas justamente por reconhecerem que esta harmonia preestabelecida não passa de uma
ilusão, e que a função social da propriedade, longe de se achar indissoluvelmente ligada à sua
função no interesse do indivíduo, carece também de ser definida e assegurada ao lado desta de
uma maneira particular.
Foi só recentemente (1931), na Encíclica papal Quadragesimo Anno, que a teoria
social da propriedade alcançou uma feição autoritária. Ela distingue, antes de mais nada,
direito de propriedade e uso da propriedade. No que tange ao primeiro, aparece só o lado
individual da propriedade, voltando-se para o interesse do indivíduo; no que se refere ao
segundo, aparece, porém, já o seu lado social, olhando exclusivamente para o interesse da
coletividade. Aqui o legislador é quem, com autoridade, pode e deve regular o uso do direito
de propriedade em vista das exigências do bem comum, podendo mesmo “reservar para o
do gozo das coisas, para só dar a outros”. RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. Trad. Cabral de Moncada. 6. ed. Coimbra: Armênio Amado Editor, 1979, p. 276.
144 Apud RADBRUCH, 1979, op. cit., p. 272.
55
domínio público determinadas categorias de bens, quando o grande predomínio social, que às
vezes à sua posse se liga, possa, se abandonado nas mãos dos particulares, constituir um grave
risco para o interesse da coletividade”.145
Na Constituição de Weimar, de 1919, há, com efeito, uma doutrina semelhante, pois
não só se reconhece também (art. 153) a propriedade individual, como se associa a esse
reconhecimento o de um dever moral relativamente ao uso social de tal direito: “a propriedade
obriga e o seu uso e exercício devem ao mesmo tempo representar uma função no interesse
social”. A propriedade passou a ser considerada um direito limitado e condicional, e deixou
de ser um direito sem condições e sem limites, sagrado, inviolável, que se justifica por si
mesmo. Tal Constituição, pelo seu cunho inovador e revolucionário, serviu de base a todas as
Constituições posteriores, sendo, pois, fundamental à consolidação do Estado Social.
Os ideais sociais alteraram a concepção do direito de propriedade. Ao tempo em que
afastou o caráter absoluto e individualista que reinava no Liberalismo, o Estado Social,
voltado para a consecução da justiça social e do bem comum, deu à propriedade um conteúdo
de humanização e fez incidir limitações que atingem o direito de propriedade no ponto
central, ou seja, no domínio pleno (conteúdo).146 “Os poderes até então conferidos ao
proprietário de usar, gozar e dispor da coisa de forma absoluta e ilimitada, tornam-se relativos
e sobre a propriedade passa a incidir uma obrigação. Permanece assegurado o direito
subjetivo de propriedade, porém seu uso condicionado a um dever, a uma função social”,147
daí a origem do princípio da função social da propriedade.
No Estado Social vislumbra-se a propriedade inserida dentro de um contexto de
igualdade material, cujo exercício deve ser condicionado às exigências legais e sempre em
prol do bem comum. A propriedade não pode mais ser analisada isoladamente, uma vez que
deve ser vista como integrante de um complexo de componentes políticos, econômicos e
sociais. Difere, pois, da concepção do Estado Liberal, onde a propriedade é localizada no
mesmo plano da liberdade individual, como direito natural e imprescritível do homem.148
145 RADBRUCH, 1979, op. cit., p. 279. 146 Aqui se legitima o intervencionismo estatal a fim de coibir o uso da propriedade quando o seu proprietário
não a estiver utilizando da maneira determinada pela lei. 147 ALBUQUERQUE, op. cit., p. 53-54. 148 Ibid., p. 54-55.
56
3.4 A propriedade nas Constituições brasileiras
O denominado direito de propriedade habita os textos constitucionais brasileiros
desde a Constituição do Império. Entretanto, as duas primeiras Constituições da nação
brasileira, embaladas pelo ideal liberal vigente no período de suas elaborações, não limitaram
o direito de propriedade. É o que se colhe do art. 179, XXII, da Constituição do Império,149 e
do art. 72, § 17 da Constituição de 1891.150
A Constituição de 1934, entretanto, na esteira da Constituição de Weimar, ao
disciplinar a propriedade, no art. 113, 17,151 vedou a sua utilização contra o interesse social ou
coletivo.152
A redação cunhada pela Carta Política de 1934 não foi acolhida no Texto
Constitucional de 1937 (art. 122, 14).153 Mais uma vez a propriedade ficava livre das amarras
da função social.
Após a Segunda Guerra Mundial, o Brasil foi assolado por idéias democráticas que
culminaram com o fim da era Vargas e a edição de nova Constituição. Através da
Constituição de 1946 o direito de propriedade passou a ser condicionado ao bem-estar
social.154 Acerca desta inovação, Bandeira de Mello preleciona que, “sem dúvida alguma, este
preceptivo é um marco jurídico. Com efeito, não apenas se prevê a desapropriação por
interesse social, mas se aponta, no aludido art. 147, para o rumo social da propriedade, ao ser
prefigurado legislação que lhe assegure justa distribuição, buscando mais que a tradicional
igualdade perante a lei, igualdade perante a oportunidade de acesso à propriedade.”155
149 Art. 179, XXII: “É garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem público, legalmente
verificado, exigir o uso e o emprego da propriedade do cidadão, será elle prèviamente indemnizado do valor della. A lei marcará os casos em que terá lugar esta única excepção, e dará as regras para determinar a indemnização” (sic).
150 Art. 72, § 17: “O direito de propriedade mantém-se em toda plenitude, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indemnização prévia” (sic).
151 Art. 113, 17: “É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou collectivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indemnização. Em caso de perigo imminente, como guerra ou commoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito a indemnização ulterior” (sic).
152 Aqui, pela primeira vez, a expressão ‘interesse social’ manifestou-se expressamente, dado revelador da nova concepção do direito de propriedade.
153 Art. 122, 14: “A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no país o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade privada, nos termos seguintes: [...] 14 — o direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia. O seu conteúdo e os seus limites serão os definidos nas leis que lhe regularem o exercício”.
154 Art. 147: “O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos”.
155 Apud BARBOSA, Diana Coelho. A função social da propriedade. São Paulo: Max Limonad, 1995, p. 117.
57
Muito embora de cunho autoritário, as Constituições de 1967 e de 1969 declararam
explicitamente a função social da propriedade.156
A Carta Política de 1988 foi detalhista com relação à função social. Além de garantir
o direito de propriedade,157 determinou que esta atenderia a sua função social.158 Ademais, a
função social da propriedade, tal qual o direito de propriedade, passou a ser princípio da
atividade econômica.159
No que diz respeito à política urbana, a Constituição em comento identificou a
propriedade imobiliária urbana que cumpre a função social. É o que se depreende do art. 182,
§ 2º, da CF/88.160
Já quanto à propriedade imobiliária rural, a Constituição de 1988 fixou os parâmetros
da função social no art. 186,161 além de possibilitar, conforme dicção do art. 184, a
desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária.
Segundo Canotilho, “o direito de propriedade individual é um direito de expressão
constitucional, um direito, pois, fundamental, um dos que a comunidade política elegeu como
indesligáveis da pessoa, como instrumento natural do seu desenvolvimento econômico, social
e cultural”.162
Com bastante percuciência, assevera Albuquerque que
o fato de o instituto da propriedade privada ter sido alçado à condição de princípio constitucional não importa concluir que tenha deixado de ser regulado pelo direito privado. Todavia, vale ressaltar que, embora a legislação infraconstitucional ainda mantenha a concepção histórica daquele direito, sua interpretação, entretanto, não poderá ser destituída do viés constitucional.163
156 O art. 157 da CF/67 tem a seguinte redação: “A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com
base nos seguintes princípios: [...] III - função social da propriedade”. A Emenda Constitucional nº 1, de 1969, considerada pela doutrina como a Constituição de 1969, através do art. 160, positivou a função social. Diz o art. 160 que “a ordem econômica e social tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social, com base nos seguintes princípios: [...] III - função social da propriedade”.
157 Vide art. 5º, XXII, da CF/88. 158 Vide art. 5º, XXIII, da CF/88. 159 É o que se colhe da leitura do art. 170 da CF/88. 160 Art. 182, § 2º: “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de
ordenação da cidade expressas no plano diretor.” 161 Art. 186: “A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios
e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.”
162 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Proteção do ambiente e direito de propriedade: crítica de jurisprudência ambiental. Coimbra: Coimbra Editora, 1995, p. 9.
163 ALBUQUERQUE, op. cit., p. 63-64.
58
E tal se dá porque o regime da propriedade não se restringe às normas de Direito
Civil, compreendendo todo um complexo de normas administrativas, ambientais, urbanísticas,
empresariais e — logicamente — civis, fundamentado nas normas constitucionais. Cabe ao
Direito Civil disciplinar as relações jurídicas civis decorrentes do direito de propriedade. A
Constituição confere à propriedade uma concepção mais ampla, determinando juridicamente a
sua limitação positiva (até onde vai o conteúdo) e a sua limitação negativa (até onde vêm ou
podem vir as incursões dos outros), procurando orientá-la como um instrumento de bem-estar
social.164
Com razão, pois, Meirelles quando afirma que
modernamente o Estado de Direito aprimorou-se no Estado de Bem-Estar (Welfare State), em busca de melhoria das condições sociais da comunidade. Não é o Estado Liberal, que se omite ante a conduta individual, nem o Estado Socialista, que suprime a iniciativa particular. É o Estado orientador e incentivador da conduta individual no sentido do bem-estar social. Para atingir esse objetivo, o Estado de Bem-Estar intervém na propriedade e no domínio econômico, quando utilizados contra o bem-comum da coletividade.165
Todas as nossas Constituições asseguraram ou garantiram o direito de propriedade.166
Se se observar com atenção, contudo, constatar-se-á grandes diferenças entre a garantia “em
toda sua plenitude” (arts. 129, 22), da Constituição Imperial de 1824, e a garantia da atual
Constituição (art. 5º, inciso XXII), repleta que está de limitações constitucionais. E não era
para menos, já que entre os quase dois séculos que se interpuseram entre elas, ocorreu a
Revolução Industrial, a Revolução Russa e duas guerras mundiais.
Vale ressaltar, contudo, que, ainda que no campo meramente filosófico se possa
discutir sobre se a propriedade privada é decorrente do direito natural, ou instituto criado pelo
direito positivo e, portanto, passível de ser abolido, não se pode deixar de reconhecer que,
pelo menos para os nossos constituintes, as raízes da propriedade se fincam em algo anterior à
própria lei, ou seja, à conjuntura social que a legitima.
164 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Função social da propriedade na Constituição Federal. Revista Jurídica In
Verbis, Natal, v. 1, n. 1, mai./jun. 1995, p. 8-9. 165 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991,
p. 494-495. Discorrendo sobre essa nova concepção estatal, afirma o moderníssimo Gordillo: “a nuestro juicio, la noción de Estado de Bienestar há venido a operar como um correctivo para la noción clásica de Estado de Derecho, revitalizándola, pero en modo alguno suprimiéndola o sustituyéndola”. Apud MEIRELLES, 1991, op. cit., p. 495.
166 Pontes de Miranda mostra a distinção entre o assegurar e o garantir: “Os direitos constitucionais dizem-se assegurados, quando há a inserção na Constituição e alguma sanção; garantidos, quando se lhes dão meios técnicos que protejam o seu exercício”. MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Democracia, liberdade, igualdade: os três caminhos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 286. Segundo Furtado, “as Constituições de 1824, 1934, 1946, 1967 e 1988 “garantiram”; só 1891 e 1937 “asseguraram”. FURTADO, op. cit., p. 118.
59
Quer reconhecendo o direito de propriedade segundo a doutrina do Direito Natural,
quer outorgando-o de acordo com o Positivismo, o fato é que a Constituição garante a
propriedade privada, sendo vedado ao poder constituinte reformador ou ao legislador
ordinário extingui-la, qualquer que seja o seu pretexto.167 Entretanto, garantir o direito de
propriedade não significa que tal direito é absoluto e ilimitado. Pelo contrário, cada vez mais
imposições de ordem social, política e econômica estabelecem limites de conteúdo e de
exercício.
3.5 O princípio da função social da propriedade
Duguit concebeu, no início do século XX, a propriedade segundo as limitações da
função social. Para ele, “a propriedade deve ser compreendida como uma contingência,
resultante da evolução social; e o direito do proprietário, como justo e concomitantemente
limitado pela missão social que se lhe incumbe em virtude da situação particular em que se
encontra”.168
Partindo da premissa fixada por Duguit, apenas as propriedades que cumprissem a
função social mereceriam proteção. Neste caso, só estaria assegurado o direito de propriedade
quando esta cumprisse sua missão social.
A concepção de Duguit, conforme Barbosa,169 encontrou positivação na Constituição
de Weimar, de 1919, art. 153, cujo conteúdo já fora transcrito no presente trabalho (Cap. III,
item 3.3).
É digno de registro a notícia trazida por Dantas, com relação à função social da
propriedade, onde preleciona que, “como assevera Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a
concepção adotada pelo constituinte acolheu a concepção de São Tomás de Aquino de que o
proprietário é um procurador da comunidade para a gestão de bens destinados a servir a todos,
embora pertença a um só”.170
167 Como é cediço, a Constituição veda a proposta de emenda constitucional que tenha por objetivo abolir
direitos e garantias individuais, dentre os quais se encontra o direito de propriedade (art. 60, § 4º, da CF/88). Esta positivação revela o caráter essencial da propriedade em nosso sistema jurídico social, chegando-se até mesmo ao extremo de, às vezes, colocá-la acima da vida quando a legislação infraconstitucional considera o latrocínio um crime contra o patrimônio, malgrado a vida humana tenha sido ceifada.
168 DUGUIT, León. Fundamentos do direito. Trad. Márcio Pugliesi. São Paulo: Ícone, 1996, p. 29. 169 BARBOSA, 1995, op. cit., p. 114. 170 DANTAS, Francisco Wildo Lacerda. Manual jurídico da empresa. Brasília: Brasília Jurídica, 1998, 173.
60
Com bastante percuciência, afirma Afonso da Silva que
o caráter absoluto do direito de propriedade, na concepção da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, [...] foi sendo superado pela evolução, desde a aplicação da teoria do abuso do poder, do sistema de limitações negativas e depois também de imposições positivas, deveres e ônus, até chegar-se à concepção da propriedade como função social.171
O Estado Democrático de Direito, consagrado pela Constituição Federal de 1988,
tem por fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana e para tanto exalta como
objetivos a promoção do bem de todos a partir da construção de uma sociedade justa e
solidária (CF/88, art. 1º, III, c/c o art. 3º, I e IV).
Ao mesmo tempo em que a Carta Magna preserva o direito à propriedade privada,
imediatamente exige que a propriedade atenda a uma função social. Impõe, pois, a
harmonização entre o interesse individual e o coletivo.
O princípio da função social não é o caminho aberto para a socialização das terras
rurais por parte do Estado, mas, sem dúvida, a fórmula encontrada pela Lei Maior para
realizar a reforma agrária, sem, no entanto, malferir o princípio secular do direito de
propriedade. Limitar esse direito, sim, é conveniência que toda a sociedade exige, por isso
León Duguit enfatizava que “a propriedade não é um direito, é uma função social”.172 O
proprietário, é dizer, o possuidor de uma riqueza tem, pelo fato de possuir essa riqueza, uma
função social a cumprir; enquanto cumpre essa função, seus atos de propriedade estão
protegidos. Se não os cumpre, a intervenção dos governantes é legítima para obrigá-lo a
cumprir sua função social de proprietário, que consiste em assegurar o emprego das riquezas
que possui conforme seu destino. É por esse motivo que Orlando Gomes, diante da função
social, asseverou que “a propriedade é antes um serviço do que um direito”.173
A doutrina da função social da propriedade traz consigo o objetivo primordial de dar
sentido mais amplo ao conceito econômico da propriedade, encarando-a como uma riqueza
que se destina à produção de bens, para satisfação das necessidades sociais do seu
proprietário, de sua família e da comunidade envolvente, em oposição frontal ao arcaico
conceito civilista de propriedade. Nesse passo, e a título de exemplo, tem-se que a mera
detenção física, a vontade de dono da doutrina civilista, já não basta para que o homem
171 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 62-63. 172 Apud MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de construir. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 24. 173 Apud WEIGAND, Vera Maria. Reflexões sobre direito e sustentabilidade em tempos de globalização. Revista
Teia Jurídica. Disponível em: <http://www.teiajuridica.com/mz/sustdes.html>. Acesso em: 21 out. 2001, p. 10.
61
conquiste a propriedade plena da terra rural, pois tudo isso sem o trabalho produtivo nada
representa, de nada vale.174
Imputar uma função social à propriedade não significa estabelecer um direito ou um
dever ao bem, pois, como bem afirmou Vaz, “o capital não é sujeito de direitos e deveres, que
apenas mediatamente lhes podem ser impostos como funções ao cumprir, através do
reconhecimento e da imposição de direitos e deveres ao seu titular”.175
Para a referida autora, há um núcleo mínimo de propriedade privada, essencial à
preservação da dignidade humana e do acesso material aos bens da educação, cultura,
segurança, moradia, etc.176 Nesse caso, configura-se um direito fundamental à propriedade,177
consagrado no art. 5º, caput, da CF/88. A Constituição preserva, assim, o acesso do indivíduo
à propriedade, como instrumento de manutenção de sua sobrevivência mínima. E, ao mesmo
tempo, reconhece a garantia institucional da propriedade.
Já o direito de propriedade, configurado no art. 5º, inciso XXII, da CF/88,178
estabelece um direito individual, que confere soberania (bastante relativa) ao indivíduo ao
dispor, usufruir e gozar das comodidades dos bens que legitimamente possuir. O exercício
desse direito é, contudo, bastante limitado pelas leis do Estado, que mitigaram em muito a
plenitude do art. 524 e seguintes do Código Civil.179
174 É por essa razão que o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 30/11/64) preconizou, em seu art. 2º, que “é
assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra condicionada pela sua função social, na forma prevista na lei.” O Estatuto da Terra, abraçando a filosofia da função social, trouxe para o mundo do direito o conceito sócio-econômico de propriedade, como bem de produção, conjugando o econômico e o jurídico, para poder regrar as leis naturais da economia, dizendo que a propriedade da terra somente desempenhará integralmente a sua função social quando, simultaneamente, atender aos requisitos básicos ditados pelo art. 2º, e que a Constituição de 1988 recepcionou em seu art. 186. Diante de tal conceituação, resta evidente que é pelo trabalho e não simplesmente pelo fato do título que o homem conquistará o direito de propriedade sobre a terra. Por outro lado, dessume-se do conceito constitucional que a finalidade maior não é a proteção do fraco, mas, pelo contrário, objetiva incentivar a produtividade da terra, para que se alcance aquela função social de proteção aos agricultores. Se o proprietário rural não cultiva a terra e não a faz produzir, a intervenção estatal é legítima e se impõe a desapropriação por interesse social a fim de se atingir o bem-estar da coletividade (art. 2º da Lei 4.132, de 10/02/1962, e art. 18 do Estatuto da Terra).
175 VAZ, Isabel. Direito econômico das propriedades. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 149. 176 Ibid., p. 48. 177 Segundo Comparato, o reconhecimento constitucional da propriedade como direito humano liga-se, pois,
essencialmente à sua função de proteção pessoal. Entretanto, para ele, nem toda propriedade privada há de ser considerada direito fundamental e como tal protegida. Ainda segundo o referido autor, um dos poucos autores que acentuam a distinção entre a propriedade como direito humano e como direito ordinário é Hans-Jochen Vogel, que foi Ministro da Justiça da República Federal Alemã. COMPARATO, Fábio Konder. Direitos e deveres fundamentais em matéria de propriedade. Revista CEJ, Brasília, v. 1, n. 3, set./dez. 1997, p. 5-6. Disponível em: <http//www.cjf.gov.br/revista/numero3/artigo11.htm>. Acesso em: 31 out. 2002.
178 Art 5º, XXII – “é garantido o direito de propriedade”. 179 Art. 524, caput, do Código Civil (Lei nº 3.071, de 01/01/1916) – “A lei assegura ao proprietário o direito de
usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua”.
62
O inciso XXIII, do art. 5º, da CF/88,180 por sua vez, declara expressamente a
existência do princípio constitucional fundamental da função social da propriedade, que se
encontra também exposto no art. 170, inciso III,181 elencado entre os princípios da ordem
econômica.
Não há, contudo, no entender de Eros Grau, possibilidade de se considerar o
princípio da função da propriedade como elemento isolado da propriedade privada, pois a
“alusão à função social da propriedade estatal qualitativamente nada inova, visto ser ela
dinamizada no exercício de uma função pública”.182
Saraiva, por sua vez, assevera que: “sem uma mudança estrutural do conceito e das
bases da propriedade, jamais haverá desenvolvimento e justiça social”.183 Faz-se necessário,
assim, a edificação de uma nova concepção da propriedade, com uma nova tutela processual
para esse direito, bem como mecanismos que possam representar a democratização do acesso
à propriedade.
A função social é intrínseca à propriedade privada. As concepções individualistas
sucumbiram ante a força das pressões sociais em prol de sua democratização. Pode-se dizer
que não basta apenas o título aquisitivo para conferir-lhe legitimidade; é preciso que o seu
titular, ao utilizar o feixe dos poderes — absolutos, amplos ou restringidos — integrantes do
direito de propriedade, esteja sensibilizado com o dever social imposto pela Constituição
Federal. O proprietário que não cumpre a função social da propriedade
perde as garantias, judiciais e extrajudiciais, de proteção da posse, inerentes à propriedade, como o desforço privado imediato (CC, art. 502) e as ações possessórias. A aplicação das normas do Código Civil e do Código de Processo Civil, nunca é demais repetir, há de ser feita à luz dos fundamentos constitucionais, e não de modo cego e mecânico, sem atenção às circunstâncias de cada caso que podem envolver o descumprimento de deveres fundamentais.184
Sem o atendimento da função social que lhe foi imposta pela Constituição, a
propriedade perde sua legitimidade jurídica e o seu titular não pode mais argüir em seu favor
o direito individual de propriedade, devendo se submeter às sanções do ordenamento jurídico
para ressocializá-la. 180 Art. 5º, XXIII – “a propriedade atenderá a sua função social”. 181 Art. 170 – “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I e II – omissis; III – função social da propriedade”.
182 GRAU, 1997, op. cit., p. 244. 183 SARAIVA, Paulo Lopo. A Constituição deles não é a nossa. Natal: Editora da Cooperativa Cultural, 1993,
p. 44. 184 COMPARATO, 1997, op. cit., p. 6.
63
3.6 Princípio da função social da propriedade e as regras constitucionais
programáticas
Talvez pela grande controvérsia que naturalmente envolve a regulamentação jurídica
da propriedade privada, o fato é que o princípio da função social da propriedade tem sido
considerado pela grande parte dos nossos doutrinadores como norma constitucional
programática.185 Esta, contudo, não é a melhor exegese. É que os princípios constitucionais e
as chamadas normas constitucionais programáticas não podem ser colocados
indiscriminadamente na mesma categoria. As diretrizes constitucionais podem vir ligadas
tanto a princípios como a regras constitucionais,186 mas nunca um princípio pode estar restrito
a indicar singelamente uma diretriz.
A diretriz constitucional se limita a propor um objetivo que será imposto pela norma
constitucional. Se um determinado dispositivo constitucional se limita a estabelecer uma
diretriz, sem indicar os meios jurídicos necessários para sua realização, a Constituição está,
indiretamente, remetendo ao ordenamento jurídico como um todo a tarefa de concretizá-lo.
Como bem assevera Eros Grau, “jamais se aplica uma norma jurídica, mas sim o Direito; não
se interpretam normas constitucionais, isoladamente, mas sim a Constituição, no seu todo”.187
A rigor, nenhuma norma constitucional tem eficácia enquanto não houver a
concretização normativa do texto constitucional.188
185 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 173. 186 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Questões sobre a hierarquia entre as normas constitucionais na Constituição
de 1988. Revista da Escola Superior de Magistratura do Estado de Pernambuco, Recife, v. 4, n. 2, abr./jun. 1997, p. 477-478.
187 GRAU, 1997, op. cit., p. 181. A hermenêutica jurídico-constitucional necessariamente deve pressupor a idéia de que a Constituição é um sistema aberto: conjunto interligado de princípios e regras que devem manter entre si um vínculo de essencial coerência, de modo a evitar contradições entre suas disposições. Interpretar é dar sentido concreto à norma jurídica.“Interpretar uma norma é interpretar o sistema como um todo”. FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 53. As normas constitucionais encontram-se numa relação de interdependência, obrigando à compreensão de que a norma jurídica não pode, em nenhum caso, ser interpretada isoladamente, mas levando-se em consideração o contexto no qual se encontra inserida e sua ligação com as demais normas constitucionais. A Constituição deve ser interpretada como um todo, sendo que a contradição entre conteúdos não importa a eliminação de uma das normas, mas tão-somente a necessidade de harmonização concreta dos interesses. STUMM, Raquel Denize. Princípio da proporcionalidade no direito constitucional brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 56.
