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O PAPEL DOS MOVIMENTOS SOCIOAMBIENTAIS E DO ESTADO NA INSTITUCIONALIZAÇÃO DA RESEX “VERDE PARA SEMPRE” NO
TERRITÓRIO DE PORTO DE MOZ, PARÁ
Mário Júnior de Carvalho Arnaud Universidade Federal do Oeste do Pará-UFOPA
Ana Paula Pena dos Santos Universidade Federal do Oeste do Pará-UFOPA
Ivanir Brazão Araújo Universidade Federal do Oeste do Pará-UFOPA
Cláudio Abreu da Fonseca Universidade Federal do Oeste do Pará-UFOPA
[email protected] Resumo Este artigo originou-se do projeto de pesquisa Estado e Políticas Públicas na Amazônia: um estudo dos conflitos socioambientais no território da Reserva “Verde para Sempre” no município de Porto de Moz, Pará. A partir da análise da bibliografia pertinente e de várias visitas ao lócus da pesquisa, observamos que a vontade de por fim a exploração madereira na região foi levou Estado e movimentos socioambienttais locais com a participação de vários atores, de certo modo a se “unirem” em favor da existência da reserva. Enfim, a rapidez com que o Estado fez tal ação e mais a organização da população local demonstra que a situação quanto a exploração madeireira era gritante, afetando os moradores da Resex e ao mesmo tempo em que o Estado brasileiro precisava atender a demanda dos movimentos pró-reserva e demonstrar sua capacidade de gerir e resolver os problemas ambientas na Amazônia. Palavras-chave: Estado. Movimentos Socioambientais. Resex Verde para Sempre.
Introdução Na primeira etapa de nosso projeto intitulado: Estado e Políticas Públicas na Amazônia:
um estudo dos conflitos socioambientais no território da Reserva “Verde para Sempre”
no município de Porto de Moz, Pará, procuramos conhecer e debater quais os impactos
socioespaciais da criação da reserva Verde para Sempre e as ações dos diversos atores
envolvidos na criação da mesma, no território do município de Porto de Moz. Criada
pelo decreto presidencial de 08 de novembro de 2004, a Reserva Extrativista Verde para
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Sempre, é uma das maiores ações do governo federal na Amazônia compondo uma lista
de ações executadas cada vez mais com o objetivo de conter o avanço do desmatamento
e da exploração predatória da madeira na Região, criando por sua vez, varias unidades
de conservação de uso direto.
Para a efetivação deste trabalho, adotou-se a pesquisa bibliográfica sobre produções a
cerca do tema, as quais não são tão densas. Por isso mesmo foi necessário buscar na
área do estudo informações, documentos em diversos órgãos governamentais e não
governamentais para o tratamento das questões pertinentes ao tema e que nos levassem
a elucidar as dúvidas levantadas pelo projeto com visitas e entrevistas nos mais variados
órgãos e também, entrevistas com os moradores da reserva nos mais 1,3 milhão de
hectares situada no município de Porto de Moz, região do Baixo Xingu, mas
evidentemente selecionando as comunidades a serem visitadas.
Nesta etapa foram realizadas as pesquisas de campo no município de Porto de Moz. No
entanto, primeiramente foram elaborados e finalizados os questionários a serem feitos
em Porto de Moz. As pesquisas ocorreram em novembro/dezembro de 2011,
janeiro/fevereiro de 2012 e a última em maio/junho de 2012. Nesta, foram realizadas a
coleta de dados com os entrevistados de comunidades contra e a favor da criação da
Resex, pessoas diversas ligadas ao movimento de criação da Reserva, indo desde
políticos, religiosos, integrantes de sindicatos e da associação comercial de Porto de
Moz, ribeirinhos residentes nas áreas periféricas da cidade “expulsos” da Resex devido
à proibição de pesca, caça, exploração bubalina, bovino etc.
