UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
CARLOS ALBERTO ANTONIO CARUSO
O FILME DE FAMLIA:
O Fascnio da Preservao da Imagem, Histrias e
Memrias
SO PAULO
2012
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
CARLOS ALBERTO ANTONIO CARUSO
O FILME DE FAMLIA:
O Fascnio da Preservao da Imagem, Histrias e
Memrias
Dissertao de Mestrado apresentada
Banca Examinadora, como exigncia para
obteno do ttulo de Mestre do Programa
de Mestrado em Comunicao, rea de
concentrao em Comunicao
Contempornea da Universidade Anhembi
Morumbi, sob a orientao do Profa. Dra.
Sheila Schvarzman.
SO PAULO
2012
C317f Caruso, Carlos Alberto Antonio
O filme de famlia: o fascnio pela preservao
da imagem, histrias e memrias / Carlos Alberto
Antonio Caruso. 2012.
80f.: il.; 30 cm.
Orientador: Sheila Schvarzman.
Dissertao (Mestrado em Comunicao) - Universidade
Anhembi Morumbi, So Paulo, 2012.
Bibliografia: f.76-79.
1. Comunicao. 2. Filme domstico. 3. Famlia. 4. Histria. 5. Memria.
6. Tecnologia. I. Ttulo.
CDD 302.2
CARLOS ALBERTO ANTONIO CARUSO
O FILME DE FAMLIA:
O Fascnio da Preservao da Imagem, Histrias e
Memrias
Dissertao de Mestrado apresentada
Banca Examinadora, como exigncia para
obteno do ttulo de Mestre do Programa
de Mestrado em Comunicao, rea de
concentrao em Comunicao
Contempornea da Universidade Anhembi
Morumbi, sob a orientao do Profa. Dra.
Sheila Schvarzman.
Aprovado em ____/____/_______
_______________________________________
Profa. Dra. Sheila Schvarzman
_______________________________________
Prof. Dr. Herom Vargas Silva
_______________________________________
Prof. Dr. Vicente Gsciola
ngela Maria Cardoso,
minha esposa.
Aos meus filhos:
Fbio e Luciano
Aos meus netos:
Beatriz, Luca e Gabriela e
aquela que j est sendo aguardada
com muito carinho.
Agradecimentos
Tudo na vida consequncia de nossas decises e influncias das pessoas
certas nos momentos certos.
A Deus, o grande arquiteto do universo, mestre da vida, que em muitos
momentos me inspirou para a elaborao deste trabalho.
Aos meus pais, Virginio Caruso e Ana De Stefano Caruso, pessoas sbias que
j partiram, mas que sempre me motivaram para os estudos, embora quase no o
tivessem.
minha tia Erclia De Stefano, que me apresentou ao mundo da preservao
das memrias familiares por meio da fotografia.
Professora Doutora Sheila Schvarzman, minha orientadora, que durante toda
a jornada me apoiou e que, de forma paciente dirigiu meu trabalho para que eu
pudesse conclu-lo da forma adequada.
Aos professores do programa de Mestrado em Comunicao da Universidade
Anhembi os quais, generosamente, me passaram seus conhecimentos.
Universidade Anhembi Morumbi pelo programa de bolsas para seus
colaboradores, que foi fundamental para minha participao.
RESUMO
O objeto desta pesquisa, o filme de famlia ou filme domstico, sempre foi um tema que, por gosto pessoal, particularmente me interessou. Caracterizado como uma produo amadora, geralmente realizada por pessoas com pouca ou quase nenhuma experincia em filmagens, com o objetivo bsico de documentar momentos significativos dentro do contexto familiar, essas realizaes podem carregar informaes importantes da vida em sociedade e da cultura da poca em que foram feitas. Em vista disso, o presente trabalho tem como objetivo estudar os conceitos inerentes ao significado do filme domstico, em funo do que podem representar na preservao de imagens preciosas, no apenas no mbito familiar, mas tambm como documentos que nos do informaes da histria e da memria da sociedade. Dentro da infinidade de estudos sobre a arte do cinema, ainda so relativamente poucos os autores e estudiosos que se debruaram sobre este tema, embora existam trabalhos conceituados e muitas iniciativas organizadas por sites especializados, publicaes, Cinematecas e trabalhos acadmicos. O trabalho de garimpagem sob este vis, me proporcionou contato com um universo fascinante no aspecto de obteno de conhecimentos, como por exemplo, a histria de bairros e cidades. No princpio da disseminao de cmeras destinadas ao uso amador, a produo pode no ter sido muito significativa em termos quantitativos dada a dificuldade de aquisio em termos de custo do equipamento, bem como de operao. Com a evoluo da tecnologia, seu barateamento e a convergncia das mdias e das comunicaes por redes, muito mais pessoas podem hoje produzir seus filmes domsticos por meio de filmadoras, mquinas fotogrficas digitais, aparelhos de telefonia celular, tablets e edit-los utilizando recursos de programas relativamente simples de operar em computadores pessoais. Neste contexto atual, o filme domstico muitas vezes est deixando de ser uma pea de exibio restrita ao mbito familiar ou para poucas pessoas, para ficar disponvel ao mundo informatizado por meio das redes sociais ou sites especializados suportados pela Internet, o que possibilita que muitos interessados, se o desejarem, possam ter cpias em suas prprias mquinas.
Palavras chaves: Filme domstico, Famlia, Histria, Memria,Tecnologia.
ABSTRACT
The object of this research, the family film or home movie, has always been an issue
that, particularly due to personal taste, interested me. Characterized as amateur
production, usually performed by people with little or no experience in filming, with the
basic objective of documenting significant moments within the family context, these
achievements can carry important information of life in society and culture of the time
they were made. As a result, this paper aims to study the concepts inherent in the
meaning to home movie, in terms of what may represent the preservation of precious
images, not only within the family, but also as documents that give us information of the
history and memory of the society. Within the plethora of studies on the art of cinema,
are still relatively few authors and scholars who have studied this issue, although there
are many conceptual works and initiatives organized by specialized websites,
publications, film libraries and academic papers. On this bias, the work of search gave
me contact with a fascinating universe, relating to the aspect of obtaining knowledge,
such as the history of neighborhoods and cities. In beginning of spread of the camera
for amateur use, the production cannot be very significant in quantity because of the
difficulty in acquisition cost of equipment and of operation. With the evolution of
technology, the price reduction and the convergence of media and communications by
networks, more people can now produce their home movies using video cameras,
digital cameras, cellular handsets, tablets and edit them using program resources
relatively simple to operate in personal computers. In the current context, the home
movie is often no longer a work with exhibition restricted to the family or few people,
and is becoming available through the computerized world of social networking or
specialized Internet-supported sites, allowing many interested parties, if they wish,
have copies in its own computers.
Key words: Home movies, Family, History, Memories, Technology.
SUMRIO
INTRODUO .................................................................................................9
1 CONCEITOS FUNDAMENTAIS PARA O ESTUDO DO FILME DOMSTICO....................................................................................................13
1.1 Da preservao da memria familiar e social .........................................22
1.2 Caractersticas do filme domstico .........................................................27
1.3 O resgate do filme domstico como objeto de estudo ............................29
2 A EVOLUO TECNOLGICA E SUA INFLUNCIA NO FILME DOMSTICO ....................................................................................................33
2.1 A arqueologia da tecnologia ....................................................................39
3 UMA VISO SOBRE ASPECTOS DE ALGUMAS OBRAS DISPONVEIS NA INTERNET E NO ACERVO DO AUTOR .........................................................45
3.1 Anlise dos filmes selecionados ............................................................46
3.1.1 Famlia Pereira - So Paulo - SP...................................................46
3.1.2 Famlia Feder - Rio de Janeiro - RJ ..............................................51
3.1.3 Famlia Caruso - So Paulo - SP ..................................................57
3.1.4 Famlia Ribeiro - Iuna - ES ............................................................62
3.2 Viso geral sobre as amostras selecionadas .........................................67
3.2.1 Quadro resumo dos contedos e formas de expresso ................69
CONSIDERAES FINAIS .............................................................................72
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................76
PESQUISAS NA INTERNET (IMAGENS) .......................................................78
ANEXO (DVD COM TRECHOS DOS FILMES SELECIONADOS) .................80
9
INTRODUO
Meu interesse particular pela preservao de memrias familiares
nasceu por influncia de uma tia, a qual, quando eu era adolescente, me
presenteou com uma velha cmera fotogrfica Kodak de fole. Essa cmera
utilizava filme 120mm com negativos em mdio formato 6x9 cm, com 12 poses.
No era muito fcil manej-la. Para carregar o filme era necessrio estar num
ambiente escuro. Tudo era feito com o mximo cuidado para no perder o
filme, pois o custo do mesmo e da revelao era demasiado dispendioso para
mim. Por isso no podia haver desperdcio. A foto era cuidadosamente
estudada: luz, ngulo, velocidade, abertura, distncia, sombra e, apesar de eu
ainda no saber lidar muito bem com todos esses recursos, tudo era feito para
no perder nenhuma exposio.
O fato de que o tempo poderia ser retido por meio de uma imagem me
fascinava. Acredito que sempre houve a necessidade humana de ret-lo de
alguma maneira. Com o passar do tempo meu sonho foi o de possuir uma
filmadora e produzir filmes amadores. Eu e meus amigos, tambm aficionados
por cinema, muitas vezes fingamos estar filmando com uma cmera
imaginria, ensaiando roteiros que ficaram gravados apenas na minha
memria.
Quando completei 17 anos meu pai me presenteou com a minha
primeira e to sonhada filmadora. Era a poca da bitola Super 8. Ento eu e
meus amigos pudemos por em prtica vrios roteiros imaginados em produo
de curtas bem humorados e um pouco non-sense que tivemos a ousadia de
enviar at para festivais amadores. Como nas fotos, no poderia haver
desperdcio, pois o filme era mais caro ainda. A decupagem era cuidadosa. As
cenas eram ensaiadas inmeras vezes antes de dizer "ao" e apertar o
disparador para valer. Depois da revelao vinha a atividade tambm
fascinante da montagem, emendando os trechos selecionados com uma
coladeira rudimentar. Essa atividade evoluiu para a de "cineasta domstico",
pois sempre fui o encarregado de documentar os eventos da famlia: festas,
aniversrios, nascimentos, Natais... Fotografar e filmar ficou sendo instituda a
10
minha misso familiar. Com o passar do tempo e a evoluo da tecnologia,
essa atividade ficou muito mais fcil e menos custosa.
