O CURSO DE PEDAGOGIA EM FOCO: fragilidades constantes e urgências da
formação1
Alda Junqueira Marin2
Introdução
A produção de trabalhos, debates e questões sobre o curso de Pedagogia não é tema de
agora. Na verdade vem desde a década de 1940, conforme nos relata Bontempi Jr.
(2011) ao focalizá-lo desde a criação do curso na Universidade de São Paulo.
Ao longo desses mais de setenta anos de existência, sempre foi um curso que gerou
polêmicas, passou por algumas mudanças e continua sendo foco de debate. E, de fato,
precisa estar, pois se trata da base educacional do país, da formação de professores para
a educação das nossas crianças. É da maior relevância a retomada do debate a
considerar pelas nossas pesquisas, e de tantos colegas, que vêm sendo feitas e da
vivência que temos tido com dois tipos de ex-alunos: os de cursos de Pedagogia ao lado
de vivência social com outros indivíduos que trabalham nas mais diferentes funções e
ocupações sem dominar conhecimentos básicos, inclusive os mais necessários para o
desempenho de funções simples, indivíduos que são egressos de escolas de ensino
fundamental, ex-alunos desses profissionais citados.
Neste texto, como já está desde o primeiro parágrafo, são apresentados alguns
antecedentes sobre tais debates e embates a partir de algumas de nossas pesquisas para
depois passar a apresentar alguns conceitos para análises e decorrências que serão feitas
no último item a partir da realidade atual.
Dados antecedentes
Há exatamente dez anos atrás, em um evento que tem o mesmo nome deste – o XII
Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino – o ENDIPE, que se realizou em
1 Texto apresentado na Sessão Especial Impactos das Diretrizes Curriculares Nacionais (2006) sobre os
Cursos de Pedagogia, a partir de pesquisas, no XVII ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e
Práticas de Ensino, realizado em Fortaleza, no período de 11 a 14 de novembro de 2014. A Sessão,
coordenada pelo Prof. Dr. Jacques Terrien (UECE), contou com a presença dos também convidados
Profa. Dra. Selma Garrido Pimenta (FEUSP) e o Prof. Dr. Luiz Dourado (CNE).
2 O texto é de minha autoria, porém resulta de discussões do Grupo de Pesquisa “Docência em suas
múltiplas dimensões” do PEPG Educação: História,Política,Sociedade da PUCSP, trabalhos de pesquisas,
de reflexões em bancas e algumas situações públicas de debate.
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Curitiba, apresentamos um trabalho resultante dos estudos e debates que fazíamos, em
diversas circunstâncias, sobre a formação e atuação dos professores que se destinavam a
ou trabalhavam nas séries iniciais do ensino fundamental (MARIN, GIOVANNI E
GUARNIERI, 2004). Foi um texto organizado a partir de estudos bibliográficos que, de
modo amplo, traçou alguns contornos da produção sobre o tema que nos havia sido
solicitado a desenvolver para esse evento, qual seja, o eixo que abrangesse “Práticas
sociais e saberes”. Nesse texto retomamos estudos que se referiam à década de 1950
chegando até a década de 1980, colocando maior centralidade de análise nesta última,
pois nos pareceu ser uma época de alterações que decorriam das anteriores. Foi
possível, assim, a partir de pesquisas, mapear os problemas e as práticas bem sucedidas,
estas bem menos expressivas. Foi obtido um quadro contextual e com muitos aspectos
relativos a todo tipo de problemas revelados pelos professores já atuantes e alunos de
cursos de formação, desde os mais simples, mas da maior relevância, como o do
desconhecimento da escola e alunos reais, até outros mais complexos como o fato de
não ter domínio dos conteúdos básicos a serem ensinados. Estávamos, então, nesse
período analisado, com alunado maciçamente em cursos de formação de professores no
âmbito do ensino médio no Brasil e alguns poucos em cursos de Pedagogia, com todas
as alterações organizativas decorrentes de novas ações políticas na área incluindo o
período de governo militar (BRASIL,1969, 1971). Na sequência, apontamos as duas
últimas décadas (1980 e 1990) como um período de avanços devido ao número de
matrículas embora detectando, como questão central, o fato de que as crianças da escola
da “geração 80” devem ter vivenciado anos nas escolas desse período submetidas aos
problemas apontados, pois certamente foram alunos daqueles professores em formação
(que tinham muitas dificuldades) situação à qual se acrescente o fato de terem sido
submetidos, também, aos novos padrões de escolarização sob a implantação do Ciclo
Básico de Alfabetização, sem reprovação entre a primeira e segunda série; mas elas
chegaram às salas de aula dos cursos de formação de professores, a esta altura já em
cursos de Pedagogia com a expansão destes pelo país todo.
Em 2006, novo estudo sobre a mesma temática nos levou a outra constatação: a
precariedade da formação de professores para as séries iniciais 35 anos depois do início
da formalização desses novos modelos para essa formação, ou seja, desde o início da
década de 1970, confirmando o que havíamos apontado parcialmente, relatado no item
anterior (MARIN e GIOVANNI, 2006). Novamente recorrendo a um número
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significativo de pesquisas realizadas sobre a formação dos professores em várias regiões
do país, foi possível elaborar nova síntese como contextualização ao novo texto
incluindo todos os debates relativos a novas modalidades de formação de professores
surgidas com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 (BRASIL, 1996). Foi um
período bastante tumultuado e percebemos que o debate girava em torno das propostas e
que não detectávamos dados de realidade sobre os cursos, sobretudo sobre o curso
Normal Superior, um dos focos centrais de debate. Nesse texto de 2006, relatamos a
pesquisa orientada pela problematização sobre como estavam sendo certificados os
alunos e quais as condições que exibiam para o exercício da docência. Verificou-se a
precariedade de conhecimentos básicos necessários para o exercício da profissão,
sobretudo os relativos à leitura e escrita. Eram alunas que haviam passado, no mínimo,
cerca de quatorze anos pelas escolas, não aprenderam tais saberes de modo profundo
antes, no ensino de 1º e 2º graus (hoje fundamental e médio) e nem no ensino superior,
de onde estavam prestes a sair para assumir suas salas de aula. Ou seja, com esse estudo
nos pareceu haver um acirramento dos problemas das pesquisas anteriores. Do mesmo
material coletado junto às alunas foi possível extrair outros tipos de dados, não
verificados anteriormente, agora focalizando especificamente a área de expressão escrita
(MARIN e GIOVANNI, 2007). Não vem ao caso realizar a retomada de todo o estudo,
mas destacar o problema central: como tem ocorrido a formação de novos
alfabetizadores, como estão sendo preparados para a tarefa de alfabetizar ? Verificou-se
a precariedade de tal formação para as tarefas a que deveriam se dedicar, pois foram
detectadas: alta incidência de palavras erradas, com erros de acentuação, pontuação e
concordância; precária condição de leitura e interpretação das instruções para coleta das
informações; utilização incorreta de vários conceitos que envolvem a análise da
produção escrita dos alunos presente em uma das questões, entre outros pontos. A mais
recente publicação complementa esses dados demonstrando, no mesmo período a
fragilidade de conhecimentos sobre outros componentes curriculares a serem ensinados
nessas séries iniciais tais como Matemática, Ciências, História, Educação Física, além
de aspectos da organização da escola como participação em Conselho de Escola
(MARIN e GIOVANNI, 2013). Certamente não é pouca coisa.
Esses estudos antecedentes revelam a manutenção de problemas sérios de formação de
professores para as séries iniciais. A justificativa, ao longo das décadas, foi a de que os
professores deveriam ser formados em nível superior para suprir deficiências que o
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ensino médio não conseguia enfrentar. Passou-se ao ensino superior, com os cursos de
ensino médio quase totalmente extintos, e verificou-se que o Curso Normal Superior
não seria o adequado e, sim, a universidade, especificamente o curso de Pedagogia,
lócus privilegiado para tanto. E aqui estamos.
No próximo item são apresentados alguns conceitos de base para que possam ser
realizadas as análises posteriores sobre a situação atual, a partir das Diretrizes para o
Curso de Pedagogia (BRASIL,2006).
Alguns conceitos e as fases do curso
A situação delineada anteriormente exige que nos detenhamos a compreender um pouco
mais profundamente o que ocorreu nessas décadas.Não vou retomar aqui todo o
percurso cumprido pelas ações políticas internacionais e nacionais sobre a formação de
professores e necessidades das escolas básicas, pois há extensa bibliografia sobre o tema
desenvolvido por muitos colegas.Mas elas estão subjacentes ao que aqui se apresenta,
pois vou introduzir na discussão a questão central da relação entre ações políticas
educacionais e formação humana, sobretudo as Diretrizes e suas decorrências nos
ambientes de formação de professores, a partir de alguns conceitos da teoria crítica
especialmente os conceitos de Marcuse (1967).