O critério de escolha foi as comunidades que eram a favor e que eram contra a criação
da reserva. Para isso, foram elaborados questionários, entrevistas e aplicação destes para
as coletas de dados no trabalho e pesquisa de campo, e assim, posteriormente,
sistematizando os dados coletados no trabalho e pesquisa de campo poder-se-á dar
prosseguimento para o conhecimento e discussão dos impactos e potenciais conflitos
resultantes da ação dos atores locais, movimentos socioambientais, enfim, resultado da
criação da reserva Verde para Sempre. Como primeiras respostas a esta primeira etapa,
pode-se constatar que tanto Estado brasileiro, por meio do Ministerio do Meio
Ambiente, quanto os atores políticos e sociais constantes da realidade local, tiveram
fundamental importancia na existencia da Resex.
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Ação do Estado e a criação da reserva Verde para sempre em Porto de Moz A atuação do Estado brasileiro no que concernem as políticas para gestão das áreas de
conservação tem sido alvo de grandes discussões nos meios acadêmicos e na sociedade
como um todo. Tal afirmação é devida, pois, esta mesma atuação tem se intensificado da
mesma forma que também se intensificaram consequências de todo tipo nos espaços das
mesmas, uma exemplo típico das políticas territoriais e sua capacidade de transformar
as realidades em que têm sido realizadas.O governo não tem medido esforços para
aplicar políticas de contenção da exploração do espaço amazônico e nessa atitude é
evidente que algumas das ações tem se resultado direto da relação forte entre política e
território, em nosso entender com os primazes das ações do Estado na Amazônia.
Assim, nos parece bem claro que os objetivos do governo brasileiro nesta porção
“abandonada” (nos dizeres das pessoas das comunidades) da Amazônia e do baixo
Xingu, é mostrar a força do Estado no combate a exploração da madeira e não configura
uma agenda de trabalho com acompanhamento das ações e continuidade dos trabalhos,
como atendimento as famílias atingidas, ações de educação ambiental e efetiva
fiscalização na Resex, atenção à desestruturação socioeconômica das comunidades ao
rumarem para a sede do município sem qualquer infraestrutura, seja após a existência da
Resex ou na chegada das famílias à cidade, expulsas por não terem condições mínimas
de sobrevivência.
Podemos afirmar que embora os movimentos socioambientais locais tenham exigido a
criação da Resex, não se deve isentar o Estado brasileiro de suas obrigações na
organização para a criação da mesma. Pontuamos a obrigações do governo brasileiro
principalmente após a criação da Resex.
Portanto, não se cumpriu o que preconiza o art. 2º do Decreto de criação da Resex Verde
para Sempre, de 08 de novembro de 2004:
Art. 2o A Reserva Extrativista Verde para Sempre tem por objetivo assegurar o uso sustentável e a conservação dos recursos naturais renováveis, protegendo os meios de vida e a cultura da população extrativista local (BRASIL, Decreto 08 de novembro de 2004).
Nem o Estado tem garantido o uso sustentável e muito menos garantido e protegendo os
meios de vida e cultura da população local. A origem do movimento ambientalista no
Brasil tem uma íntima ligação com os movimentos sociais (1). Assim, a conscientização
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dos problemas ambientais ganhou bastante força com a existência desses movimentos.
Essa aliança teve uma grande influência do processo de redemocratização do Brasil
iniciado na década de 1980, reforçando as reivindicações dos movimentos sociais que
culminou com o fim do regime militar em 1985.
Podemos afirmar que houve entrelaçamento de movimentos na medida em que um
influencia o outro, isto é, os movimentos sociais passam a incorporar o temário
ambiental e os movimentos ambientais passam a considerar as questões sociais. Os
povos da floresta são os primeiros a iniciar reivindicações contra a forma de exploração
dos recursos florestais, reivindicando principalmente a criação de reservas extrativistas.
Cremos que os movimentos socioambientais têm dado importantes contribuições e por
isso, como já afirmamos, o Estado brasileiro precisa assumir com mais afinco as
responsabilidades diante das áreas de proteção.
Assim, é evidente, que desde a constituição de 1988 a atenção às diversas formas de
reprodução socioespacial dentro da Amazônia e mais especificamente dentro das áreas
de conservação. Como exemplo, temos a Lei n. 9.985, de 18 de julho de 2000. Esta lei
passa a regulamentar o Art.225 da Constituição Federal e institui o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação da Natureza. Segundo Almeida (2004), dentro do SNUC, se
procura contemplar as “populações tradicionais” (Art.17) ou “populações extrativistas
tradicionais” (Art.18) e focaliza a relação entre elas e as unidades de conservação (área
de proteção ambiental, floresta nacional, reserva extrativista, reserva de
desenvolvimento sustentável).