Com o surgimento da gravao em mdia digital e editando os filmes
com o uso de programas de computador, a produo da fotografia e do filme
domstico tornou-se cada vez mais fcil e corriqueira. Surgiu tambm a
necessidade de "salvar" as produes antigas feitas em filmes de celulide,
convertendo-as para mdias digitais, pois grande parte j estava se
deteriorando quimicamente, o que no acontece com a gravao digital.
Revendo esses filmes antigos pude perceber o quanto eram importantes
do ponto de vista da preservao no apenas das memrias de entes queridos
e de momentos significativos, mas o quanto se podia observar nos aspectos
scio culturais por meio do pano de fundo de cada poca em que foram
produzidos. Desde maneiras de falar, sotaques, grias, trejeitos at o mobilirio,
aparelhos eletrodomsticos, tecnologia existente, decorao, estilos, objetos,
etc.
Em vista disso, o presente trabalho tem como objetivo estudar os
conceitos inerentes ao significado do filme domstico, em funo do que
podem representar na preservao de imagens preciosas, no apenas no
mbito familiar, mas tambm como documentos que nos do informaes da
histria e da memria da sociedade. Objetivamos dar foco a esses termos
descritores secundrios sobre os quais podemos tirar essas concluses
buscando essa comprovao por meio da amostra selecionada.
Ao ingressar no mestrado de Comunicao da Universidade Anhembi
Morumbi encontrei a oportunidade de realizar um estudo mais aprofundado
sobre esse assunto, buscando autores e cineastas domsticos ou aqueles que
se caracterizaram pelo uso dessas produes de alguma maneira.
Vrios autores tambm j se ocuparam do tema home movie, como
Roger Odin, Patrcia Zimmermann, Karen Ishizuka, fren Cuevas lvares, Liz
Czach, Paul Arthur, Ronald Levaco, entre outros, nos quais nos baseamos
metodologicamente.
11
No entanto, se nos aprofundarmos na pesquisa deste tema, percebemos
que o significado do filme domstico vai alm daquele de simplesmente
registrar momentos familiares, particulares ou com amigos, mas carrega no seu
bojo um significativo contedo scio-cultural e histrico, por meio dos quais
podemos extrair valiosas informaes sobre a poca em que foram feitos.
Inmeras produes deste tipo certamente j se perderam por falta de
conservao ou pelo desinteresse na preservao do material, com o
agravante de que os equipamentos de projeo para os quais foram
produzidos so cada vez mais raros e h muito no so mais fabricados.
Portanto, julgamos importante buscar um aprofundamento neste tema tentando
resgatar seus significados intrnsecos e ainda no explorados do ponto de vista
histrico da sociedade com uma certa inquietao, pois nesta modalidade
democrtica, quase inexistente a obrigao de se preocupar com a qualidade
ou com a tcnica e quem faz a histria so as pessoas comuns.
Devido grande quantidade de material disponvel e a facilidade de
acesso por intermdio de palavras chave, sem maiores entraves, decidimos
efetuar nossa pesquisa utilizando como fonte obras colocadas na Internet.
importante salientar que tambm foi tentada a pesquisa a partir do acervo da
Cinemateca Brasileira, no entanto esbarramos em algumas dificuldades
burocrticas em relao autorizaes para uso dos filmes l depositados,
conforme explicado no Captulo 3.
No Captulo 1 abordaremos os conceitos fundamentais para o estudo do
filme domstico, no qual buscaremos as definies acerca de seu significado
baseados nas conceituaes de vrios autores. Falaremos tambm sobre o
significado humano da preservao da memria social e familiar, suas
caractersticas e seu resgate como objeto de estudo, dada as caractersticas de
seus suportes em tecnologias mais antigas. No Captulo 2 discutiremos a
questo da evoluo tecnolgica e sua influncia na realizao do filme
domstico ao longo do tempo at os dias atuais, observando-se uma mudana
cultural, quando muitos realizadores passam a disponibilizar os filmes
domsticos na Internet, tornando-os pblicos e tambm discorreremos sobre a
questo da preservao de imagens antigas. No Captulo 3 faremos uma
anlise sobre os aspectos de algumas realizaes selecionadas e disponveis
12
na Internet, alm de outras pessoais do autor e, nas Consideraes Finais,
procuraremos alinhavar o que foi visto com o olhar por meio da imagem
compondo o passado histrico, social e cultural pelo filme domstico.
Da amostra selecionada constam os seguintes filmes: Famlia Pereira -
So Paulo (dcada de 1940); Famlia Feder - Rio de Janeiro (dcada de 1950);
Famlia Caruso - So Paulo (dcadas de 1960 e 1990) e Famlia Ribeiro - Iuna
- ES (dcada de 1950).
13
1 CONCEITOS FUNDAMENTAIS PARA O ESTUDO DO FILME DOMSTICO
O tempo onde habitamos e, com a substncia impalpvel que formam a memria e as recordaes, com o que vamos configurando nossas trajetrias vitais, nosso futuro, nossos sonhos. Parte desta memria pessoal ou coletiva pode ir se materializando e adquirindo corporiedade fsica com base em impregnaes em diferentes formatos de imagem, udio e vdeo, que vamos gerando ao largo da nossa existncia (LIZ, 2010, p.13).
A definio de filme domstico - home movie - termo encontrado nos
autores de lngua inglesa ou ainda filme de famlia - film de famille - termo mais
comum nos autores de lngua francesa, no so antagnicos, mas
complementares. Via de regra, representam as produes realizadas por
amadores que tem por objetivo registrar momentos significativos dentro de seu
universo pessoal, conforme veremos mais adiante. O ato em si, de registrar
imagens com a utilizao de aparatos tecnolgicos, nasceu com a fotografia e
nisso podemos ver como uma primeira tentativa humana de perpetuar
memrias com uma forma mais precisa de realidade.
Le Goff, em seu ensaio 'Memria' contido na Enciclopdia Einaudi -
Memria e Histria, nos ensina que:
[...] a fotografia, que revoluciona a memria: multiplica-a, democratiza-a, d-lhe uma preciso e uma verdade visuais nunca antes atingidas, permitindo assim guardar a memria do tempo da evoluo cronolgica (LE GOFF, p. 39).
Se isto vale para a fotografia, que esttica, vale certamente ainda mais
para o filme, dado seu carter de possuir imagens em movimento e sons. No
mesmo ensaio Le Goff cita Pierre Bordieu, em relao ao ato de registrar
momentos familiares:
A Galeria de Retratos democratizou-se e cada famlia tem, na pessoa de seu chefe, o seu retratista. Fotografar as suas crianas fazer-se historigrafo de sua infncia e preparar-lhes um legado, a imagem do que foram... O lbum de famlia exprime a verdade da recordao social (BORDIEU apud LE GOFF, p.39).
Todavia cumpre discutir este papel de "retratista", pois esta figura nem
sempre representada pelo chefe da famlia, mas por qualquer membro do
grupo que tenha aptido ou goste do ato de registrar imagens, assim como foi
14
o meu caso, antes de que eu possusse a minha prpria famlia. Le Goff faz
esta mesma correo no final do pargrafo. Um conceito muito importante
tambm mencionado no mesmo ensaio contido na Enciclopdia Einaudi o do
"rito de integrao":
Nada se parece menos com a busca artstica do tempo perdido que estas apresentaes comentadas das fotografias de famlia, ritos de integrao a que a famlia sujeita seus novos membros. As imagens do passado dispostas em ordem cronolgica.... evocam e transmitem a recordao dos acontecimentos que merecem ser conservados porque o grupo v um fator de unificao nos monumentos de sua unidade passada, porque retm de seu passado as confirmaes de sua unidade presente (BORDIEU apud LE GOFF, p. 40).
Via de regra socialmente, o rito de integrao significa todos os fatos
importantes que ocorrem no mbito familiar, que surgem desde o nascimento
de um novo membro. Todos os ritos de integrao seriam dignos de registro,
pois possuem um significado importante no mbito do grupo.
Outro conceito importante, no mesmo ensaio de Le Goff, diz respeito
impreciso da memria humana e da eficcia de outros meios de
armazenamento "a memria humana particularmente instvel e malevel
(crtica hoje clssica na psicologia do testemunho judicirio, por exemplo),
enquanto que a memria das mquinas se impem pela sua grande
estabilidade (LE GOFF, p.41)".
Com este conceito podemos inferir que o filme faz parte de um
arcabouo tecnolgico precioso, no sentido que nos mostra os fatos
exatamente como ocorreram e no sujeito a mudanas e instabilidades que
podem ocorrer na memria puramente pessoal. Neste sentido, torna-se um
monumento. Le Goff no seu ensaio Documento / Monumento, contido na
mesma Enciclopdia Einaudi, nos ensina:
O monumento tem como caractersticas o ligar-se ao poder de perpetuao, voluntria ou involuntria, das sociedades histricas ( um legado memria coletiva) e o reenviar a testemunhos que s numa parcela mnima so testemunhos escritos (LE GOFF, p. 95).
Em relao ao conceito de que toda verdade histrica deve estar
vinculada a um documento, "onde o homem passou, onde deixou qualquer
15
marca de sua vida e da sua inteligncia, a est sua histria (FUSTEL DE
COULANGES apud LE GOFF, p.98)".
E, nesse sentido ainda complementa H que tomar a palavra
"documento" no sentido mais amplo, documento escrito, ilustrado, transmitido
pelo som, a imagem ou de qualquer outra maneira. (SAMARAN apud LE
GOFF, p.98)".
Ora, avaliando este conceito, nos fica muito claro que qualquer tipo de
imagem contribui para a formao de um conceito histrico e de memrias,
mesmo que sejam de carter particular, como o filme de famlia. Neste aspecto
Le Goff coloca:
O interesse da memria coletiva e da histria j no se cristaliza exclusivamente sobre os grandes homens, os acontecimentos, a histria que avana depressa, a histria poltica, diplomtica, militar. Interessa-se por todos os homens, suscita uma nova hierarquia mais ou menos implcita em documentos[...] (LE GOFF, p.99).