188 A esse respeito conferir NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Acadêmica, 1994. Vale ressaltar, mais, que a interpretação estrutural-concretizante, de Friedrich Müller, nada mais é do que uma concepção politizada de interpretação das normas constitucionais, que atribui ao intérprete o dever de ser crítico e vinculado aos dados da realidade, sem se descurar dos limites da norma, tudo com o propósito de dar ao texto constitucional uma vinculação com a realidade social, reconhecendo nesta, no problema concreto e na norma decorrente do texto, as fontes para a exegese concretizante. MÜLLER, Friedrich. Interpretação e
64
Os princípios constitucionais não necessitam de regulamentação infraconstitucional
para se fazer valer no ordenamento jurídico-constitucional. Constituem os pontos de direção,
sistematização e controle do processo de concretização da Constituição, que tornam viáveis a
determinação objetiva dos conceitos, fundamentos e diretrizes diante do caso concreto posto à
apreciação do operador do Direito.
A tarefa do princípio é ordenar a utilização e concretização dos meios e fins jurídicos
colocados à disposição do jurista. Sujeitar tais mandamentos nucleares à limitação da
legislação inferior é tornar precários e inconsistentes os alicerces da própria ordem jurídica.
Os princípios não foram feitos para serem apenas contemplados, pois devem ser efetivamente
aplicados à realidade social, determinando objetivamente as diretrizes e os fundamentos que
devem ser efetivamente obedecidos no processo de concretização do ordenamento jurídico.
Da mesma forma que a concretização dos direitos e garantias fundamentais padecem do vício
de inconstitucionalidade se estiver sujeita a uma regra remissiva ou programática,189 os
princípios também não devem estar condicionados por tais regras.
Diante da resistência do Estado ou do particular em obedecer ao princípio
fundamental da função social da propriedade cabe à parte prejudicada pedir a tutela
jurisdicional (art. 5º, XXXV, CF/88),190 e ao Estado implementar os instrumentos jurídicos
postos no ordenamento jurídico (servidões, limitações, desapropriação, etc.) para a
delimitação da propriedade privada. Havendo falta de dispositivo regulamentador para o caso
concreto, o prejudicado pode impetrar o mandado de injunção (art. 5º, LXXI, CF/88).191
Inexiste desculpa para a omissão do Judiciário em concretizar a função social da
propriedade. O art. 5º da LICC estabelece que, na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins
sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, devendo, ainda, na omissão da lei,
decidir o caso conforme a analogia, os princípios gerais do direito e os costumes (art. 4º do
mesmo diploma legal). Estabelece, mais, o art. 126 do CPC que o juiz não pode se eximir de
sentenciar ou despachar alegando lacuna e obscuridade da lei. Vê-se, pois, que o dispositivo
não deseja que deva haver substituição do legislador pelo juiz,192 mas sim a justa adequação
concepções atuais dos direitos humanos. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DA OAB, 15., 1994, Foz do Iguaçu. Anais ... Foz do Iguaçu: OAB, Conselho Federal, 1994, p. 541.
189 SARAIVA, P. L. op. cit., p. 31. 190 Art. 5º, XXXV – “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. 191 Art 5º, LXXI – “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne
inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.
192 Nesse sentido, vale lembrar a decisão do STF: “Não pode o juiz, sob a alegação de que a aplicação do texto da lei à hipótese não se harmoniza com o seu sentimento de justiça ou eqüidade, substituir-se ao legislador
65
da lei com todo o ordenamento jurídico posto. Como bem ressaltado por Sálvio de Figueiredo
Teixeira: “A interpretação das leis não deve ser formal, mas sim, antes de tudo, real, humana,
socialmente útil. [...] Se o juiz não pode tomar liberdades inadmissíveis com a lei, julgando
contra legem, pode e deve, por outro lado, optar pela interpretação que mais atenda às
aspirações da Justiça e do bem comum”.193
Por fim, é importante frisar que se há norma constitucional definindo o conteúdo que
a função social da propriedade deve assumir, não há espaço, regra geral, para uma
interpretação que lhe seja diretamente divergente. Se o constituinte de 1988 tratou de definir
que a função social será atendida quando se dá o aproveitamento racional e adequado do solo;
quando há utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio
ambiente; quando há observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
quando há exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (art.
186, CF/88), ou quando a propriedade urbana atende às exigências do plano diretor do
Município (art. 182, § 2, CF/88), não há razão para propor um conteúdo diferente para o caso
concreto, a não ser numa ulterior reforma desses conceitos, através de Emenda à Constituição,
pois estes não estão afastados do Poder de Reforma (art. 60, § 4º, da CF/88).
O que não pode ser mudado é, sem dúvida alguma, o princípio fundamental da
função social da propriedade, pois é preceito basilar, essencial e estabilizador da instituição da
propriedade.
para formular ele próprio a regra de direito aplicável. Mitigue o juiz o rigor da lei, aplique-a com eqüidade e equanimidade, mas não a substitua pelo seu critério”. Apud NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 161.
193 Ibid., p. 161.
66
CAPÍTULO IV
O MEIO AMBIENTE COMO OBJETO DE DIREITO
SUMÁRIO: 4.1 O Direito Ambiental. 4.2 Características do Direito Ambiental. 4.3 Princípios constitucionais de proteção ao meio ambiente. 4.3.1 Princípio do direito humano fundamental. 4.3.2 Princípio da supremacia do interesse público na proteção do meio ambiente em relação aos interesses privados. 4.3.3 Princípio da indisponibilidade do interesse público na proteção do meio ambiente. 4.3.4 Princípio da obrigatoriedade da intervenção estatal. 4.3.5 Princípio da prevenção. 4.3.6 Princípio da proteção da biodiversidade. 4.3.7 Princípio da defesa do meio ambiente. 4.3.8 Princípio da responsabilização pelo dano ambiental . 4.3.9 Princípio da exigibilidade do estudo prévio de impacto ambiental. 4.3.10 Princípio da educação ambiental. 4.3.11 Princípio do desenvolvimento sustentável. 4.4. Desenvolvimento econômico e meio ambiente. 4.5. Natureza do meio ambiente como direito indivisível.
4.1 O Direito Ambiental
O meio ambiente é um assunto que desperta o interesse de todas as nações. E tal se
dá porque as conseqüências da degradação ambiental não se confinam mais aos limites dos
países, pois ultrapassam as fronteiras e atingem as regiões mais longínquas.
Como ensina Afonso da Silva, a expressão meio ambiente, afastadas as críticas sobre
a aparente redundância, serve para designar a “interação do conjunto de elementos naturais,
artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”.194 Para o referido autor, o conceito evidencia a abrangência de três aspectos: o meio
ambiente artificial (edifícios, equipamentos urbanos, comunitários, enfim, todos os
assentamentos de reflexo urbanístico), o meio ambiente cultural (patrimônio histórico,
artístico e arqueológico) e o meio ambiente natural (solo, água, ar, flora e fauna).
Vê-se, pois, que o conceito apresentado tem evidente inspiração naquele expresso no
art 3º, inciso I, da Lei nº 6.938, de 31.08.81, que considera meio ambiente “o conjunto de
condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite,
abriga e rege a vida em todas as suas formas”.
Apesar da preocupação antiga, só com a Conferência da ONU realizada em
Estocolmo, em 1972, é que o meio ambiente ganhou notoriedade e foi alçado à categoria de
194 Apud ARAÚJO SÁ, José Adonis Callou de. Função social da propriedade e preservação ambiental. Revista
Teia Jurídica. Recife. Disponível em: <http://www.teiajuridica.com/a/propmamb.htm>. Acesso em: 15 maio 2000, p. 6.
67
direito fundamental. A Declaração do Meio Ambiente de Estocolmo reconheceu esse novo
direito e, nas palavras de Afonso da Silva, “abriu caminho para que as constituições
supervenientes reconhecessem o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito
fundamental entre os direitos sociais do homem com sua característica de direitos a serem
realizados e direitos a não serem perturbados”.195
No direito brasileiro, o meio ambiente só recentemente converteu-se em objeto de
direito a partir da Lei nº 6.938/81,196 que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente.
Desde então, o legislativo tem sido pródigo em editar normas sobre o assunto.
A Constituição brasileira de 1988, pela primeira vez em toda a história do nosso
constitucionalismo, manifestou preocupação com o tema do meio ambiente, tanto que o
elevou à proteção constitucional.
Apesar de o Brasil ser conhecido, na doutrina alienígena, como detentor de uma das
mais avançadas legislações do planeta sobre o meio ambiente, alguns doutrinadores pátrios
não concordam com esta assertiva,197 por entenderem que, apesar de o nosso país dispor de
um grande número de normas jurídicas que dão proteção ao meio ambiente, tais normas já
nasceram ultrapassadas e ineficazes.198 Polêmicas à parte, o fato é que a preocupação
crescente com o direito ao meio ambiente sadio199 ensejou o surgimento de uma ciência
específica — o Direito Ambiental — que, segundo Freitas, foi definido, pela primeira vez no
Brasil, por Luiz Fernando Coelho como sendo “um sistema de normas jurídicas que,
estabelecendo limitações ao direito de propriedade e ao direito de exploração econômica dos
recursos da natureza, objetiva a preservação do meio ambiente com vistas a melhor qualidade
da vida humana”.200
195 Ibid., p. 6. 196 A Lei de Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81) estabeleceu a responsabilidade objetiva ao
poluidor que prescinde da existência de culpa para reparar o dano ambiental. Da mesma forma, é irrelevante a licitude da atividade e não há que se falar em qualquer excludente de responsabilidade. O poluidor deve assumir o risco integral da sua atividade. Ademais, a própria Constituição Federal (art. 225, § 3º) não exige conduta alguma para a responsabilidade do dano ambiental. Ocorrendo o dano, é necessário que se repare a lesão ao bem ambiental tutelado. Enfim, no campo do direito ambiental a responsabilidade é objetiva, não se exigindo a culpa como requisito do dever de indenizar.
197 Há quem afirme, por exemplo, que a Lei nº 6.938/81 pouco primou pela clareza, havendo confusão quanto à enumeração de princípios e objetivos. ALBUQUERQUE, op. cit., p. 103.
198 A crítica sobre a legislação pátria é tão ferrenha que alguns juristas chegam a afirmar que a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que trata dos crimes ambientais, já nasceu torta, uma vez que é recheada de imprecisões técnicas, de conceitos vagos e de violações à Constituição.
199 Por meio ambiente sadio entenda-se também o meio ambiente do trabalho. É que a degradação do ambiente de trabalho, resultante de atividades que prejudicam a saúde, a segurança e o bem-estar dos trabalhadores, ocasiona poluição no meio ambiente do trabalho, impondo ao poluidor a obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos independentemente da existência de culpa (art. 4º c/c 14, ambos da Lei nº 6.938/81).
200 FREITAS, Vladimir Passos de. Direito administrativo e meio ambiente. Curitiba: Juruá, 1993, p. 16.
68
Por sua vez, Michel Prieur define o Direito Ambiental como sendo o “conjunto de
regras jurídicas relativas à proteção da natureza e à luta contra as poluições”,201 definição
quase semelhante a de Afonso da Silva, para quem o Direito Ambiental objetivo “consiste no
conjunto de normas jurídicas disciplinadoras da proteção da qualidade do meio ambiente”.202
Apesar de possuírem caráter autônomo de disciplina jurídica, alguns autores de escol
entendem “ser o Direito Ambiental cria do Direito Administrativo”, uma vez que “são os
princípios deste que informam aquele”.203
Se é fácil compreender que o Direito Administrativo não pode ser entendido como
um sub-ramo do Direito Ambiental, uma vez que a proteção ambiental é apenas um dos fins a
serem realizados pelo Estado; já não é pacífico o entendimento de que o Direito
Administrativo é continente do Direito Ambiental.
Com efeito, se é verdade, por um lado, como preleciona Mukai, o fato de que “as
regras jurídicas que constituem o Direito Ambiental [...] são, em sua maioria, de natureza
pública, mais precisamente manifestações do exercício do poder de polícia do Estado”;204 por
outro lado, há uma especificidade do Direito Ambiental que foge à própria caracterização das
disciplinas de Direito Público.
Nesse passo, Afonso da Silva observa, acerca da natureza do Direito Ambiental, que,
mesmo este tendo “conotações íntimas com o Direito Público, [...] seu objeto não pertine a
uma entidade pública, ainda que seja de interesse coletivo”, para arrematar, questionando:
“quem sabe não seja ele um dos mais característicos ramos do nascente conceito de Direito
Coletivo, ou talvez seja um novo ramo do Direito Social”.205
Um só fato às vezes origina providências no âmbito penal e civil. Por exemplo: um
determinado cidadão dá causa à derrubada de árvores localizadas em reserva florestal. Além
do crime cometido, a ser julgado no âmbito penal, poderá ser acionado, no juízo cível, para
reparar a lesão ao meio ambiente.
201 Apud MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1995,
p. 71. 202 SILVA, José Afonso da. Direito constitucional ambiental. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 21. 203 BENJAMIN, Antônio Herman (Coord.) Função ambiental, dano ambiental: prevenção, reparação e
repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 14. 204 MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992, p. 25. 205 SILVA, 1995a, op. cit., p. 21.
69
É bem verdade que a lesão ao meio ambiente, até bem pouco tempo atrás, era
enfocada sob as regras do Código Civil. Isto significava que apenas aquele que sofresse o
prejuízo direto com o ato ilícito é que teria legitimidade ativa para postular indenização. Tal
situação, contudo, mudou radicalmente com a edição da Lei nº 7.347/85, que instituiu a Ação
Civil Pública e que foi, sem dúvida alguma, o passo mais importante dado nos últimos anos
para a defesa do meio ambiente.
4.2 Características do Direito Ambiental
As principais características do Direito Ambiental são, segundo Freitas,206 a
multidisciplinariedade e a complexidade.
Para a solução de determinado problema que envolva o meio ambiente é preciso, na
grande maioria das vezes, lançar mão, também, dos vários conhecimentos disponíveis pelas
ciências modernas, tais como: conhecimentos de botânica, zootecnia, biologia, engenharia
florestal, etc., daí sua complexidade.
A multidisciplinariedade está caracterizada pelo fato de que as normas protetoras do
meio ambiente permeiam todos os ramos do direito, dado que para a escorreita análise da
matéria faz-se necessário a utilização do Direito Internacional Público, onde os tratados e
convenções internacionais assumem especial relevância; do Direito Constitucional, em face
das constantes inserções do assunto no Texto Magno; do Penal, com a previsão de crimes e
contravenções para as condutas mais graves; do Direito Civil, com as suas implicações sobre
o estudo da propriedade, posse, florestas, águas, fauna, etc.; do Processo Civil, regulando as
ações processuais; do Trabalho, especificando as condições de insalubridade e estipulando
exigências de higidez na prestação do trabalho; do Direito Administrativo, cabendo ao Poder
Público impor aos infratores punições administrativas, exercer o poder de polícia, etc. É por
esse motivo que, como nos ensina Michel Prieur, é de se observar que o Direito do Ambiente
tem um caráter horizontal, que recobre os diferentes ramos clássicos do Direito, penetrando
“todos os sistemas jurídicos existentes para os orientar num sentido ambientalista”,207 o que
faz com que as normas protetoras do meio ambiente permeiem “todos os ramos do Direito
Positivo”.208
206 FREITAS, V.P., op. cit., p. 18. 207 Apud MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1995,
p. 71. 208 FREITAS, V.P., op. cit., p. 16.
70
Assim é que essa horizontalidade do Direito Ambiental incide também sobre o
Direito Administrativo, uma vez que o meio ambiente ecologicamente equilibrado,
considerado pelo art. 225 da CF/88 como “bem de uso comum do povo”, é um dos fins a
serem realizados, concreta e diretamente, pela Administração, que reparte essa
responsabilidade com o conjunto da sociedade, fazendo surgir as normas administrativo-
ambientais que, em última análise, se fundamentam na natureza pública do bem ambiental e
no Poder de Polícia do Meio Ambiente209, o que faz com que autores reconheçam no Estado o
exercício de uma função administrativo-ambiental, cujo baldrame se encontra magistralmente
definido por Benjamin. São suas as seguintes palavras:
O Estado [...], entre outras missões que exerce, tem o dever de resguardar a saúde e o bem-estar do cidadão — tudo dentro de uma formulação mais ampla de qualidade de vida —, aí se incluindo, evidentemente, a proteção do meio ambiente. Esta é a base em que se desenvolve a função ambiental pública.210
É no mesmo Benjamin que se vai buscar a explicação para a natureza do bem a ser
protegido por essa função administrativo-ambiental do Estado contemporâneo. Para ele, “o
bem ambiental é público porque está à disposição de todos os cidadãos — daí ser de uso
comum — e porque corresponde a uma finalidade pública”,211 qual seja, a de fornecer suporte
para a vida humana.
Assim, não poderia esse bem — o meio ambiente ecologicamente equilibrado — de
natureza pública, pelas razões anteriormente elencadas, se encontrar fora do raio de alcance
do Poder Público, enquanto “guardião natural do interesse público”.212 Tem-se, então,
inserido no poder de polícia, como corolário da visão administrativo-ambiental anteriormente
referida, a Polícia Administrativa do Meio Ambiente.
O poder de polícia, enquanto “atividade do Estado, disciplinada por lei, consistente
em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público”,213 vai
209 Poder de polícia ambiental, na definição de Paulo Afonso Leme Machado, “é a atividade da Administração
Pública que limita ou disciplina direito, interesses ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato em razão de interesse público concernente à saúde da população, à conservação dos ecossistemas, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas ou de outras atividades dependentes de concessão, autorização/permissão ou licença do Poder Público de cujas atividades possam decorrer poluição ou agressão à natureza”. Apud ARAÚJO SÁ, op. cit., p. 9.
210 BENJAMIN, 1993, op. cit., p. 52. 211 Ibid., p. 74-75. 212 MUKAI, op. cit., p. 25. 213 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Polícia do meio ambiente. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 88, n. 317,
jan./mar. 1992, p. 180.
71
alcançar também a questão ambiental, fornecendo à Administração instrumentos tanto de
caráter preventivo como de cunho repressivo.
O exercício da atividade de polícia, no tocante à matéria ambiental, utiliza como
fonte os mesmos institutos de Direito Administrativo. Todavia, não há que se falar em apego
excessivo aos conceitos de Direito Administrativo, por serem estes insuficientes para a
solução de conflitos no âmbito do Direito Ambiental.
De fato, percebe-se o envelhecimento e a insuficiência de muitos conceitos para
aplicação no tema da proteção ambiental que corresponde a interesse difuso por excelência, e
de altíssima relevância nos tempos atuais e futuros. Trata-se, portanto, da defesa de um direito
fundamental.
Importante notar que, sendo o meio ambiente um bem de uso comum do povo, é fácil
vislumbrar-se a potencialidade de conflitos a reclamarem interferência do Estado, envolvidos
na fruição da propriedade privada e na fruição do bem ambiental, que é do interesse de todos.
Aliás, no tema da proteção ao meio ambiente, é de grande importância a interferência do
Estado, limitadora das liberdades individuais. Esta interferência, evidentemente, no Estado
Democrático de Direito, deve efetivar-se por preciso disciplinamento normativo sobre
atividades potencialmente lesivas, bem como sobre a utilização de recursos ambientais.
4.3 Princípios constitucionais de proteção ao meio ambiente
É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes
componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico. Os princípios constitucionais
de proteção ao meio ambiente, segundo Gomes,214 são os que seguem.
4.3.1 Princípio do direito humano fundamental
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é, sem dúvida, um direito
humano fundamental. A CF/88 assegura, em seu art. 225, que: “todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Depreende-se, assim, que o direito ao meio
214 GOMES, Luís Roberto. Princípios constitucionais de proteção ao meio ambiente. Revista de Direito
Ambiental, São Paulo, ano 4, n. 16, out./dez. 1999, p. 54.
72
ambiente ecologicamente equilibrado é um direito essencial, fundamental, vinculado ao bem
jurídico maior, qual seja, a proteção da vida.
O próprio STF já teve a oportunidade de deixar consignado que o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado é, real e efetivamente, um direito fundamental.
Nas palavras do ministro Celso de Mello:
O direito à integridade do meio ambiente – típico direito de terceira geração – constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.215
4.3.2 Princípio da supremacia do interesse público na proteção do meio ambiente em
relação aos interesses privados
Em sendo o bem ambiental bem de natureza pública, pertencente à coletividade e
voltado a uma finalidade pública, a tutela de seus interesses, conseqüentemente, deve
prevalecer quando em confronto com a dos interesses privados. Como diz Mirra216,
o interesse na proteção do meio ambiente, por ser de natureza pública, deve prevalecer sobre os interesses dos particulares, ainda que legítimos. Até porque já se reconhece hoje em dia que a preservação do meio ambiente se tornou condição essencial para a própria existência da vida em sociedade e, conseqüentemente, para a manutenção e o exercício pleno dos direitos individuais dos particulares.
Uma observação, contudo, há de ser apontada aqui. É que muito embora existam
autores que defendam a existência, em nosso Direito Constitucional, de um princípio
215 MS nº 22.164/SP, Rel. Min. Celso de Mello. 216 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios fundamentais do direito ambiental. Revista de Direito Ambiental,
São Paulo, ano 1, n. 2, 1996, p. 54.
73
determinando, em abstrato, a prevalência do interesse público sobre o privado,217 tal assertiva
não é correta. Há, sim, a obrigatoriedade de a Administração perseguir o interesse público,
situação que retrata um fenômeno totalmente diverso.
O que existe é um ‘princípio do interesse público’, o que não implica afirmar-se sua superioridade sobre os demais interesses em colisão. A relação que se estabelece entre a administração e o interesse público diz respeito à finalidade, ou seja, a ação administrativa deve, obrigatoriamente, ser dirigida à consecução do interesse público, pois a finalidade, não a vontade, preside o agir da Administração Pública.218
Assim, nem sempre o conflito entre o interesse público e o interesse privado deve ser
resolvido em detrimento deste, pois é a ponderação que deve determinar o peso dos interesses
conflituosos, procurando proteger, ao máximo, esses mesmos bens. E é essa ponderação o
critério decisivo para a atuação restritiva, tudo para atribuir máxima realização aos direitos
envolvidos. Por isso, “antes que esse critério seja delimitado, não há cogitar sobre a referida
supremacia do interesse público sobre o particular”.219
4.3.3 Princípio da indisponibilidade do interesse público na proteção do meio ambiente
Como conseqüência da natureza pública do bem ambiental, o Estado e o particular
não podem dele dispor. E tal se dá porque, em sendo o meio ambiente um bem jurídico de
natureza pública, que pertence à coletividade e não integra o patrimônio disponível do Estado,
a indisponibilidade deve prevalecer, reforçando-se a necessidade de preservação pelas
gerações atuais e futuras.
4.3.4 Princípio da obrigatoriedade da intervenção estatal
Nossa Lei Maior (art. 225, § 1º) posicionou-se no sentido do Princípio nº 17 da
Declaração de Estocolmo, segundo o qual “deve ser confiada, às instituições nacionais
217 Nesse sentido se manifesta Osório, que, partindo de uma concepção principiológica do Direito Constitucional
e apesar de reconhecer que a prevalência de um interesse público sobre outro privado, na órbita judicial, só pode ocorrer nos casos concretos, jamais de forma abstrata, absoluta, radical e inafastável, admite uma hierarquização de princípios na medida em que reconhece a existência, no plano do Direito Administrativo, de uma prevalência do interesse público sobre o privado, posto que a ação administrativa é pautada, finalisticamente, na perseguição do interesse público. OSÓRIO, Fábio Medina. Existe uma supremacia do interesse público sobre o privado no direito público brasileiro? Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 88, n. 770, dez. 1999.
218 SCHÄFER, Jario Gilberto. Direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 88. 219 ÁVILA, Humberto Bergman. Repensando o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular.
In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). O direito público em tempos de crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 127. Estudos em homenagem a Ruy Ruben Rushel.
74
competentes, a tarefa de planificar, administrar e controlar a utilização dos recursos
ambientais dos Estados, com o fim de melhorar a qualidade do meio ambiente”.220
Assim, os dispositivos normativos da Declaração de Estocolmo e da CF/88
consignam expressamente o dever de o Poder Público atuar na defesa do meio ambiente, tanto
no âmbito administrativo, quanto no âmbito legislativo e até no judicial, uma vez que cabe ao
Estado adotar as políticas públicas e os programas de ação necessários à consecução de tal
objetivo.
4.3.5 Princípio da prevenção
Embora não expresso na CF/88, pode-se considerá-lo implícito no art. 225 da
mesma, no qual estão inseridos vários mecanismos preventivos lastreados na precaução,
mormente a exigência de estudo de impacto ambiental, cujo procedimento administrativo
exige a aprovação de órgãos públicos ambientais e prevê a participação popular em audiências
públicas, permitindo a discussão da aprovação de medidas potencialmente degradadoras do
meio ambiente, implicando um verdadeiro controle preventivo.