Sobre isso embora tenhamos acompanhado a crescente complexidade Política e
território sobre a égide Estado e movimentos dos mais diversos agentes sociais, seja nas
áreas urbanas ou rurais, e mais ainda a legislação ambiental brasileira considerada
avançada em relação aos outros países, vemos a continuidade de problemas e
sistemáticas de outrora, nos fazendo retomar a impressão de que o Estado continua
como o definidor das estratégias territoriais, com o adendo de que nessa nova realidade
as expectativas da população e os seus direitos são desrespeitados. Recolocando, isso
nem parece ser tão novo, mas de modo que afirmamos isso devido ao avanço legal, no
caso da Lei n. 9.985, de 18 de julho de 2000, citada anteriormente, mas que na prática as
decisões são tomadas de um lado só.
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Pode-se ainda afirmar que após mais de sete (7) anos da criação da Resex Verde para
sempre, nenhum dos seus dois objetivos principais foram atingidos: conter o avanço
predatório da exploração da madeira e realizar a regularização fundiária das famílias
residentes nas comunidades.
Em alguns artigos produzidos sobre a Resex Verde para Sempre, Neto e Nascimento
(2006) expõe que em 2006 quando completados mais de um (1) ano da criação da
mesma, poucas alterações haviam sido realizadas com relação aos objetivos da Verde
para Sempre. Enfocam ainda o potencial para geração de conflitos, pois, com a
continuidade dos problemas anteriores a estratégia de promulgação da Resex, sua
estratégia de criação, aumenta o grau de possibilidade de conflitos socioambientais.
Em nosso entendimento, para uma análise mais contundente sobre os complexos
conflitos socioambientais nesta porção do espaço amazônico o antes e o depois da
Resex são significativos. Mesmo antes, do ponto de vista da exploração madeireira e da
organização social de Porto de Moz, há muitos anos as comunidades vinha se
organizando para combater o desmatamento. Nos relatos de antigos integrantes dos
movimentos, inclusive pessoas ligadas à igreja e políticos locais isso é claro. A
impressão que tinham era que sua riqueza estava sendo levada embora.
Portanto, fica evidente o conflito entre os madeireiros e populações locais, pela
exploração da grande quantidade e variedade de recursos ali presentes como nos fala um
ex-vereador de Porto de Moz e que esteve a frente do movimento para a criação da
Resex verde para sempre:
A implantação da Resex se deu a partir da própria iniciativa dos moradores da comunidade, com objetivo de se criar uma área que desse garantias de terras de forma coletiva (...) como não havia um programa de regularização das áreas ligadas ao governo do Estado, ao governo Federal, nem á área de Marinha responsáveis das áreas de várzeas, o quadro era de muitos conflitos, com interesses de várias espécies e tamanhos dentro da grande área, caracterizada pela sua riqueza de vegetação nativa, características estas de floresta primária (ex-vereador de Porto de Moz, janeiro de 2012).
Apesar de termos um resultado positivo com relação à saída das empresas madeireiras
do território de Porto de Moz, diminuindo, mas não pondo fim a exploração da madeira
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o Estado após a criação da Resex não consegue resolver questões conflituosas que se
potencializaram como a própria presença do Estado no local.
Movimentos socioambientais e Resex Verde para sempre: conceitos, teorias e
resultados da dialética Estado e população local
A Política Ambiental no Brasil vem passando por inúmeras mudanças no âmbito de sua
legislação e estrutura administrativa, caracterizando uma nova gestão do meio ambiente,
principalmente após a promulgação da Constituição de 1988. Observa-se que o
agravamento dos problemas ambientais no país e na Amazônia tais como
desmatamento, pesca predatória entre outros impõe ao poder público, em suas diferentes
esferas, mudanças no processo de gerenciamento ambiental.
Assim, o Estado brasileiro tem instituído cada vez mais políticas públicas com o
objetivo de conter o avanço do desmatamento e da exploração predatória da madeira na
Amazônia, criando por sua vez, varias unidades de conservação de uso direto.