A leitura de um trabalho de tese recente (FERNANDES, 2014) me serviu de ajuda para
pensar o que vou aqui apontar. Marcuse (1967) analisa os conceitos de pensamento
unidimensional, fechamento do universo da locução e fechamento do universo político
que nos auxiliam na interpretação do que ocorre com as prescrições oficiais, como é o
caso da interpretação feita com as Diretrizes e sua intervenção sobre o pensamento dos
que estão sujeitos a elas, ou a quaisquer outras medidas. Neste texto estamos falando
das pessoas que estão nas universidades e instituições isoladas de ensino superior e suas
decisões sobre o curso de Pedagogia. O autor, partícipe do grupo que elaborou a teoria
crítica da sociedade, se refere de modo geral à presença e uso de siglas, que não é o
nosso caso, porém, considero que as reflexões do autor atendem, são adequadas à
redução linguística e de significado que ocorrem quando simplesmente dizemos “são as
diretrizes”, ou “isso é das diretrizes”. Esse uso não permite que se tenha o conjunto dos
significados presentes nas regulamentações e suas histórias, por isso me referi,
inicialmente, às modificações dos cursos de Pedagogia desde a década de 1960 a ser
retomado em seguida.
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Ao discorrer sobre essas transformações da linguagem, Marcuse (1967) aponta o efeito
de ajuda que a redução traz para esconder os conteúdos eventualmente indesejáveis. Ao
falar “são as diretrizes” repetidamente, supõe-se que todos saibam de que se trata,
porque estão sendo propostas, quais suas decorrências não para o ambiente imediato ( o
que certamente acarreta e todos logo se dão conta), mas para a formação dos alunos a
elas sujeitas, a curto e longo prazo. Desse modo não há reflexão sobre o significado de
tudo o que elas contêm e todas as funções que podem desempenhar. Essa caracterização
é denominada, por Marcuse (1967), de pensamento e comportamento unidimensionais,
ou seja, aceita-se o seu conteúdo com a simplicidade que ele porta e tudo o que
extrapola essa simplicidade e redução é rejeitado ou re-explicado com as próprias
palavras do conteúdo. Não há outras mediações, não há reflexões, não há dupla
dimensão de pensamento, não há busca de explicações, dos que a lêem, que demonstrem
as origens de tal ou qual medida política, a não ser aquela explicitada. Com isto torna-se
dominante no pensamento e nas ações que delas decorrem, no interior das instituições a
elas submissa. Outros reais ou possíveis significados deixam de ser focalizados e
ganham ainda mais força com a sanção dos intelectuais ampliando o esvaziamento da
reflexão. Os enunciados se tornam slogans, clichês em face da aderência entre idéias e
ações, uma forma de pensamento representativo da racionalidade tecnológica própria da
sociedade industrial: está pronto, já foi produzido, temos o produto, aceitemos. Essa
forma de manifestação oficial ocasiona, de fato, a aceitação, pois ocorre o fechamento
da locução, isto é, ocorre o uso de uma linguagem interpretada como prescritiva que
acaba por elidir a condição de cognição e de avaliação cognitiva com consequência para
inexistência de posições e atitudes políticas, aceitando-se uma interpretação única
(MARCUSE, 1967).
Diante de tais conceitos é possível retomar as questões que envolveram as mudanças do
curso de Pedagogia ao longo das décadas. Dos anos iniciais , no final da década de 1930
até 1969, o curso de Pedagogia formava o pedagogo sem explicitar habilitações, mas
com legislação especificando destinação profissional para formar pedagogicamente os
futuros professores que estivessem nos cursos Normais. Eventualmente poderiam
assumir outras funções, mas nunca se definiu como curso para formar professores
primários. Em 1969 o curso passou por sua primeira grande mudança, qual seja, a
inserção de habilitações. Diversos estudos já foram realizados sobre o percurso histórico
do curso entre os quais podem ser citados os de Brzezinski (1996) e Silva (1999), mas
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convêm retomar aqui por seu significado interpretado à luz dos conceitos anteriormente
expostos. A Resuolução 2/69 que instaurou diretrizes para essas mudanças propôs a
criação, no curso, de habilitações de Orientação Educacional, Supervisão Escolar para o
exercício nas escolas de 1º e 2º graus (nomenclatura esta que só iria ser aprovada em
1971), Ensino das disciplinas e atividades práticas dos cursos normais (formação que já
vinha sendo considerada específica do curso) que posteriormente passou a ser
denominada de Magistério das Matérias Pedagógicas para o ensino de 2º grau com a
criação das Habilitações Específicas para o Magistério no ensino de 2º grau por força de
Lei 5692/71 e Administração Escolar para exercício nas escolas de 1º e 2º graus.
A justificativa básica foi a de que com a expansão da escolaridade e a criação extensiva
de redes escolares havia necessidade urgente da criação de oportunidades de formação
de profissionais que pudessem exercer tais funções. A proposta e sua justificativa foram
aceitas sem contestação, ou seja, não se interpôs argumento contrário. É possível dizer
que houve completo fechamento de locução, pois os reais significados, o de atender a
um mercado de trabalho em potencial nunca foi verbalizado; se houve reflexão sobre
outros caminhos para tais formações e o que isso ocasionaria nas instituições
formadoras e na formação dos alunos, foram muito pequenos, pois o que se viu foi a
imediata expansão de tais cursos com essas habilitações. E assim caminhamos por
longos anos acompanhando a diminuição gradativa da habilitação de Orientação
Educacional e permanecendo as demais, com uma preocupação a mais: a concorrência
das inúmeras instituições privadas que foram criadas exatamente para atender esse
mercado.
Ao longo dessas décadas os temas relativos à educação infantil e educação especial para
deficientes foram penetrando nas Habilitações Específicas para o Magistério e nos
cursos de Pedagogia, muitas vezes como obrigatórias e às vezes como eletivas. Desde a
promulgação da Lei 9394/1996 com as Diretrizes e Bases para a Educação Nacional
(BRASIL, 1996) essas questões relativas à formação dos professores para as séries
iniciais, educação infantil e educação especial para alunos portadores de deficiências
ganhou outras conotações e novas demandas aparecem ao curso inclusive em
decorrência das ações políticas internacionais, pois foram inseridas normas para a
educação especial e também a exigência de formação superior para os professores das
séries iniciais e da educação infantil. Reforçou-se o que já vinha sendo feito, mantendo-
se as várias ambiguidades (BUENO e MARIN, 2011; ABUD et al., 2012).
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A partir de 2005 inicia-se o processo final de organização das Diretrizes para o curso de
Pedagogia como decorrência de todo esse cenário aqui apenas esboçado e de outras
tentativas, pois já há uma farta bibliografia sobre tais temas. Em 2006 foram aprovadas
e instituídas as Diretrizes Curriculares para o curso de graduação em Pedagogia,
licenciatura (BRASIL, 2006). Destaco, aqui, o artigo 9º onde estão dispostas
destinações profissionais do curso:
Art. 9º Os cursos a serem criados em instituições de ensino
superior com ou sem autonomia universitária e que visem à
licenciatura para docência em Educação Infantil e nos anos
iniciais do ensino fundamental, nos cursos de ensino médio
na modalidade Normal, de Educação Profissional na área de
serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam
previstos conhecimentos pedagógicos, deverão ser
estruturados com base nesta resolução (BRASIL, 2006).
O artigo seguinte determina a extinção das habilitações vigentes, anteriormente
explicitadas.
No cotejo entre o existente anteriormente e o proposto há, aparentemente, poucas
alterações quanto à destinação profissional quando são examinadas as que são
explicitadas no artigo 9º. Verifica-se que há oficialização do que já estava sendo
desenvolvido em que são mantidas as várias modalidades de formação: para as séries
iniciais, para a educação infantil e para o ensino médio. Entretanto foi acrescentada a
genérica Educação Profissional na área de serviços (que não sabemos explicitamente de
que se trata) e outras áreas, oportunizando amplíssima abrangência, não vislumbradas
por quem toma as decisões.
Analisando-se esse artigo verifica-se a possibilidade de encontrarmos, aqui, os mesmos
princípios da grande mudança feita em 1969, abrindo várias possibilidades de formação
em um único curso. Não se trata, aqui, de fazer julgamentos sobre as intenções de quem
as fez, mas de questionar o modo de fazê-las e compreender as interpretações
efetivadas. Em 1969 não houve a indicação de que um curso fizesse sua organização
criando todas as habilitações simultaneamente, interpretação que foi imediatamente
realizada pelas instituições. O modo de expor, em 1969, foi o mesmo modo de
exposição agora, com este ainda mais largo em seu espectro. Esse modo de expor,
alternativas com um final prescritivo, com uma linguagem que unifica os destinos
profissionais pelo conectivo e, leva à interpretação de um significado de simultaneidade
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sedimentado pela história do curso que operou com tal característica durante décadas
sem qualquer enfrentamento, sem sequer experimentar operar com apenas uma das
modalidades expostas como possíveis. Desde então, estamos convivendo com uma
interpretação unidimensional, que convence pela aparência de conexão, sem questionar
a medida, com o universo da locução fechado, aceitando que “é assim”, “veja como está
escrito”. As várias possibilidades, assim agregadas, passam despercebidas quanto a
outras interpretações, como a de que cada curso se organize e forneça formação em
apenas uma das possibilidades aventadas. Além dessa interpretação, há que se pensar
que vivemos em uma sociedade autoritária, na qual a socialização primária (da família)
e a secundária (da escola e outras instituições) levam à constituição de uma disposição
de obediência entranhada nos habitus da maioria (BOURDIEU, 1994) , sobretudo das
autoridades, termo qualificador das instâncias de governo de onde emanam as
regulamentações.
