Fernando Brenha RibeiroEder Cassola Molina
8.1 Deriva continental8.2 Magnetismo das rochas: propriedades magnéticas 8.3 Temperatura de Curie e temperatura de bloqueio8.4 A magnetização das rochas8.5 Deriva polar: a hipótese do dipolo geocêntrico axial8.6 Deriva aparente dos polos8.7 As reversões do campo geomagnético8.8 Anomalias magnéticas lineares nas bacias oceânicas Referências
Licenciatura em ciências · USP/ Univesp
Geof
ísic
a
O MOviMenTO DOs COnTinenTes8
165Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
Geofísica
8.1 Deriva continentalA ideia de que os continentes possam se mover ao longo da superfície da Terra não é recente.
No final do século XIX já havia especulações a esse respeito que, a partir da publicação do livro
A Origem dos continentes e dos oceanos por Alfred Wegener em 1915, deram origem
a um dos grandes debates da história das ciências da Terra. De um lado, os adeptos da ideia
da deriva continental - os mobilistas - defendiam, com base em um conjunto de evidências
geográficas, paleoclimáticas e paleontológicas, a hipótese de que os continentes estivessem todos
reunidos em um único supercontinente em torno de 200 Ma atrás.
Os opositores da deriva continental - os fixistas - refutavam todas as evidências apresentadas,
e isso era possível devido à falta de dados geológicos que fossem realmente convincentes.
Embora houvesse evidências sugestivas da deriva continental, elas estavam longe de ser real-
mente persuasivas. Um dos argumentos utilizados pelos opositores da deriva continental era a
falta de um mecanismo físico que permitisse o movimento dos continentes em um planeta com
a estrutura como a da Terra.
O debate sobre a deriva continental foi longo e se estendeu, na realidade, até a década de
1970, quando, com exceção de poucos opositores, a ideia da deriva continental passou a ser aceita
de forma geral. Essa aceitação, no entanto, só foi possível graças a uma série de observações que
começaram a ser feitas na década de 1950 e que levaram à proposição da tectônica de placas,
que é uma teoria mais ampla do que simplesmente a hipótese da deriva continental.
Uma revisão histórica da deriva continental e da proposição da tectônica de placas pode
ser encontrada em vários trabalhos. Uma revisão bastante detalhada pode ser encontrada em
Wyllie ou em Oreskes. Apresentaremos, na sequência, apenas as principais evidências que
levaram à proposição da teoria da tectônica de placas.
166 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
8 O movimento dos continentes
8.2 Magnetismo das rochas: propriedades magnéticas
Os átomos de um grande número de elementos possuem momento magnético próprio, o que, em
termos muito simples, significa que esses átomos se comportam como pequenos ímãs permanentes.
O momento magnético é uma grandeza vetorial caracterizada por uma magnitude e
por uma direção e um sentido, que são determinados pela estrutura eletrônica do átomo.
Na ausência de um campo magnético externo, o momento magnético de um átomo
isolado pode apontar para qualquer direção. Se sobre esse átomo for aplicado um campo
magnético externo, o átomo tende a se alinhar ao campo da mesma forma que a agulha
de uma bússola tende a se alinhar ao campo magnético da Terra.
Por outro lado, o comportamento de um conjunto de átomos com momento magnético
próprio é muito diferente do comportamento dos átomos isolados pelo fato de os átomos intera-
girem entre si. A descrição dos mecanismos de interação é complexa para um curso introdutório
e, portanto, não será apresentada aqui. Apenas o resultado final da interação será apresentado.
Quando vários átomos com momento magnético próprio são mantidos próximos uns dos
outros como, por exemplo, em uma estrutura cristalina, a interação entre os momentos atômicos
tende a organizar os momentos magnéticos individuais em uma entre quatro formas diferentes.
Na primeira, que ocorre com metais como Fe, Ni e Co, os vetores momento magnético se
alinham, na forma esquematizada na Figura 8.1a. Como todos os vetores momento magnético
apontam para a mesma direção, a estrutura cristalina tem um momento magnético próprio.