Este foi o caso da criação da Reserva Extrativista Verde para Sempre no município de
Porto de Moz, no Estado do Pará, com cerca de 1.288.717 hectares, em 08 de novembro
de 2004.
Sob gestão do Instituto Chico Mendes (ICMBio), a Reserva tem apresentado potenciais
possibilidades de exploração de recursos as quais fizeram o governo brasileiro a intervir
para a diminuição da exploração da área.
A implementação de políticas ambientais faz-nos rever a atuação do Estado na esfera
federal e estadual, pois há uma crescente perspectiva das gestões municipais proporem
um modelo de desenvolvimento econômico alternativo ao que esta aí, passando por
ações governamentais para possíveis alternativas na preservação ambiental,
minimizando os impactos na vida tanto das populações envolvida nos espaços dessas
ações.
Com este processo os municípios passam a assumir importante papel na gestão do
território com relação ao gerenciamento das riquezas naturais seja no campo
institucional, seja no papel da sociedade organizada no bojo das ações realizadas para
tal. Neste sentido, salienta-se o importante papel dos movimentos ambientalistas para o
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fortalecimento da participação da sociedade, nas reivindicações perante ação do capital
e do próprio Estado devido, compreendendo-se as relações de forças que agem no
espaço reestruturando as relações locais, especialmente no recorte território, palco de
lutas de lutas, apropriação e reprodução dos variados grupos.
A Gestão Ambiental do século XXI está voltada para políticas públicas que levem em
consideração não só a proteção/conservação ambiental, mas também o desenvolvimento
regional a partir da condição da existência humana em suas peculiaridades e com
problemáticas ambientais, sociais, culturais e políticas buscando uma qualidade de vida
socioambiental para a população dos municípios. A ideia de sustentabilidade a qual hoje
se torna necessária é a de que as riquezas naturais possam ser mais bem aproveitadas
sem depredar tanto a natureza e possam trazer desenvolvimento para os municípios.
O município de Porto de Moz, no Pará sempre foi alvo de exploração predatória da
madeira. Para município são atraídos contingentes de todos os lugares do estado do Pará
e até de outros como Amapá e Amazonas pela grande riqueza madeireira existente em
seu território.
Pode-se constatar com a pesquisa que após a implantação da Resex, ainda se verifica
grande retirada de madeira da mesma, ao mesmo tempo em que vários comunitários
estão obrigados a migrar para a área urbana do município devido a impossibilidade de
sobreviver por meios dos recursos existentes na área da Resex.
Certamente toda esta problemática torna a área num grande potencial para conflitos
socioambientais, pela presença do Estado na proteção do território e na gestão da
reserva; pela presença dos atores locais que se veem, ora contemplados, ora
prejudicados com a criação da Resex; pequenos produtores locais que sentem
extremamente prejudicados em suas atividades econômicas na agropecuária e antigos
exploradores da madeira que ainda atuam nesta atividade.
Assim, percebe-se a necessidade de compreender as ações do Estado e dos movimentos
no que se refere a: busca de solução para a exploração da madeira, com a criação da
reserva, mas também, no acirramento de disputas no território por motivo de reprodução
socioeconômica dos atores diversos envolvidos, e os resultados das ações destes atores
institucionais e sociais para o território do município de Porto de Moz, Pará.
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Para o trabalho teórico da pesquisa, faz-se necessária uma discussão sobre a origem do
movimento ambiental no Brasil, a partir daqueles iniciados na região amazônica, mais
especificamente dos movimentos dos seringueiros no Acre.
Utilizaremos o conceito do Socioambientalismo, onde Santilli (2005) faz uma crítica ao
ambientalismo originado na Europa e que não deu subsídios suficientes à compreensão
das questões ambientais brasileiras. O Socioambientalismo é um movimento que nasce
de uma articulação política entre movimentos sociais e ambientalistas e que ocorreram
no contexto do processo de redemocratização do Brasil a partir da década de 1985
criando sua própria historia e definiu conceitos e paradigmas que lhe são próprios
(SANTILLI, 2005).