E assim chegamos aos anos de 2013/2014. No próximo item estão alguns dados da
realidade atual no que tange à formação de alunos egressos de Pedagogia com tais
composições curriculares variadas.
Exemplos da realidade atual
Neste item estão dois grupos de dados a partir de pesquisas tanto em situação de
orientação quanto em análises de trabalhos em bancas. No primeiro estão dados de
pesquisas que trazem os cursos propriamente ditos analisados segundo perspectivas
teóricas diversas, mas com o foco na busca de compreensão do que vem ocorrendo no
estado de São Paulo. No segundo grupo estão dados de pesquisa cujos estudantes foram
para dentro de salas de aula de escolas também do estado de São Paulo.
Dados de pesquisas sobre os cursos
O estudo de Oliveira (2013) problematizou as condições apresentadas por futuros
professores, sobretudo focalizando os conhecimentos universitários considerados
necessários para o desempenho da função docente. Seu campo empírico foi um curso de
Pedagogia de instituição pública da grande São Paulo, obtendo suas informações junto a
alunos concluintes de 4º ano de acordo com o critério de não terem formação específica
para o magistério anterior ao curso que terminavam. Após a caracterização da turma de
cinquenta alunos verificou-se que a composição da turma era de alunado jovem,
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majoritariamente feminino e proveniente de escolas públicas regulares. A opção dos
alunos pelo curso ocorreu, predominantemente, em função do mercado de trabalho e por
pressões sociais mais do que pelo desejo de serem professores, apesar de gostarem da
profissão docente e de crianças. Foram entrevistadas e participaram de uma sessão com
instrumento contendo situações simuladas do cotidiano escolar a serem analisadas e
acompanhadas de manifestação por meio de respostas a quatro questões. Destaco aqui
alguns dados relativos à percepção sobre: a formação recebida, expectativas e
dificuldades antecipadas para o início da profissão, os conhecimentos básicos para o
exercício da profissão e aspectos de organização do trabalho pedagógico. Não se trata
do total de dados encontrados no trabalho, mas apenas alguns para exemplificar o que
vem ocorrendo nos cursos, sobretudo aqueles que possuem relação com os dados
anteriores citados reiterando-os.
A autora aponta que, entre as manifestações das alunas, há diferenças de grau em
aspectos centrais da docência. Assim é que, o preparo em relação aos componentes
curriculares a serem ensinados que foram apresentados às alunas, houve constante
referência a defasagens de domínio no que tange à escola fundamental, sobretudo em
Língua Portuguesa, mas nos demais dizem ter maior preparo, mas as alunas apontam a
necessidade de estudar os conteúdos, a necessidade de preparar muito as aulas. Também
quanto ao conhecimento didático em geral os dados analisados apontaram que nenhuma
delas tem condição total de preparo, revelam insegurança. Consideram que atuar em
Educação Infantil ocasiona menos medo. Quanto ao currículo que exige múltiplos
conhecimentos do professor, como o da escola fundamental I e da educação infantil, há
manifestações de dificuldade de seleção de parcelas desses conteúdos para cada série;
quando se sentem mais preparadas relatam a condição de buscar informação nos
Parâmetros Curriculares Nacionais para as séries iniciais ou no Referencial Curricular
Nacional para Educação Infantil. Manifestam o medo de alfabetizar, de atuar com o
aluno real, embora tivessem boa inserção na realidade escolar com os projetos do curso
de Pedagogia em parcerias com a rede escolar. Esperavam um curso calcado na prática
o que foi atendido parcialmente; não esperavam estudar História, Sociologia e Filosofia,
mas hoje sabem que diferentes fatores que interferem na vida da escola e dos alunos,
mas identifico que não sabem como usá-los. Selecionei um dos depoimentos
exemplificadores de tal afirmação: “Eu vi muita coisa triste na escola [...]Vejo crianças
lá que tem família com um problema, não tem pai, não tem mãe, não tem dinheiro
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suficiente, é muita criança na casa. A escola vai fazer o que pra essa criança? A escola
não vai fazer nada...”(OLIVEIRA, 2013, p. 132).
Ao identificar especificamente as dificuldades didáticas de professores iniciantes,
Gomes (2014) também detectou algumas manifestações que reiteram dados de outras
décadas e as de Oliveira (2013). São dificuldades relatadas: o controle das crianças do
primeiro ano, enfrentar a indisciplina; insegurança por não saber como se portar em sala
de aula; como trabalhar com alunos que têm dificuldade de aprendizagem; idealizações
em relação à prática e a frustração em relação à realidade; a sensação de que ninguém
termina o curso preparado, que vai aprendendo com o tempo; enfim o desabafo de que o
trabalho docente era um “mundo desconhecido”.
Dados de pesquisa de sala de aula e de escolas
O mesmo trabalho de Gomes (2014) apresenta resultados de observação e análise de
atuação de professora em sala de aula de 1º ano em escola de rede oficial. A partir das
cenas que a autora apresenta é possível, ao leitor, visualizar o desempenho da professora
seguindo-se a análise sobre as fragilidades da formação. Foram relatados:
desconhecimento sobre a necessidade de realizar diagnóstico no início do ano para
identificar as condições cognitivas das crianças; propor tarefas que não tinham
sustentação, pois dependiam da leitura e da escrita que as crianças não dominavam; não
conseguia ter sequência nas atividades e sua explanação; como manejar a sala; controlar
o tempo. São elementos básicos para qualquer professor conseguir executar sua função.
Os problemas ocorrem não só nas séries iniciais, mas também na educação infantil.
Almeida (2014) realizou um estudo sobre a avaliação de crianças na educação infantil
com a preocupação de detectar relações com aspectos formativos. O estudo foi
desenvolvido em duas escolas analisando documentação relativa a tais avaliações. Há
pequenas diferenças de procedimento entre as duas escolas, mas muita proximidade no
caráter básico dessas atividades: a instrumentalidade. A autora apontou, como resultado
das análises, o que podemos considerar como sérias defasagens na formação das
professoras no que tange a uma atuação realmente formativa, ou seja, uma atuação que
permita a experiência, que leve centralmente ao desenvolvimento da imaginação e da
reflexão.Verificou-se entre outros aspectos: a presença de exercícios de controle sobre
as crianças; a ausência de experiências lúdicas como as brincadeiras ou a experiência
artística; ênfase excessiva em treinos específicos e vazios de significados.Tais
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resultados ocorreram em função de atividades avaliativas padronizadas, estereotipadas
como figuras para colorir e verificar, por exemplo, autonomia com o significado de
apropriação , pelas crianças, das rotinas escolares, aspectos predeterminados de
desenvolvimento, com caráter meramente instrumental, sem a preocupação com os
processos formativos e necessidades da infância, ênfases em comportamento sociais
como obediência e simpatia. Atente-se que esse tipo de atuação é o que se detecta, mas
os alunos acham que “na educação infantil é mais fácil”.
Que formação é essa recebida e que consequências ela tem para as crianças? Que
formações essas crianças estão recebendo em ambos os espaços dessa educação tão
básica?
Duas observações são necessárias a partir desses dados da atualidade. A primeira delas
diz respeito a um ponto que já tenho debatido com colegas e que diz respeito à
realização e divulgação das pesquisas. Temos um estereótipo ao falar do papel das
pesquisas e sua inocuidade para os formuladores de ações políticas de âmbito macro que
aparentemente não connsidera os resultados das pesquisas. Há que se divergir disso,
pois utilizam, sim, de dados para aquilo que lhes interessa a cada momento e não
interessa a outros sujeitos, como os pesquisadores, ou, de fato, à educação de qualidade
para a população toda. Assim, não é possível pensar que todo o aparato desenvolvido
para produção dos referenciais para educação infantil, das diretrizes para cursos
superiores, dos parâmetros para educação básica, sejam inócuos, pois estão em vigência,
e, aparentemente, apenas aparentemente, sendo cumpridos, mas não está em vigência
tudo o que é necessário para que boa parte se cumpra, como acabamos de ver alguns
exemplos. Mas quero chamar a atenção, aqui, sobre o papel que têm as pesquisas para o
dia a dia das nossas instituições, em todas as escolas, para cada um de nós e quanto elas
norteiam as nossas ações quando temos que assumir as nossas funções de docência em
todos os níveis. Não é de agora que se mapeiam pesquisas e se acumulam saberes sobre
problemas de formação de professores. Mas há setenta anos os problemas são os
mesmos, ou com poucas variações, e no fundo com a lamentável noção de que os cursos
e os formadores ainda não estão sendo capazes de formar adequadamente professores
que possam educar bem nossas crianças. Penso que os conceitos de
unidimensionalidade, fechamento da locução e fechamento político apresentados
anteriormente são adequados neste caso. Não tem havido reflexões e tomadas de
posição individuais ou grupais para pensar sobre os dados de pesquisa e estabelecer
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relações com nossas realidades, seja para refutá-los ou aceitá-los. Neste caso não há
prescrição, como exposto anteriormente, mas o que assistimos ou lemos não se conecta
com a nossa dimensão individual. Esses conceitos nos fazem ter atenção para a
condição, que se apresenta nos indivíduos, de ausência de reflexão, da condição de não
estabelecer a relação entre o geral – que está problemático e denunciado, mas é exposto
por outros, é externo – e o particular, que é nosso, e sobre o qual não temos atuação
política de rever, de questionar.