Materiais com essa propriedade são chamados materiais ferromagnéticos.
A segunda forma de organização, que ocorre, por exemplo, com alguns óxidos de metais
de transição, Níquel (Ni) e manganês (Mn), é exatamente oposta à primeira. Os momentos
magnéticos se alinham em uma mesma direção, mas com os momentos magnéticos alternando os
sentidos (Figura 8.1b). Como resultado, o momento magnético total, que é a soma vetorial dos
momentos individuais, se anula. Esses materiais são chamados antiferromagnéticos simples.
Em outros materiais, elementos diferentes, ou íons diferentes de um mesmo elemento com
momentos magnéticos diferentes, se organizam de forma semelhante aos materiais antiferro-
magnéticos simples. Nesse caso, porém, como os momentos não são iguais, a soma vetorial dos
momentos individuais não é nula, o que gera um momento magnético fraco (Figura 8.1c).
167Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
Geofísica
Esse tipo de material recebe o nome de material ferrimagnético. Em alguns outros materiais, os
momentos magnéticos individuais são idênticos e se organizam de forma semelhante aos antifer-
romagnéticos simples, mas sem um alinhamento perfeito (Figura 8.1d). Esses materiais também
apresentam um momento magnético fraco e são chamados materiais antiferromagnéticos incli-
nados ou acantonado.
No caso de materiais que não sejam antiferromagnéticos simples, ocorre também um segundo
processo de auto-organização dos momentos magnéticos, que está associado ao tamanho do grão
mineral. O estabelecimento de um momento magnético não nulo em um cristal corresponde a um
acúmulo de energia. Dois ímãs colocados lado a lado interagem entre si de forma a se repelirem. Para
mantê-los juntos é necessário fornecer energia ao sistema
a fim de contrabalançar o efeito da repulsão. Quando o
grão mineral é muito pequeno (Figura 8.2a), a energia
acumulada no grão é pequena, de modo que é possível a
orientação do momento magnético.
À medida que o grão mineral cresce, a energia
acumulada cresce, criando uma situação instável que
tende a desorganizar o alinhamento dos momentos
magnéticos atômicos. Como resultado, o grão mineral
Figura 8.1: As quatro possíveis formas de auto-organização dos momentos magnéticos de um conjunto de átomos mantidos suficientemente próximos para interagirem entre si.
d
b
c
a
Figura 8.2: Domínios magnéticos: a. domínio simples em um grão mineral pequeno; b. grão mineral com domínios magnéticos múltiplos.
a b
168 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
8 O movimento dos continentes
se subdivide em regiões ou domínios magnéticos, cada um com momento magnético estável
(Figura 8.2b). Na ausência de campo magnético externo, esses momentos dos domínios se
orientam de forma aleatória, de modo que o grão mineral não exibe momento magnético
líquido. Esse é o motivo pelo qual uma barra de ferro, que é um material ferromagnético, não
apresenta, na ausência de campo magnético externo, momento magnético próprio significativo.
Quando o material é introduzido em uma região onde existe campo magnético, em uma
primeira fase os limites entre os vários domínios se movem de forma a aumentar os grãos com
momento magnético na direção do campo aplicado (Figura 8.3). Para campos externos altos,
também é produzida a magnetização devido a uma rotação dos domínios (Figura 8.4). Nessa
situação, a soma vetorial dos momentos dos grãos minerais deixa de ser nula.
O movimento dos limites entre os domínios e a rotação dos domínios são processos que requerem
energia, e essa energia é retirada do campo magnético externo que induz a magnetização. Quando
o campo magnético externo é diminuído ou retirado, a reorganização dos domínios também requer
energia e usa a energia acumulada na magnetização do grão mineral. Como o processo de reor-
ganização é dissipativo, isto é, transforma parte da energia disponível em calor, a magnetização do
material, a um determinado valor de campo externo na fase em que o campo diminui, não é igual
à magnetização adquirida na fase em que o campo aumentava.