Definitivamente, no Brasil, o inicio dos movimentos ecológicos eram de fato ecológicos
(e somente isso) retardando por aqui uma conscientização que na Europa passou a ser
mais presente na sociedade, entre cientistas, empresas ou como na nas palavras de Viola
(1991) a “classe mais educada” toma consciência dos problemas que tem em sua
dimensão da compreensão de que deve haver uma transformação nos meios de produção
e de consumo e de uma forma geral na organização social (CASTELLS, apud
BERNARDES, Júlia A. FERREIRA, Francisco, P. de M. 2003). Bertha Becker (2004, p.
3) demonstra uma dinâmica mais recente na Amazônia e que em nosso entendimento
são situações que ajudaram na união dos movimentos social e ambiental:
[...] mudança importante é a da economia, que passou da exclusividade do extrativismo para a industrialização [...] Por outro lado, organizou-se a sociedade como nunca antes verificado. Os grandes conflitos de terras e de territórios das décadas de 1960 a 1980 constituíram um aprendizado político e, na década de 1990, transformaram-se em projetos alternativos, com base na organização da sociedade civil. É extremamente importante lembrar que hoje, essa sociedade tem voz ativa na Amazônia e no Brasil, inclusive muitos grupos indígenas. Essa organização da sociedade política trouxe, por sua vez, mudanças no apossamento do território, com a multiplicação de unidades de conservação federais e estaduais, assim como também com a demarcação de terras indígenas.
Por isso, o socioambientalismo, que é um conceito totalmente brasileiro e que trabalha
na perspectiva do movimento social junto ao ambiental vem quebrar este paradigma de
meio ambiente e recursos naturais intocáveis (pela sociedade).
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Neste sentido, abordamos a criação da Reserva Extrativista Verde para Sempre no
município de Porto de Moz, no Estado do Pará, com cerca de 1.288.717 hectares, em 08
de novembro de 2004. Sob gestão do Instituto Chico Mendes (ICMBio), a Reserva tem
apresentado potenciais possibilidades de exploração de recursos as quais fizeram o
governo brasileiro a intervir para a diminuição da exploração da área.
Nesta porção do território paraense onde se localiza a reserva, sem dúvida alguma a
madeira é a grande riqueza que sustenta a economia do município de Porto de Moz.
Atividade antiga na região é a partir de 1995 que Porto de Moz passou a ser
intensamente explorada nesta atividade (Greenpeace, 2003).
Até a década de 70, não havia exploração de madeira em escala industrial na região de Porto de Moz – a madeira era cortada a machado, retirada manualmente da floresta e transportada em jangadas por moradores das comunidades locais e pequenos extratores. A partir de 1995, com a redução dos estoques de madeira de grandes centros produtores do estado do Pará, como Breves, Paragominas e Tailândia, a região de Porto de Moz passou a ser vista como um novo “Eldorado”. Diversas empresas madeireiras chegaram à área, disputando as ricas florestas de terra firme em áreas devolutas com as comunidades tradicionais. Uma próspera rede de produção ilegal de dormentes para ferrovias, envolvendo comunidades, intermediários e empresas de Belém foi instalada na região (GREENPEACE, 2003, p. 4)
Assim o contexto da existência da Resex em grande parte se deu em razão da atividade
madeireira ser livre de qualquer problema com as autoridades ambientais segundo o
Greenpeace:
Os madeireiros não enfrentavam problemas com as autoridades ambientais, sem recursos suficientes para a fiscalização, nem com o município, já que as autoridades locais dos poderes Executivo e Legislativo também estavam – e estão – envolvidas com a extração e o comércio de madeira. A situação fundiária da região, e a ausência do poder público, facilitou a grilagem das terras (GREENPEACE, 2003, p. 4).
Estudos realizados por Martins (et.al., 2007) na área da Reserva Verde para Sempre
apontam que houve uma pressão grande para a criação de reservas extrativistas, mas,
após a criação pouco se sabe se objetivos estão sendo almejados no bojo do que se
considera pressão humana dentro das reservas, a ‘verde para sempre se enquadra neste
aspecto pois, as Unidades de Conservação de uso sustentável na Amazônia, como as
Resex, apresentam 23% de sua área sobre pressão humana incipiente, ou seja, presença
humana temporária necessitando mais com o intuito de qualificar a pressão humana nas
Resex após a sua criação e avaliar se seus objetivos estão sendo alcançados.