Incorporando este conceito, nada mais vlido do que considerar histrias
familiares que possam vir a ter interesse coletivo no decorrer do tempo. Le Goff
ainda cita a inveno do computador como valioso auxiliar dos historiadores,
no sentido que permite a elaborao de dados quantitativos com muito mais
eficincia e rapidez, "A interveno do computador comporta uma nova
periodizao na memria histrica[...] (LE GOFF, p. 99)", o que vem ao
encontro do nosso pensamento de que a rede da Internet pode ser usada como
um grande repositrio de imagens, disponveis a qualquer tempo e para os
mais variados fins, sem dificuldades, de forma imediata e sem burocracias.
Cabe inclusive aqui uma definio sobre o significado de "filme
domstico" ou tambm chamado por alguns autores de "filme de famlia" ou
ainda de "filme caseiro". Antonio Delgado Liz, na apresentao do livro La
Casa Abierta - El cine domstico y sus reciclages contemporneos (Ocho y
Medio, Libros de Cine, Madrid, 2010) define bem esta questo:
O tempo onde habitamos e, com a substncia impalpvel que
formam a memria e as recordaes, com o que vamos
configurando nossas trajetrias vitais, nosso futuro e nossos
16
sonhos. Parte dessa memria pessoal ou coletiva pode ir se
materializando e adquirindo corporiedade fsica com base em
impregnaes em diferentes formatos de imagem, udio e
vdeo, que vamos gerando ao largo da nossa existncia (LIZ,
2010, p.13).
Obviamente o autor aqui se refere a indivduos que tem por hbito
registrar memrias familiares de forma regular, mas tambm podemos inferir
que nem todos os indivduos tem esse costume, muitos em decorrncia de no
atriburem importncia ao fato, ou ainda pelo baixo poder aquisitivo de muitas
famlias, fatores culturais, grau de instruo, habilidades, acesso a
equipamentos e outros. Segue Liz:
Fotografias, gravaes em cassetes, ou pelculas de qualquer
tipo, em filme ou vdeo, analgicas ou digitais... Todas as
formas de captao de fragmentos de nossas vidas ou dos
demais, so vlidas, todas tem o mesmo objetivo... a
preservao de momentos encapsulados de tempo para, com
uns ou outros motivos, poder ser recuperadas ou reutilizadas a
posteriori.(LIZ, 2010, p. 14)
Vemos aqui que o autor no se prende apenas ao filme domstico ou
filme de famlia, mas considera importantes todas as formas de registro. E
ainda:
Essa captao pode ser realizada de modo, em maior ou menor medida, profissionalizada ou num plano bem amador. Dentro desta ltima tipologia e focando o territrio audiovisual, cobra especial relevncia, por suas conotaes intimistas e pela grande quantidade de material produzido (em contnuo incremento em nossos dias) o modo domstico de realizar filmagens (LIZ, 2010, p. 14).
A nosso ver, a forma mais profissionalizada a que se refere o texto, pode
referir-se a usurios mais experientes e que possuam cmeras com diversos
recursos ou, em outro sentido, profissionais contratados para realizar filmagens
de eventos familiares - festas, casamentos, aniversrios, etc.
Ao longo da histria do cinema e das mais variadas anlises de autores
consagrados que se debruaram sobre o tema, entendemos que ainda pouco
se estudou um aspecto muito importante desse universo: o filme domstico (ou
home movie), mas tambm conhecidos, como j dito na introduo, de filme de
famlia (ou film de famille) ou ainda de filme caseiro. Voltando um pouco na
17
histria da tecnologia, a fotografia, enquanto pioneira, desempenhou e ainda
desempenha um importante papel na preservao de memrias familiares
guardados nos lbuns de famlia, seja em papel ou, mais recentemente, em
meios digitais. Considerando a fotografia como fonte histrica de leitura e
interpretao:
A fotografia uma fonte histrica que demanda por parte do historiador um novo tipo de crtica. O testemunho vlido, no importando se o registro fotogrfico foi feito para documentar um fato ou representar um estilo de vida. No entanto, parafraseando Jacques Le Goff, h que se considerar a fotografia, simultaneamente, como imagem / documento e como imagem / monumento. No primeiro caso, considera-se a fotografia como ndice, como marca de uma materialidade passada, na qual objetos, pessoas, lugares nos informam sobre determinados aspectos desse passado - condies de vida, moda, infra estrutura urbana ou rural, condies de trabalho, etc. No segundo caso, a fotografia um smbolo, aquilo que no passado, a sociedade estabeleceu como nica imagem a ser perenizada para o futuro. Sem esquecer jamais que todo documento monumento, se a fotografia informa, ela tambm conforma uma determinada viso do mundo (MAUAD, 2008, p.37).
O filme domstico, ou de famlia, veio a ser um complemento ou, muitas
vezes, substituto da fotografia nessa funo, progressivamente, na medida em
que a tecnologia nos permite filmar at mesmo por meio de telefones celulares,
armazenando esses registros em computadores e frequentemente
disponibilizando-os na Internet. O ato de mostrar filmes realizados no mbito
familiar para o mundo utilizando a Internet causa uma grande mudana em sua
caracterstica: da exibio privada para a pblica.
No h nada mais confortvel e mais ntimo do que a prpria
casa de cada um. Quase nada mais pessoal do que filmes
caseiros. E poucas coisas to surpreendentes como a
capacidade dessas filmagens para adquirir novos significados e
significaes com sua projeo(....) o momento em que se
abre a porta da casa. Nesse preciso instante em que os
convidados tem acesso para poder ver o que h dentro, que
ocorre o salto do privado para o pblico (LIZ, 2010, p. 14).
Os motivos que levam as pessoas a disponibilizarem seus filmes de
famlia nas redes sociais, no Youtube ou sites similares so inmeros. Mas
dentre os principais, certamente destaca-se o desejo de compartilhar essas
imagens entre parentes, amigos e nas redes sociais.
18
A visibilidade que pode ser alcanada um filme caseiro nos dias de hoje
enorme, haja vista que alguns filmes por sua originalidade ou graa, tornam-
se sucessos instantneos com milhes de acessos em poucos dias. Embora
um filme de famlia no possa ser considerado um documentrio em si,
possuem um certo valor no mbito social e histrico:
[...] um bom filme tambm um documentrio. Se tivssemos podido preservar em filmes registros, arquivos, imagens em movimento ou sons de certos tipos de entretenimento dos sculos XVIII ou XIX, h muito relegados ao esquecimento, hoje poderamos ocasionalmente voltar a eles com interesse, com a curiosidade ligeiramente mrbida, com a qual vemos o desfile de fantasmas bruxuleantes marchando nos velhos cinejornais. Seria uma forma de sobrevivncia to boa como outra qualquer. Como uma segunda tomada, numa vida aps a morte. O que dizemos pode um dia parecer chato, infantil, ou ultrapassado, mas ns mesmos talvez sobrevivamos. Talvez os "documentrios" que inadvertidamente produzimos sejam um dia disputados a tapa por pequenos grupos de estudantes especializados (CARRIRE, 2006, p.127)
Essas consideraes nas obras de Mauad e Carrire corroboram
fortemente aquilo que queremos defender, pois, de certa forma, um filme
domstico atua como fonte de informaes de memria particular ou coletiva.
Recentemente tm surgido trabalhos cientficos, eventos, mostras e
publicaes dedicadas ao tema do filme domstico, o que denota um
crescimento no interesse dos estudiosos e acadmicos nesse ramo do cinema
at ento restrito aos ambientes familiares. Podemos citar alguns exemplos: o
Home Movie Day, promovido pela Cinemateca em vrias edies; Artigo
cientfico: Cinema 2.0: o cinema domstico na era da Internet, de autoria de
Lus Nogueira da Universidade da Beira Interior (Portugal) publicado pela
mesma em 2008; Dissertao de mestrado: Filmes Domsticos: Uma
abordagem partir do acervo da Cinemateca Brasileira, de autoria de Lila Silva
Foster, do programa de ps graduao em Imagem e Som da Universidade de
So Carlos, em 2010, publicao do livro La Casa Abierta, de Efrn Cuevas
lvarez (organizador) publicado em Madri pela Editora Ocho y Medio em 2010.
Como outros pioneiros nesta discusso podemos citar autores importantes
como Patrcia Zimmermann, Karen Ishizuka e Roger Odin, entre outros.
19
Focando a vida de familiares, amigos, vizinhos, celebraes, o filme de
famlia pode ser entendido tambm como uma manifestao de espelhamento
cultural, inserida na sociedade e retratando-a no seu devido contexto histrico
e social, alm de podermos consider-lo como uma espcie de documentrio
embora, na maioria das vezes ignorando a competncia tcnica ou sem a
preocupao esttica que caracterizam as produes formais, mas com a fora
que possui a imagem em movimento.
Podemos tambm notar este fato em inmeras citaes de autores
importantes que escreveram sobre o tema:
Nas suas gravaes sobre suas vidas privadas e perspectivas privadas que tinham sobre o pblico, filmes domsticos so documentos inestimveis da experincia vivida no dia a dia. Os filmes de minha famlia revelam muito sobre o tempo e a sociedade dentro das quais eles foram realizados (ISHIZUKA, 2008, p. 39).
O cineasta hngaro Pter Forgcz utilizou filmes domsticos como
matria prima na elaborao de suas obras a partir de 1988:
Nos ltimos dez anos eu realizei dezessete vdeo filmes baseado em filmes privados, a maioria sagas hngaras. Alguns deles so ensaios, outros so comparativos, histrias internacionais, dois outros so sagas alems. A fonte da maior parte do meu trabalho est arquivada em Budapeste no Arquivo de Fotos e Filmes Privados, fundado em 1983 para coletar fragmentos esmaecidos do passado hngaro. At 1988 meu envolvimento foi meramente arqueolgico, mas da em diante, graas a meu primeiro trabalho, eu produzi para a televiso, museus e arquivos. Em essncia, fazer esses filmes e a pesquisa que eles requerem constituem o meu terreno: eu tento ver o no visto e reconstruir o passado humano por meio de efmeros filmes domsticos (FORGCS apud ISHIZUKA, 2008, p. 47).
Nada mais contundente do que depoimento de Forgcz, vindo a
reforar a nossa hiptese. Embora seus filmes sejam editados, remontados,
tendo fundo musical includo e em alguns momentos narrados, a matria prima
principal est l presente, que so as imagens originais. O uso que se faz das
mesmas pode diferir, mas a essncia est l. Isso tambm pode ser observado
na pesquisa realizada neste trabalho com os filmes mais antigos da dcada de
1940, transcritos do suporte original, tendo sido inseridos letreiros e msica de
fundo e, posteriormente postados na Internet. A meu ver, este fato no os
20
descaracteriza, mas demonstra uma tentativa de torn-los mais inteligveis e
agradveis para quem vai assistir, sem no entanto alterar as suas imagens
originais.