Tal princípio, consignado na Declaração do Rio (ECO/92) sob o número 15, pode ser
entendido, segundo Nelson Bugalho, da seguinte forma: “existindo dúvida se uma atividade é
ou não degradadora do meio ambiente, não deve a mesma ser realizada até que se tenha a
certeza absoluta de que não será ela adversa ao ambiente”.221
4.3.6 Princípio da proteção da biodiversidade
A Constituição vigente, em seu art. 225, § 1º, I e II, consubstancia o lastro de
proteção à biodiversidade, ou diversidade biológica, ao dispor que, para assegurar a
efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, incumbe ao Poder
Público e à coletividade: preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais, prover o
manejo ecológico das espécies e ecossistemas, preservar a diversidade e a integridade do
patrimônio genético do país e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de
material genético.222
220 Apud GOMES, L. R., op. cit., p. 176. 221 Ibid., p. 178. 222 Vale observar que o Brasil possui o maior patrimônio genético – biodiversidade – do mundo, patrimônio este
que conquista paulatinamente importância estratégica e valor incalculável, diante dos avanços crescentes da biotecnologia.
75
4.3.7 Princípio da defesa do meio ambiente
A Constituição de 1988, em seu art. 170, VI, com o fim de assegurar a todos uma
existência digna, conforme os ditames da justiça social, elevou a defesa do meio ambiente ao
nível de princípio da ordem econômica, o que tem o efeito de condicionar a atividade
produtiva ao respeito ao meio ambiente e possibilitar ao Poder Público interferir
drasticamente, se necessário, para que a exploração econômica preserve a ecologia. Inexiste
proteção constitucional à ordem econômica que sacrifique o meio ambiente.
4.3.8 Princípio da responsabilização pelo dano ambiental
Decorre da Constituição o princípio de que cabe ao poluidor do meio ambiente
reparar o dano ambiental causado. Por outro lado, a Lei nº 6.938/81, em seu art. 4º, VII,
dispõe que a política nacional do meio ambiente, entre outras coisas, visará “a imposição, ao
poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao
usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos”.
A responsabilização, diga-se de passagem, é objetiva, a teor do art. 14, § 1º, da Lei nº
6.938/81,223 que dispõe que, “sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é
o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os
danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.224
4.3.9 Princípio da exigibilidade do estudo prévio de impacto ambiental
Corolário do princípio da prevenção, visa evitar que um projeto (obra ou atividade),
justificável sob o prisma econômico ou em relação aos interesses imediatos de seu
proponente, revele-se posteriormente nefasto ou catastrófico para o meio ambiente. Como
quer a Lei Maior, o estudo de impacto ambiental é pressuposto da concessão de licença para o
empreendedor.
223 A CF/88 também consagra a responsabilidade pelo dano ambiental no § 3º do art. 225, quando assevera que
“as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
224 O princípio do poluidor-pagador é aquele que impõe ao poluidor o dever de arcar com as despesas de prevenção, reparação e repressão da poluição. O chamado princípio do poluidor-pagador é equivocado quando se pensa que se dá o direito de poluir, desde que pague. Ele significa, tão-só, que aquele que polui fica obrigado a corrigir ou recuperar o ambiente, suportando os encargos daí resultantes, não lhe sendo permitido continuar a ação poluente.
76
4.3.10 Princípio da educação ambiental
A Constituição Federal de 1988 previu tal princípio em seu art. 225, § 1º, VI, ao
dispor que compete ao Poder Público “promover a educação ambiental em todos os níveis de
ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”.
4.3.11 Princípio do desenvolvimento sustentável
A Carta Magna vigente consagrou expressamente tal princípio ao dispor que se
impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente
ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Tudo que puder seriamente
ocasionar o esgotamento dos bens ambientais em prejuízo da atual ou da futura geração é
inconstitucional.
A importância atualmente é tão grande que tal princípio está inserido na lista de
prioridades da Conferência das Nações Unidas, eis que, de acordo com o Princípio nº 03, da
ECO/92, “o direito ao desenvolvimento deve ser realizado de modo a satisfazer as
necessidades relativas ao desenvolvimento e ao meio ambiente das gerações presentes e
futuras”.
4.4 Desenvolvimento econômico e meio ambiente
O maior desafio deste começo de século consiste exatamente em buscar o equilíbrio
entre o desejado desenvolvimento econômico e a preservação da sadia qualidade de vida. A
preservação do meio ambiente leva atualmente todas as sociedades do planeta a uma mudança
drástica das grandes referências que marcaram os modelos de desenvolvimento econômico. A
degradação ambiental e o quase esgotamento dos recursos naturais exigem uma mudança das
políticas globais e o estabelecimento de um novo paradigma tecnológico e econômico.
O conflito entre desenvolvimento e preservação ambiental gerou um conceito
mundialmente aceito desde 1972, o chamado desenvolvimento sustentável ou
ecodesenvolvimento.225
225 Tal conceito foi propagado com mais intensidade pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), realizada no Rio de Janeiro.
77
Para Pereira de Souza,
a conscientização ambiental exige uma nova postura do jurista, que, no seu campo específico, se alia ao cientista, na elaboração agora não apenas de uma sociedade justa — missão principal para ele até aqui —, mas de um planeta habitável.226 [...] Para viabilizar o crescimento sustentável, de acordo com as exigências da natureza, é necessário garantir um vínculo entre as políticas ambiental e econômica em todos os níveis de governo e em todos os setores da economia. A harmonização da expansão com a proteção ambiental exige o reconhecimento de que há benefícios ambientais para o crescimento quando há benefícios econômicos fluindo de sistemas ecológicos saudáveis.227
Eugene Odum afirmou, com precisão ímpar, que, “no futuro, a sobrevivência
depende de encontrar um equilíbrio entre o homem e a natureza, num mundo de recursos
limitados. Isso não significa que o homem deva voltar à natureza, significa porém que será
preciso voltar a algumas das coisas boas, remotas e antiquadas”.228
Conseguir um desenvolvimento sustentável229 e eqüitativo continua sendo o maior
desafio da raça humana. E tanto é assim que a nossa Constituição cuidou em optar por um
modelo de desenvolvimento sustentável. Com efeito, a inserção do meio ambiente como
princípio da ordem econômica, como se vê no artigo 170 da CF/88, significa a opção por um
modelo de desenvolvimento sustentável, pretendendo conciliar o desenvolvimento econômico
com a preservação dos recursos ambientais. Percebe-se, pois, que o comando constitucional
tem o sentido de exigir a conciliação de dois valores fundamentais aparentemente
conflitantes: desenvolvimento e preservação do meio ambiente.
4.5 Natureza do meio ambiente como direito indivisível
O meio ambiente, como objeto de direito, passou por diversas concepções.
Pietro Perlingieri entende que, por ser o meio ambiente essencial ao desenvolvimento
da pessoa humana, cada indivíduo, no seu status personae, tem direito a um habitat que lhe
garanta a qualidade de vida, devendo-se reconhecer a cada um o direito de agir para que isso
se realize. Para ele, não há que se falar em exclusividade da ação do Estado (através do
226 SOUZA, Paulo Roberto Pereira de. O direito brasileiro, a prevenção de passivo ambiental e seus efeitos no
Mercosul. Revista Teia Jurídica. Disponível em: <http://www.teiajuridica.com/m/ meiambie.htm>. Acesso em: 7 maio 2001, p. 5.
227 Ibid., p. 4. 228 Apud FREITAS, V. P, op. cit., p. 15. 229 Vale lembrar que o conceito de sustentabilidade surgiu associado à expressão desenvolvimento sustentável,
introduzido em 1980 por um documento da UICN (União Internacional para a Conservação da Natureza) que recebeu apoio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
78
Ministério Público e de algumas entidades previamente determinadas) para a defesa do meio
ambiente, uma vez que é assegurado a cada indivíduo um direito individual ambiental.230
Para Amedeo Postiglione, o direito a um ambiente sadio faz parte dos direitos de
personalidade, tal como à integridade física, ao nome, à honra, à paternidade e à privacidade.
Para ele, “o direito-ambiente, sendo inerente como atributo pessoal da pessoa humana,
nasceria com cada homem e se extinguiria apenas com a sua morte”.231
A Organização das Nações Unidas, em histórica assembléia realizada em 1972, em
Estocolmo, elevou o meio ambiente à categoria de direito fundamental do ser humano. Nela
se estabeleceu, como lembra Michel Prieur, que “o homem tem o direito fundamental à
liberdade, à igualdade e a condições de vida satisfatórias, em um meio ambiente no qual a
qualidade lhe permita viver na dignidade e bem-estar. Ele tem o dever solene de proteger e de
melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras”.232
Apesar das divergências de concepções, a grande maioria dos juristas tem entendido
que a natureza do meio ambiente é de direito indivisível, devendo-se ter em mente que o
sentido de indivisibilidade relaciona-se com a titularidade.
O meio ambiente é um bem de todos. A sua defesa e preservação é dever de cada
pessoa individualmente, da sociedade como um todo e do Poder Público.
Interessante é notar, contudo, o engano em que vem incorrendo a doutrina, ao
pretender classificar o direito segundo a matéria genérica, dizendo, por exemplo, que meio
ambiente é direito difuso, consumidor é coletivo. Na verdade, como assevera Nery Júnior, “o
que determina a classificação de um direito como difuso, coletivo, individual puro ou
individual homogêneo é o tipo de tutela jurisdicional que se pretende quando se propõe a
competente ação judicial”.233
É do interesse de todos a existência de um meio ambiente ecologicamente
equilibrado, pressuposto essencial à sadia qualidade de vida e à preservação das presentes e
futuras gerações. E devido a esta impossibilidade de identificar os titulares do interesse, por
estarem dispersos na coletividade, o interesse ao meio ambiente sadio possui as características
de transindividualidade e da internacionalização, que são algumas das características do
230 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Trad. Maria Cristina
de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 172-173. 231 Apud FREITAS, V.P., op. cit., p. 15. 232 Ibid., p. 15. 233 NERY JÚNIOR, Nelson. O processo civil no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Processo, São
Paulo, v. 14, n. 61, jan./mar. 1991, p. 25.
79
interesse difuso, daí a razão de a doutrina considerar o meio ambiente como o maior dos
chamados interesses difusos.234 O direito à higidez do meio ambiente, dos ecossistemas em
geral, goza da natureza de um direito público subjetivo, ou seja, um direito que cabe a cada
um de nós, tutelável para todos e endereçado na sua cobrança de eficácia contra todos,
particulares ou Poder Público.
Apesar do dissenso doutrinário existente entre os níveis da tutela de interesses
contidos no texto constitucional (individual, coletivo ou difuso), o fato é que as
transformações sociais têm exigido do direito e do processo civil uma nova postura. A
prestação jurisdicional deve ser necessária e adequada a esse paradigma da atualidade, pois
aquela velha estruturação da teoria jurídica, que estava lançada numa preocupação
estritamente individual, envolvendo necessariamente litígios entre pessoas certas e
determinadas, já está há muito superada.
Extrapolando esse acanhado limite, surgiu, como fruto das evoluções e
transformações sociais, a concepção de que certos direitos são de todos e não são de ninguém
em particular. E porque são de todos — e, de conseqüência, não são de ninguém em particular
—, podem ter sua tutela deflagrada por qualquer um, e por todos, se assim desejarem.
Estar-se-á, agora, bastante longe da concepção clássica de direito subjetivo, consubstanciada
no art. 75 do Código Civil brasileiro (Lei nº 3.071/16), o qual preceitua que a todo direito
corresponde uma ação que o assegura. Esta concepção — a de que a afetação de um direito
está necessariamente ligada a alguém — é inteiramente insuficiente quando se trata de direitos
que não podem ser individualizados, uma vez que são pertinentes a todos da coletividade,
como é o caso do direito ao meio ambiente sadio.
O que particulariza o chamado interesse difuso e o direito que dele decorre é a
indeterminação dos sujeitos ativos e a indivisibilidade do objeto.
Nas precisas palavras de Ferraz, “o meio ambiente é coisa de todos, mas não é um
bem apropriável por quem quer que seja. Ninguém tem direito subjetivo à higidez do meio
234 Hugo Mazzili, ao comentar sobre o mandado de segurança coletivo, afirma expressamente que “cumpre
anotar que esse novel instituto não serve apenas à tutela dos interesses coletivos, mas também daquela categoria de interesses posicionados em relação à qualidade de vida, a que se dá o nome de difusos, e dentre os quais o meio ambiente é um dos mais expressivos exemplos”. Apud SÁ DA ROCHA, Júlio César de. Direito ambiental e meio ambiente do trabalho: papel dos sindicatos na defesa da saúde dos trabalhadores. Disponível em: < http://www.sindicato.com.br/meioambi.htm>. Acesso em: 21 out. 2001.
80
ambiente, porque esse é um direito de todos e não se fraciona em cada um de nós, que aspira a
uma fruição saudável daquele determinado ambiente”.235
A maioria dos direitos e interesses que envolvem a sociedade moderna é
transindividual.236 E uma vez que o processo deve e tem que ser instrumento de garantia dos
direitos materiais envolvidos,237 de nada serviria o processo dissociado do escopo de
efetividade do direito substancial tutelado. É por essa razão que as Constituições previram —
e a prática tratou de disseminar — ações capazes de assegurar a defesa dos direitos e
interesses individuais e coletivos que envolvem a tutela do meio ambiente, tais como: a ação
civil pública ambiental, mandado de segurança coletivo ambiental, mandado de injunção
ambiental, etc.
235 FERRAZ, Sérgio. Meio ambiente. Revista de Direito Público, São Paulo, ano 24, n. 96, out/dez. 1990, p. 204. 236 Um sistema de interesses difusos, máxime quando ligados à idéia de meio ambiente, tem um corolário
necessário, que é o da responsabilização objetiva. É que se o direito, isoladamente, a ninguém pertence e se a obrigação de manter o meio ambiente conservado a todos pertence, o sistema da responsabilização objetiva, que inverte o ônus da prova, que parte da presunção da responsabilidade e que se dirige a uma coletividade de possíveis responsabilizados é uma conseqüência inevitável da eleição desse tipo de esquema.
237 Para maiores detalhes, vide DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
81
CAPÍTULO V
PROPRIEDADE versus MEIO AMBIENTE
SUMÁRIO: 5.1 Propriedade versus higidez ambiental: categorias de direitos fundamentais. 5.2 Relação entre os princípios da função social da propriedade e da proteção do meio ambiente na Constituição de 1988. 5.3 Resolução do conflito entre os direitos fundamentais de propriedade e de preservação do meio ambiente.
5.1 Propriedade versus higidez ambiental: categorias de direitos fundamentais
O surgimento dos direitos fundamentais do homem, enquanto conjunto de
prerrogativas e garantias, foi influenciado pelo pensamento cristão e pelo direito natural.
Com as revoluções dos séculos XVII e XVIII, sobretudo a independência dos EUA e
a Revolução Francesa, encontraram-se presentes as condições sociais para que os direitos
fundamentais fossem formulados. No seu surgimento, contudo, leva-se em consideração o
homem de forma ideal. Asseguravam-se os direitos fundamentais, mas as condições sócio-
econômicas necessárias para que eles fossem efetivamente exercidos nem sempre eram
garantidas. A despeito das inegáveis vantagens para a coletividade, serviram como pano de
fundo para que a burguesia, já consolidada como classe econômica e social mais forte,
pudesse se desenvolver e libertar-se das amarras do estado absolutista.
Foi em virtude do entendimento do homem, enquanto destinatário ideal dos direitos
fundamentais, mostrar-se insuficiente, que, com o decorrer da história, o conteúdo daqueles
foi ampliado. Hoje, os direitos fundamentais, matéria necessária em quase todas as
Constituições do mundo, englobam tanto os direitos inicialmente considerados como tal,
agora direitos individuais, como toda uma nova série de prerrogativas e garantias que busca
assegurar o exercício da cidadania plena,238 esta entendida em sua conceituação mais ampla.
Os direitos fundamentais, como já se viu (Cap. I, item 1.1), dividem-se em gerações,
sendo a propriedade representante da primeira geração e o meio ambiente da terceira. Os
direitos fundamentais da terceira geração são dotados de alto teor de humanismo e
238 É por esse motivo que alguns autores asseveram que o direito à propriedade é um direito inerente à condição
humana, isto significando dizer que “aqueles que estão espoliados desse direito fundamental sequer podem ser considerados cidadãos”. ALBUQUERQUE, op. cit., p. 121.
82
universalidade e têm por destinatário o “gênero humano mesmo, num momento expressivo de
sua afirmação como valor supremo em termos de sua existencialidade concreta”.239
O meio ambiente, apesar de ser classificado como direito de terceira geração, não se
subordina ao direito de propriedade, de primeira geração. E tal se dá porque o entendimento
dominante na doutrina é no sentido de compreender as categorias de direitos fundamentais
num mesmo nível de dignidade constitucional, formando um todo harmônico.
Estabelecido que o direito de propriedade e o direito à higidez ambiental são direitos
fundamentais, ambos assegurados constitucionalmente, qualquer tentativa de resolução de
conflito entre eles passará, obrigatoriamente, pelo intricado problema da colisão entre direitos
fundamentais.
5.2 Relação entre os princípios da função social da propriedade e da proteção ao
meio ambiente na Constituição de 1988
A passagem do Estado Liberal ao Social, induzida por mudanças de mentalidade em
uma realidade de crescentes exigências sociais que aquela ordem não visava atender,
conduziu à nova definição do direito de propriedade. A caracterização da propriedade como
direito absoluto foi, portanto, ultrapassada, evoluindo para um sistema de limitações
decorrentes de confrontações com interesses públicos. Chegou-se, assim, ao direcionamento
da propriedade ao cumprimento de uma função social. Sobre essa evolução do conceito,
afirma Raimundo Bezerra Falcão que “não se cogita mais de um direito absoluto, exclusivo e
perpétuo, mas de algo cujo exercício far-se-á em consonância com os interesses sociais, hoje
tidos em maior altitude”.240
O direito de propriedade, nos regimes constitucionais modernos e democráticos, tem
sempre um conteúdo social. Este se expressa pela fórmula, universalmente adotada, da
função social da propriedade, gerida na convicção, hoje incontestável, de que a propriedade
não pode ser usada em detrimento da sociedade.241
A ordem implantada pela nossa Constituição não reconhece o direito de propriedade
desvinculado da função social. Trata-se, portanto, de um direito que só é reconhecível em sua
239 ARAÚJO SÁ, op. cit., p. 6. 240 Apud ARAÚJO SÁ, op. cit., p. 3. 241 DOLZER, Rudolf. Property and environment: the social obrigation inherent in ownership: a study of the
german constitutional setting, Morges: IUCN, 1976, p. 13.
83
totalidade quando respeitados os valores e objetivos que lhe são antecedentes. Com razão,
pois, Meirelles, ao afirmar que,
superado o conceito absolutista do direito de propriedade — jus utendi, fruendi et abutendi —, que teve seu apogeu no individualismo do século XVIII, o domínio particular se vem socializando ao encontro da afirmativa de Léon Duguit de que a propriedade não é mais o direito subjetivo do proprietário; é a função social do detentor de riqueza. Com essa característica contemporânea, já não se admite o exercício anti-social do direito de propriedade, nem se tolera o uso anormal do direito de construir.242
Também com bastante percuciência, asseverou Benjamin que,
numa perspectiva mais moderna, principalmente a partir do reconhecimento de sua função social, ao direito de propriedade agregou-se outros limites. Bem mais recentemente, as Constituições trouxeram para seu corpo a previsão expressa da proteção do ambiente, como um desses pressupostos para o reconhecimento do direito de propriedade válido.243
A Carta Política contempla os dois princípios — da função social e da proteção ao
meio ambiente — de modo bastante especial. Dispensou um tratamento peculiar ao princípio
da função social, fazendo referência ao mesmo em distintos preceitos, mais especificamente
quando o constituinte tratou dos direitos e deveres individuais e coletivos, da ordem
econômica, da política urbana e da política agrícola e fundiária.
A atitude do constituinte foi bastante louvável, quando estabeleceu o uso da
propriedade privada atrelada a uma função social, cuja peculiaridade mais importante é o
atendimento simultâneo ao interesse coletivo e à preservação do meio ambiente.
O princípio da função social exerce um papel preponderante na conciliação do
direito de propriedade e do direito à proteção ambiental. A nossa Constituição explicita essa
relação quando cuida da propriedade rural, ao estabelecer que a função social é cumprida se
há preservação do meio ambiente.244 Os princípios (função social e preservação do meio
ambiente) são autônomos, mas profundamente interligados.
242 MEIRELLES, 1996, op. cit., p. 24. 243 BENJAMIN, Antônio Herman. Direito de propriedade e meio ambiente. In: CONFERÊNCIA NACIONAL
DOS ADVOGADOS, 16., 1996 Anais... Fortaleza: OAB, Conselho Federal, 1996, p. 8. 244 Diz a CF/88, numa repetição do que já dissera o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64), que a função social é
cumprida quando a propriedade atende, simultaneamente, aos requisitos de: aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores; e observância das disposições que regulam as relações de trabalho. Por utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, entende a lei que tal só se verifica quando essa exploração se faz respeitando a vocação natural da terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade, enquanto por preservação do meio ambiente diz o legislador ser a manutenção das características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos
84
Embora os direitos de propriedade e ao meio ambiente sadio estejam expressos no
mesmo texto normativo, Weigand, na mesma esteira do pensamento de Benjamin, pensa que,
no regime constitucional brasileiro, a tutela do meio ambiente, quando confrontada com o
direito de propriedade, lhe é logicamente antecedente, tanto que “inexiste direito de
propriedade pleno sem salvaguarda ambiental”.245
No sistema constitucional brasileiro, aponta Benjamin,
a proteção do meio ambiente está na gênese do direito de propriedade. É indubitável a relação entre a tutela ambiental e direito de propriedade [...] De fato, direito de propriedade e meio ambiente são interligados, como que faces de uma mesma moeda [...] Qualquer tutela ambiental implica sempre interferência no direito de propriedade. Essa interferência é, na origem, constitucional, imposta tanto para o Poder Público (trata-se de comportamento vinculado) como para o particular (é comportamento decorrente de função).246
Também com fulcro no argumento de que inexiste direito de propriedade pleno sem
salvaguarda ambiental, afirma Lôbo que
o meio ambiente é bem de uso comum do povo e prevalece sobre qualquer direito individual de propriedade, não podendo ser afastado até mesmo quando se deparar com exigências de desenvolvimento econômico (salvo quando ecologicamente sustentável). É oponível e exigível por todos. A preservação de espaços territoriais protegidos veda qualquer utilização, inclusive para fins de reforma agrária, salvo mediante lei.247
Esta última assertiva, contudo, deve ser interpretada com ressalvas. É que a proteção
do meio ambiente, no plano formal da Constituição, por si só, não está em conflito com o
direito de propriedade.248 Ao contrário, é uma união indissolúvel, pressuposto para o
reconhecimento do direito de propriedade válido. Além disso, devido ao fato de as normas
que asseguram o direito de propriedade e o direito à higidez ambiental possuírem índole
ambientais, na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas.
245 WEIGAND, op. cit., p.10. 246 Apud WEIGAND, op. cit., p. 10. 247 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do direito civil. Direitos & Deveres. Maceió, ano 2, n. 3,
1998, p. 104-105. 248 É por esse motivo que Gustavo Santos, partindo do fato de que o conceito de propriedade está submetido às
exigências ambientais e tendo em vista que a interpretação constitucional não protege o direito de propriedade das condutas contrárias ao meio ambiente, entende que não há colisão entre os direitos fundamentais de propriedade e de preservação ambiental. Para este autor, “ao lado da proteção ambiental, ainda resta presente na Constituição, como princípio da ordem econômica, a previsão da proteção à propriedade. [...] Como um direito fundamental, o direito de propriedade tem um núcleo essencial irredutível, que não poderá ser afastado”. SANTOS, Gustavo Ferreira. Direito de propriedade e direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado: colisão de direitos fundamentais? Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 37, n. 147, jul./set. 2000, p. 25.
85
principiológica, necessário é lançar-se mão da Teoria dos Princípios,249 bem como da
distinção entre regras e princípios, para a solução de um eventual conflito de normas que
envolvam tais direitos fundamentais, de igual dignidade constitucional.
Nesse sentido, é preciso, ainda, para a escorreita interpretação e concretização dos
princípios da função social da propriedade, da dignidade da pessoa humana e da preservação
ambiental, efetuar-se uma interpretação pluralizada,250 eis que “a construção principiológica,
consagrada pela Constituição, corrobora a tese da interpretação pluralizada, ou seja, para
melhor compreender o sentido e a extensão do conteúdo daqueles princípios, é mister
vislumbrá-los conjuntamente”.251
Em síntese, o que se deve ter em mente é, pois, que a propriedade deve atender a sua
função social e seu uso deve ser compatível com a preservação do meio ambiente. Num
eventual conflito entre tais princípios, é imprescindível lançar-se mão da Teoria dos
Princípios a fim de que se obtenha a harmonização desejável, a partir da ponderação dos
valores envolvidos.
5.3 Resolução do conflito entre os direitos fundamentais de propriedade e de
preservação do meio ambiente
Do que já restou até o presente momento demonstrado, viu-se que tanto a
propriedade como o meio ambiente ecologicamente equilibrado são direitos fundamentais
assegurados pela Constituição, direitos estes que estão intrinsecamente relacionados com os
princípios da dignidade da pessoa humana, da função social da propriedade e da preservação
do meio ambiente.