A segunda observação se refere ao fato de que é comum a atribuição de causas de
problemas às Diretrizes como parte das macropolíticas educacionais. Vivemos, nas
nossas instituições, processos já apontados anteriormente de unidimensionalidade em
relação à compreensão das prescrições oficiais. Entretanto penso que precisamos passar
à reflexão e focalizar, na sequência, também as micropolíticas, aquelas que se
desenvolvem no dia a dia das nossas instituições, em todas as escolas, para cada um de
nós e norteiam as nossas ações quando temos que assumir as nossas funções de
docência em todos os níveis. Todas as ações precisam estar devidamente ao abrigo da
noção política que elas possuem. E somos nós que temos que refletir e decidir. Temos
que enfrentar a possibilidade de termos essa autonomia, pensar constatemente: que
formação? Para que estou trabalhando?
Decorrências
Como primeira decorrência, penso que há que se acabar com toda essa fragmentação e
assumir a condição de definir cursos com destinação profissional única, com densidade
e tempo longo. Um administrador para se dedicar a esse tipo de afazeres da
administração estuda durante quatro anos, mas para atuar na gestão escolar bastam
alguns semestres dos “fundamentos da educação” e uma ou duas disciplinas sobre
“gestão escolar”num curso de quatro anos. Um médico pediatra para cuidar de nossas
crianças alguns dias no ano faz um curso com duração de seis anos sendo cinco de
formação e um de residência, para se especializar e adquirir experiência na área. Mas
um professor de Educação Infantil, que fica a cada ano inteiro com muitas crianças,
cursa, quando muito, duas disciplinas sobre o foco específico ao lado de tantas outras
especializações e disciplinas genéricas que nem sempre suprem uma formação efetiva
para tal função. Penso que devemos ter um curso específico para formar professores
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para a educação infantil e outro para séries iniciais do ensino fundamental, ou para
qualquer outra opção de formação que se queira, mas única.
Além disso, os cursos precisam definir, em seus projetos, eixos norteadores para que as
disciplinas colaborem com as demais na apreensão do objeto de formação dos alunos e
sua atuação futura. Isso traz implicações de toda ordem, mas se não enfrentadas
continuaremos a ter “semestres” de fundamentos em que as disciplinas perdem as
especificidades de seus objetos, um não lugar para a formação didática adequada como
intermediária entre a formação científica e as áreas das práticas, uma prática que é
fictícia em muitos lugares, professores que nos finais de curso ou nas escolas vão
continuar se referindo às suas dificuldades, crianças que sairão das escolas sem estarem
alfabetizadas ou (con)formadas, e não formadas.
Referências
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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401154
1
SESSÃO ESPECIAL: Impactos das Diretrizes Curriculares Nacionais
(2006) sobre os cursos de pedagogia
Convidada:
Selma Garrido Pimenta – Prof. Titular Sênior – Faculdade de Educação – USP e
pesquisadora do GEPEFE/FEUSP – [email protected]
Título da apresentação:
A formação de professores para a Educação Infantil e para os anos
iniciais do Ensino Fundamental: análise do currículo dos cursos de Pedagogia de instituições públicas e privadas do
Estado de São Paulo
Introdução
O tema proposto para essa sessão se justifica na necessidade de se discutir a
formação dos professores no Brasil, sobretudo, para a Educação Infantil e para os anos
iniciais do Ensino Fundamental, visando a formular propostas formativas que levem à
melhoria da condição educacional da maioria das crianças, jovens e adultos que se
encontram nas escolas públicas de educação básica.
Essa apresentação, portanto, tem como tema central o Curso de Pedagogia
organizado a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais, instituídas pela Resolução
CNE/CP nº 1/2006 (BRASIL, 2006). E como referência a pesquisa intitulada “A
formação de professores para a Educação Infantil e para os anos iniciais do Ensino
Fundamental: análise do currículo dos cursos de Pedagogia de instituições públicas e
privadas do Estado de São Paulo”, coordenada pelos Profs. Dra. Selma Garrido
Pimenta e Dr. José Cerchi Fusari. A pesquisa foi realizada entre os anos de 2012 e 2013
por pesquisadores vinculados a diferentes instituições de ensino do país, integrantes do
Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Formação de Educador (GEPEFE/FE-USP)1,
1 A pesquisa foi coordenada por José Cerchi Fusari & Selma Garrido Pimenta – USP/GEPEFE e teve na
coordenação executiva dos profs. Cristina Cinto Araujo Pedroso (FFCLRP/USP) e Umberto de Andrade
Pinto (UNIFESP/Guarulhos). E contou com a colaboração dos seguintes pesquisadores: Idevaldo da Silva
Bodião(UFCE); Isaneide Domingues (Secretaria Municipal de Educação - São Paulo) Karina de Melo
Conte , Lenilda Rego Albuquerque Rego(UFAc); Ligia Paula Couto (UEPG); Maria Marina Dias
Cavalcanti (UECE); Marineide de Oliveira Gomes (UNIFESP/Guarulhos); Naldeli Fontes (UMC); Noeli
Prestes Padilha Rivas (FFCLRP/USP); Simone Rodrigues Batista (Centro Universitário Monte Serrat –
Unimonte – Santos); Valéria Cordeiro Fernandes Belletati (IFSP); Vanda Moreira Machado Lima
(UNESP/Presidente Prudente); e Yoshie Ussami Ferrari Leite UNESP/Presidente Prudente).
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401155
2
junto ao Programa e Pós Graduação em Educação da Faculdade de Educação da USP, e
contou com apoio CNPq2.
A pesquisa teve como questão central a formação inicial de professores para
atuar na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. O estudo teve
por objetivo analisar os currículos dos cursos de Pedagogia oferecidos por instituições
públicas e privadas do Estado de São Paulo, visando a identificar como esses estão
sendo organizados e qual o tratamento dado aos conhecimentos relacionados à formação
do professor para atuar na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental. Partiu de resultados de pesquisas que indicam fragilidades dos cursos de
licenciatura em Pedagogia, organizados em função das Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCNs), instituídas pela Resolução CNE/CP nº 1/2006 (BRASIL, 2006).
O Estado de São Paulo contava em 2012 na época da coleta de dados com 253
cursos de Pedagogia em atividade3, identificados no sistema e-MEC. Porém, na página
das instituições uma parte delas não havia disponibilizado suas matrizes curriculares. A
tentativa de contato por e-mail, resultou em pouco retorno. Assim, trabalhamos com um
universo de 144 matrizes curriculares de cursos de Pedagogia oferecidos por instituições
públicas e privadas do Estado de São Paulo. Dessas, 137 disponibilizaram a relação de
disciplinas e as respectivas cargas horárias; as outras 07 disponibilizaram somente a
relação das disciplinas. Para análise das matrizes curriculares foi elaborado um
instrumento de coleta de dados constituído de duas partes, uma com os dados gerais da
instituição e do curso e a outra com as categorias que elaboramos para análise das
matrizes curriculares.
Os dados indicam a insuficiência ou mesmo a inadequação dos atuais cursos de
Pedagogia brasileiros em relação à formação de professores polivalentes4. A formação
desses professores deve abranger diferentes saberes, dos quais se destacam: o domínio
2 Edital nº 7/2011. 3 Para obter a relação de cursos no sistema e-MEC, selecionamos, a partir da opção “Busca Avançada”, a
situação “Em atividade”. Nessa primeira consulta obtivemos uma relação com 283 cursos. Percebemos
que alguns desses cursos não estavam sendo oferecidos. Consultamos a página das instituições e
excluímos 30 cursos que não estavam sendo oferecidos. 4 Optamos por manter a denominação de polivalente ao professor dos anos iniciais do Ensino
Fundamental que marca a atuação desse profissional desde as origens da então Escola Normal de Ensino
Médio, que tinha por finalidade formar o professor para ensinar as disciplinas (matérias) básicas: língua
portuguesa (alfabetização), história, geografia, ciências e matemática. Essa denominação não mais
aparece na legislação brasileira referente à matéria, inclusive nas DCN dos Cursos de Pedagogia.