Vrios outros autores defendem o uso do filme domstico como
preciosidades a serem estudadas:
Acostumados a estudar a Histria seguindo os grandes acontecimentos e os personagens pblicos, no nos parece errado dizer que o filme domstico tenha sido ignorado por arquivistas e historiadores at dcadas recentes. A mudana de mentalidade tem sua origem nos novos enfoques que vo coalhando tanto na Histria como em outras disciplinas mais novas como a Sociologia. O interesse pela cultura popular e pelo estudo do cotidiano est provocando como consequncia um novo interesse pelo filme domstico, enquanto retrato flmico do cotidiano e como crnica sciohistrica alternativa aos grandes relatos (LVAREZ, 2010, p.123).
Nos exemplos colhidos em nossa amostragem essa questo fica muito
visvel. Os filmes nos mostram aspectos do cotidiano de famlias, de cidades,
de lugares, de tecnologias, de moda, de urbanizao e outros tantos aspectos
que podem ser olhados com novos olhares, como dito por Forgcs, "tentar ver
o no visto".
No entanto, preciso perceber que o filme de famlia tem um certo
carter ambivalente, como dito por Berliner1 numa conferncia:
As pelculas domsticas so falsas representaes idealizadas da famlia. Postais de rostos sorridentes para a posteridade. Se algum de outro planeta tivesse de aprender sobre a vida na Terra olhando alguns velhos rolos de filmes domsticos, terminaria pensando que todos os dias so domingo, que todos os meses so agosto, que todas as estaes so vero. Que a vida na terra uma grande festa: um lugar de cio sem dificuldades...Agora deixem-me dizer-lhes algumas coisas que amo nas pelculas domsticas:Os filmes domsticos so lugares antropolgicos. Fragmentos de escavaes arqueolgicas. So espelhos. So janelas. Cpsulas do tempo (BERLINER apud LVAREZ, 2010, p. 125).
Apesar de uma certa ironia citada por Berliner no incio de sua palestra,
ele termina por dizer da importncia do filme domstico como um testemunho
da vida humana em sociedade no decorrer do tempo.
1 Alan Berliner, conferncia ministrada na New York University em 07 de maro de 2004.
21
Antes de seguirmos nesta discusso, mister estabelecer algumas
definies importantes no mbito deste assunto.
Como vimos, um dos principais fatores que caracteriza o filme
domstico, embora no seja o nico, o conceito de famlia. Embora essa
definio varie de sociedade para sociedade e em constante evoluo,
principalmente no mundo ocidental, podemos considerar que:
A famlia representa um grupo social primrio que influencia e influenciado por outras pessoas e instituies. um grupo de pessoas, ou um nmero de grupos domsticos ligados por descendncia (demonstrada ou estipulada) a partir de um ancestral comum, matrimnio ou adoo. [...] A famlia como unidade social, enfrenta uma srie de tarefas de desenvolvimento, diferindo a nvel dos parmetros culturais, mas possuindo as mesmas razes universais (MINUCHIN,1990,p. 95).
importante acrescentar que o conceito de filme domstico mais
amplo do que o conceito de famlia, posto que pode ser realizado por pessoas
comuns tambm fora do mbito familiar, ou seja, com amigos, numa viagem,
por simples diverso, lazer ou, simplesmente, por gostar e para preservar
essas recordaes e momentos significativos vividos em conjunto. Neste caso,
os objetos podem ser os mais variados. Nasce a a questo da preservao da
imagem e da memria, que discutiremos a seguir.
22
1.1 DA PRESERVAO DA MEMRIA FAMILIAR E SOCIAL
Muito comum, desde as sociedades primitivas, est a preocupao com
a preservao da memria social. Mesmo antes do advento da escrita, os
homens primitivos j desenhavam cenas do cotidiano e seus grupos nas
paredes das cavernas onde habitavam. Com a evoluo social e a criao do
conceito de tribo, grupo familiar ou famlia, esta tendncia se aprofunda no
mbito familiar. Isto fica mais evidente durante e aps o perodo renascentista,
quando principalmente a nobreza e a burguesia contratavam artistas para
retrat-los junto a seus familiares.
Pintura rupestre descoberta em caverna da Serra da Capivara - PI, em 1973 -
datao: 4000 a.C. provavelmente representando uma famlia ou um grupo social . 2
2 Acesso em: 10 jan. 2011.
BRBR271BR273&q=pinturas+rupestres&um=1&ie=UTF-
Acesso em: 06 jan. 2011.
23
Retrato (leo sobre tela) tpico de uma famlia nobre de autoria de
Francisco de Goya y Lucientes (1746-1828). (THOMAS, 1995, p.147)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Francisco_de_Goya_y_Lucientes_05
24
Foto de famlia brasileira antiga (Alcobaa Bahia) 1917 3
Foto de famlia brasileira moderna 1980. 4
3
Acesso em 12 jan. 2011.
Acesso em: 12 jan. 2011.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Familia_Lall
25
Foto de uma famlia norte americana moderna 1991. 5
Comparando-se as fotos possvel observar as mudanas
comportamentais da sociedade que vo desde o vesturio at a descontrao
do ltimo grupo, sugerindo uma mudana na estrutura patriarcal matriarcal
para uma postura mais democrtica e participativa, ficando mais evidentes os
laos de afeto, sorrisos, abraos, roupas coloridas e variadas, moblia mais
confortvel, informalidade, miscigenao racial e outros detalhes. possvel
observar tambm as mudanas da tecnologia, se julgarmos as imagens de
acordo com a poca na qual foram registradas. Fica muito evidenciado que a
foto de 1917 foi tirada por um profissional e exigiu toda uma preparao do
cenrio, da preparao da pose e das vestimentas dos seus componentes.
Com uma maior dinmica e riqueza de detalhes, o mesmo certamente poder
ser melhor observado no filme domstico, especialmente nos sonoros, nos
4< http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Familia_Lalli.jpg>Acesso em:12 jan. 2011.
5 Acesso em: 09 jan. 2011.
26
quais poderemos observar vocabulrio, sotaques, grias, hbitos regionais,
depoimentos, etc.
Alm do campo puramente imagtico, temos na literatura muitos escritos
que nos remetem s lembranas e saudade. No objetivo deste trabalho
discutir o campo potico nem tampouco abrir luz sobre o mesmo, mas neste
poema brasileiro de autoria de Lus Guimares6 podemos perceber a
importncia das emoes que as lembranas provocam no ser humano :
Visita Casa Paterna
Como a ave que volta ao ninho antigo,
Depois de um longo e tenebroso inverno,
Eu quis tambm rever o lar paterno,
O meu primeiro e virginal abrigo:
Entrei. Um gnio carinhoso e amigo,
O fantasma talvez do amor materno,
Tomou-me as mos, - olhou-me, grave e terno,
E, passo a passo, caminhou comigo.
Esta era a sala... Oh! Se me lembro! e quanto!
Em que da luz noturna claridade,
Minhas irms e minha me... O pranto
Jorrou-me em ondas... Resistir, quem h de?
Uma iluso gemia em cada canto,
Chorava em cada canto uma saudade.
Analogamente literatura ou poesia, registros fotogrficos ou flmicos
nos podem trazer emoes semelhantes s descritas nestes versos de Lus
Guimares. No podemos nos furtar de mencionar, porm, que no se trata
apenas de preservar emoes, j que estas afetam apenas queles que
possuam vnculos afetivos com as pessoas. Sem embargo, o filme domstico
tambm retrata hbitos sociais, antropolgicos, culturais, econmicos,
6 GUIMARES, Lus. Lus Caetano Pereira Guimares Jnior, poeta brasileiro. (1847-1898) .
27
tecnolgicos, mobilirios e a moda de uma poca, conforme j dito. Da se
justifica o maior interesse em se estudar com maior profundidade este tema.
1.2 CARACTERSTICAS DO FILME DOMSTICO
O filme domstico ou familiar um filme (pelcula, gravao
analgica ou digital) realizada por um indivduo, que tem por objetivo registrar
imagens de eventos familiares importantes, tais como momentos festivos ou
ritos familiares, com amigos, datas especiais, nascimentos, viagens,
aniversrios ou simplesmente cenas do cotidiano ocasies nas quais se queira
registrar imagens comuns ou dos filhos, da esposa, dos pais, avs, do grupo
social, etc. Embora a definio esteja profundamente vinculada ao conceito de
famlia, podemos acrescentar que esse tipo de realizao tambm vale para
grupos de indivduos que, por amizade, lazer ou diverso, queiram registrar
momentos vividos em conjunto, conforme vimos no Captulo 1.
Conforme definido por Roger Odin:
Esta definio que consiste na determinao de uma direo comunicacional especfica (o ser familiar) parece ser suficiente para distinguir o filme domstico de outros trs grandes tipos de produo no profissionais: a) filmes amadores, isto , realizadas no mbito de cine clubes no profissionais, assim como as pelculas experimentais que funcionam com um cunho semntico espectatorial: seu criador atua como cineasta e no como um membro da famlia, que dirigido a um pblico e no a um grupo familiar. b) pelculas militantes que operam sob um cunho poltico: seu destinatrio atua como militante poltico que se dirige a outros atores da cena poltica e, em terceiro lugar, c) pelculas realizadas por alunos dentro da instituio escolar e que funcionam com cunho pedaggico (ODIN, apud lvarez, 2010, p.39).
Por ser um filme produzido de forma amadorstica e geralmente sem
nenhuma outra pretenso, a tendncia de que um filme domstico seja
tecnicamente pouco elaborado, na grande maioria das vezes, pois no respeita
uma sequncia lgica, no tem preocupao com a narrativa, podendo ser
comparado preferencialmente a uma fotografia animada. No mesmo texto Odin
define os principais defeitos recorrentes no filme domstico:
28
Ausncia de delimitao: O filme domstico no possui nem marcas de incio (crditos) nem tampouco de final (a caracterstica do filme domstico de que continue indefinidamente), o espectador surpreendido no incio no meio de uma ao e o negro final aparece tambm de improviso. como se fosse um fragmento de um texto (ODIN, apud lvarez, 2010, p.41)
Isto era muito vlido para cmeras mais antigas e com poucos recursos.
No entanto, hoje em dia, graas aos recursos de tecnologia das cmeras
modernas possvel que esta definio no seja inteiramente verdadeira.