Por certo que nenhum desses princípios são absolutos, vez que são princípios
constitucionais e, como tais, podem ser objeto de restrições, objetivando a harmonização dos
mesmos com outros princípios igualmente consubstanciadores de direitos fundamentais.
Excetuando-se quando vislumbrado em sua concepção histórica ou liberal, o fato é
que os princípios do direito de propriedade e do meio ambiente são harmonizáveis. É que o
direito de propriedade não se extingue em face da função social, nem tampouco em razão da
proteção do meio ambiente. “São situações perfeitamente conciliáveis desde que para tanto o
249 Teoria cunhada, como visto (Cap. II), por Ronald Dworkin e desenvolvida por Robert Alexy. 250 E isso porque somente a partir da análise do caso concreto, com a ponderação dos valores envolvidos, é que
se poderá saber qual o bem e/ou o valor que irá prevalecer. 251 ALBUQUERQUE, op. cit., p. 114.
86
proprietário exerça seu direito dentro dos limites negativos e positivos permitidos”.252 A
função social condiciona o uso da propriedade, em regra não a extingue.
Com razão Derani, quando afirma que
os direitos fundamentais compreendidos como liberdades não podem anular-se reciprocamente. Uma liberdade prescrita pelo direito não pode perder a eficácia pela imposição de outra liberdade igualmente prescrita no direito positivo. Em nada é, por exemplo, a liberdade de iniciativa econômica superior à liberdade de se desfrutar de um ambiente ecologicamente equilibrado. Na verdade, estes princípios não comportam uma consideração de superioridade ou inferioridade. Os princípios normativos constitucionais estão na mesma base hierárquica.253
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é uma liberdade a ser
conquistada socialmente, a liberdade de viver e deixar viver a que já se referiu Strauss.254 Esta
conquista só é possível com a orientação das relações sociais pautadas no princípio da defesa
do meio ambiente. No plano da ordem econômica constitucional, esta orientação obriga os
agentes privados nas suas relações econômicas e o Poder Público na orientação da atividade
econômica e na sua atuação como agente econômico.
A Carta Política vigente assegurou o direito de propriedade, porém exigiu que este
deverá atender a uma função social. O direito de propriedade só é válido, pois, se observar a
função social da propriedade e a defesa do meio ambiente.
Assim, já não mais se está diante da concepção absolutista, retratada no art. 524 da
Lei nº 3.071/16 (Código Civil), pois, agora, comprometida com os fins do Estado Social, a
propriedade só é válida se atender a função social e se preservar o ambiente, razão pela qual a
legislação infraconstitucional precisa obedecer ao mandamento constitucional. Entretanto,
segundo Benjamin,
é forçoso reconhecer que ainda interpretamos o arcabouço infraconstitucional e compreendemos o fenômeno da interferência estatal em favor do ambiente com os olhos postos na Constituição de 1969 e nos textos que a antecederam. Vale dizer, não fomos capazes de proceder à releitura (=a atualização) do Direito do ancien régime, agora sob as premissas do modelo constitucional instaurado em 1988.255
A tentativa de resolução, quando de eventual conflito entre os direitos fundamentais
da propriedade e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, através da dicotomia: direitos 252 Ibid., p. 124. 253 DERANI, Cristiane. Meio ambiente ecologicamente equilibrado: direito fundamental e princípio da atividade
econômica. In: FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin (Coord.). Temas de direito ambiental e urbanístico. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 99.
254 STRAUSS, Claude Lévi. Coação e liberdade: o olhar distanciado. Lisboa: Edições 70, 1983, p. 390. 255 Apud WEIGAND, op. cit., p. 10.
87
superiores versus direitos inferiores ou direito subjetivo público (meio ambiente) versus
direito subjetivo privado (propriedade), aos poucos vem sendo superada. A melhor doutrina
tem-se posicionado contrariamente a este recurso, sob o argumento de que não mais responde
satisfatoriamente, por várias razões: primeiro, porque o princípio da interpretação mais amiga
do ambiente não goza de uma prevalência absoluta; segundo, porque é juridicamente incorreto
dizer-se que o direito ao ambiente sadio pese mais do que o direito de propriedade ou o direito
de iniciativa econômica privada (direitos superiores versus direitos inferiores), dado que a
doutrina prefere métodos concretos de balanceamento de direitos e interesses; e terceiro,
porque é metodicamente frágil a distinção entre direitos subjetivos públicos e subjetivos
privados, pois na verdade se trata de colisão de direitos fundamentais — o direito ao meio
ambiente sadio e o direito de propriedade —, ambos de igual dignidade constitucional.
O esforço hermenêutico do jurista moderno volta-se para aplicação direta e efetiva
dos valores e princípios inseridos em nossa Carta Magna. Configura-se, assim, em obediência
aos enunciados constitucionais, inevitável o abandono da disciplina civilista, que era voltada
anteriormente para a tutela dos valores patrimoniais. A concepção hodierna já não mais
admite a proteção da propriedade e da empresa apenas como bens em si, vez que tal proteção
só será válida quando destinada a efetivar valores existenciais, realizadores da justiça social.
Vê-se, assim, que, num caso concreto de conflito entre os direitos fundamentais de
propriedade e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, direitos estes que estão
diretamente relacionados aos princípios da dignidade da pessoa humana, da função social da
propriedade e da preservação do meio ambiente, qualquer tentativa de solução, se adotada
sem a necessária ponderação de valores, pode conduzir, em alguns casos, a situações de
flagrante injustiça, totalmente incompatíveis com as idéias de razoabilidade, de primazia da
dignidade humana, de inviolabilidade do direito à propriedade e de garantia à higidez
ambiental (art. 1º, III, 5º e 225, caput, todos da CF/88), que devem orientar a interpretação do
sistema constitucional.
É verdade que a Constituição contém uma regra proibindo o exercício do direito de
propriedade que não atenda a função social ou que degrade o meio ambiente (art. 5º, inciso
XXIII c/c 186, II, ambos da CF/88). Esta proibição, contudo, não é absoluta, mas sim o que
Alexy denomina de proibição prima facie.
88
Para Alexy,256 diferentemente da posição de Dworkin, nem todas as regras possuem
um caráter definitivo, podendo elas, excepcionalmente, conter cláusulas de exceção não
previstas, desde que essas cláusulas estejam fundadas em princípios. E tal se dá porque,
segundo Alexy, as regras são normas que exigem que se faça exatamente o ordenado, pois são
mandados definitivos. Apenas não são mandados definitivos quando é possível introduzir uma
exceção com fundamento em um princípio.257
As disposições de direito fundamental, observa Alexy,258 podem ser consideradas
não apenas como positivações de princípios, mas também como expressão de uma vontade de
estabelecer determinações frente às exigências de princípios contrapostos. Adquirem, desta
maneira, um caráter duplo. Através delas, por um lado, se positivam princípios; mas, por
outro, na medida em que apresentam tipos de garantias e cláusulas restritivas diferenciadas,
contêm as normas de direitos fundamentais determinações com respeito às exigências de
princípios contrapostos. Não obstante, as determinações apresentadas por elas têm um caráter
incompleto. De modo algum possibilitam, em todos os casos, uma decisão livre de
ponderação.
Quando, mediante uma disposição de direito fundamental, se leva a cabo alguma
determinação relacionada com as exigências de princípios contrapostos, se estatui com ela não
apenas um princípio, mas também uma regra. Se a regra não é aplicável sem ponderação
prévia, então, como regra, é incompleta. Na medida que é incompleta, a decisão
jusfundamental pressupõe um recurso ao nível dos princípios. Mas isto não muda em nada o
fato de que, na medida de seu alcance, as determinações devem ser levadas a sério. A
exigência de levar a sério as determinações estabelecidas pelas disposições de direitos
fundamentais é uma parte do postulado da sujeição à Constituição, porque tanto as regras
estatuídas pelas disposições constitucionais, como os princípios estatuídos por elas são
normas constitucionais.
Aplicando o modelo de Alexy ao problema de como compatibilizar o direito de
propriedade com o meio ambiente, temos que as regras constitucionais de vedação do uso da
terra — a quem não respeita o meio ambiente e nem atende a função social da propriedade —
é o meio como o constituinte pretendeu harmonizar o conflito entre o direito de propriedade e
256 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de
Estudios Constitucionales, 1997, p. 98-103. 257 Em síntese, e nas palavras de Alexy, “los princípios son siempre ‘razones prima facie’; las reglas, a menos
que se haja estabelecido uma excepción, ‘razones definitivas’.” Ibid., p. 101. 258 Ibid., p. 133-134.
89
o meio ambiente. Isso significa que, havendo um caso concreto de colisão, não pode, de modo
geral, o magistrado, em sua atividade de aplicação do direito, impedir liminarmente o uso da
terra, devendo antes procurar encontrar a solução mais adequada ao conflito dos valores
envolvidos, limitando-se, sempre que possível, a punir o responsável (se verificar o uso
danoso ao meio ambiente) e/ou a exigir o atendimento da função social da propriedade.
E tal se dá porque a regra da vedação do uso da terra a quem degrada o meio
ambiente não é automática, eis que, em todas as hipóteses, cabe ao intérprete proceder à
necessária ponderação dos valores em jogo, a fim de verificar se apenas a solução
constitucional geral (responsabilização pelo dano ambiental e/ou exigência do atendimento da
função social da propriedade, ambas efetuados a posteriori) não conduz, no caso concreto, à
aniquilação do direito ameaçado de lesão (direito à higidez ambiental e, conseqüentemente, o
direito à sadia qualidade de vida).
Se o magistrado constatar que há a possibilidade real dessa aniquilação ocorrer,
deverá, então, obstar o exercício do direito de propriedade,259 a fim de preservar o bem
jurídico de maior relevo e, indiretamente, o princípio orientador de toda a ordem jurídica, que
é a dignidade da pessoa humana, esta consubstanciada no direito que todos têm à higidez
ambiental, necessária à preservação da vida.
259 Esta posição, de resto, é de todo compatível com o poder de cautela conferido ao Judiciário pelo art. 5º, inciso
XXXV, da CF/88, que preceitua que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
90
CAPÍTULO VI
FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E LIMITAÇÕES
SUMÁRIO: 6.1 Propriedade: limitações e restrições. 6.2 Limites internos e externos da propriedade. 6.3 Poder de polícia e função social da propriedade.
6.1 Propriedade: limitações e restrições
A propriedade, tal como assegurada na Constituição, “não constitui instituto jurídico,
porém um conjunto de institutos jurídicos relacionados a distintos tipos de bens”.260 É por esta
razão que não há que se falar, portanto, em propriedade, mas em propriedades.
Há que se distinguir, pois, a propriedade segundo esteja relacionada a diversas
classes de bens e também aos titulares, tais como a propriedade de valores mobiliários, a
propriedade literária e artística, a propriedade industrial, a propriedade do solo, seja este
urbano, rural ou ainda o subsolo, a propriedade pública e a propriedade privada. Cada tipo de
propriedade está sujeito a uma disciplina particular, que não é apenas de Direito Civil, mas de
complexo de normas de Direito Administrativo, Econômico, Urbanístico, sob fundamentação
constitucional.
Como asseverou Pontes de Miranda, “coisa, objeto de propriedade, não é, hoje,
somente a coisa corpórea. O direito atendeu a que a noção de coisa não é naturalística, ou
física; é econômico-social”.261 A noção de propriedade na Carta Magna é mais ampla que o
tradicional domínio sobre coisas corpóreas. E tanto é assim que, em vários dispositivos, o
constituinte fez ver que o conceito de propriedade engloba até mesmo a própria atividade
econômica. Apesar disso, todas as dimensões da propriedade estão sujeitas a limitações e ao
mandamento constitucional da função social.
As limitações não representam novidade, sempre existiram, sendo que até mesmo os
códigos, que definiam a propriedade como um direito absoluto, não se esqueceram de
ressalvar que o poder de dispor das coisas devia sujeitar-se às restrições legais.262 As
260 ARAÚJO SÁ, op. cit., p. 5. 261 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, t. 11,
p. 15. 262 Conforme a doutrina tradicional civilista, o direito de propriedade é absoluto, exclusivo e perpétuo. Absoluto,
porque confere ao proprietário liberdade de dispor, a seu critério, do bem legitimamente adquirido; exclusivo, porque diz respeito apenas a ele; e perpétuo, porque não desaparece em face da sua morte, sendo passível de sucessão. Assim, as limitações são gêneros do qual são espécies as restrições, as servidões e a desapropriação,
91
limitações mais típicas são as que atingem o exercício do direito ou instituem deveres para o
proprietário. Aquele direito subjetivo absoluto, ilimitado, intangível, cria hoje obrigações para
seu titular. A propriedade deixa de ser egoísta, humaniza-se ao se relativizar, ganha conteúdo
social que não possuía, embora se conserve como direito básico de organização econômica.
As restrições têm fundamento no interesse público, social ou coletivo, e poderiam
dizer respeito ao meio ambiente, à saúde pública, à propriedade pública, à economia popular,
à ordem econômica, à cultura, à higiene, ao funcionamento dos serviços públicos, ao
urbanismo, à segurança pública, à defesa nacional, etc.
O Código Civil (Lei nº 3.071/16), em seu artigo 524, “assegura ao proprietário o
direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que
injustamente os possua”.263 Não diz o Código, mas esse direito, além das restrições, está
sujeito a limitações de natureza legal. Nesse ponto era mais explícita a Constituição de 1937,
que, em seu art. 122, 14, com a redação dada pela Lei Constitucional 5, de 10/03/1942,
assegurava “o direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade
pública, mediante indenização prévia. O seu conteúdo e os seus limites serão os definidos nas
leis que lhe regularem o exercício”.
As Constituições posteriores não repetiram a parte final do artigo, entretanto, à vista
da evolução por que passou a propriedade, já quase não se estranham as limitações legais no
instituto. Os direitos subjetivos, não sendo ilimitados, estão sujeitos a restrições e limitações.
O nosso Código adequou-se ao contexto político, econômico e social brasileiros à
época do liberalismo. Desde então, prevalecia a estrutura fundiária dos latifúndios, sobretudo
no Nordeste, contexto que embasou a preservação do caráter individual e absolutista da
propriedade. O Estado permanecia com a função de garantidor dos direitos fundamentais,
ordenador das condutas individuais, destituído de qualquer ingerência na esfera econômica e
social. Infelizmente as idéias sociais propagadas e já consolidadas em outras codificações,
responsáveis por significativas mudanças, inclusive no conteúdo da propriedade, não foram
já que, nas palavras de Afonso da Silva, “as restrições limitam o caráter absoluto da propriedade, as servidões, o caráter exclusivo, e a desapropriação, o caráter perpétuo”. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 358-359.
263 Vale ressaltar que não há no Código Civil de 1917 uma definição para o direito de propriedade. Há, sim, a descrição do seu conteúdo, qual seja, a faculdade de o proprietário usar, gozar e dispor de seus bens (art. 524). ALBUQUERQUE, op. cit., p. 40.
92
observadas em nosso ordenamento; o legislador demonstrou sua fidelidade ao contexto
liberal.264
Fica patente, contudo, que, na realidade moderna, apenas a limitação à propriedade
privada, proveniente dos direitos de vizinhança, é insuficiente para fazer frente às demandas
atuais, sobretudo quando a área em litígio é uma área de preservação ambiental, fato “que
revela a insuficiência da codificação para enfrentar demandas envolvendo os chamados novos
direitos”.265
Vale lembrar, por fim, que esta deficiência na codificação civil já era de se esperar. É
que, no início do século passado, nenhuma importância era despendida às questões
ambientais, sendo, pois, incogitável a existência de uma limitação ao conteúdo do direito de
propriedade, por motivação ambiental. Entretanto, é bom ressaltar que, como já demonstrado,
os dispositivos do Código Civil de 1916 não são empecilhos para que se cumpra a função
ambiental da propriedade, nem garantia de manutenção-proteção da propriedade que não
atende sua função ambiental.
E tal se dá porque, com o advento da CF/88 (e com a vasta legislação ambiental que
se produziu, inclusive, mais recentemente, com a edição do Novo Código Civil (art. 1.228, §
1º, da Lei nº 10.406/02, de 10/01/02)),266 a função ambiental é, como se verá a seguir,
elemento interno da propriedade, fato que “reduziu o âmbito de incidência do Código Civil às
relações civis decorrentes desse direito, não incidindo sobre o seu regime jurídico, que passou
a ser constitucional”.267
O objetivo agora é fazer com que os operadores jurídicos, sobretudo nossos tribunais
superiores, compartilhem dessa nova concepção, eis que a sociedade do século XXI já não
pode mais conviver com a propriedade absolutista, sob pena de desnaturar o próprio espírito
solidário e humanista preconizado pela Carta Magna.
264 A concepção liberal da propriedade é tão forte em nosso ordenamento que até mesmo o Projeto do Novo
Código Civil (aprovado pela Câmara sob o nº 634/75), apesar de reconhecer a função ambiental da propriedade (art. 1229, § 1º, do Projeto do Novo CC), não cuidou de afastá-la por completo. E tanto isso é verdade que Fachin asseverou que “o sentido clássico do direito de propriedade não é evidentemente alterado pelo Projeto 634/75”. FACHIN, Luiz Edson. Da propriedade como conceito jurídico. Revista do Instituto dos Advogados do Paraná, Curitiba, n. 11, 1987, p. 183.
265 ALBUQUERQUE, op. cit., p. 41. 266 Preceitua o art. 1228, § 1º, do Novo Código Civil, que: “o direito de propriedade deve ser exercido em
consonância com suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”.
267 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função ambiental da propriedade rural. São Paulo: LTr, 1999, p. 201.
93
6.2 Limites internos e externos da propriedade
Os limites do direito de propriedade são internos ou externos. Os limites internos são
de natureza intrínseca e contemporânea à formação da relação de domínio, isto é,
indissociáveis do próprio direito de propriedade. Na ausência deles, não se convalida o direito
de propriedade.
Tais categorias de limites justificam-se ora pelo desejo do legislador de salvaguardar
o indivíduo, isoladamente considerado (direitos de vizinhança, v.g.), ora com o claro intuito
de alcançar objetivos supra-individuais (bons costumes, saúde pública, proteção ambiental,
etc.).
Entre os limites internos tradicionais estão, exemplificativamente, o respeito aos
direitos dos outros proprietários (regras de vizinhança), a proteção à saúde pública e o
resguardo de bons costumes. O que há de novo é a inserção da função social da propriedade
na própria configuração da ordem econômica brasileira, atuando concretamente como
elemento qualificante na predeterminação dos modos de aquisição, gozo e disposição dos
bens.268 É neste contexto funcional que mais aparece e se justifica a proteção do meio
ambiente (com a criação de Reservas Florestais Legais, de Áreas de Preservação Permanente,
com o controle das emissões poluidoras, etc.), bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida.
Preleciona Cardoso que “a função social da propriedade representa a pedra angular
do direito de propriedade, pois está inserida na própria estrutura deste direito,
predeterminando os modos de aquisição, gozo e utilização da propriedade”.269 O princípio da
função social compõe os limites, as fronteiras internas do direito de propriedade. Essa é a
projeção em que é reconhecido o direito de propriedade na Constituição Federal. Conforme a
expressão de Benjamin, “a proteção do meio ambiente, no sistema constitucional brasileiro,
não é uma incumbência imposta sobre a propriedade, mas uma função inserida no direito de
propriedade, dele fazendo parte inseparável”.270
268 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 66. 269 CARDOSO, Sônia Letícia de Mello. A função social da propriedade urbana. Revista de Ciências Jurídicas,
São Paulo, v. 3, n. 2, 1999, p. 311. 270 BENJAMIN, Antônio Herman. Desapropriação, reserva florestal legal e áreas de preservação permanente. In:
FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin (Coord.). Temas de direito ambiental e urbanístico. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 68. Nesse mesmo sentido ARAÚJO SÁ, op. cit., p. 14.
94
O princípio da função social incide sobre o conteúdo do direito de propriedade,
compondo a estrutura ou limites internos do direito. Significa dizer que o cumprimento da
função social, que no caso da propriedade rural é requisito, dentre outros, a utilização
adequada dos recursos naturais e preservação do meio ambiente, é condição de sua
legitimidade.271 A função social é um princípio que age dentro do próprio conteúdo do direito
de propriedade, razão pela qual não pode ser confundida com as limitações externas ao direito
de propriedade, que são restrições posteriores à constituição do direito, como, por exemplo, a
instituição de servidões por parte do Poder Público.272 Neste sentido, e nas palavras de Afonso
da Silva:
A função social constitui o fundamento do regime jurídico da propriedade, não de limitações, obrigações e ônus que podem apoiar-se — e sempre se apoiaram — em outros títulos de intervenção, como a ordem pública ou a atividade de polícia. A função social, assinala Pedro Escribano Collado, introduziu, na esfera interna do direito de propriedade, um ‘interesse’ que pode não coincidir com o do proprietário e que, em todo caso, é estranho ao mesmo, constitui um princípio ordenador da propriedade privada e fundamento da atribuição desse direito, de seu reconhecimento e da sua garantia mesma, incidindo sobre seu próprio conteúdo.273
Com precisão, assevera Gustavo Santos que “a exigência de atender à função social
não se confunde com as prefaladas limitações já abarcadas no próprio regramento que o
direito civil dá ao instituto da propriedade”. E tal se dá, segundo ele, porque “as limitações à
propriedade dizem respeito ao exercício do direito pelo proprietário, pois são externos ao
conceito de propriedade, enquanto a função social trata da própria estrutura do direito,
atingindo, por dentro, a sua definição”.274
271 A função social da propriedade rural concretiza-se pelo atendimento simultâneo dos requisitos fixados na
norma constitucional. O princípio da função social, exigente da “utilização adequada dos recursos naturais e preservação do meio ambiente”, constitui, assim, fundamento da propriedade rural. Não se trata de simples limitação decorrente de intervenções atinentes ao poder de polícia. Em síntese, garante-se a propriedade enquanto cumpre esta a sua função social. E a função social é cumprida quando a propriedade rural atende à “utilização adequada dos recursos naturais e preservação do meio ambiente”, cf. art. 186, II, da CF/88.
272 Segundo Meirelles, servidão administrativa ou pública “é ônus real de uso, imposto pela Administração à propriedade particular, para assegurar a realização e conservação de obras e serviços públicos ou de utilidade pública, mediante indenização dos prejuízos efetivamente suportados pelo proprietário”. MEIRELLES, 1991, op.cit., p. 521. As três principais características da servidão administrativa são: é um ônus real, incidente sobre um bem particular, com a finalidade de permitir uma utilização pública (RT n. 293/26). É essencial ao conceito de servidão a presença de dois elementos: a coisa serviente e a coisa dominante, a primeira prestando utilidade à segunda.
273 SILVA, 1997, op. cit., p. 274. 274 SANTOS, G.F., op. cit., p. 22.
95
Na esfera de limitações internas não cabe falar em desapropriação.275 Se a
propriedade não estiver cumprindo sua função social, implicando isto proteção do meio
ambiente, e se a Administração a direciona para este fim, não existe desapropriação
indireta,276 e, sim, o cumprimento, pelo Poder Público, de uma tarefa que lhe foi cometida
pela própria Constituição. E tal se dá porque “não se pode compensar pela negação
(=desapropriação) de uma faculdade que não se tem”.277 Os limites internos, porque fazem
parte do rol de atributos necessários ao reconhecimento do direito de propriedade válido, não
comportam, pois, indenização.
Se os limites internos antecedem o direito de propriedade, os limites externos,
diferentemente, lhes são consecutivos. Os limites externos pressupõem uma dominialidade
que opera em sua plenitude, ou seja, fundamentada nos princípios constitucionais. Isto
significa dizer que se o Poder Público necessitar de um bem, por exemplo, para construir um
acesso, ou estabelecer restrições que esgotem o conteúdo econômico do direito e aniquilem o
direito dominial, a exemplo de quando institui, em terras particulares, um Parque, uma
Reserva Biológica,278 ou uma Estação Ecológica, onde é proibida qualquer forma de
275 A desapropriação é o moderno e eficaz instrumento de que se vale o Estado para remover obstáculos à
execução de obras e serviços públicos, para propiciar a implantação de planos de urbanização, para preservar o meio ambiente contra devastações e poluições, e para realizar a justiça social com a distribuição de bens inadequadamente utilizados pela iniciativa privada. “A desapropriação é, assim, a forma conciliadora entre a garantia da propriedade individual e a função social dessa mesma propriedade, que exige usos compatíveis com o bem-estar da coletividade”. MEIRELLES, 1991, op. cit., p. 497. A CF/88 denomina desapropriação a tomada de glebas “onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas”, sem qualquer indenização ao proprietário (art. 243, caput), modalidade esta disciplinada pela Lei nº 8.257, de 26/11/91. Na realidade, não se trata de desapropriação, mas sim de confisco, porque insuscetível de pagamento, embora justificável pelos danos causados pela droga. A proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e de reservas florestais são casos de desapropriação por interesse social, nos termos do art. 2º, VII, da Lei nº 4.132/62.