Entretanto, permanece a finalidade de formar professores para ensinar as disciplinas básicas dos anos
iniciais do Ensino Fundamental.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401156
3
das diversas áreas do conhecimento que compõem a base comum do currículo nacional
dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e da Educação Infantil, os meios e as
possibilidades de ensiná-los, assim como a identificação de quem são os sujeitos
(crianças, jovens e adultos) que aprendem e se desenvolvem nesses ambientes
educacionais e escolares, sobretudo em escolas públicas que, na atualidade, traduzem
em seus cotidianos questões que envolvem e afligem a sociedade brasileira,
marcadamente desigual, multifacetada e diversa (Pimenta et al., 2014). A análise dos
dados da pesquisa evidencia que a formação dos pedagogos no Estado de São Paulo, em
sua grande maioria se mostra frágil, superficial, generalizante, sem foco na formação de
professores, fragmentada e dispersiva. O que confirma pesquisas anteriores (Gatti &
Barreto, 2009; Libâneo, 2010; Pinto, 2011; Leite &Lima, 2010).
A seguir serão discutidos os principais problemas dos cursos de Pedagogia,
organizados conforme as DCNs (BRASIL, 2006), em relação à formação do professor
para Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental. Apesar de ter focado
inicialmente a análise sobre a formação de professores para atuar nos Anos Iniciais e na
Educação Infantil, os dados permitiram que se analisasse também a formação de
pedagogos para atuar nas escolas, para além da sala de aula, como pedagogo escolar,
conforme expressão de Pinto (2002)5, também previsto nas DCNCP.
Condições de oferecimento dos cursos de Pedagogia
Em relação às condições de oferta verificou-se que do universo de 144 cursos
125 (86,8%) são ofertados por instituições privadas e apenas 19 (13,2%) por públicas.
Desses, 08 são ofertados por instituições estaduais, 02 por federais e 09 por municipais.
Tabela 1: Distribuição das IES segundo sua Natureza Administrativa
Natureza No de IES % de IES
Privada 125 86,80
Pública Municipal
Pública Estadual
Pública Federal
9
8
2
6,25
5,56
1,39
Total 144 100,00
Fonte: Elaboração própria.
5 Pinto (2002) denomina de pedagogo escolar os profissionais do ensino que atuam fora da sala de aula
nas funções de coordenação pedagógica, orientação educacional, direção e vice-direção.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401157
4
Tabela 2. Distribuição das IES segundo sua Organização Acadêmica
Tipo No de IES % de IES
Universidade 26 18,06
Centro Universitário 19 13,19
Faculdade 99 68,75
Total 144 100,00
Fonte: Elaboração própria.
Quanto ao tipo de instituição, identificou-se que 99 cursos (69%) pertencem a
Centros Universitários, 19 (13%) a Faculdades e 26 (18%) a Universidades.
Os dados dessas Tabelas mostram que a expressiva maioria dos cursos de
Pedagogia no Estado de São Paulo são ofertados por instituições privadas, que somam
125 (86,80%), e por Faculdades e Centros Universitários (118 = 82%) nas quais a
pesquisa não é exigida pela legislação.
A tabela 3, a seguir, apresenta a relação das instituições conforme a natureza
administrativa e o tempo de integralização dos cursos em semestres.
Tabela 3: Distribuição das IES segundo o Tempo de Integralização dos cursos por
Natureza Administrativa.
Tempo de
Integralização
em Semestres
Natureza
administrativa
Pública
Federal
Pública
Estadual
Pública
Municipal
Privada
Total
IES % IES
No.
IES
% No.
IES
% No.
IES
% No.
IES
%
06 47 32,6 --- --- 01 2,3 03 6,3 44 91,4
07 28 19,4 --- --- --- --- 01 3,5 27 96,4
08 67 46,5 --- --- 07 8,9 05 7,4 55 82,0
09 1 0,7 01 1,4 --- --- --- --- --- ---
10 1 0,7 01 1,4 --- --- --- --- --- ---
Total 144 100,00 02 1,3 8 5,5 09 6,2 125 86,8
Fonte: elaboração própria.
A Tabela 3 evidencia que do total de cursos oferecidos em apenas 06 semestres,
mínimo exigido pela legislação em vigor, a maioria de cursos (44) são de instituições
privadas. Somados aos 27 cursos que são oferecidos em 07 semestres por instituições da
mesma natureza, conclui-se que as instituições privadas em sua maioria (71) oferecem
seus cursos de pedagogia nos tempos mínimos exigidos pela legislação, total esse
superior das que oferecem seus cursos em 08 semestres (55). Ressalte-se que não foi
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401158
5
encontrada nenhuma instituição privada que ofereça curso em tempo superior a esses
mínimos.
Por outro lado, observa-se que nos 14 cursos restantes, oferecidos por
instituições públicas, o tempo de integralização em sua maioria é superior a 08
semestres (12 instituições com 08 semestres; e 02 com 09 e 10 semestres).
Esses dados confirmam o estudo de Gatti e Barreto (2009), que teve por amostra
71 cursos presenciais de Pedagogia do país, e de Libâneo (2011), que teve por amostra
25 cursos de Pedagogia do Estado de Goiás. A formação do Pedagogo no país (e em
São Paulo com 144 instituições analisadas) ocorre, predominantemente, em instituições
privadas, e em sua maioria Faculdades e Centros Universitários, com duração menor do
que 4 anos (ou 8 semestres).
Na mesma direção o estudo realizado por Leite e Lima (2010) que analisou
1.424 cursos de Pedagogia no Brasil, conclui que a região Sudeste é a região que mais
oferece cursos dessa natureza no país, com oferta concentrada no Estado de São Paulo,
sendo que, em 2008, 90% desses cursos eram oferecidos por instituições privadas
(Faculdades, em sua maioria) e apenas 10% por instituições públicas (Universidades).
Matriz curricular dos cursos de Pedagogia: o que os dados indicam
A análise dos 144 cursos possibilitou verificar o agigantamento das matrizes
curriculares e a diversidade de disciplinas oferecidas pelos cursos investigados, muitas
delas sem qualquer aderência com a docência nos anos iniciais da educação básica,
refletindo o amplo, disperso e impreciso perfil do egresso definido pelas Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia (BRASIL, 2006).
O quadro a seguir mostra a síntese dos dados obtidos com a pesquisa.
Quadro 1: Distribuição percentual da Carga Horária e do Número de
Disciplinas, em cada uma das Categorias, em relação aos totais gerais do
conjunto dos cursos.
Categorias
Quanto à
carga
horária
(Total geral:
404.850 h)
Quanto ao nº
de disciplinas
(Total geral:
7.245
disciplinas)
1. Conhecimentos relativos aos fundamentos
teóricos da educação 16,39% 15,57%
2. Conhecimentos relativos aos sistemas
educacionais 5,64% 5,34%
3. Conhecimentos relativos à formação 38,08% 36,89%
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401159
6
profissional docente
3.1 Conhecimentos relativos às áreas
disciplinares sem especificação do nível
de ensino
23,73% 23,40%
3.2 Conhecimentos relativos à Educação
Infantil 4,62% 4,43%
3.2.1 Áreas disciplinares /Linguagens
na Educação Infantil 2,41% 2,36%
3.2.2 Outros conhecimentos da
Educação Infantil 2,22% 2,07%
3.3 Conhecimentos relativos aos anos
iniciais do ensino fundamental 1,66% 1,68%
3.3.1 Áreas disciplinares no Ensino
Fundamental 1,21% 1,24%
3.3.2 Outros conhecimentos do Ensino
fundamental 0,45% 0,44%
3.4 Conhecimentos relativos à educação
infantil e ensino fundamental 1,44% 1,20%
3.5 Conhecimentos relativos à Didática 6,63% 6,18%
4. Conhecimentos relativos à Gestão
Educacional 6,73% 6,35%
4.1 Relativos à escola 6,38% 6,03%
4.2 Relativos aos espaços não escolares 0,35% 0,32%
5. Conhecimentos relativos ao estágio
supervisionado e às práticas de ensino 4,64% 4,89%
5.1 Sem especificação do nível de ensino 3,13% 3,52%
5.2 Com especificação do nível de ensino 1,51% 1,37%
5.2.1 Conhecimentos relativos ao
estágio e às práticas de ensino na
Educação Infantil
0,56% 0,44%
5.2.2 Conhecimentos relativos ao
estágio e às práticas de ensino no
Ensino Fundamental
0,58% 0,51%
5.2.3 Conhecimentos relativos ao
estágio na Gestão Educacional 0,37% 0,41%
6. Conhecimentos sobre ações de pesquisa e
Trabalho de Conclusão de
Curso/Monografia
6,78% 7,47%
7. Conhecimentos relativos às modalidades
de ensino, às diferenças, à diversidade e às
minorias linguísticas e culturais
8,10% 8,52%
8. Conhecimentos integradores 2,60% 2,32%
9. Outros conhecimentos 11,04% 12,66%
Total 100,00% 100,00%
Fonte: Elaboração própria.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401160
7
No presente texto, considerando os limites de espaço, destacaremos alguns
aspectos da análise das matrizes curriculares6 e, a seguir, apresentaremos uma
problematização dos principais temas que envolvem os cursos de pedagogia conforme
as atuais DCNs, e com vistas a oferecer subsídios a sua reformulação; necessária e
urgente em nosso ponto de vista.