Realizadores experientes podem introduzir letreiros, crditos, datas,
locais, nomes, suavizar os cortes (fade in / fade out), etc, utilizando os recursos
da cmera ou realizando edio posterior com a utilizao de programas de
computador.
Disperso narrativa: A construo de um relato pressupem um conjunto de aes do comeo ao final. No cine domstico no h esta preocupao, sendo a maioria das cenas tratadas de forma incompleta. O filme domstico no conta uma histria: mostra fragmentos de aes.
Temporalidade indeterminada: No que diz respeito ao tempo, o cine domstico obedece ordem cronolgica mais primria. No encontramos voltas ao passado nem idas ao futuro, nem tampouco relaes de simultaneidade (o cine domstico ignora a montagem alternada). Uma relao paradoxal com o espao. Os planos geralmente no possuem nenhum valor descritivo. So planos que dizem simplesmente: passamos por ali, viajamos por l (ODIN, apud lvarez, 2010, p.41)
Da mesma forma que o item anterior, levando-se em conta que Odin
escreveu essas definies h quase vinte anos, as mesmas no tenham
atualmente tanta valia para todos os realizadores, dada a grande mudana
tecnolgica ocorrida nos ltimos anos. Com os recursos de programas de
computador relativamente simples de operar, possvel realizar montagens,
inverses de cenas, eliminao de trechos e outras manipulaes.
A fotografia animada: A maioria das pessoas que fazem filmes domsticos iniciou antes pela fotografia. Ao passar para o filme, ainda continuam prisioneiros da antiga prtica e usam a filmadora como cmera fotogrfica, em poses de grupo ou diante de um monumento. comum tambm a prtica de alguns que abandonam a cmera para juntar-se ao grupo, para depois abandonar o grupo para deter a cmera. Os olhares para a cmera: Uma das primeiras coisas que os atores aprendem no olhar para a cmera. Olhar para a cmera significa denunciar a filmagem e comprometer a credibilidade
29
do mundo l representado. No filme domstico se multiplicam os olhares para a cmera, ou a quem opera a cmera. Se fazem acenos com as mos , se diz bom dia ou se pede para parar de filmar (ODIN, apud lvarez, 2010, p.43)
Considerando que o filme domstico ou familiar no tem a pretenso de
agradar a crtica formal, mas se destina, na maioria das vezes, a ser assistido
principalmente por quem participou das cenas, deixa de existir a necessidade
da construo de uma narrativa muito coerente com cortes perfeitos. Em geral,
ver um filme domstico em famlia tambm trabalhar no sentido de construir
juntos a histria da famlia ou de grupos sociais, especialmente para os
membros que no participaram das cenas, mas que podem assisti-los
posteriormente, mesmo distncia. Na maioria das vezes um filme domstico
tem a caracterstica de ser engraado, alegre ou, no mnimo curioso,
especialmente para as pessoas que conhecem ou tem parentesco com os
participantes das cenas. Podemos considerar ento que ver um filme
domstico parte das relaes sociais e pode vir a reforar a unio do grupo.
1.3 O RESGATE DO FILME DOMSTICO COMO OBJETO DE ESTUDO
Dadas essas peculiaridades caractersticas do filme domstico,
acreditamos que este permaneceu longos anos sem merecer a devida ateno
dos estudiosos do cinema. No obstante o fato de que o primeiro filme
atribudo aos irmos Lumire ter sido uma cena tipicamente domstica ou
familiar, no qual Auguste e sua esposa aparecem dando de comer a seu filho,
intitulando-se o filme Le reps du beb, o cinema, desde o seu incio, teve
sua importncia vinculada s grandes produes holywoodianas e ao cinema
atrativo para as grandes massas, o cinema espetculo, acabando por se impor
a lgica industrial e comercial.
Se de um lado a superproduo e a produo comercial do cinema
sempre ocupou o seu devido lugar como objeto de estudo dos cinfilos e da
rea acadmica, por outro lado o filme domstico ou familiar, ficou relegado ao
seu carter privado por longos anos. Todavia, devido a vrias iniciativas de
estudos, vem agora ocupar o seu lugar como objeto de pesquisas mais
apropriadas ao seu contedo, conforme j observado. Enquanto o primeiro se
dedicou a personagens fictcios, encenados por grandes astros e estrelas,
30
apoiados por tcnicas cada vez mais profissionais e dispendiosas, o segundo
limitou-se a utilizar equipamentos de menor qualidade, maior limitao, mais
baratos, sendo que os personagens sempre foram familiares, amigos, vizinhos
encenando celebraes com algum significado, mas, quase sempre, marcados
pela ausncia da tcnica.
Neste cenrio atual, com esta discusso tomando corpo mais fortemente
nestes primeiros anos do sculo XXI, tudo indica que finalmente o home movie
ter o seu papel no mbito das discusses conceituais da histria do cinema,
que tanto j ocuparam os estudiosos dessa arte. Estas sero provocaes que
certamente podero interessar de fato aos pesquisadores no apenas do
cinema, mas tambm historiadores e socilogos. Podemos citar algumas
iniciativas recentes que abordaram o assunto, tais como:
Dissertao: Filmes Domsticos: Uma abordagem partir do acervo da
Cinemateca Brasileira. 7
Nesta dissertao de mestrado, a autora faz uma anlise do
contedo do acervo da Cinemateca Brasileira, buscando valoriz-lo por meio
de sua descrio fsica e de uma investigao sobre o seu contedo, visando
propor um mtodo de trabalho e de anlise para esta coleo especfica. Em
um espectro mais amplo, informaes histricas e discusses conceituais
sobre a formao do campo amador e do cinema na esfera domstica.
I Painel de Preservao Audiovisual Centro Cultural So Paulo
outubro de 2010 Filmes Domsticos: Da Intimidade Visibilidade. 8
A idia das organizadoras foi a seguinte:
Acompanhar a transformao dos registros familiares
amadores desde a inveno do cinematgrafo at a exploso
das imagens domsticas na Internet. O tema instigante
porque temos mais perguntas do que respostas. O que um
filme domstico afinal?
7 FOSTER, Lila Silva. Programa de Ps Graduao em Imagem e Som. UFSCAR. So Carlos, 2010.
8 Coordenao de Lila Foster e Ilana Feldman.
31
O objetivo promover as possibilidades de interpretao,
anlise e reflexo de filmes produzidos na esfera familiar desde
a inveno do cinematgrafo, em fins do sculo XIX, at a
disseminao contempornea de imagens domsticas na
Internet.9
Home Movie Day Cinemateca Brasileira Outubro/2010 e outras
edies.
Esta foi uma iniciativa encampada pela Cinemateca Brasileira, cujo texto
de divulgao transcreve-se em seguida, todavia percebe-se que o evento no
contempla apenas o filme domstico, mas tambm algumas produes
amadoras em exibio, mas de qualquer forma, uma iniciativa muito
interessante:
A Cinemateca Brasileira celebra pela primeira vez, no dia 16 de outubro, o HOME MOVIE DAY. Iniciativa criada por arquivistas audiovisuais preocupados com a preservao e a difuso de filmes amadores produzidos nas bitolas 9.5mm, 8mm, Super-8 e 16mm, o HOME MOVIE DAY nasceu em 2003 e, atualmente, celebrado em diversas cidades e cinematecas do mundo.
10
No trecho de divulgao acima, percebe-se a importncia que est
adquirindo o tema em nvel mundial. J no trecho abaixo, percebe-se que ainda
no existe uma definio muito precisa do que vem a ser um filme domstico,
visto que so permitidos para exibio desde registros familiares, at narrativas
ficcionais e documentrios.
Registros familiares, filmes de viagem, documentrios e produes experimentais e narrativas ficcionais rodadas por equipes no-profissionais, esses materiais tornaram-se praticamente invisveis. Levando em conta a importncia da produo amadora enquanto expresso artstica e documento histrico, o HOME MOVIE DAY faz parte de um esforo internacional para a conservao e exibio desse valioso acervo. Para festejar a data, a Cinemateca Brasileira rene em dois programas uma seleo de raridades de seu acervo e curtas realizados pela produtora Mistifilmes, criada em 1975. Alm disso, reserva tambm um espao na grade de programao do dia para a projeo de filmes trazidos pelo prprio pblico.
Como participar do Home Movie Day ?
9 Texto da divulgao do evento
10 Do folheto de divulgao do evento em 2010.
32
Cineastas amadores ou quaisquer pessoas que tenham registros familiares nas bitolas 8mm, super-8 e 16mm, e queiram assisti-los em tela grande, podem trazer seus filmes Cinemateca para exibio no HOME MOVIE DAY.
Essas iniciativas tem um significado importante. Existe uma inquietao
em relao ao filme domstico ou filme de famlia que no pode ser
desprezada e tambm uma certa dvida em relao uma definio precisa do
que vem a ser exatamente um filme domstico ou home movie.
mister, portanto, que exista uma preocupao para que no se percam
registros antigos, sobreviventes de outras tecnologias, mas ainda assim
recuperveis. No aspecto das imagens e, mais particularmente, no que tange
s produes de filmes domsticos home movies e no que eles podem
representar no futuro para um melhor entendimento dos aspectos ticos e
valores estticos da nossa sociedade em diversas pocas. Quantas vezes a
mesma cena de "Le repas du beb" foi filmada nas geraes seguintes, com as
mais variadas formas de registro e tecnologias variadas? Analisando filmes
domsticos de diversas pocas diferentes podemos tirar concluses
interessantssimas quanto cultura, moda, costumes e valores de pocas
diferentes. Seria correto dizer que o cinema imaginrio teve a infncia como
tema de sua infncia, simbolicamente falando?
33
2. A EVOLUO TECNOLGICA E SUA INFLUNCIA NO FILME
DOMSTICO
notvel a influncia da evoluo tecnolgica para a disseminao do
hbito de pessoas comuns realizarem seus registros flmicos no mbito
familiar. A cmera para uso particular foi disponibilizada para o mercado desde
o ano de 1923 pela Kodak, todavia a preos que permitiria apenas s pessoas
de maior poder aquisitivo terem acesso ao equipamento.