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Assim, na abordagem desse processo, utilizamos o conceito de território. Nas palavras
de Haesbaert (2004, p. 86) sobre a visão de território e de territorialidade de Robert
Sack:
[...] nem toda relação de poder é territorial ou inclui uma territorialidade. A territorialidade humana envolve “o controle sobre uma área ou um espaço que deve ser concebido e comunicado”, mas ela é “melhor entendida como uma estratégia espacial para atingir, influenciar ou controlar recursos e pessoas, pelo controle de uma área e, como estratégia, a territorialidade pode ser ativada e desativada”.
Para nossa pesquisa, o território pode ser visto enquanto um princÍpio da organização
social e está também relacionada ao território como “abrigo” (SANTOS, apud
Haesbaert, 2004) para alguns sujeitos, como proteção, representando uma grande
proximidade com o ideal inicial dos movimentos em Porto de Moz, onde tal intervenção
pode gerar conflitos, domínios, posses, criar territorialidades etc.
Isto posto, podemos afirmar que dentre as opiniões da população local, há por trás
interesses diversos e outros que podemos considerar como “neutros”, onde estes últimos
não foram de alguma forma afetados pelas mudanças com relação ao antes e o depois da
criação da mesma.
Entre políticos, pessoas ligadas a igreja, integrantes de organizações não
governamentais, há a afirmação que a Resex vem dando certo, diminuindo a exploração
predatória, por exemplo. Para alguns, a reserva deu certo, principalmente aqueles que
têm suas atividades ligadas a extração da madeira, mas agora com a instalação da
Resex, uma exploração toda legalizada e assim, continuando o comercio da mesma.
O poder municipal entende que a reserva está dando certo. Não consideram uma área de
grandes conflitos como já apontam relatórios encomendados pelas comunidades ao
IIEB (Instituto Internacional de Educação do Brasil), por exemplo; encaram como
normal a saída das pessoas da área da Resex para a cidade, causando a expansão das
periferias.
Assim, um integrante do movimento em favor da criação da reserva faz o seguinte
comentário sobre as mudanças após a criação da mesma:
Falando economicamente, o município foi sempre extrativista, desde a década de 70 o município em pequena escala. Mas operacionada a economia era mais movimentada mais através da extração de madeira. Com a criação da Resex a economia, foi abalada. Porque na verdade,
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querendo ou não, houve uma desaceleração nesse processo todo, muita gente trabalhava lá. As vezes até mesmo as próprias famílias de lá de dentro tinham emprego, e nisso a gente percebeu que deu uma desacelerada. O governo sinalizou com investimentos pra área com assentamentos, casas, fomento, mas não tinham na verdade, um governo, uma política criada, apropriada para atender o pessoal de reserva. O crédito fomento, ele vai comprar ali a enxada, o terçado pra ele trabalhar na roça. A tradição dele era serrar madeira extraindo da floresta pra poder comercializar seu produto. Então teve essa incoerência na questão, como não tínhamos uma política que financiasse uma nova atividade econômica dentro do processo, foi muito devagar nos primeiros anos. Algumas pessoas vieram, saíram de dentro também, mas de 100%, vamos dizer que saíram 10, 15% de pessoas (integrante do movimento para a criação da Resex Verde para Sempre, janeiro de 2012).
Neste sentido, é possível perceber as grandes alterações que a criação da reserva Verde
para Sempre trouxe para o espaço e o território de Porto de Moz. A desestruturação
econômica e a presença do Estado talvez sejam os abalos mais nítidos para as
comunidades do que a própria presença ou não de empresas da madeira no local.