276 A expressão desapropriação indireta é atribuída ao Ministro Orozimbo Nonato. Ao tempo de sua concepção, não poderia prever o referido ministro do STF que acabasse a cômoda designação por criar uma errônea interpretação do que realmente significava. Sim, pois, na atualidade, tem-se visto freqüentes afirmações, à guisa de sua conceituação, que se trataria de uma expropriatória, a qual apenas faltou o pagamento prévio, ou a prévia iniciativa da propositura de ação. Nada mais equivocado, dado que, se há a ausência do prévio ajuste sobre o preço, e se não há — por parte do Poder Público — a iniciativa da propositura da ação própria, não se pode falar em desapropriação. Dessa forma, quando o Poder Público afeta o bem do particular em caráter irreversível, sem nada pagar ou propor, não desapropria: comete esbulho possessório, ou pratica ato ilícito. Porém, o exercício da reivindicatória, que lhe asseguraria a devolução do direito de usar e de gozar da propriedade, de colher seus frutos naturais, das deteriorações e perdas e danos, não é viável, pela destinação irreversível do bem, que se vê afetado ao uso público. A reivindicação do bem, assim, converte-se na apuração e pagamento de seu valor, pela circunstância de que sendo vedado o direito dominial e a exploração econômica do imóvel, fazendo nascer a figura que a doutrina cuidou de denominar de desapropriação indireta.
277 BENJAMIN, 1998b, op. cit., p. 68. 278 Segundo o Código Florestal, “é proibida qualquer forma de exploração dos recursos naturais nos parques e
reservas biológicas” (art. 5º, “a”, grifos nossos); de maneira assemelhada, a Lei nº 5.197/67 (Lei de Proteção à Fauna) estabelece que nas reservas biológicas estão proibidas “as atividades de utilização, perseguição, caça, apanha, ou introdução de espécimes na fauna e flora silvestres e domésticas, bem como modificações do meio ambiente a qualquer título” (art. 5º, “a”, grifos nossos).
96
exploração dos recursos naturais, a regra geral é a de que terá que indenizar ao proprietário.
Entretanto, tratando-se de áreas necessárias à proteção e higidez do meio ambiente, tais como
a criação das Áreas de Preservação Permanente e as Reservas Florestais Legais, pelas
importâncias e peculiaridades delas, a indenização nem sempre será devida.
E tal se dá porque a função social da propriedade legitima certas interferências
legislativas, administrativas e judiciais; na ausência de sua previsão constitucional expressa,
tais atuações estatais poderiam, em tese, caracterizar desapropriação (direta ou indireta),
exigindo, pois, indenização. No entanto, adotado e prestigiado o instituto como foi pela
Constituição, nada é devido quando o Estado age na direção do mandamento constitucional.
Descabido impor ao Poder Público a proteção do meio ambiente, podendo-se falar, inclusive,
“em responsabilidade do Estado se este se omitir em sua competência-dever de zelar pelo
meio ambiente”,279 e, ao mesmo tempo, paradoxalmente, obrigá-lo a indenizar, por mover-se
no estrito cumprimento de seu dever maior.
Correto, pois, o pensar de Mangueira, quando afirma que
a importância da noção de função sócio-ambiental da propriedade se manifesta, sobremaneira, na percepção de que a interferência na propriedade não é interferência no direito de propriedade, quando proveniente da função social, posto que é a própria configuração desse direito. Por isso, quando o Poder Público interfere na propriedade rural, estabelecendo espaços a serem ambientalmente protegidos, não se está, via de regra, diante de limitações ao direito de propriedade, tampouco diante de desapropriações de fato ou indiretas,280 não ensejando qualquer indenização ao proprietário.281
No Brasil, infelizmente, ao contrário do que se observa em outros países, como a
Alemanha, a teoria da função social da propriedade não tem tido a eficácia prática desejada
entre os operadores do Direito, principalmente nos tribunais superiores. A verdade é que,
entre nós, a noção ainda não foi, inexplicavelmente, aplicada escorreitamente pela
jurisprudência. Um balanço objetivo comprova que a concepção da função social da
propriedade não tem sido entendida a contento, tanto que os tribunais, desconsiderando
totalmente os limites internos do direito de propriedade, não hesitam em proclamar até
279 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Disciplina urbanística da propriedade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980,
p. 15. 280 Não existe direito à indenização por desapropriação indireta quando a Administração regrar o uso,
privilegiando ou restringindo suas formas. Na área rural, o direito de exploração econômica só é legítimo se respeitar o meio ambiente. Três artigos constitucionais asseguram esse tratamento: art. 170, VI, 186, II e 225, todos da CF/88.
281 MANGUEIRA, Carlos Octaviano de M. Função social da propriedade e proteção ao meio ambiente: notas sobre os espaços protegidos nos imóveis rurais. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 37, n. 146, abr./jun. 2000, p. 233-234.
97
mesmo a indenização das áreas de preservação ambiental. E se assim é, não é de surpreender
o desconhecimento da função sócio-ambiental da propriedade,282 tardio desdobramento
daquela.
Não devia ser assim, já que poucas Constituições unem tão umbilicalmente função
social e meio ambiente como a brasileira.283
Impende, pois, superar-se o vício da prática jurídica brasileira de não interpretar a
legislação nacional à luz do perfil da Carta Política vigente, que dá fundamento de validade a
toda a ordem jurídica e que impõe a releitura de todo direito a ela preexistente.
6.3 Poder de polícia e função social da propriedade
Quando se estuda as limitações ao exercício da propriedade em função da proteção
do meio ambiente, uma distinção precisa ser de logo destacada: a distinção entre a exigência
constitucional de que a propriedade atenda a sua função social e as limitações decorrentes do
poder de polícia.
As limitações decorrentes do poder de polícia visam, segundo visão já tradicional,
evitar que o mau uso da propriedade possa prejudicar o interesse social.
A conceituação do poder de polícia administrativa, sedimentada em doutrina já
tradicional, foi acolhida pela legislação brasileira. Com efeito,
considera-se poder de polícia a atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais e coletivos.284
Vê-se, assim, que a razão do poder de polícia está na proteção do interesse público
em sentido amplo, identificado este com o da sociedade organizada, que deve prevalecer em
face dos direitos individuais. É fácil perceber o contínuo alargamento da extensão do poder de
282 Ou da reciclagem do instituto já tradicional da função social. MAGALHÃES, Maria Luísa Faro. Função
social da propriedade e meio ambiente: princípios reciclados. In: BENJAMIN, Antônio Herman (Coord.). Função ambiental e dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 150.
283 Basta lembrar que a Constituição italiana, ao prever, expressamente, a função social da propriedade, o faz apenas com o intuito de torná-la acessível a todos, sem qualquer intenção de proteger o meio ambiente natural. DI PLINIO, Giampiero. Diritto pubblico dell' ambiente e aree naturali protette. Torino: Utet, 1994, p. 8.
284 Artigo 78 do Código Tributário Nacional.
98
polícia administrativa, em função da emergência de novas atividades de particulares e de
novas formas de interesses públicos, decorrentes das transformações verificadas na
organização social. Assim, onde houver interesse relevante da coletividade ou do próprio
Estado, haverá, correlatamente, igual poder de polícia administrativa para a proteção desses
interesses.
Muito embora o poder de polícia também atinja o direito de propriedade, evitando
que seu exercício prejudique o interesse coletivo, não há como confundi-lo com a função
social da propriedade. É que a função social não surge como limite ao exercício do direito de
propriedade, mas como princípio incidente sobre o conteúdo, impondo comportamentos
positivos. O poder de polícia, entretanto, é um dos mais importantes instrumentos de que
dispõe o Estado para a defesa do meio ambiente, posto que demarca do conteúdo de direitos
privados, impondo freios à atividade individual com o fim de assegurar a efetividade do
interesse público.
Como critério para distinção entre função social da propriedade e limitações
decorrentes do poder de polícia, Di Pietro285 menciona que alguns autores entendem que a
diferença reside no fato de que a função social implicaria imposição de comportamentos
positivos, prestações de fazer, enquanto que as limitações decorrentes do poder de polícia
ensejariam comportamentos negativos, prestações de não fazer.
Nada mais equivocado, eis que acatada parte da doutrina de Direito Administrativo,
incluindo-se nela a administrativista Di Pietro, também admite prestação positiva decorrente
de limitação administrativa. Não bastasse isso, as prestações de fazer a que se sujeita o titular
da propriedade, como decorrentes do poder de polícia, significam condição cujo implemento
torna possível o exercício de um direito. De outro lado, o fazer decorrente da função social
significa um dever de exercitar o mesmo direito.286 Em síntese, e nas palavras de Cardoso:
A função social não limita, ela integra o conteúdo do direito de propriedade, como elemento constituidor e qualificador do seu regime jurídico. Portanto, o fundamento da função social é o dever do proprietário de exercer o direito de propriedade em benefício de um interesse social, enquanto que o fundamento das limitações administrativas consiste em impor condições para o exercício do direito de propriedade.287
285 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 103. 286 ARAÚJO SÁ, op. cit., p. 9. Este também é o entendimento de Eros Roberto Grau, com apoio na doutrina de
Carlos Ari Sundfeld, 287 CARDOSO, op. cit., p. 313.
99
Bandeira de Mello ensina que o exercício do poder de polícia significa limitação da
liberdade e da propriedade, e não em sacrifícios aos direitos respectivos.288 Para ele, os atos
restritivos, legais ou administrativos nada mais significam senão a formulação jurídica do
âmbito do direito, ou seja, as limitações à propriedade correspondem ao delineamento da
esfera jurídica da propriedade, razão pela qual entende que “se a limitação administrativa não
é senão o perfil do direito, parece razoável entender que sempre que seja necessário um ato
específico da Administração impondo um gravame, por conseguinte criando uma situação
nova, atingiu-se o próprio direito e, pois, a hipótese é de servidão”.289 A conseqüência disso, é
evidente, seria o dever de indenizar, inclusive quando se estivesse diante de uma declaração
de que uma determinada área particular constitui reserva florestal, que é um caso típico de
servidão para o referido autor.290
Ora, as ilações de Bandeira de Mello hão de ser entendidas com ressalvas. É que a
preservação do meio ambiente decorre hoje do princípio da função social, que, por sua vez,
participa da definição interna das fronteiras do direito de propriedade. Com razão, pois,
Afonso da Silva, quando afirma que “a função social da propriedade não se confunde com os
sistemas de limitação da propriedade. Estes dizem respeito ao exercício do direito ao
proprietário; aquela, à estrutura do direito mesmo, à propriedade”.291 As limitações
fundamentam-se não na função social da propriedade, mas no poder de polícia, e são externas
ao direito de propriedade, interferindo tão-somente no exercício do direito. A função social
interfere no conceito e na estrutura interna do direito de propriedade,292 razão pela qual
Afonso da Silva preleciona que
a função social da propriedade se modifica com as mudanças na relação de produção. E toda vez que isso ocorrera, houvera transformação na estrutura interna do conceito de propriedade, surgindo nova concepção sobre ela, de tal sorte que, ao estabelecer expressamente que a propriedade atenderá a sua função, mas especialmente quando o reputou princípio da ordem econômica, ou seja: como um princípio informador da constituição econômica brasileira com o fim de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (art. 170, II e III), a Constituição não estava simplesmente preordenando fundamentos às limitações, obrigações e ônus relativamente à propriedade privada, princípio também da ordem econômica, e, portanto, sujeita, só por si, ao cumprimento daquele fim. 293
288 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1994,
p. 404. 289 Ibid., p. 405. 290 Ibid., p. 405. 291 SILVA, 1997, op. cit., p. 284. ARAÚJO SÁ, op. cit., p. 9. 292 No mesmo sentido, entende Cardoso que “a função social da propriedade não se confunde com limitações
administrativas ou atividades do Poder de Polícia, pois as limitações administrativas são uma decorrência da supremacia geral da Administração frente aos administrados, externos, portanto, ao direito de propriedade, e a função social é elemento interno do direito de propriedade”. CARDOSO, op. cit., p. 313.
293 SILVA, 1997, op. cit., p. 294.
100
O mesmo autor conclui seu raciocínio afirmando que as “limitações, obrigações e
ônus são externos ao direito de propriedade, vinculando simplesmente a atividade do
proprietário, interferindo tão-só com o exercício do direito, os quais se explicam pela simples
atuação do poder de polícia”.294
Divergências à parte, o certo é que a atribuição constitucional da função social
parece, à primeira vista, incompatível com a tradicional forma de tutela do proprietário ínsita
no art. 524 do nosso Código Civil (Lei nº 3.071/16). As profundas restrições que pouco a
pouco foram sendo impostas às faculdades inerentes ao domínio acarretaram a crise do
conceito tradicional de propriedade. O problema agora, segundo Tepedino, é a “determinação
do conteúdo mínimo da propriedade,295 sem o qual se desnaturaria o próprio direito”.296
Assim, em face da supremacia da Constituição Federal sobre as normas de direito
privado, forçoso é concluir-se que estas têm de ser compreendidas em conformidade com a
disciplina que aquela lhes impõe, não havendo mais espaço para a antiga concepção liberal de
propriedade privada, razão pela qual se pode afirmar, na esteira do pensamento de Tepedino,
que
a função social passa a ser vista como elemento interno da estrutura do direito subjetivo, determinando sua destinação, e que as faculdades do proprietário privado são reduzidas ao que a disciplina constitucional lhe concede, na medida em que o pressuposto para a tutela da situação proprietária é o cumprimento de sua função social, que, por sua vez, tem conteúdo predeterminado, voltado para a dignidade da pessoa humana e para a igualdade com terceiros não proprietários.297
A Constituição de 1988 não reconhece o direito de propriedade desvinculado da
função social. Portanto, trata-se de um direito que só é reconhecível (e garantido) quando
respeitados valores e objetivos que lhe são antecedentes. “Essa dicotomia fica superada com a
concepção de que o princípio da função social (CF/88, art. 5º, XXIII) é um elemento do
regime jurídico da propriedade, é, pois, princípio ordenador da propriedade privada, incide no
conteúdo do direito de propriedade, impõe-lhe novo conceito”.298
294 Ibid., p. 294. 295 A própria função social tem um limite, não pode suplantar o direito de propriedade, pois este é garantido,
inclusive contra o Poder Público. Nesse passo, Cardoso, citando Bandeira de Mello, entende que “a função social não pode retirar o conteúdo mínimo do direito de propriedade, é imperioso que o proprietário mantenha a exclusividade e a funcionalidade sobre o bem objeto de propriedade”. CARDOSO, op. cit., p. 314. E tal se dá porque, “como um direito fundamental, o direito de propriedade tem um núcleo essencial, irredutível, que não poderá ser afastado”. SANTOS, G. F., op. cit., p. 25.
296 TEPEDINO, Maria Celina. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, São Paulo, v. 17, n. 65, jul/set. 1993, p. 31.
297 Ibid., p. 31-32. 298 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 62-63.
101
CAPÍTULO VII
AS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL E O PROBLEMA DA
INDENIZAÇÃO DAS PROPRIEDADES PRIVADAS
SUMÁRIO: 7.1 A obrigação de preservar o meio ambiente e o direito de propriedade: cabimento ou não da indenização. 7.2 Desapropriação indireta e indenização. 7.3 Instrumentos de preservação ambiental. 7.3.1 As Áreas de Preservação Permanente; 7.3.2 As Reservas Florestais Legais. 7.4 O problema da indenização das Áreas de Preservação Permanente e das Reservas Florestais Legais. 7.5 Pressupostos para a indenização de áreas de interesse ambiental.
7.1 A obrigação de preservar o meio ambiente e o direito de propriedade:
cabimento ou não da indenização
A regra geral é a de que a obrigação de resguardar o meio ambiente não infringe o
direito de propriedade, não ensejando desapropriação. E tal se dá porque, exceto quando se
impede, por inteiro, o uso da propriedade, a preservação do meio ambiente nada retira do
proprietário privado que antes ele fosse detentor, não se podendo falar, pois, em ofensa a
direitos quando a criação de áreas de preservação ambiental é imprescindível à sobrevivência
humana e ao cumprimento da função sócio-ambiental, pressupostos para o reconhecimento do
direito de propriedade.
Não bastasse isso, não há, hodiernamente, um direito de propriedade que confira ao
seu titular a opção de usar aquilo que lhe pertence de modo a violar os princípios hoje
estampados nos arts. 5º, 170, VI, 184, 186, II e 225, todos da CF/88. É que a propriedade
privada, nos moldes da Lei Maior vigente, abandona, de vez, sua configuração essencialmente
individualista para ingressar em uma nova fase, mais civilizada, mais solidária e comedida,
onde se submete a uma ordem pública ambiental.299
Porque constitucionalmente obrigado, o Estado pode — e deve — restringir a
utilização da propriedade que degrada o meio ambiente, determinando a interdição de
atividades e destruição ou demolição de obras que estejam em desconformidade com a
regulamentação ambiental, inexistindo qualquer dever de compensar o proprietário-infrator. E
isso porque, ao afirmar que a função social da propriedade é princípio basilar da ordem
econômica e social, a Constituição deixou explícito que a propriedade e todas as suas
299 Sobre o tema, vide PRIEUR, Michel. Droit de l'environnement. Paris: Dalloz, 1991, p. 57-58.
102
expressões naturais (o uso, o gozo e a disposição do bem) não só podem, mas devem, ser
regulados de maneira tal que se sujeitem às conveniências sociais e que se afinem nesta
destinação, de tal modo que a propriedade cumpra efetivamente sua função social.
Com muita proficiência, assevera Benjamin que “na equação ambiente-propriedade,
a complexidade da questão posta, então, não reside, abstratamente, no poder conferido ao
Estado para regrar o uso dos bens privados, mas nas fronteiras concretas dessa incumbência,
que deflui da Constituição Federal”.300 Para ele,
na esfera ambiental contemporânea — na esteira da aceitação da tese de que o domínio não mais se reveste do caráter absoluto e intangível, de que outrora se impregnava —, é bom ressaltar que entre os direitos associados à propriedade não está o poder de transformar o ‘estado natural’ da res ou de destruí-la. Nenhum proprietário tem direito ilimitado e inato de alterar a configuração natural da sua propriedade, dando-lhe características que antes não dispunha, carecendo para tal do concurso do Poder Público. Assim, p. ex., não integra o rol dos atributos do direito de propriedade do dono de uma área pantanosa a possibilidade de, a seu querer, aterrá-la, modificando seu estado natural e função ecológica.301
Assim, não pode o titular do direito de propriedade, ao seu alvedrio, destruir a
vegetação para a formação de pastagens para a sua criação. Tampouco pode, ao seu bel-
prazer, erguer construção em dunas destruindo a vegetação fixadora ou em praia marítima ou
de rio, sem observância dos limites espaciais fixados em lei. De igual modo, não é permitido
ao proprietário, sem obter a concordância do órgão de controle ambiental, cortar, destruir as
florestas existentes nos seus domínios, não sendo possível destruir as vegetações situadas em
áreas de preservação permanente, segundo a definição do Código Florestal.302 Não pode
aterrar uma lagoa ou fazer graves interferências em cursos d'água, ao fundamento simples de
exercício do direito de propriedade. Não pode, em síntese, o proprietário, promover a
exploração dos recursos naturais como lhe aprouver.
7.2 Desapropriação indireta e indenização
Para Benjamin,303 há desapropriação indireta sempre que a Administração Pública,
levando-se em consideração a totalidade do bem, ao interferir com o direito de propriedade: a)
aniquilar o direito de exclusão (dando ao espaço privado fins de uso comum do povo, como
300 BENJAMIN, 1998b, p. 72. 301 Ibid., p. 67. 302 Diz o art. 3º, § 1º, da Lei nº 4.771/65, que “a supressão total ou parcial de florestas de preservação
permanente só será admitida com prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando for necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social”.
303 Ibid., p. 73.
103
ocorre com a visitação pública nos parques estatais); b) eliminar, por inteiro, o direito de
alienação; e c) inviabilizar, integralmente, o uso econômico, ou seja, provocar a total
interdição da atividade econômica do proprietário, na completa extensão daquilo que é seu.
Nas hipóteses acima o domínio há que passar para o Estado, sofrendo este o encargo
da indenização, como conseqüência de, por ato seu, nas precisas palavras de Celso de Mello,
“virtualmente esterilizar, em seu conteúdo essencial, o direito de propriedade”.304
Não cabe, contudo, a indenização quando o Poder Público, procedendo em
conformidade com o suporte constitucional da função sócio-ambiental, regrar a forma do uso,
privilegiar ou interditar a propriedade privada que estiver degradando o meio ambiente. E
assim é porque a Constituição não confere a ninguém o direito de beneficiar-se de todos os
usos possíveis e imagináveis de sua propriedade. Nenhum imóvel, especialmente os rurais,
tem apenas como única forma de utilização a exploração madereira ou o sacrifício integral de
sua cobertura vegetal, pois, no mundo moderno, existem diversos outros meios de exploração
para as áreas de florestas (ecoturismo, plantas ornamentais, piscicultura, etc.), sendo raro o
caso em que a única possibilidade de exploração de uma área é o desmatamento integral e
rasteiro, como forma de viabilizar a agricultura e a pecuária.
De mais a mais, se é certo que a ordem jurídica assegura o direito do proprietário de
usar a sua propriedade, nem por isso lhe é assegurado o melhor e o mais lucrativo uso
possível, pois a função sócio-ambiental impõe limites ao uso da propriedade, tanto que o
direito de exploração econômica, para o caso das propriedades rurais, só é permitido quando
se respeita o meio ambiente, com a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis. É o
que dizem os artigos 170, VI, 186, II, e 225, todos da CF/88.
É com base nesse mesmo artigo 170 da CF/88 que o legislador, por exemplo, limita a
construção de edifícios, condomínios e loteamentos. Em todas essas hipóteses de regramento
ou até confinamento de uso, não se cuida, é claro, de supressão (=desapropriação) do direito
de propriedade, pois não desaparece a totalidade do valor econômico, das prerrogativas ou
dos atributos da dominialidade, eis que, como já afirmava Pontes de Miranda, não caracteriza
“desapropriação a medida que apenas, no interesse público, vede certo uso do bem, ou se
inclua em direito de vizinhança”.305
304 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 134297-SP. Rel. Min. Celso de Mello. DJU de 22/09/95, p.
30597. Lex, São Paulo, v. 207, p. 142. 305 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. 2. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1971, t. 5, p. 425.
104
7.3 Instrumentos de preservação ambiental
Muito embora existam várias unidades de conservação ambiental (parques, reservas
biológicas, áreas de proteção ambiental, reservas extrativistas, etc.) — isso sem falar que a
legislação ambiental tem sido pródiga na criação de inúmeras outras modalidades de unidade
de conservação, a ponto de se ter, como assevera Rodrigues, “uma infindável nomenclatura de
unidades mal definidas, que se confundem umas com as outras, dispersas em todo tipo de
diploma normativo, muitas vezes criadas apenas em função de interesses políticos passageiros
ou em razão de rivalidades entre órgãos ambientais públicos” —,306 neste trabalho, por
questão de delimitação, dentre os espaços territoriais especialmente protegidos, só se dará
maior ênfase às áreas de preservação permanente e reservas florestais legais.
7.3.1 As Áreas de Preservação Permanente
O Código Florestal (Lei nº 4.771/65) traz dois instrumentos principais de preservação
ambiental, que, na sua fundamentação ecológica e jurídica (constitucional e
infraconstitucional), não se confundem.
O primeiro desses institutos é a Área de Preservação Permanente, que, como sua
própria denominação demonstra, é área de preservação e não de conservação, não permite
exploração econômica direta (madereira, agricultura ou pecuária), mesmo com manejo.307 São
espaços de proteção impositiva e integral e destinam-se basicamente à proteção das águas e da
qualidade dos solos. Podem ser de duas espécies: legais308 e administrativas. As primeiras são
assim chamadas porque estão delimitadas no próprio Código Florestal (art. 2º), como, por
exemplo, a mata ciliar, o topo de morros, as restingas, os terrenos em altitude superior a 180
metros, etc. Já as segundas, que têm assento no art. 3º deste Código e que visam, entre outras
hipóteses, evitar a erosão das terras, fixar dunas, formar faixas de proteção ao longo de
rodovias e ferrovias, são assim denominadas porque sua concreção final depende da
expedição de ato administrativo da autoridade ambiental competente. Estas últimas, ou seja,
as Áreas de Preservação Permanente, criadas pelo Poder Público, só diferem das outras 306 RODRIGUES, José Eduardo Ramos. Aspectos jurídicos das unidades de conservação. Revista da
Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, n. 43, jun. 1995, p. 161. 307 “O espírito do Código Florestal, a sua interpretação teleológica nos leva a afirmar que as florestas de
preservação permanente não são suscetíveis de exploração. Aliás essa é a correta interpretação do art. 16 do Estatuto Florestal, quando prevê como ressalva para a exploração da floresta de domínio privado, o fato da mesma ser de preservação permanente”. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 554.
308 Ou ope legis, na expressão de Antônio Herman Benjamin.
105
criadas pela lei devido à sua especificidade, o que faz com que, mesmo que haja florestas
destinadas a um dos fins consagrados no art. 3º do Código Florestal, a sua constituição como
espaço especialmente protegido da espécie área de preservação permanente só se concretize
após a sua declaração por meio de ato administrativo (normativo) estatal.