A histria dos filmes realmente 'feitos em casa' comeou em 1923. Apesar de filmes em 35mm serem padres para lanamentos cinematogrficos por dcadas, a pelcula larga emperrava, era cara e perigosa, devido sua natureza inflamvel. Por anos, a Eastman Kodak Company trabalhou para desenvolver um sistema de equipamentos cinematogrficos e pelculas que seriam suficientemente fceis de serem usados pelos fotgrafos amadores, e ainda assim, com um preo aceitvel. O resultado foi a cmera de 16mm 'Cine Kodak' e o projetor 'Kodascope'. A cmera pesava em torno de 7 pounds e tinha de ser manivelada mo a duas rotaes por segundo durante as filmagens. Um trip vinha incluso no pacote e tudo custava em torno de U$335.00! Isso numa poca em que o novo automvel da Ford podia ser comprado por U$550.00.11
Apesar de que o grande marco da popularizao dos equipamentos
domsticos se deu a partir de 1923 com a padronizao do filme 16mm e o
projetor Kodaskope, muitas tentativas anteriores haviam sido feitas no sentido
de explorar esse nicho comercial, quando se destacaram as empresas Edison,
Eastman-Kodak e Path-Frres.
Na Europa e nos Estados Unidos, entre 1896 e 1912, diversos fabricantes de brinquedos, lanternas mgicas, equipamentos de cinema e produtos ticos, inventaram formatos de mquinas de projeo. Eles podiam ser simples aparelho que se adaptava a outros instrumentos j disponveis no mercado, como o W. Watson's Motorgraph que era acoplado a lanternas mgicas possibilitando a projeo de filmes curtos em 35mm; uma simplificao do Edison Kinetoscope, como foi o caso do American Parlor Kinetoscope, de 1987, que substituia a pelcula em celulide por um papel opaco e a luz eltrica por luz natural, barateando assim todo o processo, ou o mais
11< Obtido no site da Kodak em http://www.kodak.com/global/pt/corp/historyOfKodak/1878_pt-
br.jhtml?pq-path=2699>Acesso em: 19 jan. 2011.
http://www.kodak.com/global/pt/corp/historyOfKodak/1878_pt-br.jhtml?pq-path=2699http://www.kodak.com/global/pt/corp/historyOfKodak/1878_pt-br.jhtml?pq-path=2699
34
desenvolvido Ikonograph, lanado entre 1904 e 1906, que utilizava a pelcula no formato 17,5mm (SINGER, 1985).
Como se v, naquela poca os equipamentos, devido tecnologia
disponvel, mais se assemelhavam a brinquedos, mas com limitaes de
capacidade. Ainda de acordo com Ben Singer, o ano de 1912 comea a marcar
uma mudana, com novos projetores que permitiam at 12 minutos de
projeo. Em 1913 a Path Frres lana na Frana o projetor K-O-K,
comercializado nos Estados Unidos com a marca de Pathscope, que utilizava
filmes de 28mm, que ainda emprestava ttulos comerciais contidos em seu
catlogo via correio, que eram enviados a igrejas e escolas (SINGER, 1985).
Com isso a Path teve uma grande vantagem competitiva. A grande
preocupao naquela poca era do desenvolvimento de uma pelcula que no
fosse inflamvel, principalmente tratando-se do uso domstico. Em 1909 a
Eastman-Kodak lanou nos Estados Unidos o safety film, pelcula base de
acetato no inflamvel, mas apesar disso, seu uso ficou restrito esfera
domstica (SADOUL, 1956). At 1923 houve uma grande profuso de inventos
com diferentes bitolas de filmes que variavam desde o 9,5mm at o 35mm
desenvolvido pela MPPC-Edison. Todavia os concorrentes nunca tiveram muito
sucesso, abrangendo apenas pequenos nichos de consumo. A entrada da
Kodak no cinema amador foi com o desenvolvimento do filme reversvel em
larga escala, que barateava o processo de cpias, a cmera Cin-Kodak e o
projetor Kodaskope de 16mm (KATELE, 1986). As empresas MPPC, Kodak e
Victor Animatograph conseguem estabelecer o padro amador em 16mm, a
despeito de outros pequenos concorrentes:
A instituio do 16mm como a bitola do padro amador marca um importante ponto de transformao na histria do filme amador. As maiores empresas como Bell & Howell e Eastman-Kodak expulsaram pequenos inventores- investidores que no tinham capital para a fabricao e recursos de propaganda necessrios para alcanar mercados nacionais. Estes grandes fabricantes redefiniram o filme amador como uma commodity para o consumidor; a imprensa mais importante publicava artigos sobre o filme amador e correu para os anncios da Kodak, Bell & Howell e Victor Animatograph. A bitola 16mm amadora determinou um sistema de castas: 35mm para profissionais e 16mm para famlias (ZIMMERMANN,1995, p.27).
35
Com o lanamento da cmera Cin-Kodak a empresa abre laboratrios
para processamento no mundo todo, inclusive no Brasil, como possvel ver
no anncio da poca da revista A Scena Muda enquanto a Path lana em
1922 a cmera Path Baby, que utilizava filmes 9,5mm como se pode ver no
anncio da revista Cinearte. Os anncios so de 1928.
Anncio da Kodak - http://mls.bireme.br/_popup_pdf.php?data=s|1928|08|08|0384 Acesso em 27
fev.2012. - A Scena Muda, 1928, no. 384 p. 4
http://mls.bireme.br/_popup_pdf.php?data=s|1928|08|08|0384
36
Anncio da Path-Baby - http://mls.bireme.br/_popup_pdf.php?data=c|1928|12|03|0147 Acesso
em 27 fev. 2012. - Cinearte, 1928, no. 147 p.4
http://mls.bireme.br/_popup_pdf.php?data=c|1928|12|03|0147
37
A bitola 16mm reinou nos filmes amadores na dcada de 1920, at que
em 1930, a limitao mercadolgica provocada tambm pela recesso e a crise
de 1929, obrigou a Kodak a pensar em solues mais prticas e com menor
custo, tendo ento lanado a bitola 8mm na dcada de 1930.
Kodak Modelo K 8mm. (dcada de 1930).
Em 1932, como uma das consequncias da recesso, a Kodak lanou no mercado a bitola 8 mm, na tentativa de criar um padro para o filme domstico mais barato que o 16 mm.
O filme 8 mm foi utilizado largamente at a dcada de 1960, quando foi lanado o Super 8 mm, um novo formato, com perfuraes menores e, portanto, mais espao para a imagem.12
12 Acesso em: 10 jan. 2011.
38
Diferena das perfuraes de trao entre 8 mm e Super 8
Com a evoluo da tecnologia, especialmente partir da
dcada de 1970, com o lanamento do sistema VHS (Video
Home System) lanado pela JVC em 1976, o qual inicialmente
permitia a gravao de programas de TV para posterior
reproduo. Com o tempo foram lanados os gravadores
portteis, alimentados por baterias, que acoplados a cmeras
permitiam a produo de filmes caseiros. Foi o incio do fim da
hegemonia das pelculas 8 ou Super 8 mm. No Brasil o sistema
foi introduzido na dcada de 1980, ganhando mercado contra o
ento Betamax (Sony) (o primeiro formato popular de
videocassete domstico). Posteriormente foi introduzido o
VHS-C (compacto) que permitiu a reduo do tamanho dos
equipamentos portteis, mas exigia um adaptador para a sua
reproduo. Com o desenvolvimento de outros formatos de
captao de imagem no padro digital (MiniDV) e com a
difuso do DVD para reproduo, o VHS perdeu mercado e
considerado um formato fora de linha.13
Com o avano da tecnologia digital, especialmente no final dos anos
1990 e incio do sculo XXI e sua incorporao a outras tecnologias, podemos
dizer que quase todos que possuem um telefone celular podem realizar filmes
desse gnero, tendo surgido inclusive concursos e mostras para filmes
produzidos a partir de telefones celulares. A reduo do custo de aquisio de
13< http://www.diariodeguarulhos.com.br/jornal/dgnews/jornal/materia.jsp?id=2558&ca=33>Acesso
em:04 jan. 2011.
http://www.diariodeguarulhos.com.br/jornal/dgnews/jornal/materia.jsp?id=2558&ca=33http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:8mm_and_super8.p
39
equipamentos possibilita hoje que muito mais pessoas possam registrar
imagens de famlia. Falando especificamente de cmeras fotogrficas digitais
(que tambm produzem filmes) e de filmadoras propriamente ditas, a
capacidade de armazenamento interna, em hard disks ou em cartes de
memria, que cada vez maior, permite a produo de filmes domsticos com
muita facilidade, alm de vrios recursos e longa durao, os quais j podem
ser assistidos logo aps sua produo, no prprio equipamento ou conectando-
se os mesmos a aparelhos de TV ou disponibiliz-los de imediato na Internet.
Como exemplos do crescente interesse dos estudiosos para este segmento,
podemos citar o artigo Cinema 2.0: o cinema domstico na era da Internet, de
autoria de Lus Nogueira da Universidade da Beira Interior (Portugal) publicado
pela mesma em 2008. 14
Neste artigo o autor discute a existncia do interesse pelo espao
domstico como lugar de um tipo imaginrio especfico, alm de tratar tambm
da entrada da tecnologia cinematogrfica na esfera privada, incluindo a
crescente utilizao da Internet como repositrio de produes domsticas,
dando-lhe uma dinmica prpria, a qual ainda se encontra no limiar.
2.1 A ARQUEOLOGIA DA TECNOLOGIA
No artigo publicado em 26/04/2010 no caderno Link do jornal O Estado
de So Paulo, de autoria da jornalista Helosa Lupinacci15, O mundo acorda
para a importncia da preservao do patrimnio digital, encontra-se o seguinte
relato:
Em 2001, o cientista Joseph Miller pediu NASA dados coletados pela sonda Viking em Marte, nos anos 70. A NASA achou as fitas, mas os dados gravados ali no puderam ser abertos. O software que os lia no existia mais e, como disse Miller poca Agncia de Notcias Reuters, os tcnicos que conheciam o formato estavam todos mortos. Essa uma histria. H muitas outras. Parte do conhecimento produzido de
14 Doc On-line, n. 05, Dezembro 2008, www.doc.ubi.pt, pp 4-23
15 LUPINACCI, Helosa. O mundo acorda para a importncia da preservao do patrimnio digital. So
Paulo: O Estado de So Paulo - Caderno Link, Pag. L1, 26/04/2010.
http://www.doc.ubi.pt/
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maneira digital j era (sic). De dados cientficos a modinhas na Internet. Temos poucos servios de preservao da histria da cultura digital e muito contedo j se perdeu ao longo dos ltimos anos, diz Roberto Taddei, coordenador do Simpsio Internacional de Polticas Pblicas para Acervos Digitais em 2010.