Figura 8.3: Movimento dos limites entre domínios na presença de um campo intensidade magnética He
externo com a consequente indução de momento magnético líquido M
. O volume dos domínios na direção e no sentido do campo externo aumenta, enquanto que o volume dos domínios não alinhados diminui.
Figura 8.4: Indução de momento magnético líquido M
em função da rotação dos momentos individuais dos domínios devido à presença de um campo intensidade magnética He
externo forte.
169Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
Geofísica
Na fase em que o campo cresce, o movimento dos
limites entre os domínios tem no campo externo uma
fonte de onde pode retirar toda a energia necessária. Na
fase em que o campo diminui, a energia disponível é
apenas a energia acumulada no material. Sobra, na realida-
de, uma magnetização residual.
Esse processo é o responsável pela ocorrência daquilo
que é chamado de histerese magnética, ilustrado no
diagrama da Figura 8.5. Imagine que um material
magnético esteja inicialmente livre de campo magnético
externo. Nesse caso, a magnetização líquida é nula.
Se um campo magnético externo for aplicado de forma
crescente, a magnetização do material crescerá até atingir
um valor máximo. Nessa situação, o material estará
saturado do ponto de vista magnético. Se, agora, o campo
for diminuído progressivamente até zero, o material
reterá, pelo motivo descrito no parágrafo anterior, uma magnetização residual ou remanescente.
Por outro lado, se o módulo do campo magnético começar a aumentar novamente, mas com
o vetor campo apontando no sentido oposto ao inicial, a magnetização do material diminuirá
progressivamente até se anular. O valor do campo necessário para anular a magnetização rema-
nescente é chamado de campo coercitivo ou, algumas vezes, de força coercitiva. Aumentando
ainda mais o módulo do campo, o material passa a adquirir uma magnetização que, eventual-
mente, atinge a saturação. Repetindo o processo de forma cíclica, a curva de magnetização se
fecha, formando o que se chama curva de histerese magnética do material.
A área contida dentro da curva representa a dissipação de energia no processo. Materiais muito
dissipativos apresentam áreas muito grandes e materiais pouco dissipativos apresentam áreas menores.
Um material magnético ideal não dissiparia energia e a curva de histerese se reduziria a uma linha
passando pela origem do diagrama na Figura 8.5.
Figura 8.5: Curva de histerese de um material magnético onde a intensidade do vetor M
é expresso em função do um campo intensidade magnética He
externo. MR é o módulo da magnetização remanescente e Hc é o módulo da força coercitiva (campo coercitivo).
170 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
8 O movimento dos continentes
8.3 Temperatura de Curie e temperatura de bloqueioA organização dos momentos magnéticos atômicos para produzir espontaneamente um
momento magnético líquido, em materiais ferromagnéticos ou ferrimagnéticos, não ocorre
a qualquer temperatura. A agitação térmica dos átomos se opõe à orientação, de modo que
existe uma competição entre dois processos. Uma das características dos materiais magnéticos
é a chamada temperatura de Curie. Acima dessa temperatura, a magnetização espontânea não
é possível. Abaixo da temperatura de Curie, que no caso, por exemplo, do mineral magnetita
é de 580 °C, a magnetização espontânea passa a ocorrer.
No caso de um grão pequeno onde existe um único domínio magnético, o momento
magnético se torna progressivamente maior com o resfriamento. No entanto, mesmo que a
temperatura esteja abaixo da temperatura de Curie, a agitação térmica ainda será suficiente para
forçar uma contínua reorientação do momento magnético, até que a temperatura caia abaixo do
que se chama temperatura de bloqueio, que normalmente é algumas dezenas de graus mais baixa
que a temperatura de Curie. Abaixo da temperatura de bloqueio a magnetização fica estável.
