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O Museu da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro: um objeto para
investigação em história (1968-1974).
The Museum of the Defense Campaign of Brazilian Folklore: an object for
investigation in history (1968-1974).
Elaine Cristina Ventura Ferreira
Resumo:
Os museus têm sido usados pelo Estado para construção das identidades nacionais.
Essas instituições, como lugares de memória, podem reatualizalizar o passado no
presente e construir um discurso sobre a nação. Nas políticas em que o Estado pretende
construir uma narrativa em torno das histórias nacionais, os museus reservam a sua
museografia e ações para dialogar com a abordagem desta história. O objetivo do
presente artigo foi traçar uma reflexão sobre o ensino do folclore propagado nas ações
do Museu da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro (MCDFB), com a proposta de
identificar a relação que a instituição estabeleceu entre o folclore e a nacionalidade.
Tomamos por material de análise jornais, a Revista Brasileira de Folclore (RBF) e as
atas de criação da instituição. Por meio da análise, verificamos a relevância dos museus
para investigação histórica. Nessa proposta, o museu foi tomado como objeto de estudo,
e foi identificado que essas instituições são resultados das ações de forças políticas e de
interesses que se vinculam a um contexto social abrangente.
Palavras-chave: Museu da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro; Ensino do
folclore; Nacionalidade; Investigação histórica.
Abstract:
Museums have been used by the state to build national identities. These institutions, as
places of memory, can re-actualize the past in the present and construct a discourse on
the nation. In the policies in which the State intends to construct a narrative around the
national histories, the museums reserve their museography and actions to dialogue with
the approach of this history. The aim of the present article was to draw a reflection on
the teaching of folklore propagated in the actions of the Museum of the Brazilian
Folklore Defense Campaign (MCDFB), with the proposal to identify the relationship
that the institution established between folklore and nationality. We take as material
analysis newspapers, the Brazilian Journal of Folklore (RBF) and the institution's
creation minutes. Through the analysis, we verified the relevance of museums for
historical research. In this proposal, the museum was taken as an object of study, and it
was identified that these institutions are results of the actions of political forces and
interests that are linked to a comprehensive social context.
Keywords: Museum of the Defense of Brazilian Folklore; Folklore teaching;
Nationality; Historical research.
Doutorado em andamento no Programa de pós – graduação em História da Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro – UFRRJ, orientada pela Professora Dra: Adriana Barreto de Souza. Email: cristi-
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Introdução
O Museu da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro (MCDFB) foi resultado
das ações do Movimento Folclórico Brasileiro que surgiu no Brasil no ano de 1947.
Com o fim da 2º Guerra Mundial foi criada a Organização das Nações Unidas para
Educação, Ciência e Cultura – (Unesco) que foi sediada em Paris. Segundo Lúcia Lippi
de Oliveira, a promulgação da valorização do folclore pela Unesco surgiu como
resposta às teorias raciais do século XIX que não deram conta de explicar a diversidade
cultural. O folclore servia como fundamento da construção de identidades nacionais e
como instrumento de compreensão das diferenças entre os povos. 1
Foi neste cenário que no Brasil foi formada uma “rede” de intelectuais
interessados em atuar na defesa do folclore. Chamamos de folclore neste estudo, um
campo do saber voltado para a investigação da cultura popular que na ocasião era
chamada de folclore2. Em 05 de fevereiro de 1958 na presidência de Juscelino
Kubistchek3, o Movimento Folclórico Brasileiro passou a ser chamado de Campanha de
Defesa do Folclore Brasileiro que na ocasião já reconhecia o folclore como um campo
do saber da cultura popular:
O estudo e a defesa de nosso folclore, tal como apelou o chefe da
nação, o Presidente Juscelino Kubitschek quanto, mais conhecermos,
em bases científicas, os dados culturais da nossa gente mais a
possibilidade de se fazer tranquilamente o planejamento do gênero, no
que tange ao levantamento dos níveis de civilização e coletividade. 4
1OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Cultura é patrimônio. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2008. 2O preâmbulo da Convenção de Londres, que instituiu a Unesco em 1946, determinou, em seu Artigo 07,
o estabelecimento em cada país, de organismos compostos de Delegados Governamentais e de grupos
interessados em educação, ciência e cultura, destinados a coordenar esforços nacionais, associá-los à
atividade daquela organização e assessorar os respectivos governos e delegados às Conferências e
Congressos, como agentes de ligação e informação.
3Às dezessete horas e trinta minutos do dia vinte seis de agosto de mil novecentos e cinquenta e oito, no
Salão nobre do Palácio da Educação, foi solenemente instalada, pelo Senhor Ministro da Educação e
Cultura, Professor Clóvis Salgado, a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, instituída pelo Decreto
de número 43.178 de 05 de fevereiro de 1958 com a posse de membros do Conselho técnico do folclore
órgão dirigente daquela Campanha, designados por portarias ministeriais publicadas no Diário Oficial de
cinco de agosto de mil novecentos e cinquenta e oito, a saber: Mozart de Araújo, membro e Diretor
Executivo da Campanha, Renato Almeida, membro nato, na qualidade de Secretário Geral da Comissão
Nacional de Folclore, Manoel Diegues Júnior, este ausente por doença, Édison Carneiro e Joaquim
Ribeiro. 4Diário de São Paulo, São Paulo, 21 de setembro de 1958. Defesa ao Folclore – Renato Almeida.
Biblioteca Amadeu Amaral do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, Rio de Janeiro.
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Em seus anos de existência, a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro
(CDFB) contou com a atuação dos seguintes gestores: Édison Carneiro (1961-1964),
Renato Almeida (1964-1974) quem criou e dirigiu o Museu da Campanha de Defesa do
Folclore Brasileiro; Bráulio do Nascimento (1975-1981) quem dirigiu o Museu da
Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, (desde 1976) Museu de Folclore Édison
Carneiro. A criação do MCDFB está relacionada com a direção de Renato Almeida na
CDFB, o recorte temporal deste estudo se inicia no ano de criação do Museu da
Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e 1968 e termina com o fim da gestão de
Renato Almeida na instituição em 1974.
O Museu foi inaugurado em uma data emblemática para os estudos do folclore
no Brasil: o Dia do Folclore instituído pelo decreto 56.747 de 17 de agosto de 1965 na
presidência de Humberto de Alencar Castelo Branco5. No dia 22 de agosto de 1968, foi
realizado no Parque do Palácio do Catete, onde funciona o Museu da República, a
inauguração do Museu de Folclore do Rio de Janeiro, resultante de um Convênio com o
Museu Histórico Nacional e a CDFB. Coube a Campanha, a administração do novo
órgão e a sua organização, técnico- folclórica:
A seguir os presentes visitaram os vários mostruários do Museu, com
as suas coleções dispostas, conforme o gênero: instrumentos musicais,
cerâmica figurativa e utilitária, objetos de pano e madeira, cestaria e
esculturas etc, dentro do critério regional. Foi servida aos convidados
uma taça de Champanha6.
Como relatou em discurso, o diretor da instituição Renato Almeida: “a
inauguração deste Museu representa o cumprimento de um compromisso comigo
mesmo, desde que assumi faz quatro anos, a direção da Campanha de Defesa do
Folclore Brasileiro – dotar o Rio de Janeiro de um Museu de Folclore. Depois de
diversas tentativas, foi possível mercê da compreensão esclarecida do Comandante Léo
Fonseca e Silva, Diretor do Museu Histórico Nacional, estabelecer neste sítio
tradicional da cidade, um núcleo de um Museu de Artes e Técnicas Populares, que
instalamos hoje simbolicamente, porque foi escasso e não permitiu sua organização
perfeita. Antes cabe dizer o meu reconhecimento, em nome da Campanha de Defesa do
55Revista Brasileira de Folclore. Volume 05, número 11. Janeiro/ Abril de 1965. Biblioteca Amadeu
Amaral do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, Rio de Janeiro.
6NOTICIÁRIO. In: Revista Brasileira de Folclore, volume 8, Número, 21. Maio/ agosto de 1968, pp.173 e
176.
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Folclore Brasileiro, à compreensão científica e cultural do comandante Léo Fonseca e
Silva, que abrangeu com clara inteligência, o sentido do folclore, como uma história
subjacente da nacionalidade, portanto, com lugar definido entre as mostras que dão
notícia da continuidade da vida nacional. E não posso deixar de evocar a figura de um
companheiro ilustre, cuja obra folclórica se conta em relevo, e foi Gustavo Barroso,
numa tutelar do Museu Histórico Nacional, que fundou e dirigiu com clarividência e
dedicação inexcedíveis. Este Museu será também um testemunho de nosso amor à sua
atividade de pesquisador e doutrinador erudito do folclore brasileiro. A Campanha que
colabora efetivamente com o Museu de Artes e Técnicas Populares, de São Paulo, sem
favor o mais completo gênero da América Latina, juntamente, com o Museu Histórico
Nacional, mais um serviço à cultura nacional, se não sou daqueles que consideram o
folclore um capítulo da história, sei as ligações íntimas entre as duas disciplinas e
sempre insisti que o folclore é um fator da persistência nacional, pois a estrutura da
sociedade não se pode fixar sem levar em conta a realidade popular”. 7
O Museu da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro serviu como elemento
para, através do folclore, reforçar os valores nacionais e construir a identidade. E com
isso, buscamos refletir sobre o ensino do folclore nas ações da instituição e a sua relação
com a construção da identidade nacional. Histórica e culturalmente, os museus foram
sendo usados pelas sociedades para reafirmar as identidades nacionais, legitimando um
discurso em torno das histórias ditas oficiais. O trabalho de Pierre Nora é emblemático
por refletir sobre as políticas construídas em torno dos lugares de memória em que o
museu é um dos exemplos. O historiador tratou exatamente da construção da memória
frente à necessidade do não esquecimento. Para o autor, tratar os lugares de memória do
ponto de vista de uma problemática ocorre pelo fato de que a memória narrada sobre
esses lugares se referem a uma construção social. Por essas razões, a memória dessas
instituições, se torna objeto para investigação histórica. Para se tornar um lugar de
memória é preciso que se construa uma narrativa sobre ele e neste caso, tanto a
abordagem, quanto a própria memória é inventada e, carregadas, de valores simbólicos:
São lugares, com efeito nos três sentidos da palavra, material,
simbólico e funcional. Simultaneamente, somente em graus diversos.
Mesmo um lugar de aparência puramente material, como um depósito
7Conferência da inauguração do Museu de Folclore. Fala do diretor do Museu Renato Almeida, Rio de
Janeiro de 1968. Biblioteca Amadeu Amaral do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, Rio de
Janeiro.
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de arquivos, só é lugar de memória se a imaginação o investe de uma
aura simbólica8.
Na organização dos projetos para a criação do MCDFB fica evidente que a criação
de um museu expressava o desejo de memória dos estudiosos do folclore, tendo em
vista que seria por meio do museu que o folclore não seria esquecido. Foi também neste
projeto, que a relação folclore e nacionalidade se consolidaram o anseio de memória em
torno do folclore foi materializado na ideia de nação no projeto para criação do museu:
Como em História Natural, o jardim botânico ou o parque zoológico
mostram-se a síntese da natureza às grandes populações urbanas, o
folclore necessita também de museus para que a coletividade possa
melhor apreciar a cultura popular nacional. Sem museu não se estuda
folclore, sobretudo, num país de extensão continental como o nosso,
onde as áreas devem ser determinadas com atenção e o material
classificado detalhadamente e dividido em duas grandes seções:
artística e utilitária, envolvendo também cultura material e espiritual,
cada qual com suas subdivisões necessárias. A criação deste Museu
depende exclusivamente da Campanha e não de outros órgãos, deve
ser um dos nossos projetos prioritários9.
No Brasil alguns trabalhos realizados sobre os museus foram importantes pelas
reflexões sobre o papel desses lugares na construção da memória e da história nacional.
Foi assim que a socióloga Miryan Sepúlveda dos Santos investigou o conceito de
Museu na sociedade contemporânea em particular no Brasil com base nos conceitos
história e memória, tomando por objeto de estudos os Museus, Histórico Nacional e o
Museu Imperial, buscando entender como, ao longo do tempo, o uso do museu,
associado ao poder, conseguiu conviver com os padrões dominantes do mundo atual. Os
referenciais teóricos foram analisados para discutir o museu como espaço de
reafirmação de um tempo e de uma memória10.
O Museu Imperial foi revisitado na análise da historiadora Alda Lúcia Heizer
que teve como principal elemento de reflexão, as relações entre pedagogia, memória e
identidade por meio do estudo da exposição permanente do Museu Imperial de
Petrópolis. Em sua análise, percebeu que o Museu Imperial mediante sua exposição foi
um dos elementos de reafirmação do projeto cultural do Estado Novo, servindo para
8NORA, Pierre. Entre Memória e História. A problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo
(10), dez. 1993, pp. 07-28, p. 21.
9Projetos prioritários a organização do Museu de Folclore da Campanha de Defesa ao Folclore Brasileiro.
Biblioteca Amadeu Amaral do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, Rio de Janeiro. s/d. 10SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. História, Tempo e Memória: Um Estudo sobre Museus.
Dissertação de Mestrado. Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro - IUPERJ, 1989.
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reatualizar no imaginário dos visitantes o “sentimento aristocrático”, isto é, reforçando e
difundindo modelos das famílias tradicionais conhecidas como “boa sociedade” ainda
na época do Brasil Imperial11.
Trabalho emblemático sobre o Museu Histórico Nacional foi realizado pela
antropóloga Regina Abreu que fez uma investigação, tomando por objeto a formação da
coleção Miguel Calmon Du Pin e Almeida discutindo a intencionalidade da doação de
sua viúva Alice da Porciúncula Calmon Du Pin e Almeida ao Museu Histórico Nacional
e as estratégias de consagração no Brasil12. Já a historiadora Aline Montenegro
Magalhães ao estudar a Inspetoria de Monumentos do Museu Histórico Nacional
buscou compreender a inspetoria como produto de uma prática colecionista, voltada
para salvaguardar os vestígios do passado, a fim de legitimar um modelo historiográfico
propagado no Museu Histórico Nacional cuja referência foi o pensamento de Francisco
Adolfo de Varnhagen conhecido como primeiro historiador brasileiro13.
Os museus exerceram papéis centrais na construção das identidades nacionais,
fortalecendo os laços de pertencimento e reatualização do passado. Os museus neste
sentido, não estão à margem da realidade; ao contrário, é a representação dos interesses
de uma época, e possui funções específicas em que se destaca a construção das
identidades. Movido pelo interesse em preservar o folclore em museus foi que o
folclorista Édison Carneiro ainda em seus tempos de diretor – executivo da CDFB de
(1961 a 1964), buscava ampliar o estudo e as pesquisas de folclore, por meio de
exposições rotativas, com a promoção de cursos para aperfeiçoamento e conhecimento
do folclore, além de almejar criar o que chamou de “rede de museus”, revelando que o
projeto de estudos e pesquisas era muito mais abrangente, posto que, os museus
ocupariam um espaço relevante:
O senhor Édison Carneiro prometeu, ainda, a criação de cursos de
folclore e uma rede de museus de cultura popular, com exposições
11HEIZER, Alda Lúcia. Uma Casa Exemplar. Pedagogia, memória e identidade no Museu Imperial
de Petrópolis. Dissertação de Mestrado Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, abril de
1994.
12ABREU, Regina. A fabricação do Imortal memória, história e estratégias de consagração no
Brasil. Rio de Janeiro: Lapa/Rocco, 1996.
13MAGALHÃES, Aline Montenegro. Colecionando relíquias... Um estudo sobre a Inspetoria de
Monumentos Nacionais (1934-1937). Dissertação de Mestrado do Programa de Programa de pós-
graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio de Janeiro, 2004.
789
rotativas e periódicas. A cerimônia da posse realizou-se na sede da
Campanha14.
A concepção de museu propagada na direção de Renato Almeida seguia uma
matriz de entendimento do museu como lugar de reafirmação da nacionalidade. Nesta
via, notamos que tanto a abordagem de museu quanto a de folclore seguiam a lógica da
nacionalidade:
Há duas faces predominantes no processo de uma cultura nacional.
Uma pátria, qualquer pátria, não será, nunca, só um nome, uma
bandeira. Uma frase, um país. Uma Pátria só existirá, de fato, no
limite em que houver uma continuidade de valores e de ideias,
marcando historicamente, a trajetória de um grupo humano sobre a
face da terra. Os museus integram justamente a infraestrutura a que
me referi, usada para retenção da experiência nacional. Os museus
fazem por assim dizer, a permanente captura das realidades
importantes da vida nacional, através do armazenamento de imagens e
coisas e promovem a verdade nacional junto às gerações que vão
chegando. Sem museu não se estuda folclore. Sem museus, as nações
acabariam por perderem o conhecimento da própria identidade15.
Não restam dúvidas de que o MCDFB propagou em torno do folclore um projeto
de nação idealizado em torno da cultura popular. No próximo item, procuraremos travar
um debate em torno do ensino do folclore, apontando mediante as ações da instituição
como o museu pode ser um instrumento importante para investigação histórica.
1. O ensino do folclore no Museu da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro:
apontamentos para investigação em história
O sociólogo Francisco Régis Lopes Ramos, em um exercício provocativo, lê os
objetos do museu como algo presente na vida social, isto porque, ao contrário de
entender a instituição como uma representação fixa no passado, identifica o museu com
base no conceito dialógico, instrumento de educação e relação. Para o autor, o museu é
um espaço de educação, pois o processo de ressignificação do objeto trás consigo uma
história. E o museu, ao narrar esta história, se torna o elemento transmissor. Segundo o
autor, ao sair de sua função cotidiana, o objeto, perde o sentido que antes possuía e
14O Estado de São Paulo. São Paulo, 22 de março de 1961. Novo diretor da Campanha do Folclore
Nacional. Biblioteca Amadeu Amaral do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, Rio de Janeiro. 15Projetos prioritários a organização do Museu de Folclore da Campanha de Defesa ao Folclore
Brasileiro. Biblioteca Amadeu Amaral do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, Rio de Janeiro.
s/d.
790
passa a ter um valor simbólico, este processo também é conhecido por musealização16.
Quanto ao ato de ressignificação do objeto o autor enfatiza que:
Ninguém vai a uma exposição de relógios para saber as horas. Ao
entrar no espaço expositivo, o objeto perde seu valor de uso: a cadeira
não serve de assento, assim como a arma de fogo abandona sua
condição utilitária. Quando perdem suas funções originais, as vidas
que tinham mundo fora do museu, tais objetos passam a ter outros
valores, regidos pelos mais variados interesses17.
Para historiadora Maria Fernandes Circe Bittencourt, o objeto museológico pode
ser visto como documento, pois para ela, esses objetos compõem a cultura material e,
servem para nos informar sobre os costumes, os modos de ser e as práticas de um grupo
social. Neste sentido, os objetos museológicos são portadores de informações carregam
uma história que podem ser reinterpretadas dentro das propostas dos museus. E, ao
perceber que os museus podem reinterpretar a história de seus objetos, estes, já se
tornam instrumentos para construção do conhecimento histórico se, considerarmos que
a abordagem construída sobre o objeto pode reinventar o discurso da História, estando
carregado de intenções que devem ser questionadas. Com isso, a autora lançou uma
ferramenta metodológica fundamental para pesquisa histórica, posto que para ela, o
objeto museológico não pode ser estudado fora de seu contexto social. Neste momento
segundo a autora, cabe a pergunta: como e porque, o objeto chegou ao museu, quais os
critérios de seleção realizados? E como bem afirmou: “as explicações iniciam-se pela
trajetória do objeto lugar onde foi encontrado ou adquirido até como chegou ao museu,
tornando-se, então, “peça de museu” 18.
As discussões travadas pelos dois autores abrem “janelas” para incluirmos as
categorias teóricas “texto e contextos pertinentes” cunhada pelo historiador americano
Dominik LaCapra. O autor nos forneceu um instrumento importante para escrita
histórica por suas discussões em torno das fontes, mas também, por sua análise no
âmbito da interpretação e metodologia. Em seu artigo História Intelectual, ao questionar
a compreensão tradicional do contexto histórico, o autor apresentou-nos uma
16A passagem da função cotidiana de um objeto para o interior de um museu é conhecido como processo
de musealização. A expressão “patrimonialização” descreve melhor, este princípio, que repousa
essencialmente sobre a ideia de preservação de um objeto ou de um lugar, mas que não se aplica ao
conjunto do processo museológico. Ver: DESVALLÉES, Andre. MAIRESSE, François. Conceitos
chaves da museologia. Comitê Nacional Português do ICOM. São Paulo, 2013, pp. 56-57. 17RAMOS, Francisco Régis Lopes. A danação do objeto O museu no ensino de história. Santa
Catarina: Argós, 2004, p. 20. 18BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História fundamentos e métodos. São Paulo:
Cortez, 2009, p. 357.
791
abordagem do próprio contexto como texto, como objeto pela sua relação com as várias
unidades pertinentes: a realidade cultural a social e a política e nesta esfera, sua
capacidade dialógica, proporciona a compreensão do mundo simbólico e semântico para
tomada de conhecimento de uma realidade19. Embora a preocupação deste autor tenha
sido com os domínios teóricos e metodológicos da história intelectual no âmbito da
historiografia europeia, seus conceitos são importantes para entendermos que: as ações
museológicas, as escolhas que marcam a musealização dos objetos e os processos
educativos de um museu estão “costurados”, em diferentes contextos e situações sociais
marcadas por interesses determinados.
E no que compete ao ensino do folclore pelas ações do MCDFB, a historiadora
Beatriz Muniz Freire realizou sua pesquisa de mestrado sobre a instituição aqui tratada.
Para autora, o museu e a escola foram protagonistas de um relacionamento que se
intensificou e o seu objeto de análise foi à realidade cotidiana do museu com o público
escolar. Em seu trabalho procurou entender como os estudantes se apropriavam dos
significados propagados nas ações e exposições da instituição. A pesquisa da autora
merece destaque, pois o seu interesse consistiu em identificar as ações educativas do
Museu de Folclore Édison Carneiro com o seu público por um lado, e por outro, ao
querer entender os significados construídos pelos visitantes na instituição, ao contrário
de anular, percebeu o papel ativo do público em seus processos de apropriação e
construção de novos significados em sua relação com o museu e segundo a autora:
É uma análise da relação museu/escola na sua aplicação, interpretando
os significados a ela atribuídos pelos sujeitos, nos seus próprios
termos e na sua racionalidade particular. Apreender os significados
implica penetrar o seu contexto gerador e atingir sua inteligibilidade
original20.
Levando em consideração as categorias “texto e contextos pertinentes”
verificamos que o MCDFB foi criado durante a experiência política autoritária brasileira
no ano de 1968 e como na tradição museológica, os museus vinham operando na
construção das identidades nacionais. Como apontou Beatriz Muniz Freire, as ações
desta instituição se voltaram para propagação dos valores nacionais em suas práticas
educativas. Identificamos que a própria ação museológica e o processo de musealização
19LACAPRA, Dominick. Historia intelectual. In: PALTI, Elías José. Giro linguístico e historia
intelectual. Bernal/Buenos Aires: Universidad Nacional de Quilmes, 2012, p. 237-293.
20FREIRE, Beatriz Muniz. O encontro museu/escola: o que se diz e o que se faz. Departamento de
Educação Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, abril de 1992, p. 10.
792
dos objetos como atitudes políticas, porque não são aleatórios da realidade que o
circunda e, quanto às práticas educativas do Museu, Freire enfatizou que: “de acordo
com essa visão, fazia-se urgente fornecer aos educadores os instrumentos necessários à
ação nacionalizadora, de que se ocupou a Campanha21”.
O museu é definido como um lugar de memória, e o MCDFB foi construído para
ser um lugar de memória do folclore. Ao refletir sobre a relação memória e poder no
âmbito das instituições museológicas, o museólogo Mário Chagas, observou que dentro
dos museus existe uma disputa por memórias, tendo em vista que elas são políticas.
Construídas com intencionalidades e reproduzem os interesses de seu tempo que por sua
vez, envolvem o posicionamento de seus idealizadores. Mais uma vez, notamos que o
museu e as suas ações não podem ser estudadas fora das realidades políticas e sociais de
seu tempo e quanto a isso, o autor nos diz que:
Ao assentar a lupa sobre o tecido resultante da costura entre memória
e poder, o pesquisador coloca-se em condições de compreender a teia
de forças que lhe confere sentido, memória e poder exigem-se22.
As ações museológicas e a criação de museu estão vinculadas aos interesses
políticos de seu tempo e dentro de um museu, as práticas educativas expressam o
pensamento de seus agentes produtores. No processo de investigação realizado sobre o
MCDFB, notamos que Renato Almeida primeiro diretor da instituição, entendia o
folclore como uma ação cívica. Este entendimento explica o papel que a instituição
estabeleceu com a construção dos valores nacionais como retrado por Beatriz Muniz
Freire. A autora apontou que desde os primeiros anos da CDFB os folcloristas não
almejavam dissociar o folclore da educação. E em torno da relação entre educação e o
ensino do folclore a autora mencionou que o museu realizou suas atividades para
propagar uma harmonia cultural que não havia e utilizava o folclore para difundir os
valores de exaltação à pátria e diz que:
“Didática do Folclore”, da autoria de Corina Ruiz, teve sua primeira
edição em 1976. A autora é apresentada na introdução de Laura
Jacobina Lacombe como professora estudiosa do folclore. O folclore
tem um papel educativo: “ligar a criança à tradição da pátria, além de
representar um elo entre todos os países”23.
21FREIRE, Beatriz Muniz, op. cit, 1992, p. 38. 22CHAGAS, Mário de Souza. Memória política e política de memória. In: CHAGAS, Mário. ABREU,
Regina. Memória e Patrimônio ensaios contemporâneos (orgs). Rio de Janeiro: DP &A Editora, p. 141. 23FREIRE, Beatriz Muniz, op. cit, 1992, p. 42.
793
E no que compete a concepção de folclore de Renato Almeida verificamos a
associação feita entre folclore e civismo:
Folclore é civismo na medida em que reafirma os valores da
nacionalidade. A Campanha realça, na defesa do patrimônio folclórico
elementos cívicos, com os quais o povo reafirma o caráter nacional de
sua cultura. Além das promoções do mês de agosto, e outras
eventuais, cabe-lhe promover atividades durante a Semana da Pátria,
em combinação com as Secretarias Estaduais de Educação. Para 1972,
a Campanha de Defesa ao Folclore Brasileiro instituiu através do
concurso entre escolas de nível médio de todo país, o prêmio sobre
“Folclore Cívico Brasileiro”24.
A dança de Pau de Fitas era apresentada em comemoração ao, 07 de setembro
em frente ao MCDFB25. Vale identificar o compromisso do museu durante a
propagação dos eventos cívicos nacionais. A Dança de Pau de Fitas, por exemplo, se
caracterizou por uma manifestação de origem popular e se diferenciou de uma região
para outra. Esta dança é celebrada em momentos culturais como a festa de Reis, do
Divino, do Natal e do Ano Bom. A representação da dança pelo museu representou o
reconhecimento que a instituição deu a cultura e as tradições populares por um lado, e
por outro, a realização desta dança no dia 07 de setembro consolida a relação entre
civismo e folclore utilizado para legitimar o patriotismo. Na mesma época foi criado por
Renato Almeida diretor do museu o concurso sobre o folclore cívico brasileiro
destinado aos estudantes dos primeiros e segundo graus, no qual, constava:
Estudantes de todo o país estão convidados a participar do concurso
sobre o Folclore Cívico Brasileiro, promovido pelo Ministério da
Educação e Cultura. Serão selecionados os melhores trabalhos sobre
temas folclóricos que exaltem a ideia de Pátria e as tradições
nacionais. As inscrições estão abertas até o dia 30 de junho do
corrente ano e os trabalhos, com o mínimo de 10 e um máximo de 20
folhas datilografadas, devem ser enviados à sede da Campanha de
Defesa do Folclore, à Rua da Imprensa, 16 sala, 604, no Estado da
Guanabara26.
24Promoções Cívicas in: Projetos de Reestruturação da Campanha de Defesa ao Folclore Brasileiro
Janeiro de 1972 – Equipe do diretor executivo Renato Almeida. Biblioteca Amadeu Amaral do Centro
Nacional de Folclore e Cultura Popular, Rio de Janeiro. 25Noticiário, 1970: p. 264. Biblioteca Amadeu Amaral do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular,
Rio de Janeiro. 26Jornal. O Liberal. Belém, 16 de fevereiro de 1972. “Atenção Estudantes!”. Biblioteca Amadeu Amaral
do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, Rio de Janeiro.
794
A imagem abaixo expressa as ações cívicas realizadas pelo MCDFB, reforçando
o seu compromisso com a construção dos valores cívicos nacionais na experiência civil
militar:
Figura 1: Apresentação da Dança de Pau de Fitas em frente ao Museu da Campanha de Defesa do
Folclore Brasileiro em comemoração ao, 07 de setembro.
Fonte Noticiário, 1970: p. 264. Disponível em Revista Brasileira de Folclore Biblioteca
Amadeu Amaral do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular.
Considerações Finais
Neste trabalho, tomamos por objeto de análise as ações educativas por meio do
ensino do folclore propagado no MCDFB, pois a nossa proposta consistiu em identificar
o museu como objeto para investigação histórica. Ao entendermos que o processo de
musealização, a criação de um museu e as práticas educativas estão comprometidas com
as questões políticas e culturais de seu tempo, temos razões para perceber que os
museus se constituem como ferramentas de análise histórica. Nesta via, a tomada de
conhecimento do museu como objeto de investigação nos conduz para outra dimensão,
a saber: a social e a política, proporcionando o conhecimento dos posicionamentos
ideológicos dos atores que estão presentes nas esferas institucionais do museu.
795
Fontes
Jornal do Brasil, Guanabara 08 de dezembro de 1957. Instituto do Folclore. Biblioteca Amadeu
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