Examinando-se o Quadro 1 acima, percebe-se que a categoria 3: Conhecimentos
relativos à formação profissional docente representa o maior percentual – em torno de
38% das cargas horárias dos cursos - entre as categorias descritas. Ela contempla os
conteúdos curriculares (Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Ciências,
Artes, Educação Física, Alfabetização, Movimento, Linguagem oral e escrita, Natureza
e Sociedade, por exemplo) e suas respectivas metodologias de ensino, assim como os
demais conteúdos que contribuem diretamente com a prática docente dos anos iniciais
da escolarização. Ainda assim, percebe-se que dos 38% desses conhecimentos
profissionais, a maioria, 23,77% (carga horária) e 23,42 % (número de disciplinas), não
especifica se a carga horária e as disciplinas se referem à formação para os anos iniciais
ou para a Educação Infantil.
O segundo maior percentual refere-se à categoria 1: Conhecimentos relativos
aos fundamentos teóricos da educação – 16,41%. Embora esse percentual possa
parecer expressivo, entende-se que ainda não é suficiente para garantir a formação
básica do professor na área de educação – área extremamente complexa, que exige uma
multirreferencialidade em diferentes campos científicos7.
O terceiro maior percentual (11,05%) refere-se à categoria 9: Outros
Conhecimentos. Chama atenção o fato de esse terceiro maior percentual ser constituído
por disciplinas que não se enquadraram em nenhuma das oito categorias anteriores. São
exemplos de disciplinas da Categoria 9: Educação e Direito; Antropologia teológica;
Mídias em Educação; Introdução à Crítica do Conhecimento; Cosmovisão Bíblico
Cristã; Antropologia Cristã; Fundamentos do Cristianismo; Movimentos Sociais;
6 A análise completa das Matrizes Curriculares encontra-se disponível em Pimenta, Selma Garrido [et al.]
A formação de professores para a Educação Infantil e para os anos iniciais do Ensino Fundamental:
análise do currículo dos cursos de Pedagogia de instituições públicas e privadas do Estado de São Paulo.
Relatório Técnico - CNPq (Pesquisa Coletiva - Educação) - Universidade de São Paulo, Faculdade de
Educação. São Paulo: [s.n], 2014. 46 f.. 7 Essa percepção poderá ficar mais clara com estudos posteriores sobre os conteúdos das disciplinas dessa
Categoria, verificando-se seus nexos com a formação de professores e com a problemática da educação
escolar e não escolar.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401161
8
Interpretação Bíblica da História; Ciência e Religião; Ética Cristã e Profissional;
Religiosidade e Competência Profissional; Metodologia da Alfabetização pela Bíblia;
Empreendedorismo, Sustentabilidade e Educação Ambiental; Relações interpessoais e
grupais; Imagens da ética na educação; Noções de epidemiologia e saúde pública;
Escola, Comunidade e Movimentos Sociais; Aprendizagem e Direitos Humanos; Jogos
On Line; Dinâmica Psicossocial em Educação; Educação, Trabalho e Cidadania;
Novas Tecnologias da Educação: mediação tecnológica; Mídias e Trabalho Docente;
Psicopedagogia; Fonética e Fonologia; Direito Educacional; Ecopedagogia; Educação
para Valores, entre outras. Pode-se afirmar que a diversidade de disciplinas não aponta
para um aspecto favorável das matrizes, mas, sim, alinha-se mais à dispersão na
formação do pedagogo.
As categorias 2: Conhecimentos relativos aos sistemas de ensino e 4:
Conhecimentos relativos à Gestão Educacional apresentam carga horária e número de
disciplinas pouco representativas, tal como mostra a Tabela 4. Esses dados são
preocupantes, pois o campo de conhecimento relacionado a essas categorias, ao tratar da
organização dos sistemas de ensino e das políticas curriculares, podem contribuir com a
formação do professor na perspectiva crítica. Especificamente em relação à categoria 4
cabe destacar que pelos dados encontrados a formação do gestor, tanto para os contextos
escolares como para os não-escolares se encontra bastante comprometida nos cursos
investigados.
A categoria 5: Conhecimentos relativos ao estágio supervisionado e às práticas
de ensino contempla as disciplinas relacionadas ao estágio supervisionado e às práticas
de ensino. Com essa categoria buscou-se identificar nas matrizes curriculares dos cursos
a existência de espaços efetivos de orientação e supervisão de estágio e das práticas de
ensino. É salutar expressar a complexidade da investigação sobre esse campo, pois as
matrizes apresentam disciplinas relacionadas aos estágios curriculares, mas apresentam
também o próprio estágio curricular obrigatório em meio às demais disciplinas. Assim,
nessa pesquisa selecionou-se para a categoria 5, apenas as disciplinas que
explicitamente se relacionavam à supervisão e orientação de estágio ou das práticas de
ensino, não considerando, portanto, o estágio obrigatório realizado pelos alunos. Foi
possível identificar que, aproximadamente, metade das instituições investigadas não
dedica nenhuma disciplina para supervisão e acompanhamento dos estágios.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401162
9
A categoria 6: Conhecimentos sobre ações de pesquisa e Trabalho de
Conclusão de Curso/Monografia representa apenas 6,78% da carga horária total e 7,41
do total de disciplinas. A variedade de nomenclatura de disciplinas dessa categoria
aponta para uma preocupação maior dos cursos com os conhecimentos relacionados à
organização metodológica do trabalho científico do que com a formação do professor
para a pesquisa.
A categoria 7: Conhecimentos relativos às modalidades de ensino, às
diferenças, à diversidade e às minorias linguísticas e culturais embora com uma
representação maior que as categorias 2, 4 e 6 ela agrega disciplinas que tratam das
diferentes modalidades de ensino e ainda das diferenças, diversidade e minorias
linguísticas e culturais. Portanto, apresenta poucas disciplinas e pouca carga referentes a
cada um desses campos, insuficientes para garantir a formação do professor para atuar
nas diferentes modalidades e com as diferentes especificidades.
A categoria 8: Conhecimentos integradores definida com o objetivo de
identificar nos cursos perspectivas de organização curricular mais integradora e ou
interdisciplinar. O índice encontrado foi muito baixo o que mostra a prevalência nos
cursos investigados da perspectiva disciplinar fragmentada.
Embora as categorias definidas para esta pesquisa tenham sido ampliadas em
relação às consideradas no estudo realizado por Gatti e Barreto (2009) constata-se que
as 9 categorias aqui utilizadas e suas subcategorias ainda parecem insuficientes para
acolher a variedade de disciplinas encontradas. Nesse sentido, cada uma dessas
categorias não representa um bloco orgânico de conteúdos curriculares. Podemos
exemplificar com a Categoria 2: Conhecimentos relativos aos sistemas educacionais
que contempla disciplinas como Currículos e Programas ou Estrutura e Organização
da Educação Brasileira e mesmo disciplinas como Economia da Educação.
Outro aspecto relacionado à diversidade das disciplinas remete às diferentes
áreas de formação e de atuação profissional previstas nas DCNs dos Cursos de
Pedagogia. São exemplos dessas áreas: Educação Infantil, Gestão Educacional,
Educação Especial, Educação Inclusiva, minorias linguísticas e culturais, Educação no
Campo, Educação de Jovens e Adultos, Educação Indígena, Educação Ambiental e
educação em espaços não escolares.
Constatou-se, também, que algumas IESs, na tentativa de suprir a formação
anteriormente realizada pelas antigas habilitações, oferecem um núcleo de disciplinas
voltadas às áreas da Supervisão Escolar, da Administração Escolar, da Orientação
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 401163
10
Educacional e da Educação Especial. Além disso, as IESs também buscam atender às
legislações e políticas específicas e complementares às próprias DCNs para a formação
do pedagogo, são exemplos desse aspecto as disciplinas de Libras e Relações Étnico-
raciais.
Percebe-se ainda que as IESs oferecem disciplinas nas áreas de Matemática, de
Língua Portuguesa e de Informática Instrumental possivelmente com o intuito de suprir
defasagens da escolarização básica dos alunos ingressantes nos cursos de Pedagogia.
Esses aspectos ilustram a difusão e dispersão na formação do pedagogo o que
acaba por inviabilizar uma sólida formação de professor polivalente para os anos
iniciais do Ensino Fundamental e da Educação Infantil.
Essa forte evidência nos parece dramática; porque contradiz fortemente as
DCNs; porque fragiliza o estatuto de profissionalidade dos docentes que de um modo ou
de outro se inserem nas escolas; porque, e, sobretudo, porque formados com essas
fragilidades, dificilmente estarão em condições de propor processos de ensinar e de
aprender, capazes de resultar em qualidade formativa emancipatória para todas as
crianças desses níveis de escolaridade.
Cursos de Pedagogia: fragilidades, limites e proposições
Preocupados com esse cenário, trazemos alguns aportes teóricos e resultantes de
estudos e pesquisas sobre a formação de professores.
1. Professor polivalente e enfoque interdisciplinar
Os dados da pesquisa mostram que prevalece nos cursos um enfoque disciplinar
fragmentado o que leva a fragmentar e fragilizar a formação do pedagogo docente para
atuar nos anos iniciais do ensino fundamental e na Educação Infantil. Esse professor
permanece como um Professor Polivalente, assim configurado desde as suas origens.