Antunes309 refere-se aos espaços do art. 2º pela nomenclatura florestas de
preservação permanente por imposição legal, ou florestas de preservação permanente pelo
efeito do Código Florestal, e chama os espaços mencionados pelo art. 3º de florestas de
preservação permanente por ato do Poder Público.
São exemplos de áreas de preservação permanente por imposição legal as vegetações
situadas ao longo dos rios, ao redor de lagoas, no topo de morros, nas encostas, etc. Essas
áreas, constituídas pelo Código Florestal, devem ser protegidas (preservadas) em qualquer
imóvel rural que tenha as características naturais enumeradas no art. 2º deste texto legal. Essa
nota de generalidade é, portanto, a grande característica dessas áreas de preservação
permanente.
Apesar da diferença quanto à forma de criação, e conseqüentemente quanto à
generalidade de umas e a especificidade de outras, vale ressaltar que todas as áreas de
preservação permanente — como todos os espaços especialmente protegidos por razões
ambientais — só podem ser alteradas ou suprimidas por lei, conforme o disposto no art. 225,
§ 1º, inciso III, da CF/88.310
É bem verdade que houve alteração legislativa em 1989, quando houve a equiparação
das Áreas de Preservação Permanente, previstas no art. 2º do Código Florestal, com as
Reservas ou Estações Ecológicas.311 Apesar da mudança de nome, contudo, não houve
alteração significativa do regime jurídico de tutela desses bens ambientais, razão pela qual se
manterá, neste trabalho, a denominação já consagrada pela doutrina e jurisprudência.
Nos termos do art. 2º da Lei nº 6.902/81, a União, os Estados e os Municípios só
poderão instituir estações ecológicas312 “em terras de seus domínios”. Diversamente, as
reservas ecológicas podem ser tanto oficiais (públicas) como privadas, conforme sua 309 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998, p. 250. 310 Art 225, § 1º: “Para assegurar a efetividade do direito (ao meio ambiente equilibrado), incumbe ao poder
público: I e II – omissis; III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”.
311 Art. 18, caput, da Lei nº 6.938/81, com a redação trazida pela Lei nº 7.804/89. 312 É a Lei nº 6.902/81 que define as estações ecológicas como aquelas “áreas representativas de ecossistemas
brasileiros, destinadas à realização de pesquisas básicas e aplicadas de ecologia, à proteção do ambiente natural e ao desenvolvimento da educação conservacionista” (art. 1º, caput).
106
titularidade originária.313 A Lei nº 6.938/81, ao transformar as áreas de preservação
permanente do art. 2º do Código Florestal em reservas ou estações ecológicas, o fez da
seguinte forma: será estação ecológica se e onde a terra for de domínio público; ao revés, será
reserva ecológica, na hipótese do terreno ser particular.314
A titularidade do domínio, nas estações ecológicas, pertence, de forma obrigatória,
ao ente estatal; se, no momento da instituição, estiver em mãos privadas, a área
necessariamente precisa ser desapropriada. Em situação diversa, as reservas ecológicas
aceitam que o dominus continue sendo o particular, permitindo, pois, que seja mantido com
ele o poder de exclusão, disposição e transmissão, mas a área submete-se a controle ambiental
(e nada mais que isso) do órgão federal.315
7.3.2 As Reservas Florestais Legais
O outro instituto de preservação ambiental é a Reserva Florestal Legal, cuja
regulamentação é feita pelos artigos 16 e 44 do Código Florestal (Lei nº 4.771/65).
As reservas florestais legais são áreas de cobertura arbórea, localizadas dentro do
imóvel, onde não é permitido o corte raso.316 Encontram, de um lado, como fundamento
constitucional, a função sócio-ambiental da propriedade, e de outro, como destinatários, as
gerações futuras; no plano ecológico (sua razão material), justifica-se pela proteção da
biodiversidade,317 que, a toda evidência, não está assegurada com as áreas de preservação
permanente, diante de sua configuração geográfica irregular e descontínua.
313 Estabelece o Decreto nº 89.336/84, de 31/01/84, que “as reservas ecológicas serão públicas ou particulares de
acordo com a sua situação dominial” (art. 1º, § 2º). 314 Nesse ponto, o Decreto nº 89.336/84 e a Resolução CONAMA nº 04, de 18/09/85, estão em total
desconformidade com o que dispõe o artigo 18 da Lei nº 6.938/81. Assim é porque os dois atos normativos limitam-se a caracterizar como reservas ecológicas “as formações florísticas e as áreas de florestas de preservação permanente” (art. 1º, do Decreto e da Resolução) listadas pelo art. 2º do Código Florestal, não mencionando, como faz o art. 18, da Lei nº 6.938/81, que tais fragmentos podem ser também estação ecológica.
315 O IBAMA – Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais Renováveis, nos termos do art. 18, da Lei nº 6.938/81. 316 Corte raso é aquele em que todas as árvores de uma determinada área de povoamento florestal são
derrubadas, fazendo com que o solo fique, temporariamente, sem cobertura arbórea. 317 “Diversidade biológica, ou biodiversidade, refere-se à variedade de vida no planeta terra, incluindo: a
variedade genética dentro das populações e espécies; a variedade de espécies da flora, da fauna e de microorganismos; a variedade de funções ecológicas desempenhadas pelos organismos nos ecossistemas. E a variedade de comunidades, habitats e ecossistemas formados pelos organismos”. BORGES, op. cit., p. 209.
107
A principal característica da reserva florestal legal é a de ser uma área obrigatória em
todos os imóveis rurais, pois a lei fala na área “de cada propriedade”,318 consistindo num
percentual da área total do imóvel rural, onde não é permitido o corte raso da vegetação.
A equiparação do art. 18, caput¸ da Lei nº 6.938/81, por fazer referência apenas às
áreas descritas no art. 2º do Código Florestal, não vale para a reserva florestal legal, que não
retira sua previsão desse dispositivo. Por isso mesmo, é impróprio confundir reserva ou
estação ecológica com reserva florestal legal. A distinção não é só legal. A reserva florestal
legal é sempre territorialmente limitada, normalmente fixada em 20% (Sul, Leste Meridional,
e parte sul do Centro-Oeste brasileiro)319 e 50 ou 80% (Região Norte e parte do Centro-Oeste,
conforme a fitofisionomia da área) do imóvel, privado ou público320, por isso mesmo não é
indenizável.
Segundo alguns autores, a reserva florestal legal não incide sobre terras de domínio
público.321 Não se percebe, contudo, nenhuma exceção feita pelo Código Florestal em relação
à propriedade pública, devendo-se, pois, entender como obrigatória a reserva florestal legal
em terras públicas e privadas.
Pelo seu caráter obrigatório em todo o território nacional, as reservas florestais legais
não se confundem com as áreas de preservação permanente, apesar de que, pela nova redação
do art. 16 do Código Florestal (§ 6º), dada pela Med. Prov. nº 2.166/2001, estas podem ser
computadas na área daquelas. As áreas de preservação permanente são localizadas de acordo
com a ocorrência dos bens ambientais a que visam proteger e não podem ser exploradas em
nenhuma hipótese. Já as reservas florestais legais são os espaços especialmente protegidos
que se destinam à proteção da biodiversidade, pois a proibição do corte raso, de modo
contínuo e em todas as regiões do país, faz com que a preservação de todas as formas de vida
existentes seja mais efetiva.
318 PACCAGNELLA, Luís Henrique. Função sócio-ambiental da propriedade rural e áreas de preservação
permanente e reserva florestal legal. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, ano 2, n. 8, out./dez. 1997, p. 10.
319 Código Florestal, art. 16, III. 320 Representando, portanto, nos Estados mais ao sul do Brasil, um impacto modesto na relação dominial, quando
se considera que, na inexistência de áreas de preservação permanente significativas (terreno não-montanhoso, p. ex.), o proprietário terá à sua disposição sempre uma boa parcela de sua propriedade para atividades produtivas. No caso da Amazônia, o impacto também não é considerável, ao ponto de justificar indenização por desapropriação indireta, principalmente quando se leva em conta a imensidão da região, as dificuldades naturais de exploração, a origem especulativa de grande parte dos títulos existentes e a carência de meios para comercializar o que é produzido.
321 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Estudos de direito ambiental. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 120.
108
7.4 O problema da indenização das Áreas de Preservação Permanente e das
Reservas Florestais Legais
As Áreas de Preservação Permanente e as Reservas Florestais Legais, por não
atingirem todo o imóvel do proprietário privado, geralmente não inviabilizam sua exploração
econômica, daí a razão de não serem indenizáveis. Só quando se trata de outras unidades de
conservação que, conforme sua configuração, venham a atingir todo o imóvel, inviabilizando,
por inteiro, qualquer forma de exploração econômica, é que o Poder Público será obrigado a
indenizar o proprietário.
Muito embora o Código Florestal, logo no caput do seu art. 1º, preceitue que os
direitos de propriedade poderão sofrer limitações para que a proteção ambiental possa ser
implementada,322 nenhum dos dispositivos de tal código consagra, aprioristicamente, restrição
que vá além dos limites internos do domínio, estando todos constitucionalmente legitimados e
recepcionados. Demais disso, não atingem, na substância, ou aniquilam o direito de
propriedade. Em ponto algum as áreas de preservação permanente e as de reserva florestal
legal reduzem a nada os direitos do proprietário, em termos de utilização do capital
representado pelos imóveis atingidos. Diante dos vínculos que sobre elas incidem, tanto
aquelas como estas aproximam-se muito de modalidade hodierna de propriedade restrita,323
restrita, sim, mas nem por isso menos propriedade.
Em regra, o Poder Público não tem de indenizar pela instituição de áreas de
preservação permanente e reservas florestais legais. É que tais espaços protegidos fazem parte
da configuração intrínseca do direito de propriedade. São áreas que, por caracterizarem o
aspecto ambiental da função social da propriedade, não podem ser consideradas isoladamente,
destacadas da propriedade em si. Esclarece Paccagnella que
322 Art. 1º da Lei 4.771/65: “As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação,
reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem” (grifos nossos).
323 Propriedade restrita é aquela em que algum ou vários dos seus poderes elementares estão, total ou parcialmente, destacados e atribuídos a outrem. No caso das áreas de preservação permanente e de reserva florestal legal, os termos do art. 225 da CF/88, os atributos ambientais da propriedade, apesar de mantidos em poder do proprietário, por extensão são igualmente conferidos à coletividade e às gerações futuras. Sobre propriedade restrita ou limitada, vide GOMES, Orlando. Direitos reais. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 88.
109
a preservação da qualidade ambiental na propriedade rural, conforme a Constituição, é pressuposto da existência do direito de propriedade, conferido pelo Constituinte. Logo, a definição de espaços territoriais protegidos, impostos em caráter geral a todos os proprietários, não constitui restrição ou intervenção no direito de propriedade, mas sim condição para o reconhecimento jurídico deste último.324
É importante notar, no trecho citado, que o autor não faz qualquer referência à
limitação administrativa, como geralmente o faz a doutrina em geral.325 Limitações
administrativas à propriedade são medidas de caráter geral, igualmente gratuitas e que geram
obrigações para os proprietários, mas impostas com fundamento no poder de polícia do
Estado, que o faz para condicionar o exercício do direito de propriedade.326 Já a preservação
ambiental nos imóveis rurais, quando tem origem constitucional que repousa na própria idéia
de função social da propriedade, caracteriza os limites internos à propriedade, que são os
limites que antecedem o próprio direito de propriedade, de que são indissociáveis, verdadeiros
elementos de um todo. Daí a afirmação que o direito de propriedade, em relação à propriedade
imobiliária rural, é o direito de propriedade com certas características peculiares relativas à
proteção do meio ambiente. É, portanto, o Direito de Propriedade com Reserva Florestal
Legal e Área de Preservação Permanente, quando for o caso. A partir daí é que podem advir
as chamadas limitações administrativas, externas ao direito.
324 PACCAGNELLA, op. cit., p. 15. 325 Da opinião que os espaços especialmente protegidos são limitações administrativas ao direito de propriedade,
só a título de exemplo, vide MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 567-575; e MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 425 e 435. Para tais autores, são exemplos de limitações administrativas, por imposições ambientais, a definição como área de preservação permanente, por força da norma do artigo 2º da Lei nº 4.771/65 (Código Florestal), as áreas definidas pelo art. 3º do referido diploma legal, bem como a área de reserva florestal legal (área de, no mínimo, 20% de cada propriedade, onde não é permitido o corte raso). Estes últimos exemplos, contudo, apesar da autoridade dos autores mencionados, não configuram casos de limitação administrativa. É que a área de preservação permanente e a reserva florestal legal, por serem imprescindíveis à preservação da qualidade ambiental, são pressupostos da existência do direito de propriedade conferidos pela Constituição. Não constituem, pois, qualquer tipo de restrição ou intervenção no direito de propriedade, eis que são condições para o reconhecimento jurídico de tal direito.
326 Segundo Meirelles, a proibição de desmatamento de parte da área florestada em cada propriedade rural constitui exemplo de limitação administrativa (o vigente Código Florestal fixa esse limite em 20% da área florestada — Lei nº 4.771, de 15/09/1965, art. 16, III). Preceitua ainda tal doutrinador que se esse impedimento ao desmatamento atingir a maior parte da propriedade ou a sua totalidade, deixará de ser limitação para ser interdição de uso da propriedade e, nesse caso, o Poder Público ficará obrigado a indenizar a restrição que aniquilou o direito dominial e suprimiu o valor econômico do bem, pois ninguém adquire terras ou matas que não possam ser utilizadas economicamente, segundo a sua destinação normal. E arremata que “se o Poder Público retira do bem particular o seu valor econômico, há de indenizar o prejuízo causado ao proprietário. Essa regra, que deflui do princípio da solidariedade social, segundo o qual só é legítimo o ônus suportado por todos, em favor de todos, não tem exceção no direito pátrio, nem nas legislações estrangeiras”. MEIRELLES, 1991, op. cit., p. 536. Esta última assertiva, contudo, deve ser entendida com ressalvas. É que, tratando-se de áreas destinadas à proteção ambiental, a regra tal como preceituada pelo referido administrativista comporta exceções, dado que só caberá indenização se restar efetivamente comprovado o aniquilamento do direito dominial e desde que atendidos determinados requisitos, que serão elencados a posteriori.
110
Tanto as áreas de preservação permanente legais, como as de reserva florestal legal
são limites internos ao direito de propriedade e, por isso, regra geral, não são indenizáveis.327
Integram a essência do domínio, sendo com o título transmitidas. Não importam, tomando por
empréstimo as palavras de Celso de Mello, “em esvaziamento do conteúdo econômico do
direito de propriedade”.328 A desapropriação “priva o particular do bem de que é
proprietário”.329 Ora, não é isso que se dá com as áreas de preservação permanente e com a
reserva florestal legal, pois o senhor dessas áreas não deixa de ser o proprietário original, o
particular.
Deve-se atentar para a característica da generalidade,330 o que afasta da regra de não
indenizar as áreas de preservação permanente decretadas administrativamente. Com razão,
pois, Borges, quando afirma que
a manutenção da área de preservação permanente legal (art. 2º) não enseja indenização. O que pode ensejar indenização é a criação de área de preservação permanente administrativa que não tem caráter geral, dispondo o § 1º do art. 18 do Código Florestal que, se tais áreas estiverem sendo utilizadas com culturas, de seu valor deverá ser indenizado o proprietário.331
Somente as Áreas de Preservação Permanente, criadas pelo Código Florestal em seu
art. 2º, e as Reservas Florestais Legais é que são imposições gerais, bastando a simples
ocorrência da hipótese de incidência da norma para que tais espaços venham a ser protegidos
por lei.332 Entretanto, apesar de as áreas de preservação permanente, previstas abstratamente
no art. 3º do Código Florestal, mas só efetivadas por ato do Poder Público, poderem estar
sujeitas à indenização, dada a sua especificidade por afetarem apenas um ou alguns 327 No mesmo sentido: MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1991, p. 388; e BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função ambiental da propriedade rural. São Paulo: LTr, 1999, p. 126 (ab initio) e p. 127 (ab initio e in fine).
328 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 134297-SP. Rel. Min. Celso de Mello. DJU de 22 set. 1995, p. 30597. Lex, v. 207, p. 141.
329 GOMES, O., op. cit., p. 109. 330 A generalidade também é traço característico das limitações administrativas e, talvez por isso, exista a
confusão da doutrina e jurisprudência, que entendem que as áreas de preservação permanente e de reservas florestais legais são exemplos de limitações administrativas. As limitações administrativas não desintegram nem diminuem o direito de propriedade, razão pela qual em regra não são indenizáveis. Entretanto, vale ressaltar que, para que sejam admissíveis sem indenização, como é de sua índole, hão de ser gerais, isto é, dirigidas a propriedades indeterminadas, mas determináveis no momento de sua aplicação. “Para situações particulares que conflitem com o interesse público a solução será encontrada na servidão administrativa ou na desapropriação, mediante justa indenização, nunca na limitação administrativa, cuja característica é a gratuidade e a generalidade da medida protetora dos interesses da comunidade”. MEIRELLES, 1991, op. cit., p. 529-530.
331 BORGES, op. cit., p. 126-127. 332 O antecedente da norma (hipótese) é: a) ser proprietário de um imóvel rural com áreas em tais situações —
hipótese que gerará o conseqüente ‘proteger tais áreas, sendo vedado qualquer tipo de exploração’ (Código Florestal, art. 2º); e b) ser proprietário de imóvel rural — hipótese que gerará o conseqüente ‘proteger tais áreas, sendo vedado o corte raso’ (Código Florestal, arts. 16 e 44).
111
proprietários, ainda assim tal ilação não deve ser tomada como uma regra única e geral. É que
as áreas de preservação permanente não são limitações administrativas, mas, antes disso,
constituem o próprio direito de propriedade, daí só estarem sujeitas à indenização se se
comprovar que a sua instituição inviabilizará completamente a exploração econômica do
imóvel; se for possível a realização de qualquer outra atividade econômica no local não
caberá indenização.
Assim, caso único de necessidade de indenização de área de preservação permanente
é a do art. 3º do Código Florestal. De ocorrência raríssima na vida prática, devem ser
indenizadas, segundo escólio de Benjamin,333 sempre que: a) lhes faltar o traço da
generalidade (afetar um ou poucos proprietários); b) não beneficiarem, direta ou
indiretamente, o proprietário; e c) sua efetivação inviabilizar, por inteiro, a totalidade do único
(hipótese raríssima) ou de todos os possíveis usos da propriedade, respeitado, evidentemente,
o lapso prescricional, que corre da promulgação do ato administrativo de regência.
Se “desapropriar é retirar a titularidade de alguém”,334 não se pode falar, como regra,
em conduta desapropriante na proteção do meio ambiente (do qual fazem parte as florestas
nativas) pela via da Reserva Florestal Legal e das Áreas de Preservação Permanente, que do
proprietário nada retiram, só acrescentam, ao assegurarem que os recursos naturais —
mantidos em poder do titular do direito de propriedade — serão resguardados, no seu próprio
interesse (=de sua propriedade) e das gerações futuras. A regulamentação estatal, em questão,
orienta-se pela gestão racional dos recursos ambientais, procurando assegurar sua fruição
futura, sem que isso implique, necessariamente, alteração do núcleo da dominialidade.
Apesar de aparentemente confusa do ponto de vista da nomenclatura, a matéria,
quando corretamente analisada, no quadro da Constituição e da legislação ordinária, não
oferece dificuldades. Infelizmente, pelo desconhecimento das normas de Direito Ambiental,
Constitucional e Administrativo, inúmeras ações desapropriatórias indiretas vêm logrando
êxito em nossos tribunais, condenando-se o Poder Público a indenizar área de preservação
permanente e reserva florestal legal mesmo em ações propostas após a expiração do prazo
prescricional.335
333 BENJAMIN, 1998b, op. cit., p. 78. 334 MIRANDA,Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, com a emenda 1/69. 3. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 1987, t. 5, 1987, p. 410. 335 O Código Florestal é de 1965.
112
7.5 Pressupostos para a indenização de áreas de interesse ambiental
Além dos aspectos anteriormente apontados, que servem de base à solução do
intricado problema de indenização das áreas destinadas à preservação ambiental, Azevedo336
elenca seis pressupostos (que devem ocorrer simultaneamente) e que devem ser observados
pelo Juiz a fim de que o Poder Público não seja ludibriado pela indústria da indenização em
áreas protegidas. São eles:
a) a especificidade da restrição;
b) a certeza quanto ao agente público da restrição;
c) a prova do domínio e posse (titularidade);
d) a temporalidade da aquisição;
e) a espacialidade da restrição; e
f) atividade econômica pré-existente e/ou viável.
Segundo este autor, o regular exercício da atividade de proteção ambiental pelo
Poder Público, lastreado em limitações de caráter geral ex lege, não caracteriza, por si só,
direito à indenização. Assim, as limitações de controle do uso do solo urbano ou rural, como
por exemplo o zoneamento municipal, restrições ao direito de construir, proteção de
mananciais, etc., não caracterizam especificidade da restrição. É preciso, pois, que haja um
ato que caracterize uma intervenção efetiva e impositiva de uma concreta e real restrição, não
bastando a mera intenção de preservar do Poder Público, pois tão desiderato, por si só, não
gera direito à indenização.
Há, também, que se ter certeza quanto ao agente público da restrição, uma vez que é
comum o ingresso de determinada demanda judicial contra um agente público por ato de
outro, podendo haver casos em que os atos restritivos ao uso de um determinado imóvel sejam
emanados por mais de um agente público, alguns de caráter geral e outros com especificidade,
ocasião em que os verdadeiros responsáveis pelas restrições é que devem ser chamados para
responder à demanda.337
336 AZEVEDO, Pedro Ubiratan Escorel de. Indenização de áreas de interesse ambiental: pressupostos e critérios.
In: FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin (Coord.). Temas de direito ambiental e urbanístico. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 328-333.
337 Pedro Azevedo afirma que um exemplo possível desta última hipótese pode se dar em áreas de ocorrência de mata atlântica em zona urbana de uso limitado, onde não há nenhuma unidade de conservação criada pelo Estado. Neste caso, as restrições emanam da União e do Município, que devem ser chamados à lide,
113
A prova do domínio (titularidade) também é indispensável, eis que as unidades de
conservação foram inicialmente criadas em lugares de provável ocorrência de terras
devolutas338 ou em regiões em que, pela falta de acesso, há imprecisão de títulos dominiais.
O aspecto temporal da aquisição de imóvel objeto de restrição é também pressuposto
de fundamental importância para a indenização. Hipóteses de aquisição de áreas
posteriormente à ocorrência de eventos restritivos inabilitam o postulante à indenização na
medida em que esta pessoa adquiriu o imóvel já objeto de uma dada restrição. O máximo que
cabe, no caso, é ação regressiva contra o alienante, já que ninguém pode transmitir mais
direitos do que tem.
É indispensável, também, que a restrição apontada seja determinável espacialmente,
ou seja, é necessário que se demonstre que um dado imóvel é realmente atingido por um ou
mais atos protetivos, a partir do que podem ocorrer inúmeras situações, algumas de mera
limitação administrativa, outras não. Além disso, o imóvel pode ser total ou parcialmente
abrangido pela restrição, o que será determinante para a eventual determinação do valor
indenizatório. Nesse aspecto, a perícia é de fundamental importância.
Por fim, é necessário que haja prova de atividade econômica pré-existente e/ou
viável. É que é usual a alegação de atingidos por atos de proteção no sentido de que há
interdição por impossibilidade de parcelamento do solo ou exploração madereira, pouco se
questionando sobre a efetividade desta atividade econômica ou ainda sobre a sua efetiva
viabilidade. A viabilidade pressuposta, ademais, não é somente econômica (por exemplo, se o
custo da extração de madeira numa determinada região é superior ao valor deste produto no
mercado), mas também jurídica (no sentido da possibilidade legal da dita exploração, vedada
em áreas de declividade acentuada ou de ocorrência de vegetação de preservação permanente
ou permitida para algumas espécies vegetais), daí a imprescindibilidade da perícia.
Vê-se, assim, que, em havendo direito à indenização, o prejuízo a ser indenizado
deve ser constatado real, material e diretamente. O dano efetivado à atividade econômica do
proprietário tem que ser efetivamente demonstrado.
obedecidos os requisitos processuais necessários para tanto (questão da competência absoluta e relativa, mudanças no pólo passivo, etc.). AZEVEDO, op. cit., p. 330.
338 Terras devolutas “são todas aquelas que, pertencentes ao domínio público, não se acham utilizadas pelo Poder Público, nem destinadas a fins administrativos específicos”. MEIRELLES, 1991, op. cit., p. 451. Pertencem elas aos Estados-membros da Federação (CF/88, art. 26, IV), salvo quando indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, hipóteses em que serão bens da União (art. 20, II, CF/88).
114
Informações imprecisas da área a ser indenizada, detalhamentos técnicos
caracterizados de forma simplista, localização inexata do bem, inexistência de perícias e de
avaliações entre os imóveis vizinhos são fatores que têm causado grandes lesões ao Erário
Público. Assim, é preciso que tanto o Judiciário quanto o Ministério Público estejam sempre
muito atentos para as provas que são apresentadas para fundamentar o valor das indenizações
pedidas, que, em muitos casos, não representam a realidade,339 não havendo por que se
indenizar o que não é possível ser explorado economicamente.