8.4 A magnetização das rochasA maioria das rochas contém pequenas quantidades de minerais ferrimagnéticos e anti-
ferromagnéticos inclinados, dispersos na matriz da rocha. Esses minerais são os responsáveis
pela preservação de um momento magnético, que é induzido pelo campo magnético da Terra
no momento da formação das rochas. Essa magnetização registra a direção e, em princípio, a
intensidade do campo magnético existente no local e no momento da formação da rocha.
A esse momento magnético inicial, outras componentes posteriores de magnetização podem
se superpor, mas, na maioria dos casos, a magnetização inicial é a mais estável, de modo que é
possível determiná-la em laboratório. A magnetização determinada em laboratório recebe o
nome de magnetização remanescente natural. A aquisição dessa magnetização pode ocorrer
através de diversos processos, dos quais três são importantes para estudos paleomagnéticos.
171Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
Geofísica
O primeiro processo é a magnetização térmica remanescente, que é adquirida pelo resfria-
mento de uma rocha ígnea na crosta superior, quando a temperatura da rocha cai abaixo da
temperatura de bloqueio dos minerais magnéticos presentes. Além disso, rochas de qualquer
tipo que sejam aquecidas acima da temperatura de Curie em função, por exemplo, de contato
com um corpo intrusivo perdem a magnetização que possuíam antes da intrusão, e passam
a registrar a direção do campo geomagnético do momento em que a temperatura retorna a
valores inferiores à temperatura de bloqueio.
O segundo processo importante é a magnetização remanescente detrítica. Rochas sedimen-
tares clásticas, ou seja, rochas sedimentares formadas por fragmentos de rochas pré-existentes,
herdam os minerais magnéticos das rochas que deram origem aos sedimentos. Esses minerais
possuem momento magnético próprio e, durante o processo de deposição ou logo após, se ali-
nham na direção do campo magnético da Terra da mesma forma que a agulha de uma bússola.
O terceiro processo importante de magnetização é a magnetização química remanescente.
A magnetização química ocorre quando um mineral magnético é formado no sedimento por
precipitação. Processos de alteração dos minerais e de metamorfismo também podem levar à
aquisição de magnetização química.
8.5 Deriva polar: a hipótese do dipolo geocêntrico axial
A determinação do momento magnético líquido de uma amostra de rocha permite estimar
a posição do polo magnético do campo terrestre no momento em que a magnetização foi
obtida, supondo que o campo indutor fosse um campo dipolar.
Como já visto no texto O campo magnético terrestre, o campo magnético originado
no interior da Terra não pode ser considerado um campo dipolar, isto é, um campo semelhante
ao campo magnético produzido por um ímã. O campo magnético da Terra tem, na realidade,
a forma de um campo dipolar sobre o qual se superpõem campos magnéticos com morfologia
bem mais complexa, cuja soma é chamada de componente não dipolar do campo.
A componente dipolar e a componente não-dipolar do campo não são estáticas e variam
como função do tempo. As variações da componente não-dipolar são mais rápidas que as
variações do campo dipolar, de modo que uma média do campo magnético calculada em um
período longo deve diminuir o peso da componente não-dipolar.
172 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
8 O movimento dos continentes
A posição média dos polos paleomagnéticos calculados com base em conjuntos de
amostras, cobrindo períodos da ordem de 10.000 anos ou mais, tende a coincidir com a
posição do polo geográfico da Terra no caso de amostras de formações com idades inferiores
a, aproximadamente, 20 milhões de anos.
Essa observação levou à formulação da hipótese de que o campo geomagnético tenha sido
sempre predominantemente dipolar, com o eixo próximo ao eixo de rotação da Terra, de forma
que a posição média do eixo do dipolo, calculada em um intervalo de tempo suficientemente
longo, coincide com o eixo de rotação da Terra. Essa hipótese, chamada de hipótese do dipolo
geocêntrico axial, é fundamental para a interpretação de dados paleomagnéticos, pois dela
dependem as mais importantes conclusões obtidas com base nesses dados.