No entanto, a questão da formação do professor polivalente, desapareceu dos cursos de
Pedagogia, das discussões, das pesquisas e das legislações. Por que? Será uma questão
irrelevante? Faz sentido falar em polivalência nos dias atuais? Os professores que atuam
na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental I estão atuando como
polivalentes?
Parece-nos necessário colocar essa questão no contexto de grades curriculares
fragmentadas em disciplinas. E aí caberia que indagar os avanços na área de currículo
apontam para a interdisciplinaridade. Um curso de Pedagogia interdisciplinar poderia
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
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superar a fragmentação presente na formação dos pedagogos docentes com vistas a se
inserir profissionalmente como Professor Polivalente?
Nas matrizes curriculares examinadas encontramos o índice aproximado de 2%
de disciplinas que expressam alguma organização curricular mais integradora ou
interdisciplinar, por meio de projetos integradores e/ou atividades em que os estudantes
pudessem introduzir as aprendizagens construídas nas diferentes disciplinas. A
propósito observamos,
A não previsão de uma organização curricular com tais características nos
cursos de Pedagogia pode deslocar para a responsabilidade dos estudantes
uma ação inerente à formação do professor polivalente, qual seja, a
integração entre áreas de conhecimento, oriunda de diferentes saberes
(Pimenta et al., 2014, p. 21).
2. Sobre a diversidade de disciplinas ou ausência de foco
Os cursos apresentam um grande leque com inúmeras e diversificadas
disciplinas. Possivelmente para preparar (formar?) o pedagogo com vistas a se inserir
em possíveis e diversas áreas de atuação profissional e de campos diversos do
conhecimento. O que pode ser indicativo de uma tentativa de suprir a formação
anteriormente realizada pelas antigas habilitações. E também de atender às legislações e
políticas específicas e complementares às próprias Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Formação do Pedagogo e a outras demandas sociais para a sua atuação.
Caberia indagar: e se o pedagogo for formado para ser pedagogo escolar (onde
se inclui a docência nos anos referidos) e à medida em que vier a se inserir
profissionalmente em alguma especificidade do campo social da educação como por
exemplo - Educação Especial, de Educação Inclusiva, de minorias linguísticas e
culturais, de Educação no Campo, de Educação de Jovens e Adultos, de Educação
Indígena, de Educação Ambiental, de Tecnologias da Informação e Comunicação – ele
pudesse voltar às instituições formadoras para se aprofundar na área de atuação na qual
se inseriu? Ou mesmo se nas Faculdades de Educação (que, por natureza, não se
resumem a oferecer apenas o curso de Pedagogia), os estudantes pudessem cursar
percursos formativos que se comunicam e se diversificam conforme as demandas
sociais, regionais, expressas nos projetos político pedagógicos das instituições
formadoras?
O que se constatou é que em algumas instituições são oferecidas uma ou duas
disciplinas para atender ao que as DCNCP definem para atender às minorias,
diversidades, etc.. Tal configuração curricular contribui para uma formação generalista,
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difusa e superficial, pois apenas a oferta de uma ou duas disciplinas não é suficiente
para garantir a formação com o aprofundamento necessário.
A diversidade de disciplina também pode indicar uma tentativa da instituição de
ensino de formar tanto o professor para a educação infantil e para os anos iniciais do
ensino fundamental, como o gestor educacional para atuar em espaços escolares e não
escolares. Entretanto, a ênfase recai na formação do professor de séries iniciais uma vez
que os conhecimentos relativos à formação profissional docente, relativos às áreas
disciplinares correspondem a 38% das disciplinas, maior índice no conjunto da carga
horária das matrizes. Ainda assim, entendemos que esse índice de 38% (Categoria 3:
Conhecimentos relativos à formação profissional docente), bem abaixo da metade da carga
horária, é insuficiente para o tratamento direto ou indireto dos conhecimentos escolares
para a formação que alunos dos anos iniciais têm direito a ter. É insuficiente lembrando
a complexidade de que se reveste o ensinar crianças,
[...] seja do ponto de vista do domínio dos conteúdos e metodologias
específicas (História, Geografia, Matemática, Artes etc.), seja dos
conhecimentos necessários para que o professor compreenda como ocorre o
processo ensino-aprendizagem nas diferentes fases de desenvolvimento
infantil (Pimenta et al., 2014, p. 20).
3. Pedagogo Docente ou Pedagogo generalista
Formar o docente e o pedagogo é o que está definido para os cursos de
Pedagogia. No entanto, considerando a complexidade e amplitude envolvidas nessas
profissões, o que se evidencia nos dados da pesquisa é que essa formação é
generalizante e superficial, não se formando (bem) nem o pedagogo nem o docente.
Ainda que tenha sido identificado o predomínio de disciplinas relacionadas ao
conhecimento específico de formação do docente, percebe-se que disputam lugar, no
âmbito do currículo, com disciplinas de outros blocos de conhecimentos que,
supostamente, formariam o pedagogo generalista, ou seja, o docente e o pedagogo. Ou,
conforme Libâneo, 1998, o pedagogo stricto sensu8.
O estudo de Leite e Lima (2010) coloca em evidência essa contradição
identitária dos cursos de pedagogia: – formar pedagogo x formar docente. Afirmam que
desde sua criação no país em 1939, as legislações foram sendo alteradas, com forte
8 Libâneo qualifica desta forma o profissional pedagogo para diferenciá-lo do profissional docente, uma
vez que entende que todo professor poderia considerar-se pedagogo lato sensu. Para o autor “importa
formalizar uma distinção entre trabalho pedagógico (atuação profissional em um amplo leque de práticas
educativas) e trabalho docente (forma peculiar que o trabalho pedagógico assume em sala de aula) [...]
(Libâneo 1998, p.31).
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presença da marca da docência, porém apresentando ainda grandes dificuldades na
definição de sua identidade, o que se expressa, atualmente, na diversidade das
finalidades de formação conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de
graduação em Pedagogia, licenciatura, o que compromete, sobremaneira, a qualidade da
formação, dificultando projetos pedagógicos emancipatórios e compromissados com a
responsabilidade de tornar a escola parceira na democratização social, econômica e
cultural do país.
4. Sobre formar o professor para os anos iniciais e ou para a Educação
Infantil
Os dados mostram uma tendência nos cursos pesquisados de focar na formação
docente dos alunos, a área de Educação Infantil, área que tem conquistado espaço
curricular, uma vez que ela é relativamente nova no ensino superior. O que sugere certo
comprometimento dos cursos com a formação em nível superior do profissional que irá
atuar com as crianças pequenas, nas creches e pré-escolas, superando a proposta
formativa dos cursos de Magistério em Nível Médio e de Normal Superior. No entanto,
é importante considerar o alerta de Gatti e Barreto, (2009, p.28):
Seguindo a tradição dos cursos de Magistério de nível médio, os atuais
cursos de Pedagogia costumam preparar concomitantemente o professor para
atuar na educação infantil e no ensino fundamental. A suspeita é que,
entendida, como em tempos passados, mais como uma complementação da
formação dos professores dos primeiros anos do ensino fundamental, a
formação oferecida não esteja contemplando as especificidades da educação
das crianças na pré-escola e nas creches.
5. E a Didática na formação de pedagogos e docentes?
No que se refere à Didática, disciplina que tem por finalidade colaborar na
formação dos professores com o estudo dos processos de ensinar e aprender que ocorre
entre os sujeitos professor e aluno, qual lugar ocupa nos cursos de Pedagogia
analisados? Nota-se que ela comparece em apenas 6,63% da carga horária dos cursos.
Se entendemos que, enquanto área da pedagogia,
[...] a Didática tem no ensino seu objeto de investigação> Considerá-
lo uma prática educacional em situações historicamente situadas
significa examiná-lo nos contextos sociais nos quais se efetiva – nas
aulas e demais situações de ensino das diferentes áreas do
conhecimento, nas escolas, nos sistemas de ensino, nas culturas, nas
sociedades - estabelecendo-se os nexos entre eles. As novas
possibilidades da didática estão emergindo das investigações sobre o
ensino como prática social viva (Pimenta, 2010, p. 17),
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caberia indagar os problemas decorrentes dessa quase ausência da disciplina
didática nos cursos de Pedagogia que se propõem formar professores.
A Didática tem um papel central nos cursos de Pedagogia, pois, conforme
Libâneo (1994, p. 25): “ [ela] é o principal ramo de estudos da Pedagogia... [que]
investiga os fundamentos, condições e modos de realização da instrução e do ensino”.
Mas, de acordo com os dados, tanto em relação ao total de disciplinas ofertadas nas
matrizes curriculares como em relação à carga horária, esta disciplina representa apenas
6% do curso. Esse dado, “pode decorrer das disputas, no campo do currículo, hoje
tensionadas pelas áreas emergentes e que possivelmente mostram maior relação com as
demandas do mercado e com o amplo campo de atuação profissional do pedagogo,
impossibilitado pelas DCNs” (Pimenta et al., 2014, p. 30). O que contribui para
fragmentar e fragilizar a formação do pedagogo no que se refere ao domínio do campo
específico de sua formação profissional de professor.