339 Basta relembrar os famosos casos da Serra do Mar, onde foram ordenadas indenizações de madeiras
localizadas em local de difícil ou impossível acesso, o que inviabilizava o seu aproveitamento econômico. Em tais casos, nada haveria de se indenizar, pois não há falar em indenização do que não é possível de ser explorado economicamente.
115
CAPÍTULO VIII
ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA
SUMÁRIO: 8.1 Lixo industrial. 8.2 Loteamentos irregulares. 8.3 Degradação do meio ambiente versus licença ambiental. 8.4 Invasão dos sem-terra versus área de preservação nacional. 8.5 Áreas de preservação permanente (reservas ou estações ecológicas), reservas florestais legais e direito de propriedade. 8.6 Parques nacionais e estaduais versus direito de propriedade. 8.7 Síntese da jurisprudência brasileira sobre indenização das áreas de preservação ambiental
8.1 Lixo industrial
O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu mandado de segurança impetrado contra
Prefeito Municipal que, baseado em lei municipal, proibiu certa indústria de lançar detritos
industriais em valas abertas dentro de terrenos de sua propriedade, servindo de aterros
sanitários.
A 8ª Câmara Civil, cujo acórdão fora relatado pelo Desembargador Fonseca Tavares,
em decisão de 03/05/89, a unanimidade, confirmou a sentença que denegou a segurança
baseada no fato de que o direito de propriedade não é irrestrito e a preservação do solo e do
meio ambiente é do peculiar interesse do município.340
Nota-se, neste acórdão, o espírito de vanguarda do TJ-SP, eis que seus
desembargadores revelam ter entendido o espírito inovador da Constituição vigente no sentido
de que o princípio individualista do direito de propriedade, preconizado pelo art. 524 do
Código Civil (Lei nº 3.071/16), já não mais subsiste.
8.2 Loteamentos irregulares
O tema do parcelamento do solo refoge da classificação de mero exercício do direito
de propriedade. A questão insere-se, hoje, nos lindes do direito urbanístico e na perspectiva
da função social da propriedade. É que o intuito de lucro não pode sobrepujar toda e qualquer
perspectiva de ordenação da atividade de urbanização, causando gravíssimos problemas
sociais e urbanos, notadamente porque, depois de alienadas as parcelas da divisão da gleba
original irregularmente loteada, fica o Estado no dever de, depois de atendidos os requisitos
340 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 109.799-1/3. Rel. Des. Fonseca Tavares. DOE de 3 ago.
1889. Revista dos Tribunais, n. 646, p. 65.
116
legais, instalar equipamentos públicos e infra-estrutura nesses loteamentos, dos quais
resultam, com freqüência, danos irreversíveis ao meio ambiente, devido à localização destes
em unidades de conservação ambiental, a par da inexistência de sistemas de esgotamento
sanitário e de coleta de águas pluviais, de que resulta a eleição de lagos e rios para despejo de
esgotos e efluentes.
A atividade de lotear não isenta o proprietário do dever de observância das normas
legais. O direito positivo não está a negar o exercício do direito de propriedade, mas tenta
conformá-lo aos interesses do bem-estar coletivo e da função social, em consonância com a
lei e com o bom direito.
A constituição de loteamentos irregulares configura mau exercício do direito de
propriedade privada, haja vista que a divisão de uma gleba original em diversas parcelas, com
vistas à formação de lotes, determina adensamento populacional, despesas para o Poder
Público com a instalação de equipamentos urbanos, além de inevitável impacto ao meio
ambiente. É por essa razão que os tribunais não hesitam em considerar crime contra a
Administração Pública o ato de parcelamento de solo rural, situado em área de preservação
ambiental, sem prévio registro de desmembramento ou loteamento no Cartório do Registro de
Imóveis e sem autorização da autoridade competente.341
O parcelamento do solo não pode ser exercido à revelia de qualquer controle do
Poder Público, mas, ao contrário, sobre ele incidem, por força de lei, diversas limitações
administrativas, além da imperatividade de apresentação de estudo e relatório de impacto
ambiental e aprovação dos projetos urbanísticos de loteamentos ou desmembramentos pelo
Município, pois é dever do Poder Público ordenar a ocupação (art. 30, VIII, CF/88).342
8.3 Degradação do meio ambiente versus licença ambiental
O Tribunal de Justiça de São Paulo teve a oportunidade de julgar um caso de bastante
repercussão, em que determinada empresa, baseada na tese do direito adquirido, buscava
reverter, através de ação rescisória, sentença prolatada em ação civil pública que condenou a
341 DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça. Apelação Criminal nº 15108/95. No mesmo sentido, constitui
crime dar início de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, sem autorização do órgão público ou em desacordo com a Lei Federal nº 6.766/79, art. 50, I.
342 Art. 30 – “Compete aos Municípios: I a VII – omissis; VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”.
117
referida empresa a proceder à mudança de suas instalações para outra posição, bem como a
reflorestar a área afetada e adotar medidas preventivas para evitar danos ao meio ambiente.
Para a demandante, o fato de a licença para funcionamento ter sido obtida
regularmente (através dos procedimentos administrativos próprios e após aprovação dos
órgãos administrativos competentes) era mais do que suficiente para nulificar a sentença
prolatada, que impôs a alteração do local originariamente escolhido para a instalação da
referida empresa sob a alegação de que, quando da efetiva instalação da fábrica, já não era o
mais propício à preservação do meio ambiente.
Em contestação, tal pretensão fora rechaçada pelo Ministério Público à alegação de
que a licença de funcionamento não outorga poderes ao licenciado de degradar o meio
ambiente, daí porque o seu titular pode e deve ser compelido a adotar as medidas necessárias
para cessar ou reduzir a degradação.
Imbuído do espírito precursor da necessidade de harmonização entre o direito de
propriedade e de proteção ao meio ambiente, e atento à ponderação dos valores envolvidos, o
relator manifestou-se no sentido de que
as normas urbanas são de ordem pública, cogentes, sem que se possa contrapor direito adquirido. Essas normas [...] são de coesão, porque buscam a ordenação e a transformação da realidade. [...] Assim, a aprovação de projeto de construção não desobriga o proprietário de observar exigência instituída por lei posterior [...]. Descabido é compreender que, com base em licença concedida anos atrás, o autor possa causar toda e qualquer degradação ambiental. Felizmente os tempos são outros e essa visão privada não mais prevalece.343
8.4 Invasão dos sem-terra versus área de preservação nacional
Em novembro de 1995, o órgão jurisdicional máximo (o STF), quando instado a se
pronunciar no MS nº 22.164-SP, cujo relator foi o Ministro Celso de Melo, deparou-se com
um problema que envolvia um grupo de sem-terras que havia invadido determinada fazenda
improdutiva em busca de reforma agrária. O problema teria solução fácil caso a fazenda
invadida não se situasse em área de preservação nacional, pelo fato de estar situada no
Pantanal Mato-Grossense e integrar o conteúdo do art. 225, § 4º, da CF/88.344
343 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Ação Rescisória 178.554-1/6. Rel. Leite Cintra. DOE de 15 jun. 1993. 344 Art. 225, § 4º — “A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-
Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais”.
118
Na ponderação dos valores envolvidos — função social (desapropriação) versus
invasão de área de preservação nacional —, o relator, ao proferir o voto, julgou demonstrado
o não atendimento à função social da propriedade, o que a torna passível de desapropriação,
mesmo integrando o contexto do art. 225, § 4º, da CF/88, pois entendeu que, não obstante este
aspecto, não há nenhum impedimento jurídico à efetivação, pela própria União Federal, de
atividade expropriatória, por interesse social, visando à execução de projeto de reforma
agrária nas áreas especificamente mencionadas naquele dispositivo constitucional. Para o STF
é, pois, perfeitamente possível serem desenvolvidas atividades de caráter econômico nas áreas
tidas como patrimônio nacional.
Embora a decisão, por votação unânime, tenha sido no sentido de deferir o mandado
de segurança impetrado pelo recorrente, por entender que prevalece a cláusula de garantia
dominial,345 cujo objetivo é proteger as pessoas contra a eventual expansão arbitrária do poder
estatal, e ainda que o caso se trate de execução e implementação do programa de reforma
agrária (questão social relevante), causa estranheza a posição do STF.
É que o direito individual de propriedade não é absoluto, encontrando-se sujeito às
ponderações dos valores envolvidos, máxime quando existe conflito entre dois direitos
fundamentais — o de propriedade e o de proteção ao meio ambiente.
Assim, o caso em análise bem revela a colisão entre dois princípios assegurados
constitucionalmente: o princípio de proteção ao meio ambiente e o de acesso à propriedade.
Entretanto, da forma como a solução se dera, a decisão proferida pelo STF está destituída de
integração, ou seja, mostrou-se antagônica à tese da interpretação pluralizada dos
princípios.346
Se é certo que não se pode desconsiderar o problema de acesso à terra, também é
estreme de dúvidas que o assentamento de famílias em áreas integrantes do patrimônio
nacional representará um sacrifício muito grande ao meio ambiente, prejudicando a sociedade
como um todo, daí a necessidade de usar o método do balanceamento dos princípios no caso
concreto, ante o conflito de interesses, de modo a que um não invalide o outro.
345 No caso em espécie o proprietário rural não fora notificado prévia e pessoalmente da realização da vistoria,
fato que, para o STF, ofendeu o postulado do princípio do devido processo legal, razão pela qual declarou nulo o ato expropriatório.
346 Este também é o entendimento de ALBUQUERQUE, op. cit., p. 117.
119
8.5 Áreas de preservação permanente (reservas ou estações ecológicas), reservas
florestais legais e direito de propriedade
De um modo geral, a jurisprudência do STF e do STJ, tendo presente a garantia
constitucional que protege o direito de propriedade e porque ainda imbuída da concepção
absolutista da propriedade, firmou-se no sentido de proclamar a plena indenização das matas e
revestimentos florestais que recobrem áreas dominiais privadas, objeto de apossamento estatal
ou sujeitas a restrições administrativas impostas pelo Poder Público. Para tais tribunais, a
circunstância de o Estado dispor de competência para criar reservas florestais não lhe confere,
por si só, considerando-se os princípios que tutelam, em nosso sistema normativo, o direito de
propriedade, a prerrogativa de subtrair-se ao pagamento de indenização compensatória ao
particular, quando a atividade pública, decorrente do exercício de atribuições em tema de
direito florestal, impedir ou afetar a válida exploração econômica do imóvel por seu
proprietário.
Para Celso de Mello,
a ordem constitucional dispensa tutela efetiva ao direito de propriedade (art. 5º, XXII, CF). Essa proteção outorgada pela Lei Fundamental da República estende-se, na abrangência normativa de sua incidência tutelar, ao reconhecimento, em favor do dominus, da garantia de compensação financeira, sempre que o Estado, mediante atividade que lhe seja juridicamente imputável, atingir o direito de propriedade em seu conteúdo econômico, ainda que o imóvel particular afetado pela ação do Poder Público esteja localizado em qualquer das áreas referidas no art. 225, § 4º, da Constituição (áreas do patrimônio nacional).347
A assertiva acima, contudo, deve ser vista com ressalvas, pois se afigura impróprio
falar-se em desapropriação quando o espaço protegido for uma reserva florestal legal ou uma
área de preservação permanente.348 De igual modo, revela-se equivocada a ilação de que a
instituição desses espaços importaria em esvaziamento do conteúdo econômico do direito de
propriedade ou de que “as matas de preservação permanente são indenizáveis, visto que,
embora proibidas a derrubada pelo proprietário, persiste o seu valor econômico e
ecológico”.349 É que a preservação dos bens ambientais pode trazer, ao revés de esvaziamento
econômico da propriedade, a sua valorização, vez que hoje em dia as atividades econômicas
347 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 134297-8-SP. Rel. Min. Celso de Mello. 1ª Turma. DJU de 22
set. 1995, p. 30597. 348 Ou, como são denominadas hoje em dia as áreas de proteção permanente nos imóveis particulares, reservas
ecológicas (cf. art. 18 da Lei nº 6.938/81). 349 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 140224-SP. Rel. Min. Carlos Velloso. DJU de 18 out. 1991,
p. 14551.
120
relacionadas ao turismo ecológico são altamente lucrativas — isso sem falar que “uma área
revestida de mata virgem vale mais do que a despida de qualquer verde”.350 Dessa forma, em
desapropriações parciais, por exemplo, pode o proprietário ter, no seu remanescente não
desapropriado, uma promissora fonte de lucros decorrentes dessas novas perspectivas de
utilização econômica das propriedades rurais.
Como bem disse Francisco Rezek,
hoje, talvez mais do que nunca, constitui despropósito pretender-se que o valor econômico da floresta, assentada sobre certa área expropriada, esteja resumido no seu potencial de corte para venda de madeira e corresponda, destarte, a zero quando proibido o corte pela legislação florestal. É certo que, neste caso, a primitiva intenção da empresa ora recorrida era abater árvores para comercializar-lhes a madeira, e não fruir da riqueza ecológica ou de qualquer das muitas outras formas de benefício que a propriedade de uma floresta importa consigo. Esta consideração subjetiva, contudo, não autoriza a entender que a interdição do desmatamento neutralizasse objetivamente o valor econômico da mata.351
Equivocada é também a tendência predominante nos tribunais no sentido de
determinar a indenização por limitação administrativa ao exercício do direito de propriedade
particular, quando revestida de vegetação legalmente considerada de preservação permanente.
A impropriedade de tal raciocínio se dá por duas razões: primeiro, porque as áreas de
preservação permanente criadas por lei não são limitações administrativas ao direito de
propriedade, uma vez que nascem com o próprio direito de propriedade, do qual são
inseparáveis, não guardando, pois, o entendimento jurisdicional, harmonia com os
pressupostos caracterizadores da propriedade, constantes em nosso ordenamento jurídico; e,
segundo, porque as limitações não são indenizáveis.352
350 RJTJESP. Lex, n. 91, p. 133. 351 Revista dos Tribunais, n. 583, p. 289. 352 Di Pietro, valendo-se da doutrina de Bielsa, apresenta os traços característicos das limitações administrativas:
“impõem obrigação de não fazer ou deixar de fazer; visando conciliar o exercício do direito público com o direito privado, só vão até onde exija a necessidade administrativa; sendo condições inerentes ao direito de propriedade, não dão direito à indenização”. As limitações administrativas não dão direito à indenização, que só é cabível quando o proprietário se vê privado, em favor do Estado ou do público em geral, de alguns ou de todos os poderes inerentes ao domínio, como ocorre, respectivamente, na servidão administrativa e na desapropriação. Como diz Bielsa, as restrições não dão direito à indenização “já que não são senão uma carga geral imposta a todas as propriedades. Trata-se, segundo se disse, de uma condição inerente ao direito de propriedade, cujo conteúdo normal se limita pelas leis”. Apud DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 109. Sendo preceitos de ordem pública, as limitações administrativas derivam, comumente, do poder de polícia inerente e indissociável da administração, e se exteriorizam em imposições unilaterais e imperativas, sob a tríplice modalidade positiva (fazer), negativa (não fazer) ou permissiva (deixar fazer). No primeiro caso o particular fica obrigado a realizar o que a Administração lhe impõe; no segundo, deve abster-se do que lhe é vedado; no terceiro, deve permitir algo em sua propriedade. Entretanto, vale observar que, em qualquer das hipóteses acima, como bem asseverou Meirelles, “as limitações administrativas hão de corresponder às justas exigências do interesse público que as motiva sem produzir um total aniquilamento da propriedade ou das atividades reguladas. Essas limitações não
121
8.6 Parques nacionais e estaduais versus direito de propriedade
Como se viu, uma das poucas hipóteses de indenização por motivos ambientais é
quando o Poder Público elimina a possibilidade de o particular opor seu direito de
propriedade contra terceiros, dando ao bem uma destinação que visa ao uso da população.
Nesses casos é impositiva a desapropriação do bem.
A legislação ambiental prevê que o Poder Público poderá criar parques que terão por
fim a preservação de atributos excepcionais da natureza, cuja proteção deverá ser integral,
conciliada com o aproveitamento para fins educacionais, recreativos e científicos. Pela
definição, percebe-se que os parques, destinados que são ao uso do povo, devem ser bens
públicos, de uso especial (Código Civil, art. 66, II), e, portanto, são incompatíveis com o
domínio privado. Por essa razão devem ser indenizados.
Nesse passo, decidiu o STJ que
ao direito do Poder Público de instituir parques corresponde a obrigação de indenizar em respeito ao direito de propriedade, assegurado pela Constituição Federal. Há que se distinguir a simples limitação administrativa da supressão do direito de propriedade. A proibição de desmatamento e uso da floresta que cobre a propriedade é interdição de uso da propriedade, só possível com indenização prévia, justa e em dinheiro, como compensação pela perda total do direito de uso da propriedade e desaparecimento de seu valor econômico. 353
Na esteira de tal raciocínio, os tribunais superiores vêm decidindo que
o Poder Público pode criar parques (art. 5º, Lei nº 4.771/65), ficando resguardado o direito de propriedade, com a conseqüente reparação patrimonial, quando ilegalmente afetado. As limitações administrativas, quando superadas pela ocupação permanente, vedando o uso, gozo e livre disposição da propriedade, desnaturam-se conceitualmente, materializando verdadeira desapropriação. Impõe-se, então, a obrigação indenizatória justa e em dinheiro, espancando mascarado confisco.354
são absolutas, nem arbitrárias. Encontram seus lindes nos direitos individuais assegurados pela Constituição e devem expressar-se em forma legal. Só são legítimas quando representam razoáveis medidas de condicionamento do uso da propriedade, em benefício do bem-estar social (CF/88, art. 170, III) e não impedem a utilização da coisa segundo a sua destinação natural. Daí a exata observação de Bielsa, de que ‘la restricción sólo conforma y nunca desintegra ni disminuye el derecho de propriedad, y obedece a una solidariedad de intereses: el público y el privado’.” MEIRELLES, 1991, op. cit., p. 529.
353 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 19630-SP. Rel. Min. Garcia Vieira. 1ª Turma. DJU de 19 out. 1992, p. 18217.
354 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 39842-SP. Rel. Min. Milton Luiz Pereira. 1ª Turma. DJU de 30 maio 1994, p. 13455.
122
8.7 Síntese da jurisprudência brasileira sobre indenização das áreas de
preservação ambiental
No que tange ao problema da indenização das terras destinadas à proteção ambiental,
a carência de conhecimentos de Direito Administrativo, Ambiental e Constitucional tem
proporcionado a proliferação de decisões injustas e bastante onerosas às burras públicas,
fazendo crescer sobremaneira a indústria das ações por apossamento administrativo
(desapropriação indireta) contra o Poder Público, tendo em vista a interdição da propriedade,
ou de parte dela, por razões ambientais e a conseqüente inviabilização do seu uso econômico.
Ora, o apossamento administrativo, ou desapropriação indireta, ocorre quando há
apossamento de bem particular pelo Poder Público, sem obediência ao devido processo legal
da desapropriação (Decreto-lei nº 3.365/41 e legislação pertinente). Em relação à instituição
de Reservas Florestais Legais e de Áreas de Preservação Permanente legais (ou ope legis),
ante a sua generalidade, não há como se falar em afetação ao conteúdo econômico da
propriedade. Na verdade, a exploração econômica da propriedade só pode se dar dentro
daquilo que o conteúdo do direito de propriedade permite e da forma também prevista em lei.
O aproveitamento econômico da propriedade não é de toda a extensão da propriedade, mas
daquilo permitido pelo ordenamento, o que ocorre sem desfigurar o próprio direito de
propriedade.
Ademais, mesmo nos casos em que se esteja a alegar a desapropriação indireta,
necessário se faz uma análise pormenorizada a fim de saber se realmente o imóvel rural
afetado era explorável economicamente, de que modo e em que extensão. E isso tem passado
ao largo em nossos tribunais.
O problema é que os proprietários, ante qualquer instituição, em sua propriedade, de
espaço protegido por razões ambientais, movem ação requerendo indenização à alegação de
que estão limitados na exploração econômica do imóvel, que muitas vezes sequer tem sido
explorado e/ou utilizado. Alegam tais proprietários, em juízo, que estão impossibilitados de
realizar a exploração madereira no local, não tendo sequer o cuidado de checarem se se trata
de Áreas de Preservação Permanente ou de Reservas Florestais Legais. Chegam até ao
absurdo de argüirem que são exploradores contumazes de madeira, não tendo preocupação
alguma em verificar antes as proibições legais acerca de tal exploração, elencadas nos artigos
10, 12 e 15 do Código Florestal.
123
O STF e o STJ, apesar de reconhecerem que incumbe ao Poder Público o dever
constitucional de proteger a flora e de adotar as necessárias medidas que visem a coibir
práticas lesivas ao equilíbrio ambiental, insistem na tese de que tal encargo não exonera o
Estado da obrigação de indenizar os proprietários cujos imóveis venham a ser afetados, em
sua potencialidade econômica, pelas limitações impostas pela Administração Pública.355
Nesse sentido, decidiu o STJ que
se o Poder Público retira do bem particular o seu valor econômico, deve indenizar o prejuízo causado ao proprietário, de modo amplo, com justa indenização, no caso, incluindo-se as ‘matas de preservação permanente’, impedida que foi, pelo decreto expropriatório por utilidade pública, a sua destinação natural pelo proprietário.356
No mesmo sentido da jurisprudência pátria encontra-se Canotilho,357 que entende que
o encargo de manter um ambiente sadio deve ser suportado por todos, pois a defesa do meio
ambiente é uma tarefa solidária e não solitária358 e não se compadece com a unilateral
imposição de vínculos restritivos a uns em favor de outros. Para o constitucionalista lusitano,
o ambiente é caro, mas nunca é demasiadamente caro. O Poder Público, em sua defesa, deve
expropriar ou negociar um set-aside,359 assegurando ao proprietário uma adequada prestação
pecuniária. “O que não pode o Poder Público é fazer com que o particular custeie,
355 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 134297-SP. Rel. Min. Celso de Mello. DJU de 22 set. 1995,
p. 30597. 356 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 77541-SP. Rel. Min. Milton Luiz Pereira. 1ª Turma. DJU de
22 abr. 1996, p. 12543. 357 CANOTILHO, 1995b, p. 88-89. 358 O mesmo entendimento possui Meirelles, tanto que cuidou de asseverar que “se o bem-estar social exige o
sacrifício de um ou de alguns, aquele ou estes devem ser indenizados pelo Estado, ou seja, pelo erário comum do povo.” MEIRELLES, Hely Lopes. Tombamento e indenização. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 74, v. 600, out. 1985, p. 17.
359 Originariamente concebido no direito norte-americano com fins de política econômica — limitação da produção para obter efeitos estabilizadores nos preços de produtos agrícolas —, o instituto do set-aside (pôr de lado de terrenos, retiradas de terrenos) aparece, nos dias de hoje, como um dos remédios para a defesa e conservação de ecossistemas naturais. O agricultor compromete-se a manter os habitats nos terrenos ‘retirados’ à exploração agrícola, recebendo uma compensação pela inalterabilidade do uso dos solos ou subsídios para a prática de culturas ou explorações econômico-agrárias ecologicamente adequadas. Nos últimos tempos, o sistema evoluiu para formas de claro recorte contratual. Mediante a aplicação do Multi-Year Set-Aside Program, o proprietário compromete-se, a troco de uma indenização calculada de acordo com a quantidade e qualidade de solos agrícolas retirados de usos econômicos agrários, a manter os espaços e ambientes naturais e, até mesmo, a melhorar o equilíbrio ecossistêmico. O fato de o sistema de retirada de terreno assumir feição contratual enseja uma peculiaridade, qual seja, em se tratando de uma relação contratual, o não cumprimento importará hipótese de inexecução da obrigação, segundo nosso Código Civil. Significando concluir que o devedor, não cumprindo a obrigação, ou deixando de cumpri-la pelo modo e no tempo devidos, responde por perdas e danos. Ou seja, supondo que este sistema fosse aplicado entre nós, teríamos a seguinte construção: se o proprietário compromete-se a manter os habitats nos terrenos ‘retirados’ à exploração agrícola, mediante uma indenização e não o faz, configurado estaria o inadimplemento contratual, e a obrigação deste de responder por perdas e danos.
124
isoladamente, a instituição de um benefício coletivo, com o detrimento de seu patrimônio —
que lhe é garantido pela ordem constitucional”.360
Esta, contudo, não é a melhor interpretação, revelando-se equivocado o entendimento
que assegura a plena indenização de áreas ambientais destinadas à instituição de reservas
florestais necessárias à preservação do meio ambiente, ao argumento de que “não se nega ao
Estado o direito de constituir reservas florestais em seu território”, devendo-se “negar,
todavia, o poder de constituí-las gratuitamente, à custa da propriedade particular de alguns
proprietários”.361 É que as Reservas Florestais Legais são limites internos ao direito de
propriedade, que integram a essência do domínio e são com o título transmitidas;362 não são,
pois, indenizáveis.