Desde o incio deste sculo temos acompanhado a rpida obsolescncia
tambm dos equipamentos eletrnicos, especialmente no que tange aos
computadores. Em minha experincia pessoal, quando comecei a trabalhar
como programador de computadores, na dcada de 1970, vivamos a era do
carto perfurado. Hoje, certamente no vamos encontrar mais nenhuma
mquina que seja capaz de ler o contedo de uma massa de cartes. Na
dcada de 1980, com o advento dos primeiros computadores pessoais, os
PCs, vimos o surgimento do disco flexvel (8,5 pol.) e seu sucessor, o disquete
(3,5 pol.)., que hoje pode ser considerado uma antiguidade. Talvez, daqui a
pouco tempo, j no tenhamos mais computadores capazes de l-los. Para
entendermos melhor, convm explicar a interdependncia na tecnologia da
informao: o disco removvel depende do driver, que depende da arquitetura
do computador, que depende do software, que depende do sistema
operacional, como por exemplo o Windows em suas diversas verses.
Ora, se vemos um problema como este, da impossibilidade de
recuperao de informaes de um passado relativamente recente,
imaginemos o que isso representa em termos de perda de informao de
meios que se deterioram com o tempo. Mesmo documentos antigos, livros,
velhas fotografias, histrias familiares ou da sociedade, que no dependem da
tecnologia digital para serem lidas e entendidas, com o passar do tempo
sofrem a ao corrosiva do tempo por fenmenos puramente qumicos.
Voltando-nos ao registro cinematogrfico de imagens, sejam elas
profissionais ou amadoras, tivemos no sculo passado vrias tecnologias que
serviram de base para tais produes: filmes em 35mm; 16mm; 9,5 mm, 8mm;
super 8mm e depois, com o advento da gravao em meios magnticos
analgicos, a tecnologia predominante foram as fitas Betacam, U-Matic e VHS,
at serem desbancadas pela gravao digital. Atualmente pode-se ter at
vrias produes antigas em pelculas guardadas em latas empoeiradas, mas
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evidente a dificuldade em obter-se equipamentos para a sua reproduo. Em
alguns casos, vamos apenas encontr-los em antiqurios ou nas Cinematecas.
Alm da deteriorao natural, acidentes como incndios j destruram
grande parte de acervos, como da televiso brasileira. So conhecidos os
fatos, os quais, em passado recente acarretaram grandes perdas de registros
televisivos e de equipamentos. A TV Cultura sofreu quatro incndios em pouco
mais de um ano. Na dcada de 1980 outros incndios obrigaram a emissora a
mudar o local de suas transmisses e acarretou a perda de 90% de seus
equipamentos, com prejuzo estimado em 10 milhes de dlares.
O prejuzo financeiro, o qual pode ser considerado secundrio, pois
poderia estar coberto por seguros, a perda inestimvel fica por conta da perda
do acervo das imagens, que foram pblicas enquanto programas musicais,
teatrais, documentrios histricos, infantis e tantos outros. A destruio foi to
grande que tiveram que reativar um velho transmissor da TV Tupi, que havia
inaugurado as transmisses em 1950. Outras emissoras tais como Globo,
Bandeirantes e a extinta Manchete foram solidrias e emprestaram alguns
equipamentos, alm da TVE do Rio que cedeu alguns de seus programas para
preencher a programao.
Notamos aqui a importncia da guarda de velhos equipamentos, os
quais, embora j desativados, acabaram sendo teis novamente para no
deixar a TV Cultura fora do ar por um longo espao de tempo. Claro est que a
solidariedade das outras emissoras foi notvel neste episdio. No ano de 1969
a TV Bandeirantes enfrentou um incndio, supostamente criminoso, que na
poca causou o maior prejuzo que uma emissora j havia tido. A TV Excelsior
continuou com seus incndios mesmo aps a extino. Silvio Santos, que
havia alugado seus estdios para a realizao de seus programas para a TV
Globo e a TV Tupi, perdeu nove anos de arquivos do Programa Silvio Santos
em um incndio em 1972.
Atualmente as principais redes de TV, pblicas ou privadas, esto
empenhadas na digitalizao de seus acervos. J no se pode dizer o mesmo
dos acervos particulares ou pessoais. Muitas mdias dormem no fundo de
armrios ou em prateleiras esquecidas por muitos anos. Quando so
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lembradas ou encontradas, j pode ser tarde demais. Digo isto por experincia
prpria. Nos anos 1970 realizei, com um grupo de amigos, alguns filmes
amadores para participar de festivais de cinema em Super 8, comuns na
poca. Alm disso, muitas filmagens familiares, como aniversrios, viagens,
casamentos, nascimentos, festas e at mesmo entrevistas com antepassados,
ocasio na qual contaram a histria da nossa famlia. Esse material tem um
valor inestimvel para mim. A maioria destas produes foi feita em 8mm e
super 8mm e, as mais recentes, em VHS, alm de muitas fotos em slides. H
algum tempo organizei tudo e fiz transcrever para DVD, pois todas as mdias j
estavam perdendo a cor, o verniz ou mofando. Era minha histria e da minha
famlia se perdendo. Sei tambm que daqui a algum tempo, terei de
transcrever novamente essa mdia para outra tecnologia, pois o DVD, com
certeza, tambm ir perder lugar que ocupa hoje. Em Cultura da Convergncia,
Jenkins conjectura sobre a mdia dinossurica:
No entanto, professores de histria nos dizem que os velhos
meios de comunicao nunca morrem nem desaparecem,
necessariamente. O que morre so apenas as ferramentas que
usamos para acessar seu contedo a fita cassete, a
Betacam. (JENKINS, 2008, pag.39).
Uma das formas mais recentes de preservao da memria, coletiva ou
particular, nasceu com o surgimento do YouTube e similares, que rapidamente
se tornou num grande repositrio de filmes em geral, amadores ou no. Uma
das grandes vantagens deste tipo de arquivo a sua facilidade de acesso e
pesquisa. Alguns filmes que se encontram hoje nas Cinematecas, tambm
esto disponveis na Internet, o que facilita sobremaneira a pesquisa por
palavras chave ou ttulos, sem a necessidade de deslocamentos, sem
burocracia, sem necessidade de autorizaes para cpias, com maior
praticidade e com a possibilidade de baixar esses filmes em nossos prprios
computadores, sem depender de projetores antigos.
A despeito das crticas sobre seu contedo Burgess coloca:
[...] a grande variedade de prticas criativas cotidianas (de escrever recados em fotos de famlia postadas na Internet narrao de histrias no meio de uma conversa casual)
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realizada fora dos sistemas de valores culturais da cultura erudita ou na prtica comercial criativa (BURGESS, 2007).
O vdeo amador no YouTube est ligado histria social do filme caseiro usado para documentar as vidas do cidado comum (ZIMMERMANN apud BURGESS, 2009, pag. 47).
E neste sentido, surge uma ferramenta interessante de preservao,
exceto pelo fato de que no pode ter acesso restrito, confidencial ou familiar.
Como vimos, a digitalizao e converso de arquivos residentes em
mdias perecveis seja atualmente a nica forma de salvar suas imagens para
a posteridade, alm de deposit-las para guarda em arquivos da Cinemateca.
No mbito da sociedade, esta digitalizao se d por meio de projetos
organizados por entidades pblicas ou privadas, ou apoiadas por elas. No
artigo de Heloisa Lupinacci, j citado anteriormente, o grande desafio da
digitalizao das informaes em mdias diversas o volume, sendo que em
2009, de acordo com o Instituto de Pesquisas IDC16, segundo a mesma
matria, a humanidade produziu 750 bilhes de GB de informao. Como
escolher o que preservar? Daniel Gomes, citado no mesmo artigo, como
coordenador do projeto Arquivo da Web Portuguesa, diz:
No fazemos nenhuma seleo. Tentamos fazer o registro
mais exaustivo. Arquivamos tudo o que encontramos sob o
domnio .pt. A Biblioteca Digital Mundial lanada pela Unesco
em 2009 o exemplo da digitalizao levada escala global. A
declarao da Unesco neste sentido sugere: Os principais
critrios devem ser significncia e durabilidade (cultural e
cientfica).
Atualmente muitas preciosidades esto disponveis na Internet porque
algum Internauta disps-se a compartilh-la, como por exemplo, a primeira
16 Instituto de pesquisas sobre diversos assuntos, promovendo palestras e seminrios mundialmente alm de fornecer consultoria
www.idclatin.com
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verso do filme Alice no Pas das Maravilhas de 1904 disponvel em
Archive.org17 . O filme est na coleo dos curta metragens.
Mas e as mdias de particulares? Para preservao das histrias
familiares, ou seja, o filme domstico home movie -, sem dvida, uma das
formas de salv-las digitaliz-las e, alternativamente, coloc-las na nuvem
da Internet, ou seja, no YouTube ou similar, que passa a ter o papel de uma
grande biblioteca flmica pois, analogamente aos livros, muitas bibliotecas
foram montadas por pessoas comuns e colecionadores e depois doadas a
bibliotecas oficiais ou de instituies de ensino. Estamos aqui defendendo, de
alguma maneira, a preservao da imagem, j que o suporte original pode ser
perecvel ao longo do tempo. Como exemplo do uso da Internet para
disseminao de realizaes dos mais variados tipos, podemos citar a
digitalizao do acervo da biblioteca de Jos Mindlin, doada USP e que far
parte da biblioteca Brasiliana da Universidade de So Paulo, a qual pode ser
consultada pela Internet em www.brasiliana.usp.br, graas a um rob que l e
digitaliza at 2.400 pginas por hora e reconhece at 120 idiomas diferentes.
As obras (40.000 volumes), textos, documentos e imagens so de domnio
pblico e podem ser utilizadas para fins no comerciais. No estamos falando
aqui de um simples catlogo, mas de obras completas, que podem ser
consultadas, baixadas no nosso computador pessoal e impressas, como
quisermos. No apenas a forma de armazenar mudou, mas tambm a forma de
consultar, pois cada vez mais frequente o uso de tablets para acessar
acervos digitalizados. Este fato prova a fora dessa ferramenta e a tendncia
de substituir meios tradicionais de armazenamento de acervos de informaes,
como livros, material impresso em geral, filmes com suporte original em
pelculas, imagens e sons. Apesar da resistncia de muitos puristas ou
conservacionistas, temos de nos render a essa nova realidade. , sem dvida,
tambm muito grande a influncia da tecnologia na realizao do filme
domstico e isto inevitvel.