6. Sobre formar pedagogos para participar da gestão
Estarão os cursos de Pedagogia do Estado de São Paulo formando seus
pedagogos para participar da organização e gestão de sistemas e instituições de ensino;
em ambientes escolares e não escolares?
Essa intenção, definida nas DCNs, se expressou nas matrizes curriculares
analisadas da seguinte forma: “O percentual da carga horária ligado às disciplinas dessa
categoria quanto ao total da carga horária dos cursos foi da ordem de 6,73%, assim
distribuídas: 6,37% para conhecimentos sobre a escola e somente 0,36% para
disciplinas relacionadas à área de gestão em espaços não escolares” (PIMENTA et al.,
2014, p. 28). Essas disciplinas se configuram como as menos oferecidas, embora
tenham se apresentado em todas as matrizes analisadas.
Ou seja, essa formação está praticamente ausente dos cursos analisados; ou, se
existe, está fragilizada.
7. Sobre a heterogeneidade das nomenclaturas das disciplinas ofertadas
Como entendê-la? O que dizem?
Uma hipótese possível é a de que reflete uma variedade de concepções por vezes
apoiadas em orientações normativas anteriores como, por exemplo, as IESs que dividem
a formação dos gestores nas disciplinas: Direção Escolar, Coordenação Pedagógica,
Supervisão Escolar, Orientação Escolar, caracterizando uma fragmentação entre as
diferentes atribuições de cada gestor, mas com a tendência a tocar na especificidade de
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
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cada função. Assim, algumas IESs estariam mantendo as disciplinas das antigas
habilitações do curso de Pedagogia, ainda de acordo com o Parecer 252 de 1969,
apoiadas, no entanto, nas atuais diretrizes de 2006.
Os dados indicam o que já vínhamos apontando, da impossibilidade dos cursos
de Pedagogia, definidos nas DCNs de 2006, de formar o pedagogo stricto sensu,
conforme denominação de Libâneo (1998), em cursos de licenciatura de Pedagogia.
8. Sobre os Estágios Supervisionados - 300 ou 400 horas? – uma quase
ausência, uma desobediência legal, e uma forma que ignora a realidade para a qual
forma pedagogos?
Embora a carga horária mínima de estágio tenha se apresentado nas matrizes
analisadas de acordo com o que dispõem as DCNs (300 horas) para os cursos de
Pedagogia, 50% dos cursos analisados não apresentam nenhuma disciplina cuja
denominação remetesse à supervisão e orientação de estágio ou das práticas de
ensino. Dentre os que apresentavam disciplinas relativas ao estágio, apenas 27% dos
144 especificaram se a disciplina se referia ao estágio na educação infantil, ensino
fundamental ou na gestão, sendo que a oferta, neste percentual de IESs, se apresentou
de forma equilibrada, sem priorizar nenhum dessas dimensões da formação profissional.
O fato de metade das IESs não apresentarem disciplinas relativas a estágio e de
menos de 30% delas especificarem seu foco, se configura como indício de baixa
preocupação em atender efetivamente ao disposto no Parecer CNE nº 27 (BRASIL,
2001) no que concerne ao estágio atender as diferentes dimensões de atuação
profissional do pedagogo, por exemplo, como docente ou gestor. Esses dados podem
indicar também que o estágio é proposto no curso independentemente das disciplinas,
ou seja, não se garante a necessária articulação entre estágio e as demais disciplinas.
Destacamos, ainda, que a Resolução CNE/CP nº 02/2002 (BRASIL, 2002)
estipula 400 (quatrocentas) horas de prática como componente curricular para todas as
licenciaturas (incluída a de Pedagogia) vivenciadas ao longo do curso; e 400
(quatrocentas) horas de estágio curricular supervisionado a partir do início da segunda
metade do curso. Essas diretrizes não são seguidas pelos cursos de Licenciatura em
Pedagogia.
Em que pese um possível avanço em se definir o início do estágio
supervisionado a partir da segunda metade do curso, o que pode aproximar os
licenciandos da realidade das escolas e das suas práticas educativas, pedagógicas e
docentes, e não mais ao final do curso como até então, essa Resolução acaba por
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dicotomizar e confundir estágio e prática, gerando graves equívocos na formação
docente resultando em empobrecimento das práticas na escola.
Embora não tenhamos destacado nesse estudo os cursos noturnos, é importante a
colaboração de Leite e Lima (2010), que analisaram 1424 cursos de Pedagogia no Brasil
cruzando o período noturno e o estágio. As autoras constataram que a maioria dos
cursos de Pedagogia é oferecida no período noturno, o que pode comprometer a
realização do estágio nas séries iniciais do ensino fundamental e na educação infantil,
conforme apontam Gatti e Barreto (2009, p. 68):
Os cursos noturnos, de modo geral, tendem a ter um funcionamento mais
precário do que os diurnos, particularmente no que diz respeito às atividades
ligadas às práticas docentes requeridas pela formação específica para o
magistério, o que sugere que a formação dos estudantes de licenciatura,
realizada no período noturno, tende a ocorrer em condições de qualidade
menos satisfatórias que a dos demais licenciandos.
Estudiosos já apontavam possibilidade de superação da dicotomia entre estágio
e práticas, à medida em que,
[...] compreende-se o estágio e a prática numa visão de unidade, na qual
ambos constituam-se numa dimensão investigativa, ou seja, a investigação
fundamenta-se como instrumento para assegurar a aproximação à realidade e
à possibilidade da reflexão na escola [a partir das ferramentas teóricas do
curso], além de desenvolver nos alunos, futuros professores, a ideia da
pesquisa como princípio formativo da docência, e contribuindo no processo
de construção de sua identidade docente. (Pimenta et al., 2014, p. 30).
Nesse sentido, considera-se “a pesquisa no estágio, como método de formação
dos estagiários futuros professores, se traduz pela mobilização de pesquisas que
permitam a ampliação e análise dos contextos onde os estágios se realizam” assim
como, possibilita aos “estagiários desenvolverem postura e habilidades de pesquisador a
partir das situações de estágio, elaborando projetos que lhes permitam ao mesmo tempo
compreender e problematizar as situações que observam” (Pimenta & Lima,
2005/2006). A pesquisa no estágio e o estágio como pesquisa possibilitam a formação
do professor crítico reflexivo e pesquisador, o grande desafio das propostas curriculares
dos cursos de formação de professores.
Para tanto, o estágio deve constituir-se em eixo articulador de todo o currículo,
partindo da realidade existente nas escolas. Desta forma, deveria iniciar-se no princípio
do curso tomando “a realidade das escolas como objeto de pesquisa do conjunto das
disciplinas, voltar à realidade propondo formas e caminhos para superação dos
problemas evidenciados que impedem uma educação escolar emancipatória com
qualidade para todos” (Pimenta et al., 2014, p. 30).
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Considerações Finais
As matrizes curriculares dos cursos de Pedagogia refletem os mesmos problemas
identificados nas DCNs, ou seja, a indefinição do campo pedagógico, a dispersão do
objeto da pedagogia e a redução da pedagogia à docência. Consequentemente, esses
cursos, em sua maioria, não estão dando conta de formar, nem o Pedagogo e, tampouco,
o professor para os anos iniciais da Educação Básica e para a Educação Infantil.
O estudo permitiu conhecer um universo significativo de cursos de Pedagogia
oferecidos por instituições públicas e privadas do Estado de São Paulo. Entretanto, é
importante reconhecer os limites dessa pesquisa de não ter tido acesso, na etapa
realizada, ao Projeto Político Pedagógico dos Cursos e aos programas e ementas das
disciplinas. Os resultados encontrados apontam para a relevância de se prosseguir com a
investigação visando analisar o que é proposto e como se efetivam as práticas
formativas na trajetória dos cursos.
Com os dados obtidos, será possível estabelecer outros cruzamentos,
considerando as mesmas categorias que orientaram esse estudo, como por exemplo:
análise em separado dos cursos oferecidos na modalidade EaD; análise dos cursos
oferecidos no período noturno, e outras. Sobre o período noturno é importante
considerar o estudo de Leite e Lima (2010) que analisou 1.424 cursos de Pedagogia no Brasil.
Por fim, os resultados desse estudo contribuem com o debate e as pesquisas em
torno da formação dos professores da educação infantil e anos iniciais do Ensino
Fundamental, assim como com as políticas públicas nessa área; em especial, com os
Conselhos Nacional (CNE) e Estaduais de Educação (CEEs), na revisão das Diretrizes
Curriculares Nacionais dos Cursos de Pedagogia.
Os resultados desse estudo fazem emergir pelo menos as seguintes
possibilidades de investigação:
- Analisar o que é proposto pelas ementas e programas das disciplinas quanto
aos objetivos, aos conteúdos, às práticas formativas e ao referencial teórico.
- Aprofundar a análise de alguns Projetos Pedagógicos de Cursos – por meio de
estudos de caso - que pelas matrizes curriculares mostraram algum avanço na
perspectiva de uma formação interdisciplinar e mais comprometida com a docência na
perspectiva do professor polivalente, tema pouco estudado.
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EdUECE - Livro 401171
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