Partindo de uma visão equivocada dos conceitos elencados na Carta Magna, alguns
autores chegam a afirmar que as novas orientações jurisprudenciais têm modificado
substancialmente o entendimento dos institutos da limitação administrativa e da
desapropriação indireta.363 Desconhecem os mesmos que nas limitações administrativas o
proprietário conserva em suas mãos a totalidade de direitos inerentes ao domínio, ficando
apenas sujeito às normas regulamentadoras do exercício desses direitos, para conformá-lo ao
bem-estar social, razão pela qual a regra geral é a da não indenização, uma vez que a
propriedade não é afetada na sua exclusividade, mas no seu caráter de direito absoluto, pois o
proprietário não reparte, com terceiros, os seus poderes sobre a coisa, mas, ao contrário, pode
desfrutar de todos eles, de maneira que lhe convenha, até onde não esbarre nos óbices opostos
pelo Poder Público em prol do interesse coletivo.
Só em casos excepcionais, quando transfiguradas para os institutos da servidão e/ou
da desapropriação,364 é que a indenização é obrigatória, uma vez que “a limitação
360 TAVARES, Ademário Andrade. A indenização na limitação administrativa (em matéria ambiental) e o novo
conceito de desapropriação indireta. Revista Jus Navigandi. Disponível em: <http://www.jus.com.br/doutrina/ limitadm.html >. Acesso em: 21 out. 2001, p. 7.
361 TJ-SP. Revista dos Tribunais, n. 522, p. 151. 362 A área de reserva florestal legal deverá ser averbada à margem da matrícula no registro do imóvel, sendo
vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento da área.
363 TAVARES, op. cit., p. 8. 364 O conceito de limitação administrativa não tem sido bem absorvido pela doutrina e jurisprudência pátrias,
fazendo com que a mesma seja confundida com outros institutos (restrição de vizinhança, servidão pública, desapropriação, etc.). Assim, para tentar obviar tais erros, faz-se necessário trazer à colação algumas observações sobre os seus traços distintivos em relação às outras espécies de restrições administrativas. As servidões administrativas ou públicas não se confundem com as servidões civis de direito privado, nem com as limitações administrativas de direito público, nem com as desapropriações. A servidão civil é direito real de um prédio particular sobre outro, com finalidade de serventia privada uti singuli; a servidão administrativa é ônus real do Poder Público sobre a propriedade particular, com finalidade de serventia pública. A limitação
125
administrativa não pode promover o aniquilamento da propriedade, isto é, a total
impossibilidade de sua adequada utilização econômica”.365 E tal se dá porque, conforme
extraído das precisas lições de Meirelles e Forsthoff,
a limitação administrativa apenas restringe o exercício das faculdades inerentes ao domínio, mas não o atinge substancialmente, e muito menos o aniquila. Mas se, a pretexto de limitar a propriedade, a restrição vai tão longe a ponto de anulá-la em seu conteúdo essencial, ou prejudicá-la sob aspectos decisivos, o caso será de desapropriação.366
Assim, o que vai definir a indenização ou não das terras reservadas à proteção
ambiental é a análise do caso concreto, eis que, regra geral, as Áreas de Preservação
Permanente e as Reservas Florestais Legais não são indenizáveis, nos termos do regime
jurídico vigente no Brasil, excetuando-se desta regra básica apenas as áreas elencadas pelo art.
3º do Código Florestal e, ainda assim, somente quando: a) lhes faltar o traço de generalidade;
b) não beneficiarem, direta ou indiretamente, o proprietário; e c) sua efetivação inviabilizar
por inteiro a totalidade do único ou de todos os possíveis usos da propriedade, respeitado,
obviamente, o lapso prescricional, que se inicia a partir da promulgação do ato administrativo
que determinou a restrição.
Se houver o total aniquilamento do uso da propriedade e forem atendidos os
pressupostos à indenização — elencados anteriormente (Cap. VII, item 7.5) — é estreme de
dúvidas que o proprietário privado de seu direito de exclusão precisará ser indenizado.
administrativa é uma restrição pessoal, geral e gratuita, imposta genericamente pelo Poder Público ao exercício de direitos individuais, em benefício da coletividade. Já a servidão administrativa ou pública é um ônus real — e especial — de uso, imposto especificamente pela Administração a determinados imóveis particulares — em geral mediante indenização — para possibilitar a realização de obras e serviços públicos. Assim, a restrição à edificação além de certa altura é uma limitação administrativa ao direito de construir, ao passo que a obrigação de suportar a passagem de aqueduto sobre determinadas propriedades privadas para o abastecimento de uma cidade, como serviço público, é uma servidão administrativa, porque onera diretamente os imóveis particulares com uma serventia pública. A limitação administrativa impõe, de um modo geral, uma obrigação de não fazer (mas também pode impor, segundo a melhor doutrina, uma obrigação de fazer ou de deixar de fazer); enquanto que a servidão administrativa impõe um ônus de suportar que se faça. Aquela incide sobre o proprietário (obrigação pessoal); esta incide sobre a propriedade (ônus real). A limitação administrativa distingue-se da desapropriação, pois nesta há transferência da propriedade individual para o domínio do expropriante, com integral indenização, enquanto naquela há, apenas, restrição ao uso da propriedade, imposta genericamente a todos os proprietários, sem qualquer indenização. Com razão, pois, Meirelles, ao afirmar “que a limitação administrativa difere tanto da servidão administrativa como da desapropriação. A limitação administrativa, por ser uma restrição geral e de interesse coletivo, não obriga o Poder Público a qualquer indenização; a servidão administrativa ou pública, como ônus especial a uma ou algumas propriedades, exige indenização dos prejuízos que a restrição acarretar aos particulares (aqui o que se indeniza é o prejuízo, não a propriedade); a desapropriação, por retirar do particular a sua propriedade ou parte dela, impõe cabal indenização do que foi expropriado e dos conseqüentes prejuízos (aqui a indenização é da própria propriedade)”. MEIRELLES, 1991, op. cit., p. 535.
365 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 294. 366 Revista dos Tribunais, n. 611, p. 72.
126
CONCLUSÕES
O tema dos direitos fundamentais é complexo, daí evidenciando a necessidade de se
efetuar um tratamento interdisciplinar para a sua compreensão.
O reconhecimento efetivo dos direitos fundamentais é o objetivo principal dos
constitucionalistas, pois significa a verdadeira consolidação dos chamados Estados
Democráticos de Direitos, contribuindo para viabilizar a concretização da dignidade da pessoa
humana.
A doutrina mais abalizada vem sustentando a tese de uma multifuncionalidade dos
direitos fundamentais, que consensualmente já não se restringem mais à função de direitos de
defesa contra os poderes públicos. Os direitos fundamentais possuem duplo sentido jurídico:
de um lado, são eles essenciais aos homens em sua vivência com seus semelhantes, fundando-
se neles, em seu respeito e acatamento, as relações de uns com os outros homens e com o
próprio Estado; de outro lado, eles fornecem os fundamentos da organização estatal, dando as
bases sobre as quais as ações da entidade estatal se desenvolvem, em cujos limites se
legitimam e para a concretização dos quais se determinam comportamentos positivos do
Estado.
A efetividade dos direitos fundamentais em geral não se alcança com a mera vigência
da norma e, portanto, não se resolve exclusivamente no âmbito do sistema jurídico. A
efetividade dos direitos fundamentais — de todos os direitos — depende, acima de tudo, da
firme convicção de sua necessidade e de seu significado para a vida humana em sociedade,
além de um grau mínimo de tolerância e solidariedade nas relações sociais. O direito à
preservação do meio ambiente, o respeito pela intimidade da vida privada, o respeito à função
social da propriedade e à dignidade da pessoa humana, a igualdade entre homens e mulheres,
a liberdade de expressão, dependem muito mais do que um sistema jurídico que formalmente
assegure estes valores fundamentais, pois tais direitos necessitam, para a sua efetivação, não
só de juízes e tribunais que zelem pelo seu cumprimento, mas também, e principalmente, da
conscientização e incorporação de seus conceitos pela sociedade hodierna.
É de se destacar, também, a imprescindibilidade do discernimento de que, nada
obstante a questão da eficácia dos direitos fundamentais constitua um desafio constante —
tanto aos estudiosos do meio acadêmico, quanto àqueles que lutam para sua efetivação,
através do Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário, ONGs, etc. —, a única forma de se
127
alcançar esse ideal, de maneira mais firme e perpétua, é através da divulgação e
conscientização da população, pois nenhum aparato, seja ele governamental ou não, possui a
força de um povo instruído, questionador de seus direitos, ou seja, a força do exercício da
cidadania.
A possibilidade de um controle material da lei em vista de vícios intrínsecos é
exalçada no âmbito dos direitos fundamentais em razão da formulação do princípio
constitucional da proporcionalidade, que exige do legislador a menor intervenção possível na
esfera privada desses direitos.
O princípio da proporcionalidade tem por conteúdo os subprincípios da adequação,
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Entendido como parâmetro a balizar a
conduta do legislador quando estejam em causa limitações a direitos fundamentais, a
adequação traduz a exigência de que os meios adotados sejam apropriados à consecução dos
objetivos pretendidos; o pressuposto da necessidade é que a medida restritiva seja
indispensável à conservação do próprio ou de outro direito fundamental e que não possa ser
substituída por outra igualmente eficaz, mas menos gravosa; pela proporcionalidade em
sentido estrito, pondera-se a carga de restrição em função dos resultados, de maneira a
garantir-se uma equânime distribuição de ônus.
Inegável é o fato de que, em contraposição à grande maioria das regras de direito
privado, as normas constitucionais relativas aos direitos fundamentais não contêm uma
regulamentação completa e perfeita. Não apresentam a mesma certeza de conteúdo, a mesma
clareza de sentido, a mesma precisão conceitual. Sua regulamentação constitucional é quase
sempre incompleta e fragmentária, porque principalmente constituída de princípios mais ou
menos abstratos, de diretivas que fixam fins, mas pouco dizem acerca dos meios, processos ou
intensidade da sua realização. Fazem constantemente apelo a conceitos indeterminados e de
valor, a fórmulas gerais e elásticas, breves e esquemáticas.
Nesse passo, a melhor exegese da norma contida no art. 5º, § 1º, da Carta Magna de
1988, é a que parte da premissa de que tal dispositivo é norma de natureza principiológica,
que, por esta razão, pode ser considerada como uma espécie de mandado de otimização
(maximização), isto é, que estabelece para os órgãos estatais a tarefa de reconhecerem, à luz
do caso concreto, a maior eficácia possível a todas as normas definidoras de direitos e
garantias fundamentais.
128
O postulado da aplicabilidade imediata não poderá resolver-se, a exemplo do que
ocorre com as regras jurídicas (e nisto reside uma das diferenças essenciais entre estas e as
normas-princípios), de acordo com a lógica do tudo ou nada, razão pela qual o seu alcance
dependerá do exame da hipótese em concreto. Apesar disso, é perfeitamente possível atribuir-
se ao dispositivo em exame o efeito de gerar uma presunção em favor da aplicabilidade
imediata e plena eficácia (e efetividade) das normas definidoras de direitos e garantias
fundamentais, de tal sorte que eventual recusa na outorga da plenitude eficacial a determinada
norma de direito fundamental, em virtude da ausência de ato concretizador, deverá ser
necessariamente fundamentada, valendo ressaltar que até mesmo as normas constitucionais
definidoras de direitos fundamentais sociais de cunho prestacional, por mais programáticas
que sejam, por menos que seja sua densidade normativa ao nível da Constituição, e
independentemente de intermediação legislativa, sempre estarão aptas a gerar um mínimo de
efeitos jurídicos, já que não há mais praticamente quem sustente que existam normas
constitucionais, ainda mais quando definidoras de direitos fundamentais, destituídas de
eficácia e de aplicabilidade.
No problema da colisão entre direitos fundamentais, que apenas poderá ser
equacionado à luz das circunstâncias do caso concreto e dos direitos fundamentais específicos
em pauta, assume lugar de destaque o princípio da proporcionalidade, que servirá de
parâmetro no indispensável processo de ponderação dos bens e valores envolvidos à
escorreita solução do problema.
A melhor solução para o conflito entre direitos fundamentais é, pois, a preconizada
por Alexy, que impõe a otimização (maximização) da eficácia de todos os direitos
fundamentais, não podendo admitir-se uma realização plena de um direito fundamental em
prejuízo de outro. E, nesse contexto, o princípio da dignidade da pessoa humana assume
importante função demarcatória, podendo servir de parâmetro para avaliar qual o padrão
mínimo a ser reconhecido, vez que tal princípio é unificador de todo o sistema de direitos
fundamentais.
A concepção individualista da propriedade, como poder do proprietário sobre as
coisas submetidas à sua vontade, nasceu e vingou por exigência do contexto social e
econômico. Mas os tempos são outros e a atual tendência do constitucionalismo é a de atribuir
à propriedade uma função no interesse social que modifica o exercício do direito, mas não o
suprime nem se confunde com a estatização, até mesmo porque, como um direito
129
fundamental, o direito de propriedade tem um conteúdo mínimo, um núcleo essencial,
irredutível, que não poderá ser afastado.
A propriedade, tal como constitucionalmente protegida, já não comporta mais, no
Brasil, ser recepcionada pelo art. 524 do Código Civil (Lei nº 3.071/16), pois hoje já não se
admite mais possa o proprietário usar, gozar e dispor com a amplitude que os termos exigem.
O uso e o gozo da propriedade estão diretamente vinculados ao atendimento da função social.
Não há mais um direito individual de propriedade, mas um direito a ser exercido em prol da
coletividade. Enquanto o direito de propriedade não serve aos interesses da coletividade,
promovendo-lhe o bem-estar e concorrendo para o progresso econômico e social do seu
titular, a propriedade já não pode mais permanecer nas mãos de quem não a trabalha,
impondo-se a desapropriação por interesse social a fim de que, redistribuída, possa alcançar,
pelo trabalho, a função social a que está fadada.
O princípio da função social da propriedade legitima juridicamente a intervenção do
Estado na propriedade em todos os seus diversos graus: da limitação do exercício do direito
de propriedade até a própria expropriação.
Muito embora a função social esteja expressamente prevista em nossa Lei Maior
como elemento fundamental da propriedade e da ordem econômica, a sua concretização ainda
não tem sido implementada. Mesmo que não seja possível suprir a propriedade privada, até
porque ainda constitui o melhor instrumento para produção de riqueza, é preciso que a
sociedade brasileira reconheça a função social da propriedade como princípio essencial à
própria existência da propriedade, bem como da ordem econômica, pois a função social não
constitui sacrifício algum à propriedade privada. Representa, sim, a garantia mais sólida de
sua manutenção pacífica e harmoniosa.
A função social é cumprida, na área rural, quando a propriedade atende a requisitos
constitucionais, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei. Dentre os
requisitos, podem-se citar a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e
preservação do meio ambiente. Na área urbana, a função social é satisfeita quando atende às
exigências fundamentais da ordenação da cidade expressa no plano diretor. Cumprir a função
social significa, no mínimo, exercer o direito de propriedade, seja de áreas urbanas ou rurais,
de forma a atender ao princípio de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, pois os princípios da função social da propriedade e da defesa do meio ambiente
informam a ordem econômica orientada para assegurar a todos existência digna e conforme os
ditames da justiça social.
130
Os preceitos inscritos no art. 225 da Lei Maior traduzem a consagração
constitucional, em nosso sistema de direito positivo, de uma das mais expressivas
prerrogativas asseguradas às formações sociais contemporâneas. Essa prerrogativa consiste no
reconhecimento de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, típico
direito fundamental de terceira geração que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a
todos os que compõem o grupo social.
O direito de propriedade não se extingue em face da função social e da proteção do
meio ambiente. São situações harmonizáveis, nada impedindo que o proprietário permaneça
exercendo seu direito, em razão da existência de uma área de proteção ambiental no seu
domínio, desde que compatibilize seu comportamento com a preservação e defesa do meio
ambiente.
Pelo fato de as normas que asseguram o direito de propriedade e meio ambiente
possuírem índole principiológica, necessário é lançar-se mão da Teoria dos Princípios, bem
como da distinção entre regras e princípios, para a solução de um eventual conflito de normas
que envolvam tais direitos fundamentais, de igual dignidade constitucional.
Na hipótese de eventual conflito ou colisão entre direitos fundamentais, ou entre
normas constitucionais, a solução mais plausível é no sentido de optar pelo método do
balanceamento ou de ponderação, de sorte a sopesar os valores e interesses envolvidos em
cada caso concreto. Como o direito de propriedade e o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado são dotados de mesma dignidade constitucional, um não pode
prevalecer em relação ao outro, aprioristicamente, deve o intérprete proceder à concordância
prática dos direitos colidentes, verdadeiro princípio de interpretação constitucional que
consiste em que os bens jurídicos constitucionalmente assegurados sejam coordenados de
modo a que todos eles possam conservar sua identidade, sempre tendo como norte o princípio
da dignidade humana, que é o núcleo essencial dos direitos fundamentais e o valor que atrai a
realização dos mesmos.
O princípio da função social incide sobre o conteúdo do direito de propriedade,
compondo a estrutura ou limites internos de tal direito. Significa dizer que o cumprimento da
função social é condição de sua legitimidade. Não se trata de simples limitação decorrente de
intervenções atinentes ao poder de polícia. Garante-se a propriedade enquanto cumpre esta a
sua função social. E a função social é cumprida quando a propriedade atende ao requisito de
preservação do meio ambiente.
131
Na esfera de limitações internas não cabe falar em desapropriação. Os limites
internos, porque fazem parte do rol de atributos necessários ao reconhecimento do direito de
propriedade válido, não comportam indenização.
Se a propriedade não estiver cumprindo sua função social, implicando isto proteção
do meio ambiente, e se a Administração a direciona para este fim, não existe desapropriação
indireta, mas, sim, o cumprimento, pelo Poder Público, de uma tarefa que lhe é atribuída pela
própria Constituição.
Além da função social que lhe molda a estrutura e condiciona o seu reconhecimento
e legitimidade, o direito de propriedade sofre compressões por interferências estatais
decorrentes do poder de polícia em sentido amplo, em razão da prevalência do interesse social
em face de interesses individuais. A distinção entre a função social da propriedade e o poder
de polícia reside em que aquela não surge como limite ao exercício do direito, mas como
princípio incidente sobre o conteúdo mesmo do direito. O poder de polícia atinge
externamente o direito de propriedade para evitar que seu exercício prejudique o interesse
coletivo.
A proteção da flora e a conseqüente vedação de práticas que coloquem em risco a sua
função ecológica projetam-se como formas instrumentais destinadas a conferir efetividade ao
direito que todos possuem de viver num meio ambiente ecologicamente equilibrado.
O dever de fazer respeitar a integridade do patrimônio ambiental incumbe
constitucionalmente ao Poder Público, não o dispensando, contudo, quando necessária a
intervenção administrativa na esfera privada, de ressarcir os prejuízos materiais que,
derivando de eventual esvaziamento do conteúdo econômico do direito de propriedade,
afetem a situação jurídica de terceiros. Entretanto, as limitações, que têm em vista o que é
socialmente útil, colocadas pela Administração para o exercício do direito à higidez
ambiental, em decorrência de uma orientação para sua função social, não acarretam direito à
indenização. Apenas se estas limitações acabarem por eliminar o núcleo essencial do direito
de propriedade, anulando o direito de exclusão de terceiros no gozo do bem, eliminando o
direito à alienação ou inviabilizando totalmente o seu uso econômico, aí sim vão ter um
caráter expropriatório, originando uma indenização ao proprietário.
Nesse passo, não cabe a indenização quando o Poder Público, agindo em
conformidade com o suporte constitucional da função sócio-ambiental, regrar a forma do uso,
privilegiar ou interditar a propriedade privada que estiver degradando o meio ambiente. E tal
132
se dá porque existem outras formas alternativas de se explorar uma área rural (turismo
ecológico, p. ex.), sendo raro o caso em que a única possibilidade de exploração de uma área é
o desmatamento integral, como forma de viabilizar a agricultura e a pecuária. Ademais, não
há, atualmente, um direito de propriedade que confira ao seu titular a opção de fazer uso de
sua propriedade de forma a violar os princípios constitucionais, que asseguram a proteção do
meio ambiente e o atendimento da função social da propriedade. Agora, a propriedade
privada, nos moldes da Carta Magna vigente, abandona, de vez, sua configuração
essencialmente individualista para ingressar em uma nova fase, mais civilizada e mais
solidária, onde se submete a uma ordem pública ambiental.
É dever do Estado e dos cidadãos perseguirem os objetivos de proteção ambiental,
como única alternativa de sobrevivência do planeta e da própria espécie humana. A
implementação de unidades de preservação ambiental constitui parcela importantíssima deste
processo.
As Áreas de Preservação Permanente e as Reservas Florestais Legais são espaços
territoriais especialmente protegidos definidos no Código Florestal. Não constituem restrições
ou limitações às propriedades, eis que configuram o próprio direito de propriedade.
As Áreas de Preservação Permanente e as Reservas Florestais Legais não são
indenizáveis, nos termos do regime jurídico vigente no Brasil. Excetuam-se desta regra básica
apenas as áreas elencadas pelo art. 3º do Código Florestal e, ainda assim, somente quando: a)
lhes faltar o traço de generalidade; b) não beneficiarem, direta ou indiretamente, o
proprietário; e c) sua efetivação inviabilizar por inteiro a totalidade do único ou de todos os
possíveis usos da propriedade, respeitado, evidentemente, o lapso prescricional, que corre da
promulgação do ato administrativo de regência.
Assim, não pode o proprietário acionar o Poder Público pleiteando indenização pelo
fato de ter o uso e o gozo de sua propriedade limitados pela exigência de manutenção das
Áreas de Preservação Permanente e das Reservas Florestais Legais. Tal vedação decorre não
apenas do fato de terem sido ambas instituídas por lei de 1965 (Código Florestal), o que está a
sinalizar a prescrição de eventuais ações de indenização, mas também porque tais áreas não
inviabilizam o exercício do direito de propriedade no restante do imóvel.
No âmbito da desapropriação, direta ou indireta, da integralidade do bem, é
descabido incluir na indenização a ser paga pelo imóvel o valor das Áreas de Preservação
Permanente e das Reservas Florestais Legais, já que se caracterizam como limites internos ao
133
direito de propriedade. Conseqüentemente, o cálculo da indenização devida, ao ser
reconhecida a desapropriação da totalidade do imóvel, deve descontar as áreas
correspondentes a tais unidades de preservação ambiental.
A proteção ambiental deve se dar, modernamente, com a participação do Estado e da
sociedade. Do Estado (Executivo e Judiciário) fixando indenização do que é específico e
inequívoco, dentro dos pressupostos elencados neste trabalho — especificidade e
espacialidade da restrição, certeza quanto ao agente público da restrição, comprovação de
existência de atividade econômica anterior e prova do domínio e da temporalidade da
aquisição — e de critérios técnicos e jurídicos que não transformem as demandas
constantemente ajuizadas contra o Poder Público em meio de enriquecimento ilícito do
particular. Da sociedade, reconhecendo que existe um sacrifício coletivo, fruto das limitações
necessárias à proteção ambiental e da própria observância da função sócio-ambiental da
propriedade, que deve ser suportado sem ônus específico e como contribuição dela ao
processo.
Lamentavelmente, e apesar dos avanços da doutrina e da nossa própria Constituição,
a jurisprudência dos tribunais brasileiros ainda não aplica escorreita e efetivamente o método
de balanceamento ou ponderação dos valores — e/ou direitos — envolvidos, não aplicando
inclusive o entendimento de que a função social incide sobre o conteúdo do direito de
propriedade, compondo as estruturas ou limites internos deste último, deixando transparecer
uma opção pelo direito de propriedade na concepção individualista do Estado liberal, quando
em conflito com o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, concepção esta que
culmina por determinar a indenização até mesmo das áreas de preservação permanente e das
reservas florestais legais.
Tal tendência pode ser notada principalmente nas decisões prolatadas pelo STF e
STJ, que, desconsiderando que a Constituição é o ponto de partida de qualquer operação
hermenêutica que envolva direitos fundamentais, insistem em dar à propriedade um conteúdo
ilimitado e exclusivo, interpretando-a, pois, tão-somente de acordo com o vetusto Código
Civil (de 1916), em descompasso com os princípios insculpidos na Carta Magna de 1988 —
da função social, da dignidade da pessoa humana e da preservação ambiental.
Há, contudo, alguma esperança. É que alguns tribunais, imbuídos de uma visão
progressista, e conscientes dos princípios da função social da propriedade, da dignidade da
pessoa humana e da preservação ambiental, têm sabido aplicar corretamente o método de
balanceamento dos valores e, de conseqüência, têm adotado posicionamentos que estão mais
134
de acordo com a Constituição de 1988, valendo ressaltar que, apesar de poucos, há acórdãos
que assimilaram a necessidade de acolher a tese da função humanizadora da propriedade e da
necessidade de se tutelar o ambiente, indispensáveis à própria qualidade de vida e essencial à
dignidade humana, fato que pode significar uma mudança de mentalidade promissora,
essencial à busca do equilíbrio entre o direito de propriedade e o direito à higidez ambiental,
ambos direitos fundamentais.
É o desejo de todos que, doravante, esta última concepção se perpetue pelos órgãos
competentes do Poder Judiciário, pois só assim se conseguirá conciliar o acesso à propriedade
com a justiça social e com a preservação ambiental.
135
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