17< http://www.archive.org/details/Alice_in_Wonderland_1903?start=449.5>Acesso em: 16 mai. 2010.
http://www.archive.org/details/Alice_in_Wonderland_1903?start=449.5
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3. UMA VISO SOBRE ASPECTOS DE ALGUMAS OBRAS DISPONVEIS
NA INTERNET E NO ACERVO DO AUTOR
Neste captulo sero analisados alguns filmes domsticos selecionados,
sendo os critrios de seleo os seguintes:
Busca de filmes por meio da Internet / Youtube / Sites especficos -
Dada a facilidade de pesquisa e acesso a milhares de filmes com o uso
de palavras chave, com a possibilidade de observ-los e baix-los no
computador pessoal.
poca de realizao - Filmes mais antigos (dcada de 1940) e mais
recentes (dcada de 1990), buscando fornecer uma viso acerca de
suas diferenas em vrios aspectos: realizao, tema, significado,
tecnologia, moda, momento histrico e social, local, meios de transporte,
comunicao, arquitetura e outros.
Ressalte-se tambm que foi tentada a seleo de filmes domsticos do
acervo da Cinemateca Brasileira em So Paulo, todavia esbarrou-se em
problemas de pesquisa como, segundo informaes do setor, no haveria
filmes com as caractersticas pretendidas ou ainda, demandaria mais tempo
para a pesquisa e, se fossem localizados, poderiam ser assistidos, mas a
cpia, mesmo que parcial, dependeria da autorizao do depositante da
obra, o que seria difcil e poderia levar alguns meses. Esses entraves
inviabilizaram a pesquisa nessa fonte.
Evidentemente os filmes selecionados foram escolhidos pelo significado
do seu contedo e no por sua condio esttica ou estado de
conservao.
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3.1 ANLISE DOS FILMES SELECIONADOS
3.1.1 Famlia Pereira (Bairro da Penha - So Paulo - SP) 18
Caractersticas
O texto abaixo postado juntamente com o filme e de autoria de quem o
postou. Dadas as caractersticas dos filmes e do texto, provavelmente trata-se
de um descendente do autor do filme original - Sr. Geraldo Pereira. No foi
possvel contato com a pessoa que o enviou:
Filmado por Geraldo Pereira, filme realizado em So Paulo,
Bairro de Penha de Frana no inicio da dcada de 1940.
Postado no YOUTUBE para ser divulgado aos estudantes e
pesquisadores de genealogia bem como os familiares da
familia Garcia Pereira. (Enviado em 29/04/2009).
18 Acesso em: 15 dez. 2011.
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Descrio:
Postados por um descendente da famlia do Sr. Geraldo Pereira
(conforme crditos nas montagens), foram disponibilizados no site Youtube no
ano de 2009, seis filmes originalmente silenciosos em preto e branco e alguns
coloridos, produzidos entre os anos de 1940 a 1943. Tudo indica ter sido
o Sr. Geraldo Pereira um aficcionado por filmagens, vendo-se no fotograma
acima um projetor, bitola 16mm, mais comuns naquela poca.
Todos os filmes mostram cenas do cotidiano da famlia, destacando
especialmente as crianas. Com a edio realizada posteriormente,
provavelmente pelo autor da postagem, foi colocado som (msica de fundo) e
letreiros identificando as datas, o nome das pessoas, familiares, os eventos e
os locais. Com essas mudanas, claro est que o filme no est em seu estado
puramente original, mas quem se apropriou dele buscou torn-lo mais
inteligvel e atraente ao espectador, sem no entanto modificar suas cenas.
Dentre elas, podemos destacar: cenas de rua (moradia da famlia),
crianas brincando, o pai com as filhas, o colgio So Miguel com seus alunos
de diversas idades, de mos dadas, brincam de roda acompanhados por
professores no ptio, desfile cvico de rua (comemorao de 7 de Setembro),
Natal, Ano Novo, pessoas da famlia, festa de aniversrio, brinquedos.
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Observaes:
Por meio das imagens podemos constatar a moda no vesturio tpico de
uma famlia que habitava um dos bairros mais antigos de So Paulo. Local
ainda em formao, observa-se muitas ruas de terra e um ambiente com muita
vegetao, denotando ocupao ainda incipiente. Nota-se que o local possui
ainda muitas chcaras, nas quais so observados vrios animais domsticos:
cavalo, cabras e galinhas. Com o nome das ruas e endereos identificados nos
letreiros, seria possvel realizar atualmente uma pesquisa e um estudo
comparativo em termos de arquitetura e ocupao urbana (antes e depois). Foi
postado um comentrio elogiando a atitude de disponibilizar os filmes em
termos de "documento histrico". possvel notar tambm que a qualidade das
imagens melhora nos filmes produzidos posteriormente, provavelmente pela
troca do equipamento e pelas imagens coloridas. Percebe-se tambm uma
melhoria no padro scio-economico da famlia, comparando por exemplo, a
melhoria na qualidade dos brinquedos das crianas, nota-se nos ltimos filmes.
Num dos filmes tambm se observa uma locomotiva e vages trafegando na
linha frrea da regio, com a inscrio Central do Brasil, o que traz ao
espectador a informao que essa empresa operava na regio na dcada de
1940. Outros veculos no so observados nos filmes. Em relao s imagens
escolares possvel perceber a mistura de alunos de diferentes faixas etrias,
tanto nas brincadeiras de roda no ptio do colgio So Miguel, como no desfile
de rua, o que demonstra uma mudana significativa na forma de gesto escolar
na organizao das atividades extra classe.
Pelo que se pode observar, trata-se de filmes bem caractersticos do
filme de famlia, ou filme domstico, de acordo com a acepo de Roger Odin:
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sem delimitao, assuntos misturados, falhas de enquadramento, a fotografia
animada e limitaes tcnicas, a despeito de considerarmos a poca em que
foram produzidos. O entendimento das imagens melhorou sensivelmente
depois da edio realizada a posteriori, utilizando a converso do suporte
original para mdia digital e incorporao de letreiros, msica de fundo e
crdito, mas sem narrao.
O site Youtube tambm permite comentrios de internautas que assistam os
filmes l postados. O comentrio abaixo expressa a opinio de uma pessoa
que atribui ao filme um "documento histrico" da Zona Leste de So Paulo
(regio da Penha), o qual transcrevemos abaixo:
Parabns, por este documento histrico, da Zona Leste, regio da Penha, me apoderei de 5 e postei em uma Comunidade de Poesia - tpico Cantinho de Sua Cidade ou Bairro - do Orkut Eduardo Duda Poeta Encantador. E novamente Parabns. Eduardo
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3.1.2 Famlia Feder (Botafogo - Rio de Janeiro - RJ)19
Caractersticas
O texto abaixo de autoria da pessoa que disponibilizou o filme no
Youtube, que segundo informao do site, trata-se de Leonardo Feder,
descendente do autor do filme, Sr. Walter Feder, de acordo com os crditos e
palavras chave do site, tendo sido postado no ano de 2009.
Cenas de vila e seus moradores em Botafogo, frente a rua Bambina. Rua So Clemente perto do Colgio Santo Incio. (Enviado por Leonardo Feder em 16/07/2009)
19< http://www.youtube.com/watch?v=MktUWQTGq6U>Acesso em: 17 dez. 2011.
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Descrio:
De acordo com o letreiro inicial, trata-se de um trecho de filme da famlia
de Walter (Feder) e Cyrene produzido por volta de 1952. Postado no Youtube
por Leonardo Feder, descendente da famlia (provavelmente filho) e autor da
edio, conforme consta nos crditos. Trata-se de filme originalmente realizado
em preto e branco, silencioso, no qual foram inseridos letreiros identificando as
datas e local da filmagem. Como no caso anterior, o filme no se encontra no
estado puro e original, pois foram adicionados letreiros alusivos ao nome da
famlia, mas isso no altera suas cenas originais, apenas lhe adiciona
explicaes.
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Na maioria das cenas aparecem crianas brincando, andando numa rua
tranquila com a me, cena de rua na qual so vistos um bonde e uma
caminhonete em movimento. De acordo com o post trata-se de uma rua no
bairro de Botafogo - Rua So Clemente prxima ao Colgio Santo Incio. As
cenas de crianas brincando na rua mostram uma vila de casas simples, onde
residia a famlia.
Pode ser observado o ambiente tranquilo de um bairro central do Rio de
Janeiro daquela poca, local em que as crianas podiam brincar
despreocupadamente nas ruas.
As brincadeiras infantis so representadas pelo patinete, cavalo de
madeira, pular corda e boneca, praticadas tranquilamente na rua.
Este filme provocou diversos comentrios mencionando as cenas e
pedindo mais informaes, podendo-se notar uma certa nostalgia de reviver o
passado, pelo menos pelas imagens. Um dos trechos de um comentrio diz:
"Esse vdeo tem a capacidade de deixar emocionado at aquele no viveu
nessa poca", podemos aqui observar a fora de uma imagem realizada de
forma despretenciosa. Outros comentrios prendem-se arquitetura da poca,
das casas de uma vila, do terreno ajardinado no qual as crianas brincavam e
esttuas de leo que ornamentavam a entrada da vila. interessante notar o
interesse das pessoas pelos aspectos de preservao e daquilo que existe hoje
no local. Uma das pessoas pede para entrevistar quem postou o filme e outra
gostaria de saber o que feito das meninas que aparecem nas cenas.
Trata-se, sem dvida, de uma consequncia da exibio pblica de um
acervo privado.
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Observaes:
Nota-se nas imagens a ausncia do pai, aparecendo apenas a me e as
crianas, o que provavelmente significa que o pai era quem realizava as
filmagens da famlia.
Dada a significativa quantidade de comentrios postados, nota-se que
muitas pessoas, antigos moradores do bairro de Botafogo, ainda se ressentem
da vida pacata tenha marcado suas infncias. Muitos se lembram do local de
uma forma carinhosa e demonstram curiosidade em saber se o local ainda
existe e o que feito daquelas pessoas. Os filmes de famlia se caracterizam
por mostrar apenas momentos felizes.
As brincadeiras caracterizam uma poca na qual a maioria das crianas
ainda brincavam a maior parte do tempo na rua, despreocupadamente, com
brincadeiras consideradas ingnuas na poca atual.
Trata-se de outro exemplo bem sign