As evidências em favor da hipótese do dipolo geocêntrico axial provêm de estudos paleomagné-
ticos realizados em rochas ígneas e sedimentares jovens e em sedimentos jovens de fundo oceânico.
Sedimentos muito finos são depositados no assoalho de bacias oceânicas com veloci-
dades de sedimentação variando entre 1 m/Ma e 10 m/Ma. Como a taxa de deposição
é lenta, o campo magnético registrado em uma lâmina de sedimento, com espessura da
ordem de dois centímetros, representa uma média do campo geomagnético em um período
que varia entre 2.000 e 20.000 anos.
Uma forma de se testar a validade da hipótese do dipolo axial é comparar a inclinação do
campo registrado em amostras de sedimentos com espessura de alguns centímetros com a
inclinação esperada pelo modelo de dipolo axial para o local em que o sedimento foi depositado.
A comparação mostra um excelente acordo entre a previsão teórica e os dados experimentais.
8.6 Deriva aparente dos polosConsidere que, em uma determinada região continental, tenha sido obtido um conjunto
de polos paleomagnéticos. Nesse conjunto, cada polo corresponde à média de um conjunto
de amostras com idades distribuídas em um intervalo suficientemente amplo (10.000 anos ou
mais) em torno de um valor médio bem definido. Nesse caso, admitida a hipótese do dipolo
geocêntrico axial, cada polo representa uma estimativa da posição do polo de rotação da Terra
na época correspondente.
173Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
Geofísica
Se cada um dos polos for localizado em um
mapa da superfície da Terra, e se houver polos
correspondendo a idades médias superiores a,
aproximadamente, 30 milhões de anos, o que
se obtém é a representação de um movimento
aparente do polo de rotação sobre a superfí-
cie da Terra (Figura 8.6). Admitindo-se que
a orientação do eixo de rotação da Terra em
relação, por exemplo, às estrelas fixas, não tenha
sido alterada significativamente ao longo, pelo
menos, da maior parte da história da Terra,
existem duas alternativas diferentes para expli-
car esse movimento.
Uma possibilidade é a de que as diferentes
feições geográficas da superfície da Terra se
tenham mantido fixas umas em relação às outras
e que todo o conjunto se tenha movimentado
em relação ao eixo de rotação. Outra possibili-
dade é a região onde os polos paleomagnéticos
foram obtidos ter-se movimentado em relação às demais feições da superfície da Terra. Nesse
caso, o movimento aparente do polo é o inverso do movimento da região em relação ao polo.
Não há como decidir por uma ou outra hipótese com base em uma única curva de deriva
polar aparente. No entanto, comparando curvas de deriva polar obtidas em regiões diferentes,
mas cobrindo o mesmo intervalo do tempo geológico, é possível verificar se houve movimento
relativo entre as duas regiões.
A Figura 8.7 apresenta a curva de deriva polar aparente, em um mesmo intervalo da his-
tória da Terra, observada em dois continentes distintos: a América do Norte (verde) e a Europa
(vermelho). As duas curvas são diferentes. Se a hipótese do dipolo geocêntrico axial for aceita,
a primeira alternativa para explicar a origem da curva de deriva polar aparente perde o sentido
porque, nesse caso, as curvas deveriam ser iguais para os dois continentes. A existência de curvas
diferentes indica que os dois continentes se moveram um em relação ao outro.
Figura 8.6: Representação esquemática do movimento aparente do pólo paleomagnético através da sua projeção no hemisfério norte. As idades associadas aos números representam uma possível variação temporal da posição do pólo desde 500 Ma anos atrás. / Fonte: Modificado de Stacey, 1977.
174 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
8 O movimento dos continentes
8.7 As reversões do campo geomagnéticoUm dos resultados mais importantes do paleomagnetismo foi demonstrar que o campo
geomagnético alterna a sua polaridade ao longo do tempo. Chamando a polaridade atual do
campo magnético da Terra de polaridade normal, o registro paleomagnético mostra que houve,
no passado, longos períodos em que a polaridade do campo era predominantemente oposta, ou
reversa, em relação à polaridade normal.
A Figura 8.8 modificada de Stacey (1977) esquematiza a variação da polaridade do campo
geomagnético nos últimos cinco milhões de anos. Entre o presente e, aproximadamente,
690.000 anos o campo magnético apresentou polaridade normal. Entre 690 ka e 2,43 Ma, o
campo magnético foi predominantemente reverso, mas houve alguns períodos mais curtos, com
duração entre 50 ka e 150 ka, em que o campo voltou à polarização normal. Entre 2,43 Ma
e 3,32 Ma, o campo apresentou polaridade normal, com pequenas incursões para o estado de
polaridade reversa, e entre 3,32 Ma e 5,10 Ma o campo foi predominantemente reverso.
Figura 8.7: Movimento aparente dos pólos paleomagnéticos observados na América do Norte (curva verde) e na Europa (curva laranja) no mesmo intervalo de tempo. A projeção dos pólos é feita no hemisfério norte. As idades associadas aos números, em algarismos romanos no caso de dados da América e em arábicos no caso de dados europeus, representam uma estimativa aproximada e imprecisa / Fonte: modificado de Stacey, 1977.
175Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
Geofísica
Os intervalos de tempo mais longos, caracterizados por uma polaridade predominante, são
chamados de épocas e os períodos mais curtos de polarização oposta à predominante recebem o
nome de eventos. As épocas registradas na Figura 8.8 receberam o nome de pesquisadores que
contribuíram para o estudo do campo magnético da Terra, e os eventos são identificados pelo
local onde foram identificados pela primeira vez. A Figura 8.9 também modificada de Stacey
(1977) apresenta a coluna de variação do campo geomagnético desde o presenta até 80 Ma.
A determinação da polaridade do campo geomagnético, com base em amostras retiradas de
um depósito sedimentar contínuo ou de uma sequência de derrames, onde a idade da deposição
pode ser estabelecida com alguma precisão, permite escrever a história do campo magnético no
período coberto pela sequência de lavas ou sedimentos no local de afloramento da sequência.
Figura 8.8: Coluna de reversões do campo magnético da Terra nos últimos 5,10 Ma. São identificadas as épocas magnéticas do período, os ventos dentro de cada época e as polaridades respectivas. A polaridade normal, coincidente com a polaridade do campo atual é representada em preto. A idade dos limites entre as diferentes polaridades é fornecida em milhões de anos / Fonte: modificado de Stacey, 1977.
176 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
8 O movimento dos continentes
8.8 Anomalias magnéticas lineares nas bacias oceânicas
Desde a década de 1950, levantamentos magnéticos foram realizados nos oceanos sobre
diferentes feições do seu assoalho. De maneira geral, os levantamentos eram feitos por navios que
rebocavam, através de um cabo longo, um magnetômetro, que registrava as pequenas variações do
campo magnético (Figura 8.10). Os levantamentos mais antigos produziram perfis longos e muito
espaçados, de modo que a sua interpretação era muito limitada, mas, em 1955, começaram a ser
realizados levantamentos com vários perfis magnéticos paralelos e pouco espaçados.
A interpretação desses perfis também, em geral, consistia na sobreposição dos perfis a um mapa
da região e no traçado de linhas de contorno de igual magnitude do campo magnético. Para isolar
feições do campo com a escala das dimensões da região investigada, o comportamento médio do
campo magnético era estimado calculando a média da intensidade do campo sobre um retículo
estabelecido sobre a área de estudo.
Figura 8.9: Coluna de reversões do campo magnético da Terra nos últimos 80 Ma. À esquerda é apresentado o período e a época geológica e à direita é apresentada a idade em milhões de anos. Na coluna de polaridade do campo magnético, a polaridade normal é representada pela cor preta / Fonte: modificado de Stacey, 1977.
177Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
Geofísica
Figura 8.10: Representação de um levantamento magnético em áreas oceânicas.
As dimensões desse retículo dependem da dimensão
total da área estudada e da escala de detalhe que o estudo
deseja. O campo magnético médio era, em seguida,
subtraído das medidas originais e o resultado assim obtido
representa as variações locais do campo magnético,
chamadas de anomalias magnéticas.
Com o passar do tempo, o processo de separação
do campo regional médio do campo de anomalias
se aprimorou muito com a introdução de técnicas
numéricas muito mais precisas, mas a filosofia por trás das
diferentes formas de análise é essencialmente a mesma.
O primeiro resultado obtido com essa técnica foi
publicado em 1958, onde um levantamento feito ao
largo da costa oeste dos Estados Unidos gerou um
mapa de anomalias magnéticas, caracterizado por um
conjunto de anomalias alongadas e aproximadamente
paralelas apresentado na Figura 8.11. Embora o
padrão observado não encontrasse, na ocasião, uma
explicação convincente, o acúmulo de resultados
semelhantes em outras regiões oceânicas, sobretudo sobre as dorsais oceânicas e as bacias
oceânicas, apresentava padrão semelhante.
Figura 8.11: Padrão de anomalias magnéticas alongadas observadas ao largo da costa oeste dos Estados Unidos. A área sombreada corresponde à polaridade normal. As linhas tracejadas correspondem a falhas conhecidas ou inferidas no assoalho oceânico. A falha mais ao sul da figura parece marcar um deslocamento do padrão de anomalias / Fonte: modificado de Wyllie, 1971.
178 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
8 O movimento dos continentes
O processo que levou a uma explicação convincente do padrão de anomalias magnéticas
é longo e será omitido aqui (os autores temem estar começando a cansar o leitor), mas, em
resumo, a explicação é a seguinte.
As anomalias observadas no fundo do assoalho oceânico foram identificadas como sendo
devidas a faixas alternadas de rochas com magnetização normal e magnetização reversa. A dúvida
que surgiu é como um padrão desses poderia ter sido gerado. A explicação proposta, que é um
tanto criativa (Figura 8.12), foi a de que, se o assoalho oceânico for produzido continuamente
ao longo das dorsais meso-oceânicas (o leitor há de se lembrar que existe um vulcanismo intenso
nessas regiões) de forma que o material mais novo produzido desloque o material mais antigo, o
assoalho oceânico irá registrar as variações do campo geomagnético.
O processo é semelhante ao que ocorre em um gravador de fita cassete, onde as variações
do campo magnético do cabeçote do gravador, que grosseiramente corresponde à dorsal,
ficam registradas na fita que se move sobre ele e que, também grosseiramente, corresponde ao
assoalho oceânico em movimento.
O material vulcânico e ígneo formado na cadeia meso-oceânica, inicialmente, tem uma
temperatura acima da temperatura de Curie, mas, com o resfriamento, adquire uma magne-
tização induzida pelo campo geomagnético existente no momento em que a temperatura
Figura 8.12: Representação esquemática de um possível processo de espalhamento do assoalho oceânico.
179Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
Geofísica
de bloqueio é ultrapassada. O assoalho oceânico mais velho se desloca para dar origem ao
mais novo e um registro do campo magnético também fica impresso no material mais jovem.
Se o processo for contínuo, tem-se um registro contínuo das variações do campo geomagnético.
O problema dessa explicação é encontrar um mecanismo para o deslocamento do assoalho
oceânico. O leitor também há de se lembrar que um dos argumentos dos fixistas do início do
século XX contra a ideia da deriva continental era a falta de um mecanismo físico plausível para
o processo. O mecanismo que causa o espalhamento do assoalho oceânico não tem explicação
muito precisa, mas, na realidade, ela não é tão necessária assim. O problema pode ser contornado
considerando duas observações diferentes.
A Figura 8.13 mostra a idade do
assoalho oceânico estimada por dados
paleontológicos, obtidos nos sedimentos
da base da camada sedimentar (camada 1)
da bacia do Atlântico Sul. A idade desses
sedimentos aumenta com a distância à
dorsal, o que sugere enfaticamente que
o assoalho oceânico está se expandindo.
Observações semelhantes foram feitas nas
demais bacias oceânicas. Isso significa que
as variações do campo magnético no assoa-
lho oceânico, que são variações observadas
em uma escala de distância à dorsal podem
ser traduzidas em uma variação temporal
do campo, desde que se admita a ideia do
espalhamento do assoalho.
Por outro lado, o registro das reversões do campo paleomagnético em um único local mostra
uma escala temporal dessas variações. O que ocorre é o fato de que o registro temporal das
reversões do campo obtido em um único local concorda com o registro temporal registrado nas
anomalias do fundo do assoalho oceânico. Embora ainda se possa apresentar alguma objeção à
explicação, o fato de os dois registros representarem as mesmas variações do campo magnético
reforça ainda mais a ideia de que o assoalho oceânico esteja mesmo em espalhamento contínuo.
Figura 8.13: Distância da dorsal meso-oceânica como função da idade dos sedimentos da base da camada 1, em contato com os basaltos do embasamento oceânico no Atlântico Sul. A taxa de espalhamento do assoalho oceânico, se esse conceito for aceito, é de aproximadamente 2 cm/ano para cada lado da dorsal. / Fonte: modificado de Stacey, 1977.
180 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
8 O movimento dos continentes
Os argumentos apresentados acima não foram aceitos de forma pacífica, mas, no início da década
de 1970, a força dos argumentos e dados geológicos e geofísicos, que foram sendo acumulados,
levou a uma aceitação generalizada da ideia do espalhamento oceânico e a formulação da teoria
da Tectônica de Placas. Não se pode esquecer, por exemplo, das evidências de deriva continental
fornecidas pelos dados paleomagnéticos. A formalização dessa teoria é assunto da próxima aula.
A procura por mecanismos físicos capazes de produzir o espalhamento oceânico não é, de
forma alguma, irrelevante e será assunto do texto “As forças que impulsionam as placas
litosféricas” de nossa disciplina.
ReferênciasOreskes, N. Plate Tectonics. “An inseder’s history of the modern theory the Earth”.
Boulder: Westview Press, 2003.
stacey, F. D. Physics of the Earth. 2. ed. New York: John Wiley and Sons, 1977.
Wyllie, P. J. The Dynamic Earth: Textbook in Geosciences. New York: John Wiley & Sons, 1971.
GlossárioMa: A idade geológica pode variar desde zero até 4.600.000.000 anos, que é a idade aproximada da Terra e
do Sistema Solar. Uma forma mais compacta de se escrever a mesma informação é utilizar potências de dez. Por exemplo, 8.000 anos, que corresponde aproximadamente ao término da última glaciação, pode ser escrito como 8,0 × 103 anos. A idade de uma rocha, por exemplo, 160.000.000 anos, pode ser escrita como 1,6 × 108 anos e a idade da Terra pode ser escrita como 4,6 × 109 anos. Uma forma mais comum consiste em expressar a idade fazendo uso de múltiplos de dez. Por exemplo, o término da última glaciação ocorreu a 8 ka (quilo ano, quilo significando 1.000), a idade da rocha é de 160 Ma (mega anos, mega significando milhões) e a idade da Terra é de 4,6 Ga (giga anos, giga significando bilhões).
Wyllie: P.J. Wyllie, 1971, The Dynamic Earth: Textbook in Geosciences, John Wiley & Sons, New York. Trata-se de um livro já bastante antigo, mas que contém, nos capítulos finais, uma revisão bastante detalhada e muito interessante da evolução das ideias que acabaram sustentando a teoria da tectônica de placas, feita ainda durante o estabelecimento dessa teoria.