Nas relações socioespaciais pode-se observar que as ações legalistas da reserva
executadas pelo IBAMA e o ICMBIO, trouxeram impactos profundos para a reprodução
social dos comunitários. É notório o medo e as dúvidas dos moradores com relação a
Resex. Fora que os agentes do IBAMA realizam suas atividades armados, intimidando
os moradores, estes tem duvidas do que podem fazer dentro da reserva, no aspecto do
legal ou ilegal. As pessoas são expulsas em menos de sete (7) anos de criação da
reserva. Um morador da cidade de Porto de Moz, indagado sobre alguém que veio de
alguma comunidade de dentro da reserva expos o seguinte relato:
Eu conheço uma pessoa que morou por muito tempo na Resex mais veio embora porque começou passar por dificuldades por conta do acordo,que não se podia usufruir quase nada da floresta, e tudo o que prometeram como moradia até hoje nada foi cumprido isso sem falar que na distancia e quase tudo ficou limitado,e eu também trabalhei com madeira. Depois da reserva , que aconteceu a reserva eu tive lá, o caboclo chegava e dizia:pô troca esse peixe com óleo nós tomo trinta dias sem luz, e agente come na hora que tem luz, e assim fica difícil .Foi isso que mais ou menos que aconteceu, que por acaso o marreteiro não foi mas, o madeireiro não foi e era ele que levava o óleo a mercadoria. Porque o jauru cú é um rio muito comprido. Daqui no macapixí, o barco que tira em vinte e quatro horas, ele anda muito, então por acaso, é mais longe do que aqui em vitória do Xingu. Tem muitos que ainda tão lá, mas tão passando uma vida sofrida, e muito sofrida porque a vida do pobre já não é aquela grande coisa. A educação de lá não tem;não tem educação e eu acho assim um desprezo do poder publico, o prefeito, ele deixa a população esquecida.Eles diziam que ia ser muito bom ia tudo dar certo, ia ter assistência, o governo federal ia fazer moradia digna. Isso foi a
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promessa,posto de saúde,moradia de primeira qualidade,água encanada muita coisa boa, né.Eles falaram, eles cobraram porque tudo que prometeram nada foi cumprido. Nada foi cumprido da promessa da reserva e agora pro final pelo que eu to sabendo eles querem tirar o búfalo da reserva e ai eles vem embora, e eles quase não tem informação do que é cidade,tu vê que aqui quase toda semana morria um rapaz (morador do bairro Biata, Porto de Moz. Janeiro de 2012)
Diante de relatos como esse, é possível afirmar alguns pontos sobre essa primeira etapa
de pesquisa:
a) a paradoxal eficiência e ineficiência do Estado brasileiro ao compor forças
políticas e estratégias de proteção dos recursos naturais, criando áreas diversas para a
solução de problemas históricos de conflitos entre empresas, atores locais, o próprio etc,
porém, ao mesmo tempo em que agudiza os conflitos diante da incapacidade de gerir
estes espaços e territórios e suas respectivas territorialidades, comprometendo a
funcionalidade dessas áreas criadas;
b) os movimentos socioambientais, já históricos na Amazônia como um todo,
mostram mais uma vez sua força, ao exigir cada vez mais a participação na gestão dos
seus recursos e tem conseguido impor-se politicamente e organizam seus espaços de
vivencia. Revelam, no entanto uma morosidade em relação ao aparato estatal de
fiscalização, caso de porto de Moz, na Verde para sempre.
Considerações finais
Após seguidas as etapas iniciais da pesquisa, pode-se constatar que a rapidez com que o
Estado implementou a Resex Verde para Sempre revela que a situação quanto a
exploração madeireira era gritante, afetando os moradores da Resex no aspecto positivo
e negativo (de acordo com suas opiniõies) e ao mesmo tempo em que o Estado
brasileiro precisava atender a demanda dos movimentos pró-reserva e demonstrar sua
capacidade de gerir e resolver os problemas ambientas na Amazônia. No entanto, essa
rapidez se juntou a uma situação de despreparo do Estado ao tratar as questoes locais,
como parte importante das condições de existenoca de uma resex como a vrede para
sempre por suas dimensoes e complicações socioespacais pela sua diversidade
populacional e dependencia do modo de vida das populações com relação aos recursos
ali disponíveis.
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1- O movimento social parte da concepção de sociedade civil, como lócus dos movimentos sociais, como reservatório de virtudes, o que implica uma sobrevalorização do potencial político dos atores sociais (GOSS, K. P.; PRUDÊNCIO, K. 2004, p. 01); deve ser entendido também, como resultado da organização da sociedade rural, principalmente as populações tradicionais ligadas às florestas, aos rios, povos indígenas e que passam a se unir e manifestar-se contra a qualquer forma de ameaça a sua reprodução social, econômica, ambiental